Correcção do Exame de História do Direito Português Ano lectivos de 2005-2006 Lisboa, 7 de Julho de 2006 Cristina Nogueira da Silva 1.O que é que distingue a actividade do pretor romano antes e depois da Lex Aebutia de Formulis (c. 130 a.C.)? Objectivos: 1) Descrever o sistema das Legis actiones 2) Enumerar as suas consequências do ponto de vista da aplicação do direito 3) Distinguir os recursos mobilizados pelo pretor para tornar justa a aplicação do direito civil, antes e depois da Lex aebuitiae de formulis (130 a.C.) 4) Explicar a génese do direito pretoriano Conteúdos: O sistema das Legis actiones: rigidez na aplicação da lei das Doze Tábuas, com duas consequências: a) a injustiça “material” b) a incompletude do sistema – não existiam acções de lei para muitos casos. O recurso aos poderes de Imperium – “mudar os factos em vez do direito” para obter uma aplicação justa do direito. O sistema de agere per formulas: no ano de 130 AC (?) é votada em assembleia a Lex aebutiae de formulis, que atribui ao pretor a possibilidade de redigir fórmulas adequadas a casos concretos, o que lhe permitiu não apenas uma aplicação justa – porque casuísta – do direito como também completar, por via jurisprudencial, o direito civil. A formação do direito pretoriano, de origem jurisprudencial. II) Direito canónico e direito romano no sistema jurídico medieval e moderno Objectivos e conteúdos 1) Identificar as fontes do direito canónico e as fontes do direito romano 2) Identificar as estruturas de legitimação do direito romano e do direito canónico. A superioridade da autoridade do Imperador A superioridade da sua “razão jurídica”, a sua “cientificidade” A origem sagrada das fontes do direito canónico A autoridade da Igreja 3) Explicar a “cooperação” entre os dois ordenamentos na composição de um direito comum medieval: por um lado, ambos vigoram em todo o espaço social europeu, convertendo-se em factores de unificação; por outro, eram as duas faces de um só ordenamento jurídico (ideal de concórdia). 4) Descrever o âmbito de aplicação dos dois ordenamentos 5) Identificar as matérias em que o direito canónico intervinha (“Matérias espirituais fé, família – e de disciplina interna da Igreja) 6) Relacionar a elaboração do “critério de pecado” com a religiosidade da sociedade medieval e moderna. 3. Relação entre direito comum e direitos próprios no sistema jurídico medieval e moderno Objectivos e conteúdos 1) Identificar as estruturas de legitimação do direito romano e dos direitos próprios Autoridade política dos reis/cidades Reconhecimento: Lei Omnes Populi; O particular prefere ao Geral; a utilidade particular derroga o princípio geral; a dignidade do costume como fonte do direito 2) Identificar as fontes do direito romano e dos direitos próprios. 3) Identificar algumas zonas de conflito/incompatibilidades entre direito romano e direitos próprios. 4) Descrever o âmbito de aplicação dos dois ordenamentos 5) Explicar o papel do direito romano enquanto direito subsidiário e direito modelo (não se tratava de um papel “inferior”; pelo contrário, funciona como critério superior de justiça e racionalidade; daí o seu papel na uniformização/fusão dos direitos próprios) 6) Distinguir o direito dos Reinos dos direitos “infra-reinícolas” 7) Descrever os âmbitos de aplicação dos direitos infra-reinícolas 8) Enunciar o “princípio da especialidade” 9) Explicar a tendência para a valorização dos direitos próprios face ao direito romano/ comum (a afirmação da autoridade política dos reinos). 4. Direitos subjectivos e direito “objectivo” nas correntes naturalistas de meados do século XIX. Objectivos: 1) Relacionar o aparecimento do naturalismo com o novo paradigma do conhecimento científico. 2) Descrever a crítica aos conceitos “metafísicos” de indivíduo e contrato social 3) Explicar o carácter “derivado “ dos direitos subjectivos Conteúdos: Nas correntes jusnaturalistas contratualistas a sociedade é um “obstáculo” ao exercício dos direitos naturais, que são direitos subjectivos. O fim do ordenamento juurídico “objectivo” não é a conservação da sociedade mas a protecção dos direitos subjectivos – primado dos direitos subjectivos. Pelo contrário, no naturalismo a sociedade é o fim Os direitos subjectivos deixam de ser ”poderes de vontade garantidos pelo direito” e passam a ser direitos atribuídos pelo “direito objectivo” para permitir aos indivíduos o bom desempenho dos seus papéis sociais. Significa que os direitos subjectivos são conferidos pelo direito objectivo – não são direitos naturais. Além disso, os direitos subjectivos são conferidos em função da sua “utilidade” social. E já não em função dos “impulsos” e desejos individuais (ou dos fins dos indivíduos), como no jusnaturalismo individualista.. O que é que distingue a “jurisprudência teleológica” de Rudolf Jhering da “Jurisprudência dos interesses” de Philipp Heck? Objectivos 1) Explicar a crítica naturalista ao “excesso” de formalismo da Escola da Exegese e da Pandectística. 2) Descrever a jurisprudência teleológica e a jurisprudência dos interesses enquanto propostas anti-formalistas, sociologistas, de interpretação e aplicação do direito. Conteúdos Ambas se posicional criticamente face à jurisprudência dos conceitos. Em vez da subsunção nos conceitos formais rígidos, uma apreciação dos casos envolvendo uma ponderação de fins e interesses sociais Interesses: necessidades vitais, desejos, expectativas, papeis. Estes interesses também já estiveram na origem do direito Jurisprudência teleológica: interpretação e aplicação do direito tendo em consideração os fins e interesses sociais que lhe estiveram na origem. Jurisprudência dos interesses: uma ponderação de interesses, mas feita em função da valoração subjacente à lei. Distinga o jusnaturalismo da escolástica tomista do jusnaturalismo moderno, relacionando o primeiro com o imaginário social e político da sociedade europeia de Antigo Regime e o segundo com o imaginário social da época contemporânea. Distinguir o “direito natural” imanente da lei natural. Distinguir o direito natural do direito positivo: o direito positivo como um “direito rude”, o qual só em última instância era chamado a intervir. Quando a “ordem natural” falhava e o conflito surgia! Identificar os instrumentos de conhecimento do direito natural: a razão auxiliada pela fé. Compreender a incompletude do conhecimento do direito natural em S. Tomás de Aquino Relacionar essa incompletude com o carácter móvel das “coisas” terrenas Relacionar a natureza limitada do conhecimento do direito natural, a incompletude e a mobilidade com a ausência de codificação do direito. Relacionar o direito natural imanente com a “constituição natural” da sociedade corporativa (o direito que atribui a cada ente criado um lugar e um fim na ordem da criação; um poder limitado pela indisponibilidade da “constituição natural”; uma ordem que tudo encaminha para um fim último, geral, que é a salvação). Distinguir o jusnaturalismo da escolástica tomista do jusnaturalismo moderno A fonte do direito natural desloca-se da “ordem das coisas” para o indivíduo: a) ou porque a ordem jurídica deve tornar positivas as normas de direito natural racionalmente deduzidas b) ou porque os direitos naturais são direitos individuais que a ordem jurídica positiva garante e protege É possível o conhecimento completo das normas do direito natural e a sua positivação em códigos – cientifização. Relacionar a emergência do jusnaturalismo moderno com a afirmação do imaginário social individualista. A hipótese do indivíduo como entidade que está na origem e no fim da ordem social. A hipótese voluntarista – a ordem social é o que os indivíduos quiserem: ou uma “ordem racional” que se impõe à vontade, a “vontade do soberano” ou a “vontade geral” (republicanismo). Ou uma ordem social cujo fim é criar espaços de liberdade para o indivíduo (“liberalismo”). 2. Explique em que sentido se pode afirmar que as teorias jurídicas positivistas do século XIX subtraíram a criação do direito ao arbítrio da “vontade popular”? Objectivos: 1) Identificar o princípio democrático como factor de legitimação do sistema jurídico liberal. 2) Descrever alguns mecanismos através do quais doutrina política liberal introduziu limites ao exercício da vontade popular. Conteúdos: Ambiguidades do movimento codificador: a) a dimensão democrática da codificação do direito (é direito legislado; está claramente descrito em textos a todos acessíveis). b) a codificação do direito como mecanismo de “protecção” do direito relativamente à mobilidade da “vontade geral”. A escola histórica alemã e o “direito dos professores” – o legislador é aquele que incorpora mas leis a “razão dos povos”, pelo que as leis não são o produto de uma vontade popular “arbitrária”. Por outro lado, quem interpreta e aplica o direito são os juristas. Numa primeira fase (historicista) porque são os que melhor captam a “alma jurídica do povo”. Depois, numa segunda fase (conceitualista), porque são os que melhor conhecem o sistema conceitual. A negação da “vontade popular “ no sociologismo –. A “legitimidade democrática” é um logro, o indivíduo isolado, o contrato social, são coisas imaginárias, sem existência positiva. O verdadeiro legislador é a sociedade, não é o “povo”