UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
Claudia de S. Thiago Ragon
A CONTRIBUIÇÃO DO ATENDIMENTO A PACIENTES ESPECIAIS
NA FORMAÇÃO INTEGRAL DO CIRURGIÃO-DENTISTA:
um estudo de representações sociais
Rio de Janeiro
2015
Claudia de S. Thiago Ragon
A CONTRIBUIÇÃO DO ATENDIMENTO A PACIENTES ESPECIAIS
NA FORMAÇÃO INTEGRAL DO CIRURGIÃO-DENTISTA:
um estudo de representações sociais
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos
em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como requisito para a obtenção do Título de
Doutor em Saúde Coletiva.
Orientadores: Prof. Dr. Luiz Fernando Rangel Tura
Prof. Dra. Ivani Bursztyn
Rio de Janeiro
2015
R144
Ragon, Claudia de S. Thiago.
A contribuição do atendimento a pacientes especiais na graduação
na formação do cirurgião-dentista: um estudo de representações sociais /
Claudia de S. Thiago Ragon. – Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Estudos
em Saúde Coletiva, 2015.
188 f.: il.; 30 cm.
Orientador: Luiz Fernando Rangel Tura.
Co-orientador: Ivani Bursztyn.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro / Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva, 2015.
Referências: f. 150-166.
1. Saúde bucal. 2. Representações sociais. 3. Educação em odontologia.
4. Pessoas com deficiência. 5. Pacientes. I. Tura, Luiz Fernando Rangel.
II. Bursztyn, Ivani. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva. IV. Título.
CDD 362.1976
Claudia de S. Thiago Ragon
A CONTRIBUIÇÃO DO ATENDIMENTO A PACIENTES ESPECIAIS
NA FORMAÇÃO INTEGRAL DO CIRURGIÃO-DENTISTA:
um estudo de representações sociais
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos
em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como requisito para a obtenção do Título de
Doutor em Saúde Coletiva.
Aprovada em:
________________________________________________________________
Professor Doutor Luiz Fernando Rangel Tura – (UFRJ)
________________________________________________________________
Professora Doutora Ivete Pomarico Ribeiro de Souza – (UFRJ)
________________________________________________________________
Professora Doutora Ângela Maria Silva Arruda – (UFRJ)
________________________________________________________________
Professora Doutora Diana Maul de Carvalho – (UFRJ)
________________________________________________________________
Professora Doutora Rosângela Gaze– (UFRJ)
________________________________________________________________
Professora Doutora Ivani Bursztyn – (UFRJ) Suplente
________________________________________________________________
Professora Doutora Sandra Regina Torres – (UFRJ) Suplente
A você, meu pai Nilton S. Thiago
Educador incansável,
Que acreditou quando ninguém acreditava
Que sonhou quando tantos desistiram
Que apoiou quando a maioria abandonava
Que trouxe para a nossa casa os que eram excluídos
Que forjou em nós o cimento da resistência
O núcleo duro da coragem,
Para nunca desistirmos da opção do amor!
Dedico esse trabalho
Agradecimentos
Ao querido prof Luiz Fernando Rangel Tura, educador de vocação humanista, que com
competência e segurança orientou-me nos caminhos da pesquisa, aguardando com
tranquilidade e sabedoria o despertar da reflexão, muitas vezes ensinando mais com
silêncios do que palavras, com atitudes do que teorias, entregando-se por inteiro a tarefa
de propiciar a conquista do conhecimento.
A professora Ivany Bursztyn pela convivência prazerosa e edificante, contribuindo de
forma inequívoca para a construção desse trabalho.
As professoras Ângela Arruda, Diana Maul, Rosângela Gaze e Ivete Pomarico Ribeiro de
Souza integrantes da banca examinadora que desde a qualificação contribuíram
gentilmente na construção dessa pesquisa, com suas reflexões precisas, pertinentes e
sempre enriquecedoras.
A professora e amiga Sandra Regina Torres, que com presteza e gentileza aceitou fazer
parte da banca examinadora contribuindo com sua experiência para o aprofundamento
dessa pesquisa, além de toda compreensão e carinho que propiciaram as condições
necessárias para que eu pudesse finalizar esse trabalho.
Aos colegas e amigos Iná, Hélber e Júlio pela convivência prazerosa e edificante, pelos
diálogos e trocas incessantes que deixaram marcas em todas as fases desse trabalho
em especial ao Júlio por sua contribuição imprescindível na análise e interpretação dos
resultados sem a qual eu não teria conseguido finalizar esse estudo.
A equipe do meu coração capitaneada pelo Prof Roberto Elias, meu mestre e amigo Carmem, Lúcia, Viviane, Ellen – razão desse trabalho, que despertaram e solidificaram
em mim a escolha desse caminho.
Aos amigos e companheiros de trabalho na UFRJ, Michelle, Édila, Arley, Marisa, Sílvia,
Maria Luiza, Milka e Márcia pelo incentivo e apoio na condução dessa pesquisa.
Aos alunos e amigos, Graziela, Renata, Mara e Rafael, pela convivência prazerosa e
enriquecedora que muito contribuiu nas reflexões para a finalização desse estudo.
Ao coordenador da Pós graduação da Faculdade de Odontologia da Unigranrio Prof.
Edson Jorge Lima Moreira, pelo apoio e incentivo imprescindíveis propiciando as
condições para que eu pudesse realizar esse trabalho.
As alunas de Iniciação científica Natália, Mariana Carius e Mariana Perdomo pelo apoio,
carinho e empenho com que se dedicaram as diferentes fases da pesquisa, em especial
a Mariana Perdomo que mesmo ao término da sua bolsa continuou contribuindo com seu
trabalho para a finalização desse estudo.
Ao secretário de saúde do município de Petrópolis Dr. André Pombo, ao coordenador da
atenção básica Dr. José Amaro e a diretora do departamento de odontologia Dra. Patrícia
dos Santos pelo apoio, carinho e compreensão para que eu pudesse desenvolver esse
trabalho.
A Profª Maria de Lourdes Rangel Tura pelo carinho e gentileza com que me recebeu em
sua casa, e a Fiinha pelos almoços e cafezinhos que nos encheram de ânimo para
trabalhar.
A Elaine e Ana Lúcia, companheiras de trabalho e de vida, sempre presentes me
ajudando e dando força, para que eu consiga administrar a vida e realizar o que me
proponho a fazer.
Ao Luiz meu marido e companheiro, e aos nossos filhos Maria Beatriz, Anita e Luiz
Gabriel pela compreensão, apoio e sacrifícios que fizeram, me dando o suporte
necessário para que eu pudesse, mesmo nos momentos mais difíceis, não desistir na
realização desse sonho. A vocês todo o meu amor.
A minha mãe Helena que agora sem a presença física do meu pai, continua sendo esse
jequitibá frondoso que nutre com sua seiva e acalenta com sua sombra a todos nós, cujo
desprendimento, carinho e ajuda imprescindíveis permitiram que eu pudesse concretizar
esse trabalho.
A minha sogra, Odete, que mesmo a distância, doando-se como sempre ao próximo,
propiciou as condições necessárias para que eu tivesse tranquilidade para poder me
dedicar à conclusão dessa pesquisa.
A Anita Leocádia Prestes, referência de vida e de pesquisadora, pelo incentivo,
solidariedade e companheirismo que sempre tem conosco, dando-nos o apoio necessário
para que possamos realizar nossas metas e sonhos.
Aos meus irmãos, todos os doze, sobrinhos e sobrinhas, por toda a ajuda que sempre
tive de todos, pelo carinho com os meus filhos como se fossem os seus e por ter a certeza
de que entre nós a vitória de um é a vitória de todos.
Aos amigos Simone e Dante, que acolhendo meus filhos com o carinho e atenção de
sempre, propiciaram-me a tranquilidade necessária para a finalização desse trabalho.
A Lívia Foster amiga de todas as horas que com disponibilidade e carinho ajudou-me na
revisão final desse estudo.
A Luiza, Marcelo, Lara e Fernanda, vizinhos e amigos que acolhendo meus filhos com
carinho e gentileza muito me ajudaram na conclusão desse trabalho.
Aos alunos, que no decorrer desses 16 anos, consolidaram em mim a certeza de que
quando a educação é comprometida com a vida, ela pode ser transformadora para
educadores e educandos, num movimento de renovação libertadora.
E um agradecimento especial aos nossos pacientes, fonte de inspiração dessa pesquisa,
que com suas “deficiências” nos mostram como precisamos ampliar nossa visão de
mundo, nosso tato para as relações cotidianas, nosso gosto pela vida, nosso olfato para
os cheiros da natureza e nosso sentimento de pertença a essa humanidade tão diversa
e ao mesmo tempo tão essencialmente igual.
RESUMO
RAGON, Claudia de S. Thiago. A contribuição do atendimento a pacientes especiais
na formação integral do cirurgião-dentista: um estudo de representações sociais
2015. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
Para entender as resistências relacionadas ao atendimento inclusivo de pessoas com
deficiências na odontologia objetivou-se apreender, analisar e comparar as
representações sociais sobre pacientes especiais construídas por alunos do 1º/2º e 8º
períodos de graduação de odontologia de uma universidade privada-RJ, no período de
2011-2014, visando dois momentos na formação desses alunos: antes e após cursarem
a disciplina de pacientes com necessidades especiais. Foi desenvolvido um trabalho
fundamentado na teoria das representações sociais na tradição moscoviciana, utilizandose do recurso da triangulação, iniciando-se com um processo de observação, seguido da
utilização das abordagens estrutural e processual. Inicialmente foi aplicado um
questionário semi-estruturado contendo um teste de evocação livre com o
termo “pacientes especiais” a uma amostra de 395 alunos (67,7%). Procedeu-se a
análise da estrutura prototípica e da organização dos conteúdos, sendo identificados os
sistemas central e periférico. Cuidado foi o único elemento a confirmar centralidade em
todos os grupos estudados, acompanhado de doença nos primeiros períodos e carinho
nos últimos. Verificou-se que após a experiência do atendimento, surge uma dimensão
funcional dos elementos centrais carinho e cuidado, ancorada em aspectos
relacionados com a prática, presentes no sistema periférico desse grupo. Posteriormente
foram realizadas entrevistas com 33 alunos visando a exploração das crenças, valores,
normas, atitudes e práticas relativas ao paciente especial e deficiência, associados ao
processo de construção das representações. O corpus foi processado através da técnica
lexicográfica básica incluindo cálculo de frequência e índices de associação de palavras
e classificação hierárquica descendente, tarefa facilitada pelo uso do programa
IRaMuTeQ®. Tal procedimento gerou 5 classes agrupadas em dois eixos de sentido:
cuidado e deficiência e sociedade. A análise dos dados ressalta que de um modo geral a
ideia de integração sobrepõe-se a de inclusão, levando os discentes a um pensamento
impregnado pela ideologia da normalização, e em relação às diferenças os resultados
apontam para a influência de crenças e significantes histórica e socialmente construídos
nas representações elaboradas pelos alunos dos primeiros períodos, e o início de um
processo de mudança observado nos alunos dos últimos períodos num contraste entre
um saber influenciado por estereótipos e uma realidade próxima. Este resultado pode
estar relacionado ao contato com esses pacientes na clínica, fazendo-os repensar
atitudes e comportamentos em relação a esse grupo no meio social que estão baseados
em preconceitos que dificultam o processo de inclusão desses indivíduos.
Palavras chave: Representações sociais. Pacientes especiais. Graduação. Odontologia.
ABSTRACT
RAGON, Claudia de S. Thiago. The contribution of care for special patients in integral
formation of the dental surgeon: a study of social representations. 2015. Thesis
(Doctorate in Collective Health) - Institute for Studies in Collective Health, Federal
University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
To understand the resistance related to the inclusive care of people with disabilities in
odontology aimed to apprehend, analyze and compare the social representations over
special patients built by graduate students of the 1st / 2nd and 8th periods of Odontology
from a private University RJ- in the period of 2011-2014, aiming at two moments in the
formation of these students: before and after attending the discipline of patients with
special needs. A reasoned study was developed in the theory of social representations in
Moscovician tradition, using the triangulation resource, starting with a process of
observation, followed by the use of structural and procedural approaches. Initially it was
applied a semi-structured questionnaire with a free recall test with the term "special
patients" to a sample of 395 students (67.7%). It proceeded the analysis of the prototypical
structure, and contents organization, it was by identifying the central and peripheral
systems. Caution was the only element to confirm centrality in all groups, accompanied
by disease in the first periods and affection in the latter. It was found that after the
experience of care, arises a functional dimension of the central elements, affection and
care, anchored in aspects related to the practice, present in the peripheral system of that
group. Later interviews were conducted with 33 students aiming at exploring the beliefs,
values, norms, attitudes and practices related to special patient and disability, associated
with the construction of the representations process. The corpus was processed through
the basic lexicographical technique including frequency calculation and word association
indexes and descendent hierarchical classification, a task facilitated by the use of
IRaMuTeQ® program. This procedure generated five classes grouped in two axes of
meaning: care and disability and society. Data analysis points out that in general the idea
of integration supersedes inclusion, taking the students to a thought imbued with the
ideology of standardization, and concerning the differences the results point to the
influence of beliefs and significant historically and socially constructed on the
representations made by the students of the first period, and the beginning of a process
of change observed in the last periods students a contrast between a knowledge
influenced by stereotypes and an upcoming reality. This result may be related to the
contact with patients in the clinic, making them rethink attitudes and behavior in relation
to that group in the social environment that are based on prejudices that hinder the
process of inclusion of these individuals.
Key words: Social representations. Special patients. Graduate degree. Odontology.
LISTAS DAS FIGURAS
Figura 1 Árvore máxima de similitude dos alunos de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013
....................................................................................................................................... 78
Figura 2 Árvore máxima de similitude do 7º e 8º períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014
....................................................................................................................................... 84
Figura 3 Árvore máxima do 1º/2º períodos/2011 ........................................................... 99
Figura 4 Árvore máxima do 7º período/2014 ............................................................... 104
Figura 5 Dendograma indicativo das classes das RS de pacientes especiais construídas
pelos alunos e seus eixos correspondentes ................................................................. 140
Figura 6 Composição gráfica da estrutura das representações sociais dos alunos de
Odontologia e seus eixos norteadores, antes e após cursara disciplina de atendimento a
portadores de necessidades especiais ........................................................................ 144
LISTA DOS QUADROS
Quadro 1 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação
dos alunos de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013 ......................................................... 75
Quadro 2 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais
importantes..................................................................................................................... 76
Quadro 3 Resultado do teste de dupla negação ............................................................ 76
Quadro 4 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação
do 7º e 8º períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014 ........................................................... 82
Quadro 5 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais
importantes..................................................................................................................... 82
Quadro 6 Resultado do teste de dupla negação 7º e 8º períodos .................................. 83
Quadro 7 Elementos periféricos da representação dos alunos do 7º e 8º, segundo as
dimensões dos elementos centrais ................................................................................ 86
Quadro 8 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação
do 1º e 2º períodos/ 2011 ............................................................................................... 96
Quadro 9 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais
importantes..................................................................................................................... 97
Quadro 10 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação
do 7º período/ 2014 ...................................................................................................... 101
Quadro 11 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como
mais importantes .......................................................................................................... 101
Quadro 12 Distribuição das formas da classe 1 segundo frequência e poder de
associação na classe (X2) ............................................................................................ 109
Quadro 13 Distribuição das formas da classe 2 segundo frequência e poder de
associação na classe (X2) ............................................................................................ 115
Quadro 14 Distribuição das formas da classe 3 segundo frequência e poder de
associação na classe (X2) ............................................................................................ 120
Quadro 15 Distribuição das formas da classe 4 segundo frequência e poder de
associação na classe (X2) ............................................................................................ 125
Quadro 16 Distribuição das formas da classe 5 segundo frequência e poder de
associação na classe (X2) ............................................................................................ 131
LISTA DAS TABELAS
Tabela 1 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/Unigranrio, segundo o tipo de
necessidade especial. Período de 2011 a 2013. ............................................................ 58
Tabela 2 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/ Unigranrio, no período de 2011 a
2013, por tipo de acompanhamento profissional ............................................................ 59
Tabela 3 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas
das palavras principais do 1º e 2º períodos (2011, 2012 e 2013) .................................. 91
Tabela 4 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas
das palavras principais total dos 7º e 8 períodos (2011, 2012, 2013 2014) ................... 92
Tabela 5 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas
das palavras principais do 1º e 2º períodos de 2011 .................................................... 105
Tabela 6 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas
das palavras principais do 7º período de 2011 ............................................................. 106
SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................................... 16
Revisão de literatura ...................................................................................................... 19
1.1- Aspectos históricos e evolução do conceito de deficiência no Mundo e no Brasil
.................................................................................................................................... 19
1.2- Odontologia e pacientes especiais ...................................................................... 31
Abordagem Teórica ........................................................................................................ 41
2.1- Teoria das Representações Sociais .................................................................... 41
2.2–Abordagem estrutural .......................................................................................... 49
Procedimentos metodológicos ....................................................................................... 54
3.1- Objetivos.............................................................................................................. 54
3.1.1-Objetivo geral ................................................................................................. 54
3.1.2-Objetivos específicos ..................................................................................... 54
3.2- Estratégia de pesquisa ........................................................................................ 55
3.3-Campo da pesquisa .............................................................................................. 56
3.3.1- Clínica de Atendimento a pacientes com necessidades especiais da
Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO)-RJ ................................................... 56
3.4- Sujeitos do estudo ............................................................................................... 60
3.5- Observação participante ...................................................................................... 61
3.6- Instrumentos de coleta e análise de dados ......................................................... 62
3.6.1-Questionários ................................................................................................. 62
3.6.2- Entrevistas .................................................................................................... 66
3.7-Considerações éticas ........................................................................................... 72
Resultados e Discussão ................................................................................................. 73
4.1- Abordagem estrutural ......................................................................................... 73
4.1.1- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para
o total dos alunos do 1º e 2º períodos ..................................................................... 73
4.1.2- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para
o total dos alunos do 7º e 8º períodos ..................................................................... 80
4.1.4- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para
os alunos do 7º período do 2º semestre de 2014.................................................. 100
4. 2- Abordagem processual: representações de pacientes especiais ..................... 107
4.2.1- Descrição dos sujeitos ................................................................................ 108
4.2.2- Resultados e análise da classificação hierárquica descendente – CHD ..... 108
Conclusões................................................................................................................... 145
Referências .................................................................................................................. 150
ANEXOS ...................................................................................................................... 167
LISTA DE SIGLAS
AACD- Associação de Assistência à Criança Defeituosa
ABBR- Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação
ACNUR- Alto comissariado das Nações Unidas para Refugiados
AFR- Associação Fluminense de Reabilitação
AIDS-Síndrome de Imunodeficiência Adquirida
ALCESTE® - Análise contextual lexical de um conjunto de segmentos de texto
APAE- Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais
BPC- Benefício Assistencial de Transferência de Renda
CBEC- Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos
CD- Cirurgiões-dentistas
CFO- Conselho Federal de Odontologia
CID- Classificação Internacional das Doenças
CIDID- Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens
CIF- Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
CNSB- Conferência Nacional de Saúde Bucal
CODA- Commission on Dental Accreditation
CONADE- Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência
CORDE- Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
CPE/Unigranrio- Clínica de Pacientes Especiais da Unigranrio
DCN- Diretrizes Curriculares Nacionais
ENATESPO- Encontro Nacional de Administradores e Técnicos do Serviço Público
CEO- Centro Odontológico centros de especialidades odontológicas
EVOC®- Emsemble de Programmes Permettant l’Analyse de Évoctions
FENAPAES- Federação Nacional das Apaes
FENASP- Federação Nacional das Sociedades Pestallozi
FUNABEM- Fundação para o Bem-Estar do Menor
IAPs- Institutos de Aposentadorias e Pensões
IBC- Instituto Benjamim Constant
IBR- Instituto Baiano de Reabilitação
INES- Instituto Nacional de Educação de Surdos
INPS- Instituto Nacional de Previdência Social
IRAMUTEQ®- Interface de R pour les Analyses Multidimensionelles de textes e de
Questionaires
LBA- Legião Brasileira de Assistência
MMTs- Métodos de mineração de textos
OIT- Organização Internacional do Trabalho
Ome- Ordens Médias de Evocação
OME-Média das Ordens Médias de Evocação
OMS- Organização Mundial da Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
RS- Representações Sociais
SGTES- Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
SIMI- Similitude
ST- Classificação Hierárquica Descendente
SUS- Sistema Único de Saúde
TCLE- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TEP- Teste de evocação de palavras
TMM- Text Mining Methods
TRS- Teoria das Representações Sociais
UCIs- Unidades de Contexto Inicial
UFPE- Universidade Federal de Pernambuco
UNESCO- Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UNICEF- Fundo de Emergência das Nações Unidas para Crianças
UNIGRANRIO- Universidade do Grande Rio
16
INTRODUÇÃO
No decorrer da história, a conquista dos direitos das pessoas com algum tipo de
deficiência deu-se de modo lento e gradativo, principalmente devido à existência de
estigmas originados em preconceitos sociais relacionados a esses indivíduos, o que
dificultou a implantação de legislação pertinente aos seus anseios e necessidades
(ARANHA, 2001; CASTAN e MACEDO, 2009).
No contexto brasileiro, como no resto do mundo, o tratamento dado às pessoas
com deficiência acompanha uma trajetória pautada inicialmente e por um longo tempo na
prática de exclusão e segregação, e mais recentemente por propostas de integração e
inclusão desses indivíduos (ARANHA, 2001; CHAVEIRO e BARBOSA, 2005; SASSAKI,
2003).
No período de 1950 a 1980, inicia-se a fase de integração, observando-se
iniciativas para o desenvolvimento de atividades com o objetivo de adaptação das
pessoas deficientes ao meio social em que viviam. Hoje, se vive a fase de inclusão,
iniciada na década de 1980, desencadeando um processo de discussão de aproximação
e aceitação pela família e sociedade dos chamados deficientes, propiciando o
desenvolvimento de sua cidadania, com direitos e deveres, autonomia e liberdade como
qualquer cidadão (ARANHA, 2001; CHAVEIRO e BARBOSA, 2005; OMOTE, 1999).
A situação das pessoas com deficiência no mundo foi colocada em evidência a
partir da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU), que fixou o ano de 1981
como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, tendo como principal consequência a
aprovação pela Assembléia Geral do Programa de Ação Mundial para Pessoas com
Deficiência (BRASIL, 2008).
Esse Programa, fruto de um processo de discussão entre os países membros, foi
baseado no conceito de deficiência que enfatiza a estreita relação entre as limitações
experimentadas pelas pessoas com deficiências, a concepção e a estrutura do meio
ambiente, e a atitude da população em geral com relação à questão, ressaltando o direito
17
dessas pessoas à igualdade de oportunidades em relação aos demais cidadãos, para
que possam usufruir todas as melhorias nas condições de vida resultantes do
desenvolvimento econômico e do progresso social. Para isso, estabeleceu diretrizes nas
diversas áreas de atenção à população portadora de deficiência, como a de saúde, de
educação, de emprego e renda, de seguridade social, de legislação etc. Recomendava,
ainda, que os estados membros deveriam considerar na definição e na execução de suas
políticas, seus planos e programas voltados para essas pessoas (BRUMER, PAVEI e
MOCELIN, 2004).
No Brasil, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência,
instituída pela Portaria GM/MS 1060, de 05 de junho de 2002; numa concepção inclusiva,
objetiva a promoção de saúde aos portadores de deficiência através da assistência
integral, assegurando o atendimento não somente nas instituições específicas de
reabilitação, mas na rede de serviços, nos diversos níveis de complexidade e
especialidades, observando-se os princípios constitucionais do SUS de descentralização,
regionalização e hierarquização. Para isso foram propostas as seguintes diretrizes:
promoção da qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência;
assistência integral à saúde da pessoa portadora de deficiência;
prevenção de deficiências; ampliação e fortalecimento dos mecanismos
de informação; organização e funcionamento dos serviços de atenção à
pessoa portadora de deficiência; e capacitação de recursos humanos
(BRASIL, 2008, p.10).
A magnitude das necessidades de tratamento odontológico nas populações
adultas e de idosos, muitas vezes associada a doenças crônicas e sistêmicas, como
diabetes, tuberculose, aids e outras que podem apresentar manifestações bucais, foram
demonstradas no último levantamento epidemiológico em saúde bucal realizado no Brasil
(ALMEIDA et al., 2006; SOARES et al., 2005). Além disso, correlações entre saúde geral
deficiente e saúde oral precária têm sido relatadas na literatura, bem como entre
deficiências mentais e saúde oral deficiente, havendo evidências de que a deficiência
seja uma barreira para o tratamento odontológico adequado (DAO, ZWETCHKENBAUM,
INGLEHART, 2005; HALBERG, STRANDMARK, LINGBERG, 2004; VERÍSSIMO,
AZEVEDO e REGO, 2013).
18
Ao lado dessas questões, a estruturação de um amplo debate na comunidade
odontológica no contexto da reforma sanitária a partir da década de 1970 fortalecido na
década de 1980, em consonância com as deliberações das Conferências Nacionais de
Saúde, desde a 8ª Conferência em março de 1986, e da I e II Conferências Nacionais de
Saúde Bucal, em outubro de 1986 e setembro de 1996 respectivamente, o Ministério da
Saúde elaborou as novas diretrizes para a organização da atenção à saúde bucal no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2004 ; NARVAI e FRAZÃO, 2008).
Essas diretrizes se pautam pela responsabilização e enfrentamento dos problemas
existentes, apontando para uma transformação em antigas formas de trabalhar e lidar
com o processo saúde-doença. Priorizando a ampliação e qualificação da atenção
básica, em um processo de trabalho em equipe baseado em duas estratégias: de linhas
do cuidado (da criança, do adolescente, do adulto e do idoso) e condição de vida (saúde
da mulher, saúde do trabalhador, portadores de necessidades especiais) que buscam a
integralidade através de ações resolutivas centradas no acolher, informar, atender e
encaminhar (referência e contrarreferência) (BRASIL, 2004; 2006).
Um dos problemas inseridos dentro das ações complementares e imprescindíveis
propostas nesse novo modelo é o atendimento às pessoas com necessidades especiais,
preenchendo uma lacuna que causou danos irreparáveis a essa parcela tão sofrida da
população. Nesse processo de transformação da atenção odontológica, surge a
necessidade de capacitar equipes e profissionais visando à consolidação das mudanças,
sendo pertinente uma reflexão sobre o preparo dos cirurgiões-dentistas (CD) para essa
nova realidade, isto é, a atenção odontológica no contexto da integralidade e efetividade
do cuidado às pessoas com necessidades especiais.
Inicialmente procurou-se entender o percurso histórico do conceito de deficiência
no mundo e no Brasil para depois se abordar a relação do objeto com a atenção
odontológica, buscando compreender a construção social do objeto.
19
Capítulo 1
REVISÃO DE LITERATURA
1.1- Aspectos históricos e evolução do conceito de deficiência no Mundo e no
Brasil
Cada cultura carrega em seu bojo concepções próprias a respeito da deficiência
ou diversidade funcional, desde crenças e mitos até padrões religiosos, familiares, sociais
e culturais, que resultam em variadas atitudes, comportamentos e práticas, que vão
desde a estigmatização e segregação social até o acolhimento e indiferença, sendo a
própria diversidade e tudo que a ela está ligado, parte integrante dessa ou daquela
sociedade e de sua cultura (FREITAS e MARQUES , 2010; PEREIRA, 2009;
PLAISANCE, 2006).
Diversos termos têm sido utilizados para conceituar esse grupo ao longo do tempo
–inválidos, incapacitados, pessoas deficientes, pessoas portadoras de deficiência,
portadores de necessidades especiais, pessoas especiais, pessoas com deficiência-,mais recentemente pessoas com diversidade funcional ou diferença funcional. Esses
diferentes conceitos traduzem significados compatíveis com os valores vigentes em cada
sociedade nas diferentes épocas e culturas, espelhando a evolução na maneira de lidar
com os diferentes tipos de deficiência no decorrer do tempo (SASSAKI, 2003; FREITAS
e MARQUES, 2010; PEREIRA, 2009). A evolução dos conceitos ligados a esse segmento
populacional reflete, portanto, simultaneamente, as próprias conquistas dessas pessoas,
como também as mudanças ocorridas na sociedade.
Nesse
sentido,
torna-se
pertinente
uma
reflexão
socio-histórica
para
compreendermos as concepções de deficiência e o processo de integração social do
deficiente.
Na Idade antiga até 476 d.C., os nobres, proprietários de terras e rebanhos, faziam
parte da classe dominante que detinha o poder econômico e os que não possuíam terras,
eram considerados sub-humanos, sem valor social. A deficiência inexistia como problema
sendo a atitude em relação aos deficientes, a morte ou a “exposição”, prática de
20
abandono à inanição de crianças com deficiências detectáveis ao nascimento, por não
terem nenhuma importância social, sendo considerados pobres coitados, (ARANHA,
2001; GARGHETTI, MEDEIROS, NUERNBERG, 2013) e, portanto, não sendo dignos de
viver.
Na Idade Média com o fortalecimento do Cristianismo, a exterminação dos
deficientes passa a não ser mais aceitável, devido à disseminação das idéias cristãs, de
que este apesar de diferente era também humano e possuía alma. Assim, a custódia e o
cuidado destas crianças ou até mesmo adultos deficientes passam a ser assumidas pela
família e pelos religiosos, numa perspectiva de segregação e confinamento em
detrimento de algum tipo de treinamento ou tratamento para o convívio social. As atitudes
da sociedade em relação à deficiência, nesse período, são fortemente influenciadas pela
Inquisição católica e pela Reforma protestante, traduzindo-se em ações de intolerância e
punição, voltadas a esses indivíduos de forma desumana. Numa ambivalência caridadecastigo, salva-se a alma do pobre infeliz das garras do demônio e se livra a sociedade de
um incômodo perturbador (PESSOTI, 1984, NOGUEIRA, 2002).
No final do século XV formam-se Estados Modernos, com a queda das monarquias
e da hegemonia da Igreja católica a partir do advento do capitalismo mercantil. A
organização sociopolítica passa a se caracterizar por detentores de meios de produção
e pelo operariado, força de trabalho assalariada, num contexto crescente de revolução
de idéias e avanços na área médica e do método científico. Com o fortalecimento do
modo de produção capitalista, nos séculos que se seguem, o processo de avaliação
social dos indivíduos, baseia-se na produtividade privilegiando àqueles que por suas
qualidades competitivas mantém e dão continuidade ao sistema produtivo (ARANHA,
1995; ARANHA, 2001).
No séc XVIII com a consolidação do método cientifico, o deficiente perde sua
natureza sobrenatural e mística passando, segundo Pessoti (1984), de problema
teológico e ético a assunto de interesse médico (p.20). Iniciam-se a partir de então
estudos em torno das tipologias e com elas a classificação das deficiências, decorrentes
do nível do conhecimento científico existente então influenciado por noções incipientes
de anatomia e patologia. Mais tarde a doença passa a ser caracterizada como um desvio
21
dos estados de normalidade, surgindo novas idéias e concepções no que se refere a sua
natureza (NOGUEIRA, 2008; SANTOS, 2010), deixando de ser tratada através da
alquimia, da magia e da astrologia (ARANHA, 2001, p.6).
Surgem os primeiros manicômios, como locais para abrigo dos loucos, com
concepções mais de isolamento e exclusão do que propriamente de tratamento e
recuperação (ARANHA, 2005; AMARANTE, 2007). A partir de então vai se estruturando
e se consolida no século XIX a prática do cuidado institucional para pessoas com
deficiência, em ambientes segregados, onde as pessoas eram isoladas das famílias e da
sociedade constituindo-se o primeiro paradigma formal adotado na relação da sociedade
com a deficiência: o paradigma da institucionalização (ARANHA, 2001; GARGHETTI,
MEDEIROS e NUERNBERG, 2013).
No decorrer do século XIX, o fortalecimento do modo de produção capitalista torna
necessário cidadãos produtivos e mão de obra especializada, havendo um movimento
na estruturação de sistemas educacionais inclusivos. Nesse contexto, emerge a
importância do Estado como responsável pelas necessidades das pessoas com
deficiência, numa sociedade com iniciativas e tendências de sustentação do setor
privado. Ao longo do século XX, com a implantação do capitalismo moderno, visando o
aumento do capital, aos poucos abre-se espaço para que os deficientes pudessem
retornar ao sistema produtivo, diminuindo o ônus público da institucionalização. Nesse
contexto surge a questão da integração social do deficiente, especialmente após as duas
grandes guerras, com o imenso número de indivíduos mutilados física e mentalmente e
movimentos sociais que chamam a atenção dos governos para a responsabilidade no
desenvolvimento de programas de reabilitação para os soldados feridos de guerra
(ARANHA 1995; ARANHA, 2001; NOGUEIRA, 2008)
Esse processo intensificado nos EUA nas décadas de 1950 e 1960 com um grande
aumento de deficientes nesse país, após a Segunda Guerra e Guerra do Vietnã, cria
condições propícias para o surgimento da ideologia da normalização, onde o deficiente
amolda-se aos padrões da sociedade, que visava à integração desses indivíduos dando
suporte ao movimento de desinstitucionalização e programas comunitários específicos
22
de serviços, visando às suas necessidades (ARANHA, 1995; PERANZONI e FREITAS,
2000).
A inserção da pessoa com deficiência na sociedade, buscando a aquisição de
padrões da vida cotidiana o mais próximo do normal, consistiu no chamado paradigma
de serviços, com base na ideologia da normalização, fundamentando a multiplicação de
programas para atendimentos a pessoas deficientes em todo o mundo (ARANHA, 2001).
Mendes (2012) assinala que essas iniciativas produziram um grande intercâmbio de
informações entre estudiosos sobre reabilitação, o que levou ao envolvimento de
organizações de caráter internacional e multilateral, como Fundo de Emergência das
Nações Unidas para Crianças (UNICEF), Organização Internacional do Trabalho (OIT),
Organização Mundial da Saúde (OMS), o Alto comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR) e a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO), facilitando a troca de experiências entre essas entidades.
Nesse processo surge, na Inglaterra, entre os anos 1960 e 1970, no auge dos
movimentos sociais de luta pelos direitos humanos e respeito à diversidade, a proposta
do modelo social, uma nova abordagem sobre o tema. Esse modelo propõe um novo
entendimento da deficiência, não mais como um problema individual, mas como uma
questão de incapacidade da sociedade de prever e se ajustar a diversidade. Estudos
sobre deficiência são escassos e concentram-se nas áreas de medicina, da psicologia
do desenvolvimento ou da educação especial. O modelo social, ao contrário do modelo
médico, desloca a causa da deficiência da lesão orgânica para o social, encontrando, aí
as verdadeiras causas que levam às desvantagens e marginalização vivenciadas pelos
deficientes (BAMPI, GUILHEM, ALVES, 2010; DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009).
Dentro dessa visão o foco não é mais o indivíduo portador de alguma ou várias
limitações, mas a estrutura social e sua dinâmica opressora e excludente. Analisando
esse modelo, Diniz (2003) assinala que os primeiros teóricos do modelo social eram
homens e na sua maioria, portadores de lesão medular tendo a independência como foco
na busca por autonomia rejeitando qualquer tipo de “assistencialismo”.
Esse fato impulsionou o movimento no sentido de remover todas as barreiras que
impedissem o desenvolvimento de suas capacidades concentrando esforços na inclusão
23
dos deficientes no mercado de trabalho e no sistema educacional, tendo como alicerce o
materialismo histórico, embasando o argumento de mudanças nas estruturas como eixo
para a inclusão dos deficientes na vida social. Diniz (2003) assevera ainda que não havia
dor, sofrimento ou limites corporais nos escritos dos primeiros teóricos: o corpo foi
definitivamente esquecido pelo compromisso com o projeto de independência (p.4).
Diante disso, reforça que não faziam parte dessa agenda o cuidado e qualquer tipo de
benefício compensatório para os deficientes.
Nesse enfoque, a contribuição das teóricas feministas que se engajaram ao
movimento trouxe para as discussões os portadores de deficiências graves e
incapacitantes, bem como a ampliação desse grupo com a inclusão dos idosos e dos
doentes crônicos. Nessa perspectiva, enfatiza-se a importância do cuidado e dos
cuidadores (na maioria mulheres), criando a oportunidade de se incluir a dimensão
subjetiva na experiência da deficiência. Invertendo a lógica inicial de sobrevalorização da
independência, que poderia ser como nas palavras de Diniz, um ideal perverso para
inúmeros deficientes incapazes de alcançá-la (p.4), o movimento feminista propõe o
princípio da igualdade pela interdependência como um princípio mais adequado para a
reflexão sobre questões de justiça no campo dos estudos sobre deficiência (p.5). A
grande contribuição do movimento feminista para o movimento social de pessoas com
deficiência é a proposta do cuidado como um dos princípios éticos estruturantes da vida
coletiva, levando-se em conta não só os limites sociais, mas também os individuais, a
vida pública e a privada.
Passa a ter expressão a importância da revisão de valores morais mais profundos
na sociedade, buscando caminhos e soluções para o conjunto de necessidades dos
deficientes, com ênfase no modelo social da deficiência, porém encorpada com novos
elementos para o seu enfrentamento político e social.
Buscando responder a essas demandas e necessidades sobre as consequências
das doenças dentro desse processo social, a IX Assembléia da Organização Mundial de
Saúde (OMS), em 1976, propôs uma classificação de conceituação de deficiência que
pode ser aplicada a vários aspectos da saúde e da doença, tendo sido traduzida para o
português como Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e
24
Desvantagens, a CIDID, publicada em 1989. Essa classificação seguindo a lógica da
classificação internacional das doenças (CID) buscou sistematizar a linguagem
biomédica relativa às lesões e à deficiência descrevendo as condições decorrentes da
doença como uma sequência linear propondo a deficiência (impairment) como
anormalidades nos órgãos e sistemas e nas estruturas do corpo, incapacidade (disability)
como as consequências da deficiência no desempenho das atividades e desvantagem
(handicap), como um reflexo da adaptação do indivíduo ao meio ambiente resultante da
deficiência e incapacidade, ou seja, a doença leva à deficiência que gera a incapacidade
que por sua vez gera a desvantagem (AMIRALIAN et al, 2000; FARIAS e BUCHALLA,
2005).
Essa abordagem apesar do avanço em termos filosóficos, políticos e
metodológicos, que influenciou um novo entendimento das práticas relacionadas com a
reabilitação e a inclusão social dessas pessoas, apresentou no seu processo de revisão
fragilidades, como a falta de relação entre as dimensões que a compunham e a não
abordagem de aspectos sociais e ambientais (BAMPI, GUILHEM e ALVES, 2010).
Visando ao aprimoramento da CIDID, ocorreram propostas de modificação ao longo do
tempo, tendo como referentes argumentos do modelo social, resultando na aprovação,
em maio de 2001 pela Assembléia Mundial da Saúde, da International Classification of
Functioning, Disability and Health, em português, Classificação Internacional de
Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF). Daqui em diante a deficiência passou a ser
compreendida como parte ou expressão de uma condição de saúde, enfatizando-se as
potencialidades das pessoas com deficiência, e não suas desvantagens, mas outros
fatores, como a capacidade do indivíduo em se relacionar com o seu ambiente de vida.
Segundo Farias e Buchalla (2005):
A CIF representa uma mudança de paradigma para se pensar e trabalhar
a deficiência e a incapacidade, constituindo um instrumento importante
para avaliação das condições de vida e para a promoção de políticas de
inclusão social, será mais adequada à medida que for utilizada por um
número maior de profissionais, em locais diversos e a partir de pessoas e
realidades diferentes (p.187).
Nessa perspectiva o modelo social que trouxe as ciências sociais para o debate
da deficiência não somente como questão de saúde, mas como produto das sociedades
25
contemporâneas, abriu espaço para que o paradigma de suporte viesse substituir o
paradigma de serviços, baseado na ideologia da normalização, e que buscava a
integração do deficiente num movimento onde ele deveria se adaptar à sociedade
buscando ser o mais próximo possível do “normal”. No novo paradigma, o objetivo é a
inclusão social, um movimento duplo, tanto por parte das pessoas com deficiência
manifestando seus desejos e necessidades, quanto da sociedade ajustando-se e criando
condições através de suportes de diferentes tipos, desde psicológicos até físicos e
instrumentais, para que o indivíduo com deficiência possa acessar e usufruir todos os
recursos da comunidade, desenvolvendo-se como pessoa e cidadão (ARANHA, 2001;
SANTOS, 2010).
Segundo Diniz (2007, p.9), os teóricos do modelo social da deficiência provocaram
uma redefinição do significado de habitar um corpo que havia sido considerado, por muito
tempo anormal, o que levou à criação de um neologismo, ainda sem tradução para a
língua portuguesa– disablism– que é o resultado de uma cultura da normalidade, aonde
os impedimentos corporais são alvo de opressão e discriminação (DINIZ, BARBOSA e
SANTOS, 2009).
Resgatando um pouco da história desse segmento no Brasil dentro de um contexto
mundial, procuraremos agora compreender, as consequências desse debate no país e
suas consequências em direção à inclusão social de pessoas com deficiência.
No Brasil, até o século XIX, não havia qualquer diretriz político-social voltada às
necessidades específicas de pessoas com deficiência, não existindo o conceito de
criança com deficiência. Além de relatos de monstruosidades que se faziam aos negros
escravos levando à produção de deficiências físicas e mentais, têm-se poucas descrições
de crianças e adultos que apresentavam alguma doença mental. As pessoas com algum
tipo de deficiência eram confinadas pelas famílias ou em caso de desordem pública
recolhidas às Santas Casas ou às prisões, banidas do convívio social (LANNA JÚNIOR,
2010; NOGUEIRA, 2008; SILVA, 2011).
Com a chegada da Corte Portuguesa e o início do Império no século XIX tiveram
início as primeiras, ações para atender as pessoas com deficiência no Brasil, seguindo
um modelo de segregação, como no resto do mundo. Em 1841, D Pedro II funda o
26
primeiro hospital para o tratamento dos chamados alienados, O Hospício D. Pedro II no
Rio de Janeiro. Em 1854, cria-se o Asilo dos Inválidos da Pátria, para receber os soldados
feridos e mutilados de guerra e ainda neste mesmo ano o Imperial Instituto dos Meninos
Cegos, hoje Instituto Benjamim Constant (IBC) e em 1856 o Imperial Instituto dos SurdosMudos, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), ambos em sistema de
internato e inspirados nos ideais iluministas, considerados até hoje referência federal
para ensino e reabilitação de deficientes sensoriais (MAIOR,1997; MIRANDA, 2008;
LANNA JÚNIOR, 2010).
No século XIX, portanto, as únicas deficiências reconhecidas pelo Estado foram a
cegueira e a surdez, visando a superação das dificuldades, sobretudo na educação e no
trabalho (LANNA JÚNIOR, 2010).
No início do século XX, no contexto histórico da industrialização e urbanização
brasileiras, não houve praticamente novas ações apenas a expansão dos institutos de
cegos e surdos para outras cidades. A sociedade civil diante desse vácuo de ações
governamentais se organiza e cria organizações voltadas para as áreas de educação e
saúde como as Sociedades Pestallozi (1932), criadas por Helena Antipoff, psicóloga
russa, pioneira da educação especial no Brasil, e as Associações de Pais e Amigos dos
Excepcionais (1954) que se espalharam por todo o país dando origem na década de 1960
a FENAPAES (Federação Nacional das Apaes) e na década de 70 a FENASP
(Federação Nacional das Sociedades Pestallozi) (LANNA JÚNIOR, 2010; MIRANDA,
2008).
Em 1954 funda-se no Rio de Janeiro o Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos
Cegos (CBEC) a primeira entidade nacional, lançando o protagonismo da própria pessoa
cega na defesa dos seus direitos representando o embrião das iniciativas de cunho
político que surgiriam no Brasil, sobretudo durante a década de 1970 (LANNA JÚNIOR,
2010; BARBOSA, 2013).
Ainda na década de 1950, o surto de poliomielite levou ao aparecimento dos
primeiros centros de reabilitação física que se baseavam em métodos e paradigmas de
modelo de reabilitação do pós-guerra trazidos por estudantes e especialistas chegados
da Europa e Estados Unidos. O primeiro deles foi a Associação Brasileira Beneficente de
27
Reabilitação (ABBR) fundada em 1954, que diante da inexistência ou carência de
profissionais especializados no Brasil, em uma iniciativa pioneira criou a Escola de
Reabilitação para formar fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, de acordo com os
moldes curriculares da Escola de Reabilitação da Columbia University (LANNA JÚNIOR,
2010). Outras organizações filantrópicas surgiam nesse contexto como a Associação de
Assistência à Criança Defeituosa (AACD) de São Paulo em 1950, o Instituto Baiano de
Reabilitação (IBR) em 1956 em Salvador, e a Associação Fluminense de Reabilitação
(AFR) em 1958 em Niterói-RJ. Alguns hospitais tornaram-se referência para tratamento
de pessoas com sequelas da poliomielite, como o Hospital da Baleia e o Hospital Arapiara
ambos em Belo Horizonte-MG (Id). Essas instituições de reabilitação física, em
consonância com o paradigma de serviços produto da ideologia da normalização,
baseavam-se no modelo clinico patológico de deficiência, numa concepção onde o
problema era atribuído somente ao indivíduo, que deveria ser objeto de investimentos,
visando mudanças em direção à normalização (ARANHA, 2001). As dificuldades
poderiam ser superadas pela intervenção de uma equipe multidisciplinar (médicos,
fisioterapeutas, terapia ocupacional, assistentes sociais, psicólogos e outros), ignorando
a complexidade de fatores envolvidos na problemática da deficiência (LANNA JÚNIOR,
2010; SANTOS, 2010).
São dessa época também as primeiras iniciativas em relação à previdência social
para pessoas com deficiência, acompanhando os avanços nos sistemas de bem-estar
social em todo o mundo, criando-se o primeiro serviço de reabilitação física de um
instituto de aposentadoria em 1959. Com a unificação dos Institutos de Aposentadorias
e Pensões (IAPs), e a constituição do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), a
atenção aos segurados e dependentes passou a ter seu foco na reabilitação física,
reabilitação profissional e assistência especializada a menores, prestada em unidades
públicas e majoritariamente através de convênios com a iniciativa privada, com ênfase
em serviços de fisioterapia, sem que fosse elaborada qualquer política de assistência
(MAIOR, 1997; RIBEIRO et al., 2010).
Na década de 1970 com o processo de desinstitucionalização, a partir da
Declaração dos Direitos do Deficiente Mental da Organização das Nações Unidas (ONU)
de 1971, que estabeleceu direitos para pessoas com necessidades especiais, firmaram-
28
se convênios entre o INPS, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Fundação para
o Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e serviços de reabilitação em hospitais, escolas
especiais e instituições privadas que de uma forma instável davam assistência às
pessoas com necessidades especiais (RIBEIRO et al, 2010).
Todas essas iniciativas até o final da década de 1970 se caracterizavam pela falta
de autonomia das pessoas com deficiência para decidir o que fazer da própria vida, com
forte cunho protecionista e paternalista numa abordagem em que uma diferença funcional
era percebida no lugar da pessoa, todavia foi um período de gestação da necessidade
de organização de movimentos afirmativos dispostos a lutar por direitos humanos e
autonomia para os chamados deficientes (LANNA JÚNIOR, 2010; PEREIRA, 2009).
As constituições brasileiras democráticas ao longo do século XX, como as de 1934
e 1946, abrigaram vários avanços nas áreas de trabalho, educação e saúde, havendo,
porém, um vácuo, em relação à efetivação desses direitos às pessoas com de deficiência
(QUARESMA, 2002). Somente a partir da década de 1980, época de lutas e articulações
políticas num movimento de redemocratização do país, que a questão da deficiência
assume outro caminho.
Movimentos sociais com reivindicações por justiça social e direitos de cidadania,
influenciados pela declaração do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência pela
ONU em 1981, colocam o tema deficiência em destaque, levando a estrutura do Estado
brasileiro a reconhecer os direitos das pessoas com deficiência. É criada, então, a
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE),
em 1986, e da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, em
1989, havendo a partir de então, um crescente espaço na esfera federal para discussão
e implementação dos direitos desses indivíduos. Em 1999, o conselho consultivo que
existia na estrutura da CORDE é abolido criando-se um conselho deliberativo, o Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE, num contexto de
maior participação popular na elaboração, gestão e fiscalização de políticas públicas,
inaugurada no texto constitucional de 1988 (LANNA JÚNIOR, 2010).
Nessa perspectiva a Constituição Federal de 1988, com sua missão de resgate da
democracia, após um amplo debate envolvendo diversos segmentos da sociedade, onde
29
se institui o Sistema Único de Saúde (SUS), baseado nos princípios da universalidade,
equidade e integralidade, confere merecido destaque à matéria referente à saúde e
assistência pública, bem como à proteção e garantia das pessoas portadoras de
deficiência, conforme dispõe seu artigo 23, inciso II: É competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência públicas,
da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências (BRASIL, 2008, p.1).
Atendendo reivindicações por inclusão e cidadania estabeleceram-se diretrizes
nas áreas do mundo do trabalho, com reserva de vagas nos concursos públicos para
deficientes (art. 37), na área de educação especial, garantindo a integração escolar do
deficiente, principalmente nas escolas de ensino regular (art.208), na área de
acessibilidade, com remoção de barreiras arquitetônicas e sensibilidade nos transportes
públicos para a diversidade corporal (art. 244) e assistência social com a implantação do
benefício de prestação continuada (BPC), (art.203) (LANNA JÚNIOR, 2010, SANTOS,
2011; BARBOSA, 2013).
Vale ressaltar que a CIF adotada pela OMS em 2001, passa a ser usada em 2007,
como referência de orientação das avaliações das pessoas com deficiência, solicitantes
do benefício assistencial de transferência de renda (BPC), representando embora
tardiamente a entrada do modelo social no Brasil, primeiro passo efetivo na direção da
inclusão social dessa parcela da população (SANTOS 2010).
A publicação da CIF pela OMS é considerada um marco para o tema da deficiência
como justiça social, não somente pelo peso e alcance que uma classificação oficial da
OMS pode representar para as políticas públicas em âmbito internacional, mas,
principalmente, por agregar a perspectiva sociopolítica da deficiência defendida pelo
modelo social (SANTOS 2010; SANTOS, 2011).
Numa concepção da deficiência como um dos temas de direitos humanos a ONU
aprovou em 2006 sua primeira Convenção Internacional do novo milênio destinada aos
direitos das pessoas com deficiência, alterando marcos normativos dos países
signatários da Convenção, que em 2008 é ratificada no Brasil através do Congresso
Nacional, conferindo-lhe status constitucional. Isso significa que todas as legislações e
políticas públicas e sociais no país serão pautadas a partir de então, tendo a Convenção
30
como suporte normativo constitucional, inserindo no Brasil o paradigma do suporte, numa
concepção inclusiva para o tratamento dos direitos das pessoas com deficiência no país
(DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009).
Em outubro de 2009, a CORDE foi elevada à Subsecretaria Nacional de Promoção
dos Direitos da Pessoa com Deficiência em agosto de 2010, alcançou o status de
Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (LANNA
JÚNIOR, 2010).
Mais recentemente, pela edição do Decreto 7.612, de 17 de novembro de 2011,
foi lançado O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência-Viver sem Limite –
redigido a partir das deliberações das I e II Conferências Nacionais sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência, realizadas respectivamente em 2006 e em 2008. Elaborado
com a participação de mais de 15 ministérios e do Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (CONADE), que trouxe as contribuições da sociedade civil, o
plano Viver sem Limite engloba um conjunto de políticas públicas estruturadas em quatro
eixos: Acesso à Educação; Inclusão social; Atenção à Saúde e Acessibilidade. Cada ação
presente nesses eixos é interdependente e articulada com as demais, construindo redes
de serviços e políticas públicas capazes de assegurar um contexto de garantia de direitos
para as pessoas com deficiência, considerando suas múltiplas necessidades nos
diferentes momentos de suas vidas. Destacam-se ações para o aprimoramento do BPC
escola, aprovado pelo decreto 6214/2007 que visa identificar, usuários do BPC até
dezoito anos fora da escola, e garantir mecanismos de acesso, permanência e
acompanhamento dos entes federados que aderirem ao programa, e o BPC trabalho,
instituído pela portaria nº2/2012, que consiste em ações intersetoriais para promover o
acesso à qualificação profissional e o acesso ao trabalho às pessoas com deficiência
beneficiárias do BPC na faixa etária 16 a 45 anos, prioritariamente (BRASIL, 2011;
SENNA, LOBATO e ANDRADE, 2013).
As mudanças de concepção de deficiência no Brasil, incorporando o caráter multi
determinado de vulnerabilidade, demandam uma maior abrangência e atuação das
políticas públicas nessa área. Nesse sentido alterações recentes de um novo modelo de
avaliação para a concessão do BPC, que é considerado uma das principais políticas de
31
proteção social para deficientes no Brasil, passou a incluir também uma avaliação social,
sob a responsabilidade dos assistentes sociais, a partir de um novo instrumento baseado
na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que opta
por uma avaliação médica e social. Esse novo modelo que incorpora uma abordagem
multidimensional da funcionalidade, da incapacidade e da saúde, requer ainda estudos
capazes de acompanhar e analisar os rumos e alcance dessas mudanças (MEDEIROS
e DINIZ, 2004; SENNA, LOBATO e ANDRADE, 2013).
Atualmente no Brasil, vive-se a tentativa de concretizar em todos os espaços
sociais, o que está garantido constitucionalmente, no sentido de promover a equidade no
tratamento dos direitos das pessoas com deficiência, embora tais ações sempre
esbarrem em dificuldades de ordem política, financeira e social que dificultam na prática
sua realização.
1.2- Odontologia e pacientes especiais
Na odontologia é comum classificar-se a pessoa com alguma deficiência dentro
do grupo de pacientes com necessidades especiais (SILVA, PANHOCA e BLACHMAN,
2004).
Esse conceito é amplo e abrange diversos casos que requerem atenção
diferenciada, desde pessoas que apresentem uma ou mais limitações, temporárias ou
permanentes, de ordem mental, física, sensorial, emocional, que o impeça de ser
submetido a uma intervenção odontológica convencional. As razões das necessidades
especiais são inúmeras e vão desde doenças hereditárias, defeitos congênitos, até as
alterações que ocorrem durante a vida, como moléstias sistêmicas, alterações
comportamentais, envelhecimento etc. (BRASIL, 2006).
As dificuldades dos profissionais da área da saúde em lidar com os pacientes
especiais refletem a relação da sociedade, da qual fazem parte, com este grupo e são
fruto do legado histórico e da falta de informação, que permeiam essa relação gerando
preconceito e despreparo (CARVALHO et al, 2004). Essas dificuldades no campo da
odontologia têm sido reforçadas pela visão fragmentada da saúde bucal como uma parte
isolada dos cuidados de saúde geral, com foco na prevenção de doenças bucais e na
eficácia dos diferentes tratamentos odontológicos (TORRES et al, 2009). Esse modelo
hegemônico de práticas tem sido predominantemente determinado por uma odontologia
32
de mercado sob influência político-ideológica do projeto de sociedade neoliberal, e as
várias adjetivações da odontologia no período entre 1952 e 1992 (sanitária, preventiva,
simplificada, comunitária e integral), apesar de se basearem em diferentes concepções
apontando para propostas distintas de práticas odontológicas, evidenciam a
incapacidade de todas em realizar a ruptura com a odontologia de mercado (NARVAI,
2002).
A mudança de paradigma cirúrgico-restaurador, que predominou desde o
nascimento da profissão, para o de promoção de saúde, acompanhando uma abordagem
sociológica visando o desenvolvimento de ambientes e estilos de vida saudáveis,
provocou uma revisão dos conceitos instituídos sobre “saúde-doença” e tem buscado
novas abordagens, mais sintonizadas com esse novo momento. Ao lado disso, o impacto
da saúde bucal sobre o bem-estar geral dos indivíduos e qualidade de vida começou a
ser observado com maior atenção a partir da década de 1990 (BUCZINSCK, CASTRO e
SOUZA, 2008; CHIANCA et al., 1999).
Vários autores realizaram trabalhos científicos que sugerem a correlação das
doenças infecciosas bucais com uma ampla variedade de condições mórbidas, como
abscessos cerebrais, infarto agudo do miocárdio, endocardite infecciosa subaguda,
abscessos pulmonares, pneumonia por aspiração, doença renal crônica entre outras
(ARTESE et al., 2012; BARILLI et al., 2006; KINANE e LOWE, 2000; LIMEBACK, 1988;
LORBER et al., 2010; RAMS e SLOTS, 1992).
Paralelamente o modelo de prática odontológica vem sendo também objeto de
discussões e proposições por parte dos técnicos dos serviços públicos odontológicos,
diante dos índices epidemiológicos encontrados e da luta em prol da concretização do
SUS, proposto na Constituição de 1988, para que o setor público assuma a seu papel na
prestação de serviços (NARVAI, 2002).
Nesse contexto, durante os anos de 1980, este autor assinala que foi sendo
firmada gradativamente a expressão saúde bucal coletiva, buscando uma prática
sanitária que reivindicava origem distinta das “odontologias” (extrapolando os estreitos
limites do meramente assistencial), bem como outras articulações e compromissos. Essa
prática, segundo as concepções da saúde bucal coletiva, é referida no documento final
33
do oitavo Encontro Nacional de Administradores e Técnicos do Serviço Público
Odontológico (VIII ENATESPO) realizado em São Paulo, em outubro de 1991, onde se
reafirmou a inadequação do tipo de prática odontológica ainda vigente no país, centrada
em ações clínico-cirúrgicas individuais e enfoques biológicos em detrimento da
compreensão e enfrentamento dos determinantes sociais do processo saúde-doença.
Explicitou também, que a construção da saúde bucal coletiva no Brasil passa pela
integração das ações de saúde bucal nas práticas coletivas de saúde, e pelo resgate da
integralidade dessas práticas, garantindo a universalização do acesso e a equidade do
atendimento, garantidas na Constituição, promovendo a inclusão na assistência
odontológica de grupos populacionais considerados não prioritários (ENATESPO, 1988;
NARVAI e FRAZÃO, 2008).
Esse processo que se desencadeou após a I Conferência Nacional de Saúde
Bucal em 1986, teve o seu ápice com a implantação, em 2004, da Política Nacional de
Saúde Bucal, Brasil Sorridente, apresentada pelo Ministério da Saúde através do
documento “Diretrizes Nacionais da Política Nacional de Saúde Bucal” estabelecendo um
eixo político básico de proposição para a reorientação das concepções e práticas no
campo da saúde bucal, capazes de propiciar um novo processo de trabalho tendo como
meta à produção do cuidado. Embasado do ponto de vista epidemiológico nos resultados
da pesquisa “Condições de Saúde Bucal na População Brasileira” encontra-se em
permanente construção, considerando-se as diferenças sanitárias, epidemiológicas
regionais e culturais do Brasil (BRASIL, 2004; RONCALLI, 2006).
Nesse contexto, propõe-se a reorganização da atenção em saúde bucal em todos
os níveis de atenção tendo como principais linhas de ação a viabilização da adição de
flúor nas estações de tratamento de águas de abastecimento público, a reorganização
da atenção básica em saúde bucal especialmente por meio da estratégia da saúde da
família e ampliação e qualificação da atenção especializada, através principalmente da
implantação de centros de especialidades odontológicas preparados para oferecer à
população, no mínimo, os serviços de diagnóstico bucal (com ênfase no diagnóstico e
detecção do câncer de boca), periodontia especializada, cirurgia oral menor dos tecidos
moles e duros, endodontia e atendimento a portadores de necessidades especiais
(BRASIL, 2004; 2006).
34
Dessa forma são contempladas, pela primeira vez no Brasil, as pessoas com
necessidades especiais com uma política pública de saúde bucal, representando uma
grande vitória no histórico de lutas desse grupo, num processo de inclusão que visa o
desenvolvimento de sua cidadania e a igualdade de oportunidades em relação aos
demais cidadãos. Ampliando ainda mais a atenção, objetivando ações de promoção,
prevenção e recuperação da Saúde Bucal para pessoas que necessitem de atendimento
em ambiente hospitalar, o Ministério da Saúde através da Portaria 1032 de 5 de maio de
2010 incluiu procedimentos odontológicos realizados em ambiente hospitalar sob
anestesia geral ou sedação na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e
Próteses e Materiais Especiais do SUS.
Dentro das ações que compõem o Plano Viver sem Limite, lançado em 2011
destaca-se um conjunto de ações na atenção odontológica às pessoas com deficiência,
entre as quais: capacitação de 6 mil equipes de atenção básica, qualificação de 420
centros de especialidades odontológicas (CEO) e criação de 27 centros cirúrgicos
(BRASIL, 2010; 2011). Visando a integração de todas essas ações, através da portaria
GM/MS nº 793 de 24/04/2012, institui-se a rede de cuidados à pessoa com deficiência no
âmbito do Sistema Único de Saúde, tendo como objetivo primordial a criação, ampliação
e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com deficiência temporária ou
permanente; progressiva, regressiva ou estável, intermitente ou contínua, visando
atendimento integral e de qualidade às pessoas com necessidades especiais através da
articulação e organização de seus componentes: atenção básica, atenção especializada
e atenção hospitalar e de urgência e emergência, estando a atenção odontológica
inserida em todos os seus componentes (BRASIL, 2012).
Em relação à capacitação profissional do Plano viver sem limites, o Ministério da
Saúde lançou em novembro de 2012, em Brasília, durante a “Oficina de Educação
Permanente em Saúde”, coordenada pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da
Educação na Saúde (SGTES), o curso “Capacitação de Profissionais da Odontologia
Brasileira Vinculados ao SUS para Atenção e Cuidado da Pessoa com Deficiência”, que
teve sua primeira turma em 2013 e já está na quarta turma, sendo executado pela
Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde da UFPE (EM-SUS UFPE). A
Universidade Aberta do SUS – EM-SUS – é uma iniciativa do Ministério da Saúde em
35
cooperação com estados, municípios, instituições públicas de ensino superior e
organismos internacionais para oferta de cursos de pós-graduação e de extensão
universitária que têm como finalidade atender às necessidades de capacitação e
educação permanente dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde – SUS, por meio
de cursos à distância, utilizando a internet como veículo de atualização profissional ao
longo da vida. O impacto dessa ação ainda necessita de estudos para sua avaliação na
atenção odontológica aos pacientes especiais na atenção básica.
Num panorama geral, além dos esforços de organismos internacionais, governos
nacionais e locais, das pessoas com deficiência e de seus familiares, e da própria
sociedade, o campo científico vem somando esforços de forma inequívoca para o alcance
da melhoria da qualidade de vida desses indivíduos. Os avanços da ciência, com a
sofisticação dos recursos e materiais disponíveis, o advento de novos fármacos e novas
tecnologias, têm contribuído para corrigir, minimizar e até eliminar as várias diferenças
funcionais (PEREIRA, 2009). Muitos exemplos podem ilustrar o exposto, como por
exemplo, os sucessos alcançados no controle da motricidade e autonomia de sujeito com
amiotrofia muscular espinhal (OLIVEIRA ; CUNHA, 2013). Ou, então, com a utilização de
tecnologias assistivas ou tecnologias de apoio, um conceito em processo de construção,
que tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida desses pacientes especiais em
várias situações, como na escola no contexto do ensino inclusivo e no desenvolvimento
da autonomia dos sujeitos como no uso de escovas dentais facilitadoras (GALVÃO
FILHO, 2009; RAMOS; BARRETO, 2014).
A literatura mostra que a população de 60 anos e mais, na América Latina e Caribe,
durante o período de1980 a 2025 terá, em média, dobrado pelo menos uma vez e, em
mais da metade dos casos, triplicado antes do ano 2025. (KALACHE et al., 1987;
COELHO e RAMOS, 1999; LEBRÃO e LAURENTI, 2005).
Diante desse contexto, Correa (2009) destaca a surgimento de demandas em
torno de atitudes e práticas referentes à construção de políticas públicas necessárias ao
atendimento dos problemas decorrentes do envelhecimento populacional. É algo que se
tem podido constatar em nossa atualidade. Nessa perspectiva, procura-se dar realce a
essa novidade que se concretiza no crescimento da população de idosos e diversos
36
atores sociais têm mobilizado esforços para tornar possível o atendimento de suas
reivindicações (TURA; CARVALHO; BURSZTYN, 2014).
Paralelo a isso no campo institucional a necessidade de revisão e reformulação
dos currículos dos cursos de graduação em saúde, a partir de um amplo e antigo debate,
toma forma, e em 2002 aprova-se a resolução CNE/CES nº 3 em 19 de fevereiro, que
instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), para os cursos de Odontologia.
Nessas diretrizes afirma-se a necessidade da formação em Odontologia contemplar
profissionais generalistas, humanistas, reflexivos e críticos, para atuar em todos os níveis
de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico, pautada em princípios éticos,
legais e na compreensão da realidade social. Essa resolução desencadeou um processo
de discussão e apropriação de novos conceitos, constituindo-se um movimento coletivo
de reflexão por todos os envolvidos (CARVALHO et al, 2010; CARCERERI, PADILHA e
BASTOS, 2014).
Diante da magnitude dos problemas e demandas de tratamento existentes na
população, e acompanhando as mudanças que vêm ocorrendo na prática profissional
num contexto de revisão e reformulação dos cursos de odontologia, foi aprovada a
especialidade de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, pelo
Conselho Federal de Odontologia (CFO), através da Resolução 25 de 2002 (CFO, 2002),
publicada no Diário oficial da União em 18 de maio de 2002 resgatando uma dívida da
profissão para com os mesmos.
Segundo Mugayar et al (2007), o Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer
esta especialidade na odontologia, seguido pela Nova Zelândia em 2002, Reino Unido
em 2003 e Austrália em 2004/2005. Nos Estados Unidos em 2004, a Commission on
Dental Accreditation (CODA), estabeleceu que estudantes de odontologia e de higiene
dental devem ser competentes para suprir as necessidades de tratamento de pacientes
com necessidades especiais, garantindo novos padrões em programas de educação para
cirurgiões-dentistas e higienistas dentais, assegurando um melhor preparo dos
profissionais para o tratamento desses pacientes (DAO et al, 2005; WALDMAN et al,
2005).
37
Por ser uma especialidade recente, poucas faculdades incluem disciplinas, ou
conteúdos de atendimento a pacientes especiais na graduação de odontologia no Brasil
(ANDRADE et al., 2006), o que provavelmente tem gerado atitudes negativas e
profissionais pouco preparados, desinteressados e indiferentes quanto ao manejo desses
indivíduos, resultando numa grande dificuldade dessa parcela da população em obter
tratamento odontológico especializado e de qualidade (CRESPI e FERGUNSON, 1987;
WALDMAN, PERLMAN, SWERDLOFF, 1998;
MOURADIAN e
CORBI,
2003;
CARVALHO et al, 2004; GUERREIRO e GARCIA, 2009).
Além disso, fatores como falta de experiência clínica, falta de formação e de
recursos técnicos adequados (FENTON, 2003; WOLFF et al., 2004; WALDMAN, 2005),
estereótipos, preconceitos e crenças (KAYE et al., 2005), necessidades de tratamento
subestimadas (HENNENQUIM et al., 2000), mais idade e maior tempo de atividade
profissional (CASAMASSINO et al., 2004; GILL et al., 2000; TORRES, 2009), recursos
técnicos inadequados, tempo maior de consulta e capacidade econômica dos pacientes
(DAO et al., 2005; MERRY e EDWARDS, 2002; TORRES, 2009), falta de experiências
práticas educacionais com deficientes na graduação (CASAMASSINO e SEALE, 2003:
HALBERG, STRANDMARK, LINGBERG, 2004; LENNOX, DIGGENS,UGONI,1997;
WEIL e INGLEHART, 2010), qualidade questionável da educação para tratamento de
pacientes
especiais
(HALBERG,
STRANDMARK,
LINGBERG,
2004; WEIL
e
INGLEHART, 2010) têm sido associados na literatura a atitudes negativas e não
disposição para o atendimento em relação à pessoas com necessidade especiais.
Por outro lado, Casamassino et al (2004), ao analisarem o subconjunto de dados
da pesquisa nacional sobre necessidades de cuidados de saúde de crianças e adultos
com necessidades especiais (CSHCN) no que se refere aos cuidados para pacientes
especiais por dentistas clínicos gerais no EUA, mostrou que há três tipos de profissionais
com mais probabilidade de oferecer cuidados a pacientes especiais: aqueles que
trabalham em comunidades pequenas, com mais tempo de formado (apesar destes
relatarem não terem tido formação adequada para esse tipo de atendimento), e que
atendem crianças sem necessidades especiais de baixo poder aquisitivo, através de
seguro saúde. Este estudo foi corroborado por Halberg, Strandmark, Lingberg (2004) e
Loan, Zwetchkenbaum, Inglehart (2005). Esses resultados mostram a complexidade
38
envolvida na decisão dos profissionais na disposição ao atendimento dos pacientes
especiais, baseada em fatores relacionados a crenças, atitudes, financeiros e
educacionais.
Diante do que foi discutido até agora, torna-se pertinente uma reflexão sobre o
preparo dos CD para essa nova realidade, isto é, a atenção odontológica no contexto da
integralidade e efetividade do cuidado às pessoas com necessidades especiais. A
formação centrada em procedimentos técnico-cirúrgicos, falta de vivência em equipes
multidisciplinares e a inadequação dos currículos odontológicos em relação às demandas
e necessidades das pessoas com deficiência poderiam ser elementos dificultadores para
a transformação dessa atenção visando o paciente na sua totalidade? Segundo, Silva,
Panhoca e Blachman (2004), deveria ser uma preocupação das universidades da área
de saúde estudar e entender mais o ser humano e a sociedade, assim como faz com
doenças e procedimentos técnico-cirúrgicos (p.112.). Nessa perspectiva, considerar
outras dimensões na formação do CD torna-se pertinente na análise e integração de
conhecimentos específicos de diversas áreas com o objetivo comum de promover e
manter a saúde dos pacientes especiais.
Esse contexto está inserido naquilo que Chaves (1998) descreveu como uma
realidade complexa que aponta para a necessidade de uma reforma do pensamento. O
paradigma predominante na Ciência tem levado a uma contínua fragmentação do
conhecimento, gerando abordagens e intervenções centradas em aspectos biológicos,
com pouco diálogo com a singularidade dos indivíduos, o que tem resultado em limites
importantes na percepção das necessidades de atenção e na efetividade das
intervenções. Experiências educativas que propiciem uma reflexão sobre as várias
dimensões envolvidas com o cuidado em saúde contribuirão para formar profissionais
com um olhar mais atento, que permita ir além dos currículos engessados em disciplinas
e especialidades, e mais qualificados para atender as novas demandas da sociedade
(FILIPPETTO, 2005; TOASSI, 2008).
A literatura aponta a influência de experiências educacionais dirigidas a pessoas
com
necessidades
especiais
nas
atividades
de
graduação
nas
atitudes
e
comportamentos dos alunos e dos profissionais em relação à deficiência, bem como na
39
disposição e interesse ao atendimento desses pacientes (DAO, ZWETCHKENBAUM,
INGLEHART, 2005; De LUCIA e DAVIS, 2009; MORAES et al., 2006; SMITLEY et al.,
2009; WEIL e INGLEHART, 2010).
Segundo Castan e Macedo (2009), participantes de programas de treinamento,
onde há um contato por um período maior com essa população desenvolvem uma visão
mais ampla sobre a deficiência, sinalizando que a informação e formação na escola e no
trabalho são importantes na construção das percepções dos CD sobre as pessoas com
deficiência. Contribuindo para a compreensão dos fatores que podem afetar a formação
de atitudes, Wong et al. (2004) realizaram um estudo com alunos de programas de
reabilitação em quatro universidades diferentes nos EUA e constataram que as atitudes
do profissional são influenciadas por fatores relacionados com a deficiência (como a
visibilidade e influência das características sociais e de comportamento) e incapacidade,
e fatores não-relacionados (tais como sexo, etnia e ocupação).
As atitudes permitem às pessoas situarem-se em relação a um objeto, fato ou
pessoa diante dos outros em determinado momento, sendo experiências subjetivas,
construídas nas relações sociais que têm uma dimensão avaliativa e que podem sofrer
mudanças ao longo do tempo, através da incorporação de novas informações ou
experiências (BARBARÁ, SACHETI E CREPALDI, 2005).
Assim, as atitudes são
constantemente influenciadas por uma variedade de fatores, que permeiam todas as
relações desempenhando um papel importante na relação de ajuda, existindo segundo
Halberg, Strandmark e Lingberg (2004) dimensões inexploradas nas atitudes dos
dentistas para trabalhar com pacientes especiais.
A partir dessas considerações, e da experiência docente na disciplina de
atendimento a pacientes com necessidades especiais, desenvolveu-se o seguinte
questionamento: O atendimento a pacientes com necessidades especiais na graduação
em odontologia pode facilitar a qualificação dos CD diante das novas demandas
existentes, contribuindo para a formação integral do profissional influenciando o processo
de inclusão social desses indivíduos?
Nessa perspectiva, numa abordagem psicossociológica, conhecer as construções
de sentidos e significados a partir de uma rede de significantes que inclui atitudes,
40
práticas, conhecimentos, crenças e valores explicitados por alunos de graduação em
odontologia sobre deficiência, e a influência desses sentidos na sua formação profissional
como um todo e, especialmente em relação aos pacientes especiais, tornam-se
pertinentes para o aprofundamento dessas questões.
41
Capítulo 2
ABORDAGEM TEÓRICA
2.1- Teoria das Representações Sociais
Os seres humanos se desenvolvem na complexidade de uma cultura. O
conhecimento construído pelo homem sobre os diferentes objetos que o cercam – sejam
concretos ou abstratos – só fazem sentido dentro de um contexto multidimensional
associado à sua prática concreta e daqueles com quem interage ou que tem como
referência. Logo o estudo dos diferentes objetos sociais necessita de uma
contextualização dos sujeitos e objetos a eles relacionados (MADEIRA, 1998).
A concepção dualista das relações sujeito-objeto, particularmente desenvolvida
pelas abordagens behavioristas, e a dificuldade de apreender os espaços de mediação
das interrelações sujeito-outro-objeto tem suas origens na filosofia cartesiana e em suas
divisões exageradas entre pessoa e mundo, mente e corpo, eu e outro
(JOVCHELOVITCH, 2008).
A partir das primeiras críticas que se iniciam na França e na Inglaterra, sobre a
Psicologia Social vigente, hegemônica nos Estados Unidos da América do Norte, que não
conseguia explicar a diversidade dos fenômenos contemporâneos que nos cercam, surge
a teoria das representações sociais como uma nova concepção de estudo das produções
mentais não de um ser humano no social, mas de um ser humano social (JODELET,
2001; MOREIRA e SOUZA FILHO, 2003).
Moscovici encontra um campo de pesquisa propício à construção da teoria,
resgatando a noção de representação coletiva estabelecida por Durkheim, que
transforma o simbolismo numa atividade pela qual a sociedade torna-se consciente de si
mesma, num trabalho de uniformização do pensamento que toma forma de coerção; nos
trabalhos pioneiros de Lévy-Bruhl, que abandona o antagonismo entre individual e
coletivo inaugurando o exame dos mecanismos psíquicos e lógicos que estruturam o
pensamento (MOSCOVIVCI, 2001), e nas interpretações de Piaget e Freud acerca do
psiquismo humano (JOVCHELOVITCH, 2008).
42
O pesquisador parte de um questionamento sobre o que acontece quando um tipo
de conhecimento, no caso o conhecimento científico, circula na estrutura social para além
de sua origem e contexto de produção, elaborando um estudo sobre os sentidos
construídos em relação à psicanálise na França, centrando-se nas maneiras como
diferentes grupos sociais (profissionais liberais urbanos, católicos e comunistas) se
apropriavam e ressignificavam o objeto em questão. A publicação desse trabalho, “A
psicanálise sua imagem e seu público” em 1961, introduz a noção de representações
sociais (RS) e marca o nascimento da teoria das representações sociais (TRS) que se
baseia no reconhecimento do papel constitutivo do social na produção dos saberes
(MOSCOVICI, 2003).
Segundo Castro (2002), Moscovici em seu trabalho seminal a partir da análise da
penetração social e das transformações que sofrem os conceitos científicos quando
apropriados pelo senso comum, tenta explicar o caráter simultâneo dos fenômenos da
diversidade e do consenso, da diferenciação e da semelhança observados nas
sociedades atuais.
Dessa forma o conceito de representação coletiva criado na sociologia é, então,
remodelado e atualizado tornando-se mais dinâmico e compatível com as sociedades
contemporâneas, influenciadas por um processo intenso de comunicação, troca de
informações e novos conhecimentos.
WAGNER e HEYES (2011) assinalam que o conceito de representações sociais
não chamou atenção de imediato, sendo mencionado pela primeira vez, em nível
internacional, na década de 1970 em um artigo da Annual Review of Psychology sobre
investigação de atitudes. Nele Moscovici aplicava uma teoria original que pretendia ser
um contrapeso dinâmico para o conceito individualizado de atitude, parecendo ser mais
estático e pouco social para a psicologia moderna social. Todavia, sua proximidade
histórica com os conceitos clássicos de atitude e opinião, algumas vezes resulta em que
se use o de representações sociais de maneira equivocada, como um equivalente a
esses termos. Ainda segundo esses autores, uma representação social não é uma
descrição na acepção de uma proposição que possa ser verdadeira ou falsa. Ao contrário,
43
pode ser entendida como uma elaboração de ideias ou fatos que possuem verdade
fidedigna.
Para Jovchelovitch (2008), as representações sociais são uma construção
dialógica gerada pelas interrelações eu/outro/objeto-mundo, que está na base de todos
os sistemas de saber e que compreender sua gênese, desenvolvimento e modo de
concretização na vida social, permite compreender o elo que liga o conhecimento aos
indivíduos e comunidades, sendo um fenômeno tanto simbólico como social.
Devido a esse caráter simbólico, as representações sociais se encontram entre
o indivíduo e o mundo social e dotam os objetos e os fatos de um significado social único.
Dessa forma, convertem fatos brutos em objetos sociais que povoam o espaço de vida
dos grupos. As construções mentais só devem ser consideradas representações sociais
quando se tornam predominantes, mesmo que não completamente compartilhadas pelos
membros de um grupo culturalmente distinto dentro da sociedade. Não é necessário um
consenso completo, porém, deve haver uma base ampla de consenso entre os
companheiros de um grupo social.
As RS buscam o enfrentamento da diversidade e do novo no cotidiano funcionando
como um “espaço potencial de fabricação comum” (JOVCHELOVITCH,1994, p.81) do
conhecimento, indo além do psiquismo individual para o domínio coletivo e relacional da
vida em comum, e portanto espelham os diversos aspectos que caracterizam as relações
pessoais e sociais numa totalidade social determinada, num determinado tempo e espaço
(MADEIRA, 2003).
É impossível compreender as RS como um processo cognitivo individual, já que
são produzidas no intercâmbio das relações e comunicações sociais. Como diz Jodelet
(2001), é uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado tendo uma
intenção prática e concorrendo à construção de uma realidade comum a um conjunto
social (p.8).
Situando-se no “carrefour” de diversas áreas do saber, as RS vêm explicar os
sentidos que são atribuídos aos diferentes objetos a partir da experiência pessoal, mas
também de informações, saberes, modelos de pensamento, imagens, crenças,
constituindo-se uma forma de conhecimento específica, o saber do senso comum,
44
orientada para a comunicação, compreensão e o domínio do entorno social e material
(JODELET, 2001).
O aspecto relacional das RS permite o entendimento do que sejam os grupos e a
força das relações e da comunicação na sua constituição, configurando o espaço social
e simbólico dos sujeitos (GUARESHI e ROSO, 2014; MADEIRA, 2003).
Segundo Abric (1998), ...não existe uma realidade objetiva a priori, toda realidade
é representada (p.27), ou seja, os indivíduos e grupos apropriam-se dela, reconstroemna em seu sistema cognitivo, integram-na ao seu sistema de valores estando diretamente
relacionada às histórias e ao contexto social e ideológico que a cerca, sendo pois todo
conhecimento ao mesmo tempo simbólico e social. Ressalta ainda que as RS têm como
funções: o saber, explicando aspectos relevantes da realidade, a definição da identidade
dos grupos, protegendo a sua especificidade, orientação das práticas sociais,
dependendo sobretudo do modo como os sujeitos representam a realidade e
justificadora, permitindo depois da ação a justificativa de tomadas de posição e
comportamentos.
Os sentidos dos diversos objetos socialmente existentes não são iguais nem
construídos de modo isolado, pois se articulam dinamicamente com a totalidade social,
portanto dependem da origem dos sujeitos e do lugar social de onde falam, a respeito do
que falam e como falam e sobre o que falam do objeto e que efeitos esses sentidos
produzem na vida cotidiana (JODELET, 2000; MADEIRA, 2003).
Essas três questões preenchem o espaço de estudo das representações sociais
que passam pelas condições de produção e circulação das mesmas, o que depende de
fatores culturais, de pertença social e de comunicação, fundamentais nas trocas e
interações que concorrem para a criação de um universo consensual; seus estados e
processos representacionais que caracterizam a representação como forma de saber,
indo desde a forma de construção do pensamento, seus conteúdos e estruturas, à sua
função e eficácia sociais; e finalmente ao seu estatuto epistemológico ressaltando seu
caráter prático, isto é orientado para a gestão e a relação com o mundo (JODELET,
2000).
45
Jovchelovitch (2008) propõe um referencial para o estudo do trabalho das
representações baseado nos constituintes do processo representacional e nas relações
intersubjetivas e interobjetivas, que formam sua arquitetura básica, assinalando que a
gênese relacional do conhecimento faz dele um fenômeno plástico e variável que muda
dependendo do “quem”, “como”, ‘que”, “porque” e “para que” da representação,
dimensões que ela apontou como contextos de saber fundamentais pra se compreender
a expressividade de um sistema de conhecimento.
Nessa perspectiva através da TRS, pode-se identificar o caráter social da
dimensão individual nos estudos sobre deficiência, já que esta pressupõe um
metassistema de regulações sociais/normativas que intervêm e dirigem o sistema de
funcionamento cognitivo.
Nessa articulação é de fundamental importância o estudo dos processos pelos
quais as representações se constituem e a descrição de seus conteúdos e significados.
Nesse sentido o conceito de RS tem três dimensões internas: a informação (que tem a
ver com os conhecimentos sobre o objeto), a atitude (que parte da orientação global e
avaliativa em relação ao objeto) e o campo de representação (que reenvia para a idéia
de imagem como conteúdo concreto de proposições, tendo a ver com um aspecto
específico do objeto da representação) (JODELET, 2000; CASTRO, 2002).
A percepção dos diferentes objetos implica numa trajetória cognitiva atravessada
pelo psiquismo individual e social dando origem a dois processos, que mostram a
interdependência entre a atividade psicológica e as condições de seu exercício, os quais
Moscovici (2003) chamou de objetivação e ancoragem. Àquela dando um contexto
inteligível ao objeto, associando-o a uma figura, tornando-o concreto, palpável,
reproduzindo um conceito em uma imagem, e esta dando a essa figura um sentido,
tornando-a familiar. Os diferentes objetos são integrados a um pensamento social préexistente e a um amplo domínio experiencial, não arbitrário, mas que podem ser limitados
pelo marco da cultura comum, e num nível mais geral através de ideias fonte, esquemas
de imagens, arquétipos ou themata, base das muitas culturas, tentando mediar mais
claramente a ligação entre representações e comunicações e da forma como o passado
46
recente e mais antigo ressurge constantemente nas representações e comunicações
(CASTRO, 2002; JODELET, 2000; WAGNER e HEYES, 2011).
Através desses dois processos o social transforma o conhecimento, informação,
experiência em representação e esta transforma o social. Nesse sentido é possível
através da TRS identificar os vários aspectos nos quais os alunos ancoram o paciente
especial, enquanto um fenômeno relevante e o conhecimento atribuído ao mesmo.
Desde o seu início a TRS teve um forte elo com a área de saúde partindo-se do
trabalho inaugural de Moscovici sobre a psicanálise (1961), dando oportunidade a
pesquisas sobre representações sociais de doença e corpo com os estudos precursores
de Claudine Herzlich sobre os processos de saúde e doença e os de Denise Jodelet
sobre as representações sociais do corpo (JODELET, 1998).
No Brasil, dois fatores contribuíram para difusão da TRS no país: o retorno a partir
do final dos anos de 1970 de profissionais que foram realizar estudos de pós-graduação
na França e outros países europeus onde tiveram a oportunidade de entrar em contato
com essa teoria e a visita de Denise Jodelet na Paraíba em 1982 onde ministrou um curso
sobre a Metodologia da Pesquisa em Representações Sociais e assessorou a elaboração
de projetos nas áreas de psicologia social, educação e saúde mental (SÁ e ARRUDA,
2000). Esses autores assinalam, ainda, que a expansão desse campo será observada a
partir dos anos de 1990, apesar de antes já apresentar uma produção relevante no
nordeste brasileiro.
A TRS tem subsidiado investigação de variados objetos na área da saúde. A título
de ilustração, pode-se citar Ferreira et al. (2006) estudando os sentidos da perda dentária
e dos cuidados na saúde bucal; Bittencourt e Montagnoli (2007) investigando a
significação da surdez; Delmiro, Moreira e Alves (2012), Camargo et al. (2014), Gomes,
Silva e Oliveira (2011) utilizam a TRS para explorar as representações sociais da aids
construídas por idosos, na observância do tratamento ou das interfaces na vida cotidiana,
respectivamente; Carvalho, Queiroz e Ferreira (2013), Nascimento et al (2012) buscam
apreender os sentidos das lesões precoces do câncer cervicouterino objetivando sua
prevenção; Tura et al (2011) e Oliveira et al. (2014) procuram apreender os sentidos de
saúde e doença em grupos de idosos e indígenas, respectivamente, visando a
47
elaboração de programas de promoção da saúde; Mendes, Silva e Alves (2012)
investigam as representações sociais construídas por trabalhadores da atenção básica
de saúde sobre envelhecimento com o objetivo do aprimoramento da atenção prestada.
No mundo contemporâneo, assolado pela informação avassaladora através de
diversos meios como a mídia escrita, falada e digital, o profissional de saúde atua como
um mediador cultural entre o mundo científico e o cotidiano das pessoas comuns
(ARRUDA, 2002), transmitindo conceitos e ideias também construídos a partir de saberes
e crenças pré-existentes, apoiados na memória dos diferentes grupos que compõem a
área da saúde. A complexidade dos processos e comunicação que o eu desenvolve com
os outros está na base de sua identidade, dos saberes e da vida social e em particular a
relação do eu com a alteridade radical pode ser alimentada tanto por energias amorosas
como destrutivas, numa luta para preservar a onipotência do eu, levando à condutas e
práticas diversas que vão desde tentativas de comunicação e compreensão até práticas
de classificação, exclusão e até em casos extremos extermínio da perspectiva e corpo
do outro (JOVCHELOVITCH, 2008).
Nesse sentido, pacientes especiais, do mesmo modo das pessoas que vivem com
aids, por sua predominância social revelam-se um objeto propício para estudos
utilizando-se como base a TRS, pois possibilitam a apreensão dos processos e
mecanismos de construção de sentidos em relação ao objeto pelos sujeitos em seus
cotidianos (TURA, 1998).
Partindo dessas questões e diante da carência de estudos que enfatizem a
abordagem psicossociológica sobre a resistência e dificuldade de profissionais de saúde,
em especial, dos CD no atendimento dos chamados pacientes especiais, avalia-se ser
pertinente conhecer como o paciente especial é representado por esse grupo a fim de
identificar e entender as razões pelas quais alguns CD tratam pacientes especiais e
outros não. Nessa perspectiva, conhecer a construção de sentidos sobre deficiência e as
representações sociais dos alunos de graduação em odontologia sobre pacientes
especiais, e a influência dessas representações na sua formação profissional como um
todo e, especialmente em relação às pessoas com necessidades especiais, torna-se de
extrema utilidade para o estudo dessas questões.
48
O estudo do saber do senso comum mostra que o conhecimento não é privilégio
da ciência. A realidade pode ser vista por vários ângulos, dependendo do posicionamento
do observador. Existem muitas lógicas de interpretação do mundo, e nenhuma é mais ou
menos válida do que outra, mas apenas diferente.
A representação de determinado objeto não é um simples reflexo da realidade, e
não são unicamente construções mentais de sujeitos individuais, mas implicam um
trabalho simbólico que emerge das interrelações eu, outro e objeto-mundo e está
associada a fatores circunstanciais e fatores globais (normas, valores, crenças)
funcionando como um sistema de pré-decodificação, guiando a ação e orientando as
ações e relações sociais (ABRIC, 1994; MOSCOVICI, 2003; JOVCHELOVITCH, 2008).
O estudo das representações sociais implica em múltiplas perspectivas devido à
natureza dinâmica e à complexidade envolvidas, resultando num espaço de estudo
multidimensional, a partir de uma forma de conhecimento (saber prático) entre um sujeito
e um objeto.
Partindo-se de sua gênese e das condições que a regem, com seus aspectos
sociais, funcionais, efeitos de comunicação e pressões, pode-se entender a estruturação
das representações e de outros referenciais para compreender a realidade. Nesse
aspecto, Chaves (1998) assinala que o setor saúde precisa ser analisado sob inúmeras
dimensões o que proporcionará uma visão mais clara e completa da realidade. O autor
propõe a adoção de um novo paradigma em substituição ao paradigma flexneriano que
já não atende às necessidades de conhecimento contemporâneo, e que ele denomina de
paradigma da complexidade, considerado relevante para quem se propõe a estudar
representações sociais (RAGON, 2005).
Nessa perspectiva, a TRS revela todo o seu potencial para uma compreensão
mais pertinente e efetiva das atitudes e práticas dos CD em relação aos pacientes com
necessidades especiais, a partir da identificação dos vários aspectos nos quais se
ancoram a deficiência, e a produção de conhecimentos a ela atribuídos.
Quando o pesquisador escolhe como balizamento teórico a TRS, terá decisões e
escolhas específicas a fazer. Em função dos objetivos e necessidades do seu projeto,
terá de escolher a abordagem ou abordagens que mais se adequem ao mesmo.
49
Sá (1998) assinalava que a teoria original de Moscovici desdobrava-se em três
correntes teóricas complementares: a primeira liderada por Denise Jodelet, mais fiel a
teoria original associada a uma perspectiva etnográfica, a segunda, liderada por Willem
Doise em Genebra, numa perspectiva mais sociológica buscando nos determinantes
sociais encontrar os princípios organizadores das representações, também conhecida
como abordagem societal e a terceira desenvolvida por um grupo de estudiosos de AixProvence liderados por Jean Claude Abric, enfatizando a dimensão cognitivo-estrutural
das representações, chamada Teoria do núcleo central ou escola aixoise (CAMPOS e
LOUREIRO, 2003).
Atualmente, entretanto, outros estudiosos como Marková, Wagner e Heyes,
Jovchelovich e outros têm aprofundado ou desenvolvido novas reflexões teóricas, o que
confirma as palavras de Jodelet (2001), do campo de estudos em representações sociais
como um domínio em expansão, no qual se estruturam galáxias de saber (p.41)
Numa abordagem explicativa do fenômeno, utilizou-se nesse estudo a perspectiva
de triangulação, buscando-se descrever realidades objetivas considerando suas raízes
na dinâmica relacional.
Nesse caminho, primeiro se utilizou a abordagem estrutural, inaugurada por JeanClaude Abric (1994), que considera a importância da organização interna das
representações para a compreensão da sua dinâmica e por ser um instrumento
importante, na busca de respostas para os processos envolvidos na mudança de
atitudes, interesse particular deste estudo, e em seguida uma abordagem processual,
conforme proposto por Jodelet (2001), procurando dar um sentido para a combinação
particular de conceitos que fazem o seu conteúdo, a partir de inserções específicas dentro
de um conjunto de relações sociais e pontos de referências que orientam o debate social,
permitindo conhecer o posicionamento de grupos e indivíduos em diversas localidades
desse espaço de conhecimento (WACHELKE et al., 2008) .
2.2–Abordagem estrutural
Abric (2003) assinala, nesse campo de estudo, três idéias que devem ser
consideradas: de que as RS constituem conjuntos sociocognitivos organizados e
50
estruturados; que essa estrutura específica é constituída de dois subsistemas: um central
e outro periférico; que o conhecimento simples do conteúdo de uma representação não
é suficiente para defini-la, sendo necessário identificar os elementos centrais que a
organizam e lhe dão significado. Nesse sentido, Sá (2002) argumenta que as cognições
centrais não podem ser dissociadas do objeto correndo-se o risco de vê-lo perder toda a
sua significação. Abric (1998) destaca, ainda, que somente a identificação do conteúdo
de uma representação não é suficiente para o seu reconhecimento e especificação.
Insiste que a organização desse conteúdo é essencial: duas representações idênticas
por um mesmo conteúdo podem ser radicalmente diferentes, caso a organização destes
elementos, portanto sua centralidade seja diferente (p.31).
As diferentes opiniões e atitudes são consequência da função geradora do núcleo
central (dá significado e valor aos outros elementos) e podem-se denominar elementos
virtuais determinando a dimensão normativa do núcleo central. Já os elementos do
sistema periférico são funcionais, no sentido de que orientam as condutas e contém
supostos adicionais que sustentam o núcleo central em circunstâncias diversas e o
justificam (WAGNER e REYES, 2011).
O núcleo central, por sua estabilidade, conserva suas características nos
diferentes contextos e possui duas funções essenciais: geradora de sentidos dos demais
elementos, e organizadora, unindo e tornando estáveis os elementos da representação.
Esta condição o torna resistente à mudança, e por isso qualquer alteração irá determinar
uma transformação completa da representação, permitindo o estudo comparativo das
representações (ABRIC, 2003). É determinado pela natureza do objeto, mas também
pela relação que o sujeito ou grupo mantém com o mesmo podendo assumir duas
dimensões diferentes de acordo com a situação. Uma dimensão funcional voltada para
realização de tarefas, e outra normativa, mais ligada a situações relacionadas a
dimensões socioafetivas, sociais ou ideológicas (SÁ, 2002).
Os elementos periféricos organizam-se em torno do núcleo central e são mais
acessíveis, vivos e concretos atualizando e contextualizando as determinações do núcleo
central, sendo, portanto mais associados ao contexto imediato. Possuem três funções
básicas: concretização que permite a formulação da representação em termos concretos,
51
imediatamente compreensíveis e transmissíveis; regulação, essencial na adaptação da
representação às evoluções do contexto, fazendo dos elementos periféricos o aspecto
móvel e evolutivo da representação e de defesa, defendendo o núcleo central, que como
dito anteriormente resiste às mudanças (ABRIC, 2003).
De acordo com Sá (2002), os elementos periféricos são esquemas organizados
pelo núcleo central e, que associados a ele, permitem a ancoragem da representação na
realidade. Com características de orientadores de condutas, levam à tomada de posições
instantâneas sem a necessidade de busca dos significados centrais. Regulando e
adaptando o sistema central às especificidades das diferentes situações do cotidiano as
quais os grupos são confrontados, é o sistema periférico que vai absorver primeiro novas
informações ou eventos capazes de questionamentos ao núcleo central, constituindo a
sua análise um elemento essencial nos estudos de processos de transformação das
representações (ABRIC, 1994, 2003; SÁ, 2002).
Complementando, Wagner e Heyes (2011) assinalam que esse sistema de
operações mentais que ocorre no pensamento social constitui um sistema operativo que
envolve processos de pensamento que seguem as regras da vida cotidiana, sendo
determinados por um metassistema (limites impostos pela sociedade e cultura a seus
membros), que combinado ao sistema operativo estabelece um processo vertical de
acima-abaixo na cognição individual, guiando a ação na maioria das vezes, segundo
expectativas de consequências previsíveis, e que o estudo das RS permite uma visão
mais geral desses processos, identificando o seu início além da pessoa tendo suas raízes
no contexto social e cultural do grupo, sendo um constructo socialmente compartilhado.
As relações entre práticas sociais e representações introduziram a discussão
sobre a reversibilidade da situação na determinação de tipos de mudanças, ou seja, caso
a situação seja percebida como reversível ou não, os processos de transformação que
irão desenvolver-se são de natureza totalmente diferente. Para que ocorra uma
transformação da representação é necessário que a situação seja percebida como
irreversível, caso contrário, desenvolvem-se mecanismos de defesa e resistência à
mudança (ABRIC, 1994; FLAMENT, 2001).
52
Pesquisas confirmam a necessidade de se considerar a organização interna das
representações para compreender sua dinâmica (CAMPOS, 2003; SÁ, 1998; TURA et
al., 2011). Nesse sentido, estratégias metodológicas têm sido desenvolvidas na
abordagem estrutural, geralmente articuladas em três etapas: o recolhimento do
conteúdo, a pesquisa do núcleo central e da organização da representação e o controle
de centralidade (ABRIC, 1994).
A abordagem estrutural tem se mostrado, desde a sua introdução no campo das
representações sociais, bastante pertinente na análise científica das mentalidades e das
práticas sociais, como se pode observar nos estudos de Marková et Farr (1995) sobre
doença, saúde e deficiência e Serino (2000) onde estudou a representação social da
deficiência.
No Brasil, trabalhos como o de Campos (1998) sobre as RS de meninos de rua;
Tura (1998) sobre as RS da aids construídas por estudantes; Veloz, Schulze e Camargo
(2000), Santos, Tura e Arruda (2011) e Wachelke et al.(2008) a respeito da velhice;
Pecora e Sá (2008) estudando memória, gerações e contexto urbano, dentre vários
outros, têm demonstrado a importância da abordagem estrutural para o estudo
comparativo das representações e para o estudo dos processos de transformação das
representações, com uma base teórica consistente para a determinação dos elementos
constituintes e não constituintes das RS (DOISE, 1995; CAMPOS, 2003).
A partir de várias questões importantes, busca-se trazer respostas para os
processos envolvidos nas mudanças de atitudes, sendo o jogo e a interação entre
sistema central e sistema periférico elementos fundamentais na atualização, evolução e
transformação das representações (ABRIC, 2003).
Instrumentos específicos de pesquisa vêm sendo desenvolvidos e a criatividade
do pesquisador pode ser aplicada a partir de várias estratégias o que a torna um campo
fértil e promissor na pesquisa em representações sociais.
Dentre eles, objetivando colocar em evidência as propriedades de saliência e de
conexidade dos diferentes elementos de uma representação, as pesquisas iniciais do
Grupo do Midi, desenvolveram técnicas para coleta e análise de dados, como por
exemplo: a associação livre, a hierarquização de itens, indução por cenário ambíguo,
53
constituição de pares de palavras, carta associativa e para análise, a frequência e ordem
de evocação e análise de similitude (SÁ, 2002).
Desde então vários instrumentos vem sendo desenvolvidos como a rede
associativa
de
De
Rosa
(PEREIRA,
2005),
questionários
de
caracterização
reintroduzidos nos estudos de RS por Flament (VÈRGES, 2005), mapas mentais
(ARRUDA, 2014), e na análise dos dados, escalas multidimensionais, análise de
semelhanças, análise fatorial de correspondências (PEREIRA, 2005), e mais
recentemente análises textuais através de programas informáticos que oferecem
diferentes possibilidades de análise como a lexicografia básica (cálculo de frequência de
palavras) até análises multivariadas como: classificação hierárquica descendente e
análise pós-fatorial (CAMARGO e JUSTO, 2013).
Diversos programas informáticos para análise textual vem sendo desenvolvidos
na França, conhecidos como os text mining methods (TMM), que são os métodos de
mineração de textos (MMTs), sendo os principais: Alceste, Tri-deux (Mots), Spad-t,
Lexico, Hyperbase e mais recentemente o Iramuteq, que será descrito mais adiante no
capítulo de metodologia, pois será utilizado nesse trabalho (CAMARGO, 2005).
54
Capítulo 3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1- Objetivos
3.1.1-Objetivo geral
Apreender e analisar as representações sociais sobre pacientes especiais,
construídas por alunos do 1º, 2º e 7º, 8º períodos de graduação de odontologia da
Unigranrio –Campus Duque de Caxias-- RJ, visando dois momentos na formação desses
alunos: antes e após cursarem a disciplina de pacientes com necessidades especiais no
7º período.
3.1.2-Objetivos específicos
► conhecer o perfil da população em estudo
► caracterizar as representações sociais, sua estrutura e organização, acerca do
paciente especial
► comparar as RS dos alunos antes (1º e 2º períodos de 2011) e após (7º período
de 2014) terem contato com pacientes especiais na clínica
► identificar nos dois grupos, crenças, valores, normas, atitudes e práticas relativas
ao paciente especial e deficiência, associados ao processo de construção das
representações
► verificar como as representações sociais vêm orientando as práticas e condutas
dos alunos em relação às pessoas com necessidades especiais
► a partir dos resultados discutir as várias dimensões envolvidas no cuidado com
esses indivíduos visando intervenções futuras
55
3.2- Estratégia de pesquisa
Na complexidade das sociedades atuais, bombardeadas por um fluxo de
comunicação e troca de informações, num processo de transformação constante, faz-se
mister a superação de posturas reducionistas em termos técnicos e operacionais, com o
intuito de alcançar sentidos e significados envolvidos na construção dos fenômenos
sociais (SANTOS, 2009).
Por envolver diversos produtos mentais e culturais como crenças, valores, normas,
opiniões, imagens etc. o estudo de uma representação social deve sempre buscar a
complexidade do objeto em questão adotando para isso diferentes técnicas e estratégias
metodológicas visando apreender as diferentes dimensões da representação (JODELET,
2001).
A sobreposição de procedimentos na coleta e análise de dados amplia o olhar do
pesquisador e contribuem para um aprofundamento no estudo dos diferentes objetos
conciliando
estratégias
quantitativas e
qualitativas numa
tendência
atual de
reconhecimento mútuo e integração entre ambas as abordagens (SANTOS, 2009).
Uma estratégia de pesquisa nesse sentido visando assegurar a validade das
pesquisas no campo das ciências sociais, é a triangulação. Segundo Madiot e Dargentas
(2010), a triangulação visa trabalhar os dados em quatro modalidades possíveis:
triangulação dos dados (cruzamento de dados de várias fontes); triangulação
metodológica (recorre-se a várias fontes de recolhimento e tratamento dos dados);
triangulação dos pesquisadores (cruzamento de suas leituras do material); triangulação
teórica (confrontação de várias teorias sobre o mesmo objeto de pesquisa). Assinalam
ainda, um último tipo de triangulação introduzida mais recentemente, a triangulação
interdisciplinar, que retorna à necessária articulação dos dados com outros campos
disciplinares (psicologia, antropologia, história, sociologia etc).
Em função da natureza do objeto, da problemática e dos objetivos teóricos uma
ou outra forma de triangulação é privilegiada. No campo das representações sociais o
trabalho de Jodelet (2005) sobre a loucura tem sido lembrado como um dos bons
exemplos do uso de triangulação metodológica, sendo uma referência na área pelo rigor
metodológico e aprofundamento dos resultados. Nesse sentido buscou-se nesse trabalho
56
uma triangulação metodológica na coleta e análise dos dados. A investigação foi iniciada
com um processo de observação, seguido da utilização da abordagem estrutural e
processual das representações sociais.
3.3-Campo da pesquisa
3.3.1- Clínica de Atendimento a pacientes com necessidades especiais da Universidade
do Grande Rio (UNIGRANRIO)-RJ
A atuação durante 15 anos como professora da disciplina de Pacientes com
Necessidades Especiais da Faculdade de Odontologia da Unigranrio despertou na
pesquisadora o interesse pelo objeto do estudo. A proximidade com o campo foi de
fundamental importância para os questionamentos iniciais e a fase de observação que
permeou todo o trabalho. Apesar do afastamento da disciplina em julho de 2013, faltando
ainda 1 ano para o término da pesquisa, o contato da pesquisadora com o campo
continuou viável e frequente.
A disciplina Pacientes com Necessidades Especiais existe desde 1989, sendo a
Unigranrio a primeira instituição a oferecer essa disciplina no currículo de graduação em
odontologia no Estado do Rio de Janeiro. Essa iniciativa surgiu a partir de um projeto de
atendimento a pessoas especiais justificado pela alta demanda desses pacientes,
elaborado pelo Professor Roberto Elias da disciplina de clínica integrada, com formação
à época em cirurgia buco-maxilo-facial, e hoje especialista também em atendimento a
pacientes especiais.
Com a proposta de atuação de uma equipe multidisciplinar junto aos alunos, hoje
a equipe conta com uma médica pediatra especialista em neonatologia, e uma assistente
social, além dos cirurgiões-dentistas. Entretanto, houve a participação de uma psicóloga
e uma fonoaudióloga.
Funcionando sem interrupção desde 1989, até 1999 era uma disciplina optativa. A
partir de 2000, passou a ser obrigatória com o reconhecimento da especialidade pelo
CFO.
57
Os alunos podem se inscrever a partir do 7º período e a duração é de um semestre,
com a disponibilização de vagas para os que queiram continuar como monitores. Já
passaram até 2014 pela disciplina em torno de 1.900 alunos.
A disciplina tem conteúdos teóricos e a partir do segundo mês os alunos iniciam
um estágio prático, na clínica. Todos os pacientes passam pela avaliação da assistente
social, que dá orientações e faz os encaminhamentos necessários.
Durante o período do atendimento, a médica pediatra da equipe de professores,
dá o suporte necessário para uma abordagem mais ampla dos aspectos médicos dos
pacientes e possíveis intercorrências. Os cirurgiões-dentistas são especialistas em
atendimento a pacientes especiais, além disso, muitos deles são formados em outras
especialidades: estomatologia, periodontia, prótese, odontopediatria e cirurgia bucomaxilo-facial. Conta-se também com o auxílio de monitores e um ex-aluno com formação
em endodontia.
A avaliação do aproveitamento na disciplina é realizada através de vários
instrumentos: prova teórica, avaliação de desempenho clínico, seminários, análise de
casos clínicos e de artigos, provas orais em grupo. Os alunos são estimulados a participar
e estimulados a apresentar seus trabalhos em eventos científicos sob a orientação dos
professores.
São realizadas desde 2000, uma vez por ano atividades como campanhas
educativas envolvendo instituições que atendem pessoas especiais com Apaes, Instituto
Pestallozzi, escolas e clínicas, onde os alunos realizam atividades de orientação e
educação para saúde desses indivíduos e responsáveis, utilizando diversas estratégias
de comunicação como teatro, vídeos, palestras, pintura, modelagem, brincadeiras,
escovódromo etc.
É muito comum ocorrerem festas no decorrer do curso em datas especiais como
Páscoa, período junino, dia da criança e Natal, onde os alunos enfeitam a clínica e
interagem com os pacientes através de brincadeiras, trocas de presentes, comes e
bebes, fotos, música e muita animação. Tudo por iniciativa e organização dos alunos.
Em relação ao público alvo, no período de 2011 a 2013, foram atendidos na Clínica
de Pacientes Especiais da Unigranrio (CPE/Unigranrio), um total de 105 pacientes, 54 do
58
sexo feminino (51%) e 51 do sexo masculino (49%), com um leve predomínio do sexo
feminino. Este resultado está de acordo com o achado por Santos, Aquino e Fernandes
(2008). Entretanto, Pereira et al. (2010) e Silva et al. (2005) relatam proporções inversas
com predominância do sexo masculino, embora com pequenas diferenças das
proporções entre os sexos.
A amplitude da idade correspondeu ao intervalo de 5 a 81 anos com média de 31
anos (DP=15,6) e mediana de 29, resultados similares aos de Previtalli, Ferreira e Santos
(2012).
O município de origem de 95% da amostra foi o Rio de Janeiro.
Para analisar os diagnósticos mais prevalentes adotou-se a adaptação de tipo de
necessidade especial da International Association of Dentistry for Disabilities and Oral
Health (IADH) elaborada por Pereira et al. (2010).
As deficiências neurológicas
corresponderam a 44,2%, seguidas de distúrbios sistêmicos (23,4%), distúrbios
congênitos (17,1%) e distúrbios psicossociais (10,8%) como pode ser observado na
tabela 1. Pereira et al (2010) em Canoas-RS e Previtali, Ferreira e Santos (2012)
encontraram quadro nosológico semelhante ao descrito.
Tabela 1 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/Unigranrio, segundo o tipo de necessidade
especial*. Período de 2011 a 2013.
Diagnóstico
f**
%
Deficiências neurológicas: deficiência mental, paralisia cerebral,
meningoencefalia, microcefalia, aneurisma, epilepsia;
49
44,2
Distúrbios congênitos: fendas palatais e labiais, síndromes
19
17,1
Distúrbios psicossociais: esquizofrenia, bipolar, drogadito, autista,
depressão, hiperativo;
12
10,8
Distúrbios sistêmicos: diabete, cardíacos, fenilcetonúria,
toxoplasmose, pulmonares, tireoidismo
26
23,4
Condições sistêmicas especiais: gestantes, transplantados,
colostomia, oncológicos, aids;
2
1,8
Sem informação
3
2,7
Total
111
100,0
*Tipo de necessidade especial, adaptado da IADH – International Association of Dentistry for Disabilities
and Oral Health por Pereira et al. (2010)
**Alguns pacientes possuíam mais de um diagnóstico
59
Constata-se que no perfil dos clientes atendidos há um predomínio de deficiências
neurológicas, distúrbios congênitos e distúrbios psicossociais correspondendo a 72.1%
dos pacientes atendidos similar a outros estudos (MARTA, 2011; PEREIRA, et al., 2010)
Nos prontuários consultados verificou-se que uma proporção de 42% de pacientes
frequentam escolas, sendo que 56% em escolas especiais e 35% em escolas
convencionais, não havendo informação do restante.
O acompanhamento médico é observado em 52% dos pacientes, sendo que a
principal especialidade informada é a neurologia (82%), dado coerente com o quadro
nosológico encontrado. Além disso, 23,2% têm atendimento em psicologia e 21,4% em
fonoaudiologia. Vale registrar que, apesar da elevada proporção de encefalopatas
crônicos (22%), o acompanhamento fisioterápico, só foi declarado por cinco sujeitos,
correspondendo a 8,9% do total, o que pode ser explicado pela baixa oferta desse tipo
de profissional na rede pública e privada. (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/ Unigranrio, no período de 2011 a 2013, por
tipo de acompanhamento profissional
Acompanhamento profissional
N
%
Neurologia
36
82
Psicologia
13
23,2
Fonoaudiologia
12
21,4
Cardiologia
6
10,7
Fisioterapia
5
8,9
Psiquiatria
4
7,1
Hidroterapia
1
1,8
Terapia Ocupacional
1
1,8
Infectologia
1
1,8
Endocrinologia
1
1,8
60
Do total de pacientes 52% estão em manutenção do tratamento odontológico,
retornando todo semestre. No período de 2011 a 2013, 38 pacientes (36%) finalizaram o
tratamento. Encontrou-se uma média de 7 consultas por paciente, nesse período.
As principais necessidades de tratamento foram nas áreas de: prevenção
(instrução de higiene oral, orientações dietéticas, profilaxia, selamentos e flúor) 44,7%,
dentística (51,4%), periodontia (46,6%) e cirurgia (33,3%), resultados similares aos
encontradas por Pereira et al (2010).
Do total de pacientes atendidos, apenas um foi encaminhado para tratamento em
outra unidade, por impossibilidade de atendimento ambulatorial, demostrando alto nível
de resolutividade no atendimento pelos alunos sob supervisão docente.
3.4- Sujeitos do estudo
O foco do estudo foram alunos de graduação em Odontologia de uma universidade
privada do Rio de Janeiro, antes e após cursarem a disciplina de clínica de atendimento
a pacientes especiais, por preencherem os requisitos do objetivo do estudo.
O estudo teve início em agosto de 2011 e terminou em outubro de 2014.
Os sujeitos do presente estudo, num primeiro momento, constituem a amostra de
395 alunos, sendo 232 (59%) dos 1º e 2º períodos e 162 (85,3%) dos 7º e 8º períodos,
que estudavam no Campus Caxias da Faculdade de Odontologia da Unigranrio, no
período da coleta dos dados, nas referidas turmas do 2º semestre de 2011, 2012 e 2013;
em 2014, foram acrescentados alunos do 7º período, diante da constatação do menor
número de alunos que chegam ao final do curso, o que poderia prejudicar o estudo. Num
segundo momento participaram alunos de vários períodos (1º, 2º, 3º, 6º, 7ºe 8º), num
total de 33, para apreender o processo de construção das representações do objeto em
estudo.
O critério de inclusão utilizado foi o aluno estar presente na hora da aplicação do
instrumento e concordar em respondê-lo, após serem informados dos objetivos e
implicações do trabalho e assinarem o consentimento livre e esclarecido. Dessa forma
pretendeu-se abranger dois momentos na formação desses alunos: antes e após
cursarem a disciplina de pacientes com necessidades especiais no 7º período.
61
3.5- Observação participante
O trabalho de campo iniciou-se com um processo de observação que permeou
toda a pesquisa.
A observação tem sido cada vez mais empregada em pesquisas na área da saúde
na investigação de diferentes objetos (CAPRARA e LANDIM, 2008). Segundo
Vasconcelos (2000), o cotidiano é um espaço definido num determinado tempo, onde se
configuram significados e se desenvolvem ações e experiências dos indivíduos e grupos,
sendo a observação uma técnica que se materializa na vida cotidiana através dos
encontros humanos. O autor enfatiza que não existe observação sem participação, pois
o pesquisador se insere no cotidiano das pessoas onde se produzem sentidos que
orientam as ações sociais.
Nessa perspectiva, é de suma importância a aproximação com a realidade dos
sujeitos, o que possibilita observar diferentes comportamentos e a circulação de sentidos
que se dão no contexto das relações e condições sociais de sua produção (QUINTANA
e MÜLLER, 2006; TURA, 2003). Dessa forma, a observação possibilita a apreensão da
realidade concreta, sem algumas mediações que podem enviesar a coleta de dados
(PEREIRA JÚNIOR, 2005).
A aproximação da pesquisadora com o campo da pesquisa, por ter sido professora
da disciplina de pacientes com necessidades especiais na faculdade de Odontologia da
Unigranrio durante 15 anos, facilitou a observação do comportamento dos alunos e
alunas, suscitando o questionamento inicial que deu origem a esse trabalho, a partir da
experiência e aproximação com o universo do estudo. Esse contato constante permitiu
uma melhor apreensão dos modos de agir e das formas de comunicação entre os
sujeitos, bem como de suas crenças, atitudes e práticas em relação ao paciente especial
antes, durante e ao término da disciplina.
A partir da observação sistemática nas atividades teóricas e práticas junto aos
alunos e alunas, e em outros espaços, foi-se aprimorando o olhar da pesquisadora no
sentido de conhecer a maneira de pensar, costumes e hábitos dos alunos e alunas, o que
permitiu, segundo Gambôa (2014, p 52), “a construção de instrumentos de coleta de
dados adequados ao ambiente sociocultural e à linguagem desses grupos sociais”.
62
A observação sistemática como técnica intenta coordenar, selecionar e interpretar
o conjunto de fenômenos observados, a partir de um registro minucioso, numa
perspectiva dinâmica de forma a captar as crenças, sentidos, hábitos e normas relevantes
para os sujeitos da pesquisa (TURA, 2003).
Sendo essa técnica utilizada como uma primeira etapa de coleta de dados, numa
perspectiva de triangulação metodológica, a pesquisadora desde o início do estudo nos
contatos semanais com os alunos e alunas anotava todas as observações num diário de
campo, buscando realizar uma avaliação das condições objetivas e subjetivas dos
aspectos relevantes para o foco da pesquisa.
Segundo Tura (2003), o diário de campo é fundamental, buscando registrar
constatações, verbalizações, gestos e silêncios que são fontes ou sinais de significados.
Para isso é necessário sensibilidade, rigor e persistência.
Esse diário de campo foi utilizado no decorrer de toda a pesquisa, seja para
anotações ou consulta e em todas as etapas subsequentes desde o planejamento até a
análise dos dados e conclusões.
3.6- Instrumentos de coleta e análise de dados
3.6.1-Questionários
Na abordagem estrutural das representações sociais, busca-se investigar a
estrutura e organização de seus conteúdos. Na primeira etapa, identificação dos
conteúdos, o uso de questionários tem sido bastante frequente. Devem ser construídos
e testados depois de apropriada revisão de literatura e observações do campo que
permita contextualizar o objeto de estudo e orientar o pesquisador na coleta de dados
que facilitem o acesso à estrutura interna das representações (SÁ, 2002).
A fim de apreender os conteúdos das representações sociais desse grupo em
relação ao paciente com necessidades especiais, em uma primeira etapa, utilizou-se
como instrumento de coleta de dados um questionário iniciado com um teste de
associação de palavras com o termo indutor “paciente especiais” e indicação das
palavras avaliadas como mais importantes, onde solicitou-se aos sujeitos que a partir das
63
palavras evocadas, fizessem uma escolha das duas que avaliassem como as mais
importantes, num trabalho cognitivo de hierarquização. Segundo ABRIC (2003), a
associação livre permite a atualização dos elementos implícitos ou latentes que seriam
perdidos ou mascarados dentro das produções discursivas (p. 377).
Na sequência, questões abertas e fechadas objetivavam a identificação
sociodemográfica dos sujeitos, nível de informação sobre pacientes especiais e questões
visando explorar normas, valores, crenças, fontes de informação e práticas dos sujeitos
em relação ao objeto em estudo. A elaboração do questionário foi realizada a partir dos
dados da fase de observação, da revisão de literatura e testado através de um estudo
piloto realizado com alunos dos primeiros e últimos períodos do 1º semestre de 2011,
antes do início da pesquisa.
Colaborando no estudo contou-se com a ajuda de três alunas que participaram de
projetos de iniciação científica respectivamente no 2º semestre de 2011 a 1º semestre de
2012, 2º semestre de 2012 a 1º semestre de 2013 e 2º semestre de 2013 a 2º semestre
de 2014, no trabalho de campo e organização dos dados. As duas primeiras já haviam
passado pela disciplina, a última não.
Todo material obtido, foi transcrito e digitalizado pela pesquisadora com auxílio de
alunas de iniciação científica e tabulados com a ajuda do programa Excel® 2007.
Inicialmente, analisando-se as evocações, partiu-se para o preparo do corpus efetuandose uma leitura flutuante, e em seguida uma organização do mesmo em categorias
produzidas através de padrões pré-estabelecidos, da unificação das palavras em gênero,
número e sinônimos.
Para a análise dos dados foi usada a aplicação do duplo critério de prototipicidadefrequência e ordem de evocação (VERGÈS,1992). Essa técnica combina a análise da
frequência de emissão de palavras, e ou expressões com a ordem em que estas são
evocadas.
A distribuição desses dois parâmetros num gráfico de dispersão, permite que se
distribua os elementos em quadrantes, produzidos a partir da interseção da média de
frequência de evocação com a média das respectivas ordens médias de evocação, o que
possibilita – através da associação da dimensão coletiva (frequência) e individual (ordem
64
média de evocação) – o levantamento dos elementos que mais provavelmente pertencem
ao núcleo central e periférico da representação estudada (TURA et al., 2011).
Na análise das palavras indicadas como mais importantes foi efetuada a
comparação das frequências da evocação da palavra e de sua escolha como principal.
Quando a queda entre a primeira e a segunda escolha é menor do que 50%, permite-se
levantar a hipótese de que a palavra, de fato, pertença ao núcleo central (CAMPOS,
2003).
Nessa fase contou-se com o auxílio do programa EVOC® 2000 (VERGÈS, SCANO
e JUNIQUE, 2000), que assegura a detecção dos elementos do núcleo central como
àqueles mais frequentes e mais prontamente evocados pelos sujeitos.
Em seguida, voltou-se ao campo para aplicação de um teste de dupla negação,
para se testar a centralidade dos elementos identificados como possíveis componentes
da representação (CAMPOS, 2003; SÁ, 2002).
Existem diversas técnicas para o controle da centralidade, que foram
desenvolvidas a fim de confirmar os elementos centrais e validar a análise estrutural,
baseadas no princípio geral do questionamento da imprescindibilidade de um dado
elemento para a representação. A técnica mais conhecida no Brasil difundida pelos
estudos de precursores de Sá (2002), o teste da dupla negação (“mise-em-cause”).
A técnica da dupla negação consiste em perguntar aos sujeitos se na ausência de
determinado elemento o objeto de representação ainda mantém sua identidade. Para
tanto, pergunta-se, por exemplo, posso pensar em “pacientes especiais” sem pensar em
‘nome do elemento” e as respostas possíveis são: sim, posso; não, não posso; não sei
dizer. Se mais de 70% dos sujeitos optarem por “não, não posso”, dupla negação,
significa que ele é qualitativamente central para essa população (CAMPOS, 2003; SÁ,
1996).
Segundo ABRIC (2003), essas três etapas são essenciais e incontornáveis,
garantindo o valor dos resultados e análise.
Uma vez identificados os elementos constituintes da estrutura representacional, é
preciso que se analise como estão organizados, isto é, quais as conexões que existem,
65
expondo o valor simbólico desses elementos, na medida em que se explicitam as
relações significativas entre os conjuntos formados por eles. Essa tarefa foi realizada
através da análise de similitude, empregando-se o programa Dressing® (VERGÈS et
JUNIQUE, 1999), onde se desenha uma matriz de similitude, para todos os itens do
corpus, chamada de árvore máxima, tendo como referências o número de coocorrências, as ligações específicas entre elementos e o número de sujeitos, visando
conhecer os elos, relações e hierarquia entre os diversos elementos da representação
(PEREIRA, 2005).
Diversas ligações se estabelecem entre os elementos da representação formando
esquemas que são a base do processamento da informação. Identificados pela teoria
dos grafos, podem aparecer como gráficos estelares com o elemento central ligado a
pelo menos cinco outros elementos, sendo um forte indício de centralidade desse
elemento, como triângulos, processados conscientemente apontando para diferentes
aspectos imbricados nas cognições dos sujeitos ou com mais de três elementos na forma
de círculos, processados inconscientemente, podendo indicar a importância de fatores
psicossociológicos que influenciam a representação do objeto (PEREIRA, 2005).
Em seguida na direção de um alcance maior de dados na contextualização do
objeto, as perguntas fechadas foram tratadas por análise de proporções e as abertas pela
análise temática de conteúdo (BARDIN, 2003). A autora propõe três fases nesse
processo analítico: pré-análise, o tratamento dos dados, inferência e síntese dos
resultados.
Na pré-análise ou análise inicial, fazemos uma leitura flutuante (mecanismo
exploratório) de todo o material e estabelecemos princípios de organização do mesmo, a
fim de constituir-se um corpus de análise, através de uma preparação cuidadosa de
designação, reunião e preparo dos dados que serão submetidos a análise. Nesse
momento formulamos hipóteses, os objetivos a serem alcançados e as técnicas que
serão utilizadas, destacando-se a análise categorial e análise de enunciação.
Na análise categorial foi efetuada a classificação dos dados segundo diferentes
critérios e objetivos. O nível de categorização pode ser semântico procurando-se as
unidades de significação de base ou temas por trás das palavras (análise temática).
66
Utilizamos para isso três parâmetros principais: a frequência das ocorrências, a
observação de co-ocorrências e a ordem de aparição das ocorrências nas verbalizações
dos sujeitos, produzindo-se algumas variáveis a serem inferidas (BARDIN, 1979).
Posteriormente, a partir da análise dos questionários respondidos, foi elaborado
um roteiro para entrevista em profundidade.
3.6.2- Entrevistas
Silva e Ferreira (2012) assinalam que, sendo a conversação elemento central do
universo consensual, as entrevistas constituem-se de grande importância como uma
técnica de coleta de dados para a pesquisa sobre RS. Ressaltam alguns elementos
essenciais ao roteiro da entrevista, visando a produção de dados que produzam
informações que atendam aos objetivos propostos. Em primeiro lugar deve-se nortear a
elaboração do roteiro em fundamentos teóricos relevantes tendo sempre em mente que
as RS são estruturas cognitivo-afetivas e, portanto, deve-se buscar os elementos e
relações que a constituem. Para isso os autores propõem um roteiro baseado nas três
perguntas essenciais propostas por Denise Jodelet (2001): quem sabe, e a partir de onde
sabe? O que e como sabe? Sobre o que sabe, e com que efeitos? Desse modo, esperase chegar às três dimensões do espaço de estudo das representações sociais: as
condições de produção e circulação das representações (a marca social das
representações); os processos e estados das representações sociais (imagens, ideias e
valores presentes no discurso sobre o objeto) e, por fim, o estatuto epistemológico das
representações sociais, (a relação da representação com o real envolvendo aspectos
normativos, valores de quem representa, e o imaginário do sujeito).
Nesse sentido, Bauer e Gaskell (2002) propõem alguns critérios específicos que
devem ser respondidos por uma entrevista, visando acessar a memória episódica (ligada
a circunstâncias concretas como tempo, espaço, pessoas, acontecimentos e situações)
e semântica (mais abstrata e descontextualizada) que compõe o conhecimento. Os
autores sugerem a combinação de convites para narrar acontecimentos concretos
relevantes para o tema com perguntas mais gerais de relevância pontual, menção a
situações concretas em que se pressupõe que os entrevistados possuam determinadas
experiências e abertura para permitir que o sujeito selecione o que ele quer relatar e de
67
que forma (narrativa, descrição) tendo como referência a relevância subjetiva da situação
para o entrevistado.
Em relação à linguagem a ser utilizada na elaboração das perguntas, Silva e
Ferreira (2012) destacam, que existe uma corrente que defende que a linguagem deve
se aproximar da linguagem mais espontânea possível utilizada pelos sujeitos, e outra que
acha que a linguagem deve ir além da espontaneidade buscando aspectos não
verbalizáveis pelos sujeitos, que podem constituir-se no principal conteúdo da
representação, revelando a chamada zona muda, que são cognições ou crenças que não
são expressas pelo sujeito em condições normais de produção, porque podem entrar em
conflito com valores morais ou normas do grupo. Nesse sentido o uso de técnicas de
substituição (responder no lugar do outro) ou descontextualização normativa (condição
na qual o entrevistado pensa estar respondendo a um pesquisador que não pertence ao
seu grupo de referência em relação ao objeto) são utilizadas para buscar identificar a
existência ou não da zona muda da representação. Assinalam ainda que se deve evitar
questões de definições, dando lugar a questões que busquem julgamento de valores visto
que sendo as RS guias para a ação, não se pode separar o aspecto cognitivo do afetivo.
Em síntese os autores resumem que o roteiro da entrevista deve partir da concretude do
fenômeno abordando aspectos do cotidiano prático dos sujeitos no intuito de captar os
elementos que compõem e estruturam a representação, deve também abordar os
elementos que integram o campo da representação, ou seja, as informações, imagens,
opiniões, atitudes, e questões que visem compreender o grupo no sujeito e o sujeito no
grupo e salientam a importância de se coletar os dados sociodemográficos tentando
acessar as condições de produção da representação social ou seja qual a origem do
sujeito, de onde vem, de onde fala e o que orienta seu o pensamento e sua ação.
Buscando contemplar todas essas orientações descritas anteriormente conforme
proposto por Bauer e Gaskell (2002), e levando-se em consideração dados dos
questionários já respondidos, elaborou-se um roteiro inicial e foram realizadas duas
entrevistas piloto, a partir das quais se buscou um ajuste que a adequasse aos objetivos
e referencial teórico propostos. Após essas duas entrevistas iniciais chegou-se a um
roteiro final da entrevista (anexo 4).
68
As entrevistas foram então realizadas com alunos que não haviam ainda cursado
a disciplina (1º, 2º, 3º e 6º períodos) e àqueles que já haviam cursado e que estavam
cursando (7º e 8º períodos). Para isso, com a ajuda da aluna de iniciação científica foram
feitos contatos com alguns alunos convidando-os a participar da pesquisa. Com os alunos
dos primeiros períodos (1º, 2º e 3º) devido a maior dificuldade de contato foi marcado
data e hora. Com os alunos do 6º, 7º e 8º períodos as entrevistas foram feitas em um dia
de clínica com a ajuda da equipe de professores que ia liberando cada aluno para a
entrevista durante o período do atendimento. Ao término da coleta de dados iniciou-se o
processo de transcrição e digitalização das entrevistas, para em seguida proceder-se a
análise textual.
Nesse processo contou-se com auxílio do software IRAMUTEQ®, desenvolvido
por Pierre Ratinaud, que se ancora no software R (www.r-project.org) e na linguagem
Python (www.python.org). Esse software permite fazer análises estatísticas sobre corpus
textuais e sobre tabelas (LAHLOU, 2012; CAMARGO e JUSTO, 2013). Oferece ao
pesquisador possibilidades diversas de análises de dados textuais, indo da lexicografia
básica como cálculo de frequência de palavras até análises multivariadas, como
classificação hierárquica descendente(CHD) e análise pós-fatorial (CAMARGO e JUSTO,
2013).
Esse tipo de análise feita a partir de diferentes métodos permite a partir da
“garimpagem” dos significados do texto, explorar-se vários aspectos da cultura e da
mente humana que se manifestam no decorrer das falas, e tem sido bastante utilizada
no campo de estudos em representações sociais e em diferentes áreas das ciências
sociais e humanas. No campo das ciências da computação é conhecida pela expressão
“text mining methods” (TMMs), em português, “métodos de mineração de textos” (MMTs)
(CHARTIER E MEUNIER, 2011, p.3).
O modelo linguístico por trás dos MMTs baseia-se na hipótese de que as relações
linguísticas que se estabelecem num determinado corpus são de co-ocorrência e de
proximidade/equivalência no espaço vetorial (CHARTIER e MEUNIER, 2011).
De acordo com Lahlou (2012), os MMTs objetivam identificar no discurso classes
de enunciados parecidos, caracterizadas por traços lexicais típicos que podem ser
69
considerados como expressões de uma essência comum, o que mais tarde ele chamou
de blocos de construção das RS. Idealmente, segundo o autor, cada classe é constituída
de enunciados classificados por analogia e contraste, de acordo com o seu conteúdo
lexical, seguindo uma coerência interna que a diferencia claramente das outras classes.
Na área de estudos em representações sociais, o software ALCESTE® (Análise
contextual lexical de um conjunto de segmentos de texto), projetado por Max Reinert, tem
sido considerado o software de implementação desses métodos de mineração de textos
referidos acima, com sua primeira utilização na década de 1990, pelo pesquisador Saadi
Lahlou em sua tese de doutorado no ano de 1995. Vale salientar, que o software não é o
método em si, mas uma forma particular de implementar o método, sendo este
independente daquele (CHARTIER e MEUNIER, 2011). Nesse sentido é de vital
importância o enquadramento teórico subjacente da técnica (LAHLOU, 2012; p.4) e a
consciência do pesquisador para as necessárias idas e vindas entre as hipóteses
interpretativas e os resultados obtidos através dos programas.
O software IRAMUTEQ®, que foi utilizado neste trabalho, foi desenvolvido, usando
os mesmos algoritmos como o ALCESTE®, em uma fonte aberta de versão gratuita,
incorporando recursos interessantes que não foram incluídos no ALCESTE® (LAHLOU,
2012; p.4).
Segundo Camargo e Justo (2013), o programa trabalha numa sequência de
etapas. Primeiro reconhece as unidades de contexto inicial (UCIs) que são as unidades
que formarão o corpus que é monotemático (entrevistas, questões abertas) e faz a
primeira segmentação do texto em formas reduzidas agrupando palavras em função de
suas raízes (formas reduzidas), fazendo o cálculo dessas formas reduzidas (dicionário
de formas reduzidas) e identificando formas ativas e suplementares. Em seguida obtêmse segmentos de texto (ST) de acordo com as semelhanças do vocabulário, e o conjunto
de segmentos de texto é repartido em função da frequência das formas reduzidas
utilizando como parâmetro o teste qui quadrado (X2). Quanto maior o X2 mais significativa
a sua relação na classe e mais improvável a sua presença em outra classe da partição,
que é a chamada classificação hierárquica descendente (CHD). Quando as classes
obtidas alcançam a estabilidade, ou seja, são compostas de segmentos de texto com
70
vocabulário semelhante e diferente dos segmentos de texto das outras classes a
classificação hierárquica descendente está pronta. O programa apresenta então o
dendograma que ilustra as relações entre as classes e em seguida a análise fatorial de
correspondência da classificação hierárquica descendente, mostrando as relações entre
as classes principalmente relacionando o vocabulário (léxico) e as variáveis. Nessa fase
o programa fornece os segmentos de texto mais característicos de cada classe e o estudo
das relações dos elementos (formas) intra classe, além de segmentos repetidos por
classe.
O programa apresenta também a análise de similitude que é baseada na teoria
dos grafos e que através do número de co-ocorrências e grau de conexidade entre as
palavras auxilia na identificação da estrutura da representação. Por fim cria a nuvem de
palavras, uma análise lexical mais simples, porém visualmente interessante, onde as
palavras são agrupadas e organizadas graficamente em função da sua frequência.
Os resultados mais importantes para a análise são o dendograma da classificação
hierárquica descendente (CHD), a descrição das classes (cada classe é composta por
segmentos de texto com vocabulário semelhante) e a descrição dos segmentos de texto
mais característicos de cada classe. Na abordagem teórica das Representações sociais
as classes podem indicar RS ou campos de imagens sobre um dado objeto ou somente
aspectos de uma mesma RS (VELOZ, NASCIMENTO-SCHULZE E CAMARGO, 2000).
Após a obtenção de todos esses dados pelo programa, o próximo passo é a
nomeação das classes. Nessa direção, procurou-se selecionar as formas de cada classe
a partir de dois critérios: o valor simbólico para o contexto semântico da classe e a força
de associação da forma com a classe, expressa pelo valor do X2, utilizando-se para isso
o critério proposto por Camargo (2005) considerando-se valores superiores a duas vezes
o mínimo estabelecido –3,84– em conjunto com a decisão da pesquisadora de considerar
as formas com frequência maior que a média de frequência das formas da classe, visando
diminuir a chance de erro nessa associação.
Para Chartier e Meunier (2011),10 palavras salientes ou um pouco mais, por
classe, são suficientes para caracterizar o seu conteúdo semântico. Dessa maneira
identificou-se as formas mais salientes em relação às outras e passou-se então ao exame
71
contextualizado das formas, buscando-se os segmentos de texto onde elas apareciam,
com muitas idas e vindas a todo o material discursivo, selecionando em seguida as que
melhor articulassem o sentido de cada classe. Após essa fase, conforme proposto pelos
mesmos autores, procurou-se costurar as formas numa gramática que nos auxiliasse na
nomeação da classe procurando abranger a sua complexidade, verificando se os termos
estatisticamente salientes tinham de fato, consistência semântica, correspondendo ao
sentido global da referida classe, tarefa essa sempre incompleta, segundo Gambôa
(2014). Esse processo de categorização das classes expressa o sentido das palavras
salientes num exercício de interpretação do pesquisador.
Nesse trabalho de buscar um sentido e uma lógica na constituição das classes, o
recurso da triangulação apresentou-se como ferramenta operacional importante através
de idas e vindas ao material, resgatando os dados da abordagem estrutural, observação
e da análise das perguntas do questionário clareando, complementando e justificando a
análise.
O dinamismo e a complexidade dos objetos sociais necessitam de inovação das
técnicas tradicionais de pesquisa, para uma forma mais efetiva de apreensão da
realidade numa sociedade cada vez mais complexa, não esquecendo, como assinala
Santos (2009), da relevância de estabelecer uma adequada vinculação das técnicas de
pesquisa com os pressupostos conceituais que as determinam (p.153).
Assim, a partir da utilização de múltiplas técnicas de coleta e análise de dados
articuladas, inicialmente numa abordagem estrutural, objetivando explicar a lógica da
estrutura encontrada, seguida de uma abordagem processual buscando os princípios
organizadores da representação, procurou-se uma aproximação dos conteúdos
psicossociais das crenças, opiniões, práticas e dos sentidos compartilhados pelos
sujeitos procurando articulá-los ao seu cotidiano, numa rede de significados, construída
e difundida através da comunicação que guia e orienta a ação dos sujeitos (ARRUDA,
2014; JODELET, 2001; MOSCOVICI, 2012).
72
3.7-Considerações éticas
O estudo teve início em agosto de 2011, com a aprovação do Comitê de ética da
Universidade do Grande Rio, protocolado sob o nº 0107.0.317.000-11, (anexo 3), após
ter atendido a todas as exigências de acordo com a legislação vigente, e terminou em
outubro de 2014 incluídos aí, o início das observações, aplicação dos questionários piloto
até a realização da última entrevista em profundidade.
Em relação aos aspectos referentes a questões da ética em pesquisa este trabalho
procurou contemplar as premissas da resolução 466/2012 no que tange à busca de
consentimento dos sujeitos envolvidos, sendo esclarecido que sua participação não
implicaria nenhuma maleficência, procedimento invasivo, nem explicitação de suas
identidades ou avaliação de acerto e erro das opiniões e respostas dadas (BRASIL,
2013).
Antes de se iniciar as entrevistas pela pesquisadora era dada uma explicação dos
objetivos do trabalho e da metodologia utilizada, e a assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido pelos alunos (TCLE) (Anexo 5).
Todo o material reunido, proveniente dos questionários e entrevistas está
arquivado sob a responsabilidade da pesquisadora.
De acordo com os princípios éticos, os resultados dessa investigação serão
difundidos através de seminários, congressos e artigos tendo como perspectiva contribuir
na formação em odontologia e no processo de inclusão social de pessoas com
deficiência.
73
Capítulo 4
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados oriundos da pesquisa foram organizados em duas etapas. Inicialmente
será apresentada a análise dos resultados dos questionários segundo a abordagem
estrutural com auxílio dos programas Evoc 2000® e SIMI®, de todos os alunos da amostra
do 1º e 2º períodos e dos alunos de 7º e 8º períodos. Em seguida buscando comparar os
resultados dos alunos do 1º e 2º períodos com os do 7º e 8º, ou seja, os mesmos sujeitos
no início e fim do curso, serão apresentados os resultados dos alunos do 1º e 2º períodos
de 2011/2º semestre e os do 7º de 2014 /2º semestre. Nessa etapa buscou-se conhecer
os elementos centrais e periféricos que constituem a estrutura da representação e sua
organização, visando compreender sua dinâmica e sua influência no comportamento dos
sujeitos.
Posteriormente, apresentar-se-á a análise do corpus das entrevistas, segundo a
abordagem processual, com base na classificação hierárquica descendente (CHD)
realizada pelo programa IRAMUTEQ®, quando então será feita a articulação dos
resultados com os obtidos através da observação sistemática e do questionário,
contemplando dessa forma a triangulação da coleta e análise dos dados como proposto
na metodologia desse estudo. Dessa forma, procurou-se uma aproximação dos
conteúdos psicossociais das crenças, valores, opiniões, práticas, e dos sentidos
compartilhados pelos sujeitos procurando compreender a rede de significados, e os
princípios organizadores que guiam e orientam a ação dos sujeitos
4.1- Abordagem estrutural
4.1.1- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para o
total dos alunos do 1º e 2º períodos
Do universo de 393 alunos (anos de 2011, 2012 e 2013) do 1º e 2º períodos, 232
(59%) responderam ao questionário. Em 2011 do total de 138 alunos responderam 67
(48,5%), em 2012 do total de 131 responderam 89 (67,9%) e em 2013 do total de 124,
responderam 76 (61,3%). Nesse conjunto, 61% (n=142) eram do sexo feminino, 32%
74
(n=73) do sexo masculino e 7% (n=13) não informado. Em relação à faixa etária 190
alunos (81,8%) estão distribuídos igualmente nas faixas etárias de 17 a 19 anos (40,8%)
e de 20 a 25 anos (40,8%) sendo a média de idade de 21 anos (DP=4,7) com mediana
de 20 anos.
Em uma primeira aproximação com o corpus produzido pelo TEP, verificou-se que
foram produzidas 919 evocações com 160 palavras diferentes, correspondendo à média
de 3,96 evocações por sujeito.
Para identificar o conteúdo das representações sociais construídas sobre
pacientes especiais por este grupo, o material foi analisado segundo as dimensões
individual e coletiva, como proposto por Vergès (1992). Verificou-se, para isso, as
frequências (f) – dimensão coletiva – e as ordens médias de evocação (OME) – dimensão
individual -, permitindo que estes parâmetros fossem distribuídos em um gráfico de
dispersão onde o cruzamento das respectivas linhas de média de frequência e de
evocação – Fm e OME-- o dividirá em quadrantes (TURA et al., 2011). Esta tarefa foi
auxiliada com o uso do Evoc 2000® (VERGES; SCANO; JUNIQUE, 2000)e foi
considerado para análise 74,6% do total do material evocado, encontrando-se Fm igual
a 30 e a OME igual a 2,5.
A análise realizada permitiu identificar os elementos atenção, cuidado, dificuldade,
doença e paciência com atributos de componentes do núcleo central, e aids, dor,
trabalhosos e triste no sistema periférico. O sistema intermediário era composto por
cadeirante, criança, deficiente, déficit mental, diferente, down, necessidade e síndrome
localizados no quadrante inferior esquerdo (zona de contraste) e carinho, dedicação e
respeito no quadrante superior direito (Quadro 1).
Segundo a abordagem estrutural, os elementos centrais dão sentido e organizam
a representação sendo determinados de um lado pela natureza do objeto representado
e do outro pela relação que o sujeito ou grupo mantém com esse objeto (ABRIC, 1994).
São ligados à memória coletiva e à história do grupo, unificando e estabilizando a
representação.
75
Estratégias metodológicas têm sido desenvolvidas geralmente articuladas em três
etapas visando a confirmação da centralidade dos elementos: recolhimento do conteúdo
da representação, identificação do núcleo central e, finalmente, a organização dos
conteúdos dessa representação e o respectivo controle da centralidade (ABRIC, 2003;
SÁ, 2002).
Quadro 1 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação dos alunos
de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013
Fm
>=30
<30
OME < 2,5
Elementos
f
Atenção
38
Cuidado
160
Dificuldade
50
Doença
41
Paciência
70
Cadeirante
14
Criança
9
Deficiente
24
Déficit-mental
8
Diferente
11
Down
15
Necessidade
10
Síndrome
11
Ome
2,342
2,056
2,380
2,098
2,429
1,857
2.000
1,750
1,500
2,455
2,133
2,400
2,091
OME >= 2,5
Elementos
f
Carinho
Dedicação
Respeito
Aids
Dor
Trabalhosos
Triste
108
31
40
8
10
20
10
Ome
2,778
2,613
3,100
2,875
2,800
2,500
3,400
Nessa perspectiva, uma vez identificados os conteúdos constituintes de uma
representação, foram analisadas as frequências das palavras indicadas como mais
importantes.
Nesta fase, os sujeitos desempenharam uma tarefa de hierarquização do material
evocado espontaneamente. Quando se compara a frequência das palavras evocadas
com a de sua indicação como mais importante, Campos (2003) assinala que diante da
constatação de valores iguais ou maiores do que 50% nessa diferença, isto é, toda vez
que a frequência das indicações de palavras mais importantes superarem a de evocação,
esse resultado de constitui em um indício de centralidade. Os elementos cuidado,
dificuldade e paciência tiveram um percentual de queda menor que 50%, uma
característica de centralidade (Quadro2).
76
Quadro 2 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais
importantes
Elementos
F evocação + import % queda
Atenção
38
17
55,3
Cuidado
160
87
45,6
Dificuldade
50
28
44,0
Doença
38
14
56,3
Paciência
60
36
40,0
Na próxima etapa, aplicou-se um teste de dupla negação visando a confirmação
do valor simbólico dos elementos centrais, onde pergunta-se, aos sujeitos se podem
pensar no objeto sem a presença determinada cognição. Se uma proporção igual ou
maior do que 75%, com um intervalo de confiança de 95%, responder o item “não, não é
possível”,confirma-se o valor simbólico do respectivo elemento, obtendo-se mais um
indício da centralidade para ele. O teste foi aplicado a 60 alunos e foi confirmada a
centralidade de atenção, dificuldade e doença (Quadro 3).
Quadro 3 Resultado do teste de dupla negação
Elemento
F
%
Atenção
45
75,0
Cuidado
37
61,6
Dificuldade
52
86,6
Doença
49
81,6
Paciência
30
50
A abordagem estrutural permite diminuir consideravelmente as incertezas a
respeito das fronteiras entre elementos constituintes e não constituintes das RS, mas
segundo Doise (1992) limitar o estudo aos conteúdos da representação, composição
77
prototípica no falar de Vergès (1992) poderia conferir-lhes uma autonomia a favor de uma
abordagem descritiva, em detrimento de uma abordagem explicativa. Qualquer estudo
no referencial da teoria das representações sociais deve se propor a descrever as
realidades objetivas considerando as suas raízes na dinâmica relacional. Buscando essa
orientação, no intuito de compreender a rede de sentidos construída pelos sujeitos
através da organização dos diversos elementos estruturais, foi realizado um estudo para
verificar as relações estabelecidas por eles, acessando-se os conjuntos que modelam os
sentidos do objeto (ABRIC, 2003; SÁ, 1996; TURA et al., 2008). Nessa perspectiva,
realizou-se a análise de similitude dos resultados prévios das evocações, a partir do
cálculo dos índices de similitude entre os elementos mais evocados (PECORA e SÁ,
2008) permitindo visualizar a conexidade existente entre esses elementos. Para essa
tarefa contou-se com a ajuda do programa SIMI® (VERGÉS; JUNIQUE, 1999).
Dessa forma, foi possível constatar através da leitura cognitiva da árvore máxima,
a alta conectividade do elemento cuidado, conectado a dez elementos e doença
conectado a cinco, constituindo formações estrelares que pela teoria dos grafos indica
um alto poder simbólico desses elementos, confirmando a hipótese de centralidade
(PEREIRA, 2005).
Observa-se, entretanto, uma diferença no poder de conexidade exibido por doença
e cuidado, sugerindo, provavelmente, um processo de transformação na construção de
sentidos para esse grupo em relação a pacientes especiais, sinais que já se
apresentavam nos resultados dos quadros 3 e 4. Fenômeno parecido verifica-se com o
elemento dificuldade, que apesar de evocada por um número expressivo de sujeitos,
mostrou um pequeno poder de conexidade ligando-se somente a 4 elementos – dor,
déficit mental, trabalhosos e tristes -, não tendo confirmado seu valor simbólico, uma
característica dos elementos centrais (Figura 1).
Pode-se levantar a hipótese de uma representação em processo, uma vez que se
tem constatado uma presença maior do tema na mídia, ao mesmo tempo em que o
movimento social em torno do objeto encontra-se mais organizado do ponto de vista
político, conseguindo estabelecer um maior diálogo com a sociedade. Nesse diálogo tem
sido presente entre outros, a dificuldade que as pessoas com deficiências enfrentam no
78
atendimento de suas demandas e necessidades. Essas dificuldades estão presentes, por
exemplo, em instituições públicas e privadas onde nem sempre estão garantidas as
condições de acessibilidade, um direito garantido em lei.
Figura 1 Árvore máxima de similitude dos alunos de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013
A formação estrelar organizada em torno de doença que estabelece conexidade
com down, déficit mental, dor, triste e aids, e este elemento que por sua vez se liga a
cadeirante, apontam para uma visão estereotipada baseada em crenças historicamente
construídas a respeito das pessoas com necessidades especiais como pessoas com
déficit mental e tristes, ancorando-se em exemplos de “anomalias” conhecidas como:
síndrome de down, deficientes mentais, AIDS e cadeirantes elementos encontrados no
sistema periférico e periferia próxima. A formação triangular existente entre doença,
déficit mental e triste corrobora esta afirmação. Algumas justificativas da escolha das
palavras aids e down como mais importantes ou, quando conceituam pacientes especiais
ilustram esse raciocínio e corrobora a análise de que doença seja um princípio
organizador na construção de sentidos dos alunos em relação ao paciente especial.
- “São as principais doenças” (sex m, 18 anos, 1º per /2011);
- “Pessoas com um tipo de doença crônica, mas não deixa de ser um ser humano”
(sex f, 21anos, 2º per/2012).
79
- “que são doentes”. (sex m, 18anos, 1º per/2011).
Pereira (2005) assinala que a base do processamento da informação na mente
humana se faz através de esquemas que se interconectam, constituindo uma rede de
significações que variam nas suas dimensões podendo ser de largo espectro ou
específicos para uma dada situação. Nos esquemas maiores a tendência é dividi-lo em
subconjuntos, que podem ser de três elementos sob a forma de triângulos processados
conscientemente e quatro ou mais elementos sob a forma de círculos, processados
inconscientemente. Dessa forma, as estrelas formadas em torno de doença e cuidado
articulam-se através do elemento trabalhosos, corroborando a estruturação do
pensamento dos alunos de que o cuidado prestado a essas pessoas, vistas como
doentes, é muito trabalhoso. Tal construção pode refletir-se em atitudes e práticas
negativas em relação ao atendimento aos pacientes especiais, como corroboram as falas
abaixo:
- “Deve ser muito difícil cuidar dessas pessoas”. (sex m, 20 anos, 2ºper/2011)
- “Deve ser difícil cuidar de um doente”. (sex m, 19 anos, 2º per/2011)
Observa-se, ainda, outro triângulo formado pelos elementos doença, triste e
dificuldade, que por sua vez se conecta a trabalhosos, corroborando a interpretação de
serem trabalhosos, pois geram dificuldades no atendimento e, por isso, tristes como
enfatizado na fala de um aluno:
- “Porque são pessoas que tem alguma doença e por isso devem ser tristes” (sex
m, 18 anos, 1º per/ 2011).
Em torno de cuidado observa-se uma estrela composta por dez elementos:
criança, atenção, deficiente, síndrome, diferente, respeito, paciência, carinho, dedicação
e trabalhosos. Tal formação, explicitada pelo poder organizador exibido por cuidado,
decorre de seu alto valor simbólico (BOURICHE, 2003). Destaca-se um subconjunto de
forma triangular com cuidado, dedicação e carinho mediando sentidos que podem ser
úteis para o desenvolvimento de uma estratégia para o desenvolvimento de atitudes e
práticas em relação aos cuidados prestados aos pacientes especiais, diante de conflitos
80
vividos pelos sujeitos em relação à possibilidade real de atendimento aos pacientes
especiais como profissionais.
Carinho, dedicação e respeito aparecem na periferia próxima, no quadrante
superior direito no gráfico de dispersão das evocações, onde estão as palavras
lembradas tardiamente por apresentarem frequência e ordem média de evocação acima
da média e, por isso, explicitam uma dimensão coletiva da periferia próxima (GAMBÔA,
2014), ou sistema intermediário como denominado por Flament (1994), que assinala ser
uma estrutura mais difícil de interpretação. Nessa direção, uma pista que pode auxiliar
na busca de interpretação, é a existência do triângulo formado por carinho, dedicação e
cuidado (Figura 1) mediando sentidos que podem subsidiar estratégias para o
desenvolvimento de atitudes e práticas em relação a esses pacientes.
No sistema periférico, local de ancoragens, encontram-se os elementos: aids, dor,
tristes e trabalhosos, corroborando a idéia de sentidos fortemente ligados a dor e tristeza
quando pensam no paciente especial, ancorados na AIDS, que é o ponto de referência
para que o conhecimento novo seja incorporado e “amoldado” em antigos esquemas de
explicação da realidade (LOUREIRO, 2003).
Esse raciocínio encontra eco no subsistema circular encontrado na análise de
similitude com os elementos doença, dor, déficit mental e dificuldade, apontando para
uma associação inconsciente sob a influência de sentidos socialmente construídos
desses indivíduos como deficientes mentais, outro estereótipo, justificando dor e
dificuldades no atendimento o que pode levar a resistências na abordagem clínica desses
pacientes, por esse grupo, como na fala abaixo:
- “Sim. Porque não sei conviver com eles, tenho medo de suas reações”. (sex f, 18
anos, 2º per/2013)
4.1.2- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para o
total dos alunos do 7º e 8º períodos
Do universo de 190 alunos do 7º e 8º períodos (anos de 2011, 2012, 2013 e 2014),
162 (85,2%) responderam ao questionário. Em 2011, do total de 40 alunos responderam
40 (100%), em 2012 do total de 28 responderam 23 (82,1%), em 2013 do total de 31,
responderam 25 (80,6%), e em 2014 do total de 91 responderam 74 (81,3%). Nesse
81
conjunto, 68% (n=110) eram do sexo feminino, 29% (n=47) do sexo masculino e 3% (n=5)
não informado, sendo a média de idade de 23,8 anos (DP=1,4) e mediana de 22 anos.
No tratamento do corpus produzido pelo TEP (Teste de evocação de palavras)
analisou-se 69,7% do total do material evocado, considerando-se palavras com
frequência mínima igual ou acima de 5. Verificaram-se 656 evocações com 168 palavras
diferentes, com média de 3,98 evocações por sujeito.
A análise, realizada com auxílio do Evoc 2000 ®, permitiu encontrar a frequência
média de evocações (Fm) igual a 13 e a média de ordem média (OME) igual a 2,0.
Partindo-se desses parâmetros, verificou-se que os elementos carinho, cuidado e
especiais provavelmente têm atributos de componentes do núcleo central, e que ajuda,
alegres, alegria, alterações, atendimento, conhecimento, dependentes, dificuldade,
família, medo, necessidade, proteção, respeito, responsabilidade e superação do sistema
periférico. A periferia intermediária é composta por: doença, difícil, amor, carinhosos,
diferente, síndrome de down, solidariedade, desafio e pena situados no quadrante inferior
esquerdo, e dedicação, paciência e atenção localizados no quadrante superior direito
(Quadro 4).
Em seguida, visando testar a centralidade dos elementos carinho, cuidado e
especiais buscou-se comparar a frequência de evocação desses elementos e sua
indicação como mais importantes, verificando-se que a porcentagem de queda foi menor
do que 50% para carinho e cuidado, obtendo-se dessa forma uma indicação de que sejam
elementos com características de centralidade (Quadro 5).
82
Quadro 4 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 7º e 8º
períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014
Fm
>=14
OME < 2,5
Elementos
f
Carinho
79
Cuidado
71
Especiais
26
<14
Doença
12
Difícil
11
Amor
10
Carinhosos 10
Diferente
9
Sind. de Down 9
Solidariedade 8
Desafio
6
Pena
5
ome
2,241
2,197
2,346
2,417
1,947
2,000
2,100
2,444
2,222
2,000
1,500
2,400
OME >= 2,5
Elementos
f
Dedicação
19
Paciência
23
Atenção
23
Ajuda
5
Alegres
6
Alegria
9
Alterações
5
Atendimento
7
Conhecimento
6
Dependentes
5
Dificuldade
9
Família
5
Medo,
5
Necessidade
12
Proteção
5
Respeito
10
Responsabilidade 6
Superação
5
ome
2,526
2,783
3,043
2,600
3,000
3,222
2,600
3,000
3,667
3,800
2,000
4,000
2,600
2,000
2,800
3,000
3,667
3,000
Quadro 5 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais
importantes
Elementos F evocação + importante % queda
Carinho
79
41
48,1
Cuidado
71
37
47,9
Especiais
26
10
67,5
Para se confirmar o valor simbólico dos elementos com hipótese de centralidade,
foi efetuado um teste de dupla negação e, apenas, carinho e cuidado foram confirmados,
por 84% e 96% dos sujeitos, respectivamente (Quadro 6).
83
Quadro 6 Resultado do teste de dupla negação 7º e 8º períodos
Elemento
f
%
Carinho
42
84
Cuidado
48
96
Especiais
26
52
Dando sequência à tarefa de analisar o material, com o objetivo de melhor
conhecer a conexidade dos elementos que participam da composição prototípica do
núcleo central das representações sociais de pacientes especiais construídas pelos
sujeitos, procurou-se realizar a análise de similitude das cognições apontadas no teste
de evocação, que permite explorar-se a relação existente entre o número de
coocorrências e o número de sujeitos envolvidos, evidenciando-se desse modo o poder
simbólico dos elementos (BOURICHE, 2003; SÁ, 1996).
Na leitura da árvore máxima produzida, constata-se o alto poder associativo ou de
organização dos elementos carinho e cuidado, confirmando o valor simbólico desses
elementos (Figura 2).
Aqui vale lembrar que na abordagem estrutural o sistema central tem, entre outras,
duas funções que devem ser consideradas: uma geradora pela qual se estrutura, cria-se
ou se transforma uma representação e, outra organizadora que determina a natureza das
ligações entre os elementos de uma representação. Nesse processo, duas dimensões se
fazem presentes: uma ligada ao sistema de normas, crenças e valores, à história e
ideologia de indivíduos e grupos orientando os julgamentos e as tomadas de posição em
relação ao objeto – normativa; outra em que os elementos estão orientados para a
execução de tarefas e, por isso, relacionada com as características que descrevem e
contextualizam o objeto nas práticas cotidianas, individuais e grupais – funcional (ABRIC,
2003; SÁ, 1996).
84
Figura 2 Árvore máxima de similitude do 7º e 8º períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014
Na figura 2, observa-se que carinho conecta-se a 12 outras cognições e cuidado
a nove. Moliner (1994) considera que a ação estruturante das cognições centrais acarreta
uma intensa relação destes elementos com um grande número de cognições relativas ao
objeto representado, possibilitando, desse modo, maior conexidade tendo em vista os
outros elementos. Todavia, assinala “que não é porque uma cognição é fortemente ligada
a outras que é central, mas por ser central que está ligada a outras” (p.202).
Os elementos que se conectam mais fortemente a carinho são solidariedade pena,
alegria, respeito, responsabilidade e conhecimento, ou seja, um número significativo de
sujeitos associa esses elementos. Tal esquema talvez esteja indicando uma mediação
dos sentidos construídos diante da oportunidade oferecida pelo contato clínico, na
disciplina que tiveram oportunidade de cursar, com esses pacientes e, assim, orientar
atitudes e práticas modelares diante da realidade vivenciada.
85
Observa-se, ainda, que carinho estabelece conexão com necessidade que se liga
a dependentes, proteção e família agregando conteúdos relativos a uma mediação de
sentidos normativos relevantes para a avaliação e as decisões que devem ser tomadas
em relação aos pacientes especiais, para a superação das dificuldades geradas na
atenção prestada a esses indivíduos.
Analisando-se as conexões de cuidado percebem-se fortes ligações com
responsabilidade, respeito, superação, alterações, ajuda e conhecimento mediando uma
construção de sentidos para realçar algumas características que devem orientar as
atitudes e práticas dirigidas aos pacientes especiais no sentido de superar dificuldades.
São conteúdos associados à dimensão da prática profissional, que deve ser efetiva nas
respostas às necessidades e demandas dos pacientes e seus familiares. A conexão de
um lado com conhecimento e do outro com respeito e responsabilidade exibe uma
ancoragem em um saber estruturado cientificamente, necessário de ser mobilizado, no
atendimento a ser prestado, com possíveis cumplicidades que levam a uma
responsabilização em torno do problema a ser enfrentado.
Fazendo o elo da representação com a realidade, os elementos periféricos
orientam condutas e adaptam o sistema central às especificidades das diferentes
situações do dia a dia relacionando práticas e representações (RAGON, TURA e
ARRUDA, 2009). Nesse sentido é interessante observar a complexidade envolvida na
relação dos alunos com o objeto devido ao grande número de elementos -15 -, presentes
no sistema periférico.
Apesar da diversidade, podem ser divididos em quatro grupos que são
organizados a partir das dimensões normativas e funcionais dos elementos centrais
cuidado e carinho numa relação de complementaridade fundamental à atualização,
evolução e transformação das representações construídas por esses alunos (ABRIC,
2003), como se pode observar no quadro 7.
86
Quadro 7 Elementos periféricos da representação dos alunos do 7º e 8º, segundo as dimensões
dos elementos centrais
Cuidado
Dimensão normativa Dimensão funcional
Ajuda
Dificuldade
Medo
Responsabilidade
Conhecimento
Atendimento
Superação
Alegria
Dimensão
normativa
Alterações
Dependentes
Proteção
Carinho
Dimensão funcional
Alegres
Família
Necessidade
Respeito
Os elementos centrais caracterizam-se por serem estáveis e associados à
memória coletiva do grupo refletindo condições sócio-históricas e valores, atravessados
por uma dimensão normativa e outra funcional, ao mesmo tempo em que o sistema
periférico, por ser sensível ao contexto imediato, faz a interface com a realidade concreta
e em termos históricos protege o núcleo central (SÁ, 1996; ANDRADE, ARTMANN,
TRINDADE, 2011).
O sistema central estrutura e estabiliza a representação, enquanto que os
elementos periféricos, mais próximos ou mais distantes do sistema central, são ativados
nas diferentes situações do cotidiano, segundo características do objeto, da relação do
grupo com o objeto e da finalidade da situação, funcionando como um guia de leitura da
realidade (CAMPOS, 2003). Nessa dinâmica, considerando-se o objeto em estudo, nas
situações com forte finalidade operatória, onde os sujeitos estejam mobilizados para o
atendimento na clínica ativam-se prioritariamente os elementos periféricos, ligados a
dimensões funcionais dos elementos centrais e nas situações com forte carga ideológica
ou socioafetiva que ocorrem nas relações sociais, em conversas informais, ativam-se
elementos ligados a dimensões normativas marcadas pela memória coletiva do grupo.
Diante do exposto, avaliou-se que ajuda, dificuldade e medo associam-se a uma
dimensão normativa do elemento central cuidado, explicitando uma mediação ao se
estruturar os sentidos de atenção ou assistência a indivíduos especiais. Ao mesmo
tempo, o outro elemento central carinho vai mediar a construção de sentidos de pacientes
especiais que tem alterações e são dependentes e que por isso precisam de proteção.
87
Esses elementos ligados a dimensão normativa, ativam uma representação de cunho
avaliativo, que privilegia julgamentos e tomadas de posição.
A oportunidade da prática clínica propicia um contexto de maior proximidade com
o objeto, possibilitando ativar os elementos periféricos alegres, família, necessidade e
respeito, todos associados à dimensão funcional do elemento central carinho,
explicitando alguns aspectos positivos em relação a esses indivíduos. Em simultâneo, a
ativação dos elementos responsabilidade, conhecimento, atendimento superação e
alegria, referentes à dimensão funcional do elemento central cuidado, privilegiam
aspectos da prática, numa representação segundo Abric (2003), mais descritiva que
ideológica (p.44).
Dessa forma a representação de uma situação ou objeto para indivíduos ou grupos
guiam os comportamentos, traduzindo crenças, valores e atitudes socialmente
compartilhadas, e são disseminadas nos diferentes contextos pela comunicação social,
permitindo definir o que é tolerável ou inaceitável em um determinado contexto social
(POLLY e KUHNEN, 2013). Nessa perspectiva, é de se esperar que a postura de
estudantes da área de saúde, nesse caso de Odontologia, na aproximação com pessoas
que tenham algum tipo de limitação e necessidades de saúde seja direcionada ao
cuidado, como observado pela presença dessa cognição no núcleo central de todos os
alunos da amostra. No entanto o comportamento individual ou grupal não é determinado
somente pelas características objetivas da situação em que as pessoas se encontram,
mas também pela representação que possuem da situação ou de dado objeto.
A observação permitiu a apreensão de atitudes discentes no encontro inicial com
esses pacientes, principalmente naqueles estudantes que nunca tiveram contato com
indivíduos com deficiência fora da faculdade, a ativação de aspectos socioafetivos e
ideológicos ligados a uma dimensão normativa do cuidado a esses indivíduos, como se
fosse um auxílio com conotação caritativa prestado a pessoas que têm dificuldades. Tal
contexto gera a sensação de medo ou afastamento durante o atendimento, agregando
sentidos de indivíduos doentes, deficientes, diferentes e dependentes que necessitam,
portanto, de carinho inicialmente talvez associado à pena, sentido norteador ao lado do
cuidado na maneira de lidar com eles, como pode ser observado nas falas abaixo:
88
- “as pessoas sentem pena”. (sex f, 21 anos, 8º per/2011)
- “como nós, sendo que com algum problema que impossibilita eles de fazer algo
ou tudo e por isso precisam da ajuda do próximo”. (sex f, 24 anos, 8º per /2012)
- “dependentes de atenção da sociedade e família”. (sex f, 25 anos, 8º per/2011)
- “pacientes que necessitam de ajuda, possuem algum distúrbio”. (sex f, 23 anos,
8º per/2011)
A partir da experiência na clínica, vão sendo incorporados novos sentidos voltados
para a realização da tarefa de atendê-los, mobilizando a dimensão funcional do elemento
carinho que se ancora nas características dos pacientes, interpretados não mais como
doentes, mas como seres humanos, com características de alegres, sinceros e muito
ligados à família. Esse pensamento conduz o aluno em direção à solidariedade que inclui
o conhecimento adquirido com responsabilidade para o atendimento, na superação dos
desafios, numa experiência que pode ser prazerosa e produzir alegria, como nos
exemplos abaixo:
- “amáveis e merecem muito carinho e respeito da sociedade, além de
do governo”. (sex f, 23 anos, 8º per/2012)
atenção
- “pessoas como nós, mas que precisam um pouco mais de atenção e cuidado”.
(sex f, 24 anos, 8º per/ 2012)
- “pessoas assim como as outras, porém com algumas limitações”. (sex f, 22anos,
8º per/2011)
- “a maioria das pessoas sente pena, mas aqueles que tem um verdadeiro contato
com estes se transforma e os enxerga como guerreiros e corajosos” (sex f, 23
anos, 8º per /2011)
- “porque o especial é aquele que requer cuidados especiais por parte do
profissional. São pessoas que trazem alegria a vida daqueles que estão ao seu
redor” (sex f, 21 anos, 7° per /2014)
Flament (2001), ao analisar a estrutura e a dinâmica das representações sociais,
realça a importância do contexto na sua transformação, assinalando que se as
circunstâncias aumentarem a frequência de determinadas práticas em subpopulações de
uma mesma população, pode ocorrer ativação de certos esquemas periféricos surgindo
discursos diferentes, apesar de continuarem com a mesma representação. Ou seja, uma
89
mesma representação pode ter seu sistema periférico ativado diferentemente de acordo
com determinadas práticas individuais gerando discursos diferenciados. Se as
circunstâncias aumentarem sensivelmente a frequência dessas práticas por serem
legítimas, em longo prazo, elas podem provocar uma mudança estrutural na
representação.
Na análise de similitude, ainda se pode constatar dois esquemas triangulares
formados por superação, ligado de um lado a carinho e alegria e do outro a cuidado e
dedicação. Ou seja, são esquemas que especificam uma construção de sentidos que
está associada à superação de qualquer dificuldade diante da atenção a pacientes
especiais, ligada à dimensão do cuidado e da dedicação desses alunos, estimulados pelo
carinho que desenvolvem em relação aos seus pacientes, podendo gerar sensação de
alegria.
Tais esquemas diferem-se dos construídos pelos discentes dos 1º e 2º períodos,
sem a experiência proporcionada pela disciplina de atendimento a pacientes especiais,
onde os elementos carinho e dedicação formam um triângulo com cuidado e outro
formado por dificuldade, déficit mental e triste, explicitando mediações com sentidos
alusivos diante de sua falta de experiência e vivência com esses pacientes.
O contato com os pacientes na clínica proporciona aos alunos o desenvolvimento
de atitudes e práticas que permitem superar os sentidos de dificuldades e tristeza de um
cuidado muito trabalhoso, exigido por esses pacientes. Evidenciando-se assim a relação
das práticas ao agir dos grupos, num processo que segundo Campos (2003) comporta
necessariamente dois componentes, o vivido e o cognitivo (p.29). Segundo o mesmo
autor, na compreensão dos processos sociais e cognitivos que sustentam a
representação, o papel das práticas sociais no contexto do estudo da ancoragem é de
fundamental importância. A ancoragem como um processo dinâmico lida com a memória
e a experiência, classificando e rotulando os diferentes objetos tornando-os familiares,
enraizando-os no sistema sociocognitivo. Nesse processo as práticas constituem-se
como uma das raízes que sustentam e mantém o funcionamento das diferentes
representações.
90
Dessa forma, os dados fornecem pistas de que o encontro com os pacientes
especiais na clínica permite a mobilização de esquemas mentais que se organizam a
partir de elementos cognitivos e afetivos guiando as práticas discentes na direção do
cuidado, princípio que norteia a assimilação da novidade nesse grupo ao lado de carinho,
num processo de circulação coletiva de informações e sentidos, permitindo a
naturalização do objeto.
Essa avaliação foi complementada pela análise do conteúdo das justificativas da
indicação das palavras mais importantes nos dois grupos estudados.
Após a leitura flutuante de todo ao material, observou-se que três eixos norteavam
as falas dos sujeitos: o paciente, o profissional e a sociedade. Procedeu-se, então, a
categorização
temática
do
corpus
obtido.
Após
essa
etapa
as
categorias
correspondentes aos conteúdos identificados foram distribuídas em três grupos:
justificativas relacionadas aos pacientes; relacionadas ao profissional; e relacionadas à
sociedade. Em seguida pode-se tabular as frequências das categorias e respectivos
grupos nos alunos do 1º e 2º períodos e nos alunos do 7º e 8º períodos, evidenciandose assim as mais prevalentes em cada grupo (tabelas, 3 e 4). Vale ressaltar que em
alguns casos os conteúdos foram distribuídos em categorias classificadas em mais de
um grupo.
No conjunto dos estudantes dos 1º e 2º períodos houve um predomínio das
justificativas que tiveram como referentes os profissionais (70,2%) no total dos
conteúdos, seguindo-se de pacientes (34%) e de sociedade (6,0%). Nos conteúdos do
corpus dos 7º e 8º períodos também houve um predomínio dos referentes a profissionais
(58,6%), seguindo-se de paciente (40,1%) e sociedade (6,8%). Destaque-se que entre
as categorias, predominam nos primeiros períodos conteúdos referentes ao profissional
- cuidado e paciência -, ao paciente - doença e dificuldade -, e à sociedade - rejeição e
preconceito. Nos alunos dos últimos períodos predominam referências ao profissional cuidado e carinho -, ao paciente - alegres e doença - e à sociedade - preconceito, amor
e inclusão.
91
Esses resultados reforçam a análise anterior de uma estrutura representacional na
construção dos alunos dos primeiros períodos em torno de doença e cuidado, elementos
já apontados com características de centralidade o que pode levar a atitudes de rejeição,
categoria que predomina em relação à sociedade. Ou também a um distanciamento
desse universo constatado pelo maior predomínio de conteúdos referentes aos
profissionais em relação aos pacientes.
Nos alunos dos 7º e 8º períodos aparece ao lado de doença e cuidado, alegres e
carinho respectivamente, e em relação à sociedade rejeição dá lugar a preconceito,
aparecendo em seguida amor e inclusão. Constata-se assim que ao lado de conteúdos
relacionados a uma dimensão normativa da representação, novos elementos vão sendo
incorporados a partir do contato com esses pacientes na clínica possibilitando aos alunos
ressignificações de pessoas interpretadas como tristes e difíceis percebidas agora como
alegres, sinceras e amorosas. Essa mudança permite aos alunos enxergar o preconceito
na sociedade da qual eles fazem parte, ensaiando embora de forma muito incipiente uma
reflexão sobre a inclusão desses indivíduos, num movimento de amor, contrapondo-se a
falta de respeito e interpretações equivocadas em relação a essas pessoas no convívio
social.
Tabela 3 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das
palavras principais do 1º e 2º períodos (2011, 2012 e 2013)
Referência ao profissional
Referência ao paciente
Referência à sociedade
Cuidado (63)
Doença (16)
Rejeição (5)
Paciência (33)
Dificuldade (10)
Preconceito (4)
Carinho (35)
Diferentes (7)
Convivência /respeito (1)
Respeito (24)
Especiais (6)
Amor (14)
Difíceis (5)
Tristes (4)
Total =169
Total =48
Total =10
92
Tabela 4 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das
palavras principais total dos 7º e 8 períodos (2011, 2012, 2013 2014)
Referência ao profissional
Referência ao paciente
Referência à
sociedade
Cuidado (34)
Alegres (8)
Preconceito (4)
Carinho (14)
Doença (7)
Amor, inclusão (2)
Amor (11)
Limitações, carinhosos,
sinceros (4)
Falta de respeito,
ajuda, mal
interpretados, convívio
(1)
Dificuldade (7)
Amorosos, frágeis (3)
Medo (5)
Especiais, dificuldades (2)
Total =73
Total =41
Total =11
Comparando-se os resultados gerais dos dois grupos é interessante observar nos
primeiros períodos que o elemento dificuldade aparece no quadrante superior esquerdo
devido a sua alta frequência, ao lado de cuidado e doença que foram confirmados como
elementos centrais, e também no bloco das justificativas relacionadas aos pacientes, logo
em seguida a doença, categoria predominante nas falas. Verifica-se, portanto, que nos
primeiros períodos o que predomina na avaliação que os alunos fazem sobre o cuidado
a esses pacientes é de que, a principal causa das dificuldades está relacionada aos
pacientes, que são interpretados como: doentes, diferentes, especiais, difíceis e tristes,
numa ênfase de aspectos negativos levando a uma tomada de posição influenciada por
aspectos sócio-históricos relacionados aos pacientes e à deficiência. Segundo Abric
(2003), partilhar uma representação social com outras pessoas é partilhar os valores
centrais associados ao objeto em questão, e estes irão determinar os julgamentos e
tomadas de posição em relação ao objeto. Dessa forma, a avaliação de que a causa das
dificuldades no atendimento, associa-se às características dos pacientes, com todos os
julgamentos de valor associados a elas, leva a um distanciamento do objeto como
ilustrado nas falas abaixo:
93
- “Acredito que as pessoas pensem logo em uma pessoa com problemas mentais,
mas na verdade é todo paciente que necessita de um tratamento diferente, especial”.
(sex f, 20 anos 1º per/ 2012).
- “que eles são "malucos", e não tem muita importância na sociedade”. (sex f, 21
nos, 2º per/ 2012).
- “nunca parei para pensar”. (sex f, 19 anos, 2º per /2011)
Dessa forma a rejeição configura-se como a forma mais fácil de ancorar a questão,
invocando a influência de uma dimensão afetiva ao lidar com o objeto, reforçada pela
frequente evocação de imagens dos pacientes especiais como deficientes mentais,
deficientes físicos ou com aids, elementos conectados à doença na análise de similitude,
provocando resistências ao atendimento desses pacientes, como ilustrado nas
justificativas das palavras principais:
- “Porque acho que o paciente especial exige mais paciência e creio que seja mais
complicado de tratar, falar, orientar, manusear a boca” (sex f 26 anos, 1º per /2011)
- “Pois tem muita gente que ao ver pessoas especiais ficam zombando, ou até
mesmo ignora como se não fosse ninguém e tem até mesmo médicos ou dentistas, não
todos, mas alguns tem um certo receio de atendê-los” (sex f, 18 anos, 1º per /2012)
Dessa forma, pacientes especiais, uma novidade para os alunos, vai sendo
familiarizado e os sentidos construídos em relação a esse objeto tornam-se capazes de
orientar atitudes e práticas no atendimento de suas demandas e necessidades.
Analisando-se os resultados dos alunos do 7º e 8º, dificuldade é deslocada para o
sistema periférico e doença para a periferia próxima, sendo substituída pelo elemento
carinho ao lado de cuidado no núcleo central.
Dificuldade aparece agora no grupo das justificativas referentes aos profissionais,
seguida das categorias, medo e vínculo. Observa-se uma mudança na avaliação que os
alunos fazem em relação ao cuidado desse grupo, devido a uma aproximação com o
universo dos pacientes. A doença continua presente, ativando aspectos normativos da
94
representação, mas o contato com um universo desconhecido gera medo e mobiliza
atitudes e práticas para seu enfrentamento, levando os alunos a constatarem as suas
próprias dificuldades no estabelecimento do vínculo necessário para o atendimento. As
dificuldades, agora, se associam diretamente ao medo provocado pela doença e ao
despreparo dos sujeitos deslocando seu foco para aspectos profissionais, em detrimento
de crenças e estereótipos difundidos socialmente em relação a esses pacientes. Essa
análise encontra apoio na conexão do elemento dificuldades na análise de similitude à
doença, conectada a medo, que se liga a difícil conectado a cuidado, elementos
presentes no sistema periférico.
Os elementos confirmados como centrais, nesse grupo, cuidado e carinho
realizam o duplo papel atribuído ao núcleo central da representação: avaliativo,
justificando os julgamentos de valor; e pragmático, atribuído a práticas específicas, sendo
ativados de acordo com a finalidade da situação (ABRIC, 2003).
O cuidado em sua dimensão normativa organiza os elementos periféricos medo,
ajuda e dificuldades, influenciando uma tomada de posição em relação aos pacientes
baseada em crenças e valores de que são indivíduos que necessitam de ajuda e de que
essa ajuda que se concretiza no atendimento gera medo, que por sua vez gera as
dificuldades no atendimento. A partir do cotidiano na clínica, a dimensão funcional de
cuidado, vai sendo ativada, organizando os elementos periféricos responsabilidade,
conhecimento, atendimento, superação e alegria, que determinam as condutas de
superar as dificuldades geradas pelo medo, numa valorização do conhecimento
profissional responsável, que conduz o atendimento no sentido de superar as
dificuldades, substituindo o medo pela alegria por concretizar a ação. Ao lado disso a
ativação da dimensão funcional do elemento carinho, vai transformando a percepção que
os alunos têm dos pacientes, com base em sistemas de crenças desses indivíduos como
deficientes, doentes e dependentes, por pessoas com necessidades específicas, que são
alegres e carinhosos, dentro de um contexto familiar resgatando a sua humanidade.
Assinale-se, portanto, que na comparação dos dois grupos, a proximidade com os
pacientes na clínica leva a uma valorização dos elementos funcionais, numa
representação mais descritiva do que ideológica, privilegiando esquemas mais positivos
95
que fazem os alunos enxergarem as qualidades dos pacientes, e suas próprias
dificuldades, estabelecendo estratégias de ação que privilegiam uma dimensão
profissional do cuidado.
Nos primeiros períodos prevalece a ativação dos elementos normativos, devido à
distância do objeto, de um cuidado difícil a pessoas doentes e trabalhosas, numa
avaliação dos pacientes baseadas em estereótipos, numa ancoragem mais ideológica
enraizada em sistemas de crenças socialmente difundidas, que levam à rejeição e
distanciamento do objeto.
Dessa forma devido às novas práticas que se colocam aos alunos, e que se
concretizam no atendimento na clínica de pacientes especiais, e a consciência dessa
realidade
como
irreversível,
processa-se
uma
transformação
progressiva
da
representação nos alunos dos últimos períodos que orienta e justifica as condutas, de
estabelecimento de um vínculo mediado pelo carinho que o contato na clínica desperta,
e a superação das dificuldades através do conhecimento, dedicação e responsabilidade
(ABRIC, 2003; CAMPOS, 2003), o que vai de encontro às considerações de Rouquete
(1998, p.43) das representações como condição das práticas, e das práticas como agente
de transformação das representações.
Segundo Rouquete (1998) a modificação das circunstâncias externas, seguida da
modificação das práticas sociais leva a modificação dos prescritores condicionais
(elementos periféricos) podendo atingir os prescritores absolutos (elementos centrais)
levando a mudanças representacionais. Dessa forma, os novos contextos de prática
podem possibilitar a vivência desta experiência como uma ressignificação produzindo
alterações na composição do núcleo central e consequentemente uma nova
representação do objeto (GRAZZINELLI et al., 2005).
A incorporação da clínica de atendimento a pacientes especiais no currículo da
graduação em odontologia, de maneira efetiva, proporcionou uma experiência capaz de
transformar as representações de pacientes especiais por modificações no processo de
ancoragem observado no sistema periférico. Ratifica-se assim a complementaridade
96
entre os dois sistemas, central e periférico, e as relações de reciprocidade entre práticas
e representações (ANDRADE et al., 2011; GRAZZINELLI et al., 2005).
4.1.3- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial
para os alunos do 1º e 2º períodos do 2º semestre de 2011
Do universo de 138 alunos do 1º e 2º períodos em 2011, 67 (48,5%) responderam
ao questionário. Nesse conjunto, 55% (n=37) eram do sexo feminino, 43% (n=29) do sexo
masculino e 2% (n=1) não informado, sendo a faixa etária predominante de 18 a 20 anos
com 69% da amostra, média de idade de 20 anos (DP=2,35). No tratamento do corpus
produzido pelo TEP analisou-se 75,0% do total do material evocado, considerando-se
palavras com frequência mínima igual ou acima de 4. Verificaram-se 130 evocações com
38 palavras diferentes e média de 3,42 evocações por sujeito.
A análise realizada com auxílio do Evoc 2000 ® permitiu encontrar para os alunos
do 1º/2º períodos/2011 a frequência média de evocações (Fm) igual a 15 e a média de
ordem média (OME) igual a 2,5 e a partir desses cálculos verificou-se que cuidado, difícil,
doença e trabalhosos têm atributos de componentes do núcleo central, e aids, dedicação,
dor, respeito e triste, do sistema periférico. Carinho (zona de contraste) e Cadeirante,
Déficit mental e Down (primeira periferia) são elementos que compõem o sistema
intermediário dessa estrutura (Quadro 8).
Quadro 8 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 1º e 2º
períodos/ 2011
fm
>= 15
< 15
OME < 2,5
Elementos
Cuidado
Difícil
Doença
Trabalhosos
Carinho
OME >= 2,5
Elementos
f
34
23
21
15
27
OME
2,265
Cadeirante
2,478
Déficit mental
2,143
Down
2,333
Aids
Dedicação
2,778 Dor
Respeito
Triste
f
OME
11
8
11
2,091
1,500
2,273
8
7
10
10
10
3,000
3,143
2,800
2,600
3,400
97
Em seguida, de acordo com a metodologia anterior, após o recolhimento dos
conteúdos da estrutura representacional, foi comparada a frequência das palavras
evocadas e sua indicação como mais importantes, para verificar se a queda da frequência
era menor que 50%.
Quadro 9
Quadro 9 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais
importantes
Elementos
F evocação
+ importante
% queda
Cuidado
34
21
39
Difícil
23
13
44
Doença
21
11
48
Trabalhosos
15
9
40
Verificou-se que os quatro prováveis elementos componentes do núcleo central
tiveram frequência de indicação de palavra mais importante sempre menor do que 50%,
variando de 39 a 48% (Quadro 9).
Neste grupo, diante de dificuldades encontradas no campo, não foi possível
realizar o teste de dupla negação para confirmar o valor simbólico dos prováveis
elementos centrais.
Para entender mais claramente como estão organizados os conteúdos dessa
representação, utilizou-se o recurso da análise de similitude que permite o estudo das
coocorrências existente entre diversos elementos. Essa análise, realizada com auxílio do
programa SIMI®, permite a construção de uma matriz baseada em índices de similitudes
(PEREIRA, 2005), facilitando o acesso a esquemas mentais no detalhamento da
representação.
Na observação da árvore máxima constata-se dois gráficos estelares formados
por doença conectada a aids, down, déficit mental, triste e difícil, e o outro com o e
elemento difícil articulado com doença, triste, trabalhosos, dor e déficit mental, que
encontram-se ligados pela mesma aresta de dois gráficos triangulares, cujos vértices são
98
os elementos triste e déficit mental, sugerindo uma visão estereotipada, através de
ancoragens baseadas em crenças historicamente construídas a respeito das pessoas
com necessidades especiais como deficientes mentais e tristes ou em exemplos que
consideram como “anomalias” ou doenças, como Síndrome de Down, cadeirantes e aids
elementos encontrados no sistema periférico e periferia próxima, confirmando a análise
da amostra total (Figura 3).
É interessante observar-se o conflito dos sujeitos em relação à possibilidade real
como profissionais, de atendimento aos pacientes especiais constatada pela ligação do
elemento difícil a dor de um lado, e trabalhosos do outro, que por sua vez está fortemente
ligado a cuidado, respeito, carinho e dedicação. Tais conexões apontam para diferentes
aspectos relacionados aos sentidos construídos por estes sujeitos em relação aos
pacientes especiais. De um lado, uma visão baseada na crença de que tratar desses
indivíduos gera muita dor e dificuldade e por outro o cuidado ligado ao respeito, carinho
e dedicação, elementos necessários para um bom atendimento a qualquer pessoa.
É interessante observar que o elemento cuidado liga-se a apenas dois elementos,
de um lado trabalhosos e do outro respeito, diferenciando-se da árvore máxima da
amostra total, onde se conecta a 10 elementos confirmando seu poder de organização
da representação. A diferença de resultado entre a amostra total dos alunos (2011, 2012
e 2013) e o resultado dos alunos do 1º e 2º períodos de 2011, talvez possa ser explicado
pelo fato de que, com o passar do tempo, as informações veiculadas a respeito dos
pacientes especiais dentro e fora do ambiente acadêmico tenham aumentado e
fomentado o debate social influenciando os posicionamentos dos indivíduos como
explicitado na fala da aluna abaixo:
- “... hoje as coisas são muito mais abertas, as pessoas são muito mais instruídas,
hoje com a internet aí as pessoas leem muito mais, sabem muito mais a televisão
divulga isso mais, tentando fazer essa interação de pessoas com deficiência ...”. (
sex f, 32 anos, 2° per /2014).
99
Figura 3 – Árvore Máxima do 1º/2º períodos/2011
Nessa perspectiva, como diz Jodelet (2001), a comunicação desempenha um
papel fundamental nas trocas e interações que concorrem para a criação de um universo
consensual (p.30). Devido a isso hoje, o cuidado aos pacientes especiais, tem mobilizado
o interesse e preocupação da sociedade pela exposição maior na mídia e no dia a dia
das pessoas que convivem muito mais com esses indivíduos, o que pode ter contribuído
para o alto poder simbólico do elemento cuidado na representação dos alunos da amostra
total do 1º e 2º períodos, que ainda não tiveram contato com esses pacientes na clínica.
No sistema periférico temos em comum entre o subconjunto de alunos de 2011 e
os da amostra total, as cognições aids, dor e tristes, acrescentando-se agora dedicação
e respeito.
A confirmação dos elementos doença e cuidado como centrais na análise
prototípica baseia-se no cruzamento da sua alta frequência nos discursos, o que
representa a disponibilidade da informação na mente dos sujeitos, e a ordem em que são
evocados, que se associa ao processamento controlado da informação em relação ao
objeto (PEREIRA, 2005).
100
Dessa forma, observou-se uma alta taxa desses conteúdos nas respostas ao
questionário, como nos exemplos abaixo:
- “Pessoas doentes”. (sex m, 18 anos, 1º per/2011)
- “Pacientes com alguma síndrome, doença”; (sex m, 30 anos, 1º per/2011)
- “Sim; porque com eles o cuidado tem que ser maior”. (sex f, 18 anos, 2º per/2011)
- “Sim; pelos cuidados que precisa ter com ele”. (sex f, 21 anos, 2º per/2011)
4.1.4- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para os
alunos do 7º período do 2º semestre de 2014
Do universo de 55 alunos do 7º período no 2º semestre 2014, 54 (98,2%)
responderam ao questionário. Nesse conjunto, 80% (n=43) eram do sexo feminino e 20%
(n=11) do sexo masculino, sendo a faixa etária predominante de 20 a 25 anos com 81%
da amostra, média de idade de 24,6 (DP=3,86). No tratamento do corpus produzido pelo
TEP analisou-se 72,3% do total do material evocado, considerando-se palavras com
frequência mínima igual ou acima de 4. Verificaram-se 159 evocações com 68 palavras
diferentes e média de 2,33 evocações por sujeito.
A análise prototípica realizada com auxílio do Evoc 2000® permitiu encontrar para
os alunos do 7º período/2014 a frequência média de evocações (Fm) igual a 5 e a média
de ordem média (OME) igual a 2,5 e a partir desses cálculos verificou-se que os
elementos carinho, carinhosos, cuidado, doença e especiais têm atributos de
componentes do núcleo central, e alterações, amigo, atendimento, deficiência,
dependentes, diferentes, grávida, medo, pena, solidariedade, técnica, como pode ser
visto no quadro 10.
Após o recolhimento dos conteúdos apresentados acima, comparamos a
frequência das palavras evocadas e sua indicação como mais importantes para verificar
se a queda da frequência era menor que 50% (quadro 11).
101
Quadro 10 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 7º
período/ 2014
fm
>= 5
<5
OME < 2,0
OME >= 2,0
Elementos
F
OME
Elementos
F
OME
Carinho
Carinhosos
Cuidado
Doença
Especiais
15
6
12
5
8
1,867
1,667
1,917
1,800
1,625
Atenção
Paciência
12
8
2,083
2,250
Alegria
Calma
Difícil
Gritos
Necessidade
Síndrome
3
2
4
2
3
4
1,667
1,500
1,250
1,000
1,333
1,250
Alterações
Amigo
Atendimento
Deficiência
Dependentes
Diferente
Grávida
Medo
Pena
Solidariedade
Técnica
3
2
4
3
2
3
3
4
2
3
2
2,667
2,000
2,000
2,333
2,500
2,333
2,000
2,000
2,000
2,000
3,000
Quadro 11 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais
importantes
Elementos
F evocação
+ importante
% queda
Carinho
15
7
53,4%
Carinhosos
6
2
66,7%
Cuidado
12
8
33,4
Doença
5
2
40
Especiais
8
3
62,5
Comparando-se os resultados com os do 1º e 2º períodos de 2011, podemos
observar que cuidado e doença são elementos comuns presentes no núcleo central dos
102
dois grupos, e que os elementos difícil e trabalhosos presentes em 2011, são substituídos
em 2014 por carinho, carinhosos e especiais.
Buscando-se esclarecer e entender a rede de relações e interações complexas
que influenciam a organização cognitiva do objeto, foi utilizada a análise de similitude,
que permite o estudo das coocorrências existentes entre os diversos elementos no
material coletado, visando aprofundar os elos e conexões que se organizam em uma rede
de significados e que compõe as representações construídas pelos alunos.
Esse procedimento permitiu observar que o elemento carinho incorporado ao
núcleo central, agora é o único elemento a formar um gráfico estelar, conectado a seis
elementos: solidariedade, necessidades, amigo, alegria, grávida e pena.
Comparando-se com os resultados da turma em 2011, carinho conectava-se a
dedicação formando um gráfico triangular e estava presente na periferia próxima
(quadrante superior direito) ao lado de dedicação e respeito provavelmente uma
construção alusiva ao atendimento das necessidades e demandas desses pacientes.
Deve-se assinalar que esses foram lembrados mais tardiamente, possivelmente por um
contexto ainda distante desses alunos. No observado nesses alunos em 2014, a cognição
carinho passa a ser o princípio norteador da representação, despertando uma dimensão
afetiva na estruturação de um saber voltado para as necessidades dos pacientes,
impulsionados por pena, mas também por solidariedade, numa relação de amizade,
alegria, ancorados na gravidez, que é um estado diferenciado, que suscita cuidados e
também muita alegria e carinho.
No sistema periférico que é móvel e flexível fazendo a interface entre a realidade
concreta e o sistema central, o que permite a ancoragem da representação na realidade
do momento (SÁ, 1996), pode-se observar que não há nenhum elemento comum nos
dois grupos.
Em 2011, aids, dor, trabalhosos e triste e em 2014, alterações, amigo,
atendimento, deficiência, dependentes, diferente, grávida, medo, pena, solidariedade e
técnica. Analisando-se esses resultados cabe ressaltar o aumento de elementos no
103
sistema periférico em 2014 mostrando o aumento da complexidade da relação dos
sujeitos com o objeto, a partir da vivência clínica com esses pacientes.
A diferença mais marcante que se pode observar é na contraposição do elemento
aids em 2011 e grávida em 2014 no sistema periférico. Aids agregando sentidos
relacionados à tristeza e dor como uma doença que pode levar a morte, e grávida como
uma pessoa que vivencia uma situação diferente, com alterações no seu corpo e que
pode gerar medo, mas que ao mesmo tempo traz muita alegria e felicidade porque
simboliza a vida.
Pode-se observar também um conjunto de elementos no sistema periférico em
2014 estruturados em torno de carinho e cuidado ancorando as representações na
realidade do atendimento - pena, solidariedade, amizade e técnica.
A pena mobiliza os alunos no contato inicial com esses pacientes, fazendo surgir
um sentimento de carinho que mediado pela solidariedade, leva o aluno a perceber que
usando o seu conhecimento através de técnicas apropriadas, aliado ao estabelecimento
de um vínculo de amizade que o aproxima da realidade do paciente, o cuidado se
concretiza, gerando muita alegria e satisfação tanto para o aluno quanto para o paciente
e familiares, como exemplificado abaixo:
- “O contato aqui na faculdade foi bastante prazeroso porque a minha primeira
paciente a ser atendida na clínica foi paciente com síndrome de down, e dentro
das especialidades, a gente vê várias campanhas e concordo que a especialidade
de paciente de síndrome de down é amar”. (sex m, 26 anos 8º per).
Na análise de similitude carinho conecta-se a pena de um lado e a necessidades,
solidariedade e amigo do outro, que por sua vez está conectado a um esquema formado
por doença, que de um lado se une a técnica e do outro a cuidado que por sua vez se
liga a carinho através do elemento alegria (Figura 4).
104
Figura 4 Análise de similitude do 7º período/2014
A satisfação dos alunos, dos pais e dos pacientes ao final dos períodos no término
dos tratamentos ficava explícita na organização de festas e na troca de presentes entre
eles, onde ficava claro o vínculo que se estabelecia nessa relação, como pode ser visto
nas falas das entrevistas com os alunos abaixo:
- “Meu atendimento foi uma das coisas mais gratificantes que eu recebi até agora
na faculdade, pelo fato de poder ajudar ainda mais a alguém, porque a área da
saúde odontológica a gente já ajuda, mas ajudar uma pessoa que possui uma
necessidade especial é gratificante”. (sex m, 26 anos 7ºper).
- “Eu acho que é uma disciplina muito importante. Eu acho que até hoje as que eu
fiz não, todas são, todas tem a sua, a sua importância, mas pacientes especiais
foi uma experiência que eu jamais imaginaria ter dentro da faculdade”. (sex m, 22
anos 7º per).
Os resultados da análise das justificativas das palavras indicadas como mais
importantes dos dois grupos reforçam essa análise. Com a mesma metodologia descrita
anteriormente, categorizou-se os conteúdos das falas dos alunos e comparou-se o
resultado dos dois grupos.
105
No grupo dos pacientes do 1º e 2º períodos/2011 houve um predomínio das
justificativas referentes aos profissionais (55,2%), comparando-se com às referentes ao
paciente (46,2%) e à sociedade (7,5%).
Nas falas do 7º período/2014 houve um equilíbrio das justificativas referentes aos
profissionais (51,8%) e aos pacientes (51,8%), e um alto predomínio das duas em relação
às relativas à sociedade (1,8%) (Tabelas 5 e 6).
Tabela 5 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das
palavras principais do 1º e 2º períodos de 2011
Referência ao profissional
Referência ao paciente
Referência a sociedade
Carinho e amor (11)
Doença (12 )
Rejeição (4/80%)
Cuidado maior, dedicação (10)
Cuidado especial (10 )
Falta de respeito (1/20%)
Tratar com respeito (5)
Necessidades especiais (4)
Atendimento trabalhoso,
paciência (3)
Dependentes (2)
Necessidade de preparo,
habilidade, dificuldades (2)
Difíceis, diferentes, tristes,
Deficiência mental, defeitos
físicos, (2)
Responsabilidade (1)
Total =49
Total = 38
Total =5
Quanto às categorias, predominam nos primeiros períodos conteúdos referidos ao
profissional, em carinho e amor, cuidado e dedicação em relação ao paciente em doença
e cuidado e em relação à sociedade em rejeição e falta de respeito. Nos alunos dos
últimos períodos predomina em relação ao profissional conteúdos categorizados em
cuidado, medo, dificuldades, conhecimento e amor, em relação ao paciente em doença,
alegres, carinhosos e diferentes e em relação à sociedade em preconceito.
106
Tabela 6 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das
palavras principais do 7º período de 2011
Referência ao profissional
Referência ao paciente
Referência a sociedade
Cuidado (10)
Doença, alegres (4)
Preconceito (1)
Medo, dificuldades,
conhecimento (4)
Carinhosos, diferentes (3)
Falta de respeito (1)
Amor (3)
Dependentes, dificuldades,
necessidades (2)
Carinho e pena (2)
Limitados, sensíveis,
vulneráveis, frágeis, sinceros,
difíceis, agitados (1)
Paciência, desafio (1)
Total =31
Total = 27
Total =2
Coerentes com o resultado da amostra total, há um predomínio das justificativas
dos alunos dos primeiros períodos em categorias referentes aos profissionais em relação
aos pacientes, e nos alunos do 7º período observa-se uma diminuição dessa diferença
em relação aos profissionais e aos pacientes. Isso corrobora a condição de
distanciamento dos alunos dos primeiros períodos, em relação a um contexto diferente,
numa atitude de rejeição, elemento presente nos conteúdos em relação à sociedade, que
pode se manifestar desde uma indiferença até uma real negação, análise similar a de
Serino (2000), em estudo sobre a representação da deficiência, onde a autora acrescenta
que exemplos de uma aceitação efetiva da deficiência são raros.
Após o contato na clínica numa aproximação do universo dos pacientes especiais
nos alunos do 7º período, os conteúdos das justificativas igualam-se entre conteúdos
referentes a profissionais e pacientes. Constata-se além do aumento de frequência o
aparecimento de conteúdos focando agora aspectos positivos do paciente como os de
serem alegres, carinhosos, sinceros e sensíveis. Dessa forma condutas, modalidades de
interação e estratégias de intervenção são profundamente influenciadas por crenças e
valores que se expressam inconscientemente (SERINO, 2000).
O pensamento humano se estrutura pela linguagem e se organiza a partir de
nossas representações da realidade. Segundo Moscovici (2003), antes de ver e ouvir a
107
pessoa, nós já a julgamos; nós já a classificamos e criamos uma imagem dela (p.58). Por
outro lado as demandas do cotidiano nos colocam frente a frente com situações que
precisam ser enfrentadas e nesse momento são mobilizados conhecimentos e afetos
para ação.
Infere-se, portanto, que o contato com os pacientes especiais na clínica mobiliza
aspectos da memória coletiva dos alunos que enquadra o novo tornando-o familiar e que
permanece na estrutura do pensamento dos alunos, mas a “potência do cotidiano”
expressão utilizada por Wagner e Heyes (2005) leva os alunos a incorporação de novos
sentidos numa lógica cotidiana singular de coexistência de contradições, levando-se em
conta a relevância do contexto.
Nesse processo de enfrentamento do novo, mobilizam-se afetos, como foi
constatado nos esquemas que os alunos desenvolvem, tendo o carinho como princípio
norteador orientando as condutas, promovendo mudanças de atitudes que ao longo do
tempo podem provocar uma transformação das representações sociais sobre o objeto.
Como assinala Arruda (2014):
... o afeto é um artífice do possível, que nos sacode e nos coloca em outro estado
de ser que nos empurra para ação, ou nos revela um mundo inesperado que é
preciso elaborar (p.71).
E esse mundo que se descortina para os alunos e que vai muito além dos muros
da clínica e da universidade pode ser um disparador para reflexões que extrapolam as
fronteiras da Odontologia nas suas concepções tradicionais, situando o aluno num
contexto que propicie uma reflexão que permita a ampliar sua compreensão para além
do individualismo e no biologicismo predominantes na formação odontológica (ARAÚJO,
2006; CASOTTIL, NESPOLI; RIBEIRO, 2010).
4. 2- Abordagem processual: representações de pacientes especiais
Na análise das entrevistas a partir do processamento do corpus com auxílio do
software IRAMUTEQ®, foram encontradas 5 classes a partir de dois critérios: o valor
simbólico para o contexto semântico da classe e a força de associação da forma com a
108
classe, expressa pelo valor do X2. No processo de categorização/ nomeação das classes
encontradas utilizou-se o critério proposto por Camargo (2005) considerando-se valores
superiores a duas vezes o mínimo estabelecido - 3,84 -e a consideração das formas com
frequência maior que a média de frequência das formas da classe, visando diminuir a
chance de erro nessa associação.
Para as hipóteses interpretativas, procurou-se trabalhar com a lógica natural do
pensamento coletivo dos sujeitos em sintonia com os princípios da TRS (ARRUDA,
2005), articulando-se os segmentos de texto classificados pelo programa com os dados
obtidos na fase de observação e da abordagem estrutural, contemplando a triangulação
proposta na metodologia dessa pesquisa
4.2.1- Descrição dos sujeitos
Foram entrevistados 17 alunos distribuídos no 1º, 2º 3º e 6º períodos e 16 alunos
no 7º e 8º períodos totalizando 33 sujeitos, sendo 26 do sexo feminino (79%) e 7 do sexo
masculino (21%). A idade variou de 18 a 27 anos com média de 23 anos (DP=4,6). Dos
33 alunos 18 relataram já ter tido contato anterior com pessoas com deficiência.
4.2.2- Resultados e análise da classificação hierárquica descendente – CHD
As 33 entrevistas foram identificadas e analisadas durante o processamento do
corpus pelo IRAMUTEQ como sendo textos, as chamadas unidades de contexto inicial
(UCI). As UCIs foram então divididas em 794 segmentos de texto (ST), denominadas
unidades de contexto elementar, compostas por 2692 palavras (formas) diferentes.
Seguindo-se o processamento do corpus, o software gerou as formas lematizadas,
colocando os verbos no infinitivo e as palavras no masculino singular (CHARTIER e
MEUNIER, 2011), gerando 1629 lexemas (unidades léxicas). Do total de 794 ST, o
programa classificou 696 segmentos (87,66%), que foram separados em cinco
diferentes classes, de acordo com a classificação hierárquica descendente (CHD)
realizada, e que serão apresentadas a seguir.
4.2.2.1- Classe 1: O profissional e o cuidado odontológico do paciente especial
109
Quadro 12 Distribuição das formas da classe 1 segundo frequência e poder de associação na
classe (X2)
Palavra
f
Atender
56
Dentista
37
Profissional
31
Amor
14
Paciência
22
Calma
13
Paciente especial 27
Pessoa especial 15
Carinho
12
Área
11
Gostar
19
Dever
19
Entender
16
Paciente
47
Cuidado
14
Certeza
12
Atenção
13
Realmente
10
Na classe 1 foram consideradas as palavras
X2
86.30
85.45
77.39
44.34
34.66
32.60
30.91
29.91
26.04
22.86
20.13
18.82
15.91
12.55
10.60
9.76
9.67
9.01
com frequência na classe igual ou
maior que 9,26 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos era do sexo
feminino e professava a religião evangélica, não sendo significativo nessa classe
diferenças de idade e período em que estão matriculados.
Na formação das RS é preciso entender os dois processos interligados e
dependentes de fatores sociais que as forjam: a objetivação e ancoragem.
Estudar a ancoragem das RS é procurar um sentido para a combinação particular
de conceitos que fazem o seu conteúdo. Segundo Doise (1992), o significado de uma RS
é sempre incorporado em significados mais gerais envolvidos nas relações simbólicas
específicas para um determinado campo social, sendo pertinente, portanto num estudo
de representações sociais além da descrição das realidades objetivas, considerarem-se
as suas raízes na dinâmica relacional.
110
Aqui, a construção de sentidos está associada, principalmente ao atendimento do
paciente especial pelo dentista. Centra-se em aspectos ligados à interpretação que os
alunos têm do profissional de odontologia para tratar de pacientes especiais, que é uma
terminologia ligada à prática profissional para definir pessoas com algum tipo de
necessidade especial de tratamento.
A objetivação visa criar verdades evidentes para todos independente de
determinismos sociais e psicológicos através da sua expressão em imagens e metáforas,
já a ancoragem determina a intervenção desses determinismos na gênese e
transformação das representações (CABECINHAS, 2004).
Os sujeitos ao abordarem as diferentes situações do cotidiano não agem de
maneira neutra, mobilizando a sua capacidade cognitiva de acordo com sua implicação
em relação aos diferentes objetos. A representação precede a ação e a predetermina
(ABRIC, 2001, p.162), através da sua dimensão simbólica centrada na significação
atribuída aos objetos, funcionando como uma grade de interpretação e decodificação da
realidade.
É interessante, portanto, observar na análise dos segmentos de texto com a
palavra profissional nessa classe, que os sentidos desse conteúdo possibilitam três tipos
de ancoragem mediados pela existência ou não de contato ou atendimento anterior a
essas pessoas.
Observa-se que uma significação baseada numa dimensão normativa de como
deve ser o profissional na área de saúde para esse ou qualquer atendimento, predomina
naqueles que tiveram contato anterior à faculdade com alguma pessoa especial nas falas.
- “Acho que todo mundo tem que ver o paciente como um todo, não importa a
deficiência que o paciente teve, eu acho que todo mundo tem que ver o lado
profissional e não pessoal”. (sex f, id 26, 7º período).
- “Não, não acho que exista um profissional ideal, eu acredito que todo profissional
devia se empenhar, pensar em como, entendeu, agir e tal ter cuidado, ser gentil.
Todo profissional devia de ser assim, não acho que devia haver um especialista
para isso”. (sex f, id 21, 3º período).
111
Os sentidos relacionados à dimensão humana, numa tomada de posição
influenciada por um esquema idealizado sobre o profissional que atua nessa área,
predomina nos alunos que não passaram pela experiência de atender pacientes
especiais e na maioria não tiveram contato anterior fora da faculdade:
- “Na minha visão um herói. É um herói, porque não é todo mundo que quer tratar
um paciente especial, que quer fazer com que aquela pessoa tenha melhor
condições de vida. Não é todo mundo. Nem o governo às vezes ajuda nisso”. (sex
f, id 20, 3º período).
- “É o, o profissional ideal pra trabalhar, ele tem, ele tem que primeiro ter amor pela
profissão, ter amor pela disciplina que ele vai atuar ali naquela hora e
principalmente ter amor pelo ser humano, pelo paciente que ele tá trabalhando.
Ele precisa disso”. (sex f, id 43, 6º período).
E finalmente sentidos que equilibram dimensões normativas e humanas do
profissional que atende pacientes especiais. Tais construções foram encontradas em
45% dos sujeitos que já haviam tido a experiência do atendimento na clínica. Além disso,
observou-se também em sujeitos que não haviam atendido pacientes especiais na
faculdade, mas que tiveram contato anterior com pessoas especiais, no seu cotidiano.
- ... “Não acho que qualquer um, depende se ele tiver esse, isso que a gente falou,
amor, carinho, eu acho que ele pode ser, se especializar, procurar entender e
trabalhar”. (sex f, id 28, 7º período).
- ...“Pessoas... muito pacientes, que gostem muito, muito dedicadas porque, não é
qualquer pessoa, não é qualquer dentista... tem que ser um profissional formado
né, específico, que se especializou naquilo, que, que estudou, como eu falei cada
síndrome, cada etapa de cada atendimento, como deve, a conduta, tem que ter
muito, muito conhecimento tem que ter um conhecimento bem a mais do que um
dentista comum assim que atende pessoas que não são especiais”. (sex f, id 27,7º
período).
As falas explicitam dimensões para a atuação profissional nessa área, ligados à
necessidade de uma especialização, o que se espera de qualquer profissional que se
defina por essa área de atuação e por outro lado chamam a atenção para atributos que
os sujeitos consideram essenciais que os profissionais tenham para realizar esse tipo de
atendimento.
Percebe-se uma dicotomia de sentidos construídos em torno do atendimento que
se ancora em aspectos normativos relacionados a uma boa prática profissional
agregando significados referentes à afetividade, explicitados em amor e carinho tanto ao
112
ser humano como ao trabalho, que são despertados através do contato com essas
pessoas estimulando-as a buscarem um aprofundamento nessa área.
Na abordagem estrutural, na análise do material de todos os grupos de alunos que
já haviam atendido pacientes especiais na faculdade, 7º e 8º períodos, a presença de
carinho e cuidado como componentes do núcleo central corrobora esses resultados
evidenciando a importância da compaixão e solidariedade.
Essa constatação leva a uma reflexão sobre a dimensão afetiva que atravessa a
representação social dos alunos. No processo de observação desde o primeiro contato
na clínica, a expectativa e o temor do desconhecido aos poucos iam sendo substituídos
no atendimento semanal com os pacientes, por um vínculo impregnado de
demonstrações afetivas de ambas as partes. A partir das histórias de vida e sofrimento
permeadas pelo enfrentamento e superação, era notório o respeito nas falas dos alunos
realçando o carinho dispensado aos pacientes no atendimento.
Dessa forma, os alunos transformavam algo que os perturbava em um elemento
familiar para que pudessem processá-lo mentalmente desenvolvendo estratégias de
ação. Esse processo que Moscovici (2003) chamou de ancoragem nos permite
categorizar alguém ou alguma coisa, o que significa escolher um dos paradigmas
estocados em nossa memória e estabelecer uma relação positiva ou negativa com ele
(p.63).
Sendo as representações sociais um saber prático que envolve uma construção
simbólica que dá sentido, orienta e conduz os grupos sociais em suas ações (Jodelet,
2001), o carinho e o cuidado que o contato com esses pacientes desperta, mobiliza a
sensibilidade dos alunos. Esses conteúdos são geralmente associados ao sexo feminino
que nesta classe é o predominante (AMORIM, 2009).
A partir das suas especificidades e necessidades busca-se então encontrar junto
com o paciente, estratégias que facilitem o seu atendimento, impulsionados pelo amor
ao ser humano coerente com a visão do profissional como um missionário ancorada na
113
perspectiva cristã-evangélica, uma vez que nessa classe predominam sujeitos que
professam esse campo religioso.
Esses sentidos podem guiar a elaboração de atitudes e práticas discentes que
respondam às demandas e necessidades de seus pacientes especiais. Possivelmente,
servirá também de contexto para que se inicie uma discussão sobre a importância da
atenção integral, para esse grupo como um valor a ser sustentado e defendido nas
práticas dos profissionais de saúde e que se expressa na forma como eles respondem
às demandas dos pacientes (MATTOS, 2006). Dessa forma rompe-se com a ideia do
paciente objeto e surge o paciente sujeito, como um todo, produzindo uma nova lógica
que não exclui, mas incorpora temas e questões (MAIA, 2003; p.24)
Nesse sentido o atendimento na clínica de pacientes especiais possibilita ao aluno
experienciar a necessidade de um equilíbrio entre os aspectos normativos ligados à
prática profissional e aspectos humanos, que o façam enxergar o paciente na sua
totalidade.
Autores com outros enfoques teóricos em suas pesquisas obtêm resultados que
vem de encontro com o assinalado e apontam a influência de experiências educativas,
nas atividades de graduação, enfocadas nas demandas e necessidades de pessoas
especiais, nas atitudes e condutas dos alunos e profissionais em relação à deficiência,
bem como na disposição e interesse ao atendimento desses pacientes (DAO,
ZWETCHKENBAUM, INGLEHART, 2005; MORAES, A. B. A. et al., 2006; De LUCIA e
DAVIS, 2009; SMITLEY et al., 2009; WEIL e INGLEHART, 2010).
Esses resultados são similares aos encontrados no estudo de Moraes et al (2006)
que se ocuparam em conhecer verbalizações de estudantes de odontologia sobre a
inclusão social de pessoa com deficiência, onde as respostas que expressavam pena e
receio de interagir com as pessoas retratadas nos exemplos, diminuíram após as aulas
relativas a pacientes especiais e passaram a aparecer frequentemente associadas à
categoria “disposição para contato ou ação”, através da busca de informações para,
finalmente, partir para a interação com a pessoa.
114
Continuando a análise dos conteúdos encontrados nessa classe, calma e
paciência são atributos segundo os sujeitos, essenciais para atender pacientes especiais,
numa rede de sentidos mais ligados ao senso comum de como deve ser o profissional,
traduzida através de inúmeras metáforas relacionadas ao dentista que atende pacientes
especiais como: herói (sex f, id 20 3º per), guerreiro (sex f, id 22,7º per), pessoa iluminada
(sex f, id 22, 6º per), equilibrado (sex f, id 20 3º per), tem que ter um dom (sex f, id 20, 2º
per e sex f, id 22, 6º per), pessoa especial (sex f, id 18, 1º per). Esses atributos – calma
e paciência – considerados importantes para o contato com o paciente orientam a busca
de um aprimoramento profissional procurando no conhecimento desenvolver um cuidado
diferenciado orientado pela integralidade da atenção a essas pessoas, considerado por
eles um desafio nos que tem experiência de atendimento e dádiva naqueles sem essa
experiência.
- “É não digo nem humanista, mas um profissional que goste de desafios. Porque
é um desafio você atender esse tipo, esse perfil de paciente”. (sex m, id 26, 8º
período).
- ... “Eu acho que ser dentista que atende paciente especial é uma dádiva também,
poder dar cuidado para essas pessoas que também precisam da gente como as
outras mais ainda, porque são pessoas especiais”. (sex f, id 21, 3º período).
4.2.2.2- Classe 2: Experiência de atendimento ao paciente especial
115
Quadro 13 Distribuição das formas da classe 2 segundo frequência e poder de associação na
classe (X2)
Palavra
f
X2
Paciente
64 93.16
Tranquilo
24 78.72
Boca
12 40.49
Procedimento
9 36.10
Clínica
13 34.16
Contato
13 28.75
Experiência
11 26.17
Tratamento
13 24.34
Lidar
16 15.20
Paciente especial 19 14.99
Paralisia cerebral
9 13.07
Trabalhar
9 10.39
Nunca
9
8.27
Na Classe 2, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou
maior do que 6,85 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos era do sexo
masculino, com idade entre 23 e 27 anos, sem religião, não tiveram contato anterior com
pacientes especiais, frequentavam o 7º e 8º períodos e atendiam paciente especial na
faculdade.
Os conteúdos estão ligados diretamente a experiência de atendimento na clínica
odontológica de pacientes especiais como uma novidade, antes não experimentada,
como nos exemplos:
-...“Você vai aprendendo, eu nunca tinha convivido com paciente especial. Eu
convivi aqui a primeira vez. Eu não sabia como era, eu não tinha noção”. (sex f, id
21,7º per).
- ... “às vezes a gente fala no dia a dia no caso é especial é normal, e como a gente
nunca, eu pelo menos nunca convivi, nunca tive na especialidade eu não sei”. (sex
f, id 20, 2º per).
116
Esse contato com o paciente dá oportunidade aos alunos de experiências na
maioria das vezes gratificantes. As falas focam os procedimentos em si, envolvendo a
boca e os dentes e as dificuldades encontradas principalmente com os paralisados
cerebrais, que tem alterações motoras que se traduzem em tônus e posturas alteradas,
e que simbolizam nos discursos os possíveis problemas no atendimento, como a
dificuldade de abertura de boca e o nervosismo de uma situação nova.
- ... “mas seria um pouco de estranheza, porque a gente espera um tratamento,
sei lá, a gente meio que fica padronizado e eles precisam de um cuidado maior,
precisam de uma atenção maior pra distinguir o que é, o que é lesão o que não é,
até mesmo, pra eles, fazer uma avaliação melhor na cavi ... oral deles”. (sex m, id
23, 3º per).
- ... “Ah, outra pessoa de repente deveria achar estranho. Como é que o dentista
atende uma pessoa dessa? Dessa forma desse jeito, que não tem como fazer um
procedimento, sei lá de repente isso”. (sex f, id 26, 7º per).
Segundo
Semim
(2001),
as
representações
sociais,
como
princípios
organizadores de nossas ações e reações na vida cotidiana, têm componentes
socioafetivos e uma finalidade, dependendo das atividades e objetivos das pessoas,
categorizando e classificando os diferentes objetos através de bases discursivas que
ligam o pensamento individual a contextos sociais. A teoria das representações sociais
enfatiza a natureza social dessa classificação e categorização da realidade, aproximando
objetos, acontecimentos, pessoas, idéias através da equivalência dividindo e ordenando
a realidade social e material.
Assim sendo, a assimilação do paciente especial na categoria deficiente objetivada
na imagem do paralisado cerebral serve de referência para a ação dos alunos, norteando
o atendimento tendo como foco o paciente como um problema. Por outro lado, a
experiência do atendimento, como uma novidade nunca antes vivenciada surpreende as
expectativas discentes, por ser na maioria das vezes tranquila e gratificante.
Essa análise é corroborada pelos resultados obtidos nos estudos realizados com
a abordagem estrutural da representação executada na etapa precedente desse estudo,
onde os elementos cuidado e carinho presentes no núcleo central estruturam sentidos
117
dos pacientes especiais como pessoas diferentes que necessitam de carinho e de um
cuidado diferenciado.
Os elementos doença, dificuldade, deficiente, dependentes e atendimento
presentes no sistema periférico da estrutura da representação, encontrados nas
entrevistas dos alunos do 7º e 8º períodos dessa classe, ou quando justificavam a escolha
das palavras principais, mediam sentidos que orientam a construção de atitudes e
práticas discentes em torno de dificuldades em lidar com o deficiente no atendimento,
devido a sua doença e dependência, contemplando uma dimensão normativa do
elemento cuidado presente no núcleo central, mais ligada a aspectos históricos e sociais
da memória coletiva do grupo, que enxerga os pacientes como deficientes e
dependentes.
O deficiente por ser uma pessoa fora do comum que contradiz nossos esquemas
e hábitos (SERINO, 2000, p.71) leva os alunos a desenvolverem atitudes a partir de
sentidos construídos em torno das doenças com as quais aos poucos ele interage e pela
pouca experiência que tem, essas patologias assumem o lugar do paciente.
Essa análise encaminha a uma reflexão sobre o reducionismo da técnica
odontológica, que vai de encontro às constatações de Fonseca et al (2010) quando
assinalam que se evidencia nos alunos a dificuldade em reconhecer a figura humana em
detrimento da técnica odontológica, como se fosse possível reproduzir na clínica a
padronização dos manequins odontológicos do laboratório. Esse tecnicismo é
representado e exigido no campo clínico como sendo a “chave” do sucesso no
tratamento.
Por outro lado, esse contato gera oportunidade de lidar com outro universo que vai
além da experiência profissional, envolvendo a experiência de vida. Essa dualidade pode
ser percebida pela presença no sistema periférico dos alunos que já atenderam, dos
elementos: necessidade, alegres, sinceros, humanos e superação.
A categoria tratamento se atualiza, neste processo da experiência de atendimento,
conferindo ao paciente um sentido de humanidade a partir da mobilização de afetos
produzida no contato com eles na clínica, ressaltando-se suas características de alegria,
sinceridade, com expectativas e demandas como qualquer outro paciente, o que leva à
118
superação das dificuldades. Segundo Arruda (2014): o cotidiano segue, portanto, uma
racionalidade e sensibilidade que lhe são próprias, apoiada nas demandas pragmáticas
da existência social (p.71).
Essa experiência de trabalhar com os pacientes especiais é vista pelos alunos
como uma oportunidade gratificante e que para surpresa de muitos foi tranquila e “muito
legal” enfatizando a importância desse contato na prática proporcionado nas atividades
da disciplina de pacientes especiais.
- ... Eu acho que assim de primeiro momento foi um pouco... porque a gente não
tinha essa experiência, mas foi tranquilo. (sex f, id 26, 7º per).
- ... Eu acho que é uma disciplina muito importante. Eu acho que até hoje as que
eu fiz não, todas são, todas tem a sua, a sua importância, mas pacientes especiais
foi uma experiência que eu jamais imaginaria ter dentro da faculdade. (sex f, id
22, 7º per).
A contraposição entre aspectos normativos e relacionados às práticas, do
profissional e do paciente, elementos essenciais do cuidado, são os princípios
norteadores da rede de significados nessas classes, e segundo esses critérios as
pessoas adotam posicionamentos mais específicos a seus grupos (WACHELQUE, 2004).
De acordo com Lahlou (2012), a análise lexicográfica objetiva identificar no discurso
classes de enunciados parecidos que podem ser considerados como expressões da
essência comum de sentido ou de blocos de construção das RS. Cada classe é
considerada como um núcleo básico da RS, caracterizada por traços lexicais típicos.
As classes 1 e 2, o profissional e o cuidado odontológico ao paciente especial, e
experiência de atendimento ao paciente especial, respectivamente, compõem um eixo
que pode ser chamado de cuidado, uma vez que os enunciados similares identificados
aproximam-se de questões envolvidas na atenção a esses indivíduos (Figura 5).
Na classe 1 o foco são as atitudes desejáveis dos profissionais estabelecendo um
perfil de atributos a serem alcançados para uma boa prática em saúde, em especial nessa
área, num discurso com referências éticas e morais. No grupo dos que já atenderam
predominam sentidos que equilibram dimensões normativas e humanas do profissional,
ativados a partir da experiência do atendimento. Enquanto que nos alunos dos primeiros
119
períodos, que ainda não tiveram essa experiência, predominam sentidos mais voltados
para a dimensão humana orientando condutas idealizadas a respeito do profissional que
atua nessa área.
Na classe 2, onde predominam alunos dos 7º e 8º períodos que já atenderam
pacientes especiais na clínica, as falas giram em torno do paciente propriamente dito,
reconhecendo, embora influenciados por uma formação fragmentária que relaciona
deficiência com desvio de normalidade, que o indivíduo a sua frente é bem mais que um
aparelho biológico com disfunções, considerando-o como um sujeito a ser atendido e
respeitado em suas demandas e necessidades.
Dessa forma o encontro com os pacientes especiais na clínica mobiliza dimensões
normativas e afetivas guiando as ações dos alunos em direção ao cuidado, eixo que
norteia a assimilação da novidade nessas classes, num processo de circulação coletiva
de informações e sentidos, permitindo a naturalização do objeto.
120
4.2.2.3- Classe 3: O deficiente como estranho
Quadro 14 Distribuição das formas da classe 3 segundo frequência e poder de associação na
classe (X2)
Palavra
X2
F
Cego
17
56.47
Criança
32
51.70
Complicado
11
38.71
Escola
16
38.60
Médico
18
36.17
Menino
6
26.86
Estudar
11
24.91
Estranho
9
15.64
Medo
9
13.86
Saber
48
13.78
Pai
12
11.64
Preconceito
15
8.94
Na Classe 3, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou
maior do que 7,62 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos, com idade
entre 18 e 22 anos, teve contato anterior com pacientes especiais no seu cotidiano,
frequentava os primeiros períodos e não atendeu paciente especial na faculdade. Sexo
e religião não contribuíram para a formação dessa classe.
Nessa classe, os conteúdos identificados nos segmentos de texto têm como
referente a deficiência configurando-se na primeira imagem do outro, causando
estranheza, pelo medo do desconhecido, por preconceito, por ver o outro como diferente.
Os trechos abaixo servem de exemplo:
- “Ah, ele, de cara assim ele vai levar um baque porque sempre por mais que as
pessoas tentem não demonstrá-las meio que, que olham diferente e certamente
ele ia comentar que existia um menino diferente na sala”. (sex f, id 19, 3º per).
121
- ... “eu sou contra o preconceito, mas eu também eu não sei, não sei, eu nunca
passei por essa situação, eu não sei como eu agiria entendeu, se eu me
consultaria com um médico cego, eu não sei”. (sex f, id 23, 7º per).
Esse processo de transformar um conceito abstrato (no caso a deficiência) numa
imagem concreta, quase tangível reduzindo o estranho ao familiar é o que Moscovici
(2005) chamou de objetivação, que em conjunto com a ancoragem, nomeia e classifica
o objeto inserindo-o numa rede de significações pré-existentes e explicam a emergência
da estrutura das representações (JODELET, 2001).
Segundo a TRS ao enfrentar-se um fenômeno ou idéia desconhecidos, as pessoas
inicialmente o ligam ou ancoram em contextos conhecidos, reduzindo o estranho ou
desconhecido em categorias ou imagens comuns, dessa forma classificando ou
nomeando tais idéias. Intrinsecamente ligada a ancoragem estabelece-se a objetivação
que na assimilação de objetos e fenômenos é o processo que transforma o desconhecido,
não familiar em uma realidade concebível. Como resultado desse processo atribui-se
uma realidade física a um conceito, teoria ou idéia nova. Desta forma a metamorfose do
abstrato tornando-se concreto, através de imagens amplamente compartilhadas, envolve
e é consequência de um processo de comunicação e discurso coletivo (WAGNER e
HEYES, 2011).
-“Ah, uma falta de algum sistema, por exemplo, a motora, é falta do ... do controle
do corpo, não consegue se movimentar direito, não tem força”. (sex m, id 19, 1º
per).
Enquanto a ancoragem é um movimento dirigido para o universo interior, num
“copia e cola” incessante do que chama atenção do sujeito do não familiar, que vai
remodelando e mantendo a memória em movimento, a objetivação voltada para o
universo exterior tira desse material intangível conceitos e imagens que reunidos num
esquema figurativo transformam as representações em realidade, passando a existir
como objetos cuja significância serve de referência para a ação (MOSCOVICI, 2005;
JODELET, 2001).
Nesse sentido, segundo Serino (2000), como a diferença é identificada e
interpretada evidencia a percepção da realidade para os sujeitos e produz efeitos
importantes nos comportamentos. Ainda segundo a autora a maneira de agir do
122
deficiente é determinada socialmente e de forma predominante pela sua deficiência muito
mais do que pelas possibilidades e finalidades do contexto em questão, atrelando-o a
sua própria condição, o que pode ser constatado no discurso da aluna abaixo:
- “Ah, ia achar, ia achar estranho, porque vai, pensa logo, ué paralisado cerebral
cuida dos dentes? Primeira coisa que todo mundo acha, ainda mais num
consultório odontológico, acha logo que vai para um hospital vai querer extrair
tudo, eu sei que é o que eu vejo assim e ..., ah vai achar estranho”. (sex f, id
17, 7º per).
O medo, o receio diante da possibilidade real de atendimento a pacientes
especiais é justificado por conteúdos que têm a criança como referente, enfatizando a
sua fragilidade. Por exemplo, no processo de observação pode ser verificada a
dificuldade que os alunos tinham na relação inicial com os pacientes ao posicionar alguns
deles na cadeira odontológica, algo novo para eles. Isto era mais evidente nos
considerados mais complicados, como os encefalopatas crônicos não evolutivos também
chamados “paralisados cerebrais”, que necessitassem de algum tipo de contenção física.
Além disso, explicitavam também a dificuldade de lidar com familiares ou responsáveis
para a execução dos diversos procedimentos, que muitas vezes extrapolam a prática
odontológica tradicional devido a complexidade do paciente, como assinalado nas falas
que se seguem:
- “Eu acho que a maioria tem receio, um pouco de medo, assim ... não é medo,
não sabe como lidar, mesmo, com esses pacientes”. (sex f, id 23, 3º per).
-... “tem muita mãe que não gosta de, que trate do seu filho, que é especial,
diferente, gosta que trate como os outros, então a gente tem que ter muita
cautela”. (sex f, id 18, 1º per).
A ancoragem dos pacientes especiais como crianças que serão eternamente
filhos, num sentido de que ele passa a ser o centro da vida dos pais gerando dependência
da família que influi diretamente no tratamento odontológico, vai de encontro a avaliação
de Serino (2000), de que a pessoa deficiente aparece como um simples alvo ou
destinatário das ações dos outros, caracterizando-se mais por seus esforços do que por
realizações verdadeiras:
123
-“Dependendo da deficiência, a vida dos pais vai ser pra viver com, pelo filho, né,
cuidando dele”. (sex f, id 22, 7º período).
- “Ah, o que eu pensaria, eu pensaria... nossa, tipo, estranho né? Porque uma
pessoa que é cega muitas, muitas vezes não consegue nem sair... Não consegue
desenvolver assim, por exemplo, ah, não chega nem, vamos supor, no ensino
médio, eu acharia estranho, seria um choque assim pra mim, acho que é isso”.
(sex f, id 21, 2º período).
O posicionamento dos alunos sobre o tratamento odontológico dos pacientes
especiais envolve uma postura profissional diferenciada para lidar com a família, o
responsável pela criança, o pai, o médico que faz parte da rotina do paciente tendo como
eixo norteador os sentidos construídos em torno do elemento doença, que aparece no
núcleo central dos alunos dos primeiros períodos ao lado de cuidado, atenção, dificuldade
e paciência corroborando aspectos de um cuidado diferenciado, que envolve a escuta,
um olhar mais atento a uma pessoa cuja demanda de cuidados é multiprofissional, como
se observa na fala a seguir:
- “Eu acho que você tem que conversar, tem que ter paciência, a todo momento
você tem que tá explicando o que for fazer, tratar com carinho, porque o paciente
especial geralmente ele é muito carinhoso né, ele quer atenção, ele quer contar o
que acontece na casa dele, ele quer ser escutado. Eu acho que a gente tem que
fazer esse papel aqui. A gente tem que fazer papel de dentista, de psicólogo, de
médico, de amigo, de tudo”. (sex f, id 21, 7º período).
Esse raciocínio é corroborado quando se explorou a organização dos conteúdos
encontrados na primeira fase da investigação quando foi utilizada a abordagem
estrutural. Ao se analisar as ligações dos elementos doença e cuidado que têm atributos
de centralidade no conjunto dos alunos dos primeiros períodos, observou-se que de um
lado doença forma um triângulo com os elementos déficit mental e triste, apontando um
esquema mental organizado a nível consciente, para explicitar uma relação (PEREIRA,
2005), dando suporte a crenças historicamente construídas sobre a deficiência, e do
outro lado, o cuidado fazendo parte também de uma forma triangular com dedicação e
carinho que por sua vez se liga a deficiente. Esses esquemas apontam para o
processamento de novos conteúdos apreendidos, expressando valores que influenciam
profundamente as condutas e que se refletirão nas estratégias de intervenção, buscando
superar reducionismos (SERINO, 2000. p. 76).
124
Continuando o aprofundamento da análise da classe, escola se constitui numa
expressão de sentido, como o primeiro espaço fora da família de socialização da criança,
onde vivencia as relações com o outro podendo encontrar dificuldades ou não:
- “Bom, eu acho que ele pode comentar é, pelo fato da escola tá, é, aberta pra
quem tem síndromes, porque geralmente tem escola que não, que não recebe”.
(sex f, id 27, 7º per).
- “Bom, eu acho que primeiro ele... questionaria também o fato se tem estrutura, a
escola tem estrutura pra poder atender as necessidades dos alunos, desse aluno”.
(sex f, id 20, 2º per ).
E por fim, o estudar, que por ser uma ação que permeia a vida de todos
relacionando-se com uma visão de normalidade, pode mediar sentidos relacionados de
um lado a uma espécie de superação da deficiência dando confiabilidade ao sujeito e por
outro, explicitar uma relação impensável diante da deficiência existente, como nas falas
que se seguem:
- “Se for cego desde, já nasceu assim, estudou, estudou, passou em tudo e tal e
sabe o que ... que ele está fazendo, tudo bem, aí eu confio na pessoa”. (sex f,
id18, 1º per).
- “Por exemplo, prá mãe, a mãe não queria que o, queria que o filho desenvolvesse
como os outros, até por causa do preconceito. Tem muita gente que, ela tem o
próprio filho, o filho tem que estudar em escolas especiais, não pode dar uma
escola normal”. (sex f, id18, 1º per).
- “Ele vai achar muito estranho, porque ele vai falar, meu filho não é deficiente
como é que ele vai estudar com uma criança com down?”. (sex f, id 27, 7º per).
Faz-se, portanto pertinente, a avaliação de Serino (2000) de que a revelação de
estratégias e conhecimentos implícitos podem permitir o aumento da capacidade de
interação com os deficientes (p.84) evitando-se preconceitos e norma pré-estabelecidas.
125
4.2.2.4- Classe 4: Construção de uma nova visão sobre deficiência
Quadro 15 Distribuição das formas da classe 4 segundo frequência e poder de associação na
classe (X2)
Palavras
X2
f
Deficiente
22
39.81
Normal
64
36.62
Deficiência
42
35.23
Interferir
21
29.58
Hoje
20
19.78
Acreditar
18
17.40
Dificuldade
17
12.76
Síndrome de Down
30
9.69
Na Classe 4, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou
maior do que 17,48 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos era do sexo
masculino, frequentava o 2º período, professava a religião espírita e não atenderam
paciente especial na faculdade. A variável idade não foi relevante.
Nos discursos dos sujeitos dessa classe observa-se a convivência de conteúdos
direcionados a sentidos de normalidade e deficiência, com a oposição entre os conceitos,
e sentidos relacionados à dificuldade de assimilação da deficiência nos espaços sociais.
Essa avaliação está de acordo com as observações de Serino (2000) sobre os
processos que se ativam a partir da imagem da doença mental dentro de um espaço
representacional opondo normalidade e doença, identidade e alteridade, acrescentando
ainda que a nossa sociedade que se diz e espera ser vista como igualitária e democrática,
coloca diante da diferença uma série de embaraços.
Os conteúdos encontrados nas entrevistas realizadas evidenciam os processos
através dos quais as realidades percebidas como diferentes são identificadas,
interpretadas e traduzidas em imagens concretas quase tangíveis impregnadas de
julgamentos avaliativos e de orientação para a ação, levando a uma tomada de posição
(SERINO, 2000), como na fala que se segue:
126
- “Não poderia ter uma pessoa com síndrome de Down numa turma que só tem
pessoas normais, ele ia ter que ir para uma escola de deficientes, de necessidades
especiais”. (sex f, id 18, 3º per).
A síndrome de Down objetiva a representação da deficiência numa imagem
impregnada de julgamentos avaliativos. A análise de similitude de todos os alunos dos
primeiros períodos e que se destacam nessa classe, corrobora essa análise permitindo
a compreensão da lógica natural na construção de sentidos desse grupo. O elemento
doença que está presente no núcleo central dos alunos aparece na análise de similitude
ligado a 5 elementos: down, dor, triste, déficit mental e aids fortemente ligado a
cadeirante, num esquema estrelar reforçando o seu poder de organização desses
elementos, característica de centralidade.
Esse esquema construído pelos alunos se integra a um contexto maior, que vem
a ser o pensamento social, onde as imagens do down, do deficiente mental, da aids, do
cadeirante expressam atitudes associadas a dor e tristeza a partir de crenças
historicamente construídas desses indivíduos.
Através da memória o pensamento novo apóia-se “sobre o pensamento
constituído para enquadrar a novidade a esquemas antigos, ao já conhecido” (JODELET,
2001, p.39), tornando o novo e diferente, familiar. Dessa forma o paciente especial
naturaliza-se em imagens conhecidas no pensamento dos alunos, que passam a
valorizá-los como realidades concretas, reconhecidas pelo grupo social em que
convivem, prontas para serem ativadas servindo de referência para a compreensão da
realidade e para as ações no cotidiano.
Esses dois mecanismos chamados de ancoragem e objetivação atuam na
formação das representações (re)elaborando uma referência nova da realidade baseado
no já conhecido e com isso controlando e contornando a novidade (CABECINHAS, 2004).
Nos discursos observa-se também a dificuldade dos sujeitos em falar sobre o
conceito de normalidade que durante o processo de entrevista ficou patente nas reações
de espanto, risos, silêncios e lacunas na emissão das respostas à pergunta, o que é ser
normal para você?
127
- “Acho que falar de normalidade é difícil né. Eu já li uma certa vez que a porta da
loucura está entreaberta na cabeça de cada um entendeu”. (sex m, id 26, per 8º).
Essa dificuldade pode ser explicada pelo debate no próprio meio médico a respeito
das fronteiras entre loucura e sanidade gerando duas leituras opostas uma do universo
reificado e outra do senso comum.
Segundo Schurmans (2000), essas duas leituras são conflitantes porque se
referem a duas lógicas antinômicas. Na lógica médica a doença mental é objeto de uma
diferença quantitativa seguindo a lógica geral a respeito das diferenças quantitativas
entre estados patológicos e de normalidade, como assinalado por Canguilhem (1966), já
a lógica do senso comum se baseia na existência de diferenças qualitativas num trabalho
coletivo de demarcação entre a loucura e a sanidade, gerando um discurso de alteridade
associado a sentimentos de perigo e fascinação. Nessa ótica segundo o autor, ser louco
corresponde a ser outro e não apenas ser diferente em excesso ou escassez (p.267).
Constata-se nos discursos dos alunos essa dualidade de lógicas no olhar sobre a
deficiência mediada pela doença.
Nessa perspectiva para uns a ancoragem se dá na comparação de que o corpo é
uma máquina e que qualquer alteração poderá gerar um "defeito", uma anormalidade,
visão essa imposta pela sociedade que rotula quem é ou não especial. Nessa construção
de sentidos o deficiente é uma pessoa que tem limitações e diversas dificuldades que o
impedem de ser normal.
- “Ah, é muito complicado, porque acaba sendo um preconceito falar isso. Só não
ter nenhuma dificuldade de fazer alguma coisa sabe, poder ser igual às pessoas
que são normais assim, porque ser especial é ter algum defeito perante a
sociedade, no corpo, na fala seja em qual, em que for, mas, eu acho que não ser
especial é isso. Não ter dificuldade”. (sex f, id 22, 6º per).
Para outros predomina o discurso onde a ancoragem se dá no tênue limite entre a
deficiência e normalidade:
- “Ser normal, também é difícil, mas é, (silêncio), ser normal é não ser tão normal
assim (risos), é tipo assim, não, não, não ser perfeccionista, não ser perfeito
porque o que é perfeito também não é normal...” (sex f, id 32, 2º per).
128
- “Ser normal, pra mim, o, o, deficiente é normal também, entendeu, pra mim não
tem diferença nenhuma, a diferença é que ele vai ter mais dificuldade e eu não”
(sex m, id 21, 2º per)
Por outro lado verificam-se elementos novos sendo incorporados, portanto,
deficiência e normalidade são pontos de referência para a ancoragem dos sentidos de
pacientes especiais construídas por esses discentes dentro de um espaço de
conhecimento social mais amplo.
Essa análise é corroborada por Serino (2000), onde semelhanças e diferenças
entre são e deficiente se revelam como o núcleo duro da representação, sempre
implicitamente evocadas quando se toma uma posição em relação às questões de
deficiência, o que enfatiza os resultados dos elementos centrais da representação dos
alunos dos primeiros períodos que não atenderam e que na maioria representam essa
classe: atenção, cuidado, dificuldade, doença e paciência, relacionando-se os dois
primeiros mais às semelhanças e os outros três às diferenças.
Wagner e Heyes (2011) assinalam a importância dos meios de comunicação de
massa na incorporação de elementos novos, substituindo o protagonismo das
conversações pessoais no discurso macro social, constituindo-se como um dos
mecanismos epidemiológicos contemporâneos que moldam a mentalidade moderna.
Esse mecanismo tem se mostrado relevante na assimilação de novos conteúdos sobre
pacientes especiais, divulgando informações e facetas das pessoas com deficiência
mediando a construção de novos sentidos sobre esses indivíduos. Um exemplo:
- “Pelo menos eu sou uma pessoa que respeito, entendeu, sei que as pessoas...
que hoje em dia eu vejo que muitos deficientes, às vezes nem são tão
dependentes, entendeu, muitos são bem independentes. Já cansei de ver em
reportagem na televisão que existem, até no Caldeirão do Huck, que tem
deficientes que fazem comida, levam o irmão pra escola, entendeu, e meus
amigos, pelos que eu conheço, às vezes a gente até brinca, que não sei o que,
mas, no fundo, no fundo, a gente vê que aquilo ali tem que ser tratado com
respeito, entendeu, é, é isso o que eu penso" (sex m, id 21, 2º per).
A categoria hoje, nessa classe, agrega significados relacionados à mudança de
atitudes na relação com os pacientes especiais, objeto carregado de uma dimensão
129
afetiva, o que leva a um desejo de comunicação, de falar a respeito de compreender
(ARRUDA, 2014):
- “Ah, iam estar com pena, ah, acham que a pessoa, é aquilo, acham que a pessoa
não tem a capacidade para nada. Mas eu acho que antigamente era muito pior
essa situação, o que as pessoas viam, enxergavam das pessoas com deficiência.
Hoje em dia tá, tá melhorando”. (sex f, id 23, 7º per).
- “Eu acho que hoje em dia a mente da sociedade ainda, está bem melhor, bem
mais ampla do que antigamente, né”. (sex f, id 22, 7º per).
- “Hoje em dia acho que já não interfere tanto, o pessoal já tá, as pessoas já tão
aceitando mais. Não tem aquele preconceito que nem tinha antigamente, que todo
mundo preferia esconder uma pessoa deficiente do que botar na rua. E hoje em
dia já tem deficiente que trabalha, tudo" (sex f, id 27, 7º per).
Para os sujeitos dessa classe a interferência da deficiência na vida das pessoas
afetadas é avaliada de acordo com as concepções de deficiência e normalidade, que
ancoram suas representações
- “Ai, muitas pessoas hoje ainda encaram quando se fala em deficiência muitos
hoje, muitos, muitos hoje ainda veem, é, é ... a pessoa realmente ali realmente
com problema físico né, na cadeira de rodas, acho que a grande maioria quando
fala em deficiência física vê isso". (sex f, id 32, 2º per).
- “Professora, é, a pessoa normal, não tem pessoa normal, totalmente normal,
sempre tem alguém que tem, algum, qualquer deficiência todos os dias, o que ...
que é normal ?... Acho que não tem 100% normal”. (sex f, id 43, 6º per).
A síndrome de Down surge como uma categoria objetivando a deficiência numa
imagem que representa a incorporação de novos elementos a uma representação antiga
do deficiente como doente e incapaz com aspectos novos que ganham relevância nos
dias atuais, onde a inclusão de pessoas deficientes circula nos discursos dos diferentes
espaços sociais, trazendo novos sentidos do down como uma pessoa com limitações
como todo mundo, mas que busca a superação com auxílio da sociedade, como nos
exemplos que se seguem:
- “Chega pacientes com down, quer dizer especiais, né, não síndrome de down.
Então acaba que dali você já aprende a conviver, fora que, fora as aulas que a
gente tem de como tratar pessoa com down, quer dizer desculpa como especial”.
(sex m, id 19, 1º per).
130
- “Olha, poderia ter duas reações: uma de se apegar mais e a outra de olhar com
indiferença. Comentários existem, óbvio, mas eu vejo que na maioria das vezes
são positivos, pessoas se apegam mais a um portador de síndrome de down”. (sex
m, id 23, 7º per).
Os símbolos, portanto, como assinalado por Tura (1998) não podem estar
dissociados do objeto da representação, porque são eles que lhe dão significação e
sentido e, portanto, a força de sua impregnação no imaginário social (p. 150).
Para os sujeitos dessa classe as tomadas de posição em relação ao paciente
especial orientam-se por uma renovação no repertório de sentidos pautados em uma
visão socialmente construída do deficiente como incapaz devido às suas dificuldades,
por elementos que apontam para a construção de um novo olhar sobre a deficiência
norteando a interpretação e assimilação de novos sentidos para a diferença, como
explicitado na fala abaixo:
- “Olha, ser normal, acho que eu sou igual a todo mundo, porque o povo fala, ser
diferente é normal”. (sex f, id 21, 2º per).
O indivíduo com síndrome de Down que hoje conquista novos espaços na
sociedade e está presente na mídia simboliza para os sujeitos da classe como assinala
Arruda (2014) novos sentidos em velhas transversalidades, que a longo prazo podem
provocar uma mudança estrutural na representação. Ou seja, o sistema periférico
agregando elementos atuantes no processo de novas ancoragens a partir das
comunicações e práticas cotidianas possibilitam novos sentidos que são incorporados às
representações sociais dos alunos podendo no decorrer do tempo atingir o núcleo central
transformando a representação (FLAMENT, 2001).
4.2.2.5- Classe 5: O olhar do outro sobre a deficiência
131
Quadro 16 Distribuição das formas da classe 5 segundo frequência e poder de associação na
classe (X2)
Palavras
F
X²
Sozinho
23
131.58
Pena
20
99.47
Cadeira de rodas
13
71.16
Pensar
31
58.22
Olhar
15
14.99
Difícil
15
8.10
Na Classe 5, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou
maior do que 12,61 e X² igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos com idade
entre 18 e 22 anos, do sexo feminino e de outras religiões não sendo significante nessa
classe o período do aluno
Nessa classe o significado de normalidade para os sujeitos reflete-se no olhar dos
alunos sobre a deficiência, fenômeno que hoje em dia circula pela mídia, permeia as
conversas, e faz as pessoas pensarem e discutirem a respeito.
- “Hoje as coisas são muito mais abertas, as pessoas são muito mais instruídas,
hoje com a internet aí as pessoas lêem muito mais, sabem muito mais a televisão
divulga isso mais, tentando fazer essa interação de pessoas com deficiência”. (sex
f, id 32, 2º per).
O pensar aqui suscita a questão da elaboração do pensamento diante do novo
tentando ancorar aquela novidade para a ação. A visão predominante é a influenciada
por uma dimensão socioafetiva objetivando a deficiência na cadeira de rodas. Essa
imagem suscita a solidão que envolve essa condição num olhar de que sem alguém do
lado o deficiente não tem condições de andar sozinho, depende de alguém por isso
muitos têm pena, como explicitado nas falas a seguir:
- “Ah sei lá, acho que meio que sentem pena, não acham que ela seja capaz de
fazer as coisas sozinha, é... acho que é isso, acho que elas sentem pena” (sex f,
id 20, 2º per).
132
-... “coitada é uma cadeirante, tá sozinha, não tem ninguém acompanhando ela,
como será que ela faz, como ela se ajuda nas coisas né, às vezes eu penso assim
que ela é sozinha” (sex f, id 28. 7º per).
Por outro lado o fato de um cadeirante ser visto sozinho numa cadeira de rodas,
por exemplo, num supermercado ou na rua, situação cada vez mais frequente hoje em
dia leva os sujeitos a pensarem que se ele já se adaptou e consegue fazer as coisas
sozinho, então o consideram uma pessoa normal, numa interpretação quantitativa de
normalidade, como autonomia. Essa construção é coerente com o chamado paradigma
de serviços, fundamentado na ideologia da normalização, baseada na concepção clinicopatológica que focaliza o problema no indivíduo, coerente com a compreensão de que
ele é que deve adaptar-se à sociedade, paradigma diferente da proposta atual de inclusão
(ARANHA, 2001). Os exemplos abaixo ilustram esse raciocínio:
-“Ser normal é, deixa eu pensar... ué você poder fazer as coisas sem é.., sem ter,
as coisas assim, tipo ver, tipo conseguir fazer tudo sem precisar de ajuda, acho
que é isso”. (sex f, id 19, 3º per).
- “Eu acho que as pessoas pensam que ... aquela mulher que tá fazendo compras
na cadeira de rodas é uma guerreira né, ela vence os obstáculos que a vida
colocou né, e ... ela dá o seu melhor né, eu acho que ela é uma guerreira, acho
que as pessoas pensam também , assim com uma certa admiração, olham com
admiração”. (sex f, id 21, 3º per).
- “Eu acho que as pessoas olham, acho que muitas olham com sentimento de pena
e muitas olham outras como uma guerreira, porque a pessoa tá sozinha, ela tá
numa cadeira de rodas então ela tem que, ela limita os movimentos dela, eu
pensaria como um guerreira, mas tem muita gente que olharia como pena, muita
gente que, muita gente leiga entende como pena”. (sex f, id 22, 7º per).
Essa dicotomia de uma visão de pena e ao mesmo tempo de admiração é fruto da
perplexidade do olhar dos sujeitos diante da elaboração do pensamento dirigido a ação
em relação à deficiência, numa sociedade que ainda tem um olhar muito pautado pelo
preconceito com referência a esse grupo como mostrado abaixo:
- “Ah, mais o preconceito, né, da sociedade de olhar e comentar sobre, sobre,
sobre isso”. (sex m, id 23, 7º per).
Nesse processo de construção de sentidos do paciente especial, tomadas de
posição são elaboradas pelos alunos objetivando lidar com as dificuldades relacionadas
133
à deficiência, à família, ao atendimento odontológico e as dificuldades do próprio sujeito
em falar sobre o tema.
A pena aparece como elemento que ancora a novidade guiando a ação dos alunos
no sentido de um posicionamento diante de um deficiente que está sozinho. É
interessante registrar que na análise estrutural o elemento pena esteve frequentemente
associado ao elemento ajuda. Vale o exemplo abaixo:
- “...tipo eu iria sei lá oferecer ajuda se ela precisasse se ela quisesse mas tem
pessoas que assim, que olham e tentam imaginar porque que não tem ninguém
da família, julga até a família”. (sex f, id 22, 6º per)
Nesse sentido é interessante observar que os alunos não incorporaram ainda a
inclusão dessas pessoas no meio social como direito de cidadania, focando de forma
predominante a ajuda da família como elemento central desse processo:
- “Eu acho que as outras pessoas pensariam da mesma forma que eu. Eu acho
que uma pessoa assim querendo ou não precisa de ajuda. Eu pensaria: Poxa será
que não tem ninguém na casa dela pra, pra ajudar? - Tipo assim, tão largando ela,
sem ajuda, sem tá perto. Eu pensaria dessa forma” (sex f, id 21, 7º per).
Apenas um sujeito dessa classe abordou a questão social, na sua fala:
- “Hoje em dia tem muito mais é, é, não esta lógico 100%, mas hoje os deficientes
físicos tem uma ... uma, um acesso melhor a supermercados, a lojas, por que meio
que virou lei hoje você ter no ambiente público uma rampa, então hoje as pessoas
conseguem mais, estarem, estão mais acessíveis a supermercados, a shoppings”.
(sex f, id 32, 2º per).
O peso atribuído pelos alunos ao papel da família na condução da deficiência
remete a uma reflexão sobre o processo socialmente construído desde a era primitiva até
a contemporaneidade em relação à diferença. A marginalização da pessoa com
deficiência e os desafios e enfrentamentos encontrados pela família estão ancorados na
história da humanidade, não podendo ser dissociados de um contexto sociocultural. A
tendência em assumir a deficiência como a falta de alguma coisa com base na
quantificação da inteligência, parte do pressuposto de que a deficiência é uma "coisa" e
não um processo que pode se construir nas e pelas interações sociais. Nesta perspectiva,
134
a pessoa com deficiência é sempre colocada como inferior às demais, um ser incapaz de
alcançar um desenvolvimento pleno.
Ao lado disso a falta de políticas sociais consistentes que promovam efetivamente
a inclusão dessas pessoas suscita o imaginário com a ativação de processos
sociocognitivos que segundo Maciel (2000) orientam as
atitudes de pais ou responsáveis e a dinâmica familiar fica
fragilizada, instalando-se o complexo de culpa, o medo do futuro,
a rejeição e a revolta, uma vez que esses pais percebem que, a
partir da deficiência instalada, terão um longo e tortuoso caminho
de combate à discriminação e ao isolamento (p.53).
A conjuntura descrita pode traduzir-se em atitudes de superproteção, posse e
isolamento, dificultando o processo de socialização e desenvolvimento de autonomia.
Esse contexto sócio-histórico encontra eco na presença do elemento doença no
campo da representação construído pelos dois grupos considerados que, na concepção
do senso comum, significa ausência de saúde, desordem (HERZLICH, 1991). Na
estruturação desse campo representacional doença está presente no núcleo central dos
alunos dos primeiros períodos e é deslocada para o sistema periférico nos dos últimos
períodos que já vivenciaram a experiência do atendimento.
A permanente dinâmica entre o sistema central e periférico influencia as
ancoragens e tomadas de posição diante do objeto. Essa constatação é mais fácil de ser
verificada na análise de similitude onde o elemento doença forma nos dois grupos um
gráfico estrelar ligado a outros cinco elementos, apesar de doença não estar presente no
núcleo central dos alunos dos últimos períodos. Nos primeiros períodos ela conecta-se a
deficiente mental, down, aids, triste e dor, e nos últimos sinceros, humanos, carinho,
atendimento e cuidado. Tal descrição traduz um processo dinâmico entre estes
elementos, processado inconscientemente, na tentativa de conciliar as dimensões sociais
com as individuais referentes a esse objeto, dando oportunidade de sua atualização
(PEREIRA, 2005).
Pereira (2005) assinala que nos processos de esquematização, os esquemas
emergem como a base do processamento da informação na mente humana (p.29). A
135
doença media sentidos em relação ao paciente especial como elemento comum nos dois
grupos. Nos alunos dos primeiros períodos organiza as cognições que são fortemente
influenciadas por ancoragens em estereótipos existentes como síndrome de Down e aids
numa construção baseada em crenças a respeito das pessoas com deficiência, com
significação em deficientes mentais e tristes, e nos alunos dos últimos períodos os
estereótipos vão sendo substituídos por características pessoais que humanizam o
deficiente a partir do cuidado gerado no atendimento a esses pacientes. O processo de
ancoragem, portanto, atualiza constantemente aspectos que certamente compõe o
núcleo da representação, dando-lhes nova roupagem (ARRUDA, 2014, p.58). Desta
forma, apoiados nos mesmos valores ocorre uma renovação de sentidos e ações devido
a diversos fatores, atualizando velhas representações.
Análise semelhante pode ser feita em relação à forma difícil, presente nessa
classe, que na análise anterior da abordagem estrutural aparece como dificuldade,
elemento que está presente no núcleo central dos alunos dos primeiros períodos e
desloca-se para a periferia nos alunos dos últimos períodos. Na análise de similitude,
dificuldade conecta-se nos primeiros períodos com quatro elementos déficit mental,
trabalhosos, dor e triste e nos últimos com medo, síndrome, alegria e respeito que por
sua vez conecta-se a superação. Similarmente à doença, dificuldade permeia os
esquemas mentais dos alunos levando-os à reconstrução de sentidos e tomadas de
posição em relação ao objeto. Nos que ainda não atenderam reforça crenças sociais
desses indivíduos como deficientes mentais, tristes e trabalhosos o que gera muita dor e
dificuldade no atendimento. Já nos que tiveram contato a deficiência ancora-se em
síndrome, simbolizada pela síndrome de Down associada agora a alegria e respeito
estando a dificuldade relacionada ao medo que esse contato com o novo gera nos alunos,
como explicitado nas falas abaixo:
- “Então eu gostei da experiência, apesar de no início ter ficado muito assustada,
porque eu até comentei com as minhas colegas: gente tinha que ter um psicólogo
pra dar aula pra gente, se não a gente vai sair surtada”. (sex f, id 27, 7º per).
- “... muitas das vezes é muito difícil atender um paciente especial que ele não tem
paciência de ficar com a boca aberta, grita, não deixa fazer, o procedimento eu
acho que a gente vai ter que ter muito mais paciência, do que com uma pessoa
136
normal, e eu acho que a gente tá aqui pra isso né? Pra lidar com qualquer tipo de
público, e eu acho que tem que agir sem preconceito algum”. (sex f, id 22, 6º per).
Essa análise das dificuldades vai de encontro ao constatado por Fonseca (2010)
de que as dificuldades dos alunos muitas vezes podem não estar diretamente
relacionadas com a dinâmica dos serviços, à técnica odontológica em si ou até mesmo
com as necessidades especiais dos pacientes, mais sim em toda a complexidade que
exige um atendimento para pessoas com necessidades especiais. Segundo o autor
essas dificuldades podem estar relacionadas às questões humanas, questões de ordem
moral, filosófica e psicológica, e também, em não conseguir suprir as necessidades dos
pacientes. Nesse sentido salienta que o reconhecimento de limites é um fator
fundamental para que estes possam ser superados e para se alcançar a integralidade da
atenção, não só no campo odontológico, mas buscando as necessidades e expectativas
do ser humano especial na sua totalidade.
A partir do olhar sobre a deficiência o sujeito elabora estratégias de ação,
portanto, são criadas oportunidades de encontros com esses indivíduos podendo-se
abrir canais para uma reflexão no sentido de repensar-se preconceitos e normas préestabelecidas.
As classes três, quatro e cinco: o deficiente como estranho, a construção de uma
nova visão sobre deficiência e o olhar do outro sobre a deficiência, respectivamente,
fazem parte de um eixo que pode ser chamado de deficiência e sociedade uma vez que
os conteúdos observados na constituição delas relacionam-se com a maneira de olhar
através da qual são construídos sentidos sobre a deficiência no decorrer do tempo na
sociedade (Figura 5).
Na classe três há um equilíbrio entre os sexos, na quatro predomina o sexo
masculino e na cinco o feminino. Em relação ao contato anterior com pessoa especial,
na classe três há um predomínio de quem teve contato fora da faculdade, não sendo
relevante esse fator nas outras classes.
137
Em relação a terem atendido ou não pacientes especiais, predomina nas classes
três e quatro àqueles que não atenderam e na cinco há um equilíbrio entre os que não
atenderam e os que atenderam.
A faixa de idade predominante na classe três e cinco é de 18 a 22 anos, ou seja,
os mais jovens e na classe quatro não há predominância de uma faixa etária específica.
Em relação à religião somente na classe quatro há um predomínio de alunos que
professam a religião espírita, havendo um equilíbrio entre as religiões na classe três e
predomínio de outras religiões que não as mais prevalentes (católica, evangélica e
espírita) na classe cinco.
Verifica-se, portanto, que no conjunto das três classes que abarcam sentidos que
convergem para o eixo deficiência e sociedade, todas as variáveis estão presentes,
havendo algumas diferenças pontuais de acordo com a classe, o que confere aos
resultados generalidade considerável no contexto das três classes.
As representações sociais situando-se numa posição mista entre a psicologia e a
sociologia, representam o universo interior presente nos indivíduos, mas também
características que nos autorizam a chamá-las de sociais pressupondo um metassistema
de regulações sociais/normativas que intervêm e dirigem o sistema de funcionamento
cognitivo (CASTRO, 2002).
Nesse sentido percebe-se nesse eixo a influência de aspectos históricos e sociais
na construção de um saber determinado sobre a deficiência e o deficiente, significando,
construindo sentido e criando uma realidade comum, através de um trabalho simbólico
que emerge das inter-relações Eu, Outro e objeto-mundo (JOVCHELOVITCH, 2008).
Solidão e dependência são os princípios norteadores da representação para os
sujeitos das classes três e cinco gerando sentimentos nas falas dos alunos que vão de
pena à admiração, influenciando sua capacidade de interação com os deficientes a partir
de normas pré-estabelecidas, gerando atitudes baseadas em preconceitos. Enquanto na
classe três há predomínio de alunos que não atenderam pacientes especiais, na cinco
não há predominância entre quem atendeu ou não, evidenciando representações
similares nos dois grupos, que precedem a influência da vivência profissional,
138
confirmando esse fenômeno como socialmente construído, com objetivos práticos,
regendo nossa relação com o mundo e com os outros (JODELET, 2001).
O paciente especial é visto pelo prisma dos sentidos elaborados em torno de
doença, ancorando-se em anomalias conhecidas como: deficiência mental, deficiência
motora, aids e síndrome de down, num “pensar” esses indivíduos como deficientes
mentais, tristes e lentos no sentido de lentidão e dificuldade de movimentos gerando uma
lentidão intelectual.
Essa análise vai de encontro às colocações de Serino (2000) de que percebe-se
uma tendência a procurar uma causalidade psicológica interna, subjacente à questão
psíquica na deficiência, produzindo-se inferências relacionadas às características de
inadaptação como característica principal de uma pessoa deficiente.
A classe quatro tem também o predomínio de alunos que não tiveram a experiência
do atendimento influenciando os sentidos da classe e diferentemente das outras duas
classes onde não há o predomínio de nenhuma religião, nessa destacam-se os alunos
que se declaram espíritas.
Sendo as representações sociais uma construção psicossocial que reflete um
processo, que começa muito além do objeto, integrando dimensões temporais,
experienciais e relacionais, o sentido atribuído pelo sujeito ao objeto, ... diz de seu autor,
de sua busca de comunicabilidade e de aceitação pelo outro... (MADEIRA, 1998, p.50).
Dentro desse raciocínio é interessante constatar-se que o princípio que norteia a
representação dos alunos nessa classe são as semelhanças e diferenças entre os
sentidos de normalidade e deficiência, o que leva a um processo reflexivo sobre as
concepções tradicionais de deficiência mediada pelo elemento doença como um desvio
de um padrão pré-estabelecido e concepções baseadas no tênue limite de um ponto de
vista qualitativo entre deficiência e normalidade. Esses elementos ancorados na
Síndrome de Down, ressignificam os sentidos de deficiência e normalidade influenciados
pela mídia e pelo contato social maior com esses indivíduos, o que leva à incorporação
de novos elementos.
139
O Down nessa classe representa a superposição de sentidos do deficiente como
incapaz, com os de uma pessoa com limitações como todo mundo, mas que busca a
superação com auxílio da sociedade.
Esse raciocínio encontra eco e ancora-se em sentidos elaborados num
pensamento espírita predominante nos sujeitos da classe, que enxerga o homem nessa
luta interior entre o homem velho cheio de defeitos e limitações e as possibilidades de
progresso e evolução a partir do esforço pessoal e coletivo num inexorável caminhar para
a luz, mediado pela força cósmica do amor.
Essa análise é corroborada pela presença na periferia próxima ou sistema
intermediário dos alunos dos primeiros períodos, dos elementos carinho, dedicação e
respeito, que refletem a instabilidade das representações sociais pela proximidade dos
elementos centrais atenção, cuidado, doença e paciência, podendo eventualmente de
acordo com a dinâmica representacional, assumir algumas características de
centralidade (GAMBÔA, 2014).
Segundo Arruda (2014), novas ancoragens fornecem novas categorias à grade de
leitura do mundo e atualizam constantemente aspectos que certamente compõem o
núcleo da representação.
Desse modo, o eixo deficiência e sociedade congrega idéias, metáforas e imagens
que no decorrer do tempo vêm incorporando novos sentidos que podem orientar e
conduzir os alunos e futuros profissionais diante do convívio cada vez mais frequente
com os chamados pacientes especiais, num processo de inclusão crescente desses
indivíduos no seio social, podendo levar a uma mudança estrutural das representações
sobre o objeto (Figura 5).
As diferenças e similaridades entre o olhar do sujeito e o olhar do outro,
contrapondo deficiência e normalidade, fazem parte do primeiro eixo das representações
sociais de pacientes especiais, numa ancoragem psicológica, num contexto sóciohistórico, com concepções que vão de desvio a limitação.
140
O segundo eixo é o cuidado a esses indivíduos, que numa abordagem
psicossociológica, tem diferentes pontos de ancoragem para os alunos que já tiveram a
experiência do atendimento a pacientes especiais (7º e 8º períodos) e para aqueles de
períodos precedentes que ainda não tiveram essa experiência, levando a um contraste
entre um saber influenciado por estereótipos e uma realidade próxima.
Figura 5 Dendograma indicativo das classes das RS de pacientes especiais construídas pelos
alunos e seus eixos correspondentes
O presente estudo buscou entender a construção de sentidos dos estudantes de
odontologia a respeito dos pacientes especiais antes e após o contato clínico com esses
indivíduos durante a graduação, visando entender o processamento da realidade
específica a esses grupos e seu reflexo na formação dos alunos.
A relevância do objeto, num momento de mudanças conceituais de deficiência,
como restrição de participação ao corpo com impedimentos, provocando a experiência
da desigualdade (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009), em que políticas inclusivas
procuram adequar o ambiente social para que essas pessoas possam vivenciar seus
direitos de cidadania, vem de encontro a afirmativa de Isaías Pessoti, ainda na década
141
de 1930 de que a história da deficiência acompanha de perto a evolução da conquista e
formulação dos direitos humanos (1984; p.1).
A construção das representações sociais sobre pacientes especiais, objeto de
relevância na área de saúde e, no caso desse estudo, na odontologia, se configura no
embate entre processos cognitivos e relações sociais, no dia a dia dos diferentes grupos,
orientando e guiando a ação.
Nos alunos dos primeiros períodos o cuidado ancora-se na postura do profissional
idealizado como herói e iluminado, onde a calma e a paciência contornam as dificuldades
do atendimento. Todavia nos alunos que já atenderam o cuidado se ancora na prática de
atendimento ao paciente, aonde o contato e a experiência conduzem os alunos a uma
abordagem do mesmo como sujeito, mediada pelo carinho que esse encontro desperta,
respeitando suas demandas e necessidades como estratégia para a superação de
dificuldades no atendimento.
Essa análise tem pontos em comum com as observações de Serino (2000) de que
são muitas as reações diante de uma condição percebida como diferente, que contradiz
os esquemas e hábitos dos indivíduos, indo desde a incompreensão radical a uma
solidariedade que é muitas vezes aparente, e de uma marcada indiferença a uma
verdadeira negação. Baseando-se em extensa revisão bibliográfica, a autora cita alguns
trabalhos onde a criação de condições dentro das quais uma pessoa seja percebida como
indivíduo, como sujeito particular, mais que como membro indistinto de uma categoria
pode ser particularmente eficaz na superação de preconceitos.
Beaufils (1988) assinala a importância da convivência concreta na construção das
representações sociais sobre a deficiência, onde não se observam diferenças notáveis
entre os conteúdos das representações de si, do companheiro particular e de outros
companheiros.
Outro aspecto que sobressai neste estudo é o distanciamento dos alunos das
questões sociais relacionadas às pessoas com deficiência, tanto das dificuldades quanto
dos avanços institucionais. Constata-se que a idéia de integração sobrepõe-se a idéia de
142
inclusão, levando os discentes a um pensamento impregnado pela ideologia da
normalização que segundo Aranha (2001) tem como idéia central introduzir a pessoa com
deficiência na sociedade ajudando-a alcançar padrões de vida o mais próximo possível
da normalidade. Essa ideologia, baseada em concepções de desvio e normalidade
orienta as ações no sentido de promover mudanças nas pessoas com deficiência, na
direção de sua normalização, para que se adéquem a vida social.
Em contraposição, na ideia de inclusão o foco são mudanças tanto no processo
de desenvolvimento do indivíduo promovendo suas potencialidades, como no contexto
social para que respondam as necessidades dessas pessoas e se façam os ajustes
necessários ao seu efetivo acesso e participação na vida comunitária.
Para que a inclusão se processe é necessário, portanto uma sociedade inclusiva.
Dessa forma o pensamento dos alunos é um reflexo do pensamento social onde estão
imersos e suas representações fruto desse contexto, guiando e orientando as ações.
Esses dados levam a uma reflexão sobre a importância do contato com esse grupo
de pacientes durante a graduação e seus reflexos na formação dos futuros profissionais
de odontologia, como também da própria instituição de ensino.
A complexidade do cuidado aos pacientes especiais envolve além de aspectos
que dizem respeito ao saber estruturado cientificamente, aspectos sociais e emocionais
do universo de alunos e pacientes.
Dessa forma, Moraes et al (2006) ressaltam que uma formação integral que inclua
a sensibilização e predisposição ao atendimento, conhecendo formas de pensar e sentir,
e também as tendências referentes à ação dos estudantes de odontologia, no que se
refere ao atendimento inclusivo de pessoas com deficiência pode contribuir no sentido de
alcançar-se práticas educativas que contemplem as novas demandas da sociedade,
formando profissionais mais qualificados no sentido de buscar-se a integralidade da
atenção.
O Relatório Final da Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB – Brasil, 2004)
aponta a importância de atendimento a pacientes especiais na graduação em
143
Odontologia, ressaltando a necessidade de incorporação aos planos de curso dessa
experiência para capacitar os alunos no cuidado integral desses pacientes, destacando
ainda as falhas na formação dos cirurgiões dentistas na compreensão crítica das
necessidades sociais em saúde bucal.
Formar em saúde é principalmente desencadear processos reflexivos que
promovam mudanças, através da problematização do cotidiano, capacitando o educando
ao acolhimento e ao cuidado que contemple às várias dimensões e necessidades de
saúde das pessoas, dos coletivos e das populações (CECCIM e FEUERWERKER, 2004;
p.3), indo além da transmissão de práticas e saberes científicos estruturados.
Segundo Flament (2001), se determinadas práticas consideradas legítimas
tornarem-se frequentes e percebidas como irreversíveis pelos sujeitos, podem modificar
o nível de ativação dos esquemas periféricos, com modificações progressivas das
representações sem ruptura com o passado. Esse processo a longo prazo pode provocar
mudanças estruturais das mentalidades.
Dessa forma no caminho para a formação de profissionais “generalistas,
humanistas, críticos e reflexivos” (DCN, 2002), numa atuação direcionada para
transformações em benefício das sociedades, como propõe as diretrizes nacionais
curriculares para os cursos de odontologia, o atendimento a pacientes especiais na
graduação configura-se uma estratégia importante para a melhoria do acesso desses
indivíduos a um cuidado integral, visando contribuir de forma efetiva para que a inclusão
não se torne como nos alerta Aranha (2001), um rótulo vazio de significação social.
144
Antes de cursar a
disciplina
EIXO CUIDADO
Depois de cursar a
disciplina
Ajuda
EIXO
SOCIEDADE
Aids
Medo
Dor
Alterações
Triste
Dependentes
Trabalhosos
Dificuldade
Cui
Cui
da
da
Carinho
do
Doença
Doença do
Carinho
Proteção
Dimensão
normativa
Alegres
Família
Necessidade
Respeito
Alegria
Conhecimento
Atendimento
Responsabilidade
Dimensão
funcional
Superação
Figura 6 Composição gráfica da estrutura das representações sociais dos alunos de Odontologia
e seus eixos norteadores, antes e após cursara disciplina de atendimento a portadores de
necessidades especiais
145
CONCLUSÕES
Com base na TRS, foi possível uma aproximação dos processos simbólicos que
constituem e (re)significam as relações sociais, permitindo-se identificar as estruturas
representacionais dos diferentes grupos e os pontos de referência que orientam o debate
social em torno do objeto, a partir de diversas estratégias metodológicas, triangulando
técnicas de coleta e análise de dados onde se pode constatar e aprofundar a
interpretação dos resultados obtidos.
A população do presente estudo consistiu de estudantes de odontologia de uma
universidade privada, predominantemente constituída por mulheres (mais de 60% em
todos os grupos) com média de idade variando de 20 a 24 anos, seguindo tendências da
maioria dos estudos atuais com estudantes de odontologia.
O grupo dos pacientes especiais com os quais eles tiveram contato durante a
graduação na clínica de atendimento a pacientes especiais, foi predominantemente
constituído de pessoas com deficiências neurológicas, distúrbios congênitos e distúrbios
psicossociais, não havendo diferenças significativas entre os sexos e predomínio de uma
faixa etária específica. Esses pacientes dentro do extenso grupo dos pacientes
considerados especiais para a odontologia são aqueles que representam o maio desafio
para o atendimento, devido às suas especificidades em relação à abordagem e
tratamento.
Caracterizando-se as representações dos alunos, sua estrutura e organização
acerca do paciente especial é interessante constatar que cuidado no grupo dos
elementos comuns nos dois grupos é o único a estar presente no núcleo central de
ambos, bem como constitui um eixo estruturante na análise das classes encontradas nos
conteúdos das entrevistas, onde o corpus foi processado pelo IRAMUTEQ.
Esse dado determina o alto poder simbólico e organizador desse elemento nas
representações dos discentes, fruto de um contexto sócio-histórico onde a prática do
cuidado institucional a esses indivíduos constituiu o primeiro paradigma formal na relação
sociedade-deficiência, materializando-se nas chamadas instituições totais, onde pessoas
com déficit mental ou outras deficiências eram mantidas isoladas do meio social com
146
intuito de proteção, educação ou tratamento e que apesar do seu fracasso pela sua
ineficiência e do movimento que se processa em prol da inclusão, ainda povoa o
imaginário social.
Os resultados apontam também
para mudanças na estruturação das
representações dos alunos após o contato na clínica com pacientes especiais, o que se
reflete nas suas atitudes e práticas em relação ao objeto, que a longo prazo podem
contribuir para o processo de inclusão desses indivíduos.
Elementos como doença, carinho e cuidado são fruto de um metassistema de
regulações sociais e normativas em torno dos pacientes especiais sendo comuns na
estrutura representacional em ambos os grupos de alunos (os que atenderam e os que
não atenderam).
Dor, trabalhosos e triste presentes nos esquemas mentais dos alunos dos
primeiros períodos dão lugar a medo, conhecimento e alegria nos últimos períodos,
cognições em ambos os grupos orientadas pelas concepções de deficiência e
normalidade, que funcionam como norteadores das representações sociais dos alunos,
inseridas num esquema maior que é o pensamento social. Essa análise é corroborada
pelo eixo deficiência e sociedade que engloba três classes na análise dos conteúdos das
entrevistas confirmando a influência do pensamento social na lógica e dinâmica das
representações dos alunos e a força das relações e da comunicação na sua constituição.
Esses resultados sugerem uma transformação das representações discentes dos
primeiros para os últimos períodos num processo denominado por Flament (2001) de
progressivo, onde se processam mudanças lentas no sistema periférico mantendo-se
ainda uma ligação com o passado.
A TRS oferecendo subsídios para apreender e interpretar a rede de significados
que explica os sentidos atribuídos ao paciente especial pelos alunos, a partir das suas
experiências pessoais, mas também a partir de crenças, valores, imagens permitiu
identificar os vários aspectos nos quais os alunos ancoram o paciente especial, enquanto
um fenômeno relevante e o conhecimento que atribuem ao mesmo, além da constatação
147
de que o contato com pessoas com deficiência na graduação promoveu mudanças
estruturais nas representações discentes construídas.
Nos primeiros períodos, o sentido de um atendimento trabalhoso, com muitas
dificuldades que requer preparo e habilidades específicas, numa idealização do
profissional que terá que ter muito carinho e amor para conseguir atendê-los como se
fosse uma missão, e após o 7º período quando passam pela experiência do atendimento
apesar do medo, das dificuldades, os alunos mobilizam ao lado dos sentimentos que esse
contato desperta, o conhecimento acumulado na graduação para enfrentar o que agora
se configura num desafio.
É importante ressaltar o aparecimento nas representações dos alunos após a
experiência do atendimento, de uma dimensão funcional dos elementos centrais carinho
e cuidado, ancorada em diversos elementos do sistema periférico. Esses dados
necessitam ser aprofundados em estudos futuros
que possam acompanhar
longitudinalmente esses resultados, mas, parece não haver dúvida de que aspectos
positivos dos pacientes como alegria e superação passam a ser valorizados pelos alunos
orientando as práticas a partir do conhecimento tanto das necessidades dos pacientes e
das famílias como do conhecimento científico estruturado e vivenciado a partir do
atendimento, numa atitude de respeito que leva à superação do medo e das dificuldades.
As práticas desenvolvidas pelos alunos no decorrer dos atendimentos realizados
são plenas de conteúdos afetivos, demonstradas pelas manifestações de carinho
constantes tanto dos pacientes quanto dos alunos e pelas manifestações de aspectos
emocionais que permeiam essa relação como tristeza, alegria, perplexidade, satisfação
e prazer constatados no processo de observação durante toda a pesquisa.
Isso enfatiza a importância da dimensão afetiva na construção do conhecimento
para que este se torne significativo a ponto de produzir mudanças em atitudes e práticas.
A construção de sentidos em torno de doença, dor e tristeza gerando dificuldades,
baseada em crenças historicamente construídas a respeito das pessoas com deficiência,
orienta as atitudes e práticas dos alunos dos primeiros períodos gerando um
distanciamento e uma idealização do profissional como um missionário que tem que ter
148
muito amor e paciência para realizar um atendimento em um paciente especial. Esse
pensamento vai sendo substituído no decorrer da experiência na disciplina de pacientes
especiais, por uma valorização de aspectos positivos dos pacientes e do atendimento,
mediados pelos sentimentos que a relação que se estabelece com os pacientes gera, ao
lado da mobilização de um conhecimento estruturado adquirido no decorrer do curso,
produzindo para surpresa dos alunos, uma experiência prazerosa e gratificante.
Portanto conhecer as representações dos alunos permitiu identificar os elementos
simbólicos que podem estar contribuindo para atitudes negativas em relação aos
pacientes especiais, com base em crenças e memórias comuns.
A triangulação metodológica utilizada, articulando observação, abordagens
estrutural e processual, constituiu-se em uma rica estratégia para viabilizar o acesso e a
compreensão da rede de significados que sustenta os processos que dificultam a
inclusão dos pacientes especiais, bem como as diversas dimensões relacionadas ao
cuidado desses indivíduos.
Os resultados dessa pesquisa apontam para a importância de se conhecer as
representações sociais de pacientes especiais como guia das atitudes e práticas
relacionadas ao atendimento desses pacientes, e o papel da Universidade como
reprodutora ou não de conceitos, crenças, valores e sentidos construídos socialmente.
Ao se viabilizar a convivência com pessoas com algum tipo de deficiência durante
a graduação, além do enriquecimento da formação científica do aluno, pode-se
proporcionar
oportunidades
valiosas
de
envolvimento
e
cumplicidades,
que
desencadeiem processos de reflexão em toda a comunidade acadêmica, de que a
inclusão social dos pacientes especiais é um projeto a ser construído por todos.
Programas que proporcionem suporte teórico e atendimento clínico a esses
indivíduos com ênfase em aspectos sociais e envolvimento de todos os atores, podem
desencadear reflexões que extrapolem o paradigma de serviços, produto da ideologia da
normalização, centrado em oferecer serviços multiprofissionais que promovam mudanças
individuais.
A influência do imaginário social e o peso da dimensão afetiva na construção das
representações que funcionam como guia de atitudes e práticas dos alunos, foram
149
explicitados nesse estudo. O peso dessas dimensões no processo de elaboração do
novo que se configura na experiência de atendimento proporcionada pela disciplina,
promove um processo progressivo de mudanças. Essas puderam ser constatadas na
composição estrutural das representações de pacientes especiais, sendo verificadas com
mais facilidade nos sistemas periféricos construídos pelos dois grupos, ainda articuladas
às suas experiências passadas.
A importância desses aspectos na construção do conhecimento em especial na
área da saúde num momento de mudanças de paradigmas e reflexões sobre o ato de
cuidar torna relevante estudos com esse enfoque teórico e merecem uma apropriação e
avaliação das instituições formadoras que levem em conta seus resultados para a
elaboração de modelos curriculares com potencial transformador para a formação do
educando no sentido da integralidade da atenção, contribuindo para a construção efetiva
de sociedades inclusivas.
150
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167
ANEXOS
ANEXO 1
QUESTIONÁRIO
1- Quais as 4 primeiras palavras que vem a sua cabeça quando ouve a expressão:
a - _________________________
b - _________________________
c - _________________________
d - _________________________
2- Agora, assinale com um X as duas palavras que você considera mais importantes.
3- Agora explique por que você acha que elas são as palavras mais importantes:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
4- Por favor, complete as frases abaixo:
“Os pacientes especiais são ...”
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
“ O SUS é ...”
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
168
6- O que você acha que as pessoas pensam sobre um paciente especial?
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
14-São princípios do SUS:
( ) universalidade, cidadania e gratuidade
( ) universalidade, integralidade e participação da comunidade
( ) integralidade, prioridade para idosos e descentralização
( ) privatização, cidadania e descentralização
( ) regionalização, privatização e participação da comunidade
7- Você convive ou conviveu com alguém que poderia ser chamado de especial?
Sim ( ) Não ( )
Se respondeu SIM, quem eram/são essas pessoas e como era/é a convivência com elas?
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
11- O que você entende por SUS?
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
8- Paciente especial te preocupa? ( ) Sim ( ) Não
Por que responde assim?
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
9-Como você descreve um paciente especial?
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
169
12- O que você acha que as pessoas pensam a respeito do SUS? Por que pensa assim?
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
13-Você ou sua família fez ou faz uso do SUS? ( ) SIM ( ) NÃO Justifique a sua resposta
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
10- Você acha que seus colegas teriam/têm dificuldades para atender um paciente especial? (
)sim ( )não Por que?
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________
10- Com quem você mora em sua casa?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
13-Das respostas abaixo, quais não competem ao SUS:
() ações de promoção proteção e recuperação da saúde, vigilância nutricional e formação de
recursos humanos na área de saúde
( ) formulação da política de medicamentos, ações de saneamento básico e vigilância
epidemiológica
( )vigilância sanitária,controle da prestação de serviços ligados direta ou indiretamente com a
saúde e vigilância nutricional e alimentar
( ) construção de habitações populares, fiscalização de impostos e política exterior
( ) fiscalização de alimentos, água e bebidas para consumo humano, política de sangue e seus
derivados e assistência farmacêutica
14- No Brasil existe alguma política do SUS, voltada para a saúde bucal da população? ( ) SIM
( ) NÃO
Se respondeu sim, o que você conhece a respeito:
________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
________________________________________________________________
170
15- Em relação às fontes de informação sobre SUS qual(is) a(s) que você mais frequentemente
tem utilizado?
(
(
(
(
(
) televisão, jornais e revistas
) congressos e cursos de extensão
) livros e manuais
) aulas na graduação
) periódicos em revistas especializadas
Por favor, fale sobre você: Idade: _____ anos Sexo: Masculino ( ) Feminino ( )
Cidade e Bairro em que mora: _________________________
Período: 1º ( ) 2º( ) 8º ( ) Outro_________.
Sobre seus familiares: marque com X o grau de instrução e indique a profissão.
Grau de escolaridade
Ensino
fundamental
Ensino
médio
Ensino
superior
Não
sei
Profissão
Avô
materno
Avó
materna
Avô
paterno
Avó
paterna
Pai
Mãe
Utilize o espaço abaixo se você desejar fazer alguma consideração final ou acrescentar algo que
você ache importante sobre esse trabalho. Muito obrigada pela sua atenção!
171
ANEXO 2
172
ANEXO 3
173
ANEXO 4
Roteiro de entrevista
nº
1- A gente ouve falar que existem vários tipos de deficiência. Quais são as que você
conhece?
E como você acha que os seus colegas encaram pessoas com deficiência? Como a
deficiência interfere na vida das pessoas
2-Já conviveu ou teve contato com alguma pessoa considerada especial? Fale sobre
ela?
3- Você está procurando um médico endocrinologista e lhe indicam um considerado
muito bom. Ao entrar no consultório para consulta você percebe que ele que é cego. O
que você faz, porquê?
4- Como é não ser especial? O que é para você ser normal?
5-Um vizinho seu leva o filho de três anos para iniciar as aulas numa escola no préescolar. Chegando lá observa uma criança com síndrome de down na sala do seu filho.
Como você imagina que será a reação dele e como ele poderá comentar essa situação
com você.
6-Você está num supermercado e vê uma mulher sozinha numa cadeira de rodas
fazendo compras. O que você acha que as outras pessoas pensam ao vê-la. Porque
você pensa assim?
7-Como você acha que um colega seu reagiria ao ver que um paciente que está saindo
de uma consulta odontológica e é paralisado cerebral? E você? Porque?
8-Imagine (1º) ou descreva (8º) você atendendo um paciente especial. Fale um pouco
sobre isso?
9- Como é ser dentista que atende pacientes especiais?
10- Existe um profissional ideal para atuar nesse campo?
11- Quem você acha que pode trabalhar nessa área?
Dados sociodemográficos:
1-Idade: ____ 2- Sexo:____ 3- Período:____ 4-Estado civil:____ 5-Tem filhos:_____6Você pratica alguma religião?_______
7-Mora com quem?__________________________________________________ Qual
a profissão dos seus pais e avós?
174
ANEXO 5
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Eu, Claudia de S. Thiago Ragon, doutoranda de Sáude Coletiva do Instituto de Saúde
Coletiva da UFRJ, responsável pela pesquisa “A contribuição do atendimento a
pacientes especiais na formação integral do cirurgião-dentista: um estudo de
representações sociais ” faço um convite a você para participar como voluntário desse
estudo. Essa pesquisa pretende conhecer os sentidos atribuídos pelos alunos de
odontologia antes e depois de cursarem a disciplina de pacientes especiais visando
compreender melhor como eles orientam suas atitudes e condutas em relação ao
paciente especial. Para sua realização precisamos de sua participação respondendo a
essa entrevista/questionário para que possamos a partir dos dados produzidos
desenvolver o nosso trabalho. Você tem garantido o seu direito de não aceitar participar
ou de retirar sua permissão, a qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo ou
retaliação, pela sua decisão. As informações desta pesquisa serão confidenciais, e
serão divulgadas apenas em eventos ou publicações científicas, não havendo
identificação dos voluntários, a não ser entre os responsáveis pelo estudo, sendo
assegurado o sigilo sobre sua participação. A qualquer momento estou à disposição
para quaisquer dúvidas ou esclarecimentos. Desde já agradeço.
Pesquisadora: Claudia de S. Thiago Ragon
e-mail: thiagoragon@ hotmail.com tel: (24) 999671512
Petrópolis,
Eu
de
de 201 .
___________________________________________________________
RG
nº__________________________, declaro ter sido informado e concordo em participar,
como voluntário, do projeto de pesquisa acima descrito.
175
ANEXO 6
1º ARTIGO
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS CONSTRUÍDAS POR ALUNOS DE ODONTOLOGIA A
RESPEITO DE PACIENTES ESPECIAIS
Resumo
Objetivou-se apreender e analisar os sentidos construídos por alunos dos 1º, 2º e 8º
períodos de graduação de odontologia de uma universidade privada-RJ sobre pacientes
especiais (PE) através de um estudo exploratório fundamentado na abordagem estrutural
representações sociais (RS). Utilizou-se um questionário com um teste de associação de
palavras com o termo paciente especiais, seguido de questões abertas e fechadas, para
explorar normas, valores, crenças, fontes de informação e práticas relacionadas com
objeto. Do total de 178 alunos, 107 estavam presentes no momento da coleta dos dados.
Os resultados mostraram que os elementos cuidado difícil, doença e trabalhosos
compõem o núcleo central da representação dos alunos do 1º/2º períodos e cuidado,
carinho e difícil do 8º; aids, dedicação, dor, respeito e triste, e dependência, especiais,
igualdade, frágeis, necessidade, paciência, respeito, responsabilidade e sinceros
compõem os sistemas periféricos do 1º/2º e do 8º período. Observou-se a influência de
crenças e significantes historicamente presentes na sociedade que influenciaram as RS
construídas sobre pacientes especiais e indícios de mudança nos alunos do 8º período,
que pode estar relacionada com a experiência tida na Clínica de Pacientes Especiais,
fazendo-os repensar atitudes e comportamentos em relação a esse grupo.
Palavras-chave: representações sociais, pacientes especiais, graduação em odontologia
Introdução
Na Odontologia é comum classificar-se a pessoa com alguma deficiência dentro
do grupo de pacientes com necessidades especiais (SILVA, PANHOCA e BLACHMAN,
2004).
Esse conceito é amplo e abrange, diversos casos que requerem atenção
diferenciada, impedindo o indivíduo de ser submetido a uma situação odontológica
convencional (BRASIL, 2006). As dificuldades dos profissionais da área da saúde em
lidar com os pacientes especiais refletem a relação da sociedade com este grupo e são
fruto do legado histórico e da falta de informação, que permeiam essa relação gerando
preconceito e despreparo (CARVALHO et al, 2004).
No Brasil, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, numa
concepção inclusiva, objetiva a promoção de saúde às pessoas com deficiência através
de uma assistência integral, observando-se os princípios constitucionais do SUS de
176
descentralização, regionalização e hierarquização. Objetivando alcançar a integralidade
da atenção e considerando-se a diversidade e complexidade dessa parcela da
população, é de fundamental importância a atuação de uma equipe multi e
interdisciplinar, trocando e integrando saberes e experiências com o objetivo comum de
promover e manter a saúde desses indivíduos. A participação da odontologia nesse
contexto ainda não é muito efetiva, apesar da magnitude e extensão dos problemas
apresentados e relatados na literatura disponível (BARILLI et al, 2006; CARVALHO e
ARAÚJO, 2004; HAAS, MAYRINK e ALVES, 2008; GUERREIRO e GARCIAS, 2009).
A partir de um amplo debate na comunidade odontológica, em consonância com
as deliberações das Conferências Nacionais de Saúde e da I e II Conferência Nacional
de Saúde Bucal, o Ministério da Saúde elaborou as novas diretrizes para a organização
da atenção à saúde bucal no âmbito do SUS. Um dos problemas inseridos dentro das
ações complementares e imprescindíveis propostas nesse novo modelo é o atendimento
às pessoas com necessidades especiais. Nesse processo de transformação da prática
odontológica, surge a necessidade de capacitar equipes e profissionais visando à
consolidação das mudanças. Segundo Moraes et al (2006),
A preparação de alunos para atuar com pacientes especiais
pressupõe, além de formação técnica, a sensibilização e a
predisposição ao atendimento..., para isso, ...considerou-se
importante conhecer formas de pensar e sentir, bem como as
tendências referentes à ação dos estudantes de odontologia, no
que tange ao atendimento inclusivo de pacientes com deficiência.
Segundo, Silva, Panhoca e Blachman (2004), deveria ser uma preocupação das
universidades da área de saúde estudar e entender mais o ser humano e a sociedade,
assim como faz com doenças e procedimentos técnico-cirúrgicos (p.112.). Nesse sentido
considerar outras dimensões na formação do CD, torna-se pertinente na análise e
integração de conhecimentos específicos de diversas áreas com o objetivo comum de
promover e manter a saúde dos pacientes especiais. A partir dessas considerações e da
experiência docente na disciplina de atendimento a portadores de necessidades
especiais, desenvolveu-se o seguinte questionamento: O atendimento a portadores de
necessidades especiais na graduação em odontologia pode facilitar a qualificação dos
CD diante das novas demandas existentes, contribuindo para a formação integral do
profissional influenciando o processo de inclusão social desses indivíduos?
177
Nessa perspectiva, esse estudo objetivou apreender e analisar as representações
que os alunos do curso de odontologia da Unigranrio-RJ, do1º e 2º períodos, antes de
atuarem na clínica de pacientes especiais, e 8º período, após terem contato com esses
pacientes na clínica, constroem a respeito de pacientes especiais e a partir da
comparação dos resultados verificar como as representações sociais vêm orientando as
práticas e condutas dos alunos em relação aos pacientes especiais visando intervenções
futuras.
Teoria das Representações Sociais
Segundo Wagner e Heyes (2011), uma representação social não é uma descrição
no sentido de uma proposição que possa ser verdadeira ou falsa. Ao contrário, pode ser
entendida como uma elaboração de idéias ou fatos que possuem verdade fidedigna.
Devido a seu caráter simbólico, as representações sociais se encontram entre o indivíduo
e o mundo social e dotam os objetos e os fatos de um significado social único. Dessa
forma, convertem fatos brutos em objetos sociais que povoam o espaço de vida dos
grupos. Essas construções só devem ser consideradas representações sociais quando
se tornam predominantes, mesmo que não completamente compartilhadas pelos
membros de um grupo culturalmente distinto dentro da sociedade. Não é necessário um
consenso completo, porém, deve haver uma base ampla de consenso entre os
companheiros de um grupo social.
A percepção dos diferentes objetos implica numa trajetória cognitiva atravessada
pelo psiquismo individual e social dando origem a dois processos, que mostram a
interdependência entre a atividade psicológica e as condições de seu exercício, os quais
Moscovici, ao propor a teoria a das representações sociais (TRS) (MOSCOVICI, 2003),
chamou de objetivação e ancoragem. Àquela dando um contexto inteligível ao objeto,
associando-o a uma figura, tornando-o concreto, palpável, reproduzindo um conceito em
uma imagem, e esta dando a essa figura um sentido, tornando-a familiar, através da
integração a um pensamento social pré-existente e a um amplo domínio experiencial não
arbitrário, mas que podem ser limitados pelo marco da cultura comum, e num nível mais
geral através de idéias fonte, esquemas de imagens, arquétipos ou themata, base das
muitas culturas (WAGNER e HEYES, 2011). Através desses dois processos o social
178
transforma o conhecimento, informação, experiência em representação e esta transforma
o social.
A complexidade dos processos de comunicação que o eu desenvolve com os
outros está na base de sua identidade, dos saberes e da vida social e em particular a
relação do eu com a alteridade radical pode ser alimentada tanto por energias amorosas
como destrutivas, numa luta para preservar a onipotência do eu, levando à condutas e
práticas diversas que vão desde tentativas de comunicação e compreensão até práticas
de classificação, exclusão e até em casos extremos extermínio da perspectiva e corpo
do outro (JOVCHELOVITCH, 2008).
A representação de determinado objeto não é um simples reflexo da realidade, e
não são unicamente construções mentais de sujeitos individuais, mas implicam um
trabalho simbólico que emerge das interrelações Eu, Outro e objeto-mundo e está
associada a fatores circunstanciais e fatores globais (normas, valores, crenças)
funcionando como um sistema de pré-decodificação, guiando a ação e orientando as
ações e relações sociais (JOVCHELOVITCH, 2008, MOSCOVICI, 2003). Nessa
perspectiva, a TRS apresenta-se com potencial para a compreensão pertinente e efetiva
das práticas dos CD em relação aos pacientes com necessidades especiais.
Será utilizada neste trabalho a abordagem estrutural, inaugurada por Jean Claude
Abric, por se considerar a importância da organização interna das representações para
compreender-se sua dinâmica e por ser um instrumento importante, na busca de
respostas para os processos envolvidos na mudança de atitudes, que nos interessa em
particular, visando diminuir resistências por parte dos CD ao atendimento de pacientes
especiais.
Nessa abordagem três idéias devem ser consideradas: de que as RS constituem
conjuntos sociocognitivos organizados e estruturados; que essa estrutura específica é
constituída de dois subsistemas: um central e outro periférico; que o conhecimento
simples do conteúdo de uma representação não é suficiente para defini-la, sendo
necessário identificar os elementos centrais que a organizam e lhe dão significado
(ABRIC, 2003). As diferentes opiniões e atitudes são conseqüência da função geradora
do núcleo central (dá significado e valor aos outros elementos) e podem ser denominados
elementos virtuais determinando a dimensão normativa do núcleo central. Já os
179
elementos do sistema periférico são funcionais, no sentido de que orientam as condutas
e contém supostos adicionais que sustentam o núcleo central em circunstâncias diversas
e o justificam, sendo, portanto mais associados ao contexto imediato (WAGNER e
REYES, 2011). O núcleo central, por sua estabilidade, conserva suas características nos
diferentes contextos e possui duas funções essenciais: geradora de sentidos dos demais
elementos, e organizadora, unindo e tornando estáveis os elementos da representação.
Esta condição o torna resistente à mudança, e por isso qualquer alteração irá determinar
uma transformação completa da representação, permitindo o estudo comparativo das
representações (ABRIC, 2003).
A abordagem estrutural tem se mostrado, desde a sua introdução no campo das
representações sociais, bastante pertinente na análise científica das mentalidades e das
práticas sociais, buscando trazer respostas para os processos envolvidos nas mudanças
de atitudes, sendo o jogo e a interação entre sistema central e sistema periférico
elementos fundamentais na atualização, evolução e transformação das representações
(ABRIC, 2003).
Metodologia
O presente estudo foi realizado com todos os alunos do 1º, 2º e 8º períodos do 2º
semestre de 2011 do curso de graduação em Odontologia de uma universidade privada
do Rio de Janeiro- Brasil, presentes, e que concordaram em participar desta. Dessa forma
o estudo abrangeu dois momentos na formação desses alunos: antes e após cursarem a
disciplina de pacientes com necessidades especiais no 7º período.
Num primeiro momento, foi utilizado como instrumento de coleta de dados um
questionário iniciado com um teste de associação de palavras com o termo indutor
“paciente especiais” no qual se perguntava: “Quais as quatro palavras que vêm a sua
cabeça ao ouvir a palavra pacientes especiais. Marque com um X as duas palavras que
considere mais importantes e justifique suas respostas”, seguido de questões abertas e
fechadas, objetivando a identificação sociodemográfica dos sujeitos, nível de informação
sobre pacientes especiais e questões visando explorar normas, valores, crenças, fontes
de informação e práticas dos sujeitos em relação ao objeto em estudo.
180
O material do teste de evocação foi analisado segundo as dimensões individual e
coletiva através da verificação das frequências - dimensão coletiva - e das ordens médias
de evocação - dimensão individual -, identificando-se o conteúdo da representação social.
Assim sendo, calculadas as médias das frequências e ordens médias de evocação, estas
foram lançadas em um gráfico de dispersão onde o cruzamento das respectivas linhas o
dividirá em quadrantes (TURA et al., 2011).
Nesse gráfico, no quadrante superior esquerdo encontram-se os elementos que
provavelmente compõem o sistema central, pois são os mais prontamente evocados e
os que têm maiores frequências. No quadrante inferior direito, encontram-se com
menores frequências e mais tardiamente evocados, constituindo o sistema periférico. Os
outros quadrantes são compostos por elementos que mantém uma relação próxima com
o sistema central, observando-se a variação dos atributos considerados.
Uma vez identificados os elementos constituintes da estrutura representacional, é
preciso que se analise como estão organizados, isto é, quais as conexões que existem,
expondo o valor simbólico desses elementos, na medida em que se explicitam as
relações significativas entre os conjuntos formados por eles. Essa tarefa foi realizada
através da análise de similitude, empregando-se o programa Dressing®.
As perguntas fechadas foram analisadas por análise de proporções e as abertas
pela análise temática de conteúdo (BARDIN, 2003).
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unigranrio,
tendo sido observados os princípios estabelecidos pela legislação vigente.
Resultados e Discussão
Do universo de 178 alunos do 1º, 2º e 8º períodos, 107 responderam ao questionário: 67
do 1º e 2º períodos e 40 do 8º, correspondendo a 60,11% do universo considerado. Nesse
conjunto, 56,01% do 1º/2º períodos e 75% do 8º período eram do sexo feminino, sendo
a média de idade para o 1º/2º períodos de 20 anos (DP=2,35) e para o 8º período de
23,7(DP=5,22).
A análise realizada com auxílio do Evoc 2000 ® permitiu encontrar para os alunos
do 1º/2º períodos a frequência média de evocações (Fm) igual a 15 e a média de ordem
média (OME) igual a 2,5, e a partir desses cálculos verificou-se que os elementos
181
cuidado, difícil, doença e trabalhosos têm atributos de componentes do núcleo central, e
aids, dedicação, dor, respeito, e triste, do sistema periférico (Quadro 1).
Quadro 1
Distribuição dos elementos segundo freqüência
e ordem média de evocação do 1º e 2º períodos
fm
OME < 2,5
>= 15
OME >= 2,5
Elementos
Cuidado
Difícil
Doença
Trabalhosos
Carinho
F
34
23
21
15
27
OME
2,265
2,478
2,143
2,333
2,778
< 15
Elementos
Cadeirante
Déficit Mental
Down
f
11
8
11
OME
2,091
1,500
2,273
Aids
Dedicação
Dor
Respeito
Triste
8
7
10
10
10
3,000
3,143
2,800
2,600
3,400
Para os alunos do 8º período a Fm foi igual a 6 e a OME igual a 2,0, verificandose que carinho, cuidado e difícil preenchem os requisitos de elementos centrais e os
elementos dependência, especiais, frágil , igualdade, necessidade, paciência, respeito,
responsabilidade e sinceros, do sistema periférico (Quadro 2).
Quadro 2
Distribuição dos elementos segundo freqüência
e ordem média de evocação do 8º período
fm
OME < 2,0
Elementos
>= 6
Carinho
Cuidado
Difícil
Dedicação
<6
OME >= 2,0
F
OME
18
21
6
6
Elementos
1.944 Alegres
1,810 Diferente
1,833 Pena
Superação
2,333 Dependência
Especiais
Frágil
Igualdade
Necessidade
Paciência
Respeito
Responsabilidade
Sinceros
f
OME
5
2
3
2
2
2
3
2
3
3
5
5
2
1,800
1,500
1,333
1,500
2,000
2,000
2,000
2,000
2,667
2,333
2,800
2,600
2,500
182
Na comparação destes quadros, constatam-se composições com semelhanças e
diferenças em relação aos sistemas central e periférico nos grupos estudados. É comum
nos dois grupos a presença de cuidado e difícil no sistema central, entretanto observa-se
que no oitavo período desaparecem doença e trabalhosos, e está presente carinho. No
sistema periférico, somente respeito é elemento comum aos dois grupos, mostrando um
conjunto maior no oitavo período, dando indícios de ancoragens mais complexas na
medida em que este grupo já fora exposto a uma experiência que propiciou maior
proximidade com esses pacientes.
O estudo da organização dos elementos representacionais permite no 1º/2º
períodos, a constatação da alta conexidade dos elementos difícil e doença, ligados
praticamente a todos os outros elementos, confirmando uma das características dos
elementos centrais, como assinala Abric (2003), que por serem geradores de sentidos
estabelecem grande número conexões com os elementos periféricos (Figura 1).
Figura1 - Análise de similitude do 1º/2º períodos
É interessante observar de um lado doença ligada a aids, down, déficit mental,
triste e difícil, e do outro difícil articulado com doença, triste, trabalhosos, dor e déficit
mental formando estruturas estelares, que encontram-se ligados pela mesma aresta de
dois gráficos triangulares cujos vértices são os elementos triste e déficit mental, sugerindo
uma visão estereotipada, através de ancoragens baseadas em crenças historicamente
construídas a respeito dos portadores de necessidades especiais como deficientes
mentais e tristes ou em exemplos que consideram como “anomalias” ou doenças, como
183
Síndrome de Down, cadeirantes e aids elementos encontrados no sistema periférico e
periferia próxima (Quadro 1).
É interessante observar-se o conflito dos sujeitos em relação à possibilidade real
como profissionais, de atendimento aos pacientes especiais constatada pela ligação do
elemento difícil a dor de um lado, e trabalhosos do outro, que por sua vez está fortemente
ligado a cuidado, respeito, carinho e dedicação. Tais conexões apontam para diferentes
aspectos relacionados aos sentidos construídos por estes sujeitos em relação aos
pacientes especiais. De um lado uma visão baseada na crença de que tratar desses
indivíduos gera muita dor e dificuldade e por outro o cuidado ligado ao respeito, carinho
e dedicação, elementos necessários para um bom atendimento a qualquer pessoa.
Analisando-se a estrutura do 8º período, observou-se que cuidado e difícil
permanecem no núcleo central e os elementos doença e trabalhosos dão lugar a carinho.
Na análise de similitude é interessante constatar a alta conexidade do elemento cuidado
dando sentido e gerando conexões com praticamente todos os outros elementos (Figura
2).
Gráfico 2. Análise de similitude do 8ºperíodo
Aqui também se encontrou uma organização diferente do elemento difícil que
forma agora um esquema triangular com os elementos especiais e cuidado, sugerindo
uma especificidade no atendimento a uma pessoa considerada especial caracterizada
pelas dificuldades relacionadas ao cuidado. Do outro lado, o elemento respeito
fortemente ligado a cuidado e carinho que por sua vez articula-se a igualdade, conectado
184
também ao elemento sinceros, sugerindo que o carinho e o respeito necessários ao
cuidado dispensado a esses indivíduos por estes alunos, os fazem enxergá-los como
seres iguais a todos enfatizando a sinceridade como uma característica associada a
realidade de não esconderem o que são e sentem. Finalmente as conexões do elemento
diferente a alegres, frágil, superação, responsabilidade e necessidade exibem
ancoragens com ênfase agora em características não mais ligadas a aspectos negativos
dos pacientes, numa visão ancorada na superação e alegria não mais de seres doentes,
mas de seres diferentes determinando a responsabilidade de um cuidado diferenciado
adequado às suas necessidades.
A análise do conteúdo das respostas para as justificativas das escolhas das
palavras consideradas mais importantes corrobora esta interpretação. Os conteúdos
foram agrupados em três grandes conjuntos: justificativas relacionadas aos pacientes,
aos profissionais e à sociedade (Quadro 3). Nos alunos do 1º/2º períodos 20% das
justificativas relacionadas aos pacientes falam em doença, seguidas de necessidades
especiais (14%), sendo mencionadas pelos sujeitos características com ênfase em
aspectos negativos do paciente especial, sendo as mais citadas: difíceis, tristes,
dependência, deficiência mental, defeitos físicos e diferentes (6% cada). Já nos alunos
do 8º período, as justificativas relacionadas ao paciente mais citadas foram: limitações
(14%) e necessidades específicas (14%), e as características mais citadas passam a
enfatizar aspectos positivos do paciente: carinhosos, alegres, e diferentes (11% cada)
seguidas de carentes e superação (7,4% cada).
Em relação às justificativas relacionadas aos profissionais, nos alunos do 1º/2º
períodos, as mais citadas foram: devemos dar bastante carinho e amor (28%), cuidado e
maior dedicação (27%) e tratar com respeito (13,5%) e os do 8º, maior atenção e cuidado
(37%), seguida de respeito igual aos outros (16%), amor (11%) e mais paciência (7%).
Os conteúdos evidenciam o conflito vivenciado pelos alunos dos primeiros períodos em
relação ao atendimento desses pacientes, por ser um universo desconhecido, através de
um discurso alusivo de carinho, amor e cuidado com foco na dedicação e respeito
profissional necessários para um bom atendimento. O cuidado e atenção aparecem como
elementos mais citados para os alunos do 8º período com ênfase no respeito, amor e
185
paciência necessários a um bom atendimento a um paciente especial como a qualquer
paciente.
Finalmente, é interessante ressaltar os conteúdos relacionados à sociedade, que
no 1º/2º períodos corresponderam a 80% com sentido de rejeição e que no 8º prevalece
o de preconceito (33%), seguido de exclusão (22%). Esses achados corroboram a
influência de crenças e significantes construídos em torno da exclusão desses indivíduos
na sociedade,
Os dados sugerem uma mudança na visão a respeito dos pacientes especiais dos
alunos dos primeiros períodos para os do oitavo, que pode guardar relação com a
experiência a que tiveram expostos ao cursarem a disciplina de Clínica de Atendimento
a Pacientes Especiais a partir do sétimo período, onde prestaram atendimento a esse
grupo.
Quadro 3
Análise das justificativas das palavras principais do 1º e 2º e 8º períodos
1º/2º Períodos
Rel/ ao paciente
Rel/ ao profissional
Rel/ a sociedade
Doença, anomalia
Devemos dar bastante carinho e amor
Rejeição (4/80%)
(6 /19,3%)
(11/29%)
Merecem mais atenção, cuidado
Cuidado maior, dedicação (10 /27%)
Desrespeito (1/20%)
especial (5/16 %)
Necessidades especiais (4/12.9%)
Tratar com respeito (5/13%)
Difíceis, diferentes, tristes,
Necessidade de preparo habilidade,
deficiência mental, defeitos físicos
dificuldades (2/5%)
(2/6,5%)
Agitados, teimosos, sofrimento,
Responsabilidade (1/5%)
atraso (1/3, 2%)
Total = 31
Total =37
Total=5
8º Período
Rel/ ao paciente
Rel/ ao profissional
Rel/ a sociedade
Limitações (4/14,3%)
Maior atenção e cuidado (17/38,6%)
Preconceito (3/33,4%)
Necessidades específicas (4/14,3%)
Respeito igual aos outros (7/15,9%)
Exclusão (2/22,2%)
Carinhosos, alegres, diferentes
Amor (5/11,3%)
(3/10,7%)
Carentes, superação (2/7%)
Atendimento igual aos outros,
aprendizado (2/4,5%)
Colaboradores, força de vontade,
Ser calmo, responsabilidade,
riqueza, lindos, disformes,
dificuldades, preparo, desafio,
dificuldade, dependentes (1/3,6%)
sensibilidade, dom, recompensador
( 1/ 2,3%)
Total= 28
Total =44
186
Considerações Finais
A complexidade envolvida na decisão profissional para o atendimento odontológico a
pacientes especiais nos leva a algumas considerações sobre a formação do cirurgiãodentista. Experiências educativas que propiciem uma reflexão sobre as várias dimensões
envolvidas com o cuidado em saúde, podem contribuir para formar profissionais com um
olhar mais atento, que permita ir além da formação técnica.
Os resultados desse estudo apontam para a importância de se conhecer os fatores
psicossociológicos envolvidos nessa decisão, através de alicerces teóricos convincentes,
e o papel da Universidade como reprodutora ou não de conceitos, crenças e sentidos
construídos socialmente e que se perpetuam nas interrelações dificultando o processo
de transformação do cuidado em saúde.
Nesse sentido uma formação integral que inclua a sensibilização e predisposição
ao atendimento, conhecendo formas de pensar e sentir, bem como as tendências
referentes à ação dos estudantes de odontologia, no que tange ao atendimento inclusivo
de pacientes com deficiência pode contribuir no sentido de alcançar-se uma formação
que contemple as novas demandas da sociedade formando profissionais mais
qualificados no sentido de buscar-se a integralidade da atenção.
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