A inovação tecnológica frente aos desafios do agronegócio

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Campanhola, Clayton. “A inovação tecnológica frente aos desafios do agronegócio” São Paulo:
Valor Econômico, 19 de março de 2004 JEL:Q
A inovação tecnológica frente aos desafios do agronegócio
Clayton Campanhola
A geração, adaptação, transferência e adoção das inovações tecnológicas pelo setor produtivo
agropecuário têm tido papel preponderante no sucesso do agronegócio brasileiro. Foram criadas e
incorporadas pelos agricultores centenas de variedades de grãos, hortaliças, forrageiras e fruteiras
adaptadas às diferentes condições de solo e clima. Desenvolveram-se linhagens e cruzamentos
superiores de animais com expressivos ganhos de produtividade, rusticidade e tolerância a doenças
e as práticas de manejo do processo produtivo, adequadas às diferentes condições de recursos
naturais e socioeconômicos.
Esses avanços têm possibilitado ao agronegócio ocupar posição de destaque no processo de
desenvolvimento brasileiro. Há provimento adequado de alimentos no mercado interno, oferta de
matéria-prima para a agroindústria, movimentação da indústria de insumos e do setor de prestação
de serviços e constitui-se em fator relevante na geração de divisas, sendo o uma das âncoras das
nossas exportações.
O setor é hoje responsável por cerca de 30% do PIB nacional, responde por quase metade dos
valores gerados na exportação e emprega em torno de 37% da população economicamente ativa . A
safra de grãos, que em 1975 era de 38 milhões de toneladas, vem superando seus próprios recordes
a cada ano, registrando em 2003, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
123 milhões de toneladas e as exportações totalizaram US$ 30,6 bilhões.
Contudo, não se deve pensar que o agronegócio é coisa apenas de grande produtor rural. Dele
participam desde os agricultores altamente competitivos até os agricultores familiares. A principal
diferença está na escala de produção; e os pequenos só sobreviverão caso participem de processos
de cooperação entre diversos atores da cadeia produtiva, principalmente entre os próprios
agricultores familiares. Não resistirão os agricultores, pecuaristas e agroindustriais que não se
adequarem às novas exigências do mercado, o que significa incorporarem inovações tecnológicas e
conhecimentos que os tornem mais competitivos. Eis aqui a relevância dos investimentos em
Ciência & Tecnologia.
Há duas abordagens principais em um projeto de pesquisa agrícola, pecuária ou florestal: uma é
aquela em que se identificam problemas a serem resolvidos e exige respostas diretas ao setor
produtivo; a outra visa antecipar-se aos desafios futuros ou a buscar diferenciais competitivos de
produtos "in natura" ou processados. Esta última não se viabiliza a não ser por meio de um
planejamento estratégico de médio prazo (10 a 15 anos), que direcione os trabalhos de modo
objetivo.
Para a primeira, as instituições de pesquisa agropecuária, como é o caso da Embrapa, das
Organizações Estaduais e Pesquisa e das Universidades, já utilizam mecanismos de identificação
junto ao setor produtivo, mas a segunda é aquela que vai efetivamente fazer a diferença no futuro e
para a qual na maioria das vezes, é mais difícil obter recursos.
Para o futuro temos alguns desafios: desenvolvimento de biotecnologias com biossegurança,
respeitando tanto as vantagens conferidas aos produtores, bem como as exigências dos
consumidores. O mais difícil é identificar em que produtos e em que tipo de características se quer
investir, e como se deve estabelecer prioridades e, principalmente no caso de entidades do setor
público, definir quais os produtos que trarão maiores benefícios sociais e ambientais, além dos
econômicos.
Ciência & Tecnologia na agropecuária será o grande
diferencial competitivo entre países, num futuro não
muito distante
Enquanto a primeira onda da biotecnologia comercial dos países desenvolvidos trata da
transferência de genes para resistência a insetos e herbicidas, a segunda onda, mais adequada aos
países em desenvolvimento, deve melhorar a adaptação dos cultivos agrícolas à seca, aos solos de
baixa fertilidade, aos solos salinos ou com toxidez de alumínio, entre outros. Essas iniciativas
permitirão a exploração comercial de áreas já degradadas e, ao mesmo tempo, diminuirão a pressão
pela ocupação de áreas com vegetação nativa.
Outro desafio é a inovação tecnológica para a competitividade do agronegócio, com qualidade e
segurança dos alimentos. O acompanhamento de todas as etapas da produção e seu registro
(rastreabilidade) irá se constituir em diferencial de competitividade nos mercados de países
desenvolvidos, com certificado de garantia tanto de ausência de microrganismos patogênicos,
quanto de resíduos tóxicos ao homem.
Importante também é a identificação e utilização de novos produtos. A rica diversidade biológica do
país permite a exploração comercial de novos alimentos, matérias-primas industriais e fármacos
naturais, com destaque para a madeira, obtida por meio da exploração sustentável das florestas
nativas ou plantadas.
Destaca-se ainda a necessidade de se implantar a produção de diesel vegetal, que pode se constituir
em alternativa energética importante nas regiões onde predominam populações rurais numerosas,
como é o caso do semi-árido nordestino e da região amazônica. Neste caso, a pesquisa agropecuária
tem o papel de desenvolver variedades e sistemas produtivos das principais plantas oleaginosas
(dendê, mamona, gergelim, girassol, amendoim, etc.), bem como de desenvolver o processo de
extração e purificação do diesel vegetal.
Não se pode imaginar também que a produção agrícola, pecuária e florestal do futuro vá se dar sem
um processo adequado de certificação ambiental e sem levar em conta as preocupações sociais. O
papel das instituições de pesquisa é o de permitir a avaliação prévia dos possíveis efeitos
econômicos, sociais e ambientais da incorporação de cada inovação tecnológica ou conhecimento
gerado nos processos produtivos. Além disso, as mudanças climáticas oriundas da emissão de gases
do efeito estufa requererão um melhor entendimento dos processos produtivos e de mecanismos que
absorvam carbono da atmosfera.
Por fim, não se pode abrir mão da avaliação constante dos resultados obtidos pelas instituições de
Ciência & Tecnologia e sua aferição por toda a sociedade. É a partir daí que todos irão perceber que
Ciência & Tecnologia na agropecuária pode ser o grande diferencial competitivo entre países, em
um futuro não muito distante.
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