Paradoxo da Reciclagem

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Paradoxo da Reciclagem
Paradoxo da Reciclagem
Valda Rocha
Equipe de pesquisadores estuda um novo
processo para a reciclagem do chumbo
que não polua o meio ambiente
Elemento fundamental na fabricação de baterias automotivas, o
chumbo (Pb) traz com ele uma grave e preocupante contraindicação: é altamente tóxico ao meio ambiente e, principalmente,
aos seres vivos. Atualmente, o elemento é objeto de pesquisas que
buscam desenvolver um processo de reciclagem no qual coexistam
a recuperação do metal e a preservação ambiental. Isto porque, ao
contrário de outros materiais que agridem o ambiente por não
serem reciclados, o chumbo pode causar problemas justamente
durante o seu reaproveitamento.
O processo de reciclagem utilizado há dezenas de anos pelos
fabricantes de baterias automotivas no mundo todo é conhecido
como pirometalúrgico. No Brasil, é a principal forma de obtenção
do chumbo, já que a extração de minérios desse elemento químico
é realizada exclusivamente para a exportação. Portanto, restam à
indústria automotiva nacional duas opções: a reciclagem do
chumbo das baterias exauridas ou a importação do produto.
Microscopia de um eletrodepósito de chumbo
eletrolítico típico obtido sobre um substrato de aço
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Segundo o coordenador da
pesquisa no LaPE, Nerilso Bocchi,
o processo não polui o meio
ambiente e pode ser usado para
obtenção de chumbo metálico,
a partir de diferentes matériasprimas, tais como baterias automotivas exauridas, concentrados de chumbo produzidos por
empresas de mineração, minérios de chumbo (galena), etc.
Reciclagem
Uma bateria automotiva é
composta por duas partes básicas: a caixa plástica que a envolve e as placas de compostos
de chumbo existentes internamente. Usualmente, sua composição em massa é a seguinte:
polipropileno (7%), chumbo
metálico (30%), massa ativa
(35%), solução ácida (21%) e
demais materiais (7%). Uma
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Ao contrário de
materiais que agridem
o ambiente por não
serem reciclados, o
chumbo pode causar
problemas justamente
durante o seu
reaproveitamento
bateria encaminhada para a reciclagem passa inicialmente por
um processo de separação de
seus componentes por trituração. O polipropileno (plástico)
e o chumbo metálico são facilmente separados. O plástico
triturado é encaminhado para
uma empresa de reciclagem específica desse produto.
O material interno da bateria,
denominado massa ativa e, informalmente, "pastelão", é formado
por uma mistura de compostos
de chumbo com os seguintes
percentuais em massa: chumbo
metálico (Pb) - 4%, óxido de
chumbo (PbO) - 9%, dióxido de
chumbo (PbO2) - 28% e sulfato
de chumbo (PbSO4) - 50%. Após
a separação, a massa fica úmida
e é seca a temperatura ambiente.
Depois de seca, assume uma
consistência semelhante àquela
de um achocolatado em pó. O
chumbo metálico existente nesse material é integralmente recuperado após a reciclagem.
O pesquisador Nerilso Bocchi (à
esquerda) e o engenheiro químico Abel
Sanhueza examinam equipamento no
qual é executado o processo
eletrohidrometalúrgico de obtenção de
chumbo metálico
Divulgação
Frente a esse fato e ao processo controverso de recuperação do chumbo, um grupo de
pesquisadores do Laboratório
de Pesquisas em Eletroquímica
(LaPE) do Departamento de
Química (DQ) da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar),
em parceria com a Global Eletroquímica Indústria e Comércio
de Metais Ltda, microempresa
instalada na cidade de Bauru,
interior do Estado de São Paulo,
vem pesquisando um novo processo para a reciclagem do
chumbo, denominado eletrohidrometalúrgico.
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Processo
Atualmente, cerca de 55% do
chumbo metálico produzido no
mundo é procedente de reciclagem. No Brasil, quase a totalidade das indústrias em que o
chumbo metálico é matériaprima utilizam o processo pirometalúrgico para a recuperação
desse metal. Nele, a massa ativa
proveniente das baterias automotivas é aquecida, juntamente
com carvão, limalha de ferro e
areia (sílica), em fornos que
atingem altas temperaturas
(1.000 °C a 1.200 °C). Assim são
obtidos os lingotes de chumbo
metálico.
Durante o processamento, as
chaminés dos fornos emitem
gases tóxicos, principalmente o
dióxido de enxofre (SO2) e particulados de chumbo, que contaminam a atmosfera local. Além
disto, Bocchi alerta que o processo pode contaminar cursos
de águas naturais, por meio da
lavagem do chão da indústria,
onde existe muita poeira contendo compostos de chumbo. "A
lavagem das instalações é necessária; porém, é imprescindível
que as empresas construam tanques receptores dessa água,
para tratamento adequado antes do lançamento em redes de
águas pluviais, rios e afins", diz.
No processo eletrohidrometalúrgico, o uso do forno é dispensado integralmente. Nele, a
massa ativa proveniente das
baterias automotivas ou os concentrados de chumbo produzidos por empresas de mineração são lavados em uma solução
fortemente ácida contendo
tetrafluoroborato ferroso e férrico, a fim de dissolver aqueles
compostos e produzir íons
chumbo. A solução contendo
esses íons é, então, transferida
para uma célula eletroquímica
com eletrodos de aço inoxidável
(cátodo) e grafite (ânodo). A
passagem de uma corrente elétrica transforma os íons chumbo
em chumbo metálico na su-
perfície do eletrodo de aço inoxidável. Ao final desse processo
(eletrólise), obtém-se uma camada de 4 mm a 5 mm de espessura de chumbo metálico
puro, que é facilmente retirada
e enrolada como um tecido. Para
produzir placas de chumbo metálico lisas e uniformes, aditivos
especiais devem ser adicionados na solução contendo os íons
chumbo antes da realização da
eletrólise.
Segundo o coordenador da
pesquisa, o que ocorre é que, em
vez da utilização de altas temperaturas para a obtenção do
chumbo metálico, o processo
eletrohidrometalúrgico é realizado a temperatura ambiente
Limites da lei
A Política Nacional do Meio Ambiente prevê, no artigo 54 da lei 9.605,
de fevereiro de 1998, que causar poluição de qualquer natureza em níveis
tais que resultem em danos à saúde
humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora é crime ambiental
e, portanto, o causador pode ser enquadrado em crime culposo com reclusão prevista de um a quatro anos,
além do pagamento de multa.
Com respaldo legal, a Cetesb
(Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São
Paulo) intensificou a fiscalização
junto às indústrias fabricantes de
baterias automotivas no Estado e
interditou empresas usuárias do
processo pirometalúrgico.
Uma das empresas interditadas foi a
responsável pela reciclagem do chumbo do grupo Ajax, em Bauru, no dia 29
de janeiro deste ano. A empresa foi
autuada, interditada e multada e os
funcionários e moradores das regiões
próximas às instalações, principalmente
as crianças, foram submetidos a exames
de sangue periódicos para a avaliação
do nível de contaminação por chumbo.
Segundo a Diretoria Regional de Saúde
de Bauru (DIR), em um primeiro momento, 825 crianças residentes em um
raio de mil metros da empresa interditada foram submetidas a análises
de presença de chumbo no sangue.
Deste total, 296 crianças de 0 a 12 anos,
ou seja, 35,9% das analisadas apresentaram níveis de plumbemias (concentração de chumbo no sangue) iguais
ou superiores a 10 µg/100 ml (10 midez|2002
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e usa apenas energia elétrica e
substâncias químicas reutilizáveis, viabilizando a obtenção
do metal sem a poluição do
meio ambiente.
Início
As investigações sobre o processo eletrohidrometalúrgico
instalado em Bauru tiveram
início há três anos a partir de um
projeto apresentado ao programa RHAE (Recursos Humanos
em Áreas Estratégicas), do CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que apóia pesquisas
com características de inovação
científica e/ou tecnológica, de-
crogramas de chumbo para cada 100
mililitros de sangue), concentração
limite recomendável pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). Em outras 151
crianças (18,3%), a plumbemia ficou entre 10 e 14 µg/100 ml; em 73 (8,8%) entre 15 e 19 µg/ml; em 68 (8,2%) entre 20
e 39 µg/100 ml e em 4 crianças (0,5%) a
plumbemia atingiu os 40 µg/100 ml ou
mais.
As autoridades sanitárias afirmam
que as crianças mais afetadas residiam
mais perto da empresa interditada e
que, nas amostras retiradas para um
segundo exame, realizado um mês após
o primeiro, foi registrada uma média de
contaminação de 17,7 µg/100 ml, o que
significa um queda após a interdição da
empresa.
A alta concentração de chumbo no
sangue pode ser a causa de diversos
males à saúde. A presença desse eledez|2002
mento químico em
níveis acima do tolerado interfere na
Esquema simplificado do processo eletrohidrometalúrgico
produção de hemoglobina, causa
distúrbios renais,
neurológicos e encefálicos. As crianças
em idade pré-escolar e os fetos são a
população mais vulnerável à exposição
No Brasil, a reciclagem
ao chumbo. Isto porque o sistema
é a principal forma de
nervoso em desenvolvimento aumenta
a suscetibilidade a problemas neuroobtenção do chumbo,
lógicos. A intoxicação crônica por chumpois a extração do
bo, denominada saturnismo, causa em
crianças perda de peso, anemia e deminério é feita
ficiência no sistema nervoso. Em adultos,
exclusivamente para
pode se manifestar através de proexportação
blemas gastrointestinais, alterações
neurológicas e cólicas. O chumbo,
quando absorvido pela corrente sangüínea de maneira crônica, causa lesões
no fígado, baço, rins e, principalmente,
nos ossos.
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Alternativas
O chumbo não é o único resíduo
liberado pelas indústrias que causa
prejuízos ao meio ambiente e aos seres
vivos. Outro perigoso poluente liberado
para a atmosfera por refinarias de
petróleo ou por indústrias de fabricação
de vidro, couro e açúcar, entre outras, é o
dióxido de enxofre (SO2). Nessas
indústrias, a queima de combustíveis
fósseis ou de carvão ativado que
contenham enxofre é responsável pela
liberação desse gás. As moléculas de
dióxido de enxofre liberadas pelas
chaminés e as moléculas de oxigênio (O2)
do ar são adsorvidas (aderidas na
superfície) pelo material particulado em
suspensão na atmosfera e reagem entre
si para formar moléculas de SO3 (trióxido
de enxofre). A reação do SO3 com a água
forma moléculas de ácido sulfúrico
(H2SO4), substância química responsável
pela chuva ácida. Esse fenômeno
provoca prejuízos para os corpos d´água,
solo, fauna, flora e, conseqüentemente,
para a vida humana em proporções
progressivas. Por exemplo, a chuva ácida
é capaz de dissolver metais pesados
como o chumbo e o cádmio no solo,
altamente tóxicos, que são absorvidos
pelos vegetais e se difundem pela cadeia
alimentar. Os vegetais atingidos pela
chuva ácida também ficam mais suscetíveis à infestação de pragas e ao
ataque de fungos.
Nesse contexto, indústrias buscam
processos alternativos capazes de
reduzir a liberação do dióxido de
enxofre na atmosfera. Os processos de
tratamento do SO2 dividem-se em três
categorias: por via seca, semi-seca e
úmida. Nos tratamentos por via úmida,
pode-se empregar um reator de leito
fixo de carvão ativado como filtro,
onde se promove a oxidação do SO2
de forma controlada, de maneira
semelhante ao que ocorre na atmosfera. A regeneração do leito é feita com
o escoamento contínuo ou periódico
de água. Algumas empresas já trabalham com reatores de operação
contínua para o tratamento desse e de
senvolvidas por equipe científica com o objetivo de gerar
novos conhecimentos e formar
recursos humanos. "Na época,
foram realizados os testes de
bancada com experimentos científicos que viabilizaram o
desenvolvimento do processo",
diz Bocchi.
Desde o início, o projeto foi
desenvolvido em parceria com
o engenheiro químico Abel E.
Chacón Sanhueza, consultor industrial de empresas de baterias
automotivas, que manifestou o
interesse em desenvolver um
processo de reciclagem do
chumbo que não agredisse o
meio ambiente.
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Depois de todos os testes, era
necessário desenvolver um equipamento que pudesse colocar
efetivamente em prática os experimentos feitos em laboratório. Com o apoio do Programa
de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da Fa-
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No processo eletrohidrometalúrgico, solução contendo íons chumbo é transferida para uma
célula eletroquímica com eletrodos de aço inoxidável (cátodo - foto 1) e grafite (ânodo - foto 2). A
passagem de uma corrente elétrica transforma os íons chumbo em chumbo metálico na
superfície do eletrodo de aço (foto 3)
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outros gases tóxicos. Um estudo realizado no Laboratório de Controle
Ambiental II do Departamento de
Engenharia Química da Universidade
Federal de São Carlos pelo doutorando
Sandro Megale Pizzo teve o objetivo de
testar a eficiência de um reator de leito
gotejante com operação periódica.
Nesse trabalho, financiado pela
Fapesp, foi usado o tratamento por via
úmida com descargas periódicas de
água. Quando as descargas de água
são liberadas, o carvão é lavado e o
ácido sulfúrico (H2SO4) é formado a
intervalos regulares preestabelecidos.
No caso do tratamento contínuo, a
Em vez de fornos que
operam a altas
temperaturas e emitem
gases tóxicos, o
processo
eletrohidrometalúrgico
é realizado à
temperatura ambiente
e utiliza apenas energia
elétrica e substâncias
químicas reutilizáveis
água lava o leito ininterruptamente. Os
experimentos mediram a eficiência de
remoção do poluente no reator e o
nível de concentração do ácido sulfúrico obtido na solução líquida de
saída, em função da concentração
inicial de SO2.
peraram aquelas obtidas no modo
convencional", explica.
"Se compararmos os resultados de
eficiência média de remoção desses
dois modos de operação do reator,
verifica-se que a lavagem contínua do
leito produziu índices iguais ou menores de concentração do poluente na
saída do reator. Porém, as concentrações de ácido sulfúrico em algumas
condições da operação periódica su-
Pizzo afirma que a lavagem periódica
poderia ser usada como um pré-tratamento dos gases poluentes. "A princípio, o uso de um reator periódico
permite a remoção de uma quantidade
considerável do gás e a produção de
soluções de ácido sulfúrico um pouco
mais concentradas que as de um reator
contínuo", encerra.
pesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), a microempresa Global, sob
a administração de Chacón e
com assessoria de pesquisadores do LaPE, iniciou suas atividades em novembro de 2001,
com o objetivo de desenvolver
e aperfeiçoar uma miniplanta
para a implantação do processo
eletrohidrometalúrgico. A
Fapesp investiu cerca de 100 mil
reais na primeira fase do projeto,
encerrada em abril deste ano.
Segundo Bocchi, a segunda
fase está em julgamento pelo
PIPE/Fapesp e deve ter início
ainda 2002, se aprovada. "A
duração dessa etapa é de dois
anos, e o objetivo é desenvolver
o equipamento para a recuperação do chumbo em
maior escala."
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O ácido sulfúrico é um composto
importante na fabricação de polímeros.
Na forma de soluções diluídas, ele pode
ser usado na correção do pH do solo.
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