A LUTA PELO DIREITO À CIDADE NO CONTEXTO DOS

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A LUTA PELO DIREITO À CIDADE NO CONTEXTO DOS MEGAEVENTOS:
ARTICULAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO COMITÊ POPULAR DA COPA
Andréa Luiza Curralinho Braga1
Clarice Metzner
Danniele Gatto Pereira
Renária Moura
RESUMO: O objeto deste ensaio expressa-se em conjecturar a ação coletiva dos Assistentes Sociais
no processo de enfrentamento das violações de direitos humanos decorrentes do preparo da Copa do
Mundo no Brasil. No contexto do Paraná há o processo organizativo da Câmara Temática de Direito à
Cidade no Conselho Regional de Serviço Social - 11ª Região - CRESS-PR, que tem atuado em
diversas frentes de organização na defesa do direito à cidade e na articulação conjunta com coletivos
sociais que pactuam do mesmo projeto ético-político da categoria profissional. Uma das experiências
de inserção coletiva é a participação do CRESS-PR no Comitê Popular da Copa de Curitiba que tem o
objetivo desenvolver ações de acompanhamento e intervenção nas situações que indicam à violação de
direitos humanos provenientes dos grandes projetos urbanísticos, na expressão do ‘embelezamento das
cidades’ que revertem-se em processos de higienização social e na lógica do “empreendedorismo
urbano”. Este projeto de cidade tem impactado diretamente no planejamento territorial e se legitima
principalmente no paradigma da cidade de exceção (Vainer, 2010) e na lógica do empresariamento da
cidade (Harvey, 2006), ampliando o aprofundamento das desigualdades sociais produzidas em nome
dos megaeventos esportivos.
PALAVRAS-CHAVE: megaeventos, direitos humanos, projeto ético-político
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende vislumbrar, o modelo de cidade que os megaeventos vêm
produzindo na atualidade, em especial a Copa do Mundo e a repercussão na dinâmica das
cidades-sede, tomando a região metropolitana de Curitiba como exemplo. Trata-se, portanto,
do relato de experiência de um grupo de assistentes sociais que integra a Câmara Temática de
Direito à Cidade do Conselho Regional de Serviço Social do Paraná, que exercitam esta
práxis profissional, partindo da análise da produção e reprodução do espaço urbano a partir
dos referenciais teóricos de Lojkine (1997), Harvey (2005) e Vainer (2010).
Por não se tratar de pesquisa científica, abstrai-se deste trabalho a descrição da
metodologia utilizada e de resultados, ressalta-se porém, que a reflexão teórica é
imprescindível para a compreensão da realidade, a partir da qual é possível a realização de
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Universidade Federal do Paraná-Litoral e Câmara Temática de Direito à Cidade CRESS-PR
[email protected]
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ações transformadoras. Segundo Vazquez (1977, p. 207), “uma teoria é prática na medida em
que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como
conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação”.
Considerando que o Serviço Social é uma atividade inscrita na divisão social e técnica
do trabalho, tendo como projeto ético-político profissional o comprometimento com a
garantia inalienável dos direitos humanos, dos princípios democráticos e da superação da
ordem social capitalista desigual e excludente, na construção de cidades justas e solidárias, o
desafio vai para além da compreensão da correlação de forças e das dinâmicas do capital.
Nesta direção, no que se refere ao evento Copa do Mundo, é necessário desvelar o seu
significado para a cidade, relatando os mecanismos utilizados pelo capital para perpetuar as
desigualdades sociais e em contraposição, as formas de organização, resistência e denúncia
encontradas pela articulação de segmentos da sociedade civil no enfrentamento destas
contradições. Neste contexto, a experiência em questão não é protagonizada exclusivamente
por integrantes da Câmara Temática ou do Conselho Regional de Serviço Social, mas por um
coletivo ampliado de atores sociais que integram o Comitê Popular da Copa.
A LÓGICA DA PRODUÇÃO DA CIDADE CAPITALISTA E RELAÇÃO COM OS
MEGAEVENTOS
As cidades constituem-se em grandes arenas, onde se defrontam interesses
diferenciados. Por um lado, a luta pela apropriação de benefícios em termos de geração de
renda e obtenção de lucros, por outro, a luta por melhores condições de vida da população e
pela construção de espaços democráticos.
O Estado, neste contexto, enquanto “aparelho territorial e agente de socialização
espacial das relações de produção” (LOJKINE, 1997, p.113) realiza a mediação dos interesses
postos no campo de disputa, contudo tende a propor e concretizar parcerias público-privadas
com ênfase no desenvolvimento econômico através de intervenções especulativas, que
atendam a objetivos imediatos, em detrimento das melhorias das condições sociais num
território específico (HARVEY, 2005).
Assim, Harvey (2005) afirma que emerge um modelo de cidade que produzem lucrativos
e segregados espaços voltados para o consumo de apenas uma parcela da sociedade,
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particularmente a que já é privilegiada, através de incentivos do poder público concedido a
grandes empresários. Este modelo de cidade possui alicerce, dentro da lógica do empresariamento
urbano (HARVEY, 1996), que busca tornar as cidades mais atraentes para receber investimentos
externos, sendo um importante instrumento para o desenvolvimento capitalista.
Deste modo, os megaeventos são alardeados como uma grande oportunidade para as
cidades de atrair investimentos privados e de melhorar a infraestrutura local. Construir uma
imagem midiática e internacional, com a perspectiva de elevar a economia, são os doces
bônus vendidos pelo discurso do capital.
Constata-se, na realidade, que o advento dos megaeventos proporciona um
aprofundamento das desigualdades vivenciadas nas cidades, visto que apenas alguns locais
são privilegiados para receber melhorias e infraestrutura enquanto outros continuam
renegados pelo poder público.
Neste viés, não são considerados os impactos sociais que tais determinações podem
oferecer na lógica da produção da cidade capitalista. O interesse deveria ser voltado para o que
realmente renderão de benefícios sociais, educacionais, culturais, urbanísticos, e institucionais
para a sociedade por um período longo, contudo, é o efêmero e passageiro que é valorizado.
Destaca-se neste processo, que o discurso da necessidade e urgência da implementação
das exigências impostas pelas organizações internacionais envolvidas nos megaeventos em
conjunto com os poderes executivos locais, agencia o chamado Estado de exceção, tanto nos
ordenamentos jurídicos propostos, quanto no que tange às práticas políticas.
Certamente, a divisão de Estado ou regime de exceção se aplica de modo atrelado à
cidade dos megaeventos. Segundo Vainer (2010), este afirma que autonomia do Estado
modifica-se e a centraliza de maneira extrema do poder. A cidade de exceção transforma o
poder, em instrumento para colocar a cidade, de maneira direta e sem mediações na esfera da
política, a serviço do interesse privado de diferentes grupos de interesses.
Trata-se de uma forma nova, em que as relações entre interesses privados e Estado se
reconfiguram completamente e entronizam novas modalidades de exercício hegemônico. Neste
contexto, torna-se regra a invisibilização dos processos decisórios, em razão mesmo da
desqualificação da política e da desconstituição de fato das formas “normais” de representação
de interesses. Não se sabe onde, como, quem e quando se tomam as decisões – certamente não
nas instâncias formais em que elas deveriam ocorrer (VAINER, 2010, p.12).
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Este engendrado muito bem articulado para beneficiar ao capital, visa criar
mecanismos que garantam a transferência dos recursos públicos à iniciativa privada, bem
como garantir que os interesses econômicos e os acordos firmados com as organizações
internacionais sejam efetivados.
Esta relação tem diluído a centralidade do Estado, e possibilita a negociação direta
entre o capital financeiro internacional e os governos locais na lógica do “banimento da
política”, considerado como a não necessidade de processos democráticos, em que tudo é
possível de ser flexibilizado, excepcionado para garantir a agilidade aos processos decisórios
que afetam os interesses do capital (Vainer, 2010).
Neste contexto, de interesses restritivos, violações de direitos e segregação espacial,
são essenciais forças atuantes é um posicionamento crítico da categoria profissional dos
assistentes sociais na defesa da cidade, bem como processos de enfrentamento, de
fortalecimento de organizações coletivas, que incidam denunciem e intervenham em ações
capazes de afrontar os interesses do capital e construir uma forma de sociabilidade inclusiva e
justa no contexto urbano.
ARTICULAÇÃO E PROJETO HEGEMÔNICO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NA
DEFESA DO DIREITO À CIDADE
O Serviço Social como profissão estabelecida na dinâmica socio-histórica das relações
sociais e nos processos de enfrentamento das expressões da questão social, tem demandado
estratégias e articulações que extrapolam as demandas postas no âmbito de atuação socioocupacional. Além disto, os desafios colocados no âmbito profissional têm exigido da
categoria a articulação mais ampla com coletivos na perspectiva de ampliação, conquista e
efetivação de direitos sociais, na defesa de um projeto ético-político, tendo como norte uma
sociedade mais justa e emancipada.
Nas ações organizativas na defesa do direito à cidade, a categoria dos Assistentes Sociais,
aqui dimensionadas na representação do conjunto do Conselho Federal de Serviço Social e
Conselhos Regionais de Serviço Social - CFESS-CRESS –tem buscado agregar, mobilizar,
denunciar e intervir no processo de articulação conjunta com diversos atores, organizações e
coletivos sociais. Constata-se que esta articulação tem se expressado em ações que buscam
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ampliar espaços abertos de debates, como uma possibilidade integradora na luta e defesa dos
direitos sociais, na defesa do direito à cidade e na defesa deste no contexto dos megaeventos.
Em 2000, durante o 29º Encontro Nacional do Conjunto CFESS-CRESS, na cidade de
Maceió, a luta por um modo de viver fundamentado na igualdade e na liberdade, nos seus
sentidos mais amplos foi reafirmada pelos assistentes sociais. Daquele encontro foi produzida
a Carta de Maceió, documento que reafirmou a perspectiva transversal e intersetorial do
direito à cidade, a partir da concepção de Seguridade Social ampliada. Incorporando à
Seguridade Social outras políticas sociais, as quais atendam necessidades humanas, como o
direito ao “trabalho, à educação, ao lazer, à saúde, à habitação, à criação, à participação, a
cidade como fruição (CFESS/CRESS, 2000)”.
Neste sentido, a categoria profissional dos Assistentes Sociais é desafiada a compreender a
defesa pelo Direito à Cidade, enquanto “um terreno de embate que requer competência teórica,
política e técnica, que exige rigorosa análise crítica da correlação de forças entre classes e
segmentos de classe, que interferem nas decisões em cada conjuntura (CFESS/CRESS, 2011)”.
Deste modo, o conjunto CFESS-CRESS tem se inserido na discussão da questão
urbana em suas mais diversas dimensões, destacando-se a participação nas Conferências e
Conselhos das Cidades, além de fóruns e movimentos que tem como norte a luta pela
Reforma Urbana.
Na atuação nas Conferências das Cidades, a partir da inserção nas etapas municipais,
os assistentes sociais representando o CRESS-PR foram eleitos delegados nas etapas estadual
e nacional em todas as edições das Conferências, bem como na representação nos espaços
institucionalizados permanentes de gestão democrática das cidades no Conselho Estadual das
Cidades e no Conselho Municipal da Cidade de Curitiba. Ainda, tem integrado os fóruns e
coletivos que pautam a defesa de um projeto de cidade mais equânime e justa.
Também enfatiza-se nesta atuação, a organização de eventos que abarcam grande
número de profissionais para ampliar a discussão sobre a temática urbana, como se expressa a
experiência do primeiro Seminário Nacional Serviço Social e Questão Urbana, realizado em
São Paulo, no ano de 2011. Este teve como objetivo o debate e participação de profissionais
de diversas áreas, e se caracterizou como um espaço privilegiado de troca e reflexões sobre a
defesa e luta pela reforma urbana e de identificação dos desafios colocados na atualidade para
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intervir no contexto urbano. Derivou daí a proposta de criação de Grupo de Trabalho Serviço
Social e Questão Urbana, o qual o CRESS-PR integra. Este grupo que vem construindo
documento denominado “Questão Urbana e o Direito à Cidade: tensões e desafios para o
trabalho do (a) assistente social”, com previsão de lançamento em 2014.
Além dessas ações, cita-se a produção de documentos referentes à Habitação de
Interesse social e publicações do Conselho Federal de Serviço Social como o periódico
CFESS Manifesta em 2010 “Direito à Cidade para todos e todas”, CFESS Manifesta em 2011
com duas edições que debatem a temática urbana “Assistentes Sociais Defendem o Direito à
Cidade” e “Questão Urbana no capitalismo contemporâneo: estratégia de luta do Serviço
Social brasileiro”. Após estas edições, no ano de em 2014 foi lançado material ‘O Serviço
Social na defesa do Direito à Cidade no contexto dos Megaeventos esportivos. Comemorar o
que?’. Este último integrou vários materiais alusivos ao dia do assistente social que adotou
este tema para discussão e debate da categoria profissional. O CFESS Manifesta é uma
publicação permanente que traz o posicionamento ético político do CFESS sobre questões,
acontecimentos da vida social e sobre assuntos de interesse do Serviço Social.
Ainda, menciona-se a inserção do conjunto CFESS-CRESS no Fórum Nacional de Reforma
Urbana - uma articulação de organizações brasileiras, que reúne movimentos populares, associações
de classe, organizações não governamentais e instituições de pesquisa defensoras e promotoras do
direito à cidade - que incidiu em diversas legislações e conquistas políticas no Brasil.
Mais especificadamente, na atuação do CRESS-PR, a Câmara Temática de Direito à
Cidade, inicia suas atividades em 2001 e em sua trajetória histórica, tem atuado em
articulações coletivas como o Observatório de Política Públicas do Paraná – fórum ampliado
que realiza pesquisas, documentos e ações relacionadas à defesa do Direito à Cidade, a Frente
Mobiliza Curitiba - que discute e incide na revisão do Plano Diretor da cidade, além da
inserção no Comitê Popular da Copa.
A ação conjunta do CRESS-PR com estas organizações tem travado lutas importantes
relacionadas ao desenvolvimento urbano em Curitiba e no Paraná, como incidência nos
espaços de gestão democrática, enfrentamento das violações de direito à cidade, revisão do
plano direito participativo e a exigência para a efetivação dos instrumentos do Estatuto das
Cidades.
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Neste movimento há necessidade de debater sobre o direito à cidade em suas
dimensões ética, política e social. Deste modo, a organização coletiva da categoria, a atuação
no campo profissional e as lutas dos movimentos sociais, são fundamentais para trazer a
possibilidade de construir ações cotidianas que criem forças políticas e possibilitem o
processo de emancipação humana em sua plenitude.
ATUAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL NO COMITÊ
POPULAR DA COPA
Como mencionado, a agenda política hegemônica da categoria dos assistentes sociais
há previsão de pautar a discussão dos impactos da Copa 2014 no conteúdo urbano, reforçando
a relevância do controle social, do direito à cidade e da moradia, bem como se faz necessário
um posicionamento em oposição ao modelo de cidade que tem sido produzido pelos
megaeventos esportivos.
Ao indicar o tema dos megaeventos, a luta pelo Direito à Cidade e a atuação do
Serviço Social, destaca-se, que o movimento desses profissionais tem se inserido em
processos coletivos que defendam o Direito à Cidade.
Uma das frentes de resistência no âmbito do CRESS-PR para fortalecimento de ações
coletivas, está a sua inserção no espaço do Comitê Popular da Copa - CPC, que se define
como um fórum amplo constituído por sujeitos e entidades da sociedade civil de diversos
setores. O CPC tem por objetivo a produção de informação e denúncia sobre as violações de
direitos humanos provenientes das intervenções de grandes projetos urbanísticos vinculados à
vinda de megaeventos esportivos no Brasil. Esta articulação realiza um trabalho de
monitoramento dos mesmos, mobilização social e defesa da cidade.
A inserção do CRESS-PR no Comitê Popular da Copa está presente desde a sua
gênese, que ocorreu no espaço do Observatório de Políticas Públicas do Paraná em 2010.
Quatro anos antes do início da Copa, já se expressava a preocupação de seus impactos,
quando foram realizados dois encontros organizados pelo Observatório de Políticas Públicas
do Paraná, denominados “(De) bate-bola”, para discutir sobre a Copa em Curitiba.
Em setembro de 2011, é formado o Comitê Popular da Copa. A partir de então, iniciase o processo de articulação coletiva entre diversos grupos, na organização de atos públicos,
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produção de documentos, materiais e contrainformação referentes aos impactos gerados pela
Copa no contexto urbano.
Nesta articulação, constatou-se que, não somente em Curitiba, mas também nas demais
cidades-sedes em todo o Brasil a forma de se produzir as intervenções urbanas, tendo como mote
a organização da Copa, tem se expressado nas mais diversas formas de violações de direitos.
Estas transgressões caracterizam-se nas mais diversas dimensões, como: (i) a violação do
direito à moradia - com o cálculo de 170.000 desapropriações e despejos produzidos pelas obras
de infraestrura urbana e estádios; (ii) na violação do direito à cidade – flexibilização de leis
urbanísticas modificadas em nome do evento do futebol, na valorização da maquiagem urbana; no
direito das comunidades em permanecer nos seus espaços de convivência, sendo atingido
principalmente a população mais empobrecida; (iii) a violação do direito à participação - do
direito da população de participar dos processos decisórios, no acesso ao direito à informação, (iv)
na violação do direito de ir e vir – com a determinação a organização das zonas de exclusão como
área restrita da Federação Internacional de Futebol Associado - FIFA (vi) na violação do direito
dos trabalhadores, tanto os que trabalharam nas obras em condições precárias quanto nos
vendedores ambulantes que não terão acesso ao entorno do estádio.
Em Curitiba foi produzido um documento que é resultado de estudos das organizações
que compõem o Comitê Popular da Copa, denominado Copa do Mundo e violações de
direitos humanos em Curitiba. Ao se construir a metodologia explicativa sobre as
intervenções urbanas foi utilizado o aporte metodológico de Milton Santos (1996) com o
mapa de luzes e sombras.
Este mapa tem por objetivo demonstrar as áreas luminosas que correspondem ao
processo de modernização e acúmulo de obras e investimentos que estão em setores
luminosos - estratégias parciais e localizadas de intervenção urbana. Já que a sombras –
representantes da lógica do não prioritário, das lógicas não globalizadoras.
Assim, as intervenções dos projetos urbanísticos no contexto urbano se concentram
numa pequena porção da cidade, capaz de garantir e aprofundar os atributos espaciais. Em
Curitiba, as intervenções foram realizadas no trajeto aeroporto/rodoferroviária - entrada de
turistas na cidade e no estádio do Clube Atlético Paranaense - investimento público em local
privado.
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A concentração das obras num corredor ou eixo distinto perpetrou com que os
recursos se concentrassem em sua extensão, como que lançando luzes sobre essa porção da
cidade e remetendo às sombras todo o restante.
Dessa forma, na produção da cidade capitalista, enquanto novos projetos se instalam
(pontes, vias rápidas e outras obras de infraestrutura) em partes estratégicas das áreas urbanas,
permanecem a lógica da falta de equipamentos públicos, da falta do acesso a moradia
adequada, da precarização dos serviços de transporte coletivo, do não acesso aos bens
produzidos coletivamente.
Figura 1 – Mapa de Luzes e Sombras
Fonte: Dossiê Copa do Mundo e Violações de Direitos Humanos em Curitiba (2013, p. 07)
O Dossiê teve como proposta apresentar um estudo crítico realizado pelo Comitê
Popular da Copa de Curitiba – CPC acerca dos resultados e das ações desencadeadas com
vistas à realização da Copa do Mundo em Curitiba. No documento constam sete casos de
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violações de direitos humanos na capital paranaense, considerando nesta ocasião, quatro casos
em Curitiba e região metropolitana, indicados como mais emblemáticos:
(i)
A engenharia financeira para construção do Estádio Joaquim Américo – a
reforma do estádio mudou diversas vezes o valor da obra e agregou
investimentos públicos realizados em empresa privada, estratégia que o poder
público municipal encontrou para repassar valores ao Clube foi através da
emissão de títulos de potencial construtivo em nome do Atlético Paranaense,
resolvendo que do valor total de 90 milhões de reais, 45 milhões poderiam ser
destinados à construtora responsável pela obra e 45 milhões seriam dados em
garantia em um possível empréstimo realizado junto ao Fundo de
Desenvolvimento Econômico do Estado do Paraná, ou ainda, os 90 milhões de
reais poderiam ser repassados integralmente como remuneração da construtora
selecionada para a obra.
(ii)
A construção da Terceira Pista do Aeroporto Affonso Pena em São José dos
Pinhais – mesmo a obra não saindo em tempo para a Copa, à aprovação do
projeto veio em decorrência do evento e serão desapropriadas várias
comunidades do entorno do aeroporto, entre estas a Vila Nova Costeira, área
de ocupação com mais de 20 anos. O projeto prevê a desapropriação de 342
famílias da Vila Nova Costeira. Esta comunidade reivindica o acesso à
informação, direito à moradia, direito à participação;
(iii)
A construção da trincheira na Rua Arapongas na comunidade São Cristovão
em São José dos Pinhais – após várias mobilizações dos moradores para a não
construção da trincheira, pois afetaria a mobilidade e a ampliação do fluxo e da
velocidade do tráfico, bloqueio a equipamentos públicos, dificuldade de acesso
ao comércio local, o poder público expediu carta da suspensão da obra. Com a
mudança de gestão do município veio à pauta novamente de construção da
trincheira, revertendo o que foi reivindicado e conquistado coletivamente pela
organização dos moradores do entorno.
(iv)
Viaduto Estaiado Francisco Heráclito dos Santos - que apresenta como o
motivo da obra “melhorar a mobilidade urbana” com o custo da arquitetura em
10
R$ R$ 98,9 milhões
(dados IPPUC, 2013). Foi apresentado projeto pelo
Sindicato dos Engenheiros, com alternativa de valor 20 vezes menor para
construção da obra com trincheiras, sendo negada pelo município.
Destarte expressam-se como fundamentais os processos de denúncias, a ação e
resistência dos coletivos sociais que pautam uma dimensão de cidade mais equânime. Neste
contexto o Comitê Popular da Copa e as ações do conjunto CFESS-CRESS têm construído
coletivamente formas de mobilização e oposição a este modelo de cidade excludente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme mencionado no início do trabalho, buscou-se discorrer acerca da ação
coletiva dos Assistentes Sociais junto ao Comitê Popular da Copa em Curitiba. Tal inserção
fundamenta-se no projeto ético-político profissional de defesa dos direitos humanos, da
ampliação da democracia, na garantia do direito à cidade. Estas premissas são referendadas
pelo conjunto CFESS-CRESS por meio de vários documentos e debates, qualificando a
categoria para posicionamentos competentes e coerentes com um projeto societário que
propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe,
etnia e gênero.
O engajamento político e a articulação com entidades e movimentos sociais que
partilham de propostas similares tem permitido a reflexão e o debate acerca do que há por
detrás dos megaeventos: os interesses de grupos restritivos que tem realizado processos de
espoliação urbana. Muitas análises já mostraram, com efeito, que a dinâmica urbana tem
como base a apropriação privada de várias formas da renda urbana, fazendo com que os
segmentos já privilegiados desfrutem, simultaneamente, de maior nível de riqueza acumulada.
Assim, os megaeventos se materializam como mais uma das estratégias do capital para
benefícios de poucos em detrimento da maioria da população.
A participação ativa do Comitê permitiu a elaboração conjunta de um dossiê que traz à
tona os meandros de cada projeto ou obra citados. No documento, o mapa de luzes e sombras
evidencia na região metropolitana de Curitiba, a concretização do modelo de cidade citado
11
por Harvey. Sob o pretexto da oportunidade de atração de investimento privados para a
melhoria da infraestrutura local, paulatinamente observa-se a perpetuação do privilegiamento
de numa pequena porção da cidade em detrimento de outras, historicamente relegados pelo
poder público. Se não bastasse a segregação espacial daí gerada, acrescem violações de
direitos de populações que se encontram no trajeto ou no entorno dos empreendimentos. Os
casos da construção da terceira pista do Aeroporto (i) e da trincheira (ii) são claros exemplos
da “invisibilização dos processos decisórios”, onde Estado se abstém da sua função de
medidor na esfera política, negando à população o acesso à informação, à participação sobre
seu cotidiano e à sua inserção na cidade.
Por outro lado, estas situações possibilitam a mobilização social, o fortalecimento de
organizações coletivas, a resistência e denúncia com vistas ao
enfrentamento das
contradições postas e à defesa da cidade que amplia, conquista e efetiva direitos sociais.
REFERÊNCIAS
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Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa: Megaeventos e Violações de
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________________. Lei Geral da Copa: o povo brasileiro diz não! – Nota pública dos
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Direitos Humanos em Curitiba. Disponível em <http://portalpopulardacopa.org.br>.
Acesso em: 04 jun 2014.
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Disponível em
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Acesso em: 11 jun 2014.
VAZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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