ALCIDA RITA RAMOS Universidade de Brasilia Há 14 anos nasceu o Anuário. Ao longo dessa década e meia a sua feitura tem sido o produto, ano a ano, de um trabalho essencialmente artesanal, sem recursos nem local ou estrutura próprios. Cada volume é o resultado do esforço mais ou menos heróico de uns poucos antropólogos que investem muito de seu tempo e energia no recrutamento de trabalhos, na seleção de textos, na unifor­ mização editorial, na correção de provas, para terem, enfim, a satisfação de ver impressa, a cada ano que passa, uma parte da expressão antropológica gerada principalmente no Brasil. A vontade de criar uma revista anual de antropologia surgiu do professor Roberto Cardoso de Oliveira durante sua permanência na Universidade de Bra­ sília, de 1972 a 1985. O contexto intelectual e acadêmico que serviu de terreno para semear a idéia do Anuário foi, sem dúvida, a implantação, um após outro, dos cursos de pós-graduação no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade de Brasília, ambos fruto da iniciativa e entu­ siasmo de Roberto Cardoso de Oliveira. Esses cursos, sementeiras de futuros antropólogos, passaram a formar um número cada vez maior de profissionais em plena produção de resultados de pesquisas e de reflexões várias sobre a teoria antropológica em suas muitas ramificações. Era necessário dar escoa­ mento a essa produção. O Anuário veio contribuir para ampliar os canais desse escoamento, repartindo com outras publicações (Revista de Antropologia, do Museu Paulista, Dados, os boletins do Museu Nacional e do Museu Goeldi, en* Uma versão mais longa destas reflexões foi apresentada no Simpósio “ Revistas cientificas latinoamericanas y la question de la difusión del conocimiento” , durante o 46s Congresso In­ ternacional de Americanistas, Amsterdam, 4-8 de julho de 1988. Agradeço a Mariza Peirano e Bruce Albert pelo olhar critico que lançaram a este trabalho. Anuário Antropológlco/88 Editora Universidade de BrasfHa, 1991 tre outras) o privilégio de colher uma parcela considerável dos frutos de uma safra crescente de antropólogos dedicados à pesquisa e ao ensino. O velho anseio de Cardoso de Oliveira de criar no Brasil uma espécie de Annêe Sociologique passou a se realizar a partir de 1976, com o primeiro volume do Anuário Antropológico. A revista encontrou em Tempo Brasileiro, sediada no Rio de Ja­ neiro, uma editora solidária e disposta a empreender essa aventura editorial. A intenção era abrir um espaço não apenas para a publicação regular da produção acadêmica, mas também um fórum de debates, através de extensos artigos-resenhas que focalizassem as principais obras publicadas no ano, tanto no Brasil como no exterior. Para isso, foi criada uma divisão de critica com vá­ rias seções que mais tarde foram suprimidas para dar lugar a um formato me­ nos compartimentalizado. Esse debate nunca chegou a ser o traço principal da revista; as criticas, com poucas exceções, não têm gerado respostas ou argu­ mentos polêmicos, e o debate como tal continua sendo um desideratum pouco realizado. Revista de cunho essencialmente acadêmico, o Anuário é dirigido a uma platéia especializada em ciências sociais, particularmente, em antropologia. Sem desmerecer os esforços de outros periódicos similares, creio que é justo dizer que o Anuário é atualmente a revista mais regular em antropologia, apesar dos problemas crônicos que acarretam grandes atrasos na sua publicação e di­ ficultam a sua divulgação. Ao longo de seus dez primeiros volumes (referentes aos anos 1976 a 1985), a tentativa tem sido sempre de captar trabalhos de qua­ lidade advindos de vários pontos do pafs e de outros países. A tabela abaixo mostra a diversidade de pontos de origem das contribuições, entre artigos, re­ senhas e outros estilos de expressão disciplinar. Afiliação institucional dos colaboradores do Anuário no Brasil 1976-1985 Universidade de Brasilia (UnB) Museu Nacional (Rio de Janeiro) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Universidade de São Paulo (USP) Universidade Federal da Bahia (UFBa) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Universidade Federal do Pará (UFPa) Museu Emilio Goeldi (Belém) 72 45 11 7 5 3 3 3 IUPERJ (Rio de Janeiro) Instituto de Ciências Sociais (Rio de Janeiro) Ministério da Educação Outros 2 2 2 10 N.B.: Estão incluídos aqui estrangeiros residentes no Brasil. Origem nacional dos colaboradores estrangeiros do Anuário 1976-1985 Estados Unido México Peru Inglaterra 15 4 2 A concentração de trabalhos provenientes da Universidade de Brasilia e do Museu Nacional reflete as circunstâncias de origem do Anuário referidas acima: o fato de as duas instituições terem seus programas de pós-graduação forte­ mente associados, graças ao papel que Roberto Cardoso de Oliveira desem­ penhou em ambas e ao fato de que vários antropólogos da UnB estudaram e trabalharam anteriormente no Museu. Como diretor do Anuário, Cardoso de Oli­ veira congregou colegas com os quais trabalhava ou havia trabalhado em es­ treita colaboração. Esses colegas - Julio Cezar Melatti, Otávio Velho, Roque Laraia, Roberto Da Matta, Gilberto Velho, Mariza Peirano, Lia Machado e eu mesma - compusemos (alguns ainda compõem) a Comissão de Redação e a Secretaria Geral, esta última encarregada do trabalho editorial propriamente di­ to. Enquanto o Conselho Editorial é composto de profissionais de 12 instituições nacionais diferentes, a Comissão de Redação e Editoração esteve concentrada na UnB e no Museu Nacional até 1986. A partir daf, com a transferência de Cardoso de Oliveira para a UNICAMP, o Anuário passou a ser administrado inteiramente por antropólogos da Universidade de Brasilia, sempre mantendo a diretriz de publicar trabalhos de profissionais de todo o pafs. Quanto ao exterior, a presença marcante de antropólogos norte-americanos ou residentes nos Estados Unidos é, em grande medida, conseqüência do contato multivariado que os membros da equipe responsável pela realização do Anuário mantêm com colegas daquele país, o que decorre, em parte, do fato de que vários de nós fizemos pós-graduação nos Estados Unidos. Não deixa de ser surpreendente que, apesar da inclinação e da vontade de publicar trabalhos provenientes de outros pafses da América Latina, a contribuição de colegas desses pafses tem sido irrisória. Nos dez primeiros volumes do Anuário foram publicados oito ensaios, 52 artigos - numa média de cinco artigos por volume - , sete conferências, quatro projetos, três seminários, 101 artigos-resenhas na seção de critica - numa mé­ dia de dez por volume além de editoriais, depoimentos e homenagens oca­ sionais, incluindo cinco homenagens póstumas na seção In Memoriam. Focali­ zarei aqui o teor dos artigos, ensaios, projetos, seminários e conferências. Ex­ cluo os artigos-resenhas, pois refletem mais as obras sobre as quais comentam do que os trabalhos que compõem a produção do Anuário propriamente dita. Analisando o conteúdo desses artigos, ensaios, etc., encontramos uma gama de temas que podem ser recortados de várias maneiras. Optei por fazer um intercruzamento entre dois grandes cortes: tópicos e problemáticas. Devo enfati­ zar, porém, que esses cortes não são estanques, de modo que o mesmo artigo, ensaio, etc., pode aparecer no cómputo de tópicos e de problemáticas. Por tó­ picos refiro-me a grandes áreas empíricas de investigação, como sociedades camponesas, sociedades indígenas, minorias, etc. Sob o rótulo algo complicado de ‘problemáticas’ incluo assuntos que atravessam os tópicos e que lhes dão foco teórico, metodológico ou temático, como, por exemplo, cosmología, paren­ tesco, mudança social, etc. Vejamos nas tabelas abaixo quantas vezes esses tópicos e problemáticas aparecem nesses primeiros dez volumes do Anuário, excluídas as críticas. Freqüência de tópicos no Anuário Antropológico 1976-1985 Meta-antropologia Campesinato Etnologia indígena Estudos urbanos Estudos sobre negros 12 12 11 8 3 Por ‘meta-antropologia’ refiro-me a trabalhos cujo objeto de análise é o tra­ balho de antropólogos e de outros pensadores sociais ou a produção intelectual de grupos ou instituições profissionais. São estudos críticos de estudos de an­ tropologia. Freqüência de problemáticas no Anuário Antropológico 1976-1985 Indigenismo/contato interétníco Organização social/parentesco Cosmologías Etnicidade/identidade étnica Família Mudança socioeconómica Sistemas de classificação Dinâmica regional Epistemología da antropologia Nominação Pensamento político Sistemas de conhecimento Etnohistória Antropologia médica Ritos sociais 9 9 9 8 6 6 6 5 5 3 3 3 2 1 1 Fica, pois, muito claro que algumas temáticas têm tido lugar privilegiado nas páginas do Anuário. Surpreendentemente, aquilo que chamo de ‘meta-antropologia' é um dos tópicos mais freqüentes. São reflexões sobre autores clás­ sicos da disciplina, sobre comparações e contrastes entre abordagens de an­ tropólogos, filósofos, sociólogos, historiadores, sobre facetas pouco conhecidas de autores muito conhecidos, ou sobre a personalidade institucional de entida­ des profissionais. Esta ênfase na produção intelectual da disciplina talvez reflita o que parece ser uma insistência nacional sobre a necessidade de ‘fazer teoria’, de recorrer ao ‘teórico’ para não cair no ‘puramente empfrico’. O estigma que envolve o fazer descrição ‘pura e simples’ talvez seja o responsável pela preo­ cupação de teorizar, seja sobre camponeses, seja sobre índios, seja sobre os próprios antropólogos. Uma descrição, por mais densa que seja, não parece satisfazer os anseios do pensamento antropológico, ou mesmo social, brasilei­ ro. Os estudos sobre sociedades camponesas têm focalizado problemáticas que vão desde o processo de assalariamento do camponês, a sistemas alta­ mente complexos de conhecimento encontrados em populações rurais, à orga­ nização de relações de família e de trabalho. Nesses dez volumes, o campesi­ nato está presente em 12 contribuições, dentre as quais os resultados de um seminário realizado em 1981 na Universidade de Brasilia ao longo de vários meses e quatro projetos de pesquisa: dois em 1976, um em 1978, o quarto em 1979. Dentre os tópicos é o mais presente nos dez primeiros anos de publica­ ção da revista. Depois da meta-antropologia e do campesinato são os estudos de etnolo­ gia indígena que comparecem mais vezes nos volumes do Anuário. Com 11 contribuições, esse tópico aborda problemáticas também muito diversas: siste­ mas políticos, de nominação, de parentesco, cosmologías, sistemas de conhe­ cimento e várias outras manifestações do universo simbólico indfgena. E preci­ so notar, contudo, que uma grande área dos estudos indígenas está contida nas rubricas ‘indigenismo/contato interétnico’, com nove trabalhos publicados, e ‘etnicidade/identidade étnica’, com seis. Aqui, ao contrário da ênfase em socieda­ des indígenas especificas, as análises recaem sobre a problemática do contato como tal. A presença indígena no Anuário Antropológico é, portanto, notável e merece uma reflexão mais detida, à q tal voltarei mais adiante. Enquanto estudos sobre camponeses e índios perfazem um total de 48 tra­ balhos, os estudos urbanos e sobre negros mal ultrapassam a dezena. Tam­ bém aqui poder-se-ia tecer algumas considerações que podem ajudar a escla­ recer a escassez de escritos sobre esses dois tópicos do Anuário, embora ad­ mitindo desde já o caráter francamente impressionista de tal tentativa. Abordarei essas questões mais abaixo, ao falar da presença da antropologia brasileira nas páginas do Anuário. Os demais assuntos, de parentesco a etnohistória, são abordados tanto de maneira descritiva, como de pontos de vista predominante­ mente epistemológicos. Algumas ausências notáveis - estudos de ecologia cultural, cultura mate­ rial, antropologia do direito, por exemplo, além de antropologia biológica e ar­ queologia - conferem, tanto quanto as presenças constatadas, o caráter que o Anuário tem assumido em sua primeira década de vida. É uma revista que atrai um certo tipo de temas e um número limitado de abordagens. Até que ponto ele é representativo da antropologia no Brasil é o que tentaremos ver a seguir. Dez anos é, sem dúvida, um período muito curto para se fazer uma avalia­ ção segura de algo que pretende alcançar uma razoável longevidade. E muito pouca diacronia para uma sincronia sólida. Mesmo reconhecendo a temeridade que acompanha o exercício em caracterizações deste tipo, arrisco umas pou­ cas sugestões que me foram apontadas, a maioria delas pelo exame do con­ teúdo de cada volume do Anuário e pelo esforço de apreender a sua primeira década de existência como uma totalidade reveladora, quem sabe, da antropo- logia que se pratica no Brasil, embora, naturalmente, para se traçar um perfil da antropologia brasileira fosse necessário esquadrinhar todas as revistas e livros publicados aqui. Em primeiro lugar, o que significa a recorrência de certos temas nos dez volumes aqui examinados? Por um lado, a continuidade de tópicos como cam­ pesinato e sociedades indfgenas e de problemáticas como indigenismo, paren­ tesco, cosmologías, etnicidade etc., parecem estar indicando uma sedimenta­ ção que pode ser interpretada como um conservadorismo estagnante, avesso a inovações, ruminando assuntos já ultrapassados. Mas também pode ser vista como indicação de uma busca de maturação que não se deixa impressionar por modismos. Ao contrário do que de vez em quando se ouve nos bastidores da academia ou até nos cadernos ilustrados dos jornais de domingo, a evidência mostrada pelo Anuário vai no caminho inverso ao das impressões que vêem na atividade intelectual brasileira em geral, e na antropologia em particular, um exercício em rápidas trocas sucessivas de roupagens teóricas que envelhecem antes de se moldarem ao corpo pensante. A suposta alta rotatividade de modas acadêmicas parece não ocorrer nas páginas do Anuário, pelo menos com a es­ pantosa rapidez da obsolescência instantânea. Essa continuidade temática pode estar ligada a uma outra dimensão que reputo extremamente importante na caracterização da antropologia brasileira, pelo menos em algumas de suas manifestações, notadamente, nos estudos de campesinato e de sociedades indígenas. Refiro-me ao engajamento com que esses temas têm sido tratados pelos antropólogos brasileiros, engajamento es­ se que revela já na própria abordagem das problemáticas escolhidas uma pos­ tura politicamente definida e uma preocupação de manter a responsabilidade social dos antropólogos para com seus objetos de pesquisa. Para que uma postura engajada tenha conseqüências éticas, políticas e morais, ela precisa ter um mínimo de persistência e continuidade. A solidez de trabalhos acadêmicos é o que dá respaldo a ações esclarecidas. Isso não quer dizer que para se ser coerente ética e politicamente é preciso estagnar na teoria. O que significa é que a volubilidade nunca foi sustentação para a congruência ética, política ou qualquer outra sobre questões que envolvem o papel do pesquisador face aos seres humanos esmiuçados por suas investigações. Transformações ocorrem, inevitavelmente, quando se buscam novas formas de explorar o que ainda não se conhece ou de ver com novos olhos o que já, de tão familiar, se tornou invisível. E possível que tal interpretação dessa faceta conservadora do Anuário não seja mais do que uma manifestação de wishful thinking de minha parte. No en­ tanto, em meio a modismos intelectuais, a gurus que entram e saem da cena acadêmica, é de se perguntar por que permanecem esses temas. Modas de dez anos já começam a enveredar pelo terreno do permanente, bem entendido, dentro da transitoriedade necessária do devir histórico de qualquer disciplina. Um segundo ponto passível de especulação à guisa de explicação referese aos temas pouco representados no Anuário ou totalmente ausentes. É muito difícil saber, por exemplo, por que não foram publicados mais artigos sobre so­ ciedades urbanas. Os que foram concentram-se em problemáticas como orga­ nização social, família, parentesco, ritual. Temas como periferia, violência, mo­ vimentos operários e outros recorrentes em centros urbanos estão virtualmente ausentes, exceto nas seções de critica onde são resenhados livros sobre es­ ses assuntos. Uma possível razão dentre muitas outras pode estar ligada ao fato de que o estudo desses temas está concentrado em alguns centros que têm contribuído pouco para o Anuário. Por exemplo, a Universidade de São Paulo, grande produtora de pesquisas sobre violência urbana, problemas da pe­ riferia, discriminação racial, está representada com apenas sete contribuições nos dez primeiros volumes. Obviamente, esta ausência temática no Anuário não reflete, de modo algum, o que ocorre na antropologia brasileira como um to­ do. A opção de publicar os resultados dessas pesquisas em outras revistas ou em forma de livro é evidente na quantidade de trabalhos em circulação e que o Anuário tem registrado, em certa medida, na forma de críticas. Cito a USP apenas como ilustração, mas não me restrinjo a ela neste comentário sobre a interessante divisão de trabalho editorial que parece existir nos meios antropo­ lógicos nacionais. Par a par com a ‘veia conservadora’ do Anuário, se assim posso dizer, existem tendências em fluxo que refletem o estado da arte nos centros interna­ cionais de difusão mais ativos. Uma dessas tendências é trabalhar a interface de disciplinas afins à antropologia - o que se tem chamado de “ interdisciplinaridade” — como a psicanálise, a filosofia, a história, a sociologia. Outra tendência é acentuar o sabor interpretativo nas análises de certos temas; um dos princi­ pais é o que chamo aqui de meta-antropologia. Na busca de compreensão so­ bre alguns pensadores sociais, como Weber, Nietzche, Durkheim, Florestan Fernandes, Louis Dumont, e das conseqüências que suas trajetórias intelec­ tuais tiveram ou têm para o desenvolvimento da antropologia, predomina o re­ curso à interpretação mais do que à formalização. Artigos sobre meta-antropo­ logia começaram a aparecer no Anuário a partir de 1982 (se excluirmos uma crítica de 1980), quando florescia nos Estados Unidos a discussão sobre antro­ pologia interpretativa. Com esse instrumento de reflexão velhos temas come­ çam a ser revelados em novas soluções precipitadoras de facetas que antes eram ignoradas ou mal focalizadas. Não deixa de surpreender a grande investi­ da de estudos sobre estudos da disciplina, que em quatro números do Anuário (82-85) chegaram a nada menos que uma dúzia. Também aqui, não me parece que o Anuário seja muito representativo do que ocorre com a antropologia no pafs. Uma questão que vem suscitando algum interesse na disciplina ê a insis­ tência histórica de estudar ‘em casa’ (às vezes, literalmente) populações ru­ rais, populações urbanas, populações indígenas, mesmo que as últimas se en­ caixem com grande desconforto nessa suposta domesticidade metodológica. Recorrendo mais uma vez aos números para ancorar ou desalojar impressões, constato que, dos 66 trabalhos referentes ao Brasil nos dez primeiros volumes do Anuário, 14% foram escritos por estrangeiros não-residentes no Brasil, en­ quanto que, dos 17 que têm seu objeto fora do pafs, cinco, ou seja, 30% foram escritos por brasileiros. Por surpreendentes que sejam, esses números não devem dar a impressão de que todos os cinco artigos escritos por brasileiros sobre temáticas estrangeiras são resultados de pesquisas fora do país. Três fo­ ram realizadas in loco e duas foram feitas com fontes bibliográficas. Por mais tênues que sejam, esses dados apontam para uma tendência à ‘expatriação’ na antropologia nacional; alguns colegas da terra começam a se espraiar para além-mar e além-equador - Estados Unidos, França, índia, África, Japão - em ainda tímidas sortidas a outras alteridades.