A escola contemporânea e a educação para a sustentabilidade: um

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A escola contemporânea
e a educação para a sustentabilidade:
um estudo comparativo de visões de
pais e professores no brasil
ELIZABETH TUNES
ELISÂNGELA MOREIRA PERACI
MESA 16
1. Introdução
A escolarização acentuada que se observa atualmente é um sintoma radical de
uma sociedade que transforma necessidades em mercadorias, conforme aponta Illich
(1973). Um forte indicador disso é a idéia de que quanto maior for o tempo de
escolarização, melhores os resultados, mesmo que não haja aprendizagem, mas
desde que se obtenham graus, diplomas ou certificados. A escola é instituição
fundamental na manutenção das ideologias do consumo e do progresso e propagadora
do mito de que o aprendizado só pode ser realizado na escola, valorizando mais a
instrução e os métodos de quantificação do que a aprendizagem. Sendo o currículo
uma mercadoria, por uma tendência típica do mercado, a escola procura aumentar
incessantemente a sua “venda”. Diante dessa pauta, no presente trabalho, examinase qual é, na atualidade, a extensão sócio-cultural do processo de escolarização,
quais são suas particularidades e como se manifesta em diferentes realidades, por
meio da comparação de visões de professores e pais de realidades sociais distintas da
cidade de Brasília, Brasil, com vistas a compreender o papel que atribuem à escola.
2. Sobre a infância e o desenvolvimento infantil
A infância é um princípio e um fato social, antes que um fenômeno natural.
Pode ser entendida como uma descrição de um nível de realização simbólica. A falta
de alfabetização, do conceito de educação e do conceito de vergonha, este no
sentido de que há fatos da vida adulta que não devem ser compartilhados com as
crianças, seriam as razões pelas quais o conceito de infância não teria existido no
mundo medieval (Postman, 1999, p. 56). Vale, aqui, lembrar que, no mundo grego,
ainda que de modo incipiente, e no mundo romano antigo, pairava um sentimento de
infância e, tanto em um quanto em outro, valorizava-se a escola. Com a queda do
império romano, houve uma restrição ao uso do alfabeto e o processo de
alfabetização deixa de ser socializado, passando a ser corporativo (corporação de
escribas). O desaparecimento da alfabetização socializada é, assim, um correlato
histórico importante do processo de desaparecimento do sentimento de infância, que
têm lugar na Idade Média.
O mundo medieval, portanto, desconhecia qualquer concepção de
desenvolvimento infantil, de pré-requisitos de aprendizagem seqüencial, de
escolarização como preparação para o mundo adulto (Postman, 1999). “A civilização
medieval tinha esquecido a paidéia dos antigos e ainda não sabia nada sobre
educação moderna” (Ariès, 1962). Com a criação e valorização do Homem Letrado,
na modernidade, começa-se a assistir ao surgimento da idéia de criança, agora,
separada do adulto porque não sabia ler nem escrever. É a escola, então, uma das
condições importantes que possibilita o fato de a criança não mais ser vista como
adulto em miniatura, mas como um adulto em formação. Tornada a infância uma
categoria social e intelectual, via escola, forjam-se os seus estágios de
desenvolvimento.
Inventada a criança como classe de pessoas e inventados, via escolarização, o
processo e a estrutura do seu desenvolvimento, passa-se a acreditar que as práticas
educativas em geral, e não apenas as escolares, existem como tal para dar conta do
ser naturalmente criança e não o contrário: o ser socialmente criança define-se pela
ambiência social que o adulto lhe oferece, isto é, pelas práticas sociais de educação,
historicamente e culturalmente condicionadas, que o mundo adulto impõe, tomandose a si próprio como parâmetro de conclusão de desenvolvimento. O processo de
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desenvolvimento, então, é descrito, teoricamente, como hierárquico, linear,
progressivo, quantitativo, uniforme (invariante), natural e, por tudo isso, previsível.
Mas a variação é um fato real que não se pode deixar de levar em consideração;
algumas crianças impõem resistência ao que se supõe ser naturalmente definido.
Surge, então, o conceito de patologia do desenvolvimento, que se coloca em
oposição àquilo que seria a norma, ao padrão “naturalmente” esperado. É essa a
visão naturalizada do desenvolvimento a que prevalece até os dias de hoje.
Uma visão de desenvolvimento antagônica a esta é inspirada na teoria históricocultural de Vygotsky (1993; 2000). Para ele, o desenvolvimento psicológico tem um
caráter não-hierárquico, não linear e não progressivo. É um processo qualitativo de
transformações e metamorfoses, que não segue sempre uma mesma direção; é,
fundamentalmente, diversificado e enraizado nas condições da vida social e tem um
caráter histórico-cultural. Daí porque apresenta resistências à possibilidade de
previsão e descarta o conceito ad-hoc de patologia.
Segundo a primeira visão, o desenvolvimento infantil segue um curso que é
naturalmente dado pelo simples fato de a criança pertencer a uma espécie
biologicamente definida, o Homo sapiens sapiens. Ao ambiente social cabe apenas
uma função de expansão daquelas funções biologicamente dadas. Há uma espécie de
programação natural que, se presentes determinadas condições ambientais, é
desencadeada. Daí porque essa visão admite a idéia de uniformização e hierarquia.
Concebe-se o desenvolvimento psicológico da criança como um processo que tem um
curso pré-definido, que ocorre em etapas que se sucedem hierarquicamente. Ele
seria equivalente ao desenvolvimento biológico, o crescimento, por exemplo. O
ambiente teria apenas a função de expandir aquilo que já está pré-determinado.
Já para a visão histórico-cultural, a cultura humana imporia uma
transformação, uma metamorfose, daquilo que é biológico em algo de outra ordem.
Ainda que a base do desenvolvimento da conduta humana seja biológica, a vida social
humana criaria condições que provocariam uma tremenda modificação no seu
psiquismo. As condições históricas simpráxicas como o aparecimento da linguagem, o
uso de instrumentos e a divisão social do trabalho constituiriam o cenário
possibilitador de transformação de um psiquismo natural, elementar, característico
de todos os outros animais em um psiquismo de caráter cultural, condicionado pelas
condições históricas forjadas na vida social concreta. Esse enraizamento do
psiquismo humano na cultura subtrai-lhe a universalidade, conferindo-lhe um caráter
histórico e uma variabilidade ímpar, de modo que muito pouco se pode afirmar sobre
sua progressão e, portanto, menos ainda, sobre sua seqüenciação.
Embora bastante imbricado nas idéias de desenvolvimento, o tema infância
contém algumas especificidades que valem realçar. Elas dizem respeito à maneira
como o lugar social da criança, os tipos de relação adulto-criança e de criançacriança aparecem na configuração dos modos sociais de conhecimento.
A literatura científica aponta pelo menos três momentos importantes na
evolução do conceito de infância. Um momento, que poderíamos denominar de
clássico, corresponderia à concepção de infância vigente, por exemplo, entre os
romanos. Os gregos prenunciaram a idéia de infância e os romanos, tomando-lhes
emprestada a noção de escolarização, superaram aquela idéia incipiente,
adicionando-lhes ingredientes que permitem nela se identificarem as raízes da noção
moderna de infância. Foram os romanos que primeiro estabeleceram uma conexão
entre a criança em crescimento e a noção de vergonha, isto é, um ser que dever ser
protegido dos segredos dos adultos (Postman, 1999). Um segundo momento é próprio
da Idade Média, em que o conceito ou sentimento de infância se fez ausente e a
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criança era concebida como um adulto em miniatura (Ariès, 1981). Isto é, ela teria
todas as possibilidades e funções adultas de forma diminutas e ainda não expandidas.
O terceiro momento, a modernidade, traria consigo um conceito, propriamente dito,
de infância e de criança. Esta passa a ter um estatuto social diferente do adulto, é
apartada deste, mas por ele orientada, guiada e protegida. A criança, então, passa a
ser vista não como um adulto em miniatura, mas como um adulto em formação, um
rascunho do adulto, conforme as palavras de Boto (2002), que acrescenta que a
representação moderna de criança é
“bastante comprometida com a idéia da insuficiência ou do caráter incompleto
da condição infantil em relação a seu almejado ponto de chegada: o ser adulto.
A criança é percebida pelo que lhe falta, pelas carências que apenas a
maturação da idade e da educação poderiam suprir. Frágil na constituição
física, na conduta pública e na moralidade, a criança é um ser que deverá ser
regulado, adestrado, normalizado para o convívio social” (p. 17).
Há quem aponte que, na contemporaneidade, estaríamos retornando a um
estágio anterior em que o conceito ou sentimento de infância não se fazia presente.
Estaria havendo, progressivamente, uma indiferenciação de criança e adulto, o que
corresponderia a uma espécie de retrocesso histórico ao momento correspondente à
Idade Média (Postman, 1999). Os indícios que dão suporte a essa hipótese seriam o
aumento assustador das taxas de crimes graves cometidos por menores de 15 anos, a
similaridade crescente entre o vestuário infantil e o adulto, o desaparecimento das
crianças nas ruas, brincando, e sua movimentação crescente em jogos altamente
organizados e comandados por adultos, de modo profissional. Mas, a evidência maior
seria o fato de a história da infância ter se tornado uma indústria importante entre
os especialistas (Postman, 1999). A preocupação súbita em registrar a história da
infância seria, em si mesma, um sinal do declínio da infância. Essa hipótese do
desaparecimento da infância e, por conseguinte, da pedagogia, é bastante instigante
e, certamente, suportada por teorias do desenvolvimento infantil que adotam uma
perspectiva naturalista. Todavia, há alguns fatos da teoria do desenvolvimento
infantil histórico-cultural que a enfraquecem.
Conforme aponta El’Konin (1972), um dos grandes equívocos das teorias
naturalistas ou evolucionistas do desenvolvimento infantil é o fato de tratarem a
criança como um indivíduo isolado que se encontra num habitat apenas circundante,
a sociedade. Além disso, e por isso mesmo, o desenvolvimento psíquico é visto
meramente como um processo de adaptação a esse habitat. A sociedade, por sua
vez, é vista como contendo dois elementos desarticulados entre si, o mundo das
coisas e o mundo dos adultos. Como conseqüência, há o desenvolvimento de dois
conjuntos fundamentalmente distintos de mecanismos adaptativos: um ao mundo das
coisas e outro ao mundo dos adultos. Segundo ele, essa seria uma das razões que
esclarecem o porquê têm-se, basicamente, dois tipos díspares de teorias do
desenvolvimento: as que se referem aos processos adaptativos da criança ao mundo
das coisas (a teoria de Piaget, por exemplo) e as que tratam de tais processos em
relação ao mundo dos adultos (a teoria de Freud, por exemplo). Visto sob essa ótica,
o desenvolvimento da criança se daria, estruturalmente, em dois processos que
correm paralelamente: um de cunho afetivo-emocional e outro, intelectual ou
cognitivo. As dificuldades de ordem lógica e epistemológica que as formulações
paralelistas trazem são inúmeras (a esse respeito, ver, especialmente, Yaroschevski,
1983), mas, por ora, basta salientar a impossibilidade que se tem de entender como
dois processos que ocorrem de forma paralela, isto é, sem interatuarem, podem
referir-se ao desenvolvimento psíquico de um mesmo ser.
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A proposta histórico-cultural para o desenvolvimento infantil articula os dois
mundos. Partindo da idéia que o homem é um ser de relação e que a psicologia
estuda o comportamento do homem social (ver Tunes e Bartholo, 2004), pode-se
dizer que não há, para a criança, um mundo das coisas em si mesmas como admitido
na teoria de Piaget, mas um mundo dos objetos sociais. Ou seja, o sentido e o
significado das coisas mundanas pode existir para o homem se, e somente se, se
constituírem numa relação social. Logo, não haveria dois processos paralelos, e
tampouco seriam de caráter adaptativo, no desenvolvimento infantil, mas sim, um
processo unificado de constituição de sentidos e significados das coisas do mundo,
numa relação social. Essa afirmação torna-se tão mais válida quando se pensa que
não há, no mundo humano, qualquer objeto que não seja social. Uma árvore ou uma
pedra já são um objeto social pelo simples fato de serem ambas nomeadas. Qualquer
objeto do mundo é apresentado ao homem por um outro homem e, portanto, logo na
origem, já é impregnado de alteridade. O interesse da criança caminha, assim, do
outro social para o objeto, num processo que pode ser resumido como se segue.
Após o nascimento, o bebê vive um longo período de dependência e intimidade
plenas com o adulto que dele cuida. Há uma predisposição ao contato com o outro
que é, inclusive, o que garante a sua sobrevivência. Os objetos que se encontram ao
seu redor interessam-lhe muito pouco se é que, de fato, exerçam sobre ele alguma
atração. É o outro que cuida dele a quem dirige grande parte de seus esforços de
atenção. É, assim, esse adulto quem irá propiciar a transição da atenção do bebê
para os objetos. Em outras palavras, o interesse do bebê pelo adulto é naturalmente
dado, mas o seu interesse pelos objetos à sua volta é socialmente constituído, sendo,
portanto, a participação das pessoas que cuidam dele primordial para desencadear o
processo de transição de sua atenção a elas em direção aos objetos (a esse respeito,
ver Tunes e Tunes, 2001).
Dito dessa forma, fica claro que a criança interessa-se pelo que o adulto faz e
pelos objetos com que este se relaciona. Desenvolvida dessa maneira a esfera de
suas necessidades-motivação pelo mundo das coisas, em seguida, passa-se ao
momento em que se desenvolve a esfera da proficiência no uso dos objetos e
instrumentos sociais. Assim, as mudanças a que Postman (1999) atribui um valor
indiciário do desaparecimento da infância podem não significar exatamente isso, mas
sim, que estão acontecendo mudanças importantes nos interesses e atividades
adultas. Essas, pelo que se disse, tenderão a ser, especularmente, seguidas pelas
crianças. Se os adultos não realizam atividades na rua, por que iriam as crianças
fazê-lo? Essa é uma diferença, aliás, muito importante entre tempos passados e
tempos atuais. A mimese do vestuário explica-se da mesma forma. As pessoas cuja
infância se passou em meados do século passado – e isso é também falado por Ariès
(1981) – com certeza, lembram-se do quanto os meninos, que usavam calças curtas,
esperavam, ansiosamente, o momento em que passariam a usar calças compridas,
como os homens adultos.
Assim, a interpretação de Postman (1999) precisa ser examinada com cuidado,
pois, uma suposta indiferenciação adulto-criança que acredita estar começando a se
fazer sentir pode não corresponder estritamente à visão de criança que se
manifestava na Idade Média e tampouco que esteja desaparecendo o sentimento de
infância. É possível que se trate, na verdade, da emergência de uma nova concepção
de criança, diferente da modernidade (adulto em formação), mas não a
indiferenciação atribuída tipicamente à Idade Média.
De fato, resultados de uma pesquisa realizada no Brasil, no âmbito da Pastoral
da Criança, (Tunes, Silva, Mamede e Thiessen, 2004) não apontam como verdadeira a
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hipótese de Postman. O que se verificou nas comunidades estudadas foi a idéia de
distinção e não de indiferenciação adulto-criança, o que demonstra que há o
reconhecimento de um lugar social próprio da infância que é diferente do adulto. Isto
é, verificou-se que os adultos admitem que a criança tem necessidades que lhes são
peculiares e que investem e se envolvem em atividades que lhes são próprias,
requerem para si cuidados e atenção diferentes daqueles que são dispensados a
pessoas de outras faixas etárias. No cotidiano das famílias, foram claramente
identificados o estatuto social diferenciado da criança e também os sentimentos dos
adultos em relação a ela. Esse reconhecimento foi constatado em todos os grupos da
pesquisa e isso, por si só, já indica que há alguma concepção de infância e não a
indistinção da Idade Média.
A separação adulto-criança é também atestada quando se examinam os tipos de
relação adulto-criança a que se referiram as participantes do estudo referido.
Quando a criança engajava-se em atividades que lhes são próprias – brincar, por
exemplo – os adultos, especialmente as mães, demonstravam orientar-se de duas
maneiras: ou participando das atividades com as crianças, sem impor-lhes restrições
adultas, ou permanecendo aparentemente alheios, sem interferir, mas vigilantes e
atentos para protegê-las no caso da sinalização de algum perigo ou ameaça. A
maioria das participantes demonstrou essa atitude.
Há, ainda, aquelas atividades que se encontram nas bordas das duas faixas
etárias – passear, por exemplo – e que as mães afirmaram que costumam realizar com
os filhos. Essas, contudo, não parecem predominar em relação às demais. Se fosse
assim, estaria sendo atestado o processo de desaparecimento da infância e da
infantilização do adulto, como quer Postman (1999), com o retorno às idéias da Idade
Média, quando crianças e adultos participavam praticamente em pé de igualdade da
imensa maioria das atividades da vida social.
Mas, seria possível pensar que o desaparecimento do sentimento de infância
estivesse em curso não por um processo de infantilização do adulto, mas por uma
precocidade da criança em relação à vida adulta, imposta, segundo Postman (1999),
de maneira intensa pelos meios de comunicação, especialmente a televisão.
Entretanto, quanto ao envolvimento das crianças em atividades adultas, o que se
notou na pesquisa citada é até mesmo uma exacerbação nas restrições a essa
possibilidade. Portanto, há, ainda, algum segredo dos adultos para com as crianças.
Assim, o que os dados daquele trabalho mostram é que os tipos de relação adultocriança apontam também com certa força para a idéia de que há alguma concepção
de criança, pelo menos naqueles grupos pesquisados.
Retomando, então, o fio da meada, se há uma distinção entre criança e adulto,
qual será a concepção de criança que vigora nos diversos segmentos sociais?
A concepção de criança como um adulto em formação, para Postman (1999) e
Ariès (1978), liga-se bastante à interferência da escola nas práticas de educação
familiar. Postman chega a atribuir à necessidade de letramento uma das condições
de emergência do sentimento de infância. Para ele, antes, era considerada criança a
pessoa que não falava e, depois, há uma extensão da infância para incluir as pessoas
que ainda não dominavam a leitura e a escrita. Nesse sentido, a invenção da prensa
por Gutenberg teria um papel decisivo por criar e difundir a necessidade do domínio
da leitura e escrita. Assim, seria considerada criança a pessoa que não dominaria
essas ferramentas culturais. Daí porque a criança seria um adulto em formação;
alguém que está sendo preparado para o domínio de tais instrumentos. A proficiência
em relação a eles é, então, o critério definidor de que a idade adulta foi atingida.
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A idéia de que a criança é um adulto em formação impõe a visão de que ela é
um sujeito de carências; alguém que é definido pelo que lhe falta e não pelo que
verdadeiramente é. Por isso, é preciso que seja sempre tutelada até que atinja os
níveis de proficiência que caracterizarão seu novo estatuto social. Entretanto, podese pensar na possibilidade de que à idéia de infância inaugurada com a modernidade
sobreponham-se outras, no desenrolar da história social. De fato, na pesquisa
mencionada (Tunes, Silva, Mamede e Thiessen, 2004), em algumas comunidades,
verificou-se que a criança é definida pelo que é. Algo que parece aproximar-se da
idéia de pessoa moral, conforme acepção definida em Lalande (1999, p.812): “Ser
individual, enquanto possui as características que lhe permitem participar da
sociedade intelectual e moral dos espíritos: consciência de si, razão, quer dizer,
capacidade de discernir o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, capacidade de
determinar por motivos pelos quais se possa justificar o valor perante outros seres
razoáveis”. Essa acepção é usada pelos grupos referidos no sentido de: “Diz-se que
um ser é uma pessoa: 10.: Quando realiza o grau mínimo de discernimento moral que
permite julgá-lo como responsável pelo que faz, estabelecer uma diferença entre os
seus atos e os efeitos de uma força mecânica ou reações de um animal puramente
instintivo e impulsivo” (Lalande, 1999, p. 813). A atribuição da autonomia com
responsabilidade como sentido do desenvolvimento traduz essa idéia. Então, para os
grupos mencionados, à pessoa é conferido o estatuto de adulto não pelo grau de
proficiência que atinge no mundo das coisas, mas pelo grau de autonomia, no sentido
moral, com que é capaz de responsabilizar-se pela vida e pelos outros, pelo grau de
autonomia atingido no mundo das pessoas. Desse modo, a dimensão ética a que se
sobrepõe o conceito de infância indica um sentimento de infância que não pode se
caracterizar por uma perspectiva futurista de educação, aquela que afirma que é
criança quem ainda não é adulto pelo grau de proficiência que demonstra em relação
às ferramentas culturais. Nesse caso, desenvolvimento significaria progressão em
relação a essa proficiência. Em oposição a essa idéia, o que se constatou foi o
reconhecimento de que a criança já demonstra uma característica adulta quando
atua com responsabilidade em relação à vida e ao outro. A perspectiva teleológica do
desenvolvimento se desfaz: importa o que a pessoa demonstra, no momento em que
age. Daí porque não se está autorizado a afirmar que há consenso absoluto na
sociedade acerca de uma idade definida a priori que indique a entrada no mundo
adulto. Sendo assim, não haveria etapas padronizadas de desenvolvimento: isso
dependeria da educação que se oferece. É o primado da ética, traduzido na
educação pelo exemplo, pelo que se vive, cotidianamente, nas relações dos adultos
com a criança. A criança, desde bem pequena, já seria plena de condições de
demonstrar-se adulta, quando encontra, na sua relação com adultos, a condição de
possibilidade de uma opção ética.
Há ainda um outro ponto. Se a necessidade de letramento foi uma das
condições históricas para a emergência do sentimento moderno de infância, o
desaparecimento deste deveria, de algum modo, ligar-se ao enfraquecimento
daquela necessidade. Contudo, o que está acontecendo parece ser exatamente o
contrário: a escola torna-se cada vez mais central e importante na vida
contemporânea, conforme ilustram os resultados que obtivemos em uma pesquisa
que realizamos em algumas escolas da cidade de Brasília, DF, Brasil.
Para a coleta de dados, foram formados três grupos de discussão com agentes
educacionais (professores, pedagogos e orientadores educacionais) e três de pais de
alunos na faixa etária de 7 a 11 anos de idade, de escolas públicas da periferia da
cidade e de escolas particulares. Os participantes compõem, assim, dois grupos
sócio-economicamente distintos.
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3. A centralidade da escola na vida contemporânea e sua vinculação ao
mercado de trabalho
Os resultados obtidos permitiram verificar que, nas visões dos participantes
(agentes educacionais e pais) sobre a escola contemporânea, independentemente do
extrato sócio-econômico a que pertencem, destacaram-se os seguintes pontos: o
anacronismo da escola; suas funções de segregação, padronização e afirmação das
carências da criança; sua regulação pelo mercado, e a responsabilidade pela
educação moral e ética da criança.
Ao se interpretar o modo como os pais percebem a atuação da escola,
verificou-se que, para eles, a escola está atrasada em seus métodos e não
acompanha as exigências do mercado de trabalho. De um lado, afirmam que as
disciplinas básicas exigidas nos currículos escolares já não são mais suficientes para
atender às demandas do mercado. De outro, sinalizam que a escola está alienada do
dia-a-dia da criança, devido ao anacronismo de seus métodos.
Os agentes educacionais, por sua vez, entendem que as condições
econômicas, burocráticas e de infra-estrutura seriam as responsáveis pelo
anacronismo da escola. Do mesmo modo que os pais, indicaram que o ensino
oferecido pela escola não atende ao que é exigido pelo mercado de trabalho,
especialmente pela falta de recursos didáticos e de computadores necessários para
esse ajuste.
Ambos os grupos de participantes, portanto, filiam a escola ao mercado de
trabalho, permitindo inferir que, para eles, a criança deve ser preparada,
profissionalmente, na escola, desde pequena. Entendem, pois que o mercado
profissional deve ser o marco regulador do funcionamento da escola.
Segundo os pais, a escola é responsável por separar a criança da sociedade.
Afirmam também que a escola tem função segregadora: do mesmo modo que a
sociedade divide-se em pobres e ricos, a instituição escolar permite a separação das
pessoas em possuidoras e não possuidoras de diploma. Ainda, acreditam que ela tem
uma função padronizadora, ao renunciar ao trabalho com as diferenças individuais,
criando, assim, duas classes de alunos: os que estão na média e os que estão fora
dela.
Diferentemente dos pais, os agentes educacionais afirmam trabalhar
respeitando a diversidade de cada criança. Ao mesmo tempo, contudo, admitem que,
em casos de problemas de aprendizagem ou de comportamento, a causa encontra-se
no próprio aluno ou nos seus pais. Para eles, devido à inserção das mães no mercado
de trabalho, a alfabetização já não é a única função da escola, que é forçada a
assumir a responsabilidade pela educação moral e ética da criança. Ao contrário
disso, os pais afirmam que essa formação da criança deve ser dada em casa, cabendo
à escola, nesse ponto, apenas uma função auxiliar. Mas, segundo percebem, essa
parceria não tem ocorrido, pois os professores, com seus exemplos e atitudes
contrárias às da família, colaboram para a deseducação de seus filhos.
Embora haja diferenças em pontos de vista de pais e de agentes educacionais, os
resultados mostraram que há um ponto central de convergência entre os dois grupos
de participantes. Ambos compartilham a idéia moderna hegemônica de criança como
um adulto em formação. Além disso, restringem um pouco essa idéia ao equivaler o
ser criança ao ser aluno, isto é, um adulto em contínua formação escolar, que é
profissionalmente preparado, desde pequeno, para o mercado de trabalho. Isso
confere à escola uma centralidade importante no espaço de vida da infância-
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adolescência-juventude, dando força à vinculação da escola ao mercado de trabalho,
numa perspectiva mercantilizada do processo de escolarização. Essa vinculação cria e
mantém a função segregadora e padronizadora da escola, o que, a nosso ver,
distancia-se da idéia de educação para a sustentabilidade, uma vez que esta,
necessariamente, aponta para a conservação da diversidade de formas de vida e de
culturas.
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ELIZABETH TUNES
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – BRASÍLIA, DF – BRASIL
ELISÂNGELA MOREIRA PERACI
UNICEUB - BRASÍLIA- DF - BRASIL
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