DOSSIÊ TÉCNICO Qualidade da água de hemodiálise Ivete Keiko Shimada Coimbra Carmen Etsuko Higaskino Eder José dos Santos Maria Paula Assis Yamada Quelcy Barreiros Correa Instituto de Tecnologia do Paraná Outubro 2007 DOSSIÊ TÉCNICO Sumário 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................2 1.1 A insuficiência renal e a hemodiálise.........................................................................2 1.2 Histórico .......................................................................................................................3 2 DIÁLISE ...........................................................................................................................3 3 ÁGUA PARA HEMODIÁLISE ...........................................................................................5 3.1 Tratamento da água.....................................................................................................5 3.1.1 Pré-tratamento da água ..............................................................................................6 3.1.2 Osmose reversa .........................................................................................................6 3.1.3 Deionização ................................................................................................................6 3.2 Principais contaminantes químicos e seus efeitos nos pacientes crônicos de hemodiálise..................................................................................................................6 3.2.1 Cálcio e magnésio ......................................................................................................6 3.2.2 Flúor e cloro................................................................................................................6 3.2.3 Alumínio......................................................................................................................7 3.2.4 Chumbo ......................................................................................................................7 3.2.5 Cobre..........................................................................................................................7 3.2.6 Sódio ..........................................................................................................................7 3.2.7 Prata ...........................................................................................................................7 3.2.8 Cádmio .......................................................................................................................7 3.2.9 Zinco...........................................................................................................................7 3.2.10 Mercúrio....................................................................................................................7 3.2.11 Outros elementos .....................................................................................................7 3.3 Micropoluentes biológicos .........................................................................................8 4 MATERIAIS NECESSÁRIOS NO SERVIÇO DE DIÁLISE................................................9 4.1 Água para preparo da solução para diálise ...............................................................9 5 ENSAIOS MICROBIOLÓGICOS ......................................................................................10 5.1 Contagem de coliformes totais...................................................................................10 5.2 Contagem de bactérias heterotróficas.......................................................................11 6 ENSAIO DE ENDOTOXINA BACTERIANA......................................................................11 6.1 Patogênese da reação pirogênica (ação das endotoxinas e reações).....................12 6.2 Ensaios para detecção ou quantificação de endotoxina bacterinana presente na água de hemodiálise ...................................................................................................12 7 ENSAIOS FÍSICO-QUÍMICOS..........................................................................................14 7.1 Espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP OES)......................................................................................................................15 7.2 Geração de vapor frio – determinação analítica do Hg.............................................18 7.3 Nebulização ultra-sônica – determinação analítica de Ag, Al, As, Be, Cd, Cr, Pb, Sb, Se e Ti ....................................................................................................................18 8 CIANOBACTÉRIAS E CIANOTOXINAS...........................................................................20 8.1 Cianobactérias .............................................................................................................20 8.2 Cianotoxinas ................................................................................................................21 Conclusões e recomendações .........................................................................................24 Referências ........................................................................................................................24 1 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br DOSSIÊ TÉCNICO Título Qualidade da água de hemodiálise Assunto Soluções para diálise Resumo A água é a principal matéria-prima do centro de diálise e os pacientes com Insuficiência Renal Crônica (IRC) dependem dela para a sobrevivência e para terem melhor qualidade de vida. Cabe à sociedade, autoridades, a comunidade científica e aos prestadores de serviços a responsabilidade de oferecer serviços de diálise com qualidade, competência, com segurança e acima de tudo com consciência. Este dossiê é uma compilação de diversos trabalhos publicados ou veiculados na mídia sobre implicações, na saúde do paciente, da qualidade da água utilizada nos centros de diálise, desde sua disposição nos reservatórios, eficiência no tratamento da água de rede, tratamento dentro das unidades e ensaios para verificação da sua adequabilidade ao uso. Palavras-chave Água deionizada; análise microbiológica; cianobactéria; cianotoxina; contaminação microbiológica; controle de qualidade; endotoxina bacteriana; ensaio físico-químico; hemodiálise; medicamento; osmose reversa; RO; solução para diálise Conteúdo 1 INTRODUÇÃO 1.1 A insuficiência renal e a hemodiálise Os rins têm a função de eliminar substâncias tóxicas do organismo através da urina. Participam também da excreção de água e de sais minerais, do controle da acidez do sangue e da produção de hormônios. Quando os rins sofrem de alguma doença crônica que leva à perda de suas funções, caracteriza-se a insuficiência renal crônica (IRC). Isso pode ocorrer, por exemplo, em pacientes com hipertensão arterial (“pressão alta”) mal-controlada, diabetes mellitus de longa duração, glomerulonefrite crônica, rins policísticos, entre outras causas (ROMÃO JUNIOR, 2004). Se os rins estão doentes, deixam de realizar suas funções, o que pode ocasionar risco de morte do paciente. Nesta situação, o paciente geralmente apresenta sintomas como fraqueza, perda de apetite, náuseas, vômitos, inchaços, palidez, falta de ar, anemia, e alterações detectáveis nos exames de sangue (aumento de uréia, creatinina, potássio, entre outros). É preciso, então, substituir as funções dos rins de alguma maneira, o que pode ser feito realizando-se um transplante renal, ou através da diálise. A diálise é, portanto, um tipo de tratamento que visa repor as funções dos rins, retirando as substâncias tóxicas e o excesso de água e sais minerais do organismo, estabelecendo assim uma nova situação de equilíbrio. Através da diálise é possível melhorar os sintomas acima citados e reverter a situação de risco de morte imposta pela insuficiência renal (ROMÃO JUNIOR, 2004). 2 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br 1.2 Histórico A primeira diálise bem sucedida da história da medicina foi realizada em 1945, por Wilhem Kolf, na Holanda. O paciente sobreviveu por mais de 6 anos. No Brasil, a hemodiálise teve inicio em 1949, quando Dr. Tito Ribeiro de Almeida, do Hospital de Clínicas da USP, dialisou uma paciente com IRC. Iniciando-se, a partir desse trabalho, o desenvolvimento dessa técnica no país. Segundo censo de 2004/2005 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), existiam 65.121 pacientes com IRC em diálise no país, distribuídos em 596 unidades de diálise, dos quais 62,4% dentro dos hospitais. Estima-se que no mundo existam mais de 1.200.000 de pacientes submetidos à diálise (ABREU et al., 2005). 2 DIÁLISE Para o procedimento da diálise é necessária uma preparação prévia do paciente, como disponibilização do acesso vascular para circulação sanguínea (FIG. 3). Este acesso fornece condições para que o sangue seja levado do corpo do paciente à máquina de diálise e desta de volta ao corpo. A hemodiálise, conforme as condições do paciente, é realizada 3 vezes por semana. Cada sessão de diálise tem duração de 2 a 4 horas. Devido à passagem do sangue por vários pontos, o que oferece risco de contaminação ao paciente, é necessário um controle microbiológico e físico-químico rigoroso de todo o processo (ALIANDRO; PASCUET, 2005). O tratamento dialítico modificou o prognóstico e o futuro dos pacientes com insuficiência renal crônica, mas também é responsável por inúmeras complicações, cujas causas são cada vez mais descritas e pesquisadas (SILVA et al., 1996). Segundo a Sociedade Brasileira e Nefrologia, existem 2 categorias de diálise: a hemodiálise e a diálise peritoneal (ROMÃO JÚNIOR, 2004). Tipos de hemodiálise: a) Hemodiálise à beira do leito: procedimento de hemodiálise realizado fora da unidade de diálise, isto é, no centro de terapia intensiva (CTI), em quarto ou enfermaria; b) Hemodiálise domiciliar: hemodiálise realizada no domicílio do paciente; c) Hemodiálise intermitente: procedimento de hemodiálise com no máximo 4 h de duração; d) Hemodiálise prolongada ou extendida: procedimento de hemodiálise com duração de 8 a 12 h; e) Hemodiálise contínua: procedimento de hemodiálise realizado em no mínimo 24 h. Tipos de diálise: a) Diálise peritoneal automática: modalidade de diálise peritoneal com trocas controladas por máquina cicladora automática; b) Diálise peritoneal manual: modalidade de diálise peritoneal com trocas controladas manualmente. A hemodiálise promove a retirada das substâncias tóxicas água e sais minerais do organismo (ALIANDRO; PASCUET, 2005), mediante a passagem do sangue por um filtro, como mostrado na Figura 1. A hemodiálise é, em geral, realizada 3 vezes por semana, em sessões com duração média de 3 a 4 horas, com o auxílio de uma máquina (FIG. 2), dentro de clínicas especializadas neste tratamento. Para que o sangue passe pela máquina, é necessária a colocação de um cateter ou a confecção de uma fístula (FIG. 3), que é um procedimento realizado mais comumente nas veias do braço, para permitir que estas fiquem mais calibrosas e, desta forma, forneçam o fluxo de sangue adequado para ser filtrado. 3 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 1 – Processo de hemodiálise Fonte: PEGORARO, 2005. Figura 2 – Máquina que realiza o processo de hemodiálise Fonte: PEGORARO, 2005. Figura 3 – Fístula de uma paciente de hemodiálise Fonte: PEGORARO, 2005. 4 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br A diálise peritoneal funciona de maneira diferente. Ao invés de utilizar um filtro artificial para “limpar” o sangue, é utilizado o peritônio, que é uma membrana localizada dentro do abdômen e que reveste os órgãos internos. Por meio da colocação de um cateter flexível no abdômen, é feita a infusão de um líquido semelhante a um soro na cavidade abdominal. Este líquido, chamado de banho de diálise, vai entrar em contato com o peritônio e por ele será feita a retirada das substâncias tóxicas do sangue. Após um período de permanência do banho de diálise na cavidade abdominal, este fica saturado de substâncias tóxicas e é então retirado, sendo feita em seguida a infusão de novo banho de diálise. Esse processo é realizado de uma forma contínua e é conhecido por CAPD, sigla em inglês que significa diálise peritoneal ambulatorial contínua. A diálise peritoneal é uma forma segura de tratamento, realizada atualmente em mais de 100.000 pacientes no mundo todo (PEGORARO, 2005). 3 ÁGUA PARA HEMODIÁLISE Até a década de 70, acreditava-se que a água potável também servisse para a hemodiálise. Com o aumento do número de pacientes em tratamento dialítico e de sua sobrevida, acumularam-se evidências que permitiram correlacionar os contaminantes da água com efeitos adversos do tratamento dialítico (SILVA et al., 1996). Pacientes em tratamento por hemodiálise são expostos a volumes de água que variam entre 18.000 a 36.000 litros/ano. Portanto, se a água não for corretamente tratada, vários contaminantes químicos, bacteriológicos e tóxicos poderão ser transferidos para os pacientes, levando ao aparecimento de efeitos adversos, muitas vezes letais (SILVA et al., 1996). Apesar da água de abastecimento público que chega ao hospital ou unidade de saúde ser potável para consumo humano, ela é inadequada para uso em hemodiálise ou para outros fins especiais (hemodinâmica, lavagem de cateteres, preparação de dietas enterais, etc), uma vez que a água potável contém cloro e, dependendo da origem da água ou da rota percorrida nas tubulações externas, pode conter também material orgânico, sais minerais, metais pesados, microorganismos, endotoxinas ou microcistinas produzidas por algas, devendo esta água passar por novo tratamento antes de sua utilização (PEGORARO, 2005). 3.1 Tratamento da água Os métodos de tratamento da água para uso em hemodiálise devem ser adequados para produção de água caracterizada como “água para injetáveis” - água Tipo I – de acordo com o sistema de obtenção preconizado e estabelecido nas edições vigentes da Farmacopéia Européia e da Farmacopéia dos Estados Unidos da América - USP. Os métodos de tratamento preferenciais são a osmose reversa e a deionização (PEGORARO, 2005; LEME; SILVA, 2003). Nas sessões de hemodiálise, a água tratada é utilizada para diluir soluções concentradas contendo íons de sódio, cálcio, potássio, magnésio, glicose, acetato, etc. Essas soluções concentradas de sais, conhecidas como “concentrado polieletrolítico para uso em hemodiálise” ou CPHD, depois de diluídas, compõem a solução dialítica ou dialisato, também conhecido como “fluido de diálise” (PEGORARO, 2005). O dialisato será usado na filtração sangüínea de produtos metabólicos produzidos pelo paciente renal crônico. O equipamento de diálise mimetiza a função renal, bombeando o sangue do paciente através de membranas semipermeáveis – os “capilares” ou “dialisadores” - imersos no dialisato, ocorrendo a filtração dos produtos indesejáveis do sangue (uréia, creatinina, ácidos orgânicos, medicamentos, etc), substituídos pelos íons presentes no dialisato (cálcio, magnésio, sódio e potássio) (PEGORARO, 2005). O volume de água tratada Tipo I usado em cada sessão de hemodiálise é de cerca de 120 5 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br litros por paciente, que necessitará, em média, de 10 a 12 sessões mensais, ou seja, aproximadamente 17.280 litros por ano, por paciente. Porém, existem casos em que esses valores podem atingir uma faixa que varia entre 18.000 a 36.000 litros por ano, para cada paciente (LEME; SILVA, 2003). Conforme as informações acima relatadas, se a água não for corretamente tratada, vários contaminantes químicos e bacteriológicos poderão ser transferidos para os pacientes, levando ao aparecimento de efeitos adversos cumulativos ou clínicos, às vezes letais (ALIANDRO; PASCUET, 2005). 3.1.1 Pré-tratamento da água O pré-tratamento da água potável, antes da osmose reversa, também deve ser eficaz, composto de filtros de areia e carvão ativado, bem como abrandadores (para remoção de cálcio, magnésio, ferro e manganês) retendo grande parte de impurezas orgânicas e químicas, evitando danos às membranas de osmose reversa (LEME; SILVA, 2003). 3.1.2 Osmose reversa Como pós-tratamento são recomendados filtros com porosidade igual ou menor que 0,2 micras, que retém bactérias e endotoxinas. A água obtida por osmose reversa é considerada de ótima qualidade para hemodiálise e até o momento é a mais recomendada. Como processo final, a água sofre ação da luz ultravioleta com esterilização final, antes de ser utilizada em soluções (LEME; SILVA, 2003). 3.1.3 Deionização Os deionizadores são constituídos por resinas capazes de eliminar praticamente todos os sais minerais, além de matérias orgânicas e partículas coloidais. As resinas trocadoras de íons (catiônicas e aniônicas) podem estar em tanques separados ou único (leito misto). A + resina catiônica fixa cátions liberando íons H e a aniônica fixa ânions fortes e fracos +. liberando OH (SILVA et al., 1996). Embora os dois métodos sejam eficientes quanto ao tratamento da água, a osmose reversa oferece maior segurança em razão da sua capacidade de retenção de metais pesados e orgânicos dissolvidos na água (PRISTA; ALVES; MORGADO, 1990; LEME; SILVA, 2003). 3.2 Principais contaminantes químicos e seus efeitos nos pacientes crônicos de hemodiálise 3.2.1 Cálcio e magnésio Um dos primeiros eventos mórbidos relacionados à qualidade da água foi a chamada “síndrome de água dura”, que se caracterizava pelo aparecimento, durante as sessões de diálise, de náuseas, vômitos, letargia, fraqueza muscular intensa e hipertensão arterial. Tal quadro estava diretamente associado à presença de grandes quantidades de cálcio e magnésio na água não tratada. A remoção desses elementos por equipamentos denominados “abrandadores” acompanhava-se do desaparecimento dos sintomas dos sinais descritos acima (PEGORARO, 2005). O magnésio é abundante, representando 2,1% da crosta terrestre. Confere a dureza à água, quando em excesso na água do dialisato causa diminuição da sensibilidade da placa motora à acetilcolina e provoca bloqueio da transmissão neuro-muscular (SILVA et al., 1996). 3.2.2 Flúor e cloro Em 1980, em Maryland, ocorreu um acidente por excesso de flúor na água (fluoração da água para prevenção da cárie dentária) que provocou complicações graves em 8 pacientes e óbito em um deles. Oito anos depois, na Filadélfia, foram descritos 44 problemas de 6 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br hemólise devido à remoção inadequada de cloro da água utilizada (PEGORARO, 2005). 3.2.3 Alumínio O uso de sal de alumínio como agente clarificante, além da fluoração e cloração, é um procedimento utilizado pela comunidade para melhorar a qualidade da água para consumo, entretanto, esse elemento é deletério para a saúde dos pacientes renais crônicos. Até a década de 70, acreditava-se que o alumínio não fosse tóxico, entretanto, em 1972, Alfrey descreveu uma síndrome denominada de “encelopatia da diálise” que se caracterizava por distúrbio da fala e convulsões evoluindo geralmente para óbito. Seus efeitos tóxicos são a Síndrome da Demência Progressiva e a deterioração neurológica, as quais freqüentemente causam a morte por altas concentrações de alumínio no cérebro. Há também a doença óssea causada pela substituição do cálcio ósseo por alumínio, causando osteoporose (PEGORARO, 2005). 3.2.4 Chumbo Causa desordens mentais especialmente em crianças, danos nos rins, desordens sangüíneas, hipertensão, anemia hipocrônica, síndrome abdominal (dor abdominal, anorexia: cólica do chumbo), síndrome neuro-muscular (astemia, dores musculares e articulares: “gota saturnina”) até a encefalopatia saturnina que se constitui por sintomas de agitação e tremores, podendo evoluir para convulsões, coma e morte (PEGORARO, 2005). 3.2.5 Cobre Proveniente de tubulações de cobre, poluição das águas naturais por rejeitos industriais e também de tratamento para algas. Pode causar náusea, dor de cabeça, danos ao fígado e hemólise fatal (PEGORARO, 2005). 3.2.6 Sódio Em determinadas regiões, a concentração de sódio na água pode ser elevada. Pode ser originado dos abrandadores que são utilizados para remover cálcio e magnésio da água. Essa concentração elevada pode causar hipertensão, convulsão, vômito, taquicardia e dificuldades para respirar (PEGORARO, 2005). 3.2.7 Prata A intoxicação crônica por prata leva à argirose cutânea, que se caracteriza por pele acinzentada e formação de uma linha acinzentada gengival (PEGORARO, 2005). 3.2.8 Cádmio Produto de revestimentos metálicos, pinturas e matérias plásticas (SILVA et al., 1996), é um elemento extremamente tóxico, tem efeito carcinogênico, lesa túbulos renais, provoca doença óssea (osteomalácia) e hipertensão arterial (PEGORARO, 2005). 3.2.9 Zinco O zinco em excesso na água para hemodiálise pode levar ao aparecimento de anemia hemolítica, além de náuseas e vômitos. O acúmulo crônico está relacionado a casos de encefalopatia (PEGORARO, 2005). 3.2.10 Mercúrio A grande lipossolubilidade do metal leva ao seu acúmulo no sistema nervoso central, causando tremores, paralisias e manifestações psiquiátricas (PEGORARO, 2005). 3.2.11 Outros elementos 7 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Estanho, arsênio e estrôncio podem estar presentes na água de abastecimento e causar complicações nos pacientes em hemodiálise por acúmulo tecidual (PEGORARO, 2005). O arsênico se origina de detergentes à base de fosfatos, produtos sanitários, pigmentos e corantes. Ocasiona problemas digestivos, neurológicos e cutâneos. Altera o DNA, resultando num efeito cancerígeno (SILVA et al., 1996). 3.3 Micropoluentes biológicos A água usada nos centros de hemodiálise geralmente é obtida dos reservatórios de água da comunidade que podem conter altas concentrações de bactérias e endotoxinas. O tratamento da água reduz o número de bactérias, mas, geralmente não reduz significativamente a concentração de endotoxinas. Em função do fato do sangue e dialisato serem separados apenas por uma membrana semipermeável, a qualidade microbiológica da água da diálise e do dialisato é extremamente importante. Os fluidos não precisam ser estéreis, mas o número máximo de bactérias e de concentrações de endotoxinas deve ser controlado, conforme valores da Resolução RDC 154/2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, que estabelece o Regulamento Técnico para o funcionamento dos Serviços de Diálise. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução n. 154, de 15 de junho de 2004. Estabelece o Regulamento Técnico para o funcionamento dos Serviços de Diálise. Diário Oficial da União, Brasília, 31 maio 2006. Disponível em: <http://elegis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=22875&word>. Acesso em: 28 set. 2007. Todos os componentes do sistema de tratamento de água podem ser multiplicadores de bactérias e fontes de contaminação por endotoxinas, portanto, devem ser substituídos ou desinfectados conforme rotina pré-estabelecida. É recomendável que o sistema de distribuição de água nos centros de diálise seja construído em tubulação plástica de PVC. Tubos galvanizados ou de cobre não devem ser usados, porque poderiam contaminar a água com zinco e cobre. Tubos de grande diâmetro e longos demais diminuem o fluxo da água e aumentam o potencial de contaminação bacteriana. Conexões grosseiras, pontos cegos e ramos de tubulações sem uso também constituem reservatórios potenciais de contaminantes e devem ser eliminados (SILVA et al., 1996). Embora a contaminação por bactérias e endotoxinas não seja comum no concentrado de acetato, o mesmo ocorre com extrema rapidez no concentrado de bicarbonato. Portanto, o dialisato deve ser preparado poucas horas antes do uso e o tanque ou equipamento deve ser drenado e desinfectado ao final de cada dia de tratamento (SILVA et al., 1996). Além das tubulações, reservatórios e outros componentes do sistema, as máquinas de diálise também têm tubulações e canais facilmente colonizáveis com bactérias e, geralmente, constituem fonte de contaminação por bactérias e endotoxinas (SILVA et al., 1996). A estratégia para controle da contaminação do sistema de hemodiálise deve incluir a desinfecção dos componentes como um todo, ou seja, a rotina de desinfecção nos tanques, tubulações e máquinas deve ser realizada a um só tempo para que se considere a desinfecção eficaz (SILVA et al., 1996). Durante a sessão de diálise com fluxo de dialisato contínuo, as bactérias não colonizam ou aderem nas superfícies das tubulações, tornando a desinfecção interturnos desnecessária se a máquina trabalha ininterruptamente. Como o dialisato não recircula numa única passagem, as conexões internas não são consideradas fontes importantes de contaminação entre um paciente e o próximo. Qualquer agente infeccioso presente no sangue do paciente que passa para o dialisato é drenado, não se constituindo em ameaça para o próximo paciente (SILVA et al., 1996). A freqüência e a rotina de diálise podem ser ditadas pelas recomendações dos fabricantes 8 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br e pelos resultados das quantificações do número de bactérias na água e dialisato (SILVA et al., 1996). Existem diversos produtos que poderiam ser utilizados em desinfecção do sistema de hemodiálise: como solução de formaldeído a 4%, hipoclorito de sódio 500 ppm, germicidas químicos com glutaraldeído ou peróxido de hidrogênio também estão disponíveis no comércio. Lembrando sempre que os desinfetantes devem ser efetivos, porém sem causar efeitos danosos ao paciente, para tanto, devem ser utilizados conforme as instruções do fabricante. Alguns fabricantes recomendam o uso de água quente com mais de 80° C, como procedimento excelente para eliminação dos contaminantes bacterianos sem os efeitos colaterais dos germicidas químicos (SILVA et al., 1996). 4 MATERIAIS NECESSÁRIOS NO SERVIÇO DE DIÁLISE - Máquina de hemodiálise: equipamento em conformidade com as especificações contidas na RDC 154/2004. - Cateter venoso: com características físico-químicas e biológicas em conformidade pelo menos com os requisitos da NBR ISO 10555 (ABNT, 2003). - Água potável: procedente da rede pública de abastecimento, de poços artesianos ou de outros mananciais com características físico-químicas e biológicas em conformidade com a Portaria 518/2004, para o processo de purificação. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n. 518, de 25 de março de 2004. Estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 26 mar. 2004. Disponível em: <http://elegis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=22322&word>. Acesso em: 28 set. 2007. - Osmose reversa: equipamento para purificação da água utilizada no processo de hemodiálise, para obtenção da água tratada para diálise com características físico-químicas e biológicas em conformidade a RDC 154/2004. 4.1 Água para preparo da solução para diálise Qualidade da água: as diversas etapas do sistema de tratamento, armazenagem e distribuição da água para hemodiálise devem ser realizadas em sistemas especificados e dimensionados, de acordo com o volume, armazenagem e características da água que abastece o serviço de diálise (Portaria 518/2004). A água utilizada para a preparação da solução para diálise deve ter a sua qualidade garantida em todas as etapas de seu tratamento, mediante o monitoramento dos parâmetros físico-químicos e microbiológicos, assim como dos próprios procedimentos de tratamento, atestados através de laudos técnicos de laboratórios de referência ou habilitados pela Anvisa e devem apresentar os seguintes padrões de qualidade, conforme RDC 154/2004 (QUADRO 1). Quadro 1 – Padrão de qualidade da água tratada utilizada na preparação de solução para diálise Componentes microbiológicos Contagem de coliformes totais Contagem de bactérias heterotróficas Endotoxinas bacterianas Valor máximo permitido ausência em 100 mL Componentes físico-químicos Valor máximo permitido Nitrato (NO3-) Alumínio (Al) 200 UFC/mL 2 EU/mL Freqüência de análise Mensal Mensal Mensal 2 mg/L Freqüência de análise Semestral 0,01 mg/L Semestral 9 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Cloramina 0,1 mg/L Semestral Cloro (Cl2) 0,5 mg/L Semestral Fluoreto (F ) 0,2 mg/L Semestral Sódio (Na) 70 mg/L Semestral Cálcio (Ca) 2 mg/L Semestral Magnésio (Mg) 4 mg/L Semestral Potássio (K) 8 mg/L Semestral Bário (Ba) 0,1 mg/L Semestral Zinco (Zn) 0,1 mg/L Semestral Sulfato (SO42-) 100mg/L Semestral Arsênico (As) 0,005 mg/L Semestral Chumbo (Pb) 0,005 mg/L Semestral Prata (Ag) 0,005 mg/L Semestral Cádmio (Cd) 0,001 mg/L Semestral Cromo (Cr) 0,014 mg/L Semestral Selênio (Se) 0,09 mg/L Semestral Mercúrio (Hg) 0,0002 mg/L Semestral Berílio (Be) 0,0004 mg/L Semestral Tálio (Tl) 0,002 mg/L Semestral Antimônio (Sb) 0,006 mg/L Semestral Condutividade - igual ou menor que 10 microSiemens/cm, medida a 25° C. - - monitoramento contínuo na saída do sistema de tratamento da água para diálise. Fonte: ANVISA, 2006. 5 ENSAIOS MICROBIOLÓGICOS De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a água é essencial à vida e um suprimento adequado, seguro e acessível deve ser disponível a todos. Suprimento de água seguro é aquele que, de acordo com a mesma OMS, não representa qualquer risco significativo à saúde quando consumido por toda a vida, incluindo as diferenças de sensibilidade, que podem ocorrer nos diversos estágios ao longo da mesma. Os grupos de maior risco de doenças de veiculação hídrica são recém-nascidos, crianças, pessoas debilitadas ou vivendo em condições sanitárias insatisfatórias e idosos. A grande maioria dos problemas de saúde relacionados à água é resultado de contaminação microbiológica, entretanto, com relação à água utilizada nos processos de diálise, a presença de contaminantes químicos e biológicos têm um papel fundamental. A RDC 154/2004 estabelece ausência em 100 mL como valores permitidos de coliformes totais e 200 UFC/mL para bactérias heterotróficas. Estes ensaios devem ser realizados mensalmente. 5.1 Contagem de coliformes totais Bactérias do grupo coliforme são bacilos gram-negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, oxidase-negativos, capazes de desenvolver, na 10 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br presença de sais biliares ou agentes tensoativos que fermentam a lactose com produção de ácido, gás e aldeído a 35,0 ± 0,5° C em 24 - 48 hor as e que podem apresentar atividade da enzima ß -galactosidase. A maioria das bactérias do grupo coliforme pertence aos gêneros Escherichia, Citrobacter, Klebsiella e Enterobacter, embora vários outros gêneros e espécies pertençam ao grupo - coliformes termotolerantes - subgrupo das bactérias do grupo coliforme que fermentam a lactose a 44,5 ± 0,2° C em 24 horas; tendo como principal representante a Escherichia coli, de origem exclusivamente fecal (STANDARD…, 2005c). -Escherichia coli - bactéria do grupo coliforme que fermenta a lactose e manitol, com produção de ácido e gás a 44,5 ± 0,2° C em 24 horas , produz indol originário do triptofano, oxidase negativa, não hidroliza a uréia e apresenta atividade das enzimas ß galactosidase e ß glucoronidase, sendo considerado o mais específico indicador de contaminação fecal recente e de eventual presença de organismos patogênicos (STANDARD…, 2005c). 5.2 Contagem de bactérias heterotróficas Ensaio realizado para determinar a densidade de bactérias presentes na amostra de água, que são capazes de produzir unidades formadoras de colônias (UFC), na presença de compostos orgânicos contidos em meio de cultura apropriado, sob condições préestabelecidas de incubação: 35,0,± 0,5° C por 48 ho ras (STANDARD…, 2005b). 6 ENSAIO DE ENDOTOXINA BACTERIANA A endotoxina bacteriana é uma classe de substâncias chamada de pirógenos ou pirogênios, que significa “causadoras de febre quando injetados por via endovenosa”. A parede externa das bactérias chamadas de “gram negativas” é formada de um complexo denominado de lipolissacarídeos (LPS) (SANTOS et al., 2000). Após a morte, estas bactérias liberam este complexo (endotoxinas) no meio circulante, contaminando a água e os materiais. As endotoxinas possuem peso molecular de aproximadamente 5000 daltons, mas suas características lipídicas e hidrofóbicas permitem a formação de agregados em soluções aquosas; o tamanho do agregado depende do tipo de solução, podendo atingir vários milhões de daltons, tornando-se particuladas. O peso molecular também depende da estrutura química que constitui uma determinada endotoxina, da espécie de bactéria que é oriunda das condições do meio de crescimento da bactéria e do método de sua extração. Por sua heterogeneidade bioquímica, as endotoxinas adsorvem-se de modo variado à maioria das superfícies, incluindo carvão ativado, resinas, vidros, plásticos e substratos de filtros (SANTOS et al., 2000). As endotoxinas são substâncias altamente termoestáveis e os processos usuais de esterilização, como autoclave, não são capazes de removê-las de superfícies e de soluções. Para inativa-las ou degradá-las, devem ser usados ácidos ou bases fortes ou temperaturas de 180° C por 3 horas ou 250° C por 30 minutos (pro cesso denominado de despirogenização) (PRISTA; ALVES; MORGADO, 1990; SANTOS et al., 2000). A endotoxina presente na água de hemodiálise causa várias respostas fisiológicas agudas, que variam desde febre, calafrios, cefaléia, mal estar, mialgias, náuseas, bocejos, coagulação do dialisador, que dependem de vários fatores, como a quantidade de endotoxina existente na água, a sensibilidade e o estado geral do paciente e também complicações a longo prazo como caquexia e amiloidose (SANTOS et al., 2000). Existe uma boa correlação entre a concentração de endotoxinas e bactérias no dialisato e a presença de sintomas típicos de reação pirogênica (endotoxemia). Uma concentração bacteriana acima de 2000 UFC/mL (UFC unidade formadoras de colônias), em geral, determina nível de endotoxina suficiente para gerar sintomas clínicos; em altas concentrações, a endotoxina atravessa a membrana do dialisador que apresente mínimas rupturas ou até membranas intactas, determinando sintomas. Altas concentrações de endotoxinas no sangue ou líquido cérebro-espinal podem ser fatais, devido às complicações que se desenvolvem (SANTOS et al., 2000). 11 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br A água utilizada no reuso de dialisadores também pode ser fonte de contaminação por endotoxina, que por adsorção adere às paredes internas das fibras capilares, por onde circula o sangue. Assim, mesmo com o uso de substâncias bactericidas na solução de reuso, a endotoxina pode permanecer aderida à membrana de diálise e ser liberada para o sangue durante a próxima sessão (SANTOS et al., 2000). Mesmo em água esterilizada, podem ser encontradas altas concentrações de endotoxinas, enquanto que uma baixa contagem de colônias bacterianas não significa ausência de endotoxinas. As bactérias mais freqüentemente encontradas em água de hemodiálise são as gram negativas, em torno de 90%, com franco predomínio do gênero Pseudomonas. As bactérias gram negativas podem se multiplicar muito rapidamente, mesmo em água esterilizada, podendo alcançar altas concentrações (superiores a 100.000 UFC/mL) em menos de 48 horas. Em soluções de diálise, este crescimento bacteriano pode ser mais rápido, pela presença de glicose e bicarbonato, gerando níveis altos de endotoxinas (SANTOS et al., 2000). 6.1 Patogênese da reação pirogênica (ação das endotoxinas e reações) Existem pelo menos 3 linhas de evidências apontando as endotoxinas como responsáveis pelas reações pirogênicas em pacientes em hemodiálise (SANTOS et al., 2000). a) detectaram-se anticorpos, nos pacientes em hemodiálise, para endotoxinas elaboradas por bactérias presentes no dialisato; b) comprovou-se reatividade ao teste do LAL no plasma de pacientes em hemodiálise com quadro clínico de endotoxemia; c) comprovou-se a associação de reação pirogênica com dialisados contaminados com bactérias gram-negativas. Em função do diâmetro dos poros das membranas de diálise, é pouco provável que microorganismos (bactérias, fungos, algas) atravessem a membrana intacta e sim suas endotoxinas (SANTOS et al., 2000). A resposta pirogênica é a mais conhecida, mas é apenas um dos vários efeitos produzidos por endotoxinas; elas também induzem os macrófagos (células da defesa) a liberarem substancias que determinam, entre muitas conseqüências, a vasodilatação sistêmica e hipotensão levando ao choque endotóxico. O paciente apresenta hipotensão profunda (queda da pressão), dificuldades respiratórias, hipóxia tecidual (falta de oxigênio nos tecidos), acidose sistêmica, que podem levar a óbito em poucas horas (SANTOS et al., 2000). Enfim, estas substâncias introduzidas iatrogenicamente na corrente circulatória dos pacientes de hemodiálise produzem variados sintomas e afetam diversos sistemas que tornam difícil caracterizar um diagnóstico preciso. Como ainda não há disponível, em nosso meio, a dosagem plasmática de endotoxinas, o quadro clínico exuberante é o mais forte indício de uma endotoxemia, restando buscar e quantificar o agente etiológico na água utilizada nas soluções, através do teste específico para detecção das endotoxinas, que é o “teste de LAL” (SANTOS et al., 2000). 6.2 Ensaios para detecção ou quantificação de endotoxina bacteriana A Farmacopéia Americana (United States Pharmacopeia – USP), cita 2 métodos para detecção e quantificação de endotoxinas bacterianas: “Gel-clot technique” e “Photometric technique”. 1 - “Gel-clot technique”: técnica de gelificação, que se baseia na formação de gel, na presença de endotoxina (FIG. 4) (THE UNITED…, 2006). 12 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 4 - Leitura da reação, após o período de incubação Fonte: SANTOS et al., 2000. O princípio biológico do teste de LAL baseia-se na coagulação do reagente LAL quando entra em contato com endotoxina. Em 1885, Howell, descreveu esta coagulação no sangue de caranguejo ferradura. Mas, somente na década de 50, Bang, no Marine Biological Laboratory, em Massachusets, correlacionou esta coagulação com a presença de bactérias gram negativas (SANTOS et al., 2000). O Teste de Endotoxinas Bacterianas estima (semi-quantitativo) a concentração de endotoxinas bacterianas (THE UNITED…, 2006). O ensaio de LAL – Gel-clot representa uma maneira simples e objetiva de detectar a presença de endotoxinas em amostras de águas usadas em unidades de hemodiálise, podendo se executado na própria unidade. A medida de atividade de endotoxina é avaliada em Unidades de Endotoxinas por mL (EU/mL). Outra medida padronizada para endotoxinas é nanogramas/mL (ng/mL). Em termos de equivalência, 1 ng/mL corresponde a 5 EU/mL. (SANTOS et al., 2000). Sendo que o limite máximo de endotoxinas permitido em água para uso em hemodiálise atualmente é de 2 EU/mL, conforme a RDC 154/2004. Materiais utilizados no ensaio (FIG. 5, 6 e 7): 1 - Reagente LAL (Limulus Amoebocite Lysate) - a sensibilidade (λ) deste reagente, utilizado para o ensaio em água de diálise é de 0,125 EU/mL (unidades de endotoxinas por mililitro) impressa no rótulo do material. Significa que o reagente apresenta uma sensibilidade que corresponde a mais baixa concentração de endotoxina capaz de determinar a formação de um gel; 2 - LAL Reagent Water - água apirogênica usada como diluente das amostras a serem testadas, do reagente LAL e padrão de endotoxina; 3 - Endotoxina Padrão – utilizada para confirmar a sensibilidade do reagente, validar o produto e para preparar os controles de inibição. Apresenta potência definida em UE por frasco; 4 - Banho-maria a (37° C ± 1° C) de temperatura; 5 - Tubos de vidro apirogênicos e estantes para apoiar e incubar os tubos de reação; 6 -Micropipetas calibradas de 10, 100, 1000 µL e ponteiras descartáveis apirogênicas; 7 - Vortex, tipo mixer; 8 - Estufa para despirogenização de materiais de 180° C a 250° C; 9 - Frascos de vidro, despirogenizados para coleta de água; 10 – Geladeira. 13 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 5 - Equipamentos e materiais utilizados no ensaio Fonte: COIMBRA, 2006. Figura 6 - Banho-maria a (37° C ± 1° C) de temperatura, utilizado no ensaio para det ecção de endotoxinas bacterianas Fonte: COIMBRA, 2006. Figura 7 - Tubos com reagente LAL e água para hemodiálise incubados a 37° C ± 1° C durante o ensaio Fonte: COIMBRA, 2006. 2 - “Photometric technique”: baseia-se na medida da turvação e formação de cor por meio da utilização de um equipamento próprio. Consiste em dois métodos: Turbidimétrico e Cromogênico (THE UNITED…, 2006). Para execução desta técnica também encontra-se disponível no mercado de diversos modelos de equipamentos com software. 7 ENSAIOS FÍSICO-QUÍMICOS Os ensaios físico-químicos em águas para hemodiálise normalmente são realizados utilizando metodologias analíticas do “Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater” (STANDARD..., 2005a), sendo os parâmetros nitrato, cloro e cloroaminas determinados por espectrofotometria UV-visível, fluoreto por potenciômetria e sulfato por 14 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br turbidimetria. A determinação dos metais Al, Na, Ca, Mg, K, Ba, Zn, As, Pb, Ag, Cd, Cr, Se, Hg, Be, Tl e Sb necessita de técnicas analíticas com sensibilidades adequadas, considerando que os valores limites definidos pela RDC 154/2004 são bastante baixos, quando comparados com a legislação de água potável (Portaria 518/2004). Neste caso, a técnica de espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP OES), descrita a seguir, pode ser empregada para este propósito. 7.1 Espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP OES) A espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado, ICP OES (da nomenclatura inglesa Inductively Coupled Plasma Atomic Emission Spectrometry) é uma técnica analítica que pode ser utilizada para determinação de elementos maiores, menores e em níveis de traços, baseada nos espectros de emissão dos elementos. Resultados analíticos favoráveis são obtidos na prática para aproximadamente 70 elementos, com limites de detecção geralmente alcançando níveis de µg L-1, sendo a maioria das amostras introduzidas na forma líquida como soluções aquosas (SANTOS, 1999; OLIVEIRA, 1996). Na Figura 8 é possível visualizar uma foto do equipamento de ICP OES. Figura 8 – Espectrômetro de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado com configuração axial, modelo Varian – vista pró-axial Fonte: VARIAN O sucesso da técnica é devido principalmente à capacidade da realização de uma análise multielementar e à determinação com uma faixa ampla de concentração dos elementos em uma mesma amostra. A alta temperatura e a atmosfera inerte do gás argônio do plasma também diminuem as interferências não espectrais, resultando em boa sensibilidade, alta precisão e exatidão com baixos limites de detecção, requisitos fundamentais para aplicação na análise de águas (SANTOS, 1999; OLIVEIRA, 1996). Um plasma é um gás fortemente ionizado, composto por elétrons, íons e átomos, sendo que mais de 1% do total de átomos do gás estão ionizados. O plasma com acoplamento indutivo forma-se numa tocha de quartzo (FIG. 9), constituída por três tubos concêntricos com entradas de gás independentes. O fluxo de argônio que flui tangencialmente entre o tubo exterior e o intermediário é o gás refrigerante ou plasma gás, que atua para formar o plasma e prevenir o aquecimento. O tubo intermediário carrega o fluxo de gás argônio auxiliar, fluxo este semeado com íons e elétrons por meio de uma bobina tesla. O tubo central conduz a amostra em forma de aerosol para dentro do plasma, denominado gás de arraste. 15 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 9 – Diagrama esquemático de uma tocha Fonte: BOSS; FREDEEN, 1989; NOSTOC, 2007. A energia para formação e manutenção do plasma é proporcionada pela fonte externa geradora de radiofreqüência, a qual induz um campo magnético oscilante com linhas de força (H) orientadas axialmente à tocha (FIG. 10). Os primeiros elétrons são fornecidos pela centelha gerada através da bobina tesla e a ação do campo magnético permite a aceleração dos elétrons em trajetórias perpendiculares ao campo, descrevendo uma helicóide. O campo magnético é oscilante por ser induzido por uma corrente alternada RF (fonte de radiofreqüência), isto leva à aceleração dos elétrons e íons em contra fluxo em ambos os sentidos, facilitando a transferência de energia cinética para os átomos, produzindo ionizações e maior número de elétrons, entrando em um processo de cascata, até atingir o equilíbrio dinâmico (FIG. 11) (THOMPSON; COLES, 1984). Figura 10 – Campo magnético induzido H Fonte: OLIVEIRA, 1996; NOSTOC, 2007. 16 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 11 – Formação do plasma Fonte: BOSS; FREDEEN, 1989; NOSTOC, 2007. A amostra, em solução, é introduzida no plasma em forma de aerossol por meio de um sistema nebulizador. A primeira função da alta temperatura do plasma é a remoção do solvente por meio da evaporação, deixando partículas microscópicas sólidas (sais dos elementos constituintes da amostra). A etapa seguinte envolve a volatilização-dissociação, com a produção de vapores atômicos - vapores iônicos, os quais são excitados na forma de átomos-íons. O mecanismo de excitação é do tipo colisacional, no qual a energia cinética das partículas que colidem (íons-átomos da amostra com elétrons-íons do argônio) se transforma em todo ou em parte em energia de excitação e haverá passagem de elétrons dos íons-átomos da amostra, do nível fundamental ou de menor energia, para um nível de maior energia, ficando assim as partículas excitadas. A tendência dos elétrons é de retornarem ao estado fundamental e ao fazerem-no, devolvem a energia na forma de emissão de radiação eletromagnética, onde os comprimentos de onda são característicos de cada elemento e a intensidade da linha do espectro de emissão é proporcional à concentração do elemento sob análise. O espectro de emissão contém todas as linhas emitidas pela amostra. A radiação passa através de uma fenda e incide em um sistema óptico (monocromador ou policromador), que dispersa a radiação em linhas e as de interesse são enviadas para a foto-multiplicadora (ou para um detector do estado sólido CCD), representado na Figura 12 (NOSTOC, 2007; THOMPSON; COLES, 1984). 17 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 12 – Diagrama esquemático de um sistema ICP OES Fonte: NOSTOC, 2007; THOMPSON; COLES, 1984. 7.2 Geração de vapor frio - determinação analítica do Hg O método de análise mais utilizado para a determinação do Hg é o da espectrometria de absorção atômica por geração de vapor frio, que consiste em produzir e arrastar o vapor deste elemento para uma cela de absorção, no caminho óptico do espectrômetro, onde a absorção pode ser medida a 253,7 nm (quando é utilizado ar como gás de arraste) ou 184,95 nm (quando é utilizado nitrogênio ou argônio como gás de arraste). O uso do NaBH4 na determinação do Hg foi proposto inicialmente por Rooney (1976). O NaBH4 é capaz de reduzir os íons Hg2+ em soluções fortemente ácidas, o que pode ser utilizado empregando-se o sistema de análise em fluxo contínuo acoplado ao ICP OES, da mesma maneira que para as determinações dos elementos formadores de hidretos. No sistema que utiliza o NaBH4, em fluxo contínuo acoplado ao ICP OES, o redutor reage continuamente com a amostra formando gás H2 e vapor do Hg, sendo, portanto, a reação de formação do analito imediata. Simultaneamente, o sistema é alimentado pelo gás argônio de arraste, que transporta os gases e vapor do Hg formados diretamente para a fonte do plasma. O emprego deste sistema acoplado ao ICP OES também possibilita a determinação do Hg em linhas de emissão mais sensíveis, situadas na região do UV mais afastadas, como 194,163 nm e 184,95 nm, sem necessidade de alterar as condições de trabalho (NOSTOC, 2007; WELZ, 1985; THOMPSON; COLES, 1984). 7.3 Nebulização ultra-sônica – determinação analítica de Ag, Al, As, Be, Cd, Cr, Pb, Sb, Se e Ti Vários tipos de nebulizadores são utilizados, cada um com suas vantagens e desvantagens dependendo do tipo de aplicação. A maioria dos nebulizadores deve ser conectada a uma câmara de nebulização que assegura uma faixa limitada e homogênea de tamanho de gotículas que serão carregadas para o plasma (GINÉ, 1999; NOLTE, 2003). No sistema de nebulização ultra-sônica, a solução é fornecida para a superfície de um transdutor piezelétrico operado a uma freqüência de 0,2 a 10 MHz (JARVIS; GRAY; HOUK, 1992). O transdutor piezelétrico é um cristal (anisotrópico) em camadas, freqüentemente compostas de titanato de chumbo-zirconato de chumbo, com filmes metálicos condutores 18 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br nos lados opostos do cristal que é fixado na superfície interna da placa do transdutor (FIG. 13). A aplicação de voltagens de alta freqüência aos filmes do transdutor causa ao cristal experimentar forças de torção, flexão e cisalhamento, conduzindo a vibrações mecânicas do cristal que está em consorte com a freqüência das altas voltagens aplicadas. Estas oscilações (ondas) dispersam a amostra em um aerossol fino e uniforme, pois a onda é propagada perpendicularmente a partir da superfície do cristal em direção à interface líquido-ar, produzindo uma pressão que quebra a superfície em um aerossol, pela formação de ondas capilares (GREENFIELD, 1987). Neste tipo particular de nebulização, o tamanho das gotas formadas é bem mais uniforme independente do fluxo de gás utilizado, o que permite deste modo à utilização de fluxos mais baixos. Esta potencialidade pode redundar em aumento de sensibilidade e melhora dos limites de detecção, desde que os analitos tenham um longo tempo de residência no plasma. Figura 13 – Diagrama esquemático de um nebulizador ultra-sônico de fluxo contínuo Fonte: NOSTOC, 2007; THOMPSON; COLES, 1984. Desta maneira, consegue-se a determinação de Na, K, Ca, Mg, Ba, Cu e Zn (sistema de nebulização convencional); Ag, Al, As, Be, Cd, Cr, Pb, Sb, Se e Tl (sistema de nebulização ultra-sônica) e Hg (sistema de geração de vapor frio) em água para hemodiálise com limites de quantificações adequados por meio da técnica ICP OES. Entretanto, não menos importante é o processo de coleta e preservação das amostras de água para hemodiálise, o qual deve obrigatoriamente utilizar frascos adequados, previamente descontaminados e limpos. Assim, as amostras para a determinação de NO3 , 2F , cloro, cloroaminas e SO4 , são coletadas em frascos e preservadas sob refrigeração e mantidas assim também no laboratório até o momento das análises. Já as amostras para a determinação de metais devem ser coletadas em frascos contendo o preservante HNO3 (STANDARD..., 2005a). 19 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br 8 CIANOBACTÉRIAS E CIANOTOXINAS Com o aumento da poluição e do lançamento de nutrientes, como fósforo, em rios e lagos, ocorre a eutrofização, estimulando o crescimento de algas e cianobactérias (FIG. 14). A Portaria 518/2004 da Anvisa exige maior rigor no controle e vigilância da água e seu padrão de potabilidade. A Portaria determina o monitoramento da quantidade de cianobactérias (bactérias fotossintéticas, potencialmente produtoras de toxinas). Também proíbe o uso de algicidas, substâncias que matam as algas e cianobactérias, liberando assim as toxinas na água. As algas devem ser retiradas vivas, por meio do processo de floculação, que aglomera as algas em pequenos flocos. Até 10 mil células de cianobactérias por mL (mililitros) de água, o monitoramento das águas deve ser mensal e, acima deste valor, este monitoramento deve ser semanal (SILVA et al., 1996). 8.1 Cianobactérias As cianobactérias são organismos fotoautótrofos, procariontes, geralmente unicelulares ou formando colônias envolvidas de mucilagem e filamentos. Possuem clorofila e vários pigmentos acessórios, como ficocianina e aloficocianina. O produto de reserva é a cianoficina e lipídios. A parede celular das cianobactérias é composta de várias substâncias, entre elas a mureína e alguns aminoácidos e glucosaminas de estrutura idêntica às de bactérias gram negativas. Evidenciando bem a afinidade evolutiva entre as cianobactérias e as bactérias, não possuem celulose, reproduzem assexuadamente (FERNANDES et al., 2005). Os primeiros registros fossilíferos datam aproximadamente 3,6 bilhões de anos, sendo as primeiras algas a aparecerem na Terra. A ecologia do grupo é bastante diversificada, em virtude das estratégias adaptativas, o que explica seu sucesso em responder rapidamente à eutrofização de reservatórios e lagos naturais, tornando-se dominante na comunidade fitoplantônica (FERNANDES et al., 2005). Várias espécies de Anabaena ou de gêneros próximos respondem rapidamente a períodos de turbulência da coluna de água ou chuvas intensas (ressuspendendo nutrientes do fundo) seguidos de períodos calmos e ensolarados. Estas condições lhes permitem otimizar a fotossíntese na superfície da água. A produção de vesículas gasosas (aerotrópos) é uma importante adaptação para viabilizar a suspensão das células na água. Elas ocorrem em tricomas (como Anabaena) e colônias (Microcystis) e lhes permitem posicionar-se nas zonas mais superficiais da coluna de água, otimizando a fotossíntese, ao mesmo tempo em que causa o efeito de “sombreamento” das outras espécies localizadas mais abaixo e, portanto, recebendo menor intensidade luminosa para a fotossíntese (FERNANDES et al., 2005). Além disso, o posicionamento próximo à superfície da água lhes permite aumentar a assimilação de nitrogênio gasoso, uma vez que este elemento ocorre em maiores concentrações na superfície, mediante a difusão com a atmosfera. Simultaneamente, como apresentam elevada eficiência fotossintética, mesmo quando submetidas à intensidade luminosa excessiva (para outras algas), várias espécies mantêm ou aumentam seu crescimento, ao mesmo tempo em que a maioria da comunidade fitoplanctônica apresenta fotossíntese inibida pelo excesso de luz. A produção de bainhas ou matriz de mucilagem espessada ao redor da parede celular dificulta a manipulação e ingestão das células pelos organismos do zooplâncton, diminuindo significativamente as taxas de herbivoria. Muitas espécies nocivas como Microcystis spp. e Anabaena spp. apresentam esta adaptação, além de outras citadas acima, ajudando a explicar o sucesso destas cianobactérias em reservatórios eutrofizados (FIG. 14 a 18) (FERNANDES et al., 2005). 20 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 14 - Aspecto de um reservatório, evidenciando a proliferação de algas Fonte: NATIONAL RESEARCH COUNCIL CANADA Por que as cianobactérias não ocorrem em abundância em ambientes não eutrofizados? Não há aporte suficiente de nitrogênio e fósforo para sustentar o crescimento rápido e massivo das espécies nocivas, especialmente as coloniais, que necessitam de maiores quantidades de nutrientes para otimizar a reprodução. No caso das filamentosas, com taxa de crescimento mais lenta quando comparada com outros grupos (diatomáceas, clorofilas, crisófilas, etc.), o problema se agrava. Em certas situações, a ausência de um micronutriente como Fe ou Mg em concentrações mínimas pode ser a causa preponderante. Obviamente, outras espécies de cianobactérias podem crescer em ambientes oligotróficos a mesotróficos, mas, normalmente não são espécies nocivas. Um exemplo é a ocorrência de Cyanogranis ferruginea no reservatório de Piraquara no Paraná, a espécie mais abundante em termos de densidade celular e organizada em colônias esféricas. Neste reservatório, desde a sua construção em 1979, jamais se observou qualquer cianobactéria nociva em contagens com microscópio invertido, apenas no plâncton de rede (FERNANDES et al., 2005). • Caso Caruaru As cianobactérias ganharam manchetes na mídia em todo o Brasil quando, em fevereiro de 1996, cerca de 50 pessoas morreram numa Clínica de Hemodiálise em Caruaru – Pernambuco. Após vários exames realizados para encontrar a causa das mortes, a pesquisadora Sandra Azevedo, da UFRJ, relacionou os sintomas apresentados pelos pacientes aos sintomas ocasionados pela microcistina em estudos experimentais com camundongos. As análises comprovaram a intoxicação dos pacientes pela microcistina (AGECOM, 2003). Até então, no Brasil, casos de intoxicação por microcistina eram pouco conhecidos, porém, no mundo ocorreram muito casos de intoxicação por cianobactérias e em países desenvolvidos já existia o controle. A tragédia do Caruaru alertou os órgãos de Saúde para o perigo representado pelas cianobactérias presentes na água e para a falta do seu monitoramento nas águas consumidas pela população (AGECOM, 2003). 8.2 Cianotoxinas As cianotoxinas são substâncias produzidas pelas cianobactérias. A razão da sua síntese ainda não está esclarecida, mas sugere-se que seja para minimizar o efeito da herbivoria, como acontece com os vegetais superiores. Muitos eventos relacionados à intoxicação em decorrência das cianobactérias foram relacionados em YOO et al. (1995). Este estudo mostra que não são raros os eventos tóxicos e cada vez mais casos de intoxicações vêm sendo relacionados à presença de toxinas no meio ambiente, como, por exemplo, o caso de Caruaru (FERNANDES et al., 2005). As cianotoxinas são divididas em três grupos, de acordo com seus mecanismos de ação: 21 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br as neurotoxinas; as hepatotoxinas e as dermatotoxinas. Neurotoxinas - atuam no sistema nervoso e estão descritos 3 tipos (FERNANDES et al., 2005): a) Anatoxina-a: um alcalóide neurotóxico que age como potente bloqueador neuromuscular, ligando irreversivelmente a receptores de acetilcolina. A DL 50 por via intraperitoneal (i.p.) em camundongos, para toxina purificada, é de 200 µg/kg de peso corpóreo, com um tempo de sobrevivência de 1 a 20 minutos. Os principais sinais de envenenamento por esta toxina são: desequilíbrio, fasciculação muscular, respiração ofegante e convulsões. A morte é devido à parada respiratória. Doses orais produzem letalidade aguda em concentrações maiores (FERNANDES et al., 2005); b) Anatoxina-a(s): é um organofosforado natural, seu mecanismo de ação é semelhante ao da anatoxina-a. Devido à intensa salivação observada nos animais intoxicados por esta neurotoxina, foi denominada de anatoxina-a(s). É mais potente que a anatoxina-a, a DL 50 (i.p.) em camundongos é de 20 µg/kg de peso corpóreo (FERNANDES et al., 2005); c) Saxitoxinas: grupo de neurotoxinas conhecido popularmente como “venenos paralisantes de mariscos”, que foram primeiramente isolados de dinoflagelados marinhos, responsáveis pela ocorrência de “marés vermelhas”. Estas neurotoxinas são do grupo de alcalóides carbamatos. A DL50 (i.p.) em camundongos para saxitoxina purificada é de 10 µg/kg de peso corpóreo. As saxitoxinas inibem a condução nervosa por bloqueio de canais de sódio, afetando ou a permeabilidade ao potássio ou a resistência das membranas celulares. Os sinais clínicos de intoxicação humana incluem tontura, adormecimento da boca e de extremidades, fraqueza muscular, náusea, vômito, sede e taquicardia. Os sintomas podem começar 5 minutos após a ingestão e a morte pode ocorrer entre 2 a 12 horas. Em casos de intoxicação com dose não letal, geralmente os sintomas desaparecem de 1 a 6 dias. Não se tem conhecimento de efeitos crônicos por falta de estudos de longa duração em animais (FERNANDES et al., 2005). Embora a Organização Mundial de Saúde considere que ainda não há dados suficientes para o estabelecimento de um limite de concentração máxima aceitável para as saxitoxinas em água potável, uma análise de dados de eventos de intoxicação humana demonstra que a maioria dos casos esteve associada ao consumo de aproximadamente 200 µg de saxitoxinas por pessoa. Baseado nestes dados, considerando-se 60 kg como peso corpóreo, 2 L de água como consumo médio diário e fatores de incerteza para variações entre espécies distintas e entre organismos da mesma espécie, foram propostos 3 µg/L como limite máximo aceitável de saxitoxinas em água para consumo humano. O limite adotado no Brasil pelo Ministério da Saúde - Portaria 518/2004 para saxitoxinas é de 3 µg/L (FERNANDES et al., 2005). No Brasil, a análise desse grupo de neurotoxinas está se tornando de extrema importância, visto que, em vários mananciais de abastecimento do país, um grande número de ocorrências de cepas do gênero Cylindrospermopsis produtoras de neurotoxinas tem sido registrado. Em muitos reservatórios, inclusive alguns recém-construídos, este gênero já é dominante, atingindo um número de células muito acima dos limites máximos aceitáveis (FERNANDES et al., 2005). Hepatotoxinas - a intoxicação por hepatotoxinas apresenta uma ação mais lenta, podendo causar morte num intervalo de alguns dias. As espécies já identificadas como produtoras dessas hepatotoxinas estão incluídas nos gêneros Microcystis, Anabaena, Nodularia, Oscillatoria, Nostoc e Cylindrospermopsis (FARMACOPEIA, 1996). A toxicidade dessas microcistinas em animais de laboratório apresenta DL50 (i.p.) entre 25 e 150 µg/kg de peso corpóreo e entre 5.000 a 10.900 µg/kg de peso corpóreo administração por via oral (FARMACOPEIA, 1996). As hepatotoxinas chegam aos hepatócitos (células do fígado) por meio de receptores dos ácidos biliares e promovem desorganização do citoesqueleto (que mantém a estrutura das células) dos hepatócitos. Como conseqüência, o fígado perde a sua arquitetura e desenvolve graves lesões internas. A perda do contato entre as células cria 22 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br espaços internos que são preenchidos por sangue, provocando hemorragia intra epática (FERNANDES et al., 2005). Figura 15 - Anabaena sp Fonte: INSTITUTO DE BIOQUÍMICA VEGETAL Y FOTOSÍNTESIS, 2007. Figura 16 - Anabaena sp Fonte: NOSTOC, 2007. Figura 17 - Nostoc sp Fonte: INSTITUTO DE BIOQUÍMICA VEGETAL Y FOTOSÍNTESIS, 2007. 23 Copyright © Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas - SBRT - http://www.respostatecnica.org.br Figura 18 - Microcystis sp Fonte: NOSTOC, 2007. Conclusões e recomendações Diante das evidências acima relatadas, verifica-se os riscos que o usuário final, geralmente um paciente debilitado, está exposto durante as sessões de hemodiálise. Fica também evidente aos responsáveis de cada setor a importância da sua atuação eficaz neste processo, para que os pacientes, no momento da diálise possam estar confiantes no tratamento, certos de que estão sendo atendidos por profissionais habilitados e com suporte de matérias-primas e, principalmente, a água de qualidade conforme estabelecido pelas legislações. Referências ABREU, Patrícia Ferreira et al. Propostas para elaboração de uma regulamentação técnica para os procedimentos dialíticos realizados, fora dos serviços de nefrologia, em pacientes com insuficiência renal aguda ou com insuficiência renal crônica. Sociedade Brasileira de Nefrologia; Sociedade Brasileira de Enfermagem em Nefrologia, 2005. Disponível em: <http://www.soben.com.br/publica/Relatorio_Final.doc>. Acesso em: 28 set. 2007. AGECOM. UFSC colabora com controle da qualidade da água de abastecimento. Florianópolis, 2003. Disponível em: <http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=1229>. 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