1 introdução

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DISCIPLINA JURÍDICA DO EMBRIÃO EXTRACORPÓREO
Ana Thereza Meirelles Araújo1
Sumário: 1 INTRODUÇÃO 2 A FERTILIZAÇÃO
ARTIFICIAL 3 A TUTELA DO EMBRIÃO
EXTRACORPÓREO 3.1 A IDENTIFICAÇÃO DO INÍCIO
DA VIDA 3.1.1 A proteção desde a concepção 3.1.2 A
proteção condicionada a fatores fisiológicos 3.1.3 O
embrião como potencialidade 3.2 A VIDA E O PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 3.3 A
SISTEMATIZAÇÃO CLÁSSICA DO DIREITO CIVIL 3.4
O DESTINO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES E A LEI
11.105/05 4 CONCLUSÃO 5 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
É irrefutável que o mundo contemporâneo contempla e questiona, ao mesmo tempo, os avanços
da tecnociência e da biotecnologia, reclamando o acompanhamento paralelo do Direito, seja para
legitimá-los, ou, para limitá-los, a fim de dar-lhes o respaldo da legalidade e da segurança
jurídica. Nesse contexto, as técnicas de reprodução humana assistida, que, na maioria das vezes,
dizimam a infertilidade/esterilidade através da inseminação e da fertilização em laboratório,
procedimento que origina o embrião extracorpóreo, e, conseqüentemente, a problemática da
destinação do excedente embrionário.
A construção da tutela jurídica dos embriões que estão fora do corpo materno não deve anteceder
a compreensão das etapas, limitações e conseqüências do processo que os origina. Dessa forma,
cabe ao jurista a minuciosa investigação e compreensão da fertilização artificial, fenômeno
1
Advogada e Pós-graduanda em Direito de Estado pela Universidade Federal da Bahia.
científico a ser tutelado, a fim de que possa relevar as suas motivações e construir uma disciplina
justa e coerente com os pormenores reais desse processo.
Conferir destinação ao embrião concebido in vitro pressupõe identificar, primeiramente, sua
natureza jurídica e analisar a disciplina que lhe foi dispensada, quando permitida a prática da
reprodução artificial, procedimento em que o excedente tem se mostrado inerente. A disciplina
jurídica do embrião em situação extracorpórea deve, então, exalar a coerência nos critérios que
determinam a legalidade da fertilização assistida, o uso de métodos contraceptivos, cuja ação
pode se processar após a fecundação, e as opções para a destinação do excedente.
2 A FERTILIZAÇÃO ARTIFICIAL
A fertilização artificial ou in vitro, uma das modalidades de reprodução assistida, consiste na
coleta de óvulos para associá-los aos espermatozóides, o que evidencia que a fecundação,
naturalmente ocorrida no corpo da mãe, ocorrerá fora dele, de maneira monitorada em
laboratório, para que, a partir daí, obtenham-se os zigotos ou embriões, que serão,
posteriormente, implementados no útero para serem gestados.
É necessária a indução da ovulação, mediante estímulo hormonal, para que se obtenha mais de
um óvulo por ciclo. Posteriormente, eles serão selecionados e colocados em estufa, sob
temperatura ideal, até o momento que em que serão inseminados. Os espermatozóides colhidos
passarão pelo mesmo processo de seleção e, em seguida, será promovida a inseminação nos
óvulos maduros selecionados.
Após a coleta e o tratamento, as células masculinas e femininas são reunidas em um
mesmo caldo de cultura – geralmente o próprio líquido folicular que envolve o óvulo –
e começam a interagir naturalmente. Tudo é tão microscópico no processo de
surgimento do embrião que se utiliza o máximo de tecnologia disponível para favorecer
a observação. Nas primeiras horas, já se observa a atração dos espermatozóides pelo
óvulo e a forma como os primeiros começam, juntos, a dissolver a geléia que envolve o
óvulo. Assim que um deles consegue penetrar o óvulo, os dois gametas começam a
formar uma única célula. Em seguida, há um período de aproximadamente 17 horas de
poucas mudanças, mas depois disso tudo ocorre em grande velocidade. Os núcleos dos
gametas entram em um processo de fusão, formando uma única célula que logo se
divide em outras duas, exatamente iguais. Em mais ou menos 48 horas, os embriões
estarão com quatro células idênticas, já prontos para serem transferidos ao útero
(OLMOS, 2003, p.192).
Ressalta-se que alguns embriões obtidos podem apresentar problemas de desenvolvimento ou
divisão celular inadequada, características que serão detectadas pela biópsia embrionária ou
diagnóstico pré-implantacional. Os embriões que não apresentem condições saudáveis e aptidão
para a transferência uterina, indispensáveis a seu desenvolvimento normal, não serão
implantados.
A quantidade dos óvulos e dos espermas coletada reflete, desde já, a inclusão do risco do
procedimento, pois, é impossível garantir que a associação de um óvulo a um espermatozóide
configuraria um embrião saudável, passível de ser implantado no útero. Portanto, é necessário
inseminar mais de um óvulo, para que se obtenha mais de um embrião, fato comprovado pelos
índices que refletem o êxito desse tipo de tratamento.
Três a cinco embriões saudáveis serão implantados na cavidade uterina, entre o segundo e sexto
dia após a fertilização. A implantação de um número inferior concentra grande probabilidade de
insucesso da gestação; por outro lado, estudos na medicina reprodutiva evidenciaram que um
número superior gerou a incidência de gestações múltiplas, aumentando o risco abortivo e o
insucesso do procedimento.
No entanto, conforme diagnóstico pré-implantacional, alguns desses embriões não serão
implementados, porque excederam o número recomendado à transferência ou não reuniram
condições favoráveis para fins de reprodução (ausência de desenvolvimento normal, divisão
celular inexpressiva, alteração genética ou cromossômica). Assim, a inexistência dessas
condições favoráveis caracteriza a inviabilidade do embrião, que não poderá atender à finalidade
inicial de reprodução.
Aos embriões remanescentes, viáveis ou inviáveis, surgem as possibilidades de congelamento
para que futuramente possam ser utilizados pelo casal originário ou doados a casais com
problemas de fertilidade; descarte ou destruição; utilização em pesquisas com finalidade
terapêutica, respaldada no fato de que, se inviáveis, não poderão ser implantados, se viáveis,
seriam fatalmente descartados, vez que não seja da vontade dos genitores implantá-los
posteriormente ou doá-los para fim semelhante.
3 A TUTELA DO EMBRIÃO EXTRACORPÓREO
A possibilidade de manipular as células humanas germinativas evidencia a existência de um
terreno de indefinições jurídicas que tem como ponto de partida as normas constitucionais.
Primeiramente, porque põe em discussão o momento de início da vida e sua inviolabilidade
supostamente irrefutável, posteriormente, porque faz emergir possíveis conflitos entre o
progresso científico em benefício do homem e os limites de sua atuação.
Mesmo sem legislação específica, a fertilização assistida é bastante utilizada no Brasil, e a sua
legalidade advém do princípio ontológico do Direito: Para a ciência jurídica, o que não está
juridicamente proibido está juridicamente facultado.
A resolução 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina (BRASIL, 1992) regula a procriação
artificial, mas não possui força normativa, apenas é voltada aos profissionais dessa área. Ela
dispõe sobre a necessidade do consentimento dos receptores e dos genitores, no que tange à
doação de gametas e embriões, permite o processo seletivo a fim de verificar possíveis doenças
ligadas ao sexo do filho que venha a nascer, através do diagnóstico pré-implantacional, mas não
estabelece os critérios ou padrões de inviabilidade embrionária, não determina regras para
controlar o surgimento do excedente, indicando o número de embriões a serem obtidos e
implantados, nem se manifesta sobre o adequado tempo de congelamento ou criopreservação.
No Brasil, enquanto impera a inércia do legislador ordinário, o Conselho Federal de
Medicina, “considerando a necessidade de harmonizar o uso das técnicas com os
princípios da ética médica”, aprovou, em novembro de 1992, a Resolução n 1.358, que
reflete normas compatíveis com os princípios constitucionais e com o ordenamento
jurídico, embora não solucionem diretamente os conflitos inerentes às práticas. Essa
Resolução não tem força de lei, mas é hoje uma das diretrizes responsáveis pelo
controle social da utilização das técnicas (BORGES JÚNIOR; OLIVEIRA, 2000, p.
18).
A procriação é uma das faces de outros direitos que estão garantidos constitucionalmente, é
extensão do direito à liberdade, do direito à saúde e do direito ao planejamento familiar. O
Estado, enquanto ente responsável por normatizar as condutas de seus súditos, deve estimular os
avanços na área da medicina reprodutiva, corroborando a necessidade de tratar a infertilidade e
legitimando a possibilidade da reprodução pelos casais que a desejam e não podem pela via
natural.
No mesmo encalço, preservando direitos de natureza constitucional, a lei 11.105/2005
regulamentada pelo Decreto 5.591/2005 que, mediante o consentimento dos genitores, legitima as
pesquisas de cunho terapêutico com células-tronco em embriões inviáveis ou congelados há mais
de 3 anos. Não obstante a necessidade preliminar de verificar a natureza jurídica do embrião in
vitro, necessário reafirmar a constatação de que no próprio processo de fertilização em busca de
embriões adequados ao implante, registra-se expressivos riscos de inviabilidade e,
conseqüentemente, destruição. A lei de biossegurança teve como motivação de fato a premissa de
que qualquer argumento que autorize a necessidade de destruição ou descarte dos embriões não
pode refutar a possibilidade de destiná-los às pesquisas em benefício humano.
3.1 A IDENTIFICAÇÃO DO INÍCIO DA VIDA
Para a viabilidade dos transplantes de órgãos vitais, passou-se a exigir a definição exata do
momento da morte, da mesma forma, para legitimar as condutas na seara da reprodução assistida,
identifica-se o insistente questionamento do momento de início da vida.
Parte da doutrina jurídica acolhe postulados da Embriologia que apontam para a existência de
fases no desenvolvimento do embrião, imputando-o diferentes terminologias. GARCIA, citado
por Jussara Meirelles (2000, p.112), entende que a primeira fase, denominada de período préembrionário, vai da fertilização até o final da terceira semana (o concepto chama-se pré-embrião
ou zigoto); a segunda, período embrionário, é contada a partir da quarta semana e vai até a oitava
(embrião); após essa fase, entra-se numa etapa denominada período fetal, portanto, já havida a
implantação no útero, que vai da nona semana até o nascimento (feto).
A necessidade de definir a partir de que momento um embrião passa a ser considerado ser
humano influencia na legalidade do próprio processo de procriação artificial e das pesquisas com
células-tronco embrionárias, vez que a vida e a dignidade da pessoa humana são bem jurídicos de
relevância singular.
3.1.1 A proteção desde a concepção
Segundo a visão concepcionista, a origem da vida está no exato momento em que há a união do
óvulo com o espermatozóide, portanto, no instante da concepção, seja ela natural ou artificial.
Seu fundamento assenta na existência do patrimônio genético, tão logo ocorra a fusão dos
gametas, não importando os aspectos biológicos e estruturais do embrião que evidenciam o
estágio de seu desenvolvimento.
Para otros autores, el embrión tiene la dignidad de cualquier ser humano completamente
desarrollado. Defienden que la fecundación establece un nuevo individuo genético y un
nuevo destino humano que a partir de ese momento comienza a expresarse a sí mismo
en sucesivas y graduales etapas de un proceso continuo (ORDÁS, 2002, p.102).
Dessa forma, o embrião em situação extracorpórea gozará do tratamento de pessoa e dos direitos
que lhe são inerentes como tal.
3.1.2 A proteção condicionada a fatores fisiológicos
As teorias genético-desenvolvimentistas condicionam a determinação do início da vida à
verificação dos fatores fisiológicos capazes de evidenciar a existência da individualidade
humana, não se podendo falar em indivíduo enquanto inexistir diferenciação entre as células do
embrião.
[...] enquanto não for atingido o estágio de desenvolvimento de oito células não é lícito
falar-se da existência de individualidade humana. Até que ocorra esse estágio, as
divisões executadas nas células (clonagens) têm como resultado a geração de diversos
indivíduos dotados de idênticas características [...] (SCARPARO, 1991, p. 43).
Sob o mesmo liame, as teorias que condicionam a existência da vida à implantação do embrião ao
útero materno (que só ocorre entre o 5o e 6o dia), pois, somente a partir de então, haverá a
possibilidade de geração de um indivíduo. Após a nidação (que só ocorrerá se o embrião estiver
no corpo da mulher, portanto, implantado no útero) é que se poderia falar em existência humana.
“Adota-se esse critério para determinar o início da vida humana, na medida do entendimento de
que o embrião fecundado em laboratório morre se não for implantado no útero de uma mulher”
(MEIRELLES, 2000, p.118).
No mesmo sentido, os que entendem que só é possível haver a identificação da individualização
humana na fase do blastocisto, após os 14 primeiros dias posteriores à fecundação, onde se tem a
formação rudimentar da organização do sistema nervoso central. Fala-se em pré-embrião para
indicar o período que inicia com a fecundação e vai até o aparecimento da linha primitiva,
momento em que se começa a diferenciação celular capaz de demonstrar a existência da
individualização.
O reconhecimento da vida humana, a partir da verificação da atividade cerebral, é também traço
forte das teorias desenvolvimentistas. Adotar o início da atividade cerebral como marco da
existência da vida é corroborar o critério que é utilizado, na Medicina e no Direito, para
determinar o momento do óbito – a paralisação dessa atividade.
3.1.3 A proteção enquanto ser em potencial
Partindo do pressuposto de que a existência do embrião não deve configurar a imediata existência
de uma pessoa, a teoria da potencialidade defende a construção de uma tutela que reflita as reais
condições do concepto in vitro. O embrião em situação extracorpórea reúne condições para se
tornar uma pessoa e detém a capacidade de se transformar em um indivíduo, o que não significa
que ocorrerá. LEITE, citado por Jussara Meirelles (2000, p.136):
Sem classificar o embrião como ser humano desde a concepção, porém não se
afastando da idéia referente à possibilidade de “vir a se tornar humano”, a corrente
aponta ao embrião, desde o primeiro momento de sua existência, uma autonomia que
não é “humana”, como pretende a corrente concepcionista, nem “biológica”, como
afirmam os desenvolvimentistas, mas uma autonomia “embrionária”.
A partir da concepção, é possível constatar a existência de uma unidade biológica com
patrimônio genético, portadora de condições necessárias a seu posterior desenvolvimento, que
significam a potencialidade ou a aptidão para se tornar uma pessoa.
O embrião não é mero aglomerado de células comuns a outras partes do tecido humano ou
organização celular simplória, e o reconhecimento de sua potencialidade afasta o
condicionamento da existência da vida a fatores como estrutura ou desenvolvimento embrionário.
Outrossim, a potencialidade corrobora a existência de um projeto parental de procriação, pois, o
embrião que venha a se transformar em pessoa não a será somente em virtude de uma identidade
genética específica, mas, devido ao encontro de gametas que não ocorre por suas próprias
iniciativas, e sim, por vontade dos pais.
Reconhecer o embrião como potencialidade não torna facultativo o respeito que lhe é devido, tão
somente, registra a diferença real, fática e inegável entre ele e as pessoas existentes e individuais.
Exemplificativamente, seria falacioso imaginar que, numa situação de perigo, um indivíduo que
tivesse que escolher entre o salvamento de uma criança ou de vários embriões, hesitaria em salvar
a criança, imaginando que optando pelos embriões, estaria salvando um número maior de
pessoas.
Dessa maneira, imprimir potencialidade ao embrião in vitro é respeitá-lo dentro dos limites do
que ele representa: ser que reúne algumas condições para se tornar pessoa, vez que para tanto,
não se pode prescindir das condições saudáveis para desenvolvimento e do estado de implantado
no útero.
3.2 A VIDA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A proteção jurídica da vida tem reconhecimento no âmbito internacional, por meio de tratados e
convenções. No plano da normatividade interna, os ordenamentos constitucionais costumam
também sublimar a sua tutela, motivados pelo pressuposto de que esse direito é fundamental e
condicionante aos demais direitos.
Enquanto fundamento do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa
humana tem natureza constitucional, ao integrar o núcleo dos direitos fundamentais, e
internacional, enquanto fundamento para a proteção dos direitos humanos.
Não obstante a peculiar importância, o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana
não são colimados de caráter absoluto, sofrem limitações, sejam por disposições normativas que
os refutam, ao tutelar bem jurídico julgado preponderante, ou, em virtude de situação fática que
reúna a necessidade de ponderar princípios e, conseqüentemente, sobrepujar direitos.
A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais,
sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de
predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da
liberdade individual. A dignidade é uma valor espiritual e moral inerente à pessoa, que
se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de
modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2000, p.48).
Dessa forma, as distintas análises que podem ser extraídas do sistema principiológico
constitucional fomentam a possibilidade de fundamentação e justificação das diversas opções
para a destinação dos embriões criopreservados, após o processo de fertilização artificial, tendo
em vista os diferentes pontos de vista em torno do início da vida e as evidências incontestáveis
que a caracterizam como viável.
3.3 A SISTEMATIZAÇÃO CLÁSSICA DO DIREITO CIVIL
A doutrina clássica utiliza o modelo silogístico-subsuntivo, que parte da análise da norma vigente
para disciplinar o embrião concebido in vitro, subsumindo-o à categorização sobre sujeito de
direito criada pelo Direito Civil. Essa sistematização aponta a pessoa natural, o nascituro e a prole
eventual como sujeitos de direitos. Assim, o problema da disciplina jurídica do embrião
extracorpóreo tem como ponto de partida a desnecessária tentativa de subsumi-lo a uma dessas
categorias. O artigo 2o do Código Civil determina que a personalidade (atributo de todas as
pessoas naturais) começa com o nascimento com vida, mas os direitos daquele que ainda não
nasceu encontram-se salvaguardados pela lei.
Pessoa natural é todo indivíduo nascido, portanto, detentor de personalidade e destinatário de
direitos e obrigações. O nascimento com vida é o termo inicial de sua existência.
O nascituro difere da pessoa natural pela ausência da personalidade, que restará presente após o
seu nascimento com vida, no entanto, é destinatário de direitos. Diversas são as teorias que
explicam sua natureza jurídica, sendo as principais, a concepcionista e a natalista. A primeira,
atribui ao nascituro a qualidade de pessoa desde a concepção, portanto, confere a ele
personalidade a partir da união dos gametas (fecundação); a segunda, afirma que a personalidade
só começa a partir do nascimento com vida e, embora receba proteção legal, o nascituro não é
pessoa natural, interpretação recepcionada pelo artigo 2o supracitado. No entanto, importa apenas
identificar o afastamento da qualificação “nascituro” ao embrião extracorpóreo, vez que aquele
não pode prescindir do estado de implantado no ventre materno.
Segundo o artigo 1.799, inciso I, do Código Civil (BRASIL, 2004c, p. 282), podem ser chamados
a suceder “os filhos, ainda que não concebidos, de pessoas indicadas pelo testamento, desde que
vivas estas ao abrir-se a sucessão”. É evidente que, no que tange aos embriões mantidos em
laboratório, o fenômeno da concepção já resta ocorrido.
Representando realidade nova, totalmente alheia à tradição que fundamentou a
codificação civil brasileira, o embrião concebido e mantido em laboratório mostra-se
estranho ao modelo clássico. Não é pessoa natural, pois inexistente o nascimento com
vida; não é nascituro, porquanto à época do Código, evidentemente caracteriza-se como
tal apenas o ser concebido e em desenvolvimento no ventre materno; tampouco é prole
eventual, posto que concepção já houve, o que parece afastar a eventualidade. Tem-se
observado, no entanto, alguns esforços doutrinários no sentido de tentar aproximar uma
e outra categoria para, talvez, na esteira de tais interpretações, adequar o embrião in
vitro aos parâmetros tradicionais (MEIRELLES, 2000, p.57).
Assim, é inadequado construir a tutela do embrião tendo como ponto inicial a exegese do artigo
2o do Código Civil ou qualquer outro texto normativo. Os seus pilares não devem ser
essencialmente atribuídos à categorização sobre sujeito de direitos, criada pela ciência jurídica
(quando se parte da norma para o caso concreto, no caso da exegese do artigo 2o do Código Civil)
ou aos ditames da ciência médica (quando se condiciona a proteção do embrião à sua fase de
desenvolvimento). Disciplinar o concepto in vitro, atribuindo-lhe a característica da
potencialidade, é aproximá-lo de uma compreensão que corrobora a sua realidade, a sua
possibilidade (e não certeza) de se tornar pessoa.
3.3 O DESTINO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES E A LEI 11.105/05
A Constituição de 1988 trouxe o Estado Democrático de Direito, elevou o princípio da dignidade
da pessoa humana a fundamento da República e positivou a garantia e a proteção dos direitos
fundamentais. Essa mudança de paradigma político-social levará leitura constitucional ao Direito
Civil, ao colocar a dignidade da pessoa humana no centro das relações de natureza privada.
Assim, a dignidade da vida e a sublime valoração da pessoa farão com que as relações civis
contemporâneas busquem personificação e reflitam despatrimonialização, de modo que, nesse
novo panorama do direito civil constitucional, possam ser identificadas as opções sobre a
possível destinação dos embriões excedentes.
Para o enfrentamento do problema da destinação, primeiramente, deve-se atentar para a
necessidade do controle do excedente embrionário, a fim de que, sua ocorrência seja evidência
inerente ao processo de procriação desejado. Dessa maneira, a legislação deve normatizar as
técnicas de reprodução artificial, em especial a fertilização in vitro, determinando critérios,
padrões e comportamentos, como o limite à indução de ovulação (ainda que seja necessário
repetir o procedimento), a fim de que possa ser obtido um número não exagerado de embriões,
preservando-se a finalidade de reprodução e respeitando-se a potencialidade humana do concepto
in vitro. A inviabilidade embrionária deve também ser disciplinada, consolidando-se, através dos
critérios médico-científicos, as características e indicativos que a evidenciam ou a tornam
provável, ou seja, descrevendo-se quais os aspectos de um embrião inviável e o que faz torná-lo
não recomendado para o implante.
A identificação do tratamento dispensado ao embrião extracorpóreo, ao se permitir a fertilização
in vitro, deve anteceder a disciplina da destinação do excedente. A fecundação por meio artificial
torna vulnerável a vida dos embriões, quando os submete a riscos (como a cultura na estufa), e
agrega possibilidade de inutilizá-los ou desprezá-los por inviabilidade, uma vez sugestionado
pelo diagnóstico pré-implantacional. Desse modo, a permissão do procedimento deve afastar
qualquer tentativa de afirmar que ao embrião in vitro foi dispensado o tratamento de pessoa.
Nesse liame, sendo o excedente inerente ao processo realizado, pois não se teve como evitá-lo,
sua disciplina deve ser consentânea àquela quando se permitiu a fertilização in vitro, vez que não
se deve pretender conferir tratamento distinto.
Ao final do procedimento implantatório, realidades diferentes estarão circunscritas aos embriões
remanescentes, poderão haver embriões viáveis, ou seja, detentores de características e condições
fisiológicas que permitem destiná-los à finalidade reprodutiva em outro momento, ou embriões
inviáveis, que não reúnem condições para serem implementados porque não apresentaram
desenvolvimento normal.
Dentre os embriões obtidos, portanto, alguns não são transferidos ou porque não
apresentam sinais de desenvolvimento normal ou porque, muito embora em condições
de evoluírem normalmente, ultrapassam o número máximo recomendável à
transferência por ciclo, fixado para evitar gestação múltipla com risco de aborto, parto
precoce e outras complicações (MEIRELLES, 2000, p.213-214).
Não obstante a inexistência de legislação que descreva as opções para o excedente, a Resolução
1358/92 do CFM resguarda a necessidade do consentimento dos genitores para que possa
promover qualquer destinação. Recentemente, a lei 11.105/05 positivou uma nova opção –
permitiu a doação dos embriões remanescentes inviáveis ou viáveis, congelados há mais de 3
anos, para pesquisas com células-tronco, também resguardando a necessidade de consentimento
do casal que os originou.
Precipuamente, mister constatar a ausência de plausibilidade na idéia da implantação obrigatória
de todos os embriões obtidos (viáveis ou não), a custo do risco e frustração do objetivo desejado.
Tal posicionamento assenta na defesa de que o embrião não pode ser inutilizado ou descartado de
forma alguma, argumento refutável quando se verifica a possibilidade de sua destruição pela
exposição aos riscos, inerente ao próprio processo realizado.
Outrossim, refutando a idéia da inviolabilidade do concepto in vitro, constata-se que os métodos
contraceptivos diu (dispositivo intra-uterino) e pílula do dia seguinte são legítimos e podem
impedir a gravidez no estágio em que já ocorreu a concepção e se formou o embrião.
Duas outras situações são bastante controversas, gerando polêmica e discussão ao redor
do mundo. Em diversos países, incluindo o Brasil, o uso do dispositivo intra-uterino
(DIU) e da pílula do dia seguinte são facilmente aceitas, mas a utilização dos préembriões, como fonte de células-tronco para a pesquisa e a clínica, não. Essas situações
parecem contraditórias uma vez que se referem às mesmas células. O DIU de
progesterona impede a implantação do blastocisto no útero. Uma vez que a implantação
ocorre a partir do sexto dia, o blastocisto seria quem estaria sendo destruído através
desse método contraceptivo. A pílula do dia seguinte destrói as células até 72 horas
após a fecundação. Portanto, os dois métodos estariam destruindo as células-tonco
embrionárias, tanto quanto como se essas células, já produzidas e congeladas, fossem
utilizadas para a pesquisa clínica. Certamente, a sociedade está diante de um dilema. Se
o conjunto de células é considerado como um ser humano desde a fecundação, antes
ainda da implantação no útero, se deveria proibir o DIU, a pílula do dia seguinte e o
congelamento dos embriões (PRANKE, 2005, p.36).
Após o processo de implantação, para o excedente, observa-se as opções de congelamento,
doação para casais com problemas de fertilidade, descarte e doação para a pesquisa científica,
sejam porque previstas expressamente, ou porque permitidas por não terem sido proibidas.
É facultado aos genitores criopreservar o excedente embrionário, através do congelamento, no
entanto, vale a ressalva de que o decurso do tempo de criopreservação pode inutilizar ou destruir
os conceptos, embora não se tenha consenso sobre esse prazo.
Conforme a resolução do CFM, a doação dos embriões para casais inférteis não pode ocorrer sem
o consentimento do casal que os originou.
Quanto à doação, solução ética e legal, é ato bilateral em que há necessidade de
consentimento expresso dos dois responsáveis pelo material genético e dos
beneficiários do tratamento. Tal como a de gametas, gerará todo o conflito legal de
determinação da filiação [...]. É importante ressaltar que, em se tratando de doação de
pré-embriões, não haverá vínculo biológico algum, pois o material genético será
totalmente estranho ao casal receptor, fato que poderá gerar maior dificuldade na
determinação da prova da filiação. Havendo discussão e não sendo possível a prova
biológica, grande valor terão os termos de consentimento, cuja cautela na obtenção
deve ser redobrada (BORGES JÚNIOR; OLIVEIRA, 2000, p.70).
O embrião, enquanto ser potencial, agrega o patrimônio genético de seus genitores, fato que
corrobora a necessidade do consentimento para seu destino. Não parece plausível legitimar a
prática da reprodução artificial e imputar a quem a ela se submeta o ônus da doação obrigatória
de seu excedente para reprodução de outros casais. Ademais, é solução que pode não funcionar,
tendo em vista que a grande maioria dos casais inférteis ou estéreis optará por utilizar seus
próprios gametas, seu próprio material genético (seja de ambos, ou de apenas um deles). Assim,
submeter o excedente embrionário à imposição de adoção futura terminará por expô-lo aos riscos
do congelamento ou descongelamento, conforme o aparecimento dos pais.
Outra solução apontada seria a adoção dos embriões que ultrapassaram o número
necessário à implantação uterina. No entanto, ainda que a possibilidade de adotar
embriões possa ter a mesma conotação protetiva do instituto da adoção de nascidos, é
de se indagar a sua aceitabilidade ética, eis que poderia fazer sujeitar os adotandos aos
riscos do congelamento e do descongelamento a fim de atender a futuros adotantes.
Ademais, poderia implicar instrumentalização de seres humanos, porquanto a
fecundação poderia estar direcionada a “fabricar” uma criança para destiná-la à adoção,
ainda em estágio embrional (MEIRELLES, 2000, p.221).
Quando se cogita a possibilidade de descarte do excedente, a polêmica aumenta. Se solicitado
pelo casal originário, entende-se que poderá ser efetuado, com a ressalva de que a resolução
1.358 do CFM o proíbe, porém, conforme mencionado, carece de força normativa.
Para se extrair a licitude da destruição ou descarte do pré-embrião, considera-se o já
exaustivamente abordado princípio da legalidade. Não havendo proibição expressa, o
expediente é lícito. De outra parte, deve-se considerar o princípio da anterioridade, não
havendo como se falar em crime, pois não há crime sem lei anterior que o defina, o que
determina a impossibilidade de punição, pois também não há pena sem prévia
cominação legal. Não há como alegar aborto ou qualquer figura penal. Ressalta-se a
opinião de notáveis criminalistas, aborto é interrupção da gravidez, com a destruição do
produto da concepção. O Direito Penal protege com a tipificação do aborto a vida intrauterina, havendo, para a configuração do crime, necessidade do estado de gravidez
(BORGES JÚNIOR; OLVEIRA, 2000, p.71).
O artigo 5o da lei de biossegurança trouxe nova opção para a destinação do excedente, facultando
ao casal originário doá-lo em prol da ciência, para pesquisas com células-tronco, que visam a
cura de doenças até então incuráveis, como cardiopatias, neoplasias, traumas diversos, doenças
genéticas e outras.
O crescente estudo das células-tronco provenientes do embrião tem apontado expressivos
benefícios e a superioridade terapêutica desse tipo celular é baseada em três características: a
grande plasticidade, a facilidade proliferativa e o maior grau de compatibilidade para fins de
transplante.
A grande plasticidade ou pluripotência das células embrionárias é a capacidade de originar
diferentes tipos celulares e, conseqüentemente, diversos tecidos do corpo humano, o que
possibilitaria a reconstrução de diferentes órgãos. A atual tarefa dos cientistas e pesquisadores é
extrair as células-tronco do embrião, impedir que elas amadureçam, e moldá-las às necessidades
dos pacientes: fazer com que uma célula-tronco produza sangue, outra pele, outra neurônios,
entre outros tecidos. A medicina regenerativa tem concentrado esforços na defesa pelo uso dessas
células por acreditar no poder de renovação e reconstrução dos tecidos e órgãos humanos.
“Embriões muito jovens são uma fonte potencialmente mais adequada porque nenhuma de suas
células se especializou ainda” (SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, 2005, p.64).
Atualmente, o maior desafio da ciência médica consiste em determinar precisamente o que torna
a célula-tronco capaz de formar um tecido específico.
A capacidade de proliferação ou auto-renovação se dá pela grande concentração de telomerase, a
enzima que controla o número de vezes que a célula pode se dividir. Para fins de reconstrução e
regeneração de tecidos, é de fundamental importância a quantidade das células-tronco envolvidas.
A reconstrução de qualquer tecido humano, por mais fisiologicamente simples que seja,
pressupõe uma concentração de células, que será obtida mediante sua “auto-reprodução”, fator
perfeitamente inerente às células provenientes do embrião (PRANKE, 2005, p.33-34).
A polêmica sobre a manipulação das células germinativas nasceu quando se constatou a
importância das pesquisas com células-tronco em embriões excedentes, realizadas em benefício
humano e como um recurso terapêutico, no entanto, o cerne da discussão antecede o problema da
pesquisa. A manipulação dos embriões, como ocorre nas etapas da fertilização in vitro, para
efetivar a procriação, já põe em cheque a afirmativa de que embrião é pessoa humana,
justificativa que vem sendo invocada pelos que entendem que as pesquisas são inconstitucionais.
Logo, para o Direito, a discussão está na identificação da natureza jurídica do embrião e o destino
do excedente é passo que deve se manter coerente com essa natureza.
O Estado, através da lei 11.105/05, legitimou a escolha pela destinação à pesquisa científica,
coadunando o respeito à vida e à dignidade humana. Qualquer argumento que defenda o descarte
jamais proibiria as pesquisas de cunho terapêutico, como as com células-tronco, que em nada se
assemelham à clonagem ou à manipulação do patrimônio genético.
Do ponto de vista ético, o embrião não pode, em nenhum estágio de sua existência, ser
tratado como coisa; logo, sua utilização industrial ou comercial está totalmente
proibida. Todavia, a pesquisa em embriões pode ser aceita nos seguintes casos: se for
capaz de provocar progressos do diagnóstico ou da terapêutica e desde que não
provoque modificações artificiais no genoma humano transmissíveis à descendência.
Visa-se proteger ao indivíduo e à espécie humana (FERNANDES, 2005, p. 104).
Ressalta-se a necessidade de preservar a potencialidade do embrião, enquanto fonte que origina a
pessoa, proibindo sua comercialização ou negociação onerosa, de maneira que, o destino do
excedente esteja subordinado ao consentimento de seus genitores, mas, não atente contra a
dignidade humana.
Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos for fertilização in vitro e não
utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – Sejam
embriões inviáveis; ou II – Sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data
de publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois
de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. 1o Em
qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.  2o Instituições de pesquisa
e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias
humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos
comitês de ética e pesquisa (BRASIL, 2005, p. 3).
É certo que a lei de biossegurança também recepcionou a necessidade de tutelar situação préexistente, ou seja, a realidade das clínicas de fertilização in vitro que mantém embriões
congelados cujos genitores não têm interesse no excedente que originaram, optam, inclusive, pela
defesa de seu descarte.
4 CONCLUSÃO
A prática da fertilização in vitro implica na possibilidade de destruição de alguns embriões,
quando não resistam às influências às quais foram submetidos, ou mesmo, quando não se
mostrem adequados à finalidade reprodutiva, uma vez identificada pelo diagnostico préimplantacional.
A fim de controlar o surgimento do excedente, que tem se mostrado inerente ao processo, deve-se
normatizar o limite à hiperovulação, os padrões indicativos de inviabilidade embrionária, o prazo
de congelamento para preservação do embrião, bem como a proibição da comercialização ou
negociação onerosa. Dessa maneira, ter-se-á um melhor controle sobre a quantidade de embriões
remanescentes, bastante para assegurar a preservação da finalidade de reprodução.
Sobrevindo embriões remanescentes, não há qualquer coerência na implantação dos inviáveis ou
dos excedentes ao número adequado à transferência uterina, sob pena de se frustrar o próprio
objetivo da reprodução artificial. Na prática, os embriões inviáveis são descartados, e a fim de
evitar esse descarte, o artigo 5o da lei de biossegurança trouxe a possibilidade de doá-los às
pesquisas com células-tronco, após consentimento dos genitores.
No que tange à natureza jurídica do embrião, a compreensão que melhor se desvincula dos
ditames da Medicina (com as teorias desenvolvimentistas) e da categorização criada pelo Direito
(com a exegese do artigo 2o do Código Civil) é a que atribui a ele a característica de
potencialidade de pessoa, ou ser em potencial, observando que a sua existência não configura a
imediata existência de uma pessoa, mas a capacidade para se tornar tal. O Ordenamento Jurídico
atribuiu a característica de potencialidade ao embrião, quando permitiu a fertilização in vitro,
procedimento capaz de imputar a alguns conceptos o destino da destruição, vez que podem não
resistir aos riscos do próprio processo. Ademais, é evidente o fato de que quaisquer técnicas que
visem combater a esterilidade não podem assegurar total possibilidade de êxito.
Se ao embrião fosse imputado o status de pessoa, legítima não seria a permissão da prática da
fertilização in vitro, pois, a vontade de procriar não poderia preponderar sobre a possibilidade de
matar ou destruir indivíduos. Como se sabe, tanto a destruição quanto a inviabilidade podem
sobrevir, após a tentativa de fecundação em laboratório. Dessa forma, conclui-se que a defesa da
inviolabilidade do excedente embrionário deve pressupor a constatação de que já existe
violabilidade, quando permitida a prática da fertilização in vitro.
Quanto à destinação, insta a inexistência de lei que a determine, ressaltando que a resolução do
Conselho proíbe o descarte, mas não confere destino, submetendo-o à decisão do casal originário.
O consentimento também é indispensável na lei de biossegurança e nos projetos de lei sobre o
assunto, restando aos genitores a faculdade de destinar seu excedente à pesquisa com célulastronco; doá-lo para finalidade também reprodutiva; mantê-lo congelado; ou, mesmo, optar por
descartá-lo, solução combatida pela ética médica e jurídica, mas sem proibição expressa em lei.
A submissão ao consentimento dos genitores é consentânea ao tratamento de potencialidade que é
e deve continuar a ser atribuído ao embrião em estágio pré-implantatório, porém, em respeito à
sua dignidade, deve-se manter a vedação quanto a qualquer prática de comercialização ou
negociação onerosa que possa envolvê-lo. Se a FIV agrega a possibilidade de destruição de um
único embrião, de arriscar a sua integridade, conclui-se que, ao permiti-la, o Ordenamento
Jurídico já trata o ser embrionário como uma potencialidade, corroborando a idéia da necessidade
do consentimento para efetivar o destino do excedente. Ademais, não há vedação quanto a
doação dos embriões para a finalidade reprodutiva, se esta for a vontade do casal.
Cumpre-se ressaltar que o artigo 5o da lei de biossegurança legitimou a possibilidade de pesquisa
com células-tronco em embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos, que vêem sendo
fatalmente descartados nas clínicas de fertilização humana, tão logo seus genitores consintam. O
dispositivo promove alerta para a existência de outra possibilidade, que não é de descartar
embriões excedentes, mas destiná-los em benefício humano.
Dessa maneira, é necessário começar a pensar se o vilipêndio aos princípios constitucionais não
está ocorrendo no exato momento em que se legitima a inutilização ou descarte dos embriões
excedentes, como de fato vem ocorrendo ao fim dos processos de fertilização em laboratório.
Se a sociedade e o legislador compreenderem o embrião como pessoa humana, não se conseguirá
encontrar legitimidade na permissão da fertilização in vitro, vez que ela encerra a possibilidade
de destruir embriões, seja porque é um risco do próprio procedimento, ou porque, quando
constatada a inviabilidade, haverá impossibilidade de implantá-los. Dessa mesma forma,
questiona-se a aceitação e a legalidade do uso de certos métodos para prevenir a gravidez, como o
diu (dispositivo intra-uterino) e a pílula do dia seguinte. A ação de ambos pode ocorrer quando o
gameta masculino, introduzido no corpo da mulher, já tenha encontrado o óvulo, formando o que
se chama de pré-embrião, momento igual ao estado de pré-implantação do embrião in vitro.
Logo, se a opção legislativa primasse por tratar o embrião como pessoa natural, deveria ser
consentânea em seu critério, proibindo os métodos contraceptivos citados e a prática da
fertilização in vitro, em prol de não sujeitar o embrião (enquanto pessoa) a nenhum risco de
destruição, inviabilidade ou congelamento.
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