thomas hobbes e o direito positivo: compreensão crítica do

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Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
THOMAS HOBBES E O DIREITO POSITIVO: COMPREENSÃO
CRÍTICA DO POSITIVISMO JURÍDICO NA ATUALIDADE
Stéphanie Christine Cestari Bernardo
Dr. Douglas Ferreira Barros
Faculdade de Direito
CCHSA
[email protected]
Faculdade de Filosofia
CCHSA
Grupo de Pesquisa: Ética, política e religião:
questões de fundamentação
[email protected]
Resumo: O presente estudo destina-se a
pensamento de Thomas Hobbes. Para tal,
buscou-se um breve histórico deste ilustre
filósofo inglês, como também contextualizar
algumas de suas concepções à análise de
Bobbio, com o fim de obter uma visão crítica a
respeito do positivismo no ordenamento jurídico
atual.
Fez-se mister, então, distinguir os conceitos de
direito positivo e direito natural para que
pudessem ser discutidos os alcances e limites
do
positivismo
jurídico.
Também
será
amplamente estudada a concepção que tem
Hobbes sobre o direito, configurando-o como
expressão de quem possui o poder, tendo como
base a afirmação: “Não é a sabedoria, mas sim
a autoridade quem faz a lei” 1 e os motivos que
o levam a criticar o valor do direito
consuetudinário. Almejando um exame amplo
do tema, traz-se para a discussão o
pensamento do filósofo e jurista italiano
Norberto Bobbio, para quem “O costume é uma
fonte passiva, a lei é uma fonte ativa do direito”
2
.
aprofundar o conhecimento acerca do
positivismo. Para tanto, discutir-se-á sobre a
existência de uma sociedade fundada em
normas jurídicas e sua submissão. Pretende-se
também discutir amplamente o a origem do
positivismo jurídico através de Thomas Hobbes
e as consequentes proporções atingidas por
essa concepção.
Concluindo a análise dos textos, pretende-se
obter uma visão concreta acerca do positivismo
jurídico, realizar um enfoque entre as teorias
dos antigos filósofos e dos filósofos
contemporâneos.
É
esperado
também
demonstrar como a teoria hobbesiana contribuiu
para a concepção moderna do positivismo e
como ela ainda se vincula à concepção
cotemporânea. Por fim, far-se-á uma avaliação
de um ponto de vista crítico a relação da
interpretação da lei como atividade jurídica e
política.
Palavras-chave: Direito Natural, Thomas
Hobbes, Positivismo Jurídico.
Área do Conhecimento: Ciências Humanas Filosofia.
Introdução
O presente trabalho destina aprofundar o
conhecimento sobre o positivismo jurídico. Sua
origem e os pilares teóricos sobre os quais foi
estabelecido serão ressaltados a partir do
1
HOBBES, T. A dialogue between a philosopher and a student
of the Common Laws of England. Chicago: University of
Chicago, 1971, p. 29.
2
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de
filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p.120.
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Hobbes e algumas de suas principais
concepções
A obra Leviatã objetiva defender um argumento
a favor da obediência à autoridade, o soberano,
representante do Estado, fundado na análise da
natureza
humana.
Hobbes
mostra-se
preocupado em assentar paradigmas para um
poder centralizado na figura do Estado e no
qual a paz, algo que, como veremos adiante, é
impossível no estado de natureza, torne-se
factível. Neste sentido, Bobbio elucida que, do
ponto de vista histórico:
[...] o processo de formação do Estado absoluto se
explica como reação e resposta ao estado quase
permanente de anarquia no qual incidiam naqueles
tempos a Inglaterra - e a Europa em geral - devido
às guerras de religião. Quando Hobbes descreve o
estado de natureza não pensa numa condição
hipotética ou, de qualquer maneira, pré-histórica da
humanidade, mas tem diante de sua própria mente o
estado de guerra civil, quando o poder central se
dissolve e, devido às lutas intestinas, acabam por
faltar ordem e paz. A guerra civil é para
Hobbes um retorno ao estado de natureza. Pois
bem, para reagir a tal estado, escreve suas obras
com a intenção de contribuir para devolver a paz e a
ordem ao seu país e à Europa. (BOBBIO, 2006,
p.37)
O argumento básico de Hobbes qera o de que,
no estado natural, ainda que alguns homens
possam ser mais fortes ou mais inteligentes do
que outros, mantem-se a igualdade, mesmo que
uns sejam mais fortes ou de espírito mais vivo
que os outros. Em suas palavras:
[...] mesmo assim, quando se considera tudo isso em
conjunto, a diferença entre um e outro homem não é
suficientemente considerável para que qualquer um
possa com base nela reclamar qualquer benefício a
que outro não possa também aspirar, tal como ele.
(Leviatã, cap. XIII, p. 106)
Destarte, defende que é da natureza humana
não acreditar que haja muitos tão sábios como a
si próprios, porque vemos a sabedoria dos
outros à distância, enquanto a nossa somos
capazes de enxergar bem de perto. Dessa
igualdade, onde os homens são tão iguais que
nenhum pode triunfar de maneira total sobre o
outro, provém a ideia de que, no estado de
natureza, cada indivíduo tem direito a todas as
coisas. Assim afirma Hobbes:
O direito de natureza, a que os autores geralmente
chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem
possui de usar seu próprio poder, da maneira que
quiser, para a preservação de sua própria natureza,
ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer
tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe
indiquem como meios adequados a esse fim.
(Ibidem, cap. XIV, p. 112)
Portanto, uma vez que as coisas materiais são
escassas, não suficientes para exaurir o desejo
de todos, alguns terão sua honra abalada que,
segundo Macpherson, é o valor atribuído a
alguém pelas aparências externas. Ou seja, é
nesse momento, onde nem todos podem obter o
que desejam com o fim de mostrar o que se
tem, aí nasce o embate, onde a atitude mais
razoável é atacar um ao outro. Logo, existe uma
constante e generalizada guerra, gerando medo
e angústia, porém onde as noções de justo e
injusto ainda não existem devido à falta de
parâmetros. Discorre Hobbes sobre esse
Estado de natureza:
Desta guerra de todos os homens contra todos os
homens também isto é consequência: que nada
pode ser injusto. As noções de certo e de errado, de
justiça e de injustiça, não podem aí ter lugar. Onde
não há poder comum não há lei, e onde não há lei
não há injustiça. Na guerra, a força e a fraude são as
duas virtudes cardeais. (Ibidem, cap. XIII, pág. 111)
Ainda nos diz que nesse estado, onde “o
homem é o lobo do homem”, encontramos três
principais causas para essa discórdia: “em
primeiro lugar, a competição; em segundo, a
desconfiança; e em terceiro lugar a glória. A
primeira leva o homem a atacar os outros tendo
em vista o lucro; a segunda, a segurança e a
terceira, a reputação” 3. Portanto, é possível
notar que na visão hobbesina os homens não
possuem um instinto sociável por natureza,
como é o caso de alguns insetos, como as
formigas, que naturalmente vivem em
sociedade.
No entanto, ainda que também por interesse
pessoal, os homens desejam algo em comum,
que é acabar com o estado de guerra, e por isso
3
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou Matéria, forma ou poder
de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martins
Fontes, 2008, p.108.
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formam sociedades. Por não ser uma atitude
espontânea da natureza humana, o fazem
através de um contrato social, que na definição
de Hobbes, significa “transferência mútua de
direitos”. Assim, na medida em que há
esperança de se alcançar a paz, essa
classificada como primeira e fundamental lei da
natureza, o homem deve se esforçar para
consegui-la. Por outro lado, a defesa de nós
mesmos, ou seja, quando a saída é dada por
outro meio, como o da guerra, essa encerra a
suma do direito de natureza. Da primeira lei
pode-se extrair o seguinte tratado, considerado
como segunda lei:
Que um homem concorde, quando outros também o
façam, e na medida em que tal considere necessário
para a paz e para a defesa de si mesmo, em
resignar ao seu direito a todas as coisas,
contentando-se, em relação aos outros homens, com
a mesma liberdade que aos outros homens permite
em relação a si mesmo. (Ibidem, cap. XIV, p. 113)
Partindo desse acordo mútuo de renúncia,
firmado por um contrato social, a sociedade
firmada necessita de uma autoridade a qual
todos os membros devem render o suficiente da
sua liberdade natural para que um poder
absoluto e centralizado possa assegurar a paz
entre seus membros e a defesa comum. Este é
o fundamento da origem do Estado como uma
autoridade inquestionável, o Leviatã, criado
pelos próprios homens com o fim de ser um
representante artificial, maior e mais poderoso
que o homem natural. Aqui vale citar Maria
Isabel Limongi, que diz em sua obra O homem
excêntrico:
As paixões dos homens são causa do Estado,
na medida em que os conduzem à sua
instituição. Mas elas não são causas inaugurais.
Enquanto artífice do Estado o homem é sua
causa, e aqui sim causa inaugural e primeira.
(LIMONGI, 2009, p. 294)
O pacto que institui o Estado, segundo Schmitt,
provém de uma “faísca” de razão, ou seja,
concretiza-se quando os indivíduos, diante do
medo da morte e angústia extremos a que estão
submetidos no estado de natureza, que são as
paixões citadas por Limongi, consensualmente
contratam o Leviatã, fazendo do Estado “a
expressão de um
poder
absoluto e
juridicamente transcendente aos indivíduos,
assim como à soma das vontades de todos” 4.
Portanto, o homem é artífice de sua própria
condição, de seu destino, e não Deus ou a
natureza, e esse é um dos motivos pelo qual,
muitas vezes, Hobbes é chamado de “pensador
maldito”, pois contraria dogmas religiosos.
Tal fundamento é condição sine qua non, porém
não suficiente. É imprescindível que o Estado
tenha um mecanismo pelo qual poderá forçar os
homens a respeitarem direitos e cumprirem
deveres, ou seja, não se pode conceber tal
forma de organização sem um poder
adequadamente armado, capaz de exercer a
coerção social. O trecho a seguir ilustra bem
esse argumento:
Para que as palavras “justo” e “injusto” possam
ter lugar, é necessária alguma espécie de poder
coercitivo, capaz de obrigar igualmente os
homens ao cumprimento dos seus pactos,
mediante o terror de algum castigo que seja
superior ao benefício que esperam tirar do
rompimento do pacto [...] (Leviatã, cap. XV, p.
124)
Firma-se o pacto, então, quando se espera que
a outra parte, em um acordo comum, cumpra o
que fora estabelecido. Como já dito antes, a
palavra possui pouca força e nem sempre é
capaz e fazer com que os homens cumpram
seus acordos. Assim, como uma forma de
obrigá-los a isso, a coerção imposta pelo Estado
pode dar mais garantias, pois o medo das
consequências afasta a ideia do não
cumprimento. Com isso tem-se também a ideia
do
que
seria
considerado
“injusto”.
Compartilhando uma visão aristotélica, onde
justiça é “dar a cada um o que lhe pertence”, de
forma semelhante Hobbes também a concebe:
“Injustiça não é outra coisa senão o nãocumprimento de um pacto. E tudo o que não é
injusto é justo” (2008, p. 124).
Uma vez entendido que quando o indivíduo abre
mão de seu direito de natureza ele firma o
contrato social com o fim de proteger a própria
vida, deve-se colocar a questão da liberdade
4
SCHMITT, Carl. Scritti su Thomas Hobbes. Milano:
Giuffrè editore, 1986, p. 48.
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que resta a cada submetido a tal poder. O
indivíduo deve obediência ao soberano, mas
isso não significa que ele perdeu sua liberdade,
esta apenas foi restringida para que os objetivos
dos homens limitem-se e não gerem injustiça.
Vê-se também que, em último caso, se um
homem for ordenado, por exemplo, a se suicidar
ou confessar algum crime, ele é livre para
recusar5. Isso porque, na visão de Hobbes,
liberdade é:
[...]
ausência
de
impedimentos
externos,
impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder
que cada um tem de fazer o que quer, mas não
podem obstar a que use o poder que lhe resta,
conforme o que seu julgamento e razão lhe ditarem.
(Ibidem, cap. XIV, p. 112)
Mostra-se fundamental conhecer tais conceitos
porque não se entende o conjunto da magnífica
obra hobbesiana sem eles. É possível notar, por
exemplo, que o conceito exposto acima tem
extrema importância na distinção entre Direito e
Lei, que será exposto mais adiante.
O direito natural e o direito positivo
O Estado de Natureza de Hobbes evidencia
uma luta constante de todos contra todos. Para
cessar este embate, os indivíduos decidem
passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil,
instituindo um poder político e leis. A passagem
do Estado de Natureza à sociedade civil se dá
por meio do contrato social. Aqui são colocadas
as seguintes questões: como é possível tal
contrato? Qual sua legitimidade?
Marilena Chauí, em sua obra Convite à filosofia,
afirma que há duas condições necessárias para
conferir validade ao contrato. São elas a
igualdade e liberdade. Assim, em suas palavras:
A teoria do direito natural garante essas duas
condições para validar o contrato social ou o pacto
político. Se as partes contratantes possuem os
mesmos direitos naturais e são livres, possuem o
direito e o poder para transferir a liberdade a um
terceiro; e se consentem voluntária e livremente
nisso, então dão ao soberano algo que possuem,
5
Nota-se aqui a relação com o princípio nemo tenetur se
detegere (o direito de não produzir prova contra si mesmo)
consagrado pela constituição.
legitimando o poder da soberania. (CHAUÍ, 2000, p.
518)
Assim, é procurando entender quais elementos
tornam legítima uma ordem social ou jurídica
que começamos a busca pela história do
jusnaturalismo, pois, em um primeiro momento,
pode-se observar que eram consideradas
legítimas as normas que podiam ser derivadas
de alguma espécie de Direito Natural. Esse
método de legitimação do poder político conferia
autoridade ao chefe político a partir de
justificativas emanadas de divindades ou da
própria natureza das coisas. Para Hobbes, esse
direito que tinham os reis (soberano) era
absoluto porque havia uma necessidade de
segurança, que sem esta figura estaria
ameaçada pelos instintos naturais do ser
humano.
O Direito Natural, também chamado de
jusnaturalismo, é uma teoria que visa situar a
existência do direito com base em conteúdos
provindos da natureza, concebido como válido e
igual por todo o mundo, ou seja, universal e
imutável. É válido ressaltar que foi por muito
tempo utilizado como tentativa de legitimação
do poder instaurado, podendo tomar como
exemplo a escravidão, que utilizou o direito
natural para a justificação da ordem social
reinante da época, considerando normal essa
forma de disposição humana que sustentava a
ordem socioeconômica.
Logo, normas que atualmente são consideradas
jurídicas tinham antes apoio em um conteúdo
sagrado, mágico, o qual foi modificado no
processo de "desencantamento do mundo" que
assinalou a transição da Idade Moderna para a
Idade
Contemporânea.
No
âmbito
do
pensamento weberiano, a evolução religiosa
resultou neste processo, uma vez que:
Sendo principalmente doutrina, a religião representa
em relação à magia um momento cultural de
racionalização [por que não dizer também
desencantamento?] teórica, de intelectualização com
nítidas pretensões de controle sobre a vida dos
leigos, querendo a constância e a fidelidade à
comunidade de culto. (PIERUCCI, 2003, p. 70)
Consequentemente, com o processo de
desencantamento do mundo, além de outros
fatores, foi impulsionada a racionalização e,
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como reação extrema às fundamentações
naturalistas, emerge o que chamamos de direito
positivo,
que
possui
como
principais
características o fato de ser particular, mutável e
advindo da vontade dos homens, tornando-se
conhecido através das normas jurídicas. A partir
disso, desenvolveu-se ao longo do século XIX o
positivismo
jurídico,
denominação
que
utilizamos para qualificar um grupo de correntes
jurídicas defensoras de que o direito é fruto da
convenção social e deve ser rigorosamente
catalogado, positivado.
Os adeptos à corrente positivista, entretanto,
não se preocupam em encontrar uma solução
para o problema da legitimidade, uma vez que
apenas deslocam este assunto para discussão
fora do âmbito da ciência do direito. É colocada
para além do foro jurídico a questão da
legitimidade de normas já reconhecidas como
vigentes, alegando que a construção de uma
dogmática consistente exige que a legitimidade
de tais normas seja pressuposta, e não
problematizada.
Assim,
transfere-se
a
importância de discutir a questão da
legitimidade para o foro político ou sociológico.
Hobbes, autor que utilizamos para o
embasamento teórico deste trabalho, é visto
como um dos precursores do direito positivo,
mas essa nomenclatura não consta em sua
obra por ser posterior a ela.
A ascensão positivista traz consigo, mesmo que
mascaradamente, mecanismos para fortalecer o
Estado, proporcionando-lhe a sistematização
necessária para ser capaz de impor obediência
à base da coerção, ideia que sempre se
mostrou presente nos textos de Hobbes, e
pode-se dizer que uma de suas maiores
preocupações. O jusnaturalismo, por vezes
demasiadamente abstrato, não foi capaz de
fornecer recursos para tal empreitada. Por isso
nos traz a ideia da lei civil como elemento
obrigacional.
Teórico de um Estado forte e defensor da
centralização política, conferindo poder ilimitado
na figura do soberano, Hobbes foi contundente
ao evocar a prerrogativa exclusiva do dirigente
do Estado para delimitar o conteúdo do Direito.
Portanto, logo se declarou oposto à tradição
consuetudinária, visto um bom exemplo o caso
da Inglaterra. A menção: “Não é a sabedoria,
mas sim a autoridade quem faz a lei” 6 encaixase aqui, extremando um positivismo que será
detalhado mais adiante. Visto que Hobbes
foi um feroz
oponente
a
teorias
que
redundassem em limitações ao poder do
Estatal, fica fácil compreender porque não
deixou de manifestar tal reprovação ao common
law e ao poder eclesiástico. Para ele, costume
não é lei, uma vez que não é ditado pelo
soberano. Bobbio segue o mesmo raciocínio e
classifica o costume como fonte passiva do
direito, ou seja, não é dotado de força coercitiva
tal como uma lei.
Na obra A Dialogue between a Philosopher and
a Student of the Common Law, a oposição de
Hobbes ao direito consuetudinário explicitada.
Após ser acusado de ateísmo devido ao
impacto provocado pelas ideias contidas no
Leviatã, precisava defender-se e, para tanto,
alegou que na Inglaterra tal delito sequer existia
concretamente e, assim, sustenta a ideia de que
o common Law, também chamado de direito
consuetudinário, possui demasiada fragilidade
jurídica.
Aqui pode ser traçado um paralelo entre Hobbes
e Kelsen para se entender melhor suas
semelhanças e diferenças. Uma norma,
segundo Kelsen, que foi um positivista
fervoroso, não é evidente por si mesma, pois
exige um fundamento que lhe confira validade,
que seria o que por ele foi denominado norma
fundamental. Em Hobbes pode-se também
destacar uma espécie norma superior que
atribui validade ao sistema, ou seja, ao
ordenamento, que é a primeira lei natural (busca
da paz).
Porém, Hobbes inaugurou uma nova concepção
sobre o tema que mescla direito natural e
positivo de maneira bastante sofisticada. Vimos
as características que lhe conferem a visão de
um positivista, onde impera a ideia de que o
soberano tudo pode; agora, resta saber qual
seria, então, seu viés jusnaturalista. Hobbes
teorizou aquilo que chamamos de "lei
6
HOBBES, T. A dialogue between a philosopher and a student
of the Common Laws of England. Chicago: University of
Chicago, 1971, p. 29.
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fundamental natural", como citado acima. Todos
os outros direitos são decorrências dessa. Ainda
nos esclarece que a observância das leis
naturais é necessária para conservar a paz e a
segurança e, portanto, não a abandona por
completo. Em O Leviatã fica nítido:
A lei civil e a lei natural não são diferentes espécies,
mas diferentes partes da lei, uma das quais é escrita
e chama-se civil, e a outra não é escrita e chama-se
natural. Mas o direito de natureza, isto é, a liberdade
natural do homem, pode ser limitado e restringido
pela lei civil; mais, a finalidade das leis não é outra
senão essa restrição, sem a qual não será possível
haver paz. (Ibidem, cap. XXVI, p. 225)
Com isto, vai ficando cada vez mais
transparente a genialidade hobbesiana ao
mostrar-nos uma abordagem ampla sobre a
correlação entre lei natural e lei civil. A lei
natural (preservação da paz) é a gênese do
Estado e das leis civis. Contudo, apresenta-se
demasiadamente
genérica
e frágil, onde
somente a lei civil, ditada pelo soberano e
imposta pelo Estado, é capaz de concretizar um
Direito.
Por fim, é válido também lembrar, bem como
afirma Bobbio, que o estudo do direito enquanto
ciência requer muita cautela, pois o direito
positivo exprime o real e é exatamente o que a
ciência exige do cientista, ou seja, que não faça
qualquer juízo de valor para a apreensão da
realidade, devendo ser objetiva. De tal forma
que se estuda a legislação estatal sem
demonstrar preocupação com a ideia de justiça,
ou seja, restringindo-se ao que concerne a sua
validade. Os valores, bem como o ideal de
justiça, não devem, segundo sua visão, ser
escopo da ciência jurídica, mas sim da
sociologia, política ou da filosofia do Direito.
Sobre tal divisão de papéis, é colocado o
seguinte:
O cientista moderno renuncia a se pôr diante da
realidade com uma atitude moralista ou metafísica,
abandona a concepção teleológica (finalista) da
natureza (segundo a qual a natureza deve ser
compreendida como pré-ordenada por Deus a um
certo fim) e aceita a realidade assim como é,
procurando compreendê-la com base numa
concepção puramente experimental (que nos seus
primórdios é uma concepção mecanicista).
(BOBBIO, 2006, p. 135)
O método positivista trata de estudar o direito tal
qual é, e não como deveria ser. Contudo,
entendemos que os fenômenos jurídicos devem
ser compreendidos como uma totalidade
complexa que vai além da realidade que se
configura pelo universo da técnica e dogmática
jurídica. Por esse motivo, buscou-se relacionar
a literatura e mostrar a contribuição que pode
dar para o entendimento de algumas questões
polêmicas de outras áreas do conhecimento e
aprimorar as reflexões na área da Filosofia do
Direito. Sendo assim, far-se-á uma análise,
apenas a título de exemplo, da peça Antígona,
de Sófocles, objetivando alcançar uma visão
mais crítica do positivismo e de sua relação com
o ordenamento jurídico atual.
Resumidamente, a peça ilustra a maldição que
abate a família dos Labdácias, passando pela
famosa tragédia de Édipo e culminando em
Antígona. Já no diálogo que abre a peça o leitor
é remetido à lembrança de todo esse percurso
da maldição que se estende a todos os
membros da família até que esta esteja
totalmente “paga”. No diálogo supracitado,
Antígona procura a ajuda de sua irmã, Ismene,
para realizar um ato que ia contra a lei imposta:
enterrar seu irmão, Polinices. Não se importa
com a disposição em contrário, apenas quer
seguir aquilo que julga correto. Ou seja, logo de
início nota-se que é travado um confronto entre
Direito Natural, a busca pelo o que deve ser
feito, e Direito Positivo, respeito à norma
jurídica.
Ismene demonstra desde início que o medo a
impede de agir contra a lei de Creonte, rei de
Tebas, mesmo considerando-a injusta. Assim,
teme prestar ajuda a sua Irma, e lhe aconselha:
“Em nenhum caso se devem buscar coisas
irrealizáveis” (2001, p. 19). Mesmo assim, a
protagonista insiste em atingir seu objetivo e
adentra em uma contradição que diz respeito
tanto à moral quanto à religião, o que fica claro
quando ela própria classifica a desobediência
que pretende cometer como “santo delito”
(2001, p. 47). Evidencia-se o argumento
defendido: para Antígona, as leis divinas são
mais importantes e estão acima das lei
humanas. Creonte e Antígona, os dois
protagonistas
apresentam-se
em
franca
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oposição, ainda que estivesse lutando, em tese,
por um mesmo ideal, que seria o da justiça. No
apogeu da peça, em um diálogo direto entre
eles, a fala de Antígona é marcante:
Não foram, decerto, Zeus nem aquela que tem seu
assento entre as divindades protetoras dos mortos, a
Justiça, os que promulgaram e prescreveram tais leis
aos homens. Eu não creio que teus decretos,
escritos pela mão de um mortal, possam ser
superiores às leis não escritas e imutáveis dos
deuses. Elas não são de hoje nem de ontem, mas
são eternas, vigoram em todos os tempos e ninguém
sabe quando nasceram. Eu tinha pra mim que não
devia, por temor da arrogância de um homem,
transgredir essas leis [...] Se, portanto, o que fiz te
parece loucura e insensatez, é bem possível que
essa pecha parta da boca de um louco.
(SÓFOCLES, 2001, p. 46-47)
O conflito entre as normas estatais e valores
sócio-culturais está no pano de fundo de toda a
discussão até então. Por um lado, Creonte
argumenta a defesa da lei rígida por se tratar de
um bem para a própria polis, o que
frequentemente é utilizado ainda hoje para
justificar o monopólio legítimo do uso da força
por parte do Estado, ou seja, teria o fim maior
de assegurar a ordem social e promover o bem
comum. Por conseguinte, é em nome dessa
eficácia administrativa que Creonte invoca a
distinção entre o moral e o legal, alegando o
mesmo que Hobbes sobre o que é “legal”, ou
seja, seria a vontade que emana de quem tem o
poder para promulgar leis e impor obediência, o
que nem sempre coincide com o moralmente
justo. Essa é a separação que os positvistas
defendem fielmente. Creonte, portando, encarna
a defesa daquilo que mais tarde viria a se
chamar de Direito Positivo.
A lição que a tragédia apresenta é que se deve
agir com prudência, ou seja, medir os atos e
estar consciente de suas conseqüências. Não é
possível dizer, portanto, que a peça celebra a
vitória do Direito Natural sobre o Direito Positivo,
tendo como fim a morte de Antígona e punição
de Creonte, levando-o à ruina. Buscando
defender o que consideravam justo, ambos
pecaram em extremar suas opiniões e por não
buscarem alguma forma de conciliação. A
colisão entre os dois posicionamentos opostos é
que culmina no fim trágico.
Adotando uma posição crítica, proponho-me a
pensar Direito e Moral como duas forças que
devem dialoga, na busca de leis que se
aproximem o máximo possível ao ideal de
justiça. A peça Antígona parece indicar, no
plano jurídico, que a justiça reside justamente
no equilíbrio da balança onde, de um lado temse a moral, o Direito Natural; de outro, as leis do
Estado, o Direito Positivo.
Considerações Finais
A partir do exposto acima, pode-se alegar que
Hobbes se apresentou como pensador de ética
utilitarista, voltando esforços na tentativa de
solidificar métodos para garantir o êxito do
poder estatal, sendo o único capaz e
responsável para produzir normas jurídicas.
Com isso, deixa bases bastante sólidas para
uma futura ordem positivista.
Acredita-se que é possível estudar o Direito
enquanto fato no que diz respeito a sua forma,
ou seja, buscando neutralidade axiológica, algo
bastante difícil de alcançar na área de humanas.
Sendo esse o objetivo do positivismo jurídico,
adota como fonte do direito as leis vigentes e
costumes não contrários a elas e visa o estudo
específico desses, que possuem coatividade
obrigatória, deixando as discussões sobre o
valor de tais normas para outros ramos do
conhecimento. Mas é também característico dos
adeptos à teoria positivista crer que o direito
como
um
todo
não
possui
normas
contraditórias, ou seja, é totalmente coerente, o
que não possibilita lacunas no direito. Daí já
entramos em discordância visto que não é
possível prever todas as situações fáticas e
catalogá-las, bem como pelo fato de os valores
e regras serem mutáveis, e neste tempo de
mudança
determinadas
regras
entrarão,
inevitavelmente, em desacordo. Assim, o estudo
do Direito Positivo é explicado, em relação ao
Direito Natural:
O direito, objeto da ciência jurídica, é aquele
que efetivamente se manifesta na realidade
histórico-social; o juspositivista estuda tal direito
real sem se perguntar se além deste existe
também um direito ideal (como aquele natural),
sem examinar se o primeiro corresponde ou não
Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25 e 26 de setembro de 2012
ao segundo e, sobretudo, sem fazer depender a
validade do direito real da sua correspondência
com o direito ideal. (BOBBIO, 2006, p. 136)
Defendem também a ideia de que a
interpretação do jurista deve ser feita de modo
mecânico, visando garantir a igualdade e
neutralidade. Porém, qualquer ser humano que
julga algo tem por base seus conhecimentos,
vivências e valores, onde de fato não é possível
fazer com que não interfiram no julgamento,
mesmo se assim o quiser.
Os positivistas preocupam-se demais com a
pregada avalorização e descrição do real que
acabam não percebendo que em nada ajuda, na
prática, simplesmente ignorar os juízos de valor
e insistir em um estudo analítico da estrutura da
Ciência Jurídica. Em primeiro lugar, porque a
neutralidade nunca será atingida em uma
decisão judicial. E julgo que nem deve ser, pois
não se deve ignorar o poder que tem um juiz
para lapidar uma lei e torná-la mais justa
dependendo do caso, buscando adaptá-la à
realidade social.
Apesar de o positivismo ter se tornado base
para muitos doutrinadores posteriores à
Hobbes, outros autores criticam tais ideias por
estarem marcadas pelos limites acima citados e,
principalmente, por excessivo apego ao
formalismo, já que rejeitam qualquer valor
axiológico, reduzindo o direito a pura aplicação
de leis e não lhe atribuindo devido poder como
instrumento de defesa dos cidadãos até mesmo
contra arbitrariedades do Estado.
O direito está longe de ser considerado como
uma ciência exata. Logo, normas devem ser
produzidas e aplicadas levando sim em
consideração os valores históricos, econômicos
e políticos da sociedade que se baseia em um
ordenamento jurídico. A questão é muito
polêmica, pois é preciso dar conta de uma
realidade cada dia mais complexa, repleta de
contradições e antagonismos, pluridimensional,
onde existem das mais diversas demandas
sociais e, portanto,
não cabe mais uma
concepção simplista de neutralidade no estudo
jurídico.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, o professor
orientador Douglas Ferreira Barros, por toda
ajuda prestada e paciência com seus
orientandos. Por fim, demonstro minha gratidão
ao programa de fomento à pesquisa (FAPIC)
que me concedeu bolsa para os estudos através
da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone,
2006.
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Editora Campus, 1991.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo:
Ed. Ática, 2000.
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou Matéria, forma
ou poder de um estado eclesiástico e civil. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
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a student of the Common Laws of England.
Chicago: University of Chicago, 1971.
_______. Do Cidadão. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
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virtudes em Thomas Hobbes. São
Paulo: Edições Loyola, 2009.
PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento
do mundo: todos os passos do conceito em Max
Weber. São Paulo: Ed. 34, 2003.
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2001.
WUNENBURGER,
Jean-Jacques
&
FOLSCHEID, D. Metodologia Filosófica. São
Paulo: Martisn Fontes, 2005.
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