O Serviço Social como trabalho: uma solução ou um problema? Maria Norma Alcântara Brandão de Holanda1 Modalidade do Trabalho: resultados de investigações Eixo Temático: Trabalho na contemporaneidade, questão social e Trabalho Social INTRODUÇÃO O tema sobre o trabalho no interior do Serviço Social, objeto desta comunicação, é bastante atual, pois além de nos remeter ao debate contemporâneo sobre o trabalho, nos põe frente a um problema que parecia estar resolvido: o que é o Serviço Social? Desde a década de 1980 postula-se o Serviço Social como uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, o que a qualifica, a exemplo de outras profissões, como socialmente necessária. Contudo, observa-se a partir das Diretrizes gerais para o Curso de Serviço Social publicada no Caderno ABESS n. 7, uma inflexão que conduz a pensar a sua prática “como concretização de um processo de trabalho” (1997, p. 66). Nossa reflexão tem o propósito de polemizar sobre o debate que postula o Serviço Social como trabalho, e o fará a partir do fundamento lukacsiano-marxiano, referência imprescindível para a problematização do tema em foco. Serão também indispensáveis as contribuições de pesquisadores contemporâneos que vêm se debruçando sobre essas questões, referências essenciais para aqueles que desejam ir a fundo neste debate. O eixo que tecerá os argumentos aqui contidos remete aos fundamentos ontológicos do ser social tendo em vista desvendar os influxos que as transformações decorrentes da crise capitalista instaurada a partir dos anos de 1970 vêm exercendo sobre o Serviço Social. Neste sentido, esta reflexão discorrerá sobre trabalho e trabalho abstrato, trabalho e práxis social enfatizando a distinção ontológica que permeia essas categorias do mundo dos homens, condição indispensável para se por criticamente em relação a uma suposta identidade entre trabalho e Serviço Social. FUNDAMENTOS ESSENCIAIS AO ENTENDIMENTO DO TRABALHO Parece não existirem dúvidas de que o trabalho vem ocupando um lugar privilegiado no debate contemporâneo, com pontos de vista distintos, muitas vezes assumindo características que o identifica à totalidade social. Defendemos aqui a 1 Doutora em Serviço Social, docente da Faculdade de Serviço Social, [email protected], Universidade Federal de Alagoas, Brasil. Ponencia presentada al XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social, El Trabajo social en la coyuntura latinoamericana: desafiís para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica Santiago de Guayaquil. Gua, Ecuador. 4 -8 de octubre 2009. 1 concepção do trabalho como fundamento das demais práxis sociais2, revelando-se na processualidade social como “instrumento de autocriação do homem como homem” (LUKÁCS, 1981, p. 38) distinto, portanto, do ser biológico produto do desenvolvimento natural. Segundo este autor, nas posições do trabalho já estão contidas in nuce muitos dos problemas que vão se apresentar em estádios superiores do desenvolvimento humano o que o peculiariza como modelo da práxis social. Contudo, considerando que nas formas mais evoluídas da práxis social tem destaque não o trabalho produtor de coisas úteis, mas de valores de troca (com todas as consequências daqui decorrentes) precisamos demarcar esse terreno tendo em vista sua importância para o percurso que seguiremos. No sentido originário o que distingue o trabalho das demais práxis sociais é que ele nos remete a um processo entre atividade humana e natureza no qual alguns objetos naturais são transformados em valores de uso. Por outro lado, nas formas ulteriores e mais evoluídas da sociabilidade humana se intensificam as ações sobre outros homens que se relacionam de modo profundamente mediado com a produção de valores de uso. Em O Capital Marx diz: O processo de trabalho, como o apresentamos em seus elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais (1983, p. 146). O tratamento dado ao trabalho em seus elementos simples e abstratos tornou desnecessário Marx “apresentar o trabalhador em sua relação com outros trabalhadores”, pois, “O homem e seu trabalho, de um lado, a Natureza e suas matérias, do outro, bastavam” (ibid, p. 146). O trabalho aparece aqui claramente como protoforma do ser social, gênese do processo de sociabilidade, na medida em que é “condição natural eterna da vida humana”, independentemente do estádio em que esse processo se encontre. Daí porque situar o trabalho no escravismo ou no capitalismo, por exemplo, não modifica sua essência: operar conectando o homem à natureza, de modo a produzir os bens materiais necessários à reprodução das diferentes sociedades. Essa é a função social referida por Marx e por Lukács ao tratarem do trabalho. Ele continuará sendo, em quaisquer circunstâncias, aquele processo que produz valores de uso, 2 A este respeito ver Lessa, Sergio, Mundo dos homens – trabalho e ser social. São Paulo: Boitempo, 2002, do mesmo autor, Para conhecer a Ontologia de Lukács, Ijuí: 2007; Costa, Gilmaisa Macedo da, Trabalho e serviço social: debate sobre a concepção de serviço social como processo de trabalho. Dissertação de Mestrado, Recife: UFPE, 1999 e “Aproximação ao Serviço Social como Complexo Ideológico” in: Temporalis n. 2, Brasília: ABEPSS, Valci, 2000. 2 independentemente do fato de se realizar sob o controle do feitor de escravos ou sob as formas sofisticadas de controle presentes no capitalismo. Como o trabalho não existe fora da reprodução social é importante que nos desloquemos dos seus elementos simples e abstratos para as novas funções sociais que ele adquire no capitalismo, funções estas que não negam sua essência antes a reafirmam, pois, independente do nível de desenvolvimento das forças produtivas, os homens continuam necessitando comer, beber, habitar etc 3. para permanecerem vivos, necessidades possíveis de serem atendidas tão somente mediante a transformação da natureza nos bens materiais indispensáveis à sobrevivência humana. No capitalismo e nos modos de produção anteriores, o afastamento das barreiras naturais decorrente do desenvolvimento das forças produtivas e da divisão social e técnica do trabalho originou um conjunto de atividades distintas do trabalho, porém essenciais para a reprodução das classes sociais. Para além dessas determinações universais comuns ao escravismo, ao feudalismo e também ao capitalismo, neste último a forma social da riqueza é reproduzida não apenas mediante posições teleológicas primárias, conforme acontecia nas formações sociais anteriores nas quais a acumulação de riqueza da classe dominante se dava de modo imediato através do intercâmbio com a natureza. Nessa nova situação histórica a riqueza apropriada pela burguesia, o capital, é reproduzida, conforme postula Lessa, “imediatamente (sublinhemos: imediatamente) pela apropriação da mais-valia e não pela apropriação do conteúdo material da riqueza social advinda da transformação da natureza pelas posições teleológicas primárias” (2007a, p. 167). Isto não quer dizer que no capitalismo o conteúdo material da riqueza social deixa de ser produzido pelo intercâmbio com a natureza. Contudo, “a relação entre a produção do conteúdo material da riqueza social pelo trabalho, e a acumulação do capital de cada burguês tomado isoladamente, já não é uma relação imediata e direta” (ibid, p, 167), mas mediada por valores de troca, pois o capitalismo não se dirige a atender às necessidades dos homens, mas às necessidades de reprodução do capital. O interesse do capitalista gira em torno da produção de mais-valia, do lucro produzido pela força de trabalho. Segundo Marx, O produto – a propriedade do capitalista – é um valor de uso, fio, botas etc. Mas, embora as botas, por exemplo, constituam de certo modo a base do progresso social e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica as botas por causa delas mesmas. O valor de uso não é, de modo algum, a coisa qu’on aime 3 Ver Marx em A Ideologia Alemã, São Paulo: Hucitec, 1993. 3 pour lui même4. Produzem-se aqui valores de uso somente porque e na medida em que sejam substrato material, portadores do valor de troca. E para nosso capitalista, trata-se de duas coisas. Primeiro, ele quer produzir um valor de uso que tenha um valor de troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. Segundo, ele quer produzir uma mercadoria cujo valor seja mais alto que a soma dos valores das mercadorias exigidas para produzi-la, os meios de produção e a força de trabalho, para as quais adiantou seu bom dinheiro no mercado. Quer produ zir não só um valor de uso, mas uma mercadoria, não só valor de uso, mas valor e não só valor, mas também mais -valia (1988, p. 148). A determinação capitalista de ser o trabalho essencialmente formador de valor cria uma identidade entre os diferentes trabalhos ao ponto que o trabalho do fiandeiro, conforme diz Marx, embora seja subjetiva e objetivamente diferente de outros trabalhos produtivos, diferença manifesta “no fim particular da fiação, em seu modo particular de operar, na natureza particular de seus meios de produção, no valor de uso particular de seu produto” (ibid, p. 307), torna-se indistinto de qualquer outro trabalho. Esta identidade entre diferentes trabalhos é o que o autor chama de trabalho abstrato5. Nele os trabalhos se diferenciam não pela sua qualidade, pelo seu conteúdo particular, mas pela quantidade de trabalho incorporada, pois, “apenas o tempo de trabalho socialmente necessário conta como formador de valor” (ibid, p. 308). O trabalho abstrato é aquele trabalho que produz mais-valia. Como esta é produzida tanto na troca orgânica com a natureza como em um conjunto de outras atividades, um mestre-escola, para usar o exemplo de Marx, ao ser contratado para prestar serviços numa determinada escola, produz mais-valia para o dono desta escola e, neste sentido, “é meio direto de valorização do capital” (ibid, vol. II, p. 102) na mesma medida que o é um operário que trabalha numa fábrica de calçados. Este fato ontológico geral não deve obscurecer o essencial dessa questão: embora produza mais-valia, a atividade do mestre-escola não produz o conteúdo material da riqueza, não produz valores de uso sem o s quais seria impossível a sobrevivência humana. Além do mais O fato de cada capitalista buscar o maior lucro possível, não importando se obtém sua propriedade privada no intercâmbio orgânico com a natureza ou em outros negócios, é apenas a expressão alienada da vida sob o capital, vida alienada que tende a velar que sem o trabalho proletário nenhuma riqueza burguesa seria possível (LESSA, 2007b, p. 195). Assim, o trabalho abstrato, (trabalho humano igual, indiferenciado), não elimina o trabalho produtor da riqueza material, antes o pressupõe necessariamente. Neste sentido, a relação entre o trabalho, “condição natural eterna da vida humana” e o trabalho abstrato, “confirma, de modo historicamente inédito, o trabalho enquanto categoria 4 Que se ama por si mesma (Nota dos Tradutores n. 296, p. 305) Para Marx, “Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos trabalhos neles representados, e desaparecem também, portanto, as diferentes formas concretas desses trabalhos, que deixam de diferenciar-se um do outro para reduzir-se em sua totalidade a igual trabalho humano, a trabalho humano abstrato” (1985, p. 47). 5 4 fundante, ainda que apenas venha a cumprir esta sua função social se travestido pela alienação do trabalho abstrato, do assalariamento” (ibid, p 197). De posse dessas questões, é possível pensar a aproximação do Serviço Social ao debate sobre o trabalho, o que requer alguns cuidados para não cairmos numa identidade entre trabalho e trabalho indiferenciado com todas as conseqüências daí decorrentes. Reiteramos aqui a imanente relação entre trabalho e reprodução social uma vez que “o ser social, até no seu estágio mais primitivo, representa um complexo de complexos, onde há interações permanentes quer entre os complexos parciais quer entre o complexo total e suas partes” (LUKÁCS, 1981, v. II* 138). O processo reprodutivo se desenvolve a partir dessas interações e tem conseqüências, com a divisão do trabalho, que conduzem a ações e relações puramente sociais. Com isto não estamos sob qualquer hipótese, estabelecendo uma muralha entre produção e reprodução , queremos tão somente chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento da divisão do trabalho conduz a categorias sociais cada vez mais acentuadas. É o caso da relação econômica de valor que entra em ação com a troca das mercadorias. Este é o ponto em que Marx inicia a análise da reprodução social. E como ele investiga a economia capitalista, ou seja, a economia de uma formação já totalmente social, a relação mercantil se constitui, segundo Lukács, o ponto de partida mais adequado para a exposição. Nela a relação de valor pressupõe uma divisão do trabalho relativamente desenvolvida: o fato da troca, mesmo se, como Marx demonstra, se trata no início de uma troca – mais ou menos ocasional – entre pequenas comunidades e não entre os membros singulares, significa que já, por um lado, determinados valores de uso são produzidos em quantidade superior à necessidade imediata de seus produtores; e, por outro lado, que estes últimos têm necessidade de bens que eles não estão em condições de se abastecer com o seu próprio trabalho (ibid, p. 140). Tal constatação indica que a divisão do trabalho, fato gerador das profissões, “chegou a um determinado nível em que determinadas pessoas se especializam em determinados trabalhos, e isto implica inevitavelmente que outros devem executar os trabalhos necessários para conservar e reproduzir-lhes as vidas” (ibid, p. 140-41).Tal especialização vai adquirindo maior complexidade com a troca de mercadorias na qual o valor regula toda atividade econômica. A importância desses aspectos está em que o ser social em sua perene reprodução adquire graus de sociabilidade cada vez mais elevados. Nesta direção, “o regulador da troca, o valor de troca, tem um caráter social puro” e que somente pode se realizar na relação com o valor de uso. Isto não diminui em nada o grande passo adiante realizado pela sociabilidade, o emergir e se fazer universal e dominante do valor de troca como mediador 5 puramente social das relações recíprocas entre os homens. Ao contrário. É justamente esta mediação que faz surgir na práxis dos homens relações sociais tão importantes que, uma vez conscientes, tornam as relações sociais ainda mais sociais (ibid, p. 142). Parece-nos bastante apropriado tratarmos dessas questões no debate sobre trabalho e Serviço Social, pois, este é um tema, segundo Iamamoto, “que expressa um ‘dos nós cegos’ presentes no debate atual” (2007, p. 247). Para a autora, há uma freqüente tendência em se separar a esfera da produção da esfera da reprodução, aprisionando a primeira aos muros fabris e reduzindo a segunda apenas “à reprodução de um dos elementos da produção, o seu componente subjetivo, a força de trabalho, pela via do consumo de bens e serviços”. E conclui: “Daí a reiterada afirmativa de que o ‘Serviço Social se situa na esfera da reprodução’” (ibid, p. 247), conseqüência, para ela, de uma interpretação empobrecida das categorias analíticas marxianas. O DEBATE PROFISSIONAL A nosso ver, a polêmica posta no interior do debate atual não traz essa muralha entre as esferas da produção e da reprodução social, conforme assegura Iamamoto, mas expressa uma cuidadosa demonstração, tomando Marx e Lukács como referências centrais, em não atribuir ao Serviço Social as categorias marxianas do trabalho tais como: matéria-prima, meios de trabalho, produto do trabalho, o que acaba por “generalizar a todas as práxis sociais o que é específico do trabalho”, por um lado e, por outro, conduz a “cancelar o que o trabalho tem de específico e que o distingue, enquanto categoria fundante, de todas as demais categorias sociais” (LESSA, 2007b, p. 92). Como atribuir à questão social o estatuto ontológico de matéria-prima, por exemplo, se esta, para Marx (1988, v. I, p. 143) continua sendo em toda e qualquer situação histórica, um objeto de trabalho “filtrado por meio de trabalho anterior”? É teoricamente adequado pensar a questão social como uma categoria portadora de trabalho considerando que se trata de uma categoria puramente social? Como falar de um produto resultante da ação dos assistentes sociais se o que resulta desta ação (pedagógica) se extingue concomitantemente ao final da mesma ação? Que a questão social é objeto da ação dos assistentes sociais parece ser algo bastante sustentável. Ressalvada, naturalmente, a peculiaridade de que se trata das expressões econômicas e políticas da questão social como desemprego, pobreza, abandono de crianças e idosos, resistência dos trabalhadores às condições de vida, etc., forjadas nas efetivas relações de classe da sociedade capitalista e que se torna, de fato, objeto de preocupação do Estado somente nas condições econômicas e políticas criadas pelo capitalismo monopolista, quando como afirma José Paulo Netto, “a ‘questão social’ 6 se põe como alvo de políticas sociais” (1992, p.25), Todavia, convém mencionar que essas expressões são portadoras de uma objetividade puramente social cuja qualidade ontológica não pode ser simplesmente identificada à objetividade própria da matériaprima sob pena de cancelarmos a distinção ontológica das relações dos homens entre si e destes com a natureza. O que não quer dizer que a produção se objetive isolada da reprodução social ou vice-versa, pois, tanto quanto para Marx, para Lukács essas esferas existem em contínua determinação reflexiva. Para Iamamoto, “O Serviço Social tem também um efeito que não é material, mas socialmente objetivo. Tem uma objetividade que não é material, mas é social” (1998, p. 67). A autora tem razão quando diz que o efeito gerado pelo Serviço Social tem o caráter de uma objetividade social. Entretanto, como é possível a objetividade social ser nãomaterial? Só é objetivo aquilo que é materialmente palpável? Parece-nos que não, pois a objetividade social é tão portadora de materialidade quanto a objetividade natural. O que as diferencia é que a essência desta última é ontologicamente distinta da essência da primeira. Ou seja, ambas são portadoras de estatuto ontológico que as qualifica como distintas uma da outra, mas são materialmente existentes, o social é objetiva e materialmente existente tanto quanto a natureza, sua ação na vida dos homens tem a mesma “dureza” da materialidade natural. A condição de pobreza, ou de desempregado, por exemplo, é tão materialmente existente e exerce uma força material na vida dos homens tanto quanto as forças naturais, ressalvados os respectivos estatutos ontológicos. A discussão do Serviço Social como trabalho abstrato, argumento posto no debate atual, também carece de alguns cuidados. Um deles é considerar que “o Serviço Social já era trabalho abstrato antes de ter início a reestruturação produtiva e a globalização” (LESSA, 2007b, p. 103), tendo em vista a condição de assalariamento dos assistentes sociais desde sua constituição enquanto profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho. Mas há outro cuidado, a nosso ver, especial: a relação entre trabalho e trabalho abstrato. Conforme Lessa, o lugar ocupado na estrutura produtiva distingue os indivíduos enquanto classes sociais no sentido da classe que produz o “conteúdo material da riqueza” e os demais assalariados que compõem a chamada classe parasitária que sobrevive do “conteúdo material da riqueza” produzido pelo proletariado. Aqui estão entre tantos outros profissionais, os assistentes sociais. Neste sentido, o estatuto de trabalho abstrato decorrente da condição de componente do trabalhador coletivo não autoriza a identificação da categoria dos assistentes sociais com a classe 7 operária, não cancela ou dilui diferenças que são próprias às funções peculiares aos diversos assalariados no processo de produção e reprodução da vida social. Além do mais, a relação entre trabalho e trabalho abstrato é mediada por um conjunto de alienações que se originam na forma particular da produção capitalista e se desdobram nas demais atividades humanas. Tem-se, de um lado, o trabalho “condição eterna” da vida humana e, de outro, uma forma particular do trabalho, a forma capitalista do trabalho, trabalho abstrato, aquele reduzido à mercadoria, ao valor de troca, que embora se constitua momento predominante das relações sociais, só se objetiva na relação com o valor de uso. Deste modo, consideramos inadequada a derivação automática de que o trabalho dos assistentes sociais seria portador de objeto, a matéria-prima, meios de trabalho e produto tal como o próprio trabalho. Não se estabelecem as devidas mediações tanto em relação às peculiaridades da função profissional, quanto à necessária diferenciação entre o caráter do trabalho abstrato e indiferenciado típico do capitalismo e o trabalho enquanto base fundante da vida em sociedade. Nesse aspecto é decisivo pensar não só as particularidades ontológicas dessas categorias, mas também, no plano da totalidade social, que sujeito põe o objeto, os meios e os fins de cada atividade profissional. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em linhas gerais, o debate em torno do problema do trabalho tem o mérito de trazer para a reflexão profissional o importante tema do trabalho. Aprofunda a aproximação entre Serviço Social e divisão do trabalho que já se encontrava presente desde os anos de mil novecentos e oitenta, entretanto traz novos problemas a serem discutidos que impõem pesquisa no esclarecimento das importantes questões que o Serviço Social vem fazendo em sua aproximação à totalidade social. Algumas soluções a respeito do trabalho profissional como trabalho abstrato são ainda insuficientes originando reificações que, como toda coisificação, acabam por falsear o Serviço Social ao invés de revelá-lo em suas múltiplas determinações. É o caso, conforme argumentamos, de identificar a objetividade social à matéria-prima, de conceber um produto (imaterial) resultado da ação do assistente social, de não distinguir trabalho e trabalho abstrato, reificações que trazem consigo um conjunto de problemas que carecem de maiores esclarecimentos, daí nossa indagação: Trabalho e Serviço Social: uma solução ou um problema? REFERÊNCIAS 8 COSTA, Gilmaisa Macedo da. Aproximação ao Serviço Social como Complexo Ideológico. In: Temporalis, v. 1, n. 2, p. 95-119, São Paulo: ABEPSS/Ed. Cortez, 2000. ABEPSS, “Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social” in: CADERNOS ABEPSS/CEDEPSS n 7, São Paulo: Cortez, 1997. HOLANDA, Maria Norma. A. B. de. O trabalho em sentido ontológico para Marx e Lukács: algumas considerações sobre trabalho e serviço social. Serviço Social e sociedade n. 69, São Paulo: Cortez, 2002. IAMAMOTO, Marilda. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 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