Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1-16.

Propaganda
XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-16
OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO PELA AGROPECUÁRIA
OCUPACIÓN DEL TERRITORIO BRASILEÑO POR LA AGROPECUARIA
Ivete Oliveira Rodrigues
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
[email protected]
Resumo: O presente trabalho constitui uma contribuição no sentido de propor uma
classificação sobre a ocupação do território brasileiro a partir das informações sobre
utilização da terra. O desafio dessa abordagem é superar o enfoque tradicional no qual
os dados de utilização da terra são avaliados estritamente como um inventário, na
direção de um entendimento mais ampliado dessa categoria de informação, agora
comprometida com uma análise integrada de constituição de padrões de ocupação do
território pela agropecuária.
Palavras-chave: classificação, padrões, ocupação.
Resumen: El presente trabajo constituye una contribución en el sentido de proponer
una clasificación en la ocupación del territorio brasileño, a partir de las informaciones
sobre el uso de la tierra. El desafío de este abordaje, es superar el enfoque tradicional,
en el cual los datos del uso de la tierra son estrictamente evaluados como inventario,
en la dirección de
un acuerdo extendido de esa categoría de información, ahora
comprometida con un análisis integrado de la constitución de padrones de ocupación
del territorio por la agropecuaria.
Palabra-llave: clasificación, estándares, ocupación.
Introdução
O presente trabalho constitui uma contribuição no sentido de propor uma
classificação sobre a ocupação do território nacional a partir das informações sobre
utilização da terra constantes do Censo Agropecuário do IBGE1.
O desafio dessa abordagem é superar o enfoque tradicional no qual os dados de
utilização da terra são avaliados estritamente como um inventário, na direção de um
entendimento mais ampliado dessa categoria de informação, agora comprometida com
1
O Censo Agropecuário define como utilização da terra as seguintes categorias: lavouras permanentes e
temporárias, terras em descanso, pastagens naturais e plantadas, mata naturais e plantadas, florestas,
além das terras produtivas não utilizadas e inaproveitáveis. Para efeito deste trabalho a utilização da
terra foi organizada em três grandes grupos, a saber: lavoura, pastagem e matas e/ou florestas.
2
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
uma análise integrada de constituição de padrões de ocupação do território nacional
pela agropecuária.
Tal esforço tem por objetivo permitir uma visão conjunta do país, num
reconhecimento de que os dados agropecuários contribuem para subsidiar a
elaboração de macropolíticas territoriais presentes no planejamento estratégico do
território brasileiro.
Nesse sentido, este mapeamento2 está comprometido com uma visão interligada
dos processos e circunstâncias que modelaram, no tempo e no espaço, a ocupação
econômica da agropecuária no território brasileiro. É importante ressaltar que em um
país de dimensão continental, como o Brasil, é de se esperar que a utilização da terra
se dê através de múltiplas formar reveladoras, em última instância, da própria
heterogeneidade contida no imenso território nacional.
Padrões de ocupação
Cabe acrescentar que dada a complexidade da ocupação do território nacional,
o mapa 1 dá ênfase não só aos grandes usos agropecuários, classificados segundo o
grau de especialização e, assim, denominados em especialização, domínio, predomínio
e múltiplos usos, como incorpora, também, o espaço urbano, através da superposição
da área urbana das cidades3 com população acima de 25 mil habitantes.
2
O método geoestatístico aplicado nessa proposta de classificação obedeceu a uma série de
interseções feitas entre as diferentes proporções do número de estabelecimentos rurais nas três
categorias de utilização da terra, com o objetivo de estabelecer vários padrões entre elas, conforme
exposto na legenda do mapa 1.
3
Esta seleção obedeceu às informações do Censo Demográfico 2000, do IBGE.
3
Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1- 16
Mapa 1
Cabe destacar que ao projetar os espaços urbanos juntamente com o uso
agropecuário o padrão espacial resultante desta confluência seguramente contribui
para aprofundar o debate acerca das relações cidade-campo ao revelar formas
territoriais que, ao contrário da dualidade quase sempre presente em discussões desta
natureza, sugerem o urbano como ponto de convergência de regiões eminentemente
agrícolas, dado que, na atualidade
paralelamente à intensificação do capitalismo no campo, com a
difusão do agronegócio globalizado, que tem o poder de impor
especializações
produtivas
ao
território,
processou-se
um
crescimento de áreas urbanizadas, porquanto, entre outras coisas,
a gestão desse agronegócio necessita da sociabilidade e dos
aspectos urbanos. Isso explica em parte a reestruturação do
território e a organização de um novo sistema urbano, muito mais
complexo (ELIAS, 2007).
4
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
Contextualiza-se, assim, a análise aqui proposta, de interpretação integrada dos
padrões de ocupação do território nacional, no sentido de estabelecer que os usos
agropecuários são definidos por particularidades que obedecem a lógicas (e dinâmicas)
produtivas diferenciadas que transitam por complexos sistemas de produção de alta
sofisticação tecnológica a sistemas rudimentares de exclusão fundiária e técnica, assim
como,
eventualmente,
apresentam
áreas
ainda
intocadas
no
interior
de
estabelecimentos rurais. Além disso, parte-se do pressuposto de que todos esses
diferentes usos estão presentes em distintas regiões do país, encontrando-se
contraditoriamente articulados.
Nesse sentido, como resultado do mapeamento, podem ser observadas formas
de especialização e domínio que representam a supremacia, em alguns casos a
exclusividade, de determinados usos da terra, como também a diversificação das
categorias de uso. Assim, cabe observar que a diversidade de formas definidas pela
lavoura, pastagem e matas ou florestas forma um complexo mosaico territorial fruto de
um processo diferenciador de áreas no interior das quais pode-se falar numa divisão
territorial do trabalho cuja dinâmica
desfaz e refaz a organização espacial e a cada etapa a
desigualdade sócio-espacial é refeita: a regionalização é refeita,
desfazendo antigas regiões que tiveram existência sob outros
processos e condições. Neste aspecto o Brasil é um amplo
laboratório de experiências já realizadas e a se realizarem, isto é,
de construção e reconstrução do território (CORRÊA, s/d).
Nesse contexto, torna-se necessário elaborar uma interpretação sintética do
mapeamento e da sua interpretação, através da discussão de algumas áreas do
território brasileiro consideradas emblemáticas do ponto de vista dos variados padrões
de ocupação do território nacional, áreas essas que estão a exigir um tratamento,
igualmente diferenciado, em termos de sua gestão territorial, uma vez que apontam
questões relevantes a serem absorvidas ou, quando possível, resolvidas por esta
última.
Questões territoriais levantadas pelas transformações nos padrões de ocupação
do agro nacional
5
Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1- 16
Inicialmente, compreendendo um padrão de ocupação do agro nacional
caracterizado pela presença de áreas de lavoura observa-se uma extensa faixa de
terras localizadas na parte oeste dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul que constitui, talvez, a mais significativa área de especialização,
domínio e predomínio de lavouras no país, aí destacando-se, em área, as lavouras
temporárias.
Sem dúvida, esta porção territorial traz no seu interior as marcas profundas das
transformações ocorridas no padrão de produção da agropecuária nacional,
acumulando características que resultaram de uma longa trajetória que tem início com
a formação da zona pioneira4, mais tarde com a introdução de uma nova dinâmica
produtiva marcante na evolução da agropecuária regional e, nacional, ou seja, a
modernização da agricultura, até chegar à constituição do que se pode chamar de
território do agronegócio, por excelência, aí incluído suas profundas articulações com
as áreas, as atividades e os serviços localizados na zona urbana.
A extensa área formada pelas especialização, domínio e predomínio em lavoura
pode ser considerada, assim, a resposta da importância em extensão da área plantada
com os cultivos de soja, girassol, milho, amendoim e cana-de-açúcar, dentre outros, aí
incluindo-se, até recentemente, o cultivo de algodão.
No interior desse padrão de ocupação, destaca-se a forte proximidade entre o
rural e o urbano compondo formas contínuas que tornam possível identificar esse
padrão de ocupação como aquele detentor, por excelência, da “expressão
contemporânea do agro nacional”5. Com efeito, cidades como Ribeirão Preto,
Campinas, Sertãozinho, Bebedouro e Matão (SP), Londrina e Maringá (PR), dentre
outras, inscreveram suas origens a partir da produção agropecuária, muitas das quais
caracterizando-se como “boca de sertão”, e, hoje, figurando como cidades centrais do
agronegócio6.
4
Segundo WAIBEL (1955): “... as zonas pioneiras no Brasil ainda hoje não formam uma faixa contínua,
mas ficam a grandes distâncias umas das outras, separadas por várias centenas de quilômetros de
terras de povoamento escasso e economicamente estagnadas”. Algumas décadas se passaram e na
atualidade podem ser verificados, em áreas da antiga zona pioneira, uma alta densidade demográfica,
dinâmica econômica em expansão e a presença de centros urbanos com grande expressão regional e
nacional.
5
Como aponta ELIAS (2007), nas cidades do agronegócio, realiza-se a materialização das condições
gerais de reprodução do capital do agronegócio globalizado, cujas funções se associam às crescentes
demandas de produtos e serviços especializados das redes agroindustriais.
6
Entretanto, da modernidade agrária aí verificada surgiram, também, novas formas de luta pela terra e
inserção de famílias de produtores rurais destituídos de terra e excluídos do mercado ou daquelas cuja
inserção se dá por sistemas de integração à indústria. Na atualidade, a contraposição ao agronegócio
ganha novos contornos com a ação de movimentos sociais que põem em xeque este sistema produtivo
6
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
O Mapa 2 distingue a região canavieira de Ribeirão Preto enquanto um
segmento do complexo mosaico territorial característico do moderno agro brasileiro no
qual o campo encontra-se intensamente articulado, por atividades complementares,
com o espaço urbano regional, não podendo, portanto ser entendido fora dessa nova
realidade.
Mapa 2
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006 – dados preliminares.
De caráter mais tradicional, a lavoura, como especialização e domínio, define
outra área bem delimitada na porção litorânea do Nordeste brasileiro onde a cultura da
cana-de-açúcar responde por um tipo particular e historicamente marcado de estrutura
econômica e social.
como única alternativa para o desenvolvimento do setor agropecuário do país. Dentre as ações mais
expressivas está a da ocupação de terras, assim, sob o mesmo território uma luta de contrários é
travada no interior dessa grande área de uso de lavouras.
7
Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1- 16
Outro padrão espacial, muito significativo, pode ser verificado no município de
Irecê (BA), também na região Nordeste, caracterizado por uma área contínua de
domínio de lavouras. Segundo a descrição de Melo (1978), esse padrão
... é encontrado na porção norte da Chapada Diamantina onde a
altitude dominante (de 800m com áreas de mais de 1000m) e a
ocorrência de solos férteis derivados da composição de calcários
respondem por um franco prevalecimento das atividades agrícolas
sobre as de pecuária. Trata-se, sem dúvida, da mais privilegiada
área de exceção dos espaços em estudo. O feijão é o
componente principal da combinação agrícola. Dela também
participam a mamona, a mandioca e o milho. O caráter
excepcional da área, além de se revelar em suas condições
naturais e na primazia das atividades de lavoura, também se
exprime na existência de processos produtivos intensivos, onde se
incluem a mecanização.
O exemplo de Irecê fortalece a interpretação sobre a importância da relação
campo-cidade, uma vez que fica evidenciado a posição central e a funcionalidade dos
setores urbanos em relação ao espaço agrícola. Outra situação exemplar verifica-se no
pólo Juazeiro-Petrolina, situado nos estados da Bahia e Pernambuco, por ser um
padrão espacial que, apesar da pouca extensão superficial, encerra uma das mais
promissoras regiões de lavoura irrigada do Nordeste brasileiro.
Neste caso, também, o padrão observado ressalta a posição central dessas
duas cidades sinalizando uma configuração territorial marcada pela continuidade que
caracteriza o rural, de domínio da lavoura, e o urbano, cujo dinamismo, nesse caso,
tende a prever um cenário de expansão acelerada desse padrão espacial, pautado pela
geometria dos perímetros irrigados e da mancha urbana derivada do crescimento do
aglomerado urbano constituído por Juazeiro-Petrolina.
Apresentado um padrão de ocupação diferenciado, o cultivo da soja construiu,
em anos recentes, capítulo importante na expansão da utilização da terra induzido pela
lavoura. Exemplos característicos desse padrão constituem o oeste da Bahia, o sul do
Maranhão, no nordeste brasileiro e, principalmente, o Mato Grosso, na região CentroOeste, que deteve, em 2006, 26% da área plantada nacional. Na verdade, a natureza
da ampliação dessa cultura é um fenômeno fundamental na observação das
8
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
transformações pela qual passam tanto a economia agrícola do país, quanto o
prolongamento da fronteira do agronegócio, aí incluída a expansão dos centros
urbanos em direção à Amazônia.
O segundo padrão de uso característico do território brasileiro corresponde às
áreas de especialização, domínio e predomínio da pecuária, nas quais as pastagens
constituem o uso mais difundido pelo território nacional e sua principal essência, dada a
sua característica de ocupação econômica extensiva historicamente associada à
abundante oferta de terra7.
Ao lado desta constatação mais geral, existe uma expressiva definição em
direção ao uso especializado cobrindo parte dos estados de Minas Gerais,
especificamente, o triângulo mineiro, o sudoeste de Goiás, o Mato Grosso do Sul e o
Rio Grande do Sul. Nesse último estado, a presença da pecuária moldou um padrão de
ocupação do território que se confunde com a própria identidade cultural dos gaúchos.
Outro conjunto caracterizado pela pecuária é formado por uma extensa área do
semi-árido nordestino englobando os estados da Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Ceará e Piauí, no qual o padrão de ocupação é dominado pela
pastagem e pelos sertanejos. Andrade (1980), numa descrição sobre a importância
histórica do processo de expansão territorial da atividade pecuária nessa região, afirma
que
...os caminhos do gado eram muitos longos, ocupavam grande
parte dos moradores do Sertão e, devido ao emagrecimento nas
viagens, costumavam fazer os animais oriundos do Piauí, Ceará,
do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco, quando
tangidos para a Bahia, passar algum tempo se refazendo nos
campos de Jacobina. Só depois de refeitos é que eram tangidos
para as imediações de Salvador. Para Olinda e, posteriormente,
Recife, o gado também fazia longas caminhadas. Assim, havia
um caminho de gado que partindo de Olinda se dirigia para o
norte, passando por Goiana, Espírito Santo, Mamanguape,
Canguaretema, Papari, São José do Mipibu, Natal, Açu, Moçoró,
Praia do Tibau, Aracati e Fortaleza. Outra estrada ia drenar o
gado piauiense para Olinda, através de Goiana, També, Vale do
7
No Brasil, a ocupação de terras pela pecuária está longe de representar um movimento pacífico, ao
contrário é repleto de ações de extrema violência.
9
Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1- 16
Espinharas, Taperoá, Patos, Pombal, Sousa, São João do Rio
do Peixe, Tauá, atingindo Crateús, onde se juntava à
vaqueirama piauiense e trazia o seu gado para a área
canavieira. O autor prossegue afirmando que, foi a pecuária
quem conquistou para o Nordeste a maior porção de sua área
territorial. Complementou a área úmida agrícola com uma
atividade econômica indispensável ao desenvolvimento da
agroindústria do açúcar e ao abastecimento das cidades
nascentes. Carreou para o Sertão os excedentes de população
nos períodos de estagnação da indústria açucareira e aproveitou
a energia e a capacidade de trabalho daqueles que, por suas
condições econômicas não puderam integrar-se na famosa
civilização da “casa-grande” e da senzala. Permitiu, assim, a
formação de “o outro Nordeste”, do Nordeste das caatingas e do
gado, que a um só tempo se opõe e complementa, o Nordeste
do massapê e da cana-de-açúcar.
A exposição feita pelo autor sobre a formação histórica da extensa área de
influência da pecuária no Nordeste, ainda ressoa na atualidade. Formada no período
colonial, momento no qual Furtado (1979) indica o longo período, que se estende do
último quartel do século XVII ao começo do século XIX, quando a economia nordestina
sofreu um lento processo de atrofiamento, com o declínio secular de sua renda e
população.
Com efeito, é interessante observar que esse atrofiamento constituiu o processo
de formação do que no século XIX viria a ser o sistema econômico do Nordeste
brasileiro, cujos processos de reprodução persistem até hoje. Como pode ser
examinado no Mapa 1, o vestígio deixado pelo passado ainda está inscrito no território
nordestino e pode ser identificado nos limites formado por uma ampla mancha de
predomínio de pastagem, inserida em áreas do semi-árido nos estados do Piauí,
Ceará, Paraíba, Pernambuco e Bahia. Desta maneira, é legitimo que se diga que tal
recorte espacial, retrata, ainda hoje, em grande parte, o caminho contido na descrição
de Andrade.
Assim, a persistente formação territorial, oriunda dos tempos coloniais, foi
moldada por um processo econômico coerente com as condições naturais e estruturais
da economia pastoril extensiva, isto é, a abundância de terra e as longas distâncias
10
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
percorridas pelo rebanho bovino, na marcha em busca de áreas de pastagens naturais
“sertão adentro”.
Na atualidade, em relação às pastagens, um novo padrão se dissemina por
grandes extensões territoriais na fronteira pecuária do país, principalmente nos estados
do Pará e Maranhão, sendo identificado pela representação de usos especializados,
domínios e predomínios.
Ressalte-se que estas áreas paraenses foram envolvidas no
processo de incorporação de novos espaços, viabilizado pela
melhoria de suas condições de acessibilidade a grandes centros
urbanos e pelos incentivos fiscais e financeiros, atraindo
empresários que implantaram empreendimentos modificadores do
quadro técnico-produtivo e desestruturadores das atividades préexistentes. (MESQUITA, 1988)
Municípios do Maranhão, como Imperatriz, Santa Inês, Santa Luzia, Pindaré
Mirim e Pedreiras figuram como domínios da pecuária e todos eles se inserem no
mesmo processo de ocupação por pastagens da região de Marabá (PA). Hoje, as
pastagens se estendem como uma ampla frente pecuarista para o interior do estado do
Pará, “floresta adentro”.
A complexidade de padrões de ocupação existentes na atualidade se faz
presente, mais uma vez, quando se depara com a presença de combinações entre as
categorias de uso da terra. De maneira exemplar, a região Nordeste oferece um
número significativo de situações dessa natureza, como por exemplo lavoura/mata ou
floresta; pecuária/mata ou floresta e lavoura/pecuária.
Com efeito, para o interior da região nordestina, no caso da bacia do rio São
Francisco, dada a prática da invernada desde os tempos do povoamento dos “sertões
do São Francisco”, entende-se a importância do domínio e predomínio das pastagens e
matas e/ou floresta em vastas extensões territoriais da bacia, uma vez que a
característica histórica da pecuária aí praticada até os dias de hoje é, em grande parte,
baseada em processos produtivos extensivos.
Assim, em linhas gerais, matas e/ou florestas e pastagens fazem parte de uma
mesma dinâmica de ocupação nesta porção do território regional. Prova disto, pode ser
apreciada pelo traço fisionômico marcante que se estende pelas margens do rio São
11
Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1- 16
Francisco, em seu médio curso, nos estados da Bahia e Pernambuco, onde se percebe
a forma alternada de predomínio entre pastagem e mata ou floresta.
Atualmente, algumas transformações nesse padrão tradicional de ocupação
podem ser observadas na região da Bacia do São Francisco, devido, por um lado, à
presença de grandes centros urbanos, como Belo Horizonte e Brasília, que influenciam,
em grande parte, o desenvolvimento de uma pecuária com maior uso de tecnologia
voltada para corte e, também, para a produção de leite.
Por outro lado, observam-se mudanças através da substituição da pecuária
extensiva, presente nas terras comunais do cerrado baiano, pelos plantios de grãos e
do algodão herbáceo. Assim, constata-se um domínio de lavoura cujo trecho principal
situa-se na rodovia que liga as cidade de Barreiras, Luís Eduardo Magalhães e Brasília.
Nesse padrão espacial, as cidades de Barreiras e, mais recentemente, Luís
Eduardo Magalhães, tornam-se importantes centros articuladores do espaço rural e da
economia do oeste da Bahia constituindo exemplos de interiorizarão do processo de
urbanização alavancado nessa região pelo dinamismo do agronegócio.
Cabe observar que, em relação à participação da lavoura, para Andrade (1980),
foi o algodão, implantado em meados do século XIX, que operou uma revolução agrária
no Nordeste. Cultura de grande amplitude social mobilizou os pequenos e grandes
produtores e influenciou, até em anos recentes, a face do espaço agrário da Região.
Assim, é notável que em grande parte do nordeste sertanejo pode-se verificar,
ainda hoje, a importância do quadro natural8, através do padrão de predominância
mata/lavoura, oriunda, em grande parte, da combinação dada pela caatinga e pela
cultura do algodão.
Nos dias de hoje, a produção de algodão precisa ser reconsiderada, na verdade
sua total decadência, principalmente do algodão arbóreo, chama atenção nas análises
sobre este cultivo no Nordeste. Segundo dados estimados da Pesquisa Agrícola
Municipal, do IBGE, no período entre 1990-2005 (Gráfico 1) pode-se observar uma
queda vertical da área plantada do algodão arbóreo. Assim, os dados representados no
gráfico não deixam dúvidas sobre a derrocada do cultivo do algodão uma cultura que,
no passado, determinou a ocupação desta região, pelos pequenos e grandes
estabelecimentos rurais.
8
Como toda ação supõe uma técnica, a idéia de meio geográfico natural não pode ser desvinculada
dessa noção de técnica, daí o relativismo de denominações como “natural”. (SANTOS, 2001)
12
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
Evolução da área plantada segundo os principais estados produtores de algodão arbóreo
1990 -2005
250000
Valores (ha)
200000
150000
Ceará
100000
Piauí
Paraíba
Rio G. do Norte
Pernambuco
50000
0
1990
1991
1992 1993
1994
1995 1996
1997
1998
1999 2000
2001
2002 2003
2004 2005
Anos
Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal, 1990-2005
No entanto, é importante frisar que as combinações encontradas principalmente
no sertão, representadas pelas lavoura/mata e pecuária/mata, encerram, na prática,
uma perversa e secular combinação, na qual figuram excessivas carências, como a de
recurso hídrico somado à precariedade de acesso a novas técnicas agrícolas e à
fragilidade da logística do território (rodovias, energia, cidades) entre tantas outras.
Num quadro como este somente iniciativas da sociedade civil organizada junto
com políticas públicas, nas escalas municipal, estadual e da união, podem romper a
atrofia secular que boa parcela da população está submetida e modificar padrões
seculares de estagnação social e econômica verificados no território.
Neste sentido, a população sertaneja passa a contar em anos recentes com a
orientação contemporânea introduzida pelo conceito de “convivência com o semiárido”9 que incorpora um objetivo contrário às práticas itinerantes, nas quais se incluem
o desmatamento e queimadas, e contribui para a preservação da biodiversidade, além
9
O conceito de convivência com o semi-árido é um marco no debate sobre as formas de aludir às
peculiaridades climáticas da região, e vem substituir a histórica abordagem do combate às secas. Assim,
o reconhecimento de que a problemática da Caatinga não está simplesmente associada à seca, mas à
irregularidade de chuvas e ao reconhecimento da existência de técnicas apropriadas para o manejo
adequado de culturas peculiaridades ao clima e solo, faz parte de construção recente de outro modelo
de desenvolvimento sustentável para o semi-árido.
13
Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1- 16
de atuar num processo de construção de uma nova cidadania para homens e mulheres
nordestinas.
Da parte do poder público, as políticas que ganham maior visibilidade e espaço
de discussão dizem respeito a transposição e a revitalização da bacia do rio São
Francisco, ambas, com ações em áreas do semi-árido e que prometem romper com o
quadro de paralisia econômica, em partes do Nordeste, e de imprimir um sentido mais
amplo às políticas setoriais.
Em prosseguimento, no Nordeste ocidental, diverso da porção sertaneja,
encontra-se uma situação peculiar, no caso o estado do Maranhão, onde, nas décadas
de 1950 e 1960, ocorreu um forte incremento da lavoura de arroz, principalmente, além
da do milho, feijão e mandioca, transformando a organização desse espaço.
Tal produção ficou a cargo de migrantes provenientes de áreas sertanejas que
promoveram a ocupação produtiva de amplas áreas deste estado. À época, a
importância desse movimento elevou o Maranhão a um papel de destaque no
abastecimento dos mercados urbanos do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil.
Além disso, a ocupação das áreas agrícolas, onde predominavam a pequena
produção familiar, trouxe não só o aumento significativo da produção da lavoura como
acelerou o processo de desmatamento, com a simultânea formação e expansão das
áreas de cocais.
Assim, ficou definida uma outra atividade complementar, isto é, a extração de
babaçu. Esta atividade vai marcar a pequena produção do Maranhão e relacioná-la, por
excelência, à produção extrativa, em boa parte do território maranhense. Em
decorrência, como pode ser observado no Mapa 1, a presença de predomínio de mata
e lavouras adquire, no Meio Norte, essa duplicidade graças, em boa parte, à
combinação extrativismo e lavoura.
Contudo, num quadro de mudanças nos processos econômicos e de ocupação
do território pode-se apontar também o Maranhão, cuja primeira onda da frente pastoril
no sul do estado consistia na passagem de vaqueiros conduzindo tropas de gado
provenientes da Bahia à procura de pastagens nativas no sertão maranhense.
Na
atualidade,
lavoura/pastagem
a
especialização
verificados
na
em
chamada
pastagem
e
pré-amazônia
o
predomínio
maranhense
de
são
representantes, ao mesmo tempo, de usos antigos e contemporâneos, nos quais a
pecuária pode apresentar alto rendimento econômico aliado à promoção da imagem e
14
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
estilo de vida do rural moderno e a lavoura ser remanescente da produção do pequeno
produtor pobre.
Finalmente, o leque de questões estimuladas pelo Mapa 1 não se esgota em si
mesmo, as mudanças no padrão de uso da terra se inserem, na atualidade em outros
campos de discussão como, por exemplo, no contexto das transformações da matriz
energética do país, na qual a introdução da cana-de-açúcar está sendo indicada como
capaz de viabilizar uma nova dinâmica de utilização da terra e de expansão das
cidades e serviços que servem de apoio ao espaço agrário.
Nesse sentido, as tendências apontam mudanças de processos e produtos
decorrentes do avanço de lavouras em substituição à pecuária e, talvez, de maneira
preocupante, às culturas alimentares.
No contexto das incertezas crescentes que rondam as alterações que irão
ocorrer nos padrões de ocupação do território, define-se uma nova agenda política e de
estratégia de ação do Estado na qual a expansão da cana-de-açúcar, da pecuária e da
soja, assim como os conflitos da terra e a expansão urbana e do mercado figuram no
campo de força do debate e dos interesses, por vezes antagônicos, que envolvem a
questão da base territorial do país que na atualidade é entendida cada vez mais em
sua dupla face: a territorial propriamente dita e a da natureza que se afirmam como o
fundamento das estruturas econômicas e sociais da produção agropecuária na
contemporaneidade.
15
Ocupação do território brasileiro pela agropecuária, pp. 1- 16
Bibliografia
ANDRADE, Manuel Correia de Andrade. A terra e o homem do Nordeste. São Paulo:
HUCITEC, 1980, 278 p
.
-------- Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções, novas formas,
velhas
funções.
Disponível
http://www.geografia.fflch.usp.br/publicações/Geousp/geousp12,
em
p.1-8.
Acesso
em
outubro de 2007.
CASTRO, Iná de Castro, MIRANDA, Mariana, EGLER, Cláudio. Redescobrindo o
Brasil (ogr.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, 392 p.
CORRÊA, Roberto Lobato. A organização regional do espaço brasileiro. s/d, p. 1-12
ELIAS, Denise. O meio técnico-científico-informacional e a reorganização do espaço
agrário nacional in Abordagens teórico-metodológicas em Geografia Agrária Rio de
Janeiro: EdUerj, 2007, p. 49-66.
FERNANDES,
Bernardo
Mançano.
Agronegócio
e
reforma
agrária.
www2.prudente.unesp.br/dgeo/nera/Produção%20NERA/Agronegócio%20e%20Reform
a%20AgráriA_Bernardo.pdf - Páginas Semelhantes. Acesso em 25 de julho de 2007. p.
1-5
--------
Movimentos
socioterritoriais
e
movimentos
socioespaciais.
www2.prudente.unesp.br/dgeo/nera/Produção%20NERA/Agronegócio%20e%20Reform
a%20AgráriA_Bernardo.pdf, 9 p. Acesso em 25 de julho de 2007.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional,
1979, 248 p.
LEITE, Sérgio Pereira. Mitos sobre a reforma agrária. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ,
2007, 4p.
16
XIX ENGA, São Paulo, 2009
RODRIGUES, I. O.
MELO, Mário Lacerda de. Regionalização agrária de Nordeste. Recife: SUDENE,
1978, 225 p.
MESQUITA, Olindina Vianna e SILVA, Solange Tietzmann. A agricultura brasileira:
questões e tendências in BRASIL uma visão geográfica nos anos 80. Rio de Janeiro:
IBGE, 1988, p. 87-124.
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: HUCITEC e
Pólis, 1984, 285 p.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria L. O Brasil: território e sociedade no início do
século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001, 473 p.
SILVA,
Lígia
Osório.
Fronteira
e
identidade
nacional.
www.igeo.ufrj.br/fronteiras/pdf/LimitesPAlegre1998.pdf. Acesso em 1 de agosto de
2007, 25 p.
WAIBEL, Leo H.. As zonas pioneiras do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, Revista
Brasileira de Geografia, ano XVII, out./dez., 1955, p. 3-35.
Download