Padrão de ocupação do território nacional pela agropecuária

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Padrão de ocupação do território nacional pela agropecuária
Ivete Oliveira Rodrigues1
1. Introdução
Esse artigo constitui uma contribuição aos estudos desenvolvidos no âmbito do ZEE no
sentido de propor uma nova interpretação sobre a ocupação do território nacional a partir dos
dados de utilização da terra constantes do Censo Agropecuário do IBGE2.
O desafio dessa abordagem é superar o enfoque tradicional no qual os dados de utilização da
terra são avaliados estritamente como inventário de usos agrícolas, na direção de um
entendimento mais ampliado dessa categoria analítica, agora comprometida com uma análise
integrada de constituição de padrões de ocupação do território nacional pela agropecuária.
Tal esforço tem por objetivo permitir uma visão conjunta do país, reconhecendo que os dados
agropecuários contribuem para subsidiar a elaboração de macropolíticas territoriais presentes
no planejamento estratégico do território brasileiro e, mais especificamente, no ZEE Brasil.
Nesse sentido, este mapeamento está comprometido com uma visão interligada dos processos
e circunstâncias que modelaram, no tempo e no espaço, a ocupação econômica da
agropecuária brasileira. É importante ressaltar que, em um país de dimensão continental como
o Brasil, é de se esperar que a utilização da terra se dê através de múltiplas formas
reveladoras, em última instância, da própria heterogeneidade desse imenso território nacional.
2. Padrões de ocupação e gestão do território
Dada a complexidade da ocupação do território nacional, a Figura 1 dá ênfase não só aos
grandes usos agropecuários, tipificados segundo o grau de especialização e, assim,
classificados em “especialização”, “domínio”, “predomínio” e “associação agropastoril”3,
como incorpora, também, o espaço urbano, através da superposição da área urbana das
cidades4 com população acima de 25 mil habitantes.
1
Ivete Oliveira Rodrigues, pesquisadora do IBGE e Mestre em Geografia.
O Censo Agropecuário define como utilização da terra as seguintes categorias: lavouras permanentes e
temporárias, terras em descanso, pastagens naturais e plantadas, matas naturais e plantadas, florestas,
além das terras produtivas não utilizadas e inaproveitáveis. Para efeito deste trabalho, a utilização da terra
foi organizada em três grandes grupos, a saber: lavoura, pastagem e matas e/ou florestas.
3
O método de classificação em especialização, domínio, predomínio e associação corresponde ao
agrupamento dos municípios segundo as diversas proporções das categorias de utilização da terra.
4
Esta seleção obedeceu às informações do Censo Demográfico 2000, do IBGE.
2
1
Figura 1 – Padrão de ocupação do território pela agropecuária
Cabe destacar que ao projetar os espaços urbanos juntamente com o uso agropecuário, o
padrão espacial resultante desta confluência seguramente contribui para aprofundar o debate
acerca das relações cidade-campo ao revelar formas territoriais que, ao contrário da dualidade
quase sempre presente em discussões desta natureza, sugerem o urbano como ponto de
convergência de regiões eminentemente agrícolas, dado que, na atualidade:
“paralelamente à intensificação do capitalismo no campo, com a difusão do
agronegócio globalizado, que tem o poder de impor especializações
produtivas ao território, processou-se um crescimento de áreas urbanizadas,
porquanto, entre outras coisas, a gestão desse agronegócio necessita da
sociabilidade e dos aspectos urbanos. Isso explica em parte a reestruturação
2
do território e a organização de um novo sistema urbano, muito mais
complexo”. (ELIAS, 2007).
Contextualiza-se, assim, a análise aqui proposta, de interpretação integrada dos padrões de
ocupação do território nacional, no sentido de estabelecer que os usos agropecuários são
definidos por particularidades que obedecem a lógicas (e dinâmicas) produtivas diferenciadas,
que transitam de complexos sistemas de produção de alta sofisticação tecnológica a sistemas
rudimentares de exclusão fundiária e técnica, assim como, eventualmente, apresentam áreas
ainda intocadas no interior de estabelecimentos rurais. Além disso, parte-se do pressuposto de
que todos esses diferentes usos estão presentes em distintas regiões do país, encontrando-se
contraditoriamente articulados.
Nesse sentido, como resultado final do mapeamento, podem ser observadas formas de
especialização e domínio que representam a supremacia, em alguns casos a exclusividade, de
determinados usos da terra, como também a diversificação das categorias de uso. Assim, cabe
observar que a diversidade de formas definidas pela lavoura, pastagem e matas ou florestas
forma um complexo mosaico territorial fruto de um processo diferenciador de áreas no
interior das quais pode-se falar numa divisão territorial do trabalho cuja dinâmica desfaz e
refaz a organização espacial. A cada etapa, a desigualdade sócio-espacial é refeita: a
regionalização é refeita, desfazendo antigas regiões que tiveram existência sob outros
processos e condições. Neste aspecto, o Brasil é um amplo laboratório de experiências já
realizadas e a se realizarem, isto é, de construção e reconstrução do território (CORRÊA, s/d).
Nesse contexto, torna-se necessário elaborar uma interpretação sintética do mapeamento e da
sua interpretação, através da discussão de algumas áreas do território brasileiro consideradas
emblemáticas do ponto de vista dos variados padrões de ocupação do território nacional, áreas
essas que estão a exigir um tratamento, igualmente diferenciado, em termos de sua gestão
territorial, uma vez que apontam questões relevantes a serem absorvidas ou, quando possível,
resolvidas por esta última.
3. Questões territoriais levantadas pelas transformações nos padrões de ocupação do agro
nacional
Inicialmente, compreendendo um padrão de ocupação do agro nacional, caracterizado pela
presença de áreas de lavoura, observa-se uma extensa faixa de terras localizadas na parte oeste
dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que constitui, talvez, a
mais significativa área de especialização, domínio e predomínio de lavouras no país, aí
destacando-se, em área, as lavouras temporárias.
Sem dúvida, esta porção territorial traz no seu interior as marcas profundas das
transformações ocorridas no padrão de produção agropecuária nacional, acumulando
características que resultaram de uma longa trajetória, que tem início com a formação da zona
pioneira5, e, mais tarde, com a introdução de uma nova dinâmica produtiva marcante na
evolução da agropecuária regional e nacional, a saber, a modernização da agricultura, até
chegar à constituição do que se pode chamar de território do agronegócio por excelência, aí
incluídas suas profundas articulações com as áreas, as atividades e os serviços localizados na
zona urbana.
5
Segundo WAIBEL (1955): “... as zonas pioneiras no Brasil ainda hoje não formam uma faixa contínua,
mas ficam a grandes distâncias umas das outras, separadas por várias centenas de quilômetros de terras de
povoamento escasso e economicamente estagnadas”. Algumas décadas se passaram e, na atualidade, pode
ser verificada, em áreas da antiga zona pioneira, uma alta densidade demográfica, dinâmica econômica
em expansão e a presença de centros urbanos com grande expressão regional e nacional.
3
A extensa área formada pela especialização, domínio e predomínio em lavoura pode ser
considerada, assim, a resposta da importância em extensão da área plantada com os cultivos
de soja, girassol, milho, amendoim e cana-de-açúcar, dentre outros, aí incluindo-se, até
recentemente, o cultivo de algodão.
No interior desse padrão de ocupação, destaca-se a forte proximidade entre o rural e o urbano
compondo formas contínuas que tornam possível identificar esse padrão de ocupação como
detentor, por excelência, da “expressão contemporânea do agro nacional” 6. Com efeito,
cidades como Ribeirão Preto, Campinas, Sertãozinho, Bebedouro e Matão, em São Paulo,
Londrina e Maringá, no Paraná, dentre outras, inscreveram suas origens a partir da produção
agrícola, muitas das quais caracterizando-se como “boca de sertão”, e, hoje, figurando como
cidades centrais do agronegócio7.
A Figura 2 distingue a região canavieira de Ribeirão Preto como um segmento do complexo
mosaico territorial característico do moderno agro brasileiro, no qual o campo encontra-se
intensamente articulado, por atividades complementares, com o espaço urbano regional, não
podendo, portanto ser entendido fora dessa nova realidade.
Figura 2 – Produção canavieira na região de Ribeirão Preto, São Paulo
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário.
6
Como aponta Elias (2007), nas cidades do agronegócio, realiza-se a materialização das condições gerais
de reprodução do capital do agronegócio globalizado, cujas funções se associam às crescentes demandas
por produtos e serviços especializados das redes agroindustriais.
7
Entretanto, da modernidade agrária aí verificada surgiram, também, novas formas de luta pela terra e
inserção de famílias de produtores rurais destituídos de terra e excluídos do mercado ou daquelas cuja
inserção se dá por sistemas de integração à indústria. Na atualidade, a contraposição ao agronegócio
ganha novos contornos com a ação de movimentos sociais que põem em xeque este sistema produtivo
como única alternativa para o desenvolvimento do setor agropecuário do país. Dentre as ações mais
expressivas está a da ocupação de terras. Assim, sob o mesmo território, uma luta de contrários é travada
no interior dessa grande área de uso de lavouras.
4
De caráter mais tradicional, a lavoura, como especialização e domínio, define outra área bem
delimitada na porção litorânea do Nordeste brasileiro, onde a cultura da cana-de-açúcar
responde por um tipo particular e historicamente marcado de estrutura econômica e social.
Outro padrão espacial, muito significativo, pode ser verificado no município de Irecê (BA),
também na região Nordeste, caracterizado por uma área contínua de domínio de lavouras.
Segundo a descrição de Melo (1978), esse padrão:
... é encontrado na porção norte da Chapada Diamantina onde a altitude
dominante (de 800m com áreas de mais de 1000m) e a ocorrência de solos
férteis derivados da composição de calcários respondem por um franco
prevalecimento das atividades agrícolas sobre as de pecuária. Trata-se, sem
dúvida, da mais privilegiada área de exceção dos espaços em estudo. O
feijão é o componente principal da combinação agrícola. Dela também
participam a mamona, a mandioca e o milho. O caráter excepcional da área,
além de se revelar em suas condições naturais e na primazia das atividades
de lavoura, também se exprime na existência de processos produtivos
intensivos, onde se incluem a mecanização.
O exemplo de Irecê fortalece a interpretação sobre a importância da relação campo-cidade,
uma vez que ficam evidenciadas a posição central e a funcionalidade dos setores urbanos em
relação ao espaço agrícola. Outra situação exemplar verifica-se no pólo Juazeiro-Petrolina,
situado nos estados da Bahia e Pernambuco, por ser um padrão espacial que, apesar da pouca
extensão superficial, encerra uma das mais promissoras regiões de lavoura irrigada do
Nordeste brasileiro.
Neste caso, também, o padrão observado ressalta a posição central dessas duas cidades
sinalizando uma configuração territorial marcada pela continuidade que caracteriza o rural, de
domínio da lavoura, e o urbano, cujo dinamismo, nesse caso, tende a prever um cenário de
expansão acelerada desse padrão espacial, pautado pela geometria dos perímetros irrigados e
da mancha urbana derivada do crescimento do aglomerado urbano de Juazeiro-Petrolina.
Apresentando um padrão de ocupação diferenciado, o cultivo da soja construiu, em anos
recentes, capítulo importante na expansão da utilização da terra induzido pela lavoura.
Exemplos característicos desse padrão constituem o oeste da Bahia, o sul do Maranhão, no
Nordeste brasileiro e, principalmente, o Mato Grosso, na região Centro-Oeste, que deteve, em
2006, 26% da área plantada nacional. Na verdade, a natureza da ampliação dessa cultura é um
fenômeno fundamental na observação das transformações pela qual passam tanto a economia
agrícola do país, quanto o prolongamento da fronteira do agronegócio, aí incluída a expansão
dos centros urbanos em direção à Amazônia.
O segundo padrão de uso característico do território brasileiro corresponde às áreas de
especialização, domínio e predomínio da pecuária, nas quais as pastagens constituem o uso
mais difundido pelo território nacional e sua principal essência, dada a sua característica de
ocupação econômica extensiva historicamente associada à abundante oferta de terra8.
Ao lado desta constatação mais geral, existe uma expressiva definição em direção ao uso
especializado cobrindo parte dos estados de Minas Gerais, especificamente o triângulo
mineiro, o sudoeste de Goiás, o Mato Grosso do Sul e o Rio Grande do Sul. Nesse último
8
No Brasil, a ocupação de terras pela pecuária está longe de representar um movimento pacífico, ao
contrário, é repleto de ações de extrema violência.
5
estado, a presença da pecuária moldou um padrão de ocupação do território que se confunde
com a própria identidade cultural dos gaúchos.
Outro conjunto caracterizado pela pecuária é formado por uma extensa área do semi-árido
nordestino englobando os estados da Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Ceará e Piauí, no qual o padrão de ocupação é dominado pela pastagem e pelos sertanejos.
Andrade (1980), numa descrição sobre a importância histórica do processo de expansão
territorial da atividade pecuária nessa região, afirma que:
“...os caminhos do gado eram muitos longos, ocupavam grande parte dos
moradores do Sertão e, devido ao emagrecimento nas viagens, costumavam
fazer os animais oriundos do Piauí, Ceará, do Rio Grande do Norte, da
Paraíba e de Pernambuco, quando tangidos para a Bahia, passar algum
tempo se refazendo nos campos de Jacobina. Só depois de refeitos é que
eram tangidos para as imediações de Salvador. Para Olinda e,
posteriormente, Recife, o gado também fazia longas caminhadas. Assim,
havia um caminho de gado que partindo de Olinda se dirigia para o norte,
passando por Goiana, Espírito Santo, Mamanguape, Canguaretema, Papari,
São José do Mipibu, Natal, Açu, Moçoró, Praia do Tibau, Aracati e
Fortaleza. Outra estrada ia drenar o gado piauiense para Olinda, através de
Goiana, També, Vale do Espinharas, Taperoá, Patos, Pombal, Sousa, São
João do Rio do Peixe, Tauá, atingindo Crateús, onde se juntava à
vaqueirama piauiense e trazia o seu gado para a área canavieira. O autor
prossegue afirmando que foi a pecuária quem conquistou para o Nordeste a
maior porção de sua área territorial. Complementou a área úmida agrícola
com uma atividade econômica indispensável ao desenvolvimento da
agroindústria do açúcar e ao abastecimento das cidades nascentes. Carreou
para o Sertão os excedentes de população nos períodos de estagnação da
indústria açucareira e aproveitou a energia e a capacidade de trabalho
daqueles que, por suas condições econômicas não puderam integrar-se na
famosa civilização da casa-grande e da senzala. Permitiu, assim, a formação
de “o outro Nordeste”, do Nordeste das caatingas e do gado, que a um só
tempo se opõe e complementa, o Nordeste do massapê e da cana-deaçúcar.”
A exposição feita pelo autor sobre a formação histórica da extensa área de influência da
pecuária no Nordeste ainda ressoa na atualidade. Formada no período colonial, momento no
qual Furtado (1979) indica o longo período que se estende do último quartel do século XVII
ao começo do século XIX, quando a economia nordestina sofreu um lento processo de
atrofiamento, com o declínio secular de sua renda e população.
Com efeito, é interessante observar que esse atrofiamento constituiu o processo de formação
do que no século XIX viria a ser o sistema econômico do Nordeste brasileiro, cujos processos
de reprodução persistem até hoje. Como pode ser examinado na Figura 1, o vestígio deixado
pelo passado ainda está inscrito no território nordestino e pode ser identificado nos limites
formado por uma ampla mancha de predomínio de pastagem, inserida em áreas do semi-árido
nos estados do Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Bahia. Desta maneira, é legitimo que se
diga que tal recorte espacial retrata, ainda hoje, em grande parte, o caminho contido na
descrição de Andrade.
Assim, a persistente formação territorial, oriunda dos tempos coloniais, foi moldada por um
processo econômico coerente com as condições naturais e estruturais da economia pastoril
6
extensiva, isto é, a abundância de terra e as longas distâncias percorridas pelo rebanho bovino,
na marcha em busca de áreas de pastagens naturais “sertão adentro”.
Na atualidade, em relação às pastagens, um novo padrão se dissemina por grandes extensões
territoriais na fronteira pecuária do país, principalmente nos estados do Pará e Maranhão,
sendo identificado pela representação de usos especializados, domínios e predomínios.
“Ressalte-se que estas áreas paraenses foram envolvidas no processo de
incorporação de novos espaços, viabilizado pela melhoria de suas condições
de acessibilidade a grandes centros urbanos e pelos incentivos fiscais e
financeiros, atraindo empresários que implantaram empreendimentos
modificadores do quadro técnico-produtivo e desestruturadores das
atividades pré-existentes.” (MESQUITA, 1988)
Municípios do Maranhão, como Imperatriz, Santa Inês, Santa Luzia, Pindaré Mirim e
Pedreiras figuram como domínios da pecuária e todos eles se inserem no mesmo processo de
ocupação por pastagens da região de Marabá (PA). Hoje, as pastagens se estendem como uma
ampla frente pecuarista para o interior do estado do Pará, “floresta adentro”.
A complexidade de padrões de ocupação existentes na atualidade se faz presente, mais uma
vez, quando se depara com a presença de combinações entre as categorias de uso da terra. De
maneira exemplar, a região Nordeste oferece um número significativo de situações dessa
natureza, como lavoura/mata ou floresta; pecuária/mata ou floresta e lavoura/pecuária.
Com efeito, para o interior da região nordestina, no caso da bacia do rio São Francisco, dada a
prática da invernada desde os tempos do povoamento dos “sertões do São Francisco”,
entende-se a importância do domínio e predomínio das pastagens e matas e/ou floresta em
vastas extensões territoriais da bacia, uma vez que a característica histórica da pecuária aí
praticada até os dias de hoje é, em grande parte, baseada em processos produtivos extensivos.
Assim, em linhas gerais, matas e/ou florestas e pastagens fazem parte de uma mesma
dinâmica de ocupação nesta porção do território regional. Prova disto, pode ser apreciada pelo
traço fisionômico marcante que se estende pelas margens do rio São Francisco, em seu médio
curso, nos estados da Bahia e Pernambuco, onde se percebe a forma alternada de predomínio
entre pastagem e mata ou floresta.
Atualmente, algumas transformações nesse padrão tradicional de ocupação podem ser
observadas na região da Bacia do São Francisco, devido, por um lado, à presença de grandes
centros urbanos, como Belo Horizonte e Brasília, que influenciam, em grande parte, o
desenvolvimento de uma pecuária com maior uso de tecnologia voltada para corte e, também,
para a produção de leite. Por outro lado, observam-se mudanças através da substituição da
pecuária extensiva, presente nas terras comunais do cerrado baiano, pelos plantios de grãos e
do algodão herbáceo. Assim, constata-se um domínio de lavoura cujo trecho principal situa-se
na rodovia que liga as cidades de Barreiras, Luís Eduardo Magalhães e Brasília.
Nesse padrão espacial, as cidades de Barreiras e, mais recentemente, Luís Eduardo
Magalhães, tornam-se importantes centros articuladores do espaço rural e da economia do
oeste da Bahia, constituindo exemplos de interiorização do processo de urbanização
alavancado, nessa região, pelo dinamismo do agronegócio.
Cabe observar que, em relação à participação da lavoura, para Andrade (1980), foi o algodão,
implantado em meados do século XIX, que operou uma revolução agrária no Nordeste.
Cultura de grande amplitude social, mobilizou os pequenos e grandes produtores e
7
influenciou, até em anos recentes, a face do espaço agrário da Região. Assim, é notável que
em grande parte do Nordeste sertanejo pode-se verificar, ainda hoje, a importância do quadro
natural9, através do padrão de predominância mata/lavoura, oriunda, em grande parte, da
combinação dada pela caatinga e pela cultura do algodão.
Nos dias de hoje, a produção de algodão precisa ser reconsiderada. Na verdade, sua total
decadência, principalmente do algodão arbóreo, chama atenção nas análises sobre este cultivo
no Nordeste. Segundo dados estimados da Pesquisa Agrícola Municipal, do IBGE, no período
entre 1990-2005 (Gráfico 1), pode-se observar uma queda vertical da área plantada do
algodão arbóreo. Assim, os dados representados no gráfico não deixam dúvidas sobre a
derrocada do cultivo do algodão, uma cultura que, no passado, determinou a ocupação desta
região, pelos pequenos e grandes estabelecimentos rurais.
250000
200000
Valores (ha)
150000
100000
Ceará
P iauí
P araíba
Rio G. do Nort e
P ernambuco
50000
0
1990
1991 1992
1993
1994 1995
1996
1997 1998
1999
2000 2001
2002
2003 2004
2005
Anos
Gráfico 1 - Evolução da área plantada segundo os principais estados produtores de algodão
arbóreo, 1990 -2005
Fonte: IBGE, Produção Agrícola, 1990-2005
No entanto, é importante frisar que as combinações encontradas, principalmente no sertão,
representadas por lavoura/mata e pecuária/mata, encerram, na prática, uma perversa e secular
combinação, na qual figuram excessivas carências, como a de recurso hídrico somado à
precariedade de acesso a novas técnicas agrícolas e à fragilidade da logística do território
(rodovias, energia, cidades), entre tantas outras.
Num quadro como este, somente iniciativas da sociedade civil organizada, junto com políticas
públicas nas escalas municipal, estadual e da União, podem romper a atrofia secular que boa
9
Como toda ação supõe uma técnica, a idéia de meio geográfico natural não pode ser desvinculada dessa
noção de técnica, daí o relativismo de denominações como “natural”.
8
parcela da população está submetida e modificar padrões seculares de estagnação social e
econômica verificados no território.
Neste sentido, a população sertaneja passa a contar em anos recentes com a orientação
contemporânea introduzida pelo conceito de “convivência com o semi-árido”10, que incorpora
um objetivo contrário às práticas itinerantes, nas quais se incluem o desmatamento e
queimadas, e contribui para a preservação da biodiversidade, além de atuar num processo de
construção de uma nova cidadania para homens e mulheres nordestinas.
Da parte do poder público, as políticas que ganham maior visibilidade e espaço de discussão
dizem respeito à transposição e à revitalização da bacia do rio São Francisco, ambas, com
ações em áreas do semi-árido e que prometem romper com o quadro de paralisia econômica,
em partes do Nordeste, e de imprimir um sentido mais amplo às políticas setoriais.
Em prosseguimento, no Nordeste ocidental, diverso da porção sertaneja, encontra-se uma
situação peculiar, no caso o estado do Maranhão, onde, nas décadas de 1950 e 1960, ocorreu
um forte incremento da lavoura de arroz, principalmente, além de milho, feijão e mandioca,
transformando a organização desse espaço. Tal produção ficou a cargo de migrantes
provenientes de áreas sertanejas que promoveram a ocupação produtiva de amplas áreas deste
estado. À época, a importância desse movimento elevou o Maranhão a um papel de destaque
no abastecimento dos mercados urbanos do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil.
Além disso, a ocupação das áreas agrícolas, em que predominavam a pequena produção
familiar, trouxe não só o aumento significativo da produção da lavoura, como acelerou o
processo de desmatamento, com a simultânea formação e expansão das áreas de cocais.
Assim, ficou definida uma outra atividade complementar, a extração de babaçu. Esta atividade
vai marcar a pequena produção do Maranhão e relacioná-la, por excelência, à produção
extrativa em boa parte do território maranhense. Em decorrência, como pode ser observado na
Figura 1, a presença de predomínio de mata e lavouras adquire, no Meio Norte, essa
duplicidade graças, em boa parte, à combinação de extrativismo e lavoura.
Contudo, num quadro de mudanças nos processos econômicos e de ocupação do território,
pode-se apontar também o Maranhão, cuja primeira onda da frente pastoril no sul do estado
consistia na passagem de vaqueiros conduzindo tropas de gado provenientes da Bahia à
procura de pastagens nativas no sertão maranhense. Na atualidade, a especialização em
pastagem e o predomínio de lavoura/pastagem verificados na chamada pré-amazônia
maranhense são representantes, ao mesmo tempo, de usos antigos e contemporâneos, nos
quais a pecuária pode apresentar alto rendimento econômico aliado à promoção da imagem e
estilo de vida do rural moderno e a lavoura ser remanescente da produção do pequeno
produtor pobre.
Finalmente, o leque de questões estimuladas pela Figura 1 não se esgota em si mesmo. As
mudanças no padrão de uso da terra se inserem, na atualidade em outros campos de discussão
como, por exemplo, no contexto das transformações da matriz energética do país, na qual a
introdução da cana-de-açúcar está sendo indicada como capaz de viabilizar uma nova
dinâmica de utilização da terra e de expansão das cidades e serviços que servem de apoio ao
espaço agrário. Nesse sentido, as tendências apontam mudanças de processos e produtos
10
O conceito de convivência com o semi-árido é um marco no debate sobre as formas de aludir às
peculiaridades climáticas da região e vem substituir a histórica abordagem do combate às secas. Assim, o
reconhecimento de que a problemática da Caatinga não está simplesmente associada à seca, mas à
irregularidade de chuvas e ao reconhecimento da existência de técnicas apropriadas para o manejo
adequado de culturas peculiares ao clima e solo, faz parte de construção recente de outro modelo de
desenvolvimento sustentável para o semi-árido.
9
decorrentes do avanço de lavouras em substituição à pecuária e, talvez, de maneira
preocupante, às culturas alimentares.
No contexto das incertezas crescentes que rondam as alterações que irão ocorrer nos padrões
de ocupação do território, define-se uma nova agenda política e de estratégia de ação do
Estado na qual a expansão da cana-de-açúcar, da pecuária e da soja, assim como os conflitos
da terra e a expansão urbana e do mercado figuram no campo de força do debate e dos
interesses, por vezes antagônicos, que envolvem a questão da base territorial do país. Na
atualidade, esta base territorial é entendida cada vez mais em sua dupla face: a territorial
propriamente dita e a da natureza11, que se afirmam como o fundamento das estruturas
econômicas e sociais da produção agropecuária na contemporaneidade.
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www.igeo.ufrj.br/fronteiras/pdf/LimitesPAlegre1998.pdf. Acesso em 1 agosto de 2007, 25 p.
11
Vários autores advertem sobre o caráter simultâneo do território.
10
WAIBEL, L.H. - As Zonas Pioneiras do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, Revista Brasileira de
Geografia, ano XVII, out./dez., 1955, p. 3-35.
11
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