Solidariedade: Dom, Virtude e Estratégia para outro Mundo Possível O evangelho de Lucas narra uma situação vivida por Jesus que nos apresenta o elemento fundante do espírito de solidariedade. Vejamos: “Um doutor da Lei se levantou e, querendo experimentar Jesus, perguntou: Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna? Jesus lhe disse: Que está escrito na Lei? Como lês? Ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e teu próximo como a ti mesmo! Jesus lhe disse: Respondeste corretamente. Faze isso e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?”(Cf. Lc 10, 25-29). A parábola do Bom Samaritano, contada por Jesus depois deste questionamento, relata que o próximo foi aquele que chegou perto do homem que caiu nas mãos dos assaltantes, viu sua situação, moveu-se de compaixão e tomou atitude: cuidou de suas feridas, deu-lhe abrigo e buscou criar melhores condições para que aquela pessoa retomasse sua vida. Portanto, solidariedade é um dom que Deus nos deu, que não é feita apenas de palavras, mas principalmente de atitudes. Solidariedade é reconhecer o outro como seu próximo, amá-lo assim como nos amamos. Solidariedade é buscar alternativas de elevar o próximo tanto na qualidade de vida, quanto na qualidade de consciência de construção de novos valores. Nos dias atuais, solidariedade pode ser considerada uma virtude, porque quem a vive contrapõe a lógica do sistema que vivemos. Para vivermos num contexto onde a solidariedade “impere”, é necessário negar diversos elementos impostos pelo sistema capitalista, tais como: o consumismo, a competição, o egoísmo, a destruição do meio ambiente, entre outros. Portanto, viver a solidariedade atualmente é negar o sistema vigente e buscar na organização de grupos e movimentos as alternativas necessárias para a mudança da realidade social, de pessoas, grupos, comunidades e da sociedade em geral. Muito mais do que uma ação coletiva e pontual entre grupos e movimentos, a solidariedade deve ser uma virtude que toda pessoa deve cultivar dentro de si. As minhas relações com a família, com os vizinhos e amigos, devem sempre expressar a solidariedade que brota dentro de mim, que, unida a tantas outras pessoas que comungam da mesma proposta, realizam ações coletivas de superação das perversidades causadas pelo sistema capitalista. Nesse sentido, faz-se necessária uma conversão pessoal para uma ação global. Por último, é importante reconhecer que existem dois tipos de solidariedade. O primeiro é o que prende, sufoca e atrofia as possibilidades de construção de uma vida melhor. Essa solidariedade está muito próxima do conceito antigo de caridade e filantropia, onde a “ação solidária” serve muito mais para o “alivio de consciência” de quem pratica a ação, do que para a emancipação da pessoa que recebe essa ação. O segundo tipo de solidariedade é o que Jesus apresenta na parábola, solidariedade que liberta, que transforma. A solidariedade que é movida pelo sentimento de indignação, que busca no outro a imagem e semelhança de Deus, e que, por isso, é feita com amor, afeto, e busca a transformação da vida das pessoas. A solidariedade é um elemento básico para a construção de um mundo novo, onde só a boa vontade não é suficiente, pois ela é mais que doar o que sobra, é doar também o que nos pode fazer falta, por entender que o ser humano tem essa possibilidade de permitir que todos os povos tenham o direito de satisfazer suas necessidades, mesmo que isso dependa da ajuda e da participação solidária de todos*. O QUE É? Proposta pela Cáritas Brasileira, a Semana da Solidariedade deseja ser um espaço de reflexão, partilha, aprendizado e conscientização sobre o papel social da Igreja. É uma semana dedicada à dimensão social! Este material proporcionará o estudo e a reflexão nas Ações Sociais, grupos, pastorais sociais e movimentos, sobre Solidariedade e de que forma podemos estar organizando e promovendo a solidariedade em nossas comunidades. Por fim, uma reflexão sobre Mística e Espiritualidade como elemento fundamental para a nossa ação prática. Tema: 100 Anos a Serviço da Vida Plena e da Esperança! Lema: De graça recebestes, de graça dai! (Mt 10,8) * Bogo, Ademar. Valores de uma prática militante. Consulta Popular, cartilha nº 9. Realização: Apoio: Questões para refletir em grupo: a) Avaliem em seu grupo: como andam as relações solidárias em nossa comunidade? Entre vizinhos, amigos? Vivenciamos de fato a solidariedade com o próximo? b) Em nossas ações comunitárias, que tipo de solidariedade realizamos? 4 1 ORGANIZANDO A SOLIDARIEDADE Não estamos sós na comunidade realizando nossa missão. Existem muitos grupos, pastorais, serviços e movimentos que realizam ação social, todos sempre com muita disponibilidade, respeito e compromisso. São grupos e pastorais que, assim como nós, atuam com famílias, crianças, mulheres e idosos. O grande desafio que ainda encontramos nas comunidades é a organização dos serviços sociais que são desenvolvidos. As pastorais sociais e grupos realizam com muita competência suas atividades específicas, porém a integração dessas ações com um conjunto maior de ações na comunidade ainda é um desafio que precisa ser superado. Essa organização contribuirá para o êxito e o avanço dessas iniciativas junto às comunidades empobrecidas. O trabalho em rede, de maneira horizontal, enriquece a prática da solidariedade. Para compreender melhor como se dá esse processo, procuremos primeiro entender o que é uma REDE. REDE é uma “teia” de organizações, ligadas por ações que busquem a cooperação de umas com as outras, nas mais diversas ações. Alguns fatores relevantes contribuem para a organização da solidariedade: Organização de uma equipe animadora: Ela deve ser integrada por pessoas representativas de iniciativas comunitárias, pastorais, movimentos e com as pessoas empobrecidas da comunidade; Levantamento da realidade social: visitar as famílias, conhecer a situação da comunidade: necessidades, interesses e potencialidades. Planejamento: organizar as ações que serão realizadas, definindo os responsáveis pelas atividades, estabelecendo prazos e metas; Mobilização de Recursos Financeiros: promovendo campanhas, elaborando projetos de captação de recursos e firmando convênio com o Poder Público, para sustentação do projeto. Acompanhamento e Avaliação: podem ser feitas algumas reuniões em tempos espaçados, para avaliar o andamento do projeto, medindo os impactos e transformações que o mesmo está causando na comunidade e nas famílias. Formação de lideranças e agentes sociais: promoção de momentos formativos de capacitação para os agentes envolvidos no projeto. 2 MÍSTICA E ESPIRITUALIDADE: Aprendendo com o Mestre Vamos começar nossa reflexão a partir de uma frase de Frei Betto: “Ser cristão é querer transformar o mundo, de modo a resgatar o projeto original de Deus, aquilo que Ele queria para nós e que consta na primeira página da Bíblia: um paraíso na Terra”. ESSA UTOPIA É NOSSA! Construir uma nova sociedade é também construir novos valores: partilha, solidariedade, companheirismo, justiça, respeito à diversidade, etc. Começando pela nossa cidade, pela comunidade de que participamos, pela rua em que moramos, é fazer a diferença ali, onde se faz necessária a mudança. É desenvolver uma cultura da solidariedade! Essa cultura que, segundo o Evangelho, tem uma outra palavra: cultura do amor. Jesus soube vivenciar e testemunhar muito bem a cultura do amor. “Jesus passou fazendo o bem, veio para dar vida, e vida em abundância (cf. Jo 10,10). Colocou-se ao lado dos indefesos, dos marginalizados, dos oprimidos e até dos estrangeiros e dos pecadores. Emprestoulhes a voz, transmitiu força messiânica e a misericórdia do Pai. Nesta perspectiva, Jesus não tinha apenas uma boa notícia aos pobres, ele era a Boa Noticia, trouxe vida plena e eterna para todos.” (Doc. 69 CNBB). Jesus não concordava com as injustiças da época e agia em favor dos empobrecidos. A indignação é uma qualidade que jamais podemos perder. Indignar-se contra as injustiças e contra as atitudes de quem as comete. Jesus não se acomodava diante das injustiças sociais, ao contrário, tomava atitudes e posturas que favoreciam os mais simples e derrubavam os poderosos. Assim devemos ser, como Jesus, não nos acomodarmos com a desigualdade. “Partilhar com o outro o sofrimento, a exemplo de Jesus, não é dar as coisas, mas dar-se. É colocar-se a serviço, gastar tempo, estar ao lado de quem sofre. É ceder ao outro as próprias forças, para que ele possa abrir os olhos, organizar-se e resgatar a auto-estima, a identidade, seus valores mais profundos, e assim erguer a cabeça, levantar-se e seguir adiante. Jesus reconhece as potencialidades de quem está temporariamente fragilizado, e confia em sua capacidade de agir.” (IDEM) As comunidades empobrecidas organizadas, erguidas, poderão soltar a voz, mobilizar as forças e lutar pelo sagrado direito de viver com dignidade e esperança. Não se trata de fazer para, mas fazer com, possibilitando que os mais pobres sejam os sujeitos privilegiados da própria libertação. Libertar-se implica um processo coletivo que requer empenho e solidariedade. Ninguém se liberta sozinho. Esse é o nosso desafio. Mas temos a certeza de que Jesus Cristo está conosco, é nosso companheiro de luta e caminhada, está ao nosso lado em todos os momentos, animando-nos com o seu Espírito Santo, para que não desistamos de nossa empreitada, na busca incessante da construção de um outro mundo possível. 3