UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO MESTRADO EM TEATRO EDER SUMARIVA RODRIGUES A DINÂMICA DA PRODUÇÃO TEATRAL DE RUTH ESCOBAR: ENTRE ESTÉTICA E PODER, ARTE E RESISTÊNCIA FLORIANÓPOLIS 2010 1 EDER SUMARIVA RODRIGUES A DINÂMICA DA PRODUÇÃO TEATRAL DE RUTH ESCOBAR: ENTRE ESTÉTICA E PODER, ARTE E RESISTÊNCIA Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Teatro na linha de pesquisa “Teatro, Sociedade e Criação Cênica”, pelo Curso de Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGT – CEART/UDESC). Orientador: Prof. André Luiz Antunes Netto Carreira, Dr. FLORIANÓPOLIS 2010 2 EDER SUMARIVA RODRIGUES A DINÂMICA DA PRODUÇÃO TEATRAL DE RUTH ESCOBAR: ENTRE ESTÉTICA E PODER, ARTE E RESISTÊNCIA Esta dissertação foi julgada para a obtenção do Título de Mestre em Teatro, na linha de pesquisa: Teatro, Sociedade e Criação Cênica, em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 02 de março de 2010. Profa. Vera Regina Martins Collaço, Dra. Coordenadora do Mestrado Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores: _________________________________________ Prof. André Luiz Antunes Netto Carreira, Dr. (UDESC) Orientador _________________________________________ Profa. Vera Regina Martins Collaço, Dra. (UDESC) Membro _________________________________________ Profa. Kátia Rodrigues Paranhos, Dra. (UFU) Membro ________________________________________ Prof. José Ronaldo Faleiro, Dr. (UDESC) Suplente 3 R696d Rodrigues, Eder Sumariva A dinâmica da produção teatral de Ruth Escobar : Entre estética e poder, arte e resistência / Eder Sumariva Rodrigues – Florianópolis, 2010. 231 f. : il. Orientador: André Luiz Antunes Netto Carreira Bibliografia: p. 219-231 Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Florianópolis, 2010. 1. Escobar, Ruth, 1936- . 2. Teatro brasileiro – história – 3. Produção teatral - 4. Arte e política – 5. Estética e poder. I. Carreira, André Luiz Antunes Netto. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Teatro. CDD: 792.0981 – 20.ed. 4 Cântico negro "Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura ! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém! Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou, É uma onda que se alevantou, É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! Poema de José Regio proferido por Ruth Escobar ao final do vídeo. 5 AGRADECIMENTOS Aos mestrandos da turma de 2008: Ana Paula, Carlinhos, Daiane, Fábio, Laédio, Laura, Luiz Gustavo, Marcelle, Paula, Samuel e Vivian pelos momentos que possibilitaram novas reflexões, visões e contribuições acerca do mutante objeto da minha dissertação, em especial à Andréia Paris, irmã de coração; Ao Programa de Pós-Graduação em Teatro da UDESC por financiar as viagens de estudos de campo que foram de extrema importância para o desenvolvimento desta pesquisa, e por conceder a bolsa de monitoria PROMOP, na qual fico muito honrado em poder contribuir para o aperfeiçoamento da Revista Urdimento ao longo de um ano de trabalho; Às grandiosas meninas da secretaria acadêmica do PPGT, Mila e Sandra pelos momentos de descontração e aprendizado; Aos críticos Jefferson Del Rios, Mariângela Alves de Lima, Ilka Marinho Zanotto, Alberto Guzik (in memoriam), Clóvis Garcia; ao dramaturgo Aimar Labaki; a atriz Nidia Lycia; ao produtor teatral Janjão, a Jacó Guinsburg, Maria Thereza Vargas e José Renato pelos importantes depoimentos que serviram para aprofundar a presente pesquisa; As professoras Vera Collaço e Kátia Rodrigues Paranhos que contribuíram no meu crescimento como pesquisador; A José Ronaldo Faleiro e Leon de Paula pelos momentos de reflexão e descontração; Ao meu orientador André Carreira pelas interrogantes palavras; As instituições que preservam parte da memória cênica do Teatro Brasileiro: Centro Cultural São Paulo, Cooperativa Paulista de Teatro de São Paulo e o Arquivo Miroel Silveira (USP), a Fundação Biblioteca Nacional, Biblioteca da Fundação Nacional das Artes CEDOC/FUNARTE (RJ); Ao neto e secretário de Ruth Escobar, pessoas que confiaram e demonstraram os caminhos a serem trilhados; Aos meus pais por acreditarem no meu potencial e no meu projeto de vida. A todos, meus sinceros agradecimentos. 6 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo compor um panorama sobre a trajetória das produções teatrais de Ruth Escobar entre 1959-1981, período no qual a atriz/produtora realizou a maior quantidade de espetáculos, além de produzir três festivais internacionais de teatro. O texto aponta como a presença de Ruth Escobar no Teatro Brasileiro contribuiu significativamente para alavancar a produção cênica e oxigenar a estética teatral, seja através da realização de arrojados espetáculos, seja com a promoção de intercâmbios com encenadores internacionais. Na primeira parte deste se discute a construção da persona Ruth Escobar, os desafios enfrentados pela portuguesa em suas viagens pelo mundo e suas estratégias para converter situações adversas em conquistas, prática que utilizou ao longo de sua carreira como produtora. Essa dissertação aborda as primeiras experiências teatrais da atriz e empresária em São Paulo, e descreve a concepção e a execução de projetos teatrais, tais como o Teatro Popular Nacional, e a construção de seu próprio teatro, realizados em um contexto sociopolítico autoritário da ditadura militar. A segunda parte dessa pesquisa reflete sobre as dificuldades que Ruth Escobar enfrentou como produtora teatral para promover os três festivais de teatro na cidade de São Paulo nas décadas de 1970/1980, que constituíram importantes eventos para a cena nacional. O texto apresenta informações sobre os espetáculos apresentados nos festivais e relaciona esse material com o acompanhamento da crítica. Finalmente, a dissertação reflete sobre a inserção de Ruth Escobar e de sua prática artística e política como elemento de renovação da cena nacional. Palavras-chave: Ruth Escobar, produção teatral, arte e política, estética e poder, História do Teatro Brasileiro. 7 ABSTRACT This paper aims to compose an overview of the history of Ruth Escobar’s theatrical productions between 1959-1981, during which the actress/producer held the largest number of shows, and produced three international theater festivals. The text shows how the presence of Ruth Escobar in Brazilian Theatre contributed significantly to boost production scenic and theatrical aesthetics, either by making bold stage productions, is to promote exchanges with international directors. In the first part discusses the construction of Ruth Escobar’s persona, the challenges faced by the Portuguese in their travels around the world and their strategies to turn adversity into achievement, a practice that has used throughout his career as a producer. This thesis addresses the first theatrical experiences of the actress and businesswoman in São Paulo, and describes the design and execution of theater projects, such as the National Popular Theater and the construction of its own theater, performed in a sociopolitical context of authoritarian military dictatorship. The second part of this research reflects on the difficulties they faced as Ruth Escobar theatrical producer to promote the three theater festivals in São Paulo in the decades of 1970/1980, which were important events for the national scene. The paper presents information on shows and festivals presented in this material relates to the monitoring of critical. Finally, the essay reflects on the inclusion of Ruth Escobar and his artistic practice and policy as part of renewal of the national scene. Keywords: Ruth Escobar, theatrical production, art and politics, aesthetics and power, History of Brazilian Theater 8 RÉSUMÉ Le présent document a comme objectif de composer un panorama sur la trajectoire des productions théâtrales de Ruth Escobar entre 1959-1981, période sur laquelle l'actrice a réalisé la plus grande quantité de spectacles, en plus de produire trois festivals internationaux de théâtre. Le texte montre comment la présence de Ruth Escobar dans le Théâtre Brésilien a contribué dans l´accroissement de la production scénique et à oxygéner la esthétique théâtrale, soit par la réalisation des audacieux spectacles, soit avec la promotion d´échanges avec des directeur internationaux. Dans la première partie on discute la construction du personnage Ruth Escobar, les difficultés affrontés par la portugaise dans ses voyages dans le monde et ses stratégies pour transformer l'adversité en conquêtes, une pratique qui a utilisé au long de sa carrière comme productrice. Cette dissertation aborde les premières expériences théâtrales de l'actrice et femme d'affaires à Sao Paulo, et décrit la conception et l'exécution des projets de théâtre, comme le Théâtre National Populaire et la construction de son propre théâtre, effectuée dans un contexte socio-politique de la dictature militaire autoritaire. La deuxième partie de cette recherche reflète sur les difficultés que Ruth Escobar a affronté comme productrice théâtrale pour promouvoir les trois festivals de théâtre à la ville de São Paulo dans les décennies 1970/1980, qui ont été des événements importants dans le Scène nationale. Le texte présent des informations sur les spectacles présentés dans les festivals et fait une relation avec ce matériel accompagné de la critique. Enfin, Cette dissertation réfléchis sur l'inclusion de Ruth Escobar et sa pratique artistique et politique dans le cadre du renouvellement de la scène nationale. Mosts-clés: Ruth Escobar, production théâtrale, l'art et la politique, l'esthétique et la puissance, l´histoire du théâtre brésilien. 9 LISTA DE IMAGENS Imagem 1 Maria Ruth quando criança 27 Imagem 2 Maria Ruth quando adolescente 27 Imagem 3 Ala-Arriba! O ato de puxar o barco para a praia por toda a comunidade Revista Ala Arriba 28 Ruth Escobar sendo apresentada a Nasser, antes da entrevista Ruth e Carlos Henrique Escobar 31 Imagem 4 Imagem 5 Imagem 6 Imagem 7 30 36 Imagem 8 Ruth Escobar e Adhemar de Barros visitando as obras do Teatro Ruth Escobar Construção do Teatro Ruth Escobar 53 Imagem 9 Vista Frontal do projeto do Teatro Ruth Escobar 55 Imagem 10 Cartaz do espetáculo As Fúrias 59 Imagem 11 Cenário do espetáculo Cemitério de Automóveis 70 Imagem 12 Reforma da garagem 70 Imagem 13 Cortez como Fantocha, em Os Monstros 73 Imagem 14 Monumento à Terceira Internacional, 1919-1920. 77 Imagem 15 Cenário d’O Balcão 80 Imagem 16 Cena dos Templários – Missa Leiga 90 Projeto cenográfico do espetáculo A Viagem 93 Imagem 19 Cena do espetáculo A Viagem 94 Imagem 20 96 Imagem 21 Ruth Escobar inspecionando a construção da máquina cenário Ruth Escobar, como Latídia, em Torre de Babel. 100 Imagem 22 Cenário de Torre de Babel 101 Imagem 23 Revista do Henfil na periferia 102 Imagem 24 Desenhos de Henfil 105 Imagem 25 Cartaz do espetáculo Fábrica de Chocolate 106 Imagem 26 Cena do espetáculo Fábrica de Chocolate 108 Imagem 27 Cena do espetáculo The Life and Times of Joseph Stalin 121 Imagem 28 Grupo A. Comuna. Da esquerda para direita - Luis Lucas, Melim Teixeira, Rui Borges, Francisco Pestana, Ruth Escobar, Manuela de Freitas e Trindade Santos 123 Imagem 17 e 18 52 10 Imagem 29 Ruth Escobar e Grotowski 125 Conferência de Grotowski em 1974 127 Imagem 32 Grotowski e artistas brasileiros 127 Imagem 33 Cena do espetáculo Allias Serralonga 134 Imagem 344 Projeto do cenário do espetáculo Morte da Geometria 140 Imagem 35 Cena do espetáculo Maria Maria 143 Imagem 36 Maria Maria marcou a estréia do Grupo Corpo 144 Imagem 37 Projeto cenográfico do espetáculo Renga Moi 145 Imagem 38 153 Imagem 39 Cartaz do espetáculo Hein.. Ou As Aventuras do Sr. Balão Cena do espetáculo Hein... Imagem 40 Ives Lebreton 155 Imagem 41 Nacha Guevara 155 Imagem 42 Trajeto do desfile 162 Imagem 43 Abertura do III FIT – manifestação em prol da Nicarágua 163 Imagem 44 Cartaz do espetáculo Predro y El Capitán 173 Imagem 45 Cena do espetáculo Tres Marias y Una Rosa 183 Imagem 46 Cena do espetáculo Pedro Manso 184 Imagem 47 Cipe Lincovski 186 Billy Raimond e John, o boneco 187 Imagem 50 Cena do espetáculo Andalucia Amarga 192 Imagem 51 Amir Haddad e o grupo Tá Na Rua 194 Imagem 52 Cena do espetáculo Mansamente 197 Imagem 53 Cena do espetáculo A Procissão dos Miseráveis 198 Imagem 54 Cena do espetáculo No Seio Desta Mãe Gentil 199 Imagem 55 Grupo TABEF 204 Imagem 30 e 31 Imagem 48 e 49 154 11 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APCT Associação Paulista de Críticos Teatrais ARENA Aliança Renovadora Nacional CCC Comando de Caça Comunista CDN Companhia Dramática Nacional CEF Caixa Ecônimica Federal CELAC Centro Latino-Americano de Criatividade CET Comissão Estadual de Teatro CMTC Companhia Municipal de Transportes Coletivos CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil DDP Divisão de Diversões Públicas DOI/CODI EMURB Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna Empresa Municipal de Urbanização FIAC Festival Internacional de Artes Cênicas FIT Festival Internacional de Teatro INACEN Instituto Nacional de Artes Cênicas MDB Movimento Democrático Brasileiro PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo SBAT Sociedade Brasileira de Autores Teatrais SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SESC Serviço Social do Comércio SINBA Sociedade de Intercâmbio Brasil-África SNT Serviço Nacional de Teatro TAIB Teatro de Arte Israelita Brasileiro TBC Teatro Brasileiro de Comédia TMDC Teatro Maria Della Costa TNA Teatro Nacional Ambulante TNC Teatro Nacional de Comédia TNP Théatre National Populaire TPN Teatro Popular Nacional TRE Teatro Ruth Escobar TUCA Teatro da Universidade Católica de São Paulo 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................12 1. PARTE I – CONDIÇÕES DAS TRANS-FORM-AÇÕES.....................................23 1.1 Trajetos e transformações: a invenção política de Ruth Escobar.....................25 1.2 As primeiras experiências teatrais....................................................................38 1.3 Teatro móvel: luta e descentralização .............................................................44 1.4 Teatro Ruth Escobar: um catalisador de ideias................................................49 1.5 Transformação do espaço teatral na década de 1950/1960..............................62 1.6 As produções e a produtora na década de 1970...............................................81 1.7 Olhar final. Mudanças de rumos....................................................................107 2. PARTE II – DA PRODUÇÃO DE ESPETÁCULOS ÀS AVENTURAS DOS FESTIVAIS..................................................................................................................110 2.1 A produção, a crise e a programação do Festival...........................................111 2.2 A presença de Jerzy Grotowski..................................................................... 123 2.3 A produção do II FIT.................................................................................... 127 2.4 Estética, política e pesquisa...........................................................................131 2.5 Convergência de linguagens......................................................................... 142 2.6 Os solos e a América Latina......................................................................... 148 2.7 Críticos e críticas: pensamentos e visões acerca do II FIT........................... 155 2.8 III FIT: o tom da abertura.............................................................................. 158 2.9 Grupos de resistência: oposição à ditadura................................................... 169 2.10 Engajamento na luta feminista.................................................................... 178 2.11 Outros caminhos da estética teatral............................................................. 186 2.12 Os [outros] representantes brasileiros......................................................... 192 2.12Paralelos....................................................................................................... 199 2.13 Da abertura ao encerramento. Novas perspectivas...................................... 206 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 211 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS........................................................................ 217 13