“O Visual do corpo em Antropologia: Culturas, historias e modos de

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“O Visual do corpo em Antropologia:
Culturas, historias e modos de ver.”
por Stéphane Malysse
“ A Antropologia, e antes dela, a Etnografia, sempre foi fascinada pelos aspectos
visuais dos Outros: corpos dos outros ou outros corpos ? Até 1950, o corpo era
considerado como o melhor “instrumento” para compreender as diferentes culturas,
as diferenças étnicas que sobre ele se espalhavam. A partir desse momento
epistemológico, dessa visão do corpo como “chave” para entender o Outro, as novas
teorias raciais aparecem nas Ciências Humanas, assim como nascem duas novas
disciplinas: a antropologia física e a antropometria. Infelizmente, de uma certa
maneira, a emergência de uma dita antropologia visual é indissociável à historia do
estatuto do corpo em antropologia, e o corpo é um “objeto” tradicional de pesquisa
em antropologia visual. Portanto, após das teorias racistas aplicadas ao “corpo
primitivo” pela antropologia física, a desconfiança e o desprezo acadêmico a
respeito das imagens (fotográficas ou videográficas) nunca parou de existir.
Como diz David Mac Dougall, “se a antropologia sempre se interessou pelo visual,
seu problema sempre foi o de saber como tratá-lo” (1997), e esse problema aparece
como intimamente ligado aos que surgem com a “noção de pessoa” e de “técnicas
corporais”, isolados por Marcel Mauss
em 1950.
Em antropologia, as
representações em imagem dos corpos individuais vão de encontro a essa dupla
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ambigüidade heurística, a esse duplo desafio da interpretação: o que fazer de
imagens que mostram somente uma parte ínfima do “eu” visível de uma pessoa e da
cultura na qual ela se incorpora ? Primeiros “olhares antropológicos” sobre o
corpo... pois, penso que seria bom lembrar, mais uma vez, o fato que a emergência
da Antropologia, enquanto ciência, é contemporânea à invenção da fotografia. A
princípio a cooperação entre antropologia e fotografia foi estimulada por dois
fatores, o primeiro ligado ao colonialismo e o outro ao estatuto epistemológico do
corpo nas pesquisas antropológicas da época.
Na verdade, o projeto de fundar uma ciência do homem -uma antropologia- é muito
recente. De fato, a antropologia nasceu, mais o menos no inicio do século XX, e
focalizou o seu olhar sobre o estudo das populações que não pertenciam à
civilização ocidental, e ficou intimamente ligada ao colonialismo. Paradoxalmente,
logo após ter afirmado seus próprios métodos de pesquisa e suas teorias, a
antropologia percebe que o objeto empírico que tinha escolhido (as ditas sociedades
“primitivas”) está desaparecendo: é o fenômeno mundial de “aculturação”, o fim do
“selvagem”, a morte do “primitivo” e das suas especificidade culturais. Esse
encontro de um “saber” com uma “técnica” recebeu a avaliação cientifica através
das teorias de evolução das raças, nas quais o corpo era considerado como mero
suporte de cultura. Os etnólogos, ancestrais dos antropólogos, pensavam que para
estudar as diferenças das culturas, bastava olhar os corpos ; as diferenças sociais e
culturais eram analisadas através do biológico e para estudar as culturas primitivas e
suas relações com o corpo, os cientistas da época criaram o conceito de raça. A
antropologia sempre foi fascinada pelo aspecto visual dos corpos, considerado como
a prova das diferenças culturais e a emergência da antropologia visual é inseparável
da historia do corpo e dos trabalhos de antropologia física e biológica. Nesse
sentido, a aparição da antropologia enquanto disciplina cientifica estava
intimamente ligada à invenção da fotografia ; com ela, a antropologia entra numa
fase de canibalismo visual e as imagens do Outro “primitivo” da época sempre
serviam para avaliar as teses racistas de distinção entre “selvagem” e “civilizado”.
Teses cientificas baseadas, sobretudo nos conceitos de ética corporal e de decência:
a nudez do corpo era considerada como prova “visível” do “atraso” e da
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inferioridade cultural do “selvagem”, se sendo o mero indicador simbólico da sua
proximidade com a natureza. Concordo totalmente com o Etienne Samain quando
ele diz que a Antropologia perdeu mais de meio século (1850-1910) mapeando
fotograficamente o mundo das “raças”, dos “tipos” humanos, das “características”
da “espécie humana”. Entretanto, “a Antropologia física – estudo de crânios,
braços, pés, mamas e, na medida do possível, o corpo inteiro esculpido em gesso –
e a antropometria eram becos sem saída”. E claro que esse uso racial das imagens
do corpo causa, ainda hoje, um certo embaraço aos novos antropólogos.
Entretanto, é preciso dizer até que ponto o contexto de receptividade desses “olhares
antropológicos” era diferente no final do século XIX : nessa época, no Ocidente, o
corpo era extremamente dissimulado pelas roupas e somente as mãos e o rosto
apareciam. Todas as atividades corporais e as “técnicas corporais” de cuidado de si
eram realizadas de maneira escondida em espaços privados chamados de
“intimidades” (Vigarello,1985). Nesse contexto pudico, o visual dos corpos
exóticos chocava muito o publico e se tornava muitas vezes um pretexto a exibir um
tipo de pornografia etnográfica, como aparece nesse cartão-postal que representa
uma mulher zulu “tipicamente proporcionada”. Muitos cartões-postais de tipo
antropometrico da época representam mulheres nuas cujas “poses” parecem apoiar
mais ainda a idéia de uma “inferioridade” tanto física quanto moral. A nudez dessas
mulheres, por exemplo, era vista e interpretada como uma prova Ética ou
justamente uma prova de falta de Ética, "característico das raças de selvagens que
tinham ficados mais perto do estado animal". A nudez do Outro, que tão chocava a
opinião publica, mais que era sur-exposta nas fotografias etnográficas da época, se
transformou rapidamente no principal indicador simbólico da sua proximidade com
a Natureza. Toda nudez será castigada... e no contexto colonial, essas imagens
ajudavam a convencer os europeus tanto da idéia de hierarquia das raças quanto do
bem, dos progressos “humanos” que eles poderiam providenciar aos “primitivos”.
Essa pequena historia das representações dos corpos humanos pela etnografia
mostra bem até que ponto o uso das imagens dos corpos em Antropologia sempre
foi
parasitado
pelos
paradigmas
teóricos
ligados
ao
colonialismo.
Os
“antropólogos” da época utilizaram a fotografia e o cinema recém nascido para
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registrar, medir e comprar os corpos: a Antropometria sempre se apoiou
“cientificamente” nas imagens fixas ou em movimento dos corpos e essas imagens
do corpo serviam de ilustração das teorias raciais, das idéias de hereditariedade e de
evolucionismo humano, inspirado pelas ciências naturais. Tomar o corpo do outro
como prova “visível” do seu primitivismo era também uma forma de propaganda do
colonialismo e uma maneira radical de apoiar as teses racistas que querem ver no
homem um mero produto do seu corpo. Ainda hoje, Fatimah Tobbing Rony
denuncia o “canibalismo fascinado” da cultura ocidental sublimado através da
consumação de imagens racializadas do outro: “ Os canibais são os consumidores
de imagens de corpos exóticos – e as vezes dos próprios corpos – oferecidos pela
mídia e pela ciência” (Rony, 1996:10) ao qual eu acrescentaria o chamado “turismo
sexual”. O corpo não é mercadoria
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e as representações do corpo do outro não
pode mais virar pornografia do saber. Essa conotação racial e sexual das imagens do
corpo pode explicar uma grande parte do preconceito das Ciências Sociais e
Humanas a respeito das imagens e sobretudo das imagens dos corpos ao longo do
século XX.”
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Nome do manifesto assinado por vários intelectuais e cientistas na França em maio de 2000 para manifestar
a indignação frente ao crescimento de um trafico selvagem de mulheres oriundas dos paises do Leste europeu.
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