China. Potência mundial ou submetrópole do imperialismo?

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Presidente chinês Hu Jintao.
PAÍSES
China
Potência mundial ou
submetrópole do imperialismo?
MARCOS MARGARIDO (Brasil)
O CHINÊS É UM MODELO baseado na superexploração e na ditadura,
ameaçado pela crise mundial e pelas lutas operárias.
A industrialização possibilitou o surgimento de uma poderosa classe operária,
jovem e concentrada.
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CORREIO INTERNACIONAL
PAÍSES
P
artimos do fato de que o capitalismo foi restaurado na China e
sua economia hoje está totalmente integrada à economia capitalista
mundial. E de que a restauração, iniciada em 1978, deu-se de forma subordinada ao imperialismo. Basta lembrar
que entre as primeiras medidas de
“abertura ao mundo ocidental” de Deng
Xiaoping estava o estabelecimento de
Zonas Econômicas Especiais abertas aos
investimentos privados estrangeiros,
com a supressão do controle estatal do
comércio exterior, dando origem ao que
ficou conhecido como a “fábrica do
mundo”.
Trinta anos depois não houve nenhuma mudança de rumos nesta política de abertura; ao contrário, esta se
ampliou a todas as regiões do país. Os
investimentos estrangeiros diretos (IED)
aumentaram ano a ano, alcançando
US$1,05 trilhão entre 1982 e 2009.
O afluxo de capital estrangeiro, o
roubo do ex-Estado operário promovido
pelo PCCh, com a apropriação de empresas estatais por seus membros transformados em novos burgueses e a
superexploração da classe operária fizeram com que o PIB crescesse 10% em
média nas últimas três décadas. Este
crescimento excepcional, no entanto, beneficiou basicamente a burguesia. A participação dos salários no PIB encolheu
de 57% em 1983 para 36,7% em 2003.
O desenvolvimento subordinado ao
imperialismo beneficiou primeiramente
as multinacionais. As estatais reduziram
sua participação na economia para 38%
em 2010 (73% em 1988), com participação privada entre 10 e 30% de ações,
após a transformação de todas elas em
sociedades de capital aberto. Além
disso, é cada vez maior o peso de empresas produtoras de bens de alto valor
agregado onde a participação das multinacionais é dominante.
Estas, segundo Theodore H. Moran1,
da School of Foreign Service, Universidade de Georgetown, em 2006 eram responsáveis pela exportação de 84%
destas mercadorias (contra 45% em
1992). A burguesia chinesa tem presença majoritária na produção de produtos de baixa tecnologia. A “fábrica do
mundo” é, portanto, uma base das multinacionais instaladas na China, e suas
maiores beneficiárias, pois o valor das
exportações de produtos de alto valor
agregado chegou a 67% do total em
2005, um negócio de US$ 500 bilhões.
SETEMBRO DE 2011
O porto e a cidade de Xangai refletem o desenvolvimento econômico da China.
Assim, uma “lei de dominação colonial” se impõe na China: a participação
das multinacionais aumenta com o aumento do valor agregado dos produtos
fabricados no país dependente. Por
exemplo, em 2002 as empresas estrangeiras representavam 39,2% do total de indústrias têxteis do país. Mas na indústria
de computadores estes valores sobem a
impressionantes 99,4%. Na indústria de
telecomunicação, a porcentagem de
componentes importados é de 91,6%.
Um exemplo interessante mostra a verdadeira rapina efetuada pelas multinacionais em solo chinês: uma pesquisa
realizada pela Universidade da Califórnia2 mostra que do preço de US$299 por
um iPod em 2005, “o valor adicionado ao
produto através da montagem na China
é provavelmente de alguns dólares no
máximo”, o resto vai direto para os bolsos dos fornecedores dos componentes
importados.
Isso não quer dizer que não exista uma
burguesia chinesa que se beneficie dessa
rapina, porém como sócios menores e
dependentes do imperialismo. Terry Gou,
o taiwanês proprietário da Foxconn,
onde o iPod é fabricado, tem uma fortuna de US$5,7 bilhões, mas para isso ele
necessita explorar um milhão de trabalhadores em suas fábricas de aluguel às
multinacionais. Obviamente, os dirigentes do PCCh não ficam de fora. Segundo
Minki Li3, “Wen Jiabao, é um dos primeiros-ministros mais ricos do mundo. Seu
filho é proprietário da maior empresa privada da China e sua esposa controla a in-
dústria de joalheria. Sua fortuna é calculada em US$ 4,65 bilhões. Estima-se que
Jiang Zemin (ex-presidente e secretário
geral do PCCh) possua US$ 1,1 bilhão e
Zhu Rongji (ex-primeiro-ministro) US$
800 milhões”. Certamente todos eles, dedicados “comunistas” do PCCh, aproveitaram-se das vantagens dos cargos, da
influência nas estatais e da corrupção desenfreada (que, segundo Li, pode chegar
a movimentar 18% do PIB) para transformarem-se num setor importante da burguesia chinesa.
As estatais também voltaram a ter importância, com participação majoritária
nos ramos de energia, petróleo e gás natural, telecomunicações e armamentos. O
governo chinês aproveitou-se da crise
econômica mundial para fortalecê-las
com um generoso financiamento, inclusive com a aquisição de empresas no exterior. No ranking da revista Fortune,
entre as 10 maiores empresas em valor de
mercado do mundo (isto é, o valor das
ações negociadas na Bolsa) em 2010, quatro são estatais chinesas: a China Mobile
com sede em Hong Kong, a Petrochina, o
Banco Industrial e Comercial da China e
o Banco de Construção da China. As outras seis maiores são norte-americanas.
Esta poderosa presença chinesa é mais
difusa se considerarmos as 50 maiores
empresas. Entre elas, 25 são norte-americanas e sete são estatais chinesas.
Este fortalecimento pode ter duas causas. A primeira é o aumento geral dos
preços das commodities, devido à demanda crescente por matérias primas nos
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PAÍSES
A pobreza também aumenta, como se vê nesta favela.
países imperialistas. A segunda é a necessidade da própria China de alimentar
sua fome por energia, de manter o controle ditatorial das comunicações no país
e de controlar o capital financeiro, como
fonte de crédito e de corrupção. Este é,
por sinal, o próximo setor a ser aberto ao
capital internacional, devido às exigências feitas pelo imperialismo.
É neste contexto que definimos a
China como uma submetrópole. Tal
como o Brasil, é um país economicamente dependente do imperialismo,
exercendo um papel combinado de semicolônia e de submetrópole “regional” e
não têm como livrar-se dessa dependência, a não ser através de uma guerra de
classes sob a direção da classe operária.
Os traços principais desse papel são: as
riquezas chinesas são saqueadas pelo
imperialismo, não as riquezas naturais,
que são uma das principais carências da
China, mas a riqueza de sua força de trabalho. A burguesia nacional, formada a
partir da restauração, busca expandir-se
à sombra e como sócia menor do imperialismo, o que pode levar a choques
eventuais com o próprio imperialismo,
mas sem questionar seu domínio. Por
fim, a China é utilizada como plataforma
de exportação, não de commodities, mas
de produtos industrializados; e não apenas para os países vizinhos, mas para
todo o mundo.
No entanto, a China não tem uma dívida externa impagável. Ao contrário do
Brasil, é credora dos EUA. Por isso, é necessário avaliar de perto a relação entre
os dois Estados.
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Conflitos gerados
pela crise econômica
Esta relação é descrita na imprensa
como sendo simbiótica, isto é, um dependeria do outro para sobreviver. A
China beneficia-se do mercado norteamericano para suas exportações e os
EUA dos preços baixos dos produtos
chineses. Isso mantém uma inflação insignificante nos EUA, que podem praticar juros baixíssimos para alimentar o
crédito e a China é beneficiada com um
enorme superávit da balança comercial.
O círculo é fechado com o retorno deste
superávit aos EUA por meio da compra
de títulos do tesouro americano e a realimentação do crédito norte-americano.
Além disso, este mecanismo cria uma
situação de pleno emprego nos dois países, um no setor industrial e o outro no
de serviços. E, assim, os dois países
cresceriam indefinidamente, numa espécie de moderno moto-perpétuo econômico.
Só não contavam com a crise econômica mundial, que transformou o motoperpétuo no “salve-se quem puder”.
Assim, depois da primeira década do
novo século recheada de elogios ao
“modelo chinês” 4, o governo norteamericano passou a desferir amargas
críticas: leis protecionistas para participação de licitações do governo chinês;
ameaça militar às instalações dos EUA
na Ásia; agigantamento das estatais em
detrimento das empresas privadas;
apropriação de tecnologia e, finalmente,
a manutenção de uma taxa artificial de
câmbio e o déficit comercial.5
Segundo o Congresso norte-americano,
“desde a entrada da China na OMC, o déficit comercial dos EUA chegou a US$
1,76 trilhão. A China adotou medidas
para encorajar as empresas estrangeiras
a transferir sua produção, tecnologia e
pesquisa em troca de acesso a seu mercado... Em julho de 2008, em resposta à
crise financeira global, a China congelou
a taxa de câmbio de sua moeda... Até 13
de outubro de 2010, o yuan havia valorizado apenas 2,3%, muito abaixo da desvalorização - estimada pelos órgãos
imperialistas - entre 20 e 40%” .
Quando o imperialismo reclama do
“expansionismo e protecionismo” chinês,
é para obter ainda mais concessões, não
porque haja uma ameaça real à sua hegemonia. Com a retração da economia
mundial no próximo período e as perspectivas pouco animadoras nos EUA, não
há possibilidade de lucro para todos.
A transferência da mais-valia obtida
pelas empresas estrangeiras na China
através da compra de títulos do Tesouro
não é mais satisfatória para o conjunto
da burguesia norte-americana. É necessário, agora, extrair a mais-valia diretamente da classe operária norteamericana, que teve seu salário rebaixado pelos acordos coletivos assinados
pela burocracia sindical e tem uma produtividade muito maior.
A China, por sua vez, não aproveita
sua suposta posição de superioridade.
Frente à questão das reservas o do câmbio mantém a compra de títulos, mesmo
que a um nível menor 6, e volta a valorizar o yuan. Após o rebaixamento da avaliação dos títulos norte-americanos e a
queda das bolsas, o Banco Central da
China anunciou a valorização do yuan
em 0,23% - a maior desde novembro
passado -, para “segurar” uma queda dos
títulos.
E para deixar claro que não está
havendo “protecionismo”, Bai Ming, do
Ministério do Comércio, afirmou que
“em consonância com o 12º Plano Quinquenal, a China fará mais esforços para
melhorar o clima de investimentos e oferecer mais oportunidades de investimentos às empresas estrangeiras”.
A reserva acumulada pela China de
US$ 3 trilhões, dos quais a metade em títulos do Tesouro dos EUA, não a torna
mais forte e independente, mas mais vulnerável e dependente. Bastaria dar a impressão de que vai vender seus títulos
para causar uma corrida de venda pelos
demais países, o que provocaria uma
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PAÍSES
enorme desvalorização do dólar; um suicídio financeiro para a China. Isto é
assim porque o dólar ainda é a moeda
mais forte do mundo. E sua força é apenas um reflexo monetário do país que a
emite.
O PIB é a prova definitiva?
Porém, se a China ainda é dependente
dos EUA, existe uma grande polêmica em
torno ao seu futuro, com uma quantidade enorme de títulos nas livrarias qualificando a China de nova potência
mundial7. Para isto, a grande maioria
destes autores utiliza-se do critério do
aumento do PIB ou do comércio – o que
dá no mesmo, pois o PIB é uma medida
do consumo (das pessoas, do capital e do
governo) de um determinado país.
O próprio FMI fez a previsão de que em
2016 a China ultrapassará os EUA no
valor do PIB (ppc) 8, que em 2010 foi de
US$ 10,1 e US$ 14,7 trilhões, respectivamente, trabalhando com uma taxa de
crescimento constante do PIB de 2,7%
para os EUA e 9,5% para a China. O PIB
da China, inclusive, já ultrapassou os da
Alemanha e do Japão.
O crescimento do PIB é, porém, suficiente para determinar a posição relativa
de força entre os países? Isto é, o fato da
China ter o segundo maior PIB do mundo
torna-a a segunda potência mundial? Por
exemplo, a Argentina foi a 5ª economia
do mundo na década de 30, a “década infame”, e, no entanto, era uma colônia da
Inglaterra. O Brasil foi a oitava economia
do mundo durante o “milagre econômico” e viveu uma década de “crescimento chinês, com índice médio do PIB
de 8,9% entre 1970 e 1980, mas seu
crescimento estava baseado na
exportação de capital dos EUA.
Os dois países tinham uma
posição privilegiada no comércio mundial e sua industrialização avançava, mas
nunca deixaram de ser
completamente dependentes e subservientes do
imperialismo hegemônico
em cada época e nunca
questionaram essa hegemonia.
Trotsky também não concordava com a “ditadura do
PIB”. Mesmo no caso da jovem
URSS, cujo crescimento poderia ameaçar concretamente o imperialismo, por se
tratar de um Estado operário (a não ser,
é claro, pela política da burocracia soviéSETEMBRO DE 2011
tica) ele dizia em Revolução Traída:
“Quando nos dizem que a URSS ocupará, em 1936, o primeiro lugar na Europa quanto à produção industrial,
despreza-se não só a qualidade e o preço
de custo, mas ainda o número da população. Ora, o nível de desenvolvimento
geral do país e, mais particularmente, a
condição material das massas não
podem ser determinadas, a não ser em
traços gerais, senão dividindo a produção pelo número de consumidores”.
Em relação a isso, basta lembrar que o
PIB (ppc) per cápita dos EUA previsto
pelo FMI para 2016 continuaria quatro
vezes maior que o da China, enquanto o
PIB nominal per cápita seria sete vezes
maior (em 2010 os números foram 6,3 e
onze vezes, respectivamente).
Mas isso não basta; para Trotsky: “A correlação de forças, hoje, é determinada
não pela dinâmica de crescimento, mas,
sim, pela contraposição do todo o poderio de ambos os campos de força, expressa na acumulação material, na
técnica, na cultura e, sobretudo, na produtividade do trabalho humano”.
Em cada um destes itens – acumulação
material, técnica e cultura – a superioridade das atuais potências mundiais, com
os EUA à frente, é evidente. Mas a produtividade9 é o fator determinante, o que
nos leva a perguntar qual é a produtividade chinesa em relação aos países
avançados.
Segundo Carsten A. Hozl10,
pesquisador da Uni-
versidade de Princeton (EUA), “conforme o trabalho é transferido da agricultura de baixa produtividade para os
setores de indústria e serviços de alta
produtividade, o PIB real por trabalhador, isto é, a produtividade do trabalho,
aumenta, somente porque estes trabalhadores que mudaram de setor agora
produzem um múltiplo de sua produção
anterior”. Este é o caso da China, com
mais de 200 milhões de migrantes do
campo transferidos para os trabalhos industriais nas grandes cidades. Enquanto
esta migração continuar, a produtividade do trabalho na China continuará a
aumentar “naturalmente”, mas apenas
para alcançar um estágio bastante inferior em relação aos países industrializados.
Segundo Robert E. Scott11, economista,
em 2010 “as empresas estrangeiras empregaram 3% da força de trabalho chinesa, mas geraram 22% de sua
produção. Sua produtividade geral era
nove vezes maior que as empresas chinesas. Na manufatura, esta relação era
de 4:1, sendo responsáveis por cerca de
40% do recente crescimento econômico
da China”.
Carsten Holz confirma estes números: “a
China permaneceu nesta faixa estreita
de (baixo) desenvolvimento, com a produtividade do trabalho de apenas 1,2 a
3,4% do nível norte-americano... a taxa
de crescimento da produtividade do trabalho foi relativamente alta, de 9%”.
Esta alta taxa de 9%, devido
Os carros de fabricação
chinesa competem
no mercado mundial.
33
PAÍSES
à transferência de trabalhadores do
campo para a cidade tende a ser reduzida quando a produtividade da própria
indústria passar a ser preponderante no
conjunto da sociedade. Para isso é necessária uma melhoria da técnica, a maior
formação do trabalhador, o aumento do
ritmo do trabalho, etc. Ao mesmo tempo,
a produtividade dos países imperialistas
continuará crescendo, devido à pressão
da concorrência. Nos EUA, o país com a
maior produtividade do mundo, a taxa
anual de produtividade industrial foi de
7,3% em 2002 e só foi negativa em 2008
e 2009 (-0,4%), anos que se seguiram à
explosão da “bolha” imobiliária.
O crescimento vertiginoso da China
nesta década ocorreu devido à sua posição na divisão mundial do trabalho definida pelo imperialismo e de uma forma
subordinada ao conjunto da economia
mundializada. Dito de outra forma, a
condição de submetrópole do imperialismo foi determinada e não escolhida
pelo governo chinês, a partir do momento em que a restauração do capitalismo foi iniciada. O rompimento desta
subordinação não se dará por meios puramente econômicos, mas pela luta de
classes e, certamente, não será realizado
pela ditadura chinesa.
A situação da classe trabalhadora
chinesa
O que á a classe operária na China? E o
campesinato? O último censo (2010) estimou em 50% a população urbana.
Entre esta, um número enorme de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. Segundo a Secretaria Nacional de
Estatísticas da China, eram entre 20 e 30
milhões de trabalhadores com registro
urbano que, somando-se os membros
das famílias, chegavam a 40 ou 50 milhões. A estes é necessário adicionar os
migrantes. Entre eles, calcula-se que 15
a 20% vivem abaixo da linha de pobreza, gerando um total de até 70 milhões em 200112, e não há motivos para
acreditar que estes números tenham sofrido modificações essenciais. Convém
lembrar que existem províncias com o
salário mínimo entre US$ 108 e US$ 120,
não sendo considerados abaixo da linha
de pobreza moderada (renda menor que
US$ 60 mensais). Em 2008 havia 278 milhões de trabalhadores urbanos (na indústria e serviços)13, dos quais 140
milhões eram migrantes. Destes, cerca de
80% não possuíam qualquer tipo de benefício social e 75% recebiam o salário
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mínimo, que correspondia a 55% do salário médio dos trabalhadores com registro urbano14.
Entre o campesinato, a situação é ainda
pior; a renda média da família camponesa é cerca de três vezes menor que a
urbana e entre os 42% que vivem com
menos de dois dólares por dia (540 milhões de pessoas, sendo que 170 milhões
vivem com menos de um dólar), a maioria é camponesa. As moradias camponesas são, em geral, de pau-a-pique de
cômodo único, com piso de terra batida
e apenas algumas cadeiras e uma mesa
como mobília15.
É baseada em sua situação material que
a classe operária chinesa vive um ascenso continuado há vários anos, atingindo um novo patamar com as greves
nas automobilísticas no primeiro semestre de 2010. Antes de 2008 as greves eram
defensivas, pelo pagamento de salários
atrasados, indenizações por demissão ou
contra as péssimas condições de trabalho
e envolviam trabalhadores sem especialização. Mas em 2010 as greves se deram
por aumento salarial envolvendo operários especializados, em geral jovens com
formação técnica, causando uma reação
em cadeia em dezenas de fábricas com
greves vitoriosas, o que forçou o governo
a decretar um aumento generalizado do
salário mínimo para evitar uma convulsão social. O salário mínimo de Guangzhou, capital da província de Guangdong,
com uma enorme concentração de fábricas às margens do Rio das Pérolas, passou de US$ 160 em 2010 para US$ 200 em
2011.
Porém, as lutas continuam crescendo ano
a ano. Passaram de 10 mil “incidentes de
massas” em 1993 para 74 mil em 2004.
E, segundo Sun Liping, sociólogo da Universidade de Tsinghua, estes números dobraram entre 2006 e 2010, chegando a
impressionantes 180 mil ações do movimento de massas no ano passado (490
por dia!)16. Isso se dá pelo fato do crescimento econômico aumentar a confiança
dos trabalhadores em suas forças e pela
formação de uma “nova” classe operária,
chamada de “segunda geração de migrantes”, mais exigente, com mais formação técnica e mais consciência de classe.
A ditadura chinesa sabe disso e age com
cautela, evitando o confronto direto com
a classe, fazendo concessões econômicas
parciais, mas impedindo qualquer organização independente dos trabalhadores
através da prisão dos líderes, o que envolve maus tratos, tortura, agressão psi-
cológica e até a pena de morte, e do banimento de qualquer organização independente dos trabalhadores.
Sua política é desviar as lutas, com a
aprovação de leis trabalhistas e uma
forte campanha de “governar de acordo
com a lei”, forçando os trabalhadores a
recorrer aos tribunais em vez da ação direta. Para isso o governo conta com seu
braço sindical, a Federação dos Sindicatos da China, a única organização sindical legal da China, totalmente
subordinada ao PCCh. Sua burocracia
tem laços materiais com a burguesia chinesa, além de ser proprietária de empresas, como hotéis. Foi uma das maiores
patrocinadoras da aprovação da Lei do
Contrato de Trabalho em 2007 e sua função é impedir qualquer mobilização de
confronto com o governo.
Conclusões
O crescimento da China está apoiado em
um tripé: a superexploração da classe
trabalhadora, o papel de plataforma de
exportação conferido pelo imperialismo,
para aproveitar essa mão-de-obra barata,
e a garantia da exploração e dos investimentos estrangeiros dada pela ditadura
chinesa.
Com a crise econômica mundial, o imperialismo norte-americano quer uma
mudança do atual “modelo”: a redução
das exportações chinesas e o aumento
das importações, através da valorização
do yuan. Para isso, o novo Plano Quinquenal da China prevê a orientação da
economia chinesa ao mercado interno e
a produção de mercadorias de maior
valor agregado. Isto abrirá um novo mercado para investimentos nos setores de
serviços e financeiro e para exportação
de bens de capital à China, a fim de mecanizar suas fábricas.
Ao mesmo tempo, este movimento dará
às empresas instaladas nos EUA melhores condições de concorrência. Duas notícias ilustram bem este fato. Terry Gou
declarou que instalará um milhão de
robôs em suas fábricas até 2013, para
“mover para cima a cadeia de valor”,
isto é, para demitir trabalhadores devido
ao aumento dos salários e aumentar a
produtividade. E um estudo da Boston
Consulting Group (BCG) revelou que, se
for levado em conta a maior produtividade e a atual precarização do trabalho
nos EUA, a diferença de custo salarial
entre a China e os estados do sul dos
EUA cai para 30%. Aumentos salariais
médios da ordem de 17% ao ano na
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PAÍSES
China e a valorização do yuan levariam
os custos de produção e transporte a se
igualarem em 2015.
De fato, algumas empresas já estão instalando fábricas em território norte-americano, em vez da China, e até trazendo
unidades de volta. A Caterpillar anunciou a expansão de sua fábrica de escavadeiras no Texas; a NCR Corporation
está trazendo de volta a produção de
suas máquinas ATM para a Georgia e até
mesmo uma fábrica de brinquedos, a
Wham-O Inc, que fechou a produção de
50% de algumas linhas de seus produtos
na China para fabricá-los nos EUA. A justificativa não poderia ser mais cínica:
“Trabalhadores e sindicatos estão mais
receptivos a aceitar concessões para trazer
os empregos de volta aos EUA. O apoio
do Estado e governos locais pode pender
a balança”, disse Michael Zinser, da
BCG.
Para manter seus negócios na China,
sem sofrer com os aumentos salariais
ocorridos nos últimos anos17, a burguesia
está deslocando suas fábricas para o interior, a fim de explorar os camponeses
expulsos de suas terras (dez milhões
foram expulsos nos últimos cinco anos)
ou atraídos pela possibilidade de melhoria em suas vidas, sem a necessidade de
que estes migrem para as grandes cidades do litoral. A população rural na
China ainda é muito grande – 50%18- e
significa um enorme “exército camponês” de reserva para pressionar os salários para baixo. A mecanização das
indústrias também levará à redução dos
postos de trabalho e ao aumento do desemprego.
A jovem classe operária chinesa – a segunda geração de migrantes – consolidada em anos de lutas contra a
exploração não deixará que suas condições de vida piorem ainda mais, e sempre encontrará pela frente a ditadura
militar do PCCh e seu braço sindical, não
a débil burguesia chinesa.
O governo chinês também enfrenta múltiplos problemas na condução da economia desde que lançou o pacote de
estímulo de US$ 585 bilhões em 2009.
Conseguiu abrandar a crise na China,
mas criou várias “bolhas” devido ao crédito fácil, subsídios e incentivos ao consumo.
Na construção civil, que tornaram famosas as cidades fantasmas; no ramo automobilístico, que está sofrendo retração
de consumo com o fim dos subsídios e,
principalmente, no ramo financeiro. O
SETEMBRO DE 2011
aumento dos meios de pagamento ampliados (M2) foi de 64,3% desde 2009,
superando em muito o crescimento do
M2 nos EUA, de 10,4% no mesmo período. Isto é, uma quantidade incalculável de dinheiro foi jogada no mercado.
A explosão dessa bolha terá o mesmo
significado para a China que a falência
do banco Lehman Brothers teve para os
EUA.
A expansão monetária levou ao aumento
da inflação, que chegou a 6,5% em
junho, superando em muito a meta de
4% (economistas independentes dizem
que a inflação real pode chegar ao dobro
do divulgado). O governo vem adotando
medidas fiscais para combatê-la, como o
aumento dos juros e retirada de subsídios. Prevê, também, uma redução do
crescimento do PIB para cerca de 7%
nos próximos cinco anos.
O recrudescimento da crise nos países
imperialistas poderá fazer explodir o
tripé do crescimento chinês. Mas para
isso será fundamental que a classe operária aponte suas armas para um ajuste
de contas com a ditadura. A luta contra
a exploração deve ser combinada com a
luta pelas liberdades democráticas,
como as liberdades de organização sindical e política e de expressão, para a
transformação das greves isoladas numa
única luta nacional, unindo os setores
oprimidos da cidade e do campo, com o
objetivo de derrubar o governo opressor.
1
Testemunho perante a U.S.-China Economic
and Security Review Commission do Congresso
norte-americano, março de 2010.
2
Greg Linden, Kenneth L, Kraemer, Jason
Dedrick, Who Captures Value in a Global Innovation System? The case of Apple’s iPod, University of California, 2007
3
Mink Li, The rise of the working class and the
future of the Chinese revolution, Monthly Review, v. 63, junho de 2011.
4
Em agosto de 2005 o Conselho de Negócios
EUA-China (USCBC) publicou uma pesquisa
entre seus membros. 58% das empresas consideraram a China como prioridade mundial,
74% afirmaram que aumentariam seu compromisso com a China e 67% tiveram seus lucros
aumentados.
5
Relatório da comissão sobre as relações econômicas e de segurança entre EUA e China (USChina Economic and Security Review
Comission) do Congresso norte-americano,
2010.
6
Há alguns economistas que sugerem que a
compra pode até ter aumentado através de
mercados paralelos, por exemplo, de Londres,
porque o superávit comercial chinês continua
crescendo.
7
Cito alguns: Gunder Frank, Reorient: global
economy in the Asian age; G. Murray, China:
the next superpower; E. Timperlake, Red
Dragon rising: Communist China’s military
threat to America.
8
O PIB-ppc, ou PIB pela paridade de poder de
compra, visa eliminar a diferença do poder de
compra entre os países. Define-se uma “cesta
básica” e divide-se os preços encontrados, cujo
resultado é um fator que “mede” esta diferença. No caso de EUA e China, o fator era de
3,95 em 2010, isto é, o custo de vida nos EUA
era quase quatro vezes maior que na China.
1969 - 9,54; 1970 - 13,86; 1971 - 11,4%; 1972 11,9; 1973 - 13,8; 1874 - 8,2; 1975 - 5,1; 1976 10,4; 1977 - 4,8; 1978 - 5,1; 1979 - 6,7; 1980 9,1.
9
A produtividade é, grosseiramente, a quantidade de mercadorias produzida num
país/setor/fábrica dividida pelo número de
horas trabalhadas.
10
Carsten Holz, China’s economic growth 19782025: what we know today about China’s economic growth tomorrow, World Development,
v. 36, n. 10, 2008.
11
Robert E. Scott, testemunho perante a U.S.
China Economic and Security Review Commission, março 2011
12
Dorothy J. Solinger, The creation of a new underclass in China and its implications, International Institute for Environment and
Development, www.eau.sagepub.com
13
Uma pesquisa do Departamento de Estatística
do Trabalho dos EUA estimava em 112 milhões
o número de operários industriais em 2006.
14
Qi Dongtao, Chinese working class in predicament, www.eai.nus.edu.sg/Vol2No2_QiDongtao.pdf
15
http://factsanddetails.com/china.php?itemid
=155&catid=11&subcatid=70
16
Mink Li, The rise of the working class and the
future of the Chinese revolution, Monthly Review, v. 63, junho de 2011. “Incidentes de massas” é uma classificação do governo chinês
para todos os tipos de mobilizações no país,
desde greves em pequenas fábricas até revoltas
de milhares. Estes números deixaram de ser informados oficialmente em 2005.
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Os aumentos nominais, sem descontar a inflação foram: 4,7% em 2005, 10% em 2006,
6,4% em 2007, 3,2% em 2008, 17% em 2009 e
2010.
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Este número inclui os migrantes por terem
visto de residência no campo. A população
rural nos EUA é de 18% e na América Latina é
de 20%.
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