A LUTA PELO DIREITO À CIDADE NO CONTEXTO DOS MEGAEVENTOS: ARTICULAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO COMITÊ POPULAR DA COPA Andréa Luiza Curralinho Braga1 Clarice Metzner Danniele Gatto Pereira Renária Moura RESUMO: O objeto deste ensaio expressa-se em conjecturar a ação coletiva dos Assistentes Sociais no processo de enfrentamento das violações de direitos humanos decorrentes do preparo da Copa do Mundo no Brasil. No contexto do Paraná há o processo organizativo da Câmara Temática de Direito à Cidade no Conselho Regional de Serviço Social - 11ª Região - CRESS-PR, que tem atuado em diversas frentes de organização na defesa do direito à cidade e na articulação conjunta com coletivos sociais que pactuam do mesmo projeto ético-político da categoria profissional. Uma das experiências de inserção coletiva é a participação do CRESS-PR no Comitê Popular da Copa de Curitiba que tem o objetivo desenvolver ações de acompanhamento e intervenção nas situações que indicam à violação de direitos humanos provenientes dos grandes projetos urbanísticos, na expressão do ‘embelezamento das cidades’ que revertem-se em processos de higienização social e na lógica do “empreendedorismo urbano”. Este projeto de cidade tem impactado diretamente no planejamento territorial e se legitima principalmente no paradigma da cidade de exceção (Vainer, 2010) e na lógica do empresariamento da cidade (Harvey, 2006), ampliando o aprofundamento das desigualdades sociais produzidas em nome dos megaeventos esportivos. PALAVRAS-CHAVE: megaeventos, direitos humanos, projeto ético-político INTRODUÇÃO Este trabalho pretende vislumbrar, o modelo de cidade que os megaeventos vêm produzindo na atualidade, em especial a Copa do Mundo e a repercussão na dinâmica das cidades-sede, tomando a região metropolitana de Curitiba como exemplo. Trata-se, portanto, do relato de experiência de um grupo de assistentes sociais que integra a Câmara Temática de Direito à Cidade do Conselho Regional de Serviço Social do Paraná, que exercitam esta práxis profissional, partindo da análise da produção e reprodução do espaço urbano a partir dos referenciais teóricos de Lojkine (1997), Harvey (2005) e Vainer (2010). Por não se tratar de pesquisa científica, abstrai-se deste trabalho a descrição da metodologia utilizada e de resultados, ressalta-se porém, que a reflexão teórica é imprescindível para a compreensão da realidade, a partir da qual é possível a realização de 1 Universidade Federal do Paraná-Litoral e Câmara Temática de Direito à Cidade CRESS-PR [email protected] 1 ações transformadoras. Segundo Vazquez (1977, p. 207), “uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação”. Considerando que o Serviço Social é uma atividade inscrita na divisão social e técnica do trabalho, tendo como projeto ético-político profissional o comprometimento com a garantia inalienável dos direitos humanos, dos princípios democráticos e da superação da ordem social capitalista desigual e excludente, na construção de cidades justas e solidárias, o desafio vai para além da compreensão da correlação de forças e das dinâmicas do capital. Nesta direção, no que se refere ao evento Copa do Mundo, é necessário desvelar o seu significado para a cidade, relatando os mecanismos utilizados pelo capital para perpetuar as desigualdades sociais e em contraposição, as formas de organização, resistência e denúncia encontradas pela articulação de segmentos da sociedade civil no enfrentamento destas contradições. Neste contexto, a experiência em questão não é protagonizada exclusivamente por integrantes da Câmara Temática ou do Conselho Regional de Serviço Social, mas por um coletivo ampliado de atores sociais que integram o Comitê Popular da Copa. A LÓGICA DA PRODUÇÃO DA CIDADE CAPITALISTA E RELAÇÃO COM OS MEGAEVENTOS As cidades constituem-se em grandes arenas, onde se defrontam interesses diferenciados. Por um lado, a luta pela apropriação de benefícios em termos de geração de renda e obtenção de lucros, por outro, a luta por melhores condições de vida da população e pela construção de espaços democráticos. O Estado, neste contexto, enquanto “aparelho territorial e agente de socialização espacial das relações de produção” (LOJKINE, 1997, p.113) realiza a mediação dos interesses postos no campo de disputa, contudo tende a propor e concretizar parcerias público-privadas com ênfase no desenvolvimento econômico através de intervenções especulativas, que atendam a objetivos imediatos, em detrimento das melhorias das condições sociais num território específico (HARVEY, 2005). Assim, Harvey (2005) afirma que emerge um modelo de cidade que produzem lucrativos e segregados espaços voltados para o consumo de apenas uma parcela da sociedade, 2 particularmente a que já é privilegiada, através de incentivos do poder público concedido a grandes empresários. Este modelo de cidade possui alicerce, dentro da lógica do empresariamento urbano (HARVEY, 1996), que busca tornar as cidades mais atraentes para receber investimentos externos, sendo um importante instrumento para o desenvolvimento capitalista. Deste modo, os megaeventos são alardeados como uma grande oportunidade para as cidades de atrair investimentos privados e de melhorar a infraestrutura local. Construir uma imagem midiática e internacional, com a perspectiva de elevar a economia, são os doces bônus vendidos pelo discurso do capital. Constata-se, na realidade, que o advento dos megaeventos proporciona um aprofundamento das desigualdades vivenciadas nas cidades, visto que apenas alguns locais são privilegiados para receber melhorias e infraestrutura enquanto outros continuam renegados pelo poder público. Neste viés, não são considerados os impactos sociais que tais determinações podem oferecer na lógica da produção da cidade capitalista. O interesse deveria ser voltado para o que realmente renderão de benefícios sociais, educacionais, culturais, urbanísticos, e institucionais para a sociedade por um período longo, contudo, é o efêmero e passageiro que é valorizado. Destaca-se neste processo, que o discurso da necessidade e urgência da implementação das exigências impostas pelas organizações internacionais envolvidas nos megaeventos em conjunto com os poderes executivos locais, agencia o chamado Estado de exceção, tanto nos ordenamentos jurídicos propostos, quanto no que tange às práticas políticas. Certamente, a divisão de Estado ou regime de exceção se aplica de modo atrelado à cidade dos megaeventos. Segundo Vainer (2010), este afirma que autonomia do Estado modifica-se e a centraliza de maneira extrema do poder. A cidade de exceção transforma o poder, em instrumento para colocar a cidade, de maneira direta e sem mediações na esfera da política, a serviço do interesse privado de diferentes grupos de interesses. Trata-se de uma forma nova, em que as relações entre interesses privados e Estado se reconfiguram completamente e entronizam novas modalidades de exercício hegemônico. Neste contexto, torna-se regra a invisibilização dos processos decisórios, em razão mesmo da desqualificação da política e da desconstituição de fato das formas “normais” de representação de interesses. Não se sabe onde, como, quem e quando se tomam as decisões – certamente não nas instâncias formais em que elas deveriam ocorrer (VAINER, 2010, p.12). 3 Este engendrado muito bem articulado para beneficiar ao capital, visa criar mecanismos que garantam a transferência dos recursos públicos à iniciativa privada, bem como garantir que os interesses econômicos e os acordos firmados com as organizações internacionais sejam efetivados. Esta relação tem diluído a centralidade do Estado, e possibilita a negociação direta entre o capital financeiro internacional e os governos locais na lógica do “banimento da política”, considerado como a não necessidade de processos democráticos, em que tudo é possível de ser flexibilizado, excepcionado para garantir a agilidade aos processos decisórios que afetam os interesses do capital (Vainer, 2010). Neste contexto, de interesses restritivos, violações de direitos e segregação espacial, são essenciais forças atuantes é um posicionamento crítico da categoria profissional dos assistentes sociais na defesa da cidade, bem como processos de enfrentamento, de fortalecimento de organizações coletivas, que incidam denunciem e intervenham em ações capazes de afrontar os interesses do capital e construir uma forma de sociabilidade inclusiva e justa no contexto urbano. ARTICULAÇÃO E PROJETO HEGEMÔNICO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NA DEFESA DO DIREITO À CIDADE O Serviço Social como profissão estabelecida na dinâmica socio-histórica das relações sociais e nos processos de enfrentamento das expressões da questão social, tem demandado estratégias e articulações que extrapolam as demandas postas no âmbito de atuação socioocupacional. Além disto, os desafios colocados no âmbito profissional têm exigido da categoria a articulação mais ampla com coletivos na perspectiva de ampliação, conquista e efetivação de direitos sociais, na defesa de um projeto ético-político, tendo como norte uma sociedade mais justa e emancipada. Nas ações organizativas na defesa do direito à cidade, a categoria dos Assistentes Sociais, aqui dimensionadas na representação do conjunto do Conselho Federal de Serviço Social e Conselhos Regionais de Serviço Social - CFESS-CRESS –tem buscado agregar, mobilizar, denunciar e intervir no processo de articulação conjunta com diversos atores, organizações e coletivos sociais. Constata-se que esta articulação tem se expressado em ações que buscam 4 ampliar espaços abertos de debates, como uma possibilidade integradora na luta e defesa dos direitos sociais, na defesa do direito à cidade e na defesa deste no contexto dos megaeventos. Em 2000, durante o 29º Encontro Nacional do Conjunto CFESS-CRESS, na cidade de Maceió, a luta por um modo de viver fundamentado na igualdade e na liberdade, nos seus sentidos mais amplos foi reafirmada pelos assistentes sociais. Daquele encontro foi produzida a Carta de Maceió, documento que reafirmou a perspectiva transversal e intersetorial do direito à cidade, a partir da concepção de Seguridade Social ampliada. Incorporando à Seguridade Social outras políticas sociais, as quais atendam necessidades humanas, como o direito ao “trabalho, à educação, ao lazer, à saúde, à habitação, à criação, à participação, a cidade como fruição (CFESS/CRESS, 2000)”. Neste sentido, a categoria profissional dos Assistentes Sociais é desafiada a compreender a defesa pelo Direito à Cidade, enquanto “um terreno de embate que requer competência teórica, política e técnica, que exige rigorosa análise crítica da correlação de forças entre classes e segmentos de classe, que interferem nas decisões em cada conjuntura (CFESS/CRESS, 2011)”. Deste modo, o conjunto CFESS-CRESS tem se inserido na discussão da questão urbana em suas mais diversas dimensões, destacando-se a participação nas Conferências e Conselhos das Cidades, além de fóruns e movimentos que tem como norte a luta pela Reforma Urbana. Na atuação nas Conferências das Cidades, a partir da inserção nas etapas municipais, os assistentes sociais representando o CRESS-PR foram eleitos delegados nas etapas estadual e nacional em todas as edições das Conferências, bem como na representação nos espaços institucionalizados permanentes de gestão democrática das cidades no Conselho Estadual das Cidades e no Conselho Municipal da Cidade de Curitiba. Ainda, tem integrado os fóruns e coletivos que pautam a defesa de um projeto de cidade mais equânime e justa. Também enfatiza-se nesta atuação, a organização de eventos que abarcam grande número de profissionais para ampliar a discussão sobre a temática urbana, como se expressa a experiência do primeiro Seminário Nacional Serviço Social e Questão Urbana, realizado em São Paulo, no ano de 2011. Este teve como objetivo o debate e participação de profissionais de diversas áreas, e se caracterizou como um espaço privilegiado de troca e reflexões sobre a defesa e luta pela reforma urbana e de identificação dos desafios colocados na atualidade para 5 intervir no contexto urbano. Derivou daí a proposta de criação de Grupo de Trabalho Serviço Social e Questão Urbana, o qual o CRESS-PR integra. Este grupo que vem construindo documento denominado “Questão Urbana e o Direito à Cidade: tensões e desafios para o trabalho do (a) assistente social”, com previsão de lançamento em 2014. Além dessas ações, cita-se a produção de documentos referentes à Habitação de Interesse social e publicações do Conselho Federal de Serviço Social como o periódico CFESS Manifesta em 2010 “Direito à Cidade para todos e todas”, CFESS Manifesta em 2011 com duas edições que debatem a temática urbana “Assistentes Sociais Defendem o Direito à Cidade” e “Questão Urbana no capitalismo contemporâneo: estratégia de luta do Serviço Social brasileiro”. Após estas edições, no ano de em 2014 foi lançado material ‘O Serviço Social na defesa do Direito à Cidade no contexto dos Megaeventos esportivos. Comemorar o que?’. Este último integrou vários materiais alusivos ao dia do assistente social que adotou este tema para discussão e debate da categoria profissional. O CFESS Manifesta é uma publicação permanente que traz o posicionamento ético político do CFESS sobre questões, acontecimentos da vida social e sobre assuntos de interesse do Serviço Social. Ainda, menciona-se a inserção do conjunto CFESS-CRESS no Fórum Nacional de Reforma Urbana - uma articulação de organizações brasileiras, que reúne movimentos populares, associações de classe, organizações não governamentais e instituições de pesquisa defensoras e promotoras do direito à cidade - que incidiu em diversas legislações e conquistas políticas no Brasil. Mais especificadamente, na atuação do CRESS-PR, a Câmara Temática de Direito à Cidade, inicia suas atividades em 2001 e em sua trajetória histórica, tem atuado em articulações coletivas como o Observatório de Política Públicas do Paraná – fórum ampliado que realiza pesquisas, documentos e ações relacionadas à defesa do Direito à Cidade, a Frente Mobiliza Curitiba - que discute e incide na revisão do Plano Diretor da cidade, além da inserção no Comitê Popular da Copa. A ação conjunta do CRESS-PR com estas organizações tem travado lutas importantes relacionadas ao desenvolvimento urbano em Curitiba e no Paraná, como incidência nos espaços de gestão democrática, enfrentamento das violações de direito à cidade, revisão do plano direito participativo e a exigência para a efetivação dos instrumentos do Estatuto das Cidades. 6 Neste movimento há necessidade de debater sobre o direito à cidade em suas dimensões ética, política e social. Deste modo, a organização coletiva da categoria, a atuação no campo profissional e as lutas dos movimentos sociais, são fundamentais para trazer a possibilidade de construir ações cotidianas que criem forças políticas e possibilitem o processo de emancipação humana em sua plenitude. ATUAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL NO COMITÊ POPULAR DA COPA Como mencionado, a agenda política hegemônica da categoria dos assistentes sociais há previsão de pautar a discussão dos impactos da Copa 2014 no conteúdo urbano, reforçando a relevância do controle social, do direito à cidade e da moradia, bem como se faz necessário um posicionamento em oposição ao modelo de cidade que tem sido produzido pelos megaeventos esportivos. Ao indicar o tema dos megaeventos, a luta pelo Direito à Cidade e a atuação do Serviço Social, destaca-se, que o movimento desses profissionais tem se inserido em processos coletivos que defendam o Direito à Cidade. Uma das frentes de resistência no âmbito do CRESS-PR para fortalecimento de ações coletivas, está a sua inserção no espaço do Comitê Popular da Copa - CPC, que se define como um fórum amplo constituído por sujeitos e entidades da sociedade civil de diversos setores. O CPC tem por objetivo a produção de informação e denúncia sobre as violações de direitos humanos provenientes das intervenções de grandes projetos urbanísticos vinculados à vinda de megaeventos esportivos no Brasil. Esta articulação realiza um trabalho de monitoramento dos mesmos, mobilização social e defesa da cidade. A inserção do CRESS-PR no Comitê Popular da Copa está presente desde a sua gênese, que ocorreu no espaço do Observatório de Políticas Públicas do Paraná em 2010. Quatro anos antes do início da Copa, já se expressava a preocupação de seus impactos, quando foram realizados dois encontros organizados pelo Observatório de Políticas Públicas do Paraná, denominados “(De) bate-bola”, para discutir sobre a Copa em Curitiba. Em setembro de 2011, é formado o Comitê Popular da Copa. A partir de então, iniciase o processo de articulação coletiva entre diversos grupos, na organização de atos públicos, 7 produção de documentos, materiais e contrainformação referentes aos impactos gerados pela Copa no contexto urbano. Nesta articulação, constatou-se que, não somente em Curitiba, mas também nas demais cidades-sedes em todo o Brasil a forma de se produzir as intervenções urbanas, tendo como mote a organização da Copa, tem se expressado nas mais diversas formas de violações de direitos. Estas transgressões caracterizam-se nas mais diversas dimensões, como: (i) a violação do direito à moradia - com o cálculo de 170.000 desapropriações e despejos produzidos pelas obras de infraestrura urbana e estádios; (ii) na violação do direito à cidade – flexibilização de leis urbanísticas modificadas em nome do evento do futebol, na valorização da maquiagem urbana; no direito das comunidades em permanecer nos seus espaços de convivência, sendo atingido principalmente a população mais empobrecida; (iii) a violação do direito à participação - do direito da população de participar dos processos decisórios, no acesso ao direito à informação, (iv) na violação do direito de ir e vir – com a determinação a organização das zonas de exclusão como área restrita da Federação Internacional de Futebol Associado - FIFA (vi) na violação do direito dos trabalhadores, tanto os que trabalharam nas obras em condições precárias quanto nos vendedores ambulantes que não terão acesso ao entorno do estádio. Em Curitiba foi produzido um documento que é resultado de estudos das organizações que compõem o Comitê Popular da Copa, denominado Copa do Mundo e violações de direitos humanos em Curitiba. Ao se construir a metodologia explicativa sobre as intervenções urbanas foi utilizado o aporte metodológico de Milton Santos (1996) com o mapa de luzes e sombras. Este mapa tem por objetivo demonstrar as áreas luminosas que correspondem ao processo de modernização e acúmulo de obras e investimentos que estão em setores luminosos - estratégias parciais e localizadas de intervenção urbana. Já que a sombras – representantes da lógica do não prioritário, das lógicas não globalizadoras. Assim, as intervenções dos projetos urbanísticos no contexto urbano se concentram numa pequena porção da cidade, capaz de garantir e aprofundar os atributos espaciais. Em Curitiba, as intervenções foram realizadas no trajeto aeroporto/rodoferroviária - entrada de turistas na cidade e no estádio do Clube Atlético Paranaense - investimento público em local privado. 8 A concentração das obras num corredor ou eixo distinto perpetrou com que os recursos se concentrassem em sua extensão, como que lançando luzes sobre essa porção da cidade e remetendo às sombras todo o restante. Dessa forma, na produção da cidade capitalista, enquanto novos projetos se instalam (pontes, vias rápidas e outras obras de infraestrutura) em partes estratégicas das áreas urbanas, permanecem a lógica da falta de equipamentos públicos, da falta do acesso a moradia adequada, da precarização dos serviços de transporte coletivo, do não acesso aos bens produzidos coletivamente. Figura 1 – Mapa de Luzes e Sombras Fonte: Dossiê Copa do Mundo e Violações de Direitos Humanos em Curitiba (2013, p. 07) O Dossiê teve como proposta apresentar um estudo crítico realizado pelo Comitê Popular da Copa de Curitiba – CPC acerca dos resultados e das ações desencadeadas com vistas à realização da Copa do Mundo em Curitiba. No documento constam sete casos de 9 violações de direitos humanos na capital paranaense, considerando nesta ocasião, quatro casos em Curitiba e região metropolitana, indicados como mais emblemáticos: (i) A engenharia financeira para construção do Estádio Joaquim Américo – a reforma do estádio mudou diversas vezes o valor da obra e agregou investimentos públicos realizados em empresa privada, estratégia que o poder público municipal encontrou para repassar valores ao Clube foi através da emissão de títulos de potencial construtivo em nome do Atlético Paranaense, resolvendo que do valor total de 90 milhões de reais, 45 milhões poderiam ser destinados à construtora responsável pela obra e 45 milhões seriam dados em garantia em um possível empréstimo realizado junto ao Fundo de Desenvolvimento Econômico do Estado do Paraná, ou ainda, os 90 milhões de reais poderiam ser repassados integralmente como remuneração da construtora selecionada para a obra. (ii) A construção da Terceira Pista do Aeroporto Affonso Pena em São José dos Pinhais – mesmo a obra não saindo em tempo para a Copa, à aprovação do projeto veio em decorrência do evento e serão desapropriadas várias comunidades do entorno do aeroporto, entre estas a Vila Nova Costeira, área de ocupação com mais de 20 anos. O projeto prevê a desapropriação de 342 famílias da Vila Nova Costeira. Esta comunidade reivindica o acesso à informação, direito à moradia, direito à participação; (iii) A construção da trincheira na Rua Arapongas na comunidade São Cristovão em São José dos Pinhais – após várias mobilizações dos moradores para a não construção da trincheira, pois afetaria a mobilidade e a ampliação do fluxo e da velocidade do tráfico, bloqueio a equipamentos públicos, dificuldade de acesso ao comércio local, o poder público expediu carta da suspensão da obra. Com a mudança de gestão do município veio à pauta novamente de construção da trincheira, revertendo o que foi reivindicado e conquistado coletivamente pela organização dos moradores do entorno. (iv) Viaduto Estaiado Francisco Heráclito dos Santos - que apresenta como o motivo da obra “melhorar a mobilidade urbana” com o custo da arquitetura em 10 R$ R$ 98,9 milhões (dados IPPUC, 2013). Foi apresentado projeto pelo Sindicato dos Engenheiros, com alternativa de valor 20 vezes menor para construção da obra com trincheiras, sendo negada pelo município. Destarte expressam-se como fundamentais os processos de denúncias, a ação e resistência dos coletivos sociais que pautam uma dimensão de cidade mais equânime. Neste contexto o Comitê Popular da Copa e as ações do conjunto CFESS-CRESS têm construído coletivamente formas de mobilização e oposição a este modelo de cidade excludente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme mencionado no início do trabalho, buscou-se discorrer acerca da ação coletiva dos Assistentes Sociais junto ao Comitê Popular da Copa em Curitiba. Tal inserção fundamenta-se no projeto ético-político profissional de defesa dos direitos humanos, da ampliação da democracia, na garantia do direito à cidade. Estas premissas são referendadas pelo conjunto CFESS-CRESS por meio de vários documentos e debates, qualificando a categoria para posicionamentos competentes e coerentes com um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. O engajamento político e a articulação com entidades e movimentos sociais que partilham de propostas similares tem permitido a reflexão e o debate acerca do que há por detrás dos megaeventos: os interesses de grupos restritivos que tem realizado processos de espoliação urbana. Muitas análises já mostraram, com efeito, que a dinâmica urbana tem como base a apropriação privada de várias formas da renda urbana, fazendo com que os segmentos já privilegiados desfrutem, simultaneamente, de maior nível de riqueza acumulada. Assim, os megaeventos se materializam como mais uma das estratégias do capital para benefícios de poucos em detrimento da maioria da população. A participação ativa do Comitê permitiu a elaboração conjunta de um dossiê que traz à tona os meandros de cada projeto ou obra citados. No documento, o mapa de luzes e sombras evidencia na região metropolitana de Curitiba, a concretização do modelo de cidade citado 11 por Harvey. Sob o pretexto da oportunidade de atração de investimento privados para a melhoria da infraestrutura local, paulatinamente observa-se a perpetuação do privilegiamento de numa pequena porção da cidade em detrimento de outras, historicamente relegados pelo poder público. Se não bastasse a segregação espacial daí gerada, acrescem violações de direitos de populações que se encontram no trajeto ou no entorno dos empreendimentos. Os casos da construção da terceira pista do Aeroporto (i) e da trincheira (ii) são claros exemplos da “invisibilização dos processos decisórios”, onde Estado se abstém da sua função de medidor na esfera política, negando à população o acesso à informação, à participação sobre seu cotidiano e à sua inserção na cidade. Por outro lado, estas situações possibilitam a mobilização social, o fortalecimento de organizações coletivas, a resistência e denúncia com vistas ao enfrentamento das contradições postas e à defesa da cidade que amplia, conquista e efetiva direitos sociais. REFERÊNCIAS ARTICULAÇÃO NACIONAL DE COMITÊS POPULARES DA COPA. Dossiê de Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa: Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil. Disponível em <http://portalpopulardacopa.org.br>. 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