CBO posiciona-se contra autorização para curso de Optometria No início de novembro, o presidente do CBO, Marcos Ávila e o coordenador de Assuntos Profissionais do CBO, Elisabeto Ribeiro Gonçalves, elaboraram um documento conjunto para nortear a posição da entidade nos diferentes fóruns sociais em que se discuta a eventual liberação dos cursos para formação de optometristas abertos para profissionais sem formação médica. Abaixo a íntegra desse documento. 1. Contexto histórico A Optometria (do gr., opto, visão; metron, medida + sufixo ia, literalmente medida da visão) começou nos Estados Unidos, em seguida ao término da Guerra Civil Americana (1861-1865), embora o estabelecimento formal do optometrista nos Estados Unidos só tenha ocorrido 25 anos mais tarde, em 1890. Duas são as causas que possibilitaram o nascimento e o desenvolvimento da Optometria americana. Inicialmente, as crescentes exigências com o cuidado dos olhos decorrentes do fenômeno de acentuada urbanização (reforçada pela chegada do imigrante europeu) que se seguiu ao fim da Guerra Civil. A enorme corrente migratória campo-cidade implicou a necessidade de generalizar a escolarização e possibilitou o rápido processo de industrialização posterior à Guerra da Secessão. Esse enorme contingente humano das cidades, escolarizado em sua maioria e cônscio dos seus direitos, passou a exigir do poder público a assistência para seus problemas de saúde em geral e dos olhos em particular. Atente-se para o fato de que a maioria desses problemas oculares, principalmente as dificuldades visuais, são menos sentidos no campo, onde as exigências com o refinamento qualitativo e quantitativo da visão não são tão prementes quanto para o homem alfabetizado da cidade, envolvido cada vez mais com atividades dependentes de uma boa acuidade visual. A essa demanda crescente por qualidade visual, associa-se a incipiência da Oftalmologia no final do século passado. Mesmo nos Estados Unidos, já uma potência emergente no final do século XIX, era notável a carência de médicos e o limitado conhecimento desses poucos. Esses dois fatores – crescente demanda por assistência médico-oftalmológica e limitação quantitativa e qualitativa de oftalmologistas – consorciaram-se para permitir que técnicos em óptica passassem também à tarefa de compensar as ametropias e, em especial, os astigmatismos. 2. Contexto atual A Optometria nasceu, então, no fim do século passado, quando os conhecimentos oftalmológicos estavam ainda em estádio rudimentar e os problemas refracionais eram, na prática, quase que os únicos para os quais podia-se oferecer alguma solução. Basta lembrar que o oftalmoscópio, que permitiu o exame das estruturas intra-oculares e, com isso, acelerou o conhecimento e o desenvolvimento da Oftalmologia, só foi inventado por Hermann von Helmholtz em 1851, praticamente ao mesmo tempo da introdução da Optometria nos Estados Unidos. Dentro desse cenário (e qualquer discussão envolvendo a Optometria tem de levar em conta esse cenário) entendemos porque a Optometria foi valorizada em seu país de origem e porque, durante algum tempo, ela foi exercida por ópticos. O desconhecimento era tanto que dava para entender-se a dissociação feita entre problemas refracionais (ametropias: miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia) e doenças oculares. Mesmo porque, insistamos, muito pouco se sabia da patologia ocular. A Optometria nasce de um equívoco fundado na ignorância médico-oftalmológica da época: o de que os problemas oftalmológicos se resumiam à necessidade de óculos e se resolviam com a prescrição deles. Hoje sabemos que a verdade não é essa. A oftalmologia evoluiu extraordinariamente, incorporando diversificados conhecimentos e técnicas semiológicas cada vez mais acuradas. Não podemos, jamais, encarar separadamente ametropias e doenças. Pois as ametropias são problemas também e principalmente médicos e não ergonômicos, como defendem os optometristas. E, como tais, são da competência exclusiva do médico-oftalmologista. No alvorecer do 3º milênio, insistir na artificialidade dessa dicotomia (ametropias de um lado, doenças oculares do outro) equivale a passar atestado de ignorância ou má-fé. Ou de ambas. Ametropias e doenças oculares estão estreitamente relacionadas. Há ametropia que são doenças (miopia maligna, por exemplo), como há doenças, oculares e sistêmicas, que causam ou agravam ametropias. Á guisa de exemplo, podemos citar algumas causas da miopia adquirida: diabetes mellitus, catarata nuclear, espasmo ciliar (funcional, medicamentoso, traumático, tóxico), toxemia gravídica, intoxição medicamentosa (sulfas, inibidores da anidrasa carbônica, fenotiazidas, arsenicais), síndrome de Horner, fibroplasia retrolental, homocistinúria, síndrome de Marfan, de Marshall, de Kenny, de Schwartz, de Stickler, de Weill-Marchesani, de Cornelia De Lange, de Ehlers-Danlos, do cromossoma XXXXY, de Noonan, de Alport e miastenia grave. Entre as doenças que causam hipermetropia temos: intoxicação medicamentosa (cloroquina, fenotiazidas, meprobamato, anti-histamínicos, parassimpaticolíticos sistêmicos e tópicos, maconha, imipramina e bloqueadores ganglionares sistêmicos), botulismo, traumas contusos do bulbo ocular, tumor orbitário, síndrome de Adie, córnea plana, afacia, microftalmo, microglobo, infecções várias, aumento da pressão intracraniana, porfiria aguda, aneurisma da artéria comunicante posterior, Síndrome de VogtKoianagi-Harada, edemas maculares de múltiplas etiologias, tumores metastáticos de coróide, carcinoma do nasofaringe. As ametropias podem atuar como fator de risco para a instalação de doenças oculares graves e com significativo potencial cegante, como a obstrução venosa de retina, a degeneração macular relacionada à idade (relacionadas, em geral, à hipermetropia) e o glaucoma (relacionado tanto à miopia quanto à hipermetropia). E também as ametropias são causas ou se associam a alterações e doenças oculares muitas vezes graves, a exigir cuidados médicos especiais clínicos ou cirúrgicos, como, por exemplo: exoftalmia, nistagmo, hipotensão ocular, estafiloma escleral, roturas da membrana de Descemet, hemorragias, roturas, pregas e descolamento de coróide, cegueira na infância, triplopia, miiodopsias, membrana neovascular sub-retiniana, hemorragias maculares, degenerações periféricas de retina, buracos e roturas retinianas, drusas de retina, descolamentos de retina, aniseicônia, estrabismos, ambliopias, pseudopapiledema. Também é verdade que nem sempre a existência de uma ametropia requer, necessariamente, o uso de lentes corretoras (óculos ou lentes de contato). Ao contrário, há situações em que a prescrição de óculos, mesmo quando se diagnosticou uma ametropia, agrava a sintomatologia que motivou o paciente a procurar recursos. É também sabido que, frequentemente, a queixa do paciente nada tem a ver com seu quadro refratométrico, mas se fundamente na existência de doenças oculares outras, em geral graves, que só o oftalmologista pode e sabe diagnosticar e tratar. Diante dessa realidade médica atual e da complexidade fisiopatológica do olho, fica claro que falta ao optometrista o conhecimento indispensável para orientar o paciente com segurança, sem comprometer ou agravar ou seus problemas visuais. E, o que é pior, o exame ocular do optometrista, rudimentar e incompleto por insuficiência de conhecimentos e de meios semiológicos, vai, com certeza, passar ao largo de muitas doenças oculares e sistêmicas que o oftalmologista fácil e prontamente diagnostica. Impossível inventariar todas as conquistas da Oftalmologia nesses últimos 50 anos. Hoje ela é uma especialidade complexa e sofisticada e que não reconhece fronteiras estanques entre a refratometria e as demais subespecialidades. Os chamados optometristas insistem em que a sua tarefa é a de identificar e tratar os defeitos anatômicos da visão, cabendo ao oftalmologista o diagnóstico e tratamento das doenças oculares. Mas a visão é uma função e não uma estrutura e, portanto, quem tem defeitos anatômicos é o bulbo ocular e não ela. Não há, portanto, como separar pacientes que estão com defeitos anatômicos e os que são portadores de doenças. A cisão proposta pelo optometrista, além de falaciosa, é artificial, talvez para livrar a responsabilidade de quem jamais terá condições de examinar e avaliar o olho como um todo, em sua extraordinária complexidade morfofuncional. 3. Contexto médico-oftalmológico Quando o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, entidade máxima da Oftalmologia e legítimo representante dos 9000 mil oftalmologistas brasileiros, defende o exercício da Oftalmologia única e exclusivamente pelo oftalmologista, não está animado de nenhuma intenção corporativista. Todos nós, CBO e oftalmologistas, acreditamos que o paciente deve ser atendido integralmente, holisticamente, como pessoa humana que é. Quando falo em atendimento holístico, não estou fazendo nenhuma concessão ao significado místico que lhe querem dar, hoje, os profetas da Nova Era. Não; na minha inabalável convicção e prática de médico ortodoxo, holos só vale por seu significado original, que é o de todo, inteiro, completo. Por isso, o oftalmologista (tal como o psiquiatra, o cardiologista, o obstetra) é, antes de tudo, médico, na conformidade do que aprendeu e praticou durante o seu curso de graduação em medicina, ao longo de 6 anos. Só depois especializou-se, já conhecendo em suas minúcias o funcionamento do organismo humano e o mecanismo de interrelações e influências recíprocas dos numerosos sistemas e aparelhos que o integram. Assim, o oftalmologista, por ser médico, tem e exercita, em quaisquer das subespecialidades, uma exclusividade indispensável: o olhar estimativo sobre o todo, sobre o conjunto. O oftalmologista, como tal, tem o perfeito conhecimento da extraordinária complexidade morfofuncional do olho; e, como médico, ele sabe que deve encarar o olho não como um órgão estanque e confinado, mas como integrante de um todo complexo, o qual influencia e por ele é influenciado. Por isso, a Oftalmologia se subdividiu tanto (hoje com oito subespecialidades), preservando a grande virtude de serem todas elas desempenhadas unicamente por médicos. A Optometria é parte integrante e uma das especialidades mais importantes da Oftalmologia pois, não raras vezes, é ela que primeiro nos coloca em contato com o problema ocular do paciente. A carga horária destinada ao aprendizado teórico e prático da Optometria nas residências oftalmológicas é muito grande. Não há, pois, nenhuma justificativa para permitir que profissionais parca e incompletamente preparados venham ocupar o nicho onde atuam profissionais plenamente preparados ética e cientificamente, que são os oftalmologistas. O que o oftalmologista propugna é a promoção e a defesa intransigente da saúde ocular do cidadão brasileiro; o que ele quer é conjurar o risco e a ameaça enormes que a prática da optometria, feita por paramédicos, trará ao paciente. 4. Contexto internacional. Quando o optometrista invoca o exemplo dos Estados Unidos para justificar a adoção da Optometria no Brasil, ele foge às contingências históricas em que ela foi introduzida lá, no final do século passado, quando a Oftalmologia praticamente nem identidade tinha. O que os optometristas fazem é descontextualizar um fato, na tentativa de retirar-lhe o mofo do passado e apresentá-lo com o aval da contemporaneidade que esse fato está longe de possuir. Mas nem sempre o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. E a Optometria não é boa nem mesmo lá. E tanto é assim que ilustres e notáveis oftalmologistas se levantaram contra ela. Por exemplo, Edward Jackson. Considerado o pai da moderna Oftalmologia americana e fundador da Academia Americana de Oftalmologia, a maior e mais produtiva sociedade oftalmológica do planeta, Jackson (1942) considerava a introdução da Optometria em seu país um erro e contra ela se insurgiu, tenaz e permanentemente, tentando até suprimi-la como profissão. Mais recentemente, em 1996, o Dr. Bruce E. Spivey, ex-presidente da Academia Americana de Oftalmologia e presidente da Northswestern Health Care (Illinois, USA), ao congratular-se com os oftalmologistas brasileiros diz: espero que vocês possam evitar os erros que cometemos nos Estados Unidos. Perdemos o equilíbrio.. e a sociedade americana foi encorajada a tolerar a Optometria, que passou a atuar em vários setores nos quais o oftalmologista é melhor preparado e pode oferecer melhores serviços. Acordamos tarde e hoje a atuação do optometrista resulta em prejuízo evidente para a profissão e a ciência oftalmológica e para a própria sociedade americana. Durval Prado, eminente oftalmologista e um dos maiores e mais completos refratometristas brasileiros, ensina que se o olho fosse exclusivamente um aparelho refrangente, um optometrista competente muito poderia fazer em benefício dos portadores de transtornos funcionais, mas esse complicado e delicado órgão faz parte de um todo a cujas leis se subordina e dele constitui um verdadeiro barômetro em caso de alterações patológicas (Ontem, como hoje, oftalmologistas na defesa da saúde ocular e do bom atendimento à população – Jornal Oftalmológico "Jota Zero", nº 57, março/abril-1997) A Associação Médica Britânica informa que 35% dos pacientes que procuram optometristas apresentam afecções não reconhecíveis pelos mesmos. E o presidente da Academia de Medicina de New York, o Dr. Lambert, registrou mais de 50 casos de glaucoma, tumor cerebral e outras doenças não diagnosticadas oportunamente, em paciente que procuraram os serviços de optometristas, em determinado intervalo de tempo. Ao comentar os riscos da prática optométrica no Brasil, escreve o presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Dr. Samuel Cukierman: Leigo em Medicina, apesar de todo o conhecimento técnico, seu atavismo comercial (do optometrista) o levará a preferir procedimentos de alto retorno econômico e baixo risco de responsabilidade civil. Caso sobrevenham complicações, lavará as mãos e enviará o paciente ao médico,, pois decidiu de antemão que, como "cientista da visão", a patologia não é sua província. O que seja "patologia" ele mesmo a define. Tudo isso já acontece abertamente nos Estados Unidos, para infortúnio de toda a população (Brasil pode ser amanhã os Estados Unidos de hoje – Jornal Brasileiro de Oftalmologia, nº 74, março/abril-1999). O oftalmologista, deputado e professor de Oftalmologia, Dr. Cláudio Chaves, escreve: longe de estarmos preocupados com qualquer aspecto corporativista ... a nossa atitude de médico oftalmologista e professor de Medicina há mais de duas décadas, e estando agora deputado federal, é ratificar a não criação da profissão de optometrista no Brasil por entendermos que: 1º) a profissão de nível médio de técnico de óptica para montar e surfaçar lentes de óculos já está regulamentada e não há necessidade de regulamentar o que já está oficializado; 2º) a definição de erros refrativos do olho e a sua correção são atos médicos, integrantes do exame clínico oftalmológico da alçada exclusiva dos médicos especialistas da visão; 3º) a saúde da população deve ser obrigatoriamente zelada por aqueles que a sociedade contribuiu decisivamente para sua formação – como é o caso da grande maioria dos médicos brasileiros que são egressos das escolas públicas –e pelos seus representantes eleitos no Congresso Nacional (Porque não à Optometria – Jornal Oftalmológico "Jota Zero", nº 6, janeiro/1998). A sociedade brasileira, carente de profissionais técnicos, não suportaria o ônus da incorporação de nova profissão que, além de ilegal, ocuparia um espaço já preenchido no mercado de trabalho, em detrimento de outras áreas que surgem na decorrência da expansão do conhecimento humano. Trata-se de solicitação que se prende exclusivamente a interesses comerciais. Já dizia o saudoso Professor Hilton Rocha que estariam surgindo ópticos e optometristas em cada esquina do nosso Brasil. Pergunta-se como seria a fiscalização do exercício da nova profissão e a que custo isso se daria. Novamente a sociedade brasileira seria apenada como preço de um novo e grande órgão fiscalizador, hoje inexistente, porque desnecessário. Por que entregar o cuidado médico a indivíduos que têm no ganho financeiro (venda de óculos) o seu único intuito, deixando de lado o tratamento do homem, como ser integral? E mais, quantos milhares de óculos seriam prescritos desnecessariamente (com o exclusivo interesse mercantil), prejudicando materialmente e, às vezes organicamente, a população brasileira, principalmente a mais carente e, na maioria dos casos, a menos informada e mais vulnerável? Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram a necessidade de um oftalmologista para cada 20 mil habitantes. Com seus nove mil profissionais o Brasil tem, portanto, capacidade para atender a 180 milhões de pessoas, com um excedente de 20 milhões sobre a sua população. Decisões políticas e gerenciais que passam pelo oferecimento de condições contratuais satisfatórias para a prestação de serviços aos oftalmologistas em atividade poderiam redistribuir melhor o contingente disponível. 5. Contexto legal - A receita de óculos e de lentes de contato é ato médico exclusivo e garantido por lei. 5.1. Em 11 de janeiro de 1932, através do decreto-lei nº 20.931, emanava a primeira regulamentação do exercício da Medicina, Medicina veterinária, farmacêuticos, parteiras e enfermagem, bem como duchistas, massagistas e outros, possibilitando seu exercício e determinando sua fiscalização pela Inspetoria de Fiscalização do Exercício da Medicina. O seu artigo 39 preceitua: é vedado às casas de óptica confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências dos seus estabelecimentos. 5.2. Em 28 de junho de 1934 novo decreto-lei (nº 24.492) baixava normas relativas à venda de lentes de grau, mantendo a mesma fiscalização pelo órgão acima. Nesse Decreto, os artigos ligados à prática da Oftalmologia são:Artigo 13: é expressamente proibido ao proprietário, sócio, gerente, óptico prático e demais empregados do estabelecimento, escolher ou permitir escolher, indicar ou aconselhar o uso de lentes de grau, sob pena de processo por exercício ilegal da Medicina, além das outras penalidades previstas nas Lei. Artigo 14: a venda de lentes de grau só poderá ser feita com a apresentação da fórmula óptica do médico; Artigo 16: o estabelecimento comercial de vendas de lentes de grau não pode ter consultório em qualquer de seus compartimentos; Artigo 17: é proibido câmara escura e aparelhos para exame ocular no recinto, bem como cartazes oferecendo exame gratuito. Em 6 de novembro de 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello revoga, de uma só vez, todos os decretos-lei de l6 de março de 1931 a abril de 1936, atingindo as leis de nº 20.931 de 11/01/1932 e 24.492 de 28/06/1934. A Oftalmologia ficou, então, à deriva, sem nenhum instrumento para exercer e fiscalizar a confecção da receita. Prontamente o Conselho Brasileiro de Oftalmologia e a Sociedade Brasileira de Oftalmologia entraram com mandato de inconstitucionalidade (nº 533/2) que foi aceito na íntegra e por unanimidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal. 5.3. Em 1993 a Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul alcança uma Grande vitória judicial que se transforma em precedente para os oftalmologistas de todo o país: a 16ª Vara Cível determinou que os ópticos não podem fazer testes de visão, exames de refração ou mesmo adaptação de lentes de contato sem a prévia e expressa receita médica autorizada 5.4. Impugnada definitivamente a venda de óculos para presbiopia sem receita médica, garante a sentença do Juiz Federal Hamilton de Sá Dantas, em atendimento ao Mandado de Segurança impetrado pelo CBO (nº 950020651-0) contra a portaria nº 73/95 da Secretaria de Vigilância Sanitária, de 29/01/96. Num dos trechos da sentença, afirma o Juiz Hamilton Dantas: data vênia do posicionamento ministerial, assiste razão à impetrante, eis que flagrante a violação do artigo 39 do decreto nº 20.931, de 11/01/ 1932, que dispõe: é vedada às casas de óptica confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências de seus estabelecimentos (Jornal Oftalmológico Jota Zero, nº 54, setembro/outubro-1996, p. 13). 5.5. Optometria condenada pela segunda vez pela Justiça de Brasília. Ricardo Turbiani Bretas, presidente da Associação Brasileira de Profissionais Ópticos Optometristas, dono da Clínica Olhar – Óptica de Precisão e Lentes de Contato, sofre duas derrotas jurídicas em Brasília, impostas pela Sociedade Brasiliense de Oftalmologia, com apoio do CBO. Na primeira delas, o Promotor de Justiça, Alexandre Fernandes Gonçalves, da 6ª Promotoria da Justiça Criminal da Circunscrição Judiciária Especial de Brasília, DF, requisitou a instauração de Inquérito Policial para apuração de exercício ilegal da Medicina na Clínica Olhar. Na segunda, a Promotora de Justiça, Maria Aparecida Donatti Barbosa, tendo por base as provas reunidas, e o Desembargador Vaz Melo decidiram não aceitar a apelação que Ricardo Bretas havia interposto a outra sentença e manter a condenação ocorrida em outubro de 1996 (Jornal Oftalmológico Jota Zero, nº 57, março abril/1997, p.3). 5.6. Conselho Regional de Medicina de São Paulo confirma oficialmente que adaptação de lentes de contato é ato médico: Resolução CREMESP nº 79/97, respaldando no art. 38 do Decreto nº 20.931 de 11.01.1932, no arts. 13 e 17 do Decreto nº 24.492 de 28.06.1934 (Jornal Oftalmológico Jota Zero, nº 57, março-abril/1997, p. 8). 5.7. A Comissão de Educação, Cultura e Desportos da Câmara dos Deputados rejeitou, por unanimidade, projeto de Lei nº 3.103/97, de autoria do Deputado Lima Netto, que tratava da regulamentação da profissão de Técnico em Óptica. O parecer que motivou a rejeição, de autoria do Deputado Cláudio Chaves, apoiou-se no artigo 32 do Regimento Interno da Câmara dos deputados, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e no Decreto nº 2.208, que regulamenta a LBD. Por esses dispositivos legais, o curso de Técnico em Óptica prescinde de regulamentação, já que a mesma está suficientemente coberta em todos os aspectos legais e educacionais pela legislação em vigor. E conclui o Deputado Cláudio Chaves: não há necessidade de regulamentar o que já está regulamentado. Além disso, o projeto em questão abre espaço para a regulamentação da Optometria como profissão independente no Brasil, o que fere todos os princípios legais em vigor e a saúde ocular da população brasileira 5.8. A Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, estabeleceu parceria com a Oftalmologia brasileira e decidiu cancelar os preparativos para a concretização de um curso superior de Optometria voltado para profissionais ópticos (não médicos), e que teria início em fevereiro de 1998. O Reitor da Universidade Estácio de Sá ouviu e acatou os as ponderações dos oftalmologistas e de suas entidades presentes ao encontro decidindo, ali mesmo, eliminar a Optometria do currículo da Estácio de Sá. 1. Optometria e Mercosul. Dos Estados-Partes (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) do Mercosul, só Paraguai e Uruguai permitem a existência legal da Optometria. A Argentina, recentemente, aboliu a prática optométrica em todo seu território. Seguidamente derrotada em várias instâncias, a esperança da Optometria volta-se agora para o Mercosul. Argumentando que ela é reconhecida na maioria dos países que o integram (ela só é reconhecida no Paraguai e Uruguai), eles confiam que em breve os diplomas fornecidos nesses países deverão ser automaticamente acatados no Brasil. Mas mesmo a Oftalmologia do Paraguai e Uruguai rejeitam a Optometria, como ficou claro do I Encontro Oftalmológico do Mercosul, realizado em 4 de outubro de 1997, na sede do CBO, em São Paulo. Ao final do encontro (participaram os presidentes das associações oftalmológicas da Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil) foi redigido um documento em que todos reafirmam que a Optometria, em todos seus aspectos e atividades, é ato de natureza estritamente médica e a atuação de profissionais não- médicos nesta área constitui-se em exercício ilegal da Medicina (Mercosul: a Oftalmologia se organiza. Jornal Oftalmológico Jota Zero, nº 60, outubro-novembro/1997). O tema Exercício Profissional da Área da Saúde no Mercosul é tratado em alguns foros da estrutura formal do Mercosul. Entre esses foros, destaca-se o Subgrupo de Trabalho nº 11 (SGT 11) – Saúde, na Comissão de Prestação de Serviços de Saúde (coordenada pelo Dr. Cláudio Duarte da Fonseca, da Secretaria de Políticas de Saúde do MS, Fone: 61-315-2261), especificamente na Subcomissão do Exercício Profissional, que tem como coordenador o Dr. Luís Carlos Sobreira, do Conselho Federal de Medicina (Fones: 41-262-3858). Esta Subcomissão teve seus trabalhos iniciados recentemente e, até o momento, avançou na elaboração de quadros comparativos de especialidades médicas dos Estados-Partes, para verificação de especialidades comuns (No Brasil o CFM reconhece 66; no Uruguai existem 45 e mais de 160 na Argentina). Não se aprovou nenhuma Resolução Mercosul sobre o tema até agora (13/09/99). Maiores informações com a Coordenadora da Comissão, Dra. Enir Guerra Macedo, pelo telefone (61) 315-2184. 2. Conclusão final. Do que foi exposto, concluímos que nada justifica, do ponto de vista ético e oftalmológico, a prática da Optometria no Brasil, tanto a nível médio quanto superior. Igualmente do ponto de vista da Lei, não há nenhum diploma legal que lhe dê amparo. Ao contrário, seu exercício, no Brasil, por profissionais não-médicos é, como já vimos, ato ilícito e sujeito a punições legais. Oftalmologistas e poder público estão atentos em propiciar uma ampla cobertura médicooftalmológica à população brasileira, principalmente aos seus setores mais carentes. Ampla e de boa qualidade, o que só o oftalmologista pode oferecer. Medidas práticas e efetivas têm sido implementadas em defesa da saúde ocular dos brasileiros. Para exemplificar, somente em Goiás foram atendidos, nos últimos anos, através de ações integradas entre os órgãos públicos, particulares e a Universidade, cerca de 200.000 pacientes. O Estado conta com, aproximadamente, 220 oftalmologistas que cumprem metas definidas pelo CBO, através da Campanha Nacional de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual, da Reabilitação Visual no Idoso, da Campanha Olho no Olho, das Campanhas de Prevenção da Retinopatia Diabética e do Glaucoma e da Campanha da erradicação da Catarata. Apesar de as estatísticas mostrarem ganhos como 1.500.000 de crianças examinadas durante a Campanha Olho no Olho e a recuperação visual de 100.000 idosos carentes em mais de 200 cidades brasileiras, temos consciência de que esses esforços são ainda insuficientes. Num país de dimensões continentais como o Brasil e com problemas de igual magnitude, não é fácil oferecer cobertura total na assistência oftalmológica, com o requisito de qualidade que se deseja e a que o povo tem direito. Além das medidas administrativas cabíveis, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia tem incentivado a participação social do oftalmologista e, lado a lado, CBO e Governo têm buscado alternativas para a solução do problema, garantindo a qualidade na prestação dos serviços. Através do esforço conjunto entre o CBO e o Ministério da Educação, em setembro-99 foi lançada a Campanha Veja Bem Brasil, durante a qual os oftalmologistas brasileiros examinarão 3 milhões de crianças que ingressam no sistema público de ensino fundamental. Ouçamos o que diz o Dr. Geraldo Vicente de Almeida, ex-presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (gestão 1997-1999): Setores sociais poderosos estão desenvolvendo uma batalha jurídica, política e cultural para implantar a Optometria (prescrição de óculos e lentes de contato) como atividade independente, aberta a profissionais não-médicos, ligados ao comércio óptico. Caso tal ameaça se concretize, a saúde da população correrá grandes riscos, já que a grande motivação para o exame oftalmológico, a obtenção da receita de óculos, deixará de existir. E o exame oftalmológico realizado por um médico é a oportunidade única para o diagnóstico e tratamento precoce de doenças graves, entre as quais o glaucoma crônico, principal causa de cegueira irreversível em todo o mundo. Entre os argumentos para apresentar tal ameaça como solução, está a pretensa insuficiência do número de oftalmologistas... Baseados na experiência prática e nos dados obtidos pela OMS, afirmamos que tais argumentos são sofismas e que a verdadeira solução não está na transformação de um ato médico em operação mercantil, mas na criação de novas formas que permitam o acesso da população ao atendimento oftalmológico... (Oftalmologia: ameaçada, mas pronta para o diálogo. Medicina Conselho Federal. Órgão Oficial do Conselho Federal de Medicina. 1999; 107:28). Os optometristas alardeiam que a Optometria é uma solução barata e rápida para os problemas visuais do país. E com a vantagem adicional de permitir o mais fácil acesso da população carente ou mais distante dos grandes centros. Nem barata, nem rápida e nem tão fácil assim. Quanto de dinheiro deverá ser investido na instalação e montagem de consultórios de optometria em todo o território nacional? Porque não buscar meios de dinamizar e ampliar, sem gastos adicionais, a capacidade de atendimento subutilizada dos 9000 oftalmologistas brasileiros? Com a legalização da Optometria, teríamos, fatalmente, o agravamento dos problemas oculares e o surgimento de novos problemas de natureza iatrogênica, isto é, induzidos pelos procedimentos advindos?. Isso não tornaria ainda mais moroso e danoso o atendimento oftalmológico? E diante desse emaranhado de dificuldades e complicações, de onde viria a facilidade apregoada pelos optometristas? Já registramos que a obrigação do médico e do poder público é oferecer assistência oftalmológica de boa qualidade, pois que isso é um direito do cidadão. E que qualidade teria o optometrista a dar? Quantas doenças, muitas graves, não ficariam sem diagnóstico? Que parâmetros a sociedade teria para vigiar a prática optométrica, se falta ao optometrista a formação ética que só o médico tem? O Brasil, país de contrastes e carências profundas, tem na saúde ocular um ponto de orgulho. Nove mil oftalmologistas formados ao longo dos últimos 50 anos são suficientes em número e se encarregam da tarefa. Devido à liderança e visão de futuro dos oftalmologistas, destaca-se e se consolida uma especialidade médica atuante. É um setor da sociedade que começou certo e permanece no caminho certo. Ao contrário, em outros países os vícios gerados há mais de um século, para responder à necessidade da época, se incorporaram e se mantiveram, prejudicando a saúde e o desenvolvimento médico e científico. A manutenção deste perfil filosófico e humanístico é tarefa das novas lideranças médicas e governamentais, com ações contundentes (gerenciais, jurídicas e políticas) atuando profilaticamente na defesa da saúde ocular da população brasileira. O Conselho Federal de Medicina, o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal e o Conselho Brasileiro de Oftalmologia vieram recentemente a público manifestar a preocupação com a possibilidade de transferência da assistência oftalmológica a profissionais não médicos pelo grande risco que isso representa para a saúde pública (Alerta à população. Jornal Oftalmológico Jota Zero, nº69, março-abril/1999, p. 2).