O crime de sedução nas décadas de 1970 e 1980 a

Propaganda
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
O crime de sedução nas décadas de 1970 e 1980 a partir do estudo de inquéritos policiais
do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM)
Ana Caroline Campagnolo Bellei1
Resumo:
As fontes de trabalho do historiador estão a cada dia se ampliando, esta extensão, contudo,
requer que o pesquisador esteja atento aos desafios e cuidados de cada documento e fonte.
Ao trabalhar com arquivos de justiça criminal ou documentos policiais o pesquisador precisa
ser capaz de identificar o que de fato lhe interessa no documento, que abordagem este traz e
como lidar com essa abordagem nas questões de linguagem, estrutura e objetivo do registro.
Assim sendo, este trabalho pretende expor alguns desafios desta modalidade de pesquisa, e
neste sentido e também com fins de interpretar a questão de sexualidade como é considerada
nos documentos policiais, este trabalho cataloga e observa um acervo de 30 inquéritos
policias de casos de Sedução salvaguardados no Centro de Memória do Oeste de Santa
Catarina – CEOM, que abarcam as décadas de 1970 e 1980. Compreender a partir de que
momento a sedução se torna um crime passível de ser tratado perante uma instituição policial
e de que forma a família se configura nesse processo também são propostas deste trabalho.
Palavras-chaves: Fontes históricas, Inquéritos Policiais, Sexualidade, Gênero.
Introdução
Inquéritos Policiais (IP) são documentos históricos e oficiais que em sua definição já
expressam os desafios do seu uso: construir através deles a informação histórica, levando em
conta seu caráter oficial. Um inquérito policial geralmente traz registrado em seus autos a
representação do ofendido em face do ofensor, os depoimentos das partes e testemunhas
(sendo em juízo, interrogatório), documentos requeridos, ato de recebimento dos autos,
relatório do delegado que presidiu o inquérito e remessa do inquérito ao Juiz da Comarca,
com devida conclusão. Os autos de cada inquérito mencionam o crime e o desenrolar do
embate jurídico travado para punir ou não o indiciado.
Para realização deste trabalho foram catalogados 30 inquéritos policiais que se
encontravam arquivados no Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina – CEOM. O
CEOM é uma criação de professores da Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(UNOCHAPECÓ) no ano de 1986. Trata-se de um programa permanente de pesquisa e
extensão. O acesso ao CEOM e seu acervo são gratuitos. Especializada em História Regional
e nas áreas de ação e pesquisa do CEOM, a Biblioteca Setorial do CEOM guarda trabalhos de
1
Graduada em História – Licenciatura Plena pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Docente
atuando com Ensino Fundamental e Médio. E-mail: [email protected]
1
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
conclusão de cursos (TCC), dissertações, teses, relatórios de pesquisa e bibliografias na área
de humanidades, história oral, fotografia, conservação documental – como os inquéritos
policiais e processos criminais, civis e eleitorais disponíveis na Coleção “Comarca de
Chapecó” – arqueologia e história regional.
Inquéritos Policiais como fonte histórica: interpretação e desafio
Todo pesquisador deve estar ciente dos seus objetivos ao iniciar seu estudo, levando
em conta a diversidade de possibilidades que este tipo de documento oferece. Definidos os
objetivos,
é
preciso
optar
por
trabalhar
quantitativamente
ou
qualitativamente.
Quantitativamente iremos obter dados como proporção de absolvições e condenações.
Qualitativamente a preocupação será com condutas, valores, regras e representações sociais
em geral.
Trabalhar com processos judiciais traz diversas facetas de interpretação. É possível
dedicar-se a estudar o discurso em si, e a forma como se articulam as palavras e pensamentos,
para compreender a construção social específica de um grupo. Neste sentido cabe debruçar-se
na análise da metodologia, dos objetivos do escritor (que neste caso é o Estado) e da forma
peculiar de escrita nos campos da justiça e do direito. Sendo assim, afirmam os autores
Oliveira e Silva que “como se trata de um documento oficial (...) o Estado pode ser
considerado o verdadeiro produtor do que está escrito,” (Oliveira e Silva, 2005, p.245) o que
dá a linguagem um caráter de universalidade, neutralidade e impessoalidade.
O efeito da neutralização é obtido por um conjunto de características sintáticas tais
como o predomínio de construções passivas e das frases impessoais, próprias para
marcar a impessoalidade do enunciado normativo e para construir o enunciador em
sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e obejtivo. O efeito da universalização
é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao
indicativo para enunciar normas, o emprego (...) de verbos atestivos na terceira
pessoa do singular do presente ou do passado composto que exprimem o aspecto
realizado; (...) o uso de indefinidos (“todo condenado”) e do presente intemporal –
ou do futuro jurídico – próprios para exprimirem
a generalidade e a
omnitemporalidade daa regra do direito: a referência a valores transubjectivos que
pressupõem a existência de um consenso ético (por exemplo, “como bom pai de
família”); o recurso de fórmulas lapidares e a formas fixas, deixando pouco lugar às
variações individuais (Bourdieu, 1990, p. 215-216)
Nesse caso se trabalhará com a forma como foi produzido o que está escrito e não com
o que está sendo narrado, ou seja, o que pode ter acontecido fora dos depoimentos. É um
trabalho histórico que terá a linguagem como alvo do estudo. No caso dos inquéritos policiais,
por exemplo, o historiador pesquisador deve evitar fazer o papel de juiz, lendo os
2
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
depoimentos a fim de conhecer quem é culpado ou inocente, mas sim assumir sua postura
investigativa quanto a importância histórica de como os acontecimentos são narrados. Mesmo
o historiador que pretender utilizar os inquéritos policiais como fonte para outro tipo de
análise, que não a da linguagem, deverá levar em consideração o caráter peculiar que esta
possui nos processos policiais, considerando inclusive, que todos os discursos registrados
foram produzidos em um campo e espaço específico – o jurídico.
É possível também, dedicar-se a compreensão de um grupo social, através da
representação social que este faz de si mesmo, expressa nos discursos constantes nos autos
dos processos. “A verdade acaba sendo dada muito mais na compreensão das coisas do que
nelas próprias.” (Oliveira e Silva, 2005, p.247) Ou seja, compreender a lógica da construção
do discurso pode dizer muito sobre o grupo que o constrói, “a análise qualitativa das
narrativas dos processos permite evidenciar o modo como as pessoas percebem elas mesmas e
os outros, definindo-se e posicionando-se no espaço social.” (Oliveira e Silva, 2005, p.247).
Um desafio a ser enfrentado nessas situações é o fato de que os discursos da população
expressos nos autos de processos, como em depoimentos, por exemplo, apenas são registrados
após terem sido filtrados pela justiça e seus representantes – juízes, promotores e escrivães.
Podendo estes depoimentos, contudo, numa análise mais profunda, revelar algumas
associações, valores, preconceitos ou marcas dos depoentes em seus discursos registrados nos
autos.
Os juízes, delegados, promotores e advogados também podem revelar especificidades
de sua classe profissional ou dos valores morais de uma determinada época em suas falas,
mesmo a retórica pretendendo ser autônoma, impessoal e universal. É preciso, portanto,
atentar para a posição e campo de poder em que estão inseridos cada um dos autores quanto a
quem fala e sobre quem fala.
Representação social nos Inquéritos Policiais
Uma das pioneiras na legitimação deste tipo de fonte no Brasil é Maria Sylvia de
Carvalho Franco, que explica que analisou os processos tomando como partida a atividade de
localizar os aspectos sociais registrados nos arquivos judiciais, buscando os padrões de vida
(regularidades ou repetições), valores, representações e comportamentos. São
as “coisas” que se repetem sistematicamente: versões que se reproduzem muitas
vezes, aspectos que ficam mal escondidos, mentiras ou contradições que aparecem
com freqüência (...) cada história recuperada através dos jornais e, principalmente,
3
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
dos processos criminais é uma encruzilhada de muitas lutas (...) Resta ao historiador
a tarefa árdua e detalhista de desbravar o seu caminho em direção aos atos e às
representações que expressão, ao mesmo tempo que produzem, estas diversas lutas
e contradições sociais. (CHALHOUB, 2001, P.41)
Ou seja, um inquérito policial sempre registrará em seus autos versões dos fatos
narrados pela vítima, representante, indiciado e testemunhas chamados a depor. Steinmetz
(1992) define narrativa como um discurso estruturado em início, meio e fim, que descreva
alguma mudança ou desenvolvimento mencionando conflitos e explicações.
Nas narrativas estão contidas representações sociais, e estas exprimem realidades
coletivas, são coisas sociais e produto do pensamento coletivo (...) Por outro lado, é
importante que não se recuse à consciência individual “o poder de perceber
semelhança entre as coisas particulares que ela representa para si”, mesmo que seja
da sociedade que se tomem emprestados os fatos para, em seguida, projetá-los na
representação do mundo que as pessoas fazem (...) Representações são aquelas
responsáveis por justificar, aos próprios indivíduos que as forjam, suas escolhas e
condutas. (Oliveira e Silva, 2005, p.252).
Em suas narrativas, os depoentes colocam sua interpretação do evento ocorrido
segundo o grupo a qual pertencem, e nesse ínterim realizam uma seleção prévia do que irão
ou não contar de acordo com os objetivos de seu depoimento. Ao historiador também cabe
levar em conta esta questão.
Partindo disto percebe-se que o estudo e análise dos inquéritos policiais possibilitam
conhecer “aquilo que é transmitido com a ocorrência de determinados comportamentos e com
o discurso sobre esses comportamentos, ou seja, pode-se apreender a lógica que informa tais
comportamentos e discursos empreendidos pelos grupos sociais estudados.” (Oliveira e Silva,
2005, p.257). Os autores ROSEMBERG e SOUZA também mencionam que a partir desta
fonte também se pode reconstruir aspectos do cotidiano, indo muito além dos autores Oliveira
e Silva na confiança devotada à capacidade dos arquivos policiais em fornecer informações
sobre os grupos sociais.
Dos Crimes Sexuais
O crime de sedução caracterizava-se pela investida contra a honra sexual da mulher
virgem, menor de 18 anos e maior de 14 anos, submetendo-a ao congresso carnal
aproveitando-se da sua inexperiência ou justificável confiança. Conforme define o Juiz de
Direito José Eulálio de Almeida, existem requisitos básicos para enquadrar uma relação carnal
no quadro da Sedução:
4
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
(...) requer-se concomitantemente: a) virgindade da mulher; b) idade
superior a 14 anos e inferior a 18 anos; c) a cópula, isto é, a conjunção
carnal; d) inexperiência ou justificável confiança da mulher. Portanto,
para a configuração da sedução, indispensável é o concurso de todos
esses elementos. Ausente qualquer um deles, descaracterizada estará a
infração porque sua consumação exige a coexistência de tais
requisitos.
A virgindade de que fala a lei se circunscreve ao seu aspecto físico e
moral. Diz-se física a virgindade himenal, a qual diz respeito à
presuntiva honestidade da mulher, embora não seja o único indício
dessa característica. Diz-se moral aquela relativa à inexperiência ou
justificável confiança da mulher.
Caracterizada estará a infração, se a vítima ao tempo da ação delituosa
for de menoridade, ou seja, encontrar-se dentro da faixa etária
delimitada pelo art. 217, do Código Penal e, também, for virgem,
sendo desnecessário, para a definição do delito, a rotura ou não da
membrana himenal pelo membro viril. A prova desses elementos se
fará através de sua certidão de nascimento e do exame de conjunção
carnal respectivamente. (ALMEIDA, 2002)
Nos inquéritos policiais pesquisados são mencionados alguns artigos da legislação
brasileira, a saber: Art. 39, 213, 217, 218, 224 e 225 do Código de Processo Penal. Em vista
dos objetivos deste trabalho faz-se preciso focar nos artigos 213, 215, 217 e 218.
Os crimes sexuais foram introduzidos na legislação no ano de 1949, onde se
descreviam dois tipos de crime: estupro e atentado ao pudor. Dos anos 90 em diante esses
crimes passaram a ser considerados penalmente iguais. No ano 2005 a Sedução deixou de ser
caracterizada crime, conforme as mudanças que foram feitas nos artigos do Título VI do
Código Penal Brasileiro, “Crimes Contra a Dignidade Sexual”.
O Art. 213 intitulado “Estupro” discorria sobre o crime de “Constranger mulher à
conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” foi alterado pela lei Lei nº 12.015, de
07 de agosto de 2009 para o texto: “Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso”.
O Art. 215 intitulado “Violação Sexual Mediante Fraude” descrevia o crime como
“Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude” e foi alterado pela Lei nº 11.106, de 28
de março de 2005 para o texto “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima”.
5
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
O Art. 217 (de Sedução) que descrevia “Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito)
anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua
inexperiência ou justificável confiança” foi revogado pela Lei nº 11.106, de 28 de março de
2005, passando a ser (de Estupro de Vulnerável): “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”, abarcando os atos que culminem em violência
física ou mortal ou sejam realizados com enfermos ou deficientes mentais.
O Art. 218 denominado “Corrupção de Menores” legisla acerca dos atos de praticar ou
incitar menor de 14 anos assistir a prática do ato sexual ou a praticar prostituição.
Valores morais relacionados nos registros de crimes de sedução
Para compreender de que modo os valores morais podem ser estudados através da
pesquisa com Inquéritos Policiais e outras fontes judiciais basta perceber, inicialmente, a
mudança que ocorreu na legislação brasileira nas últimas décadas. O que hoje, sob o Título VI
do Código Penal Brasileiro denomina-se “Crimes Contra a Dignidade Sexual”, era, antes da
Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009 denominado “Crime Contra os Costumes”. Esta alteração
na legislação deixa evidente a transformação social das últimas décadas. Estes tais “costumes”
referem-se as regras impostas socialmente e oriundas de uma prática repetida de forma
generalizada e delongada, que acaba gerando convicção de obrigatoriedade na população.
A alteração pareceu necessária levando em conta a mudança que os hábitos sexuais
sofreram na sociedade e o papel que desempenham hoje.
Hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o
mesmo, a conduta sexual adaptada a conveniência e disciplina sociais.
O que a lei penal se propõe a tutelar, in subjecta matéria, é o interesse
jurídico concernente a preservação do mínimo ético reclamado pela
experiência social em torno dos fatos sexuais. (HUNGRIA, pp. 103 104, 1956)
Hodiernamente a lei visa proteger não os costumes, mas a liberdade sexual do
indivíduo e conseqüentemente a dignidade da pessoa humana. O Código Penal Comentado
(2008) esclarece que o legislador deve supervisionar o que é da dignidade da pessoa humana,
e não a respeito dos hábitos sexuais adotados pelos indivíduos. Tal policiamento deve, ainda,
ser realizado sem trazer constrangimento e sem ofender o direito alheio, ainda que para alguns
os hábitos sexuais de outrem seja imorais ou inadequados.
6
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
Entre os pré-requisitos que caracterizam um crime de sedução encontra-se a
constatação da inexperiência da moça. Para Heleno Fragoso,
"a sedução pela inexperiência da ofendida é a chamada sedução
simples. Nela não há artifício, nem fraude, nem engano. Aproveita-se
o agente da ingenuidade da ofendida em matéria sexual, isto é, de sua
incapacidade de avaliação ética do ato sexual e suas conseqüências"
(Fragoso, p.20, 1979)
Nos inquéritos policiais analisados também é possível perceber costumeira queixa das
moças – vítimas – quanto à promessa de casamento não cumprida, conforme se percebe na
imagem a baixo:
Figura: Folha 02 do Inquérito Policial CCOC845. Acervo próprio da autora.
Quanto a estes casos, o Juiz de Direito, Almeida, esclarece que aos olhos da justiça a
promessa de casamento é, dentre as acusações prestadas nos depoimentos,
a forma mais utilizada pelo sedutor para obtenção do coito vagínico.
Mas para que se possa dar crédito a essa tradicional e usual forma de
7
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
sedução é necessário que seja séria e formal, não sendo de se admitir,
como digna de crédito, a promessa de himeneu feita aestuante libidine,
pois o despucelamento da ofendida, nesse caso, é debitado unicamente
à sua sofreguidão, ao insopitável desejo de aderir à cópula, de
concorrer ao cômpito sexual, ao risco do congresso carnal, não raras
vezes, ex proprio marte. (ALMEIDA, 2002)
Como exemplo, pode-se utilizar o IP CCOC846, no qual, acompanhada por seu
genitor, L.X.C, a menor de dezesseis anos representa contra o indiciado, e afirmando que após
dez meses de namoro passaram a ter relações sexuais. Comprometeu-se o indiciado a noivar
nas festas da páscoa, porém, descobrindo a gravidez de um mês da vítima nunca mais
apareceu. Questionado pelos pais da vítima veio prometendo casamento sucessivas vezes após
o ato, porém, nunca cumprindo o prometido. O Indiciado nega ter tido relações sexuais com a
vítima e afirma ter terminado o namoro antes do início da gravidez. Neste sentido, ressalta
Chrysolito Gusmão que a promessa de casamento deve ser anterior a relação sexual, e que
também deve ter sido feita com seriedade:
“Deve ser séria e formal porque, doutra forma, não se poderia
pretender que ela pudesse exercer uma atuação influente e ser fator
decisivo para que a menor se entregasse, na suposição de, com isso,
praticar uma antecipação de consórcio; inadmissível, em princípio,
quando feita estuante libidine, porque é de ver que em tais momentos
em que o cérebro se congestiona, os sentidos se exaltam e todas as
irradiantes energias se focalizam na função sexual, certamente a
promessa não pode ser tida, na maior parte dos casos, como válida
perante o direito e diante dessa vítima que cedeu, não a uma atuação
psicológica de sedução preliminar, mas a influências momentâneas
para que, muita vez, terá concorrido, direta ou indiretamente; em
circunstâncias tais se produz uma exaltação de todo o organismo, na
complexidade de seus órgãos e funções, como já mostramos na
introdução deste livro, ao estudarmos a fisiologia do instinto
genésico." (GUSMÃO, 2001)
Além da inexperiência, a confiança de uma moça também pode levá-la a ceder as
intenções do rapaz sob propostas passíveis de crença, como é a promessa formal de
casamento. Quanto a isso, Costa Júnior caracteriza como justificável confiança da moça
aquela obtida por meios que são idôneos a iludir qualquer moça normal. Poderá essa
confiança resultar do noivado oficial, do namoro indissimulado e da promessa de matrimônio.
Ainda declara que, nas intenções que o homem possa ter para com a moça,
8
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
“com a voz empastada da libido estuante, o agente promete não só o
anel de casamento, mas até o anel de saturno. Essa promessa isolada,
sem atitudes anteriores que manifestassem propósitos bem
intencionados, normalmente não basta para caracterizar o crime."
(COSTA JÚNIOR, p.457, 1989).
A idade da vítima e do indiciado também são fatores determinantes na questão do
crime de sedução, pois se ambos possuírem menoridade penal, por exemplo, pouco ou
nenhum crédito se poderá conferir de compromisso assumido pelo agente, (art. 3º, Lei nº
8.609, de 13/07/90), nem será exigido punição. No inquérito CCOC845, por exemplo, o
arquivamento deu-se em questões de idade da vítima, conforme se percebe na imagem a
baixo:
Figura: Folha última do Inquérito Policial CCOC845. Acervo próprio da autora.
9
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
No discorrer dos autos de um IP é possível confirmar o que afirma Rosa, que "para
caracterizar a sedução, é importantíssimo também a verificação do comportamento anterior da
vítima, seus hábitos, sua compostura, sua responsabilidade familiar e social, enfim.” (ROSA,
p. 573, 1995). Isso porque na representação e nos depoimentos são bastante nítidas as
tentativas dos depoentes em afirmar a boa honra ou não da vítima, o que revela a importância
que a questão dos costumes sexuais tinha na respectiva época.
Considerações Finais
Apesar dos inúmeros desafios encontrados no uso de fontes históricas como os
documentos oficiais, esta análise traz novas e promissoras janelas para os historiadores
perceberem a trajetória humana no tempo. Tomados os devidos cuidados e traçados os
objetivos, os processos judiciais podem ajudar o historiador a compreender muitas
peculiaridades de épocas passadas não apenas pelo que trazem escrito, mas por como trazem.
Dos 30 inquéritos policiais analisados foi possível compreender a importância de
determinados costumes, tidos como valores morais, ainda muito presentes nas décadas de
1970 e 1980 na região do oeste catarinense, mais especificamente, na cidade de Chapecó-SC.
Entre estes costumes ressalta-se o de manter a castidade até o casamento, evidentemente
respaldado pela religião e tradição. É em razão destes costumes que na época se caracterizava
o crime de Sedução, hoje extinto.
A ciência que regula as relações sociais, o Direito, necessita escoltar a trajetória da
sociedade que está em constante evolução. A sociedade está em constate mudança e as leis de
um país e época devem acompanhar estas mudanças. Sendo assim, os motivos que outrora
sustentavam a existência do crime de Sedução estão cada vez mais desusados e
descontextualizados tendo em vista os atuais rumos da sociedade. Muitas publicações na área
do Direito têm confirmado estas verificações. O penalista Antônio Rosa explica que "seduzir
é enganar, ludibriar, utilizar-se de manobras ardilosas, fraudulentas, falsas promessas para
obter a posse sexual da vítima, sem o emprego da violência.” E ainda que "para caracterizar a
sedução, é importantíssimo também a verificação do comportamento anterior da vítima, seus
hábitos, sua compostura, sua responsabilidade familiar e social, enfim.” (ROSA, p. 573, 1995)
Para Heleno Fragoso,
"a sedução pela inexperiência da ofendida é a chamada sedução
simples. Nela não há artifício, nem fraude, nem engano. Aproveita-se
o agente da ingenuidade da ofendida em matéria sexual, isto é, de sua
10
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
incapacidade de avaliação ética do ato sexual e suas conseqüências. É
hoje raríssimo encontrar um caso autêntico de sedução por
inexperiência da ofendida. A moça moderna, mesmo nas cidades do
interior, desde cedo encontra no cinema, no teatro, nas praias, nas
revistas, nas conversas das colegas mais velhas, uma lição completa
do sentido ético-social do primeiro ato sexual, cuja importância até
por instinto conhece. Inexiste, por outro lado, na generalidade dos
casos, o processo de sedução, através do qual o agente procura
desfrutar abusivamente do congresso sexual. Via de regra o que ocorre
é um envolvimento amoroso recíproco, levado às últimas
conseqüências. Vai desaparecendo também o tabu da virgindade. A
honra da mulher não está na integridade de uma membrana, passando
hoje ao primeiro plano a autenticidade e a seriedade de sentimentos e
a firmeza de caráter." (Fragoso, p.20, 1979)
Paulo Costa Júnior também esclarece a dificuldade de se encontrar hodiernamente um
legítimo caso de sedução: "Não será fácil sustentar a inexperiência da moça menor de 17
anos, da cidade grande, provida dos meios de comunicação de massa, nos dias hodiernos."
(COSTA JÚNIOR, p.457, 1989). A extinção deste fenômeno esclarece a quantas andam as
mudanças sociais no que se refere a sexualidade.
Referências
ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo de. Sedução: Instituto lendário do Código Penal, 2002.
Disponível em: <http://users.elo.com.br/~eulalio>. Acesso em 10/06/2010. ALTAVILLA,
Enrico
BAUER, Carlos. Breve história da mulher no mundo ocidental. São Paulo: Xamã, 2001.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. São Paulo: Difel, 1990.
COSTA Jr, Paulo José. Direito Penal Objetivo, pág. 457, 1.ª ed., Forense, 1989.
COULOURIS Daniella Georges,. Violência, gênero e impunidade: A construção da
verdade nos casos de estupro. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Faculdade de
Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2004.
DURKEIM, Émile. Religião e Conhecimento. In: Rodrigues, José Albertino (org.) Émile
Durkheim: Sociologia. Vol.1. São Paulo Ática, 1978.
FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal, Vol. II, 3.ª ed., Forense, 1979.
GRINBERG, Keila. A história nos porões dos arquivos judiciários. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (orgs.). O historiador e suas fontes. São Paulo:
Contexto, 2009.
11
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC
GUSMÃO, Chrysolito de. Dos Crimes Sexuais. Rio de Janeiro: F. Briguiet & C.. 1921.
____________. Dos Crimes Sexuais. 6ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal.Editora – Forense, Rio de Janeiro, 1956.
___________. Código Penal Comentado. 2. ed. Niterói: Impetus, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2008.
OLIVEIRA, Fabiana Luci de; SILVA, Virgínia Ferreira da. Processos judiciais como fonte de
dados: poder e interpretação. Sociologias, Porto Alegre, n. 13, June 2005 .
OLIVEIRA, José Fernandes. Esta juventude magnífica e seus namoros nem sempre
maravilhosos. Editora – Paulus, São Paulo, 2003
PACHECO, J. E. de Carvalho. Prática, Processo e Jurisprudência. 4º ed.
Curitiba: Juruá, 1977.
41
PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe.
Florianópolis: editora UFSC, 1994.
PERROT, Michelle (org). História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira
Guerra Mundial. Vol 4. São Paulo: Schwarcz, 1997.
PRIORI, Del Mary. História das mulheres no Brasil. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1997.
ROSA, Antônio José Feu. Apud Direito Penal, Vol. II, pág. 573, ed. 1995, RT.
ROSEMBERG, André; SOUZA, Luiz Antônio Francisco de. Notas sobre o uso de
documentos judiciais e policiais como fonte de pesquisa histórica. In: Patrimônio e
Memória. Unesp – FCLAs – CEDAP, v.5, n.2, p. 168-182,
STEINMETZ, George. Reflections on the Role of Social Narrativas in Work Class
Formation: Narrative Theory in the Social Sciences. Social Science History, vol 16, nº 3, p.
489-516, Fall 1992.
12
Download