relatos de pesquisa RISCO ERGONÔMICO NAS PRÁTICAS DA EQUIPE DE ENFERMAGEM DE UMA UTI Maykon dos Santos Marinho* Camila Tambone de Almeida** Everaldo Nery de Andrade*** RESUMO Os riscos ergonômicos compreendem o local inadequado de trabalho, levando os profissionais da enfermagem a uma exposição exacerbada aos perigos presentes no ambiente de trabalho, ocasionando efeitos adversos à saúde desse trabalhador, desencadeando no aparecimento de doenças e acidentes de trabalho. Este estudo teve por objetivo identificar situações de risco ergonômico envolvendo os profissionais de enfermagem que trabalham na unidade de terapia intensiva. Esta pesquisa, de natureza qualitativa, descritiva e exploratória foi realizada em um hospital público, no município de Jequié/BA, tendo como participante uma equipe de enfermagem que atuava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário semiestruturado e para a análise de conteúdo foi utilizada a categorização temática proposta por Minayo. Tal análise identificou que a equipe de enfermagem percebe a existência de riscos em seu ambiente de trabalho na UTI, uma vez que praticamente todos os tipos de riscos foram citados. A falta de recursos materiais e de equipamentos foi uma constante nas falas, o que torna as condições de trabalho precárias. Sendo assim, é imprescindível que os profissionais busquem formas para modificar suas condutas e atitudes e que estejam preparados para enfrentar mudanças com o intuito de amenizar problemas aos quais estão expostos diariamente, através da aquisição do conhecimento de seus direitos e deveres para que consigam trabalhar com mais segurança e menos danos para sua saúde. Palavras-chave Riscos Ocupacionais. Unidades de Terapia Intensiva. Enfermagem. * Graduado em Enfermagem pela UFBA. Especialista em Enfermagem em cuidado Pré-Natal (UNIF ESP). Mestrando do PPGMLS/ UESB. Bolsista pela CAPES. E-mail: mayckon_ufba@ hotmail.com. ** Graduada em Enfermagem pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Especialista em enfermagem em UTI. E-mail: [email protected]. *** Doutorando pelo programa multicêntrico em Ciências Fisiológicas (UFBA/UFMG/USP). Professor Assistente – UESB, Jequié/BA. Email: [email protected]. contribuído para a disseminação de temas 1 INTRODUÇÃO como riscos ocupacionais e ambientais, A discussão a respeito da saúde do ergonomia, equipamentos de trabalho, trabalhador tem sido ampliada nas últimas divisão do trabalho e outros, que vêm décadas, aproximando áreas diversas promovendo uma busca por um espaço como saúde, de trabalho que ao mesmo tempo proteja sociologia, entre outras. A contribuição e previna o trabalhador, proporcionando destas qualidade de vida ao mesmo. 192 engenharia, temáticas psicologia, tão impares tem C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 Maykon dos Santos Marinho, Camila Tambone de Almeida, Everaldo Nery de Andrade Não há um só espaço de trabalho pacientes críticos, que prescinda de normas de regulação cuidados complexos referentes à adequação ergonômica, no monitorização contínua e assistência de entanto enfermagem são poucas as indústrias, sendo contínua e necessário intensivos, e intensiva estabelecimentos, instituições, organiza- (SANTOS et al., 2010). Neste contexto, a ções que realmente têm seguido a risca equipe de enfermagem, disponibiliza um as o maior tempo à assistência dos indivíduos estabelecimento de níveis de segurança que se encontram neste local, o que que preservem a saúde do trabalhador implica numa maior exposição a este em seu ambiente laboral. A ergonomia, ambiente, estando mais susceptíveis aos em termos genéricos trata justamente da riscos ocupacionais e as consequências relação entre o homem e seus ambientes que estes podem desencadear na saúde de trabalho, tendo três objetivos básicos dos profissionais. orientações necessárias para ao Os riscos ergonômicos compreen- indivíduo, prevenção de acidentes, como dem o local inadequado de trabalho, o também, ajudar a evitar o aparecimento levantamento e transporte manual de de peso, exigência de postura inadequada, que são: possibilitar patologias o conforto específicas para determinado tipo de trabalho (BORGES, controle rígido de produtividade, 2011). imposição de ritmos excessivos, trabalho de em turno e noturno, jornadas de trabalho Tratamento Intensivo (UTI), além de prolongadas, monotonia e repetitividade e intenso, e outras situações causadoras de stress desgastante tanto para os pacientes, físico e/ou psíquico (SIMÃO et al., 2010). quanto para a equipe multidisciplinar em De acordo com Cavalcante et.al. (2006), saúde que atua neste ambiente, devido essas condições insatisfatórias de saúde aos riscos biológicos, físicos, químicos, também estão relacionadas a fatores ergonômicos biológicos, O trabalho é em complexo, e Unidade agressivo psíquicos a que os físicos, químicos, psicos- profissionais estão expostos (BONFIM; sociais, os quais podem causar danos à SOARES, 2011). saúde dos profissionais que atuam em Esta unidade pode ser assim UTI. definida como sendo um local destinado à De acordo com Castro e Farias prestação de assistência especializada à (2008) e Marinelii (2013), os riscos físicos C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 193 Risco ergonômico nas práticas da equipe de enfermagem de uma UTI se referem aos ruídos, vibrações, Neste contexto, o presente estudo radiações ionizantes e não ionizantes, apresenta temperaturas extremas, pressões situações de risco ergonômico envolvendo anormais umidades, iluminação os profissionais de enfermagem que inadequada e exposição a incêndios e trabalham na UTI. Essa identificação choques elétricos. Os riscos químicos por poderá sua vez, dizem respeito ao manuseio de estratégias de prevenção, pois uma vez gases que o risco está presente, medidas que e e vapores anestésicos, o objetivo auxiliar na identificar elaboração reduzam riscos biológicos estão relacionados aos aplicadas. Assim, acredita-se que a forma microrganismos como bactérias, fungos, como a equipe de enfermagem de uma protozoários, vírus e material infecto- UTI percebe os riscos ocupacionais aos contagioso presentes no dia-a-dia dos quais estão expostos, poderá oferecer profissionais da indícios ergonômicos compreendem Os riscos o local efeitos para uma devem de antissépticos, esterilizantes e poeiras. Os UTI. seus de ser transformação organizacional, na medida em que se inadequado de trabalho, levantamento e concorre para transporte de pesos, postura inadequada, ambiente de erro de concepção de rotinas e serviços, implicando em melhorias na qualidade de mobiliários. vida dos profissionais bem como na Diante deste quadro, os riscos a proposição trabalho de um saudável, assistência prestada ao paciente. ocupacionais em profissionais da saúde tem sido foco de pesquisas nos últimos 2 METODOLOGIA anos na Enfermagem (FELLI, 2009). Para reduzir os problemas decorrentes da Trata-se de uma pesquisa de exposição do trabalhador à estes riscos caráter descritivo e exploratório com ocupacionais, faz-se necessário a adoção abordagem qualitativa. de medidas no ambiente de trabalho. O cenário constituiu-se de uma Além disso, o reconhecimento dos riscos Unidade de Terapia Intensiva do Hospital envolvidos trabalho Geral Prado Valadares (HGPV), situado configura uma estratégia válida para no município de Jequié-BA. Esta UTI tem minimizar e evitar intercorrências na capacidade para 10 leitos, sendo que no processo de saúde do trabalhador. 194 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 Maykon dos Santos Marinho, Camila Tambone de Almeida, Everaldo Nery de Andrade desses, 2 são reservados para cirurgias pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) cardíacas e 1 para isolamento. da Faculdade de Tecnologia e Ciência - De um universo amostral composto FTC (Protocolo 17/2008). O respeito à por 12 Enfermeiros e 32 Auxiliares de liberdade de decisão em participar da Enfermagem, a amostra deste Estudo foi pesquisa e privacidade dos participantes composta de 03 enfermeiros, 04 técnicos foi garantido. Todos os entrevistados de enfermagem, aos quais preencheram assinaram o Termo de Consentimento os Livre seguintes critérios de inclusão: trabalhavam na UTI do referido hospital, e Esclarecido, conforme as orientações da Resolução 466/2012. Em Junho de 2012 foi entregue um preencheram o termo de consentimento fechamento ofício à coordenação da UTI do Hospital amostral se deu no momento em que foi lócus do estudo, requerendo a UTI como percebida a saturação teórica emitida nas campo “falas” dos informantes, ou seja, no imediatamente concedido. O período de momento em que os dados se repetiam, coleta correspondeu aos três meses foi novos subsequentes à entrega do ofício à RICAS; coordenação da UTI supracitada, sendo livre e esclarecido. cessada participantes a O inclusão de (FONTANELLA; de pesquisa, o qual foi que os profissionais foram abordados nos TURATO, 2008). Os enfermeiros participantes foram respectivos turnos de trabalho. “ENF”, A técnica utilizada para a obtenção ordinal dos dados foi a entrevista. O roteiro da correspondente à ordem de aplicação dos entrevista foi construído com perguntas instrumentos, pré-formuladas identificados seguida com do as iniciais número e os técnicos de iniciais “T-ENF” entrevista o pesquisador agendou uma ordinal correspondente à número ordem de realizar a data e um horário com os participantes. As entrevistas foram gravadas e depois aplicação dos instrumentos. Seguiram-se, nesse estudo, Para maneira direta do individual. de enfermagem foram identificados com as seguida e aplicadas as orientações da Resolução 466/2012 do transcritas, lidas, separadas, respeitandose a singularidade de cada sujeito. Conselho Nacional de Saúde (CNS) sobre Para a análise do conteúdo das a pesquisa em seres humanos. Para falas dos entrevistados foram seguidos os tanto, o trabalho foi enviado e aprovado passos preconizados por Minayo (2007), C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 195 Risco ergonômico nas práticas da equipe de enfermagem de uma UTI pré-análise, em que foi realizada uma leitura flutuante do material, formulação Categoria 1: Percepções da equipe de enfermagem sobre os riscos ocupacionais no cotidiano da UTI de objetivos, preparação de materiais; a segunda etapa foi a de exploração do Nas falas pode-se identificar que material, momento em que as unidades há por parte da equipe de enfermagem a de sentido das falas foram extraídas para percepção da existência de riscos em seu categorização seguindo a modalidade ambiente temática e posteriormente, tratamento e interessante observar que praticamente interpretação todos os tipos de riscos foram citados. Os ancorados dos no resultados obtidos, referencial teórico de elementos trabalho destacados na UTI. foram É ruídos, escolhido. Em seguida, construíram-se temperatura, iluminação, categorias de análise que permitiram escorregadio, identificar: (1) Percepções da equipe de características de risco físico. Em relação enfermagem sobre os riscos ocupacionais aos ruídos,Silva et al. (2013) afirma que a no cotidiano da UTI; (2) Dificuldades no exposição ao ruído por um longo período Processo de Trabalho; (3) Situações de de variabilidade na UTI. comprometimentos que tempo sociais no são próprios pode das determinar físicos, indivíduo piso e mentais no e seu desempenho laboral. Em conformidade 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO com o exposto, os profissionais abaixo se Na caracterização da equipe de enfermagem que fizeram parte manifestaram sobre os ruídos na UTI: da amostra, constatou-se que 86% eram do sexo feminino, com idade igual a 37±5 anos e experiência de trabalho em UTI de 1,6±0,5 anos. [...] o ruído atrapalha muito né, as vezes você fica meia irritada, rapaz, quando essas bombas, esses aparelhos resolvem soar, não tem quem aguente o alarme, ai você começa desconcentrar, você começa a fazer uma coisa ai vai e volta. (T-ENF, 1) Ao serem questionados sobre os riscos ergonômicos na UTI, os profissionais emitiram respostas que se [...] Os ruídos incomodam bastante às vezes a gente em casa continua ouvindo o alarme do aparelho. (ENF, 2) afinam com as categorias que se seguem. Além dos ruídos, o desconforto térmico foi citado pelos trabalhadores 196 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 Maykon dos Santos Marinho, Camila Tambone de Almeida, Everaldo Nery de Andrade como fatores de risco de acidentes. atuais que definem os quesitos e critérios Segundo Arsego (2008), a temperatura para dos ambientes merece o maior cuidado, temperatura e umidade em ambiente de ao trabalho, buscar condições ambientais de o uso de devam prevenção temperaturas extremas (frias ou quentes) decorrer são desagradáveis e até prejudiciais à 2013; CASTRO, 2014). influenciando fatores para que a podem (MARINELLI, no O piso da UTI foi considerado desempenho do trabalho humano, tanto como fonte potencial de risco de queda, sobre a produtividade quanto sobre os pois o material utilizado é muito liso, em riscos vista de acidentes. diretamente doenças desses condicionado, contribuir trabalho adequadas e confortáveis, pois saúde, de ar Bezerra (2006) disto, com propensão ao ressalta que a exposição a temperaturas deslizamento. extremas e mudanças de temperatura (2003) assegura em seu estudo sobre podem o riscos laborais em uma UTI neonatal que desenvolvimento de agravos à saúde, os pisos escorregadiços são uns dos como por exemplo, gripe, resfriado, otite, fatores de riscos mais comuns que artrite, pneumonia e até sinusite. provocam a ocorrência dos acidentes no ser propícias para Nesse sentido, Bozza trabalho, corroborando assim, com os [...] A UTI é um ambiente frio, a pessoa fica fria, a temperatura lá dentro fica é de 17 a 22 graus, mas normalmente tá em 19°c, então é muito frio, quando a gente sai, sente aquele calozão fora, um choque térmico né? fora, eu mesma fico resfriada direto.(TENF, 3) Além dos agravos à saúde já mencionados, Naked (2005) considera que outros provocados problemas pelos podem choques ser térmicos discursos dos profissionais de enfermagem: [...] pode acontecer assim uma queda devido ao piso escorregadio, as vezes naquela agilidade que você esteja com o paciente ai pode levar uma queda. (T-ENF,2) [...] o piso da UTI é muito liso, mesmo usando o propé, a gente fica escorregando, e isso é um perigo né? a gente pode numa emergência levar uma queda feia né?. (T-ENF, 1) relacionados com ar condicionado, como irritação nos olhos, garganta e nariz, ansiedade e dores de cabeça. Considera, ainda que o emprego das legislações Os riscos biológicos foram citados em todas as falas, referindo perceber o risco biológico como inerente à sua C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 197 Risco ergonômico nas práticas da equipe de enfermagem de uma UTI prática profissional nas essa vulnerabilidade está associado à atividades cotidianas. A contaminação por natureza manual das ações de cuidado, o contágio perfuro que propicia o contato físico com os cortantes, o próprio ambiente foi citado pacientes. Por conseguinte, as próprias como mais características da profissão têm colocado recorrentes, sendo um dos riscos que os trabalhadores entre os que mais mais atingem a equipe.Os profissionais sofrem acidente de trabalho com material reconhecem o risco e entendem que a biológico consciência de cada trabalhador é um (CANALLI; MORIYA; HAYASHIDA, 2010). fator determinante para a prevenção. Neste contexto, salienta-se a importância com um e presente secreções dos e problemas de [...] situação de risco em relação a contagio com secreções, sangue, perfuro cortantes, [...] a questão do ambiente em si que é contaminado. (T-ENF, 4) potencialmente compreender contaminado diversos fatores, incluindo a percepção frente ao risco e o desenvolvimento de consciência crítica em relação ao risco biológico e sua prevenção. [...] Ter cuidado para não se contaminar com, por exemplo, o sangue do paciente, as secreções do paciente, fezes, urina, secreções gástricas, [...] a ventilação é forte, que saem do paciente traqueostomizado, do paciente entubado, pode atingir a face e as vias aéreas absorver aquelas secreções, aquelas gotículas que podem estar com certeza, uma grande probabilidade de estarem contaminadas, pois são pacientes graves. [...] Cuidado com os perfuro cortantes.(ENF, 3) É o risco de pegar uma doença pelo sangue de pacientes, que pode estar contaminado. Tem risco, mas fica na escolha de cada um se prevenir, ou não[...]. (TENF,2) Riscos oriundos da movimentação de pacientes também foram bem destacados, tanto no que diz respeito ao transporte como nos horários de banho e de mudanças de decúbito. De acordo com Ribeiro e Shimizu (2007) e Leite et al. (2007), a manipulação do paciente, o transporte do mesmo auxiliado por macas e cadeiras de rodas, o seu deslocamento para realização de exames, as rotinas de higienização do paciente, de desinfecção e esterilização de materiais contaminados, manejo, reposição de materiais, acelerado risco ritmo de trabalho e uma gama de outros biológico é evidenciada ao se considerar procedimentos causa cansaço, dores no serem os profissionais da enfermagem corpo, que mais se expõe ao risco ocupacional, incapacidade Assim, 198 a exposição ao desânimo, nos sentimentos de profissionais, C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 Maykon dos Santos Marinho, Camila Tambone de Almeida, Everaldo Nery de Andrade favorecendo assim, o aparecimento de essas limitações frequentemente fazem doenças ocupacionais e acidentes no com que o profissional lance mão de trabalho. formas alternativas cuidado. [...] O risco é que a gente pega muito peso, [...] porque muitas vezes tem poucos funcionários, [...] e ai a gente ta virando duas pessoas, três pessoas, pra ta mudando de decúbito, [...] porque no banho você leva muito tempo no banho. (T-ENF,4) Os riscos ocupacionais são agravantes como coluna e outros procedimentos repetitivos que no caso afetam porque todos os pacientes tomam banho no leito, todos os pacientes precisam de realizar mudança de decúbito, temos que transportar o paciente para a sala de raio-x dou outro lado do hospital. (T-ENF,1) Muitas para vezes realizar o assumem a deficiência de infra-estrutura como uma questão própria. Dessa forma, seu tempo é consumido nas tentativas de resoluções dessa carência. [...] Um problema que tem acontecido é a falta de alguns materiais, aí tem que ficar vendo qual que utiliza no lugar, assim um pouco da padronização que já estamos acostumados podendo atrasar nossa atividade e até interferir na assistência ao paciente. (T-ENF, 3) A falta de recursos materiais e de equipamentos impede que as atividades sejam realizadas com eficiência, tornando Desse modo, nas falas dos profissionais, foi possível observar que há uma relação entre a existência de fatores de risco no ambiente de trabalho e a qualidade de vida da equipe, ficando claro que os riscos ocupacionais podem acontecer durante os desempenhos do cuidado, através da contaminação por contágio cortantes, com secreções fatores como e perfuro ruídos, temperatura, iluminação, entre outros. Categoria 2: Dificuldades no Processo de Trabalho as condições de trabalho precárias. Os profissionais necessitam improvisar, e o processo de cuidar torna-se desanimador devido as dificuldades encontradas nas condições de trabalho. Diante desse problema, os profissionais tentam fazer o melhor que podem, porém isso implica a perda de tempo, que poderia ser destinado à assistência, resultando em prejuízo para a qualidade do cuidar. Surge, então, irritação e cansaço do profissional. Os profissionais apontam essa falta As limitações materiais foram uma constante nas falas. Para Costa (2005), de material como impactante para a realização de um atendimento C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 com 199 Risco ergonômico nas práticas da equipe de enfermagem de uma UTI qualidade, atribuindo também para falta como intercorrências com os pacientes, de organização da administração para a fazendo com que toda equipe se mobilize resolução desses problemas. O exemplo rapidamente em prol da assistência a um disso está exposto na fala de alguns paciente, panes, falta de material, déficit profissionais, pois além da falta de na escala de pessoal, instabilidades nos materiais, existe a falta de profissionais quadros de pacientes que perpassam o para que possam atender a demanda da planejamento unidade. pensadas (CAMPOS; DAVID, 2011). das ações inicialmente Com isso, a variabilidade altera [...] devido a gente tá com pouco enfermeiro, o caso do período da manhã e muito paciente a gente não tá dando a assistência que eu acho que a gente poderia dar... ...eu acho assim que se tivesse mais gente ou mais enfermeiros eu acho que ajudaria; por que a gente tem que fazer evolução de todos eles. (ENF, 4) negativamente o processo saúde-doença dos profissionais resultando em de enfermagem, irritabilidade, cansaço, tensão muscular, dores, elevação da pressão arterial, envelhecimento precoce e estresse (CRUZ, 2008). Entretanto, apesar das repercussões negativas na Com isso, compreende-se que o saúde, a presença da variabilidade é das percebida pela equipe intensivista como dificuldades enfrentadas pela equipe da uma consequência natural do processo de unidade trabalho fazer profissional e, a está acima preocupação com a instituído neste setor, excelência no atendimento torna-se parte considerando-se as características da das atividades desenvolvidas. clientela e da assistência prestada a ela, vejamos algumas falas: Categoria 3: Situações de variabilidade na UTI O trabalho de enfermagem em ambiente hospitalar, em especial em UTI, tem como característica a variabilidade, o que significa que o cuidado prestado não é uma relação simplória que se justapõe à técnica. Lida-se com eventos diversos 200 O ritmo da UTI é muito intenso. Os pacientes aqui são muito graves, são pacientes que precisam de muita atenção. Paciente de UTI, já é um paciente que precisa de um cuidado maior, porque são pacientes que já chegam bem debilitados. É difícil a gente ter um plano na mão, em que você não sabe o que vai acontecer daqui a pouco. Então toda hora acontece alguma coisa que vai fugir da nossa rotina. (T-ENF,2) C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 Maykon dos Santos Marinho, Camila Tambone de Almeida, Everaldo Nery de Andrade [...] na Terapia Intensiva o paciente é muito instável. (...) Aqui a gente tem o paciente na mão através dos diagnósticos. [...] Na verdade dá pra você se antecipar. Mas ainda assim acontecem intercorrências com os doentes. (T-ENF,3) trabalho. Contudo, a mobilização contínua Na terapia intensiva, agora é uma coisa, daqui a pouco é outra. Muda tudo derrepente. Na terapia intensiva a gente lida o tempo todo com a imprevisibilidade, que no meu ver está ligado a essa variabilidade. A variabilidade está presente todos os dias (T-ENF,1) reações que traduzem em riscos à saúde, dessas desgaste potencialidades, no repercutindo trabalhador, alguma forma na como descrito a seguir: Tem dias que eu fico muito cansada, que eu não tô afim, Tem dias que a gente vem amando trabalhar e tem dias que não, tem dias que fico muito estressada (TENF, 4) enfermagem depara-se constantemente [...] As vezes eu perco um pouco a paciência. Não me prejudica na interação com a equipe, mas a energia fica pesada, faço as coisas meio que arrastada, fico com enxaqueca, dores muscaulares. (T-ENF,2) com diversas situações diferentes das quais estavam previstas para acontecer O replanejamento é evidente e conduz os profissionais a [...] Saio daqui exausta, sem vontade de falar com ninguém, com vontade só de ir logo pra casa. A cobrança sobre o enfermeiro é muito grande. Tem que gostar muito do que faz. (...) A gente costuma dizer que enfermeiro não tem vida. (ENF, 3) modificarem o modo de desempenho das suas funções, a fim de dar conta das tarefas, as falas a seguir revelam esta situação: O tempo inteiro eu me replanejo. Toda hora muda o que eu ia fazer e eu vou fazer outra coisa. (TENF,4) [...] Por estar na terapia intensiva, num plantão simples você pode ter que se replanejar. (ENF, 2) de do um produtividade e resultando no acúmulo de Como descrito acima, a equipe de durante o plantão. corpo gera Pelos relatos destacados verificase que a vivência da UTI implica em diversas alterações profissionais na de saúde dos enfermagem, de manifestando-se através de vários sinais variabilidades a equipe de enfermagem, e sintomas que podem limita-los no precisa estar acionando constantemente desempenho e melhor desenvolvimento as suas potencialidades psico-cogntivas e de motoras para alcance de suas metas de padecimento psico-físico causando uma Diante das situações suas tarefas, além de gerar grande perda e danos à saúde. C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 201 Risco ergonômico nas práticas da equipe de enfermagem de uma UTI que também seja permanentemente, 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS desenvolvida programas de capacitação em reconhecimento de riscos Este estudo, sob a perspectiva da no trabalho e promoção de medidas que ergonomia, possibilitou identificar e avaliar visem o bem estar dos enfermeiros que os riscos ocupacionais a que estão trabalhem em UTI. expostos os trabalhadores É de imprescindível os formas para enfermagem de uma UTI durante sua profissionais jornada de trabalho. modificar suas condutas e atitudes e que Os dados coletados denotam que estejam busquem que preparados para enfrentar os profissionais de enfermagem estão mudanças com o intuito de amenizar frequentemente expostos a riscos de problemas aos quais estão expostos natureza física, biológica e ergonômica, diariamente, através da aquisição do que por conhecimento de seus direitos e deveres e/ou doenças para que consigam trabalhar com mais eles: ruídos, segurança e menos danos para sua desconforto térmico, riscos de queda saúde. Além disso, os gestores precisam devido investir em recursos humanos e materiais, podem acidentes ser de responsáveis trabalho ocupacionais, são ao piso escorregadio, com traçar medidas de redução do estresse cortantes, ocupacional através de ginástica laboral e movimentação e transporte de pacientes, promover educação continuada. Ademais, limitação de materiais e a variabilidade na a prática de avaliação médica deve ser UTI. uma atividade frequente, a fim de prevenir contaminação secreções por e contágio perfuro Dessa forma, espera-se que este estudo subsidie o planejamento e a os agravos à sua saúde dos trabalhadores. implementação de melhorias no ambiente Esta pesquisa não se esgota nos de trabalho com a participação efetiva dos objetivos aqui propostos, ela vem abrir trabalhadores espaço para se pensar sobre trabalhos nas estratégias de mudança e propõe que seja criado um que Comitê educação voltada para a prevenção e de Ergonomia para contemplem operacionalizar o processo de avaliação e informação implementação das melhorias na UTI; e ambientais 202 a e uma proposta respeito ocupacionais, de de riscos além da C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.8, n.1, p.192-205, jan./jun. 2015 Maykon dos Santos Marinho, Camila Tambone de Almeida, Everaldo Nery de Andrade possibilidade de um estudo de intervenções necessárias para corrigir ou ocupacionais identificados no processo da pesquisa. amenizar os problemas estruturais e ERGONOMIC RISK IN PRACTICE NURSING TEAM OF AN ICU ABSTRACT Ergonomic risks include inadequate workplace, leading the nursing professionals at a heightened exposure to hazards present in the workplace, causing adverse health effects that worker, triggering the onset of diseases and accidents. This study aimed to identify ergonomic risk situations involving nursing professionals working in the intensive care unit. This research, qualitative, descriptive and exploratory nature was performed in a public hospital in the city of Jequié-BA, with the participant a nursing staff that worked in the Intensive Care Unit (ICU). The data collection instrument used was a semi-structured questionnaire and content analysis was used thematic categorization proposed by Minayo. This analysis identified that the nursing team realizes that there are risks in their work environment in the ICU, since virtually all types of risks were cited. The lack of material resources and equipment was a constant in the speech, which makes the precarious working conditions. Therefore, it is essential that professionals look for ways to modify their behavior and attitudes and who are prepared to face changes in order to alleviate problems to which they are exposed daily through the acquisition of knowledge of their rights and duties so that they can work with more safety and less damage to your health. Keywords: Occupational Risks. Intensive Care Units. Nursing. Artigo recebido em 04/04/2015 e aceito para publicação em 05/05/2015 REFERÊNCIAS ARSEGO, J. et al. Riscos ocupacionais na área contaminada de uma lavanderia hospitalar. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 28., 2008. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2008. 2006. 142f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. BOMFIM, R. C.; SOARES, D. A. Percepção de enfermeiros quanto ao trabalho na unidade de terapia intensiva: BEZERRA, E. 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