DURKHEIM, Émile, A divisão do trabalho social, Lisboa, Editorial Presença, 1977 (trad. de De la division du travail social, Paris, publ. orig. : 1893 ; novo prefácio : 1902). [Prefácio de 1902, p. 8] « Insistimos por várias vezes, no decurso do livro, no estado de anomia da vida jurídica e moral em que actualmente se encontra a vida económica. Nesta esfera de funções, com efeito, a moral profissional não existe verdadeiramente senão no estado rudimentar. Existe uma moral profissional do advogado e do magistrado, do soldado e do professor, do médico e do padre, etc. Mas, se se tentasse fixar numa linguagem um pouco definida as ideias correntes sobre o que devem ser as relações do empregador com o empregado, do operário com o empregador, dos industriais em concorrencia uns com os outros e com o público, que indecisas fórmulas se obteriam ! [p. 10] Mas aquilo que faz, em particular hoje, a gravidade excepcional deste estado, é o desenvolvimento, até aqui desconhecido, que as funções económicas tomaram desde há cerca de dois séculos. Enquanto que outrora apenas desempenhavam um papel secundário, elas estão agora na primeira linha. Estamos longe do tempo em que eram desdenhosamente abandonadas às classes inferiores. Perante elas, vê-se cada vez mais recuarem as funções militares, administrativas, religiosas. Apenas as funções científicas estão em condições de lhes disputar o lugar ; e ainda assim, a ciência actualmente não tem prestígio senão na medida em que pode servir à prática, isto é, em grande parte, às profissões económicas. É por isso que se pode dizer, das nossas sociedades, não sem alguma razão, que elas são ou tendem a ser essencialmente industriais. Uma forma de actividade que tomou um um tal lugar no conjunto da vida social não pode, evidentemente permanecer a este ponto não regulamentada sem que daí resultem as perturbações mais profundas. [p. 12] Nem a sociedade política no seu conjunto, nem o Estado, podem evidentemente cumprir esta função ; a vida económica, porque é muito especial e se especializa cada dia mais, escapa às suas competências e à sua acção. A actividade de uma profissão não pode ser regulamentada eficazmente senão por um grupo bastante próximo desta mesma profissão para lhe conhecer bem o funcionamento, para lhe sentir todas as necessidades e poder seguir todas as suas variações. O único que responde a estas condições é aquele que todos os agentes de uma mesma industria reunidos e organizados num mesmo corpo formariam. É o que se chama a corporação ou o grupo profissional. » [p. 79] « A divisão do trabalho desempenharia um papel muito mais importante do que o que se lhe atribui vulgarmente. Ela não serviria somente para dotar as nossas sociedades de um luxo, talvez invejável, mas supérfluo ; seria uma condição da sua existência. É através dela, ou pelo menos sobretudo através dela, que seria assegurada a sua coesão ; é ela que determinaria os traços essenciais da sua constituição. (…) é preciso verificar a hipótese que acabamos de apresentar sobre o papel da divsião do trabalho. Mas como proceder a esta verificação ? (...) é preciso sobretudo determinar em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a integração geral da sociedade. [p. 80] (…) Para responder a esta questão (…) é indispensável começar por classificar as diferentes espécies de solidariedade social. Mas a solidariedade é um fenómeno completamente moral que, por si próprio, não se presta à observação exacta nem sobretudo à medida. Para proceder, quer a esta classificação, quer a esta comparação, é preciso portanto substituir o facto interior, que nos escapa, pelo facto exterior, que o simboliza, e estudar o primeiro através do segundo. Este símbolo visível é o direito. (…) Com efeito, a vida social, por todo o lado onde ela existe de uma maneira durável, tende inevitavelmente a tomar uma forma definida e a organizar-se, e o direito não é outra coisa senão esta mesma organização, naquilo que tem de mais estável e de mais preciso. A vida geral da sociedade não pode estender-se num certo sentido sem que a vida jurídica para aí se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção. Podemos assim estar certos de encontrar refectida no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social.» [Índice :] « Solidariedade mecânica ou por similitudes : (…) As normas que o direito penal sanciona exprimem portanto as similitudes sociais mais essenciais ; por consequência, corresponde à solidariedade social, a qual deriva das semelhanças , e varia com ela. (…) A solidariedade que deriva da divisão do trabalho ou orgânica : (…) Relações positivas ou de cooperação que derivam da divisão do trabalho regem-se por um sistema definido de normas jurídicas que se pode chamar de direito cooperativo. » WEBER, MAX, Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade), Tübingen, 1ª edição 1921 (citado a partir da 5ª ed., Tübingen, Mohr, Siebeck, 1976). [p. 198] « Efectivamente, uma ordem económica de tipo moderno, sem dúvida, não se poderia realizar sem uma ordem jurídica com características muito especiais, as quais se podem concretizar, na prática, apenas no âmbito de uma ordem ‘estadual’. A economia contemporânea baseia-se em hipóteses [de negócios] adquiridas através de contactos. Existe algum interesse próprio de cada um na ‘lealdade nos contratos’, assim como interesses comuns dos possuidores na protecção recíproca da posse. E ainda hoje os usos e os costumes determinam com alguma força o indivíduo. Mas a influência destas forças sofreu uma extraordinária perda de significado como consequência do abalo da tradição – por um lado das condições ordenadas pela tradição, e por outro lado, da crença no seu carácter sagrado. Os interesses das classes divergem como nunca. A rapidez das transacções exige um direito que funcione de maneira rápida e segura, isto é, com a garantia do mais forte poder de coerção. E, acima de tudo, a economia moderna, em virtude das suas particularidades, aniquilou as outras associações, que sustentavam o direito e as suas garantias. Isto foi a obra do desenvolvimento do mercado. O domínio universal de uma formação social assente no mercado exige (…) um funcionamento do direito calculável, na base de regras racionais. » (conclusão do capítulo I da Segunda Parte, « A economia e as ordens sociais ») [p. 513] « (…) em todos os casos, o destino inevitável, em consequência do desenvolvimento técnico e económico, será (…) um crescente desconhecimento, por parte dos leigos, de um direito cuja substância técnica vai aumentar constantemente, ou seja a professionalização do direito, bem como a qualificação do direito actualmente em vigor como aparato técnico e racional, isto é, susceptível de ser modificado em qualquer altura em função de finalidades racionais, e cuja substância perdeu qualquer carácter sagrado. » (conclusão do capítulo VII da Segunda Parte, « Sociologia do direito »)