UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA Claudia de S. Thiago Ragon A CONTRIBUIÇÃO DO ATENDIMENTO A PACIENTES ESPECIAIS NA FORMAÇÃO INTEGRAL DO CIRURGIÃO-DENTISTA: um estudo de representações sociais Rio de Janeiro 2015 Claudia de S. Thiago Ragon A CONTRIBUIÇÃO DO ATENDIMENTO A PACIENTES ESPECIAIS NA FORMAÇÃO INTEGRAL DO CIRURGIÃO-DENTISTA: um estudo de representações sociais Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Saúde Coletiva. Orientadores: Prof. Dr. Luiz Fernando Rangel Tura Prof. Dra. Ivani Bursztyn Rio de Janeiro 2015 R144 Ragon, Claudia de S. Thiago. A contribuição do atendimento a pacientes especiais na graduação na formação do cirurgião-dentista: um estudo de representações sociais / Claudia de S. Thiago Ragon. – Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2015. 188 f.: il.; 30 cm. Orientador: Luiz Fernando Rangel Tura. Co-orientador: Ivani Bursztyn. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro / Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2015. Referências: f. 150-166. 1. Saúde bucal. 2. Representações sociais. 3. Educação em odontologia. 4. Pessoas com deficiência. 5. Pacientes. I. Tura, Luiz Fernando Rangel. II. Bursztyn, Ivani. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. IV. Título. CDD 362.1976 Claudia de S. Thiago Ragon A CONTRIBUIÇÃO DO ATENDIMENTO A PACIENTES ESPECIAIS NA FORMAÇÃO INTEGRAL DO CIRURGIÃO-DENTISTA: um estudo de representações sociais Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para a obtenção do Título de Doutor em Saúde Coletiva. Aprovada em: ________________________________________________________________ Professor Doutor Luiz Fernando Rangel Tura – (UFRJ) ________________________________________________________________ Professora Doutora Ivete Pomarico Ribeiro de Souza – (UFRJ) ________________________________________________________________ Professora Doutora Ângela Maria Silva Arruda – (UFRJ) ________________________________________________________________ Professora Doutora Diana Maul de Carvalho – (UFRJ) ________________________________________________________________ Professora Doutora Rosângela Gaze– (UFRJ) ________________________________________________________________ Professora Doutora Ivani Bursztyn – (UFRJ) Suplente ________________________________________________________________ Professora Doutora Sandra Regina Torres – (UFRJ) Suplente A você, meu pai Nilton S. Thiago Educador incansável, Que acreditou quando ninguém acreditava Que sonhou quando tantos desistiram Que apoiou quando a maioria abandonava Que trouxe para a nossa casa os que eram excluídos Que forjou em nós o cimento da resistência O núcleo duro da coragem, Para nunca desistirmos da opção do amor! Dedico esse trabalho Agradecimentos Ao querido prof Luiz Fernando Rangel Tura, educador de vocação humanista, que com competência e segurança orientou-me nos caminhos da pesquisa, aguardando com tranquilidade e sabedoria o despertar da reflexão, muitas vezes ensinando mais com silêncios do que palavras, com atitudes do que teorias, entregando-se por inteiro a tarefa de propiciar a conquista do conhecimento. A professora Ivany Bursztyn pela convivência prazerosa e edificante, contribuindo de forma inequívoca para a construção desse trabalho. As professoras Ângela Arruda, Diana Maul, Rosângela Gaze e Ivete Pomarico Ribeiro de Souza integrantes da banca examinadora que desde a qualificação contribuíram gentilmente na construção dessa pesquisa, com suas reflexões precisas, pertinentes e sempre enriquecedoras. A professora e amiga Sandra Regina Torres, que com presteza e gentileza aceitou fazer parte da banca examinadora contribuindo com sua experiência para o aprofundamento dessa pesquisa, além de toda compreensão e carinho que propiciaram as condições necessárias para que eu pudesse finalizar esse trabalho. Aos colegas e amigos Iná, Hélber e Júlio pela convivência prazerosa e edificante, pelos diálogos e trocas incessantes que deixaram marcas em todas as fases desse trabalho em especial ao Júlio por sua contribuição imprescindível na análise e interpretação dos resultados sem a qual eu não teria conseguido finalizar esse estudo. A equipe do meu coração capitaneada pelo Prof Roberto Elias, meu mestre e amigo Carmem, Lúcia, Viviane, Ellen – razão desse trabalho, que despertaram e solidificaram em mim a escolha desse caminho. Aos amigos e companheiros de trabalho na UFRJ, Michelle, Édila, Arley, Marisa, Sílvia, Maria Luiza, Milka e Márcia pelo incentivo e apoio na condução dessa pesquisa. Aos alunos e amigos, Graziela, Renata, Mara e Rafael, pela convivência prazerosa e enriquecedora que muito contribuiu nas reflexões para a finalização desse estudo. Ao coordenador da Pós graduação da Faculdade de Odontologia da Unigranrio Prof. Edson Jorge Lima Moreira, pelo apoio e incentivo imprescindíveis propiciando as condições para que eu pudesse realizar esse trabalho. As alunas de Iniciação científica Natália, Mariana Carius e Mariana Perdomo pelo apoio, carinho e empenho com que se dedicaram as diferentes fases da pesquisa, em especial a Mariana Perdomo que mesmo ao término da sua bolsa continuou contribuindo com seu trabalho para a finalização desse estudo. Ao secretário de saúde do município de Petrópolis Dr. André Pombo, ao coordenador da atenção básica Dr. José Amaro e a diretora do departamento de odontologia Dra. Patrícia dos Santos pelo apoio, carinho e compreensão para que eu pudesse desenvolver esse trabalho. A Profª Maria de Lourdes Rangel Tura pelo carinho e gentileza com que me recebeu em sua casa, e a Fiinha pelos almoços e cafezinhos que nos encheram de ânimo para trabalhar. A Elaine e Ana Lúcia, companheiras de trabalho e de vida, sempre presentes me ajudando e dando força, para que eu consiga administrar a vida e realizar o que me proponho a fazer. Ao Luiz meu marido e companheiro, e aos nossos filhos Maria Beatriz, Anita e Luiz Gabriel pela compreensão, apoio e sacrifícios que fizeram, me dando o suporte necessário para que eu pudesse, mesmo nos momentos mais difíceis, não desistir na realização desse sonho. A vocês todo o meu amor. A minha mãe Helena que agora sem a presença física do meu pai, continua sendo esse jequitibá frondoso que nutre com sua seiva e acalenta com sua sombra a todos nós, cujo desprendimento, carinho e ajuda imprescindíveis permitiram que eu pudesse concretizar esse trabalho. A minha sogra, Odete, que mesmo a distância, doando-se como sempre ao próximo, propiciou as condições necessárias para que eu tivesse tranquilidade para poder me dedicar à conclusão dessa pesquisa. A Anita Leocádia Prestes, referência de vida e de pesquisadora, pelo incentivo, solidariedade e companheirismo que sempre tem conosco, dando-nos o apoio necessário para que possamos realizar nossas metas e sonhos. Aos meus irmãos, todos os doze, sobrinhos e sobrinhas, por toda a ajuda que sempre tive de todos, pelo carinho com os meus filhos como se fossem os seus e por ter a certeza de que entre nós a vitória de um é a vitória de todos. Aos amigos Simone e Dante, que acolhendo meus filhos com o carinho e atenção de sempre, propiciaram-me a tranquilidade necessária para a finalização desse trabalho. A Lívia Foster amiga de todas as horas que com disponibilidade e carinho ajudou-me na revisão final desse estudo. A Luiza, Marcelo, Lara e Fernanda, vizinhos e amigos que acolhendo meus filhos com carinho e gentileza muito me ajudaram na conclusão desse trabalho. Aos alunos, que no decorrer desses 16 anos, consolidaram em mim a certeza de que quando a educação é comprometida com a vida, ela pode ser transformadora para educadores e educandos, num movimento de renovação libertadora. E um agradecimento especial aos nossos pacientes, fonte de inspiração dessa pesquisa, que com suas “deficiências” nos mostram como precisamos ampliar nossa visão de mundo, nosso tato para as relações cotidianas, nosso gosto pela vida, nosso olfato para os cheiros da natureza e nosso sentimento de pertença a essa humanidade tão diversa e ao mesmo tempo tão essencialmente igual. RESUMO RAGON, Claudia de S. Thiago. A contribuição do atendimento a pacientes especiais na formação integral do cirurgião-dentista: um estudo de representações sociais 2015. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Para entender as resistências relacionadas ao atendimento inclusivo de pessoas com deficiências na odontologia objetivou-se apreender, analisar e comparar as representações sociais sobre pacientes especiais construídas por alunos do 1º/2º e 8º períodos de graduação de odontologia de uma universidade privada-RJ, no período de 2011-2014, visando dois momentos na formação desses alunos: antes e após cursarem a disciplina de pacientes com necessidades especiais. Foi desenvolvido um trabalho fundamentado na teoria das representações sociais na tradição moscoviciana, utilizandose do recurso da triangulação, iniciando-se com um processo de observação, seguido da utilização das abordagens estrutural e processual. Inicialmente foi aplicado um questionário semi-estruturado contendo um teste de evocação livre com o termo “pacientes especiais” a uma amostra de 395 alunos (67,7%). Procedeu-se a análise da estrutura prototípica e da organização dos conteúdos, sendo identificados os sistemas central e periférico. Cuidado foi o único elemento a confirmar centralidade em todos os grupos estudados, acompanhado de doença nos primeiros períodos e carinho nos últimos. Verificou-se que após a experiência do atendimento, surge uma dimensão funcional dos elementos centrais carinho e cuidado, ancorada em aspectos relacionados com a prática, presentes no sistema periférico desse grupo. Posteriormente foram realizadas entrevistas com 33 alunos visando a exploração das crenças, valores, normas, atitudes e práticas relativas ao paciente especial e deficiência, associados ao processo de construção das representações. O corpus foi processado através da técnica lexicográfica básica incluindo cálculo de frequência e índices de associação de palavras e classificação hierárquica descendente, tarefa facilitada pelo uso do programa IRaMuTeQ®. Tal procedimento gerou 5 classes agrupadas em dois eixos de sentido: cuidado e deficiência e sociedade. A análise dos dados ressalta que de um modo geral a ideia de integração sobrepõe-se a de inclusão, levando os discentes a um pensamento impregnado pela ideologia da normalização, e em relação às diferenças os resultados apontam para a influência de crenças e significantes histórica e socialmente construídos nas representações elaboradas pelos alunos dos primeiros períodos, e o início de um processo de mudança observado nos alunos dos últimos períodos num contraste entre um saber influenciado por estereótipos e uma realidade próxima. Este resultado pode estar relacionado ao contato com esses pacientes na clínica, fazendo-os repensar atitudes e comportamentos em relação a esse grupo no meio social que estão baseados em preconceitos que dificultam o processo de inclusão desses indivíduos. Palavras chave: Representações sociais. Pacientes especiais. Graduação. Odontologia. ABSTRACT RAGON, Claudia de S. Thiago. The contribution of care for special patients in integral formation of the dental surgeon: a study of social representations. 2015. Thesis (Doctorate in Collective Health) - Institute for Studies in Collective Health, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. To understand the resistance related to the inclusive care of people with disabilities in odontology aimed to apprehend, analyze and compare the social representations over special patients built by graduate students of the 1st / 2nd and 8th periods of Odontology from a private University RJ- in the period of 2011-2014, aiming at two moments in the formation of these students: before and after attending the discipline of patients with special needs. A reasoned study was developed in the theory of social representations in Moscovician tradition, using the triangulation resource, starting with a process of observation, followed by the use of structural and procedural approaches. Initially it was applied a semi-structured questionnaire with a free recall test with the term "special patients" to a sample of 395 students (67.7%). It proceeded the analysis of the prototypical structure, and contents organization, it was by identifying the central and peripheral systems. Caution was the only element to confirm centrality in all groups, accompanied by disease in the first periods and affection in the latter. It was found that after the experience of care, arises a functional dimension of the central elements, affection and care, anchored in aspects related to the practice, present in the peripheral system of that group. Later interviews were conducted with 33 students aiming at exploring the beliefs, values, norms, attitudes and practices related to special patient and disability, associated with the construction of the representations process. The corpus was processed through the basic lexicographical technique including frequency calculation and word association indexes and descendent hierarchical classification, a task facilitated by the use of IRaMuTeQ® program. This procedure generated five classes grouped in two axes of meaning: care and disability and society. Data analysis points out that in general the idea of integration supersedes inclusion, taking the students to a thought imbued with the ideology of standardization, and concerning the differences the results point to the influence of beliefs and significant historically and socially constructed on the representations made by the students of the first period, and the beginning of a process of change observed in the last periods students a contrast between a knowledge influenced by stereotypes and an upcoming reality. This result may be related to the contact with patients in the clinic, making them rethink attitudes and behavior in relation to that group in the social environment that are based on prejudices that hinder the process of inclusion of these individuals. Key words: Social representations. Special patients. Graduate degree. Odontology. LISTAS DAS FIGURAS Figura 1 Árvore máxima de similitude dos alunos de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013 ....................................................................................................................................... 78 Figura 2 Árvore máxima de similitude do 7º e 8º períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014 ....................................................................................................................................... 84 Figura 3 Árvore máxima do 1º/2º períodos/2011 ........................................................... 99 Figura 4 Árvore máxima do 7º período/2014 ............................................................... 104 Figura 5 Dendograma indicativo das classes das RS de pacientes especiais construídas pelos alunos e seus eixos correspondentes ................................................................. 140 Figura 6 Composição gráfica da estrutura das representações sociais dos alunos de Odontologia e seus eixos norteadores, antes e após cursara disciplina de atendimento a portadores de necessidades especiais ........................................................................ 144 LISTA DOS QUADROS Quadro 1 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação dos alunos de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013 ......................................................... 75 Quadro 2 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes..................................................................................................................... 76 Quadro 3 Resultado do teste de dupla negação ............................................................ 76 Quadro 4 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 7º e 8º períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014 ........................................................... 82 Quadro 5 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes..................................................................................................................... 82 Quadro 6 Resultado do teste de dupla negação 7º e 8º períodos .................................. 83 Quadro 7 Elementos periféricos da representação dos alunos do 7º e 8º, segundo as dimensões dos elementos centrais ................................................................................ 86 Quadro 8 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 1º e 2º períodos/ 2011 ............................................................................................... 96 Quadro 9 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes..................................................................................................................... 97 Quadro 10 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 7º período/ 2014 ...................................................................................................... 101 Quadro 11 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes .......................................................................................................... 101 Quadro 12 Distribuição das formas da classe 1 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) ............................................................................................ 109 Quadro 13 Distribuição das formas da classe 2 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) ............................................................................................ 115 Quadro 14 Distribuição das formas da classe 3 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) ............................................................................................ 120 Quadro 15 Distribuição das formas da classe 4 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) ............................................................................................ 125 Quadro 16 Distribuição das formas da classe 5 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) ............................................................................................ 131 LISTA DAS TABELAS Tabela 1 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/Unigranrio, segundo o tipo de necessidade especial. Período de 2011 a 2013. ............................................................ 58 Tabela 2 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/ Unigranrio, no período de 2011 a 2013, por tipo de acompanhamento profissional ............................................................ 59 Tabela 3 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais do 1º e 2º períodos (2011, 2012 e 2013) .................................. 91 Tabela 4 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais total dos 7º e 8 períodos (2011, 2012, 2013 2014) ................... 92 Tabela 5 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais do 1º e 2º períodos de 2011 .................................................... 105 Tabela 6 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais do 7º período de 2011 ............................................................. 106 SUMÁRIO Introdução ...................................................................................................................... 16 Revisão de literatura ...................................................................................................... 19 1.1- Aspectos históricos e evolução do conceito de deficiência no Mundo e no Brasil .................................................................................................................................... 19 1.2- Odontologia e pacientes especiais ...................................................................... 31 Abordagem Teórica ........................................................................................................ 41 2.1- Teoria das Representações Sociais .................................................................... 41 2.2–Abordagem estrutural .......................................................................................... 49 Procedimentos metodológicos ....................................................................................... 54 3.1- Objetivos.............................................................................................................. 54 3.1.1-Objetivo geral ................................................................................................. 54 3.1.2-Objetivos específicos ..................................................................................... 54 3.2- Estratégia de pesquisa ........................................................................................ 55 3.3-Campo da pesquisa .............................................................................................. 56 3.3.1- Clínica de Atendimento a pacientes com necessidades especiais da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO)-RJ ................................................... 56 3.4- Sujeitos do estudo ............................................................................................... 60 3.5- Observação participante ...................................................................................... 61 3.6- Instrumentos de coleta e análise de dados ......................................................... 62 3.6.1-Questionários ................................................................................................. 62 3.6.2- Entrevistas .................................................................................................... 66 3.7-Considerações éticas ........................................................................................... 72 Resultados e Discussão ................................................................................................. 73 4.1- Abordagem estrutural ......................................................................................... 73 4.1.1- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para o total dos alunos do 1º e 2º períodos ..................................................................... 73 4.1.2- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para o total dos alunos do 7º e 8º períodos ..................................................................... 80 4.1.4- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para os alunos do 7º período do 2º semestre de 2014.................................................. 100 4. 2- Abordagem processual: representações de pacientes especiais ..................... 107 4.2.1- Descrição dos sujeitos ................................................................................ 108 4.2.2- Resultados e análise da classificação hierárquica descendente – CHD ..... 108 Conclusões................................................................................................................... 145 Referências .................................................................................................................. 150 ANEXOS ...................................................................................................................... 167 LISTA DE SIGLAS AACD- Associação de Assistência à Criança Defeituosa ABBR- Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação ACNUR- Alto comissariado das Nações Unidas para Refugiados AFR- Associação Fluminense de Reabilitação AIDS-Síndrome de Imunodeficiência Adquirida ALCESTE® - Análise contextual lexical de um conjunto de segmentos de texto APAE- Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais BPC- Benefício Assistencial de Transferência de Renda CBEC- Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos CD- Cirurgiões-dentistas CFO- Conselho Federal de Odontologia CID- Classificação Internacional das Doenças CIDID- Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens CIF- Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde CNSB- Conferência Nacional de Saúde Bucal CODA- Commission on Dental Accreditation CONADE- Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE- Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CPE/Unigranrio- Clínica de Pacientes Especiais da Unigranrio DCN- Diretrizes Curriculares Nacionais ENATESPO- Encontro Nacional de Administradores e Técnicos do Serviço Público CEO- Centro Odontológico centros de especialidades odontológicas EVOC®- Emsemble de Programmes Permettant l’Analyse de Évoctions FENAPAES- Federação Nacional das Apaes FENASP- Federação Nacional das Sociedades Pestallozi FUNABEM- Fundação para o Bem-Estar do Menor IAPs- Institutos de Aposentadorias e Pensões IBC- Instituto Benjamim Constant IBR- Instituto Baiano de Reabilitação INES- Instituto Nacional de Educação de Surdos INPS- Instituto Nacional de Previdência Social IRAMUTEQ®- Interface de R pour les Analyses Multidimensionelles de textes e de Questionaires LBA- Legião Brasileira de Assistência MMTs- Métodos de mineração de textos OIT- Organização Internacional do Trabalho Ome- Ordens Médias de Evocação OME-Média das Ordens Médias de Evocação OMS- Organização Mundial da Saúde ONU - Organização das Nações Unidas RS- Representações Sociais SGTES- Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde SIMI- Similitude ST- Classificação Hierárquica Descendente SUS- Sistema Único de Saúde TCLE- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEP- Teste de evocação de palavras TMM- Text Mining Methods TRS- Teoria das Representações Sociais UCIs- Unidades de Contexto Inicial UFPE- Universidade Federal de Pernambuco UNESCO- Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura UNICEF- Fundo de Emergência das Nações Unidas para Crianças UNIGRANRIO- Universidade do Grande Rio 16 INTRODUÇÃO No decorrer da história, a conquista dos direitos das pessoas com algum tipo de deficiência deu-se de modo lento e gradativo, principalmente devido à existência de estigmas originados em preconceitos sociais relacionados a esses indivíduos, o que dificultou a implantação de legislação pertinente aos seus anseios e necessidades (ARANHA, 2001; CASTAN e MACEDO, 2009). No contexto brasileiro, como no resto do mundo, o tratamento dado às pessoas com deficiência acompanha uma trajetória pautada inicialmente e por um longo tempo na prática de exclusão e segregação, e mais recentemente por propostas de integração e inclusão desses indivíduos (ARANHA, 2001; CHAVEIRO e BARBOSA, 2005; SASSAKI, 2003). No período de 1950 a 1980, inicia-se a fase de integração, observando-se iniciativas para o desenvolvimento de atividades com o objetivo de adaptação das pessoas deficientes ao meio social em que viviam. Hoje, se vive a fase de inclusão, iniciada na década de 1980, desencadeando um processo de discussão de aproximação e aceitação pela família e sociedade dos chamados deficientes, propiciando o desenvolvimento de sua cidadania, com direitos e deveres, autonomia e liberdade como qualquer cidadão (ARANHA, 2001; CHAVEIRO e BARBOSA, 2005; OMOTE, 1999). A situação das pessoas com deficiência no mundo foi colocada em evidência a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU), que fixou o ano de 1981 como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, tendo como principal consequência a aprovação pela Assembléia Geral do Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2008). Esse Programa, fruto de um processo de discussão entre os países membros, foi baseado no conceito de deficiência que enfatiza a estreita relação entre as limitações experimentadas pelas pessoas com deficiências, a concepção e a estrutura do meio ambiente, e a atitude da população em geral com relação à questão, ressaltando o direito 17 dessas pessoas à igualdade de oportunidades em relação aos demais cidadãos, para que possam usufruir todas as melhorias nas condições de vida resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso social. Para isso, estabeleceu diretrizes nas diversas áreas de atenção à população portadora de deficiência, como a de saúde, de educação, de emprego e renda, de seguridade social, de legislação etc. Recomendava, ainda, que os estados membros deveriam considerar na definição e na execução de suas políticas, seus planos e programas voltados para essas pessoas (BRUMER, PAVEI e MOCELIN, 2004). No Brasil, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, instituída pela Portaria GM/MS 1060, de 05 de junho de 2002; numa concepção inclusiva, objetiva a promoção de saúde aos portadores de deficiência através da assistência integral, assegurando o atendimento não somente nas instituições específicas de reabilitação, mas na rede de serviços, nos diversos níveis de complexidade e especialidades, observando-se os princípios constitucionais do SUS de descentralização, regionalização e hierarquização. Para isso foram propostas as seguintes diretrizes: promoção da qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência; assistência integral à saúde da pessoa portadora de deficiência; prevenção de deficiências; ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação; organização e funcionamento dos serviços de atenção à pessoa portadora de deficiência; e capacitação de recursos humanos (BRASIL, 2008, p.10). A magnitude das necessidades de tratamento odontológico nas populações adultas e de idosos, muitas vezes associada a doenças crônicas e sistêmicas, como diabetes, tuberculose, aids e outras que podem apresentar manifestações bucais, foram demonstradas no último levantamento epidemiológico em saúde bucal realizado no Brasil (ALMEIDA et al., 2006; SOARES et al., 2005). Além disso, correlações entre saúde geral deficiente e saúde oral precária têm sido relatadas na literatura, bem como entre deficiências mentais e saúde oral deficiente, havendo evidências de que a deficiência seja uma barreira para o tratamento odontológico adequado (DAO, ZWETCHKENBAUM, INGLEHART, 2005; HALBERG, STRANDMARK, LINGBERG, 2004; VERÍSSIMO, AZEVEDO e REGO, 2013). 18 Ao lado dessas questões, a estruturação de um amplo debate na comunidade odontológica no contexto da reforma sanitária a partir da década de 1970 fortalecido na década de 1980, em consonância com as deliberações das Conferências Nacionais de Saúde, desde a 8ª Conferência em março de 1986, e da I e II Conferências Nacionais de Saúde Bucal, em outubro de 1986 e setembro de 1996 respectivamente, o Ministério da Saúde elaborou as novas diretrizes para a organização da atenção à saúde bucal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2004 ; NARVAI e FRAZÃO, 2008). Essas diretrizes se pautam pela responsabilização e enfrentamento dos problemas existentes, apontando para uma transformação em antigas formas de trabalhar e lidar com o processo saúde-doença. Priorizando a ampliação e qualificação da atenção básica, em um processo de trabalho em equipe baseado em duas estratégias: de linhas do cuidado (da criança, do adolescente, do adulto e do idoso) e condição de vida (saúde da mulher, saúde do trabalhador, portadores de necessidades especiais) que buscam a integralidade através de ações resolutivas centradas no acolher, informar, atender e encaminhar (referência e contrarreferência) (BRASIL, 2004; 2006). Um dos problemas inseridos dentro das ações complementares e imprescindíveis propostas nesse novo modelo é o atendimento às pessoas com necessidades especiais, preenchendo uma lacuna que causou danos irreparáveis a essa parcela tão sofrida da população. Nesse processo de transformação da atenção odontológica, surge a necessidade de capacitar equipes e profissionais visando à consolidação das mudanças, sendo pertinente uma reflexão sobre o preparo dos cirurgiões-dentistas (CD) para essa nova realidade, isto é, a atenção odontológica no contexto da integralidade e efetividade do cuidado às pessoas com necessidades especiais. Inicialmente procurou-se entender o percurso histórico do conceito de deficiência no mundo e no Brasil para depois se abordar a relação do objeto com a atenção odontológica, buscando compreender a construção social do objeto. 19 Capítulo 1 REVISÃO DE LITERATURA 1.1- Aspectos históricos e evolução do conceito de deficiência no Mundo e no Brasil Cada cultura carrega em seu bojo concepções próprias a respeito da deficiência ou diversidade funcional, desde crenças e mitos até padrões religiosos, familiares, sociais e culturais, que resultam em variadas atitudes, comportamentos e práticas, que vão desde a estigmatização e segregação social até o acolhimento e indiferença, sendo a própria diversidade e tudo que a ela está ligado, parte integrante dessa ou daquela sociedade e de sua cultura (FREITAS e MARQUES , 2010; PEREIRA, 2009; PLAISANCE, 2006). Diversos termos têm sido utilizados para conceituar esse grupo ao longo do tempo –inválidos, incapacitados, pessoas deficientes, pessoas portadoras de deficiência, portadores de necessidades especiais, pessoas especiais, pessoas com deficiência-,mais recentemente pessoas com diversidade funcional ou diferença funcional. Esses diferentes conceitos traduzem significados compatíveis com os valores vigentes em cada sociedade nas diferentes épocas e culturas, espelhando a evolução na maneira de lidar com os diferentes tipos de deficiência no decorrer do tempo (SASSAKI, 2003; FREITAS e MARQUES, 2010; PEREIRA, 2009). A evolução dos conceitos ligados a esse segmento populacional reflete, portanto, simultaneamente, as próprias conquistas dessas pessoas, como também as mudanças ocorridas na sociedade. Nesse sentido, torna-se pertinente uma reflexão socio-histórica para compreendermos as concepções de deficiência e o processo de integração social do deficiente. Na Idade antiga até 476 d.C., os nobres, proprietários de terras e rebanhos, faziam parte da classe dominante que detinha o poder econômico e os que não possuíam terras, eram considerados sub-humanos, sem valor social. A deficiência inexistia como problema sendo a atitude em relação aos deficientes, a morte ou a “exposição”, prática de 20 abandono à inanição de crianças com deficiências detectáveis ao nascimento, por não terem nenhuma importância social, sendo considerados pobres coitados, (ARANHA, 2001; GARGHETTI, MEDEIROS, NUERNBERG, 2013) e, portanto, não sendo dignos de viver. Na Idade Média com o fortalecimento do Cristianismo, a exterminação dos deficientes passa a não ser mais aceitável, devido à disseminação das idéias cristãs, de que este apesar de diferente era também humano e possuía alma. Assim, a custódia e o cuidado destas crianças ou até mesmo adultos deficientes passam a ser assumidas pela família e pelos religiosos, numa perspectiva de segregação e confinamento em detrimento de algum tipo de treinamento ou tratamento para o convívio social. As atitudes da sociedade em relação à deficiência, nesse período, são fortemente influenciadas pela Inquisição católica e pela Reforma protestante, traduzindo-se em ações de intolerância e punição, voltadas a esses indivíduos de forma desumana. Numa ambivalência caridadecastigo, salva-se a alma do pobre infeliz das garras do demônio e se livra a sociedade de um incômodo perturbador (PESSOTI, 1984, NOGUEIRA, 2002). No final do século XV formam-se Estados Modernos, com a queda das monarquias e da hegemonia da Igreja católica a partir do advento do capitalismo mercantil. A organização sociopolítica passa a se caracterizar por detentores de meios de produção e pelo operariado, força de trabalho assalariada, num contexto crescente de revolução de idéias e avanços na área médica e do método científico. Com o fortalecimento do modo de produção capitalista, nos séculos que se seguem, o processo de avaliação social dos indivíduos, baseia-se na produtividade privilegiando àqueles que por suas qualidades competitivas mantém e dão continuidade ao sistema produtivo (ARANHA, 1995; ARANHA, 2001). No séc XVIII com a consolidação do método cientifico, o deficiente perde sua natureza sobrenatural e mística passando, segundo Pessoti (1984), de problema teológico e ético a assunto de interesse médico (p.20). Iniciam-se a partir de então estudos em torno das tipologias e com elas a classificação das deficiências, decorrentes do nível do conhecimento científico existente então influenciado por noções incipientes de anatomia e patologia. Mais tarde a doença passa a ser caracterizada como um desvio 21 dos estados de normalidade, surgindo novas idéias e concepções no que se refere a sua natureza (NOGUEIRA, 2008; SANTOS, 2010), deixando de ser tratada através da alquimia, da magia e da astrologia (ARANHA, 2001, p.6). Surgem os primeiros manicômios, como locais para abrigo dos loucos, com concepções mais de isolamento e exclusão do que propriamente de tratamento e recuperação (ARANHA, 2005; AMARANTE, 2007). A partir de então vai se estruturando e se consolida no século XIX a prática do cuidado institucional para pessoas com deficiência, em ambientes segregados, onde as pessoas eram isoladas das famílias e da sociedade constituindo-se o primeiro paradigma formal adotado na relação da sociedade com a deficiência: o paradigma da institucionalização (ARANHA, 2001; GARGHETTI, MEDEIROS e NUERNBERG, 2013). No decorrer do século XIX, o fortalecimento do modo de produção capitalista torna necessário cidadãos produtivos e mão de obra especializada, havendo um movimento na estruturação de sistemas educacionais inclusivos. Nesse contexto, emerge a importância do Estado como responsável pelas necessidades das pessoas com deficiência, numa sociedade com iniciativas e tendências de sustentação do setor privado. Ao longo do século XX, com a implantação do capitalismo moderno, visando o aumento do capital, aos poucos abre-se espaço para que os deficientes pudessem retornar ao sistema produtivo, diminuindo o ônus público da institucionalização. Nesse contexto surge a questão da integração social do deficiente, especialmente após as duas grandes guerras, com o imenso número de indivíduos mutilados física e mentalmente e movimentos sociais que chamam a atenção dos governos para a responsabilidade no desenvolvimento de programas de reabilitação para os soldados feridos de guerra (ARANHA 1995; ARANHA, 2001; NOGUEIRA, 2008) Esse processo intensificado nos EUA nas décadas de 1950 e 1960 com um grande aumento de deficientes nesse país, após a Segunda Guerra e Guerra do Vietnã, cria condições propícias para o surgimento da ideologia da normalização, onde o deficiente amolda-se aos padrões da sociedade, que visava à integração desses indivíduos dando suporte ao movimento de desinstitucionalização e programas comunitários específicos 22 de serviços, visando às suas necessidades (ARANHA, 1995; PERANZONI e FREITAS, 2000). A inserção da pessoa com deficiência na sociedade, buscando a aquisição de padrões da vida cotidiana o mais próximo do normal, consistiu no chamado paradigma de serviços, com base na ideologia da normalização, fundamentando a multiplicação de programas para atendimentos a pessoas deficientes em todo o mundo (ARANHA, 2001). Mendes (2012) assinala que essas iniciativas produziram um grande intercâmbio de informações entre estudiosos sobre reabilitação, o que levou ao envolvimento de organizações de caráter internacional e multilateral, como Fundo de Emergência das Nações Unidas para Crianças (UNICEF), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Saúde (OMS), o Alto comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), facilitando a troca de experiências entre essas entidades. Nesse processo surge, na Inglaterra, entre os anos 1960 e 1970, no auge dos movimentos sociais de luta pelos direitos humanos e respeito à diversidade, a proposta do modelo social, uma nova abordagem sobre o tema. Esse modelo propõe um novo entendimento da deficiência, não mais como um problema individual, mas como uma questão de incapacidade da sociedade de prever e se ajustar a diversidade. Estudos sobre deficiência são escassos e concentram-se nas áreas de medicina, da psicologia do desenvolvimento ou da educação especial. O modelo social, ao contrário do modelo médico, desloca a causa da deficiência da lesão orgânica para o social, encontrando, aí as verdadeiras causas que levam às desvantagens e marginalização vivenciadas pelos deficientes (BAMPI, GUILHEM, ALVES, 2010; DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009). Dentro dessa visão o foco não é mais o indivíduo portador de alguma ou várias limitações, mas a estrutura social e sua dinâmica opressora e excludente. Analisando esse modelo, Diniz (2003) assinala que os primeiros teóricos do modelo social eram homens e na sua maioria, portadores de lesão medular tendo a independência como foco na busca por autonomia rejeitando qualquer tipo de “assistencialismo”. Esse fato impulsionou o movimento no sentido de remover todas as barreiras que impedissem o desenvolvimento de suas capacidades concentrando esforços na inclusão 23 dos deficientes no mercado de trabalho e no sistema educacional, tendo como alicerce o materialismo histórico, embasando o argumento de mudanças nas estruturas como eixo para a inclusão dos deficientes na vida social. Diniz (2003) assevera ainda que não havia dor, sofrimento ou limites corporais nos escritos dos primeiros teóricos: o corpo foi definitivamente esquecido pelo compromisso com o projeto de independência (p.4). Diante disso, reforça que não faziam parte dessa agenda o cuidado e qualquer tipo de benefício compensatório para os deficientes. Nesse enfoque, a contribuição das teóricas feministas que se engajaram ao movimento trouxe para as discussões os portadores de deficiências graves e incapacitantes, bem como a ampliação desse grupo com a inclusão dos idosos e dos doentes crônicos. Nessa perspectiva, enfatiza-se a importância do cuidado e dos cuidadores (na maioria mulheres), criando a oportunidade de se incluir a dimensão subjetiva na experiência da deficiência. Invertendo a lógica inicial de sobrevalorização da independência, que poderia ser como nas palavras de Diniz, um ideal perverso para inúmeros deficientes incapazes de alcançá-la (p.4), o movimento feminista propõe o princípio da igualdade pela interdependência como um princípio mais adequado para a reflexão sobre questões de justiça no campo dos estudos sobre deficiência (p.5). A grande contribuição do movimento feminista para o movimento social de pessoas com deficiência é a proposta do cuidado como um dos princípios éticos estruturantes da vida coletiva, levando-se em conta não só os limites sociais, mas também os individuais, a vida pública e a privada. Passa a ter expressão a importância da revisão de valores morais mais profundos na sociedade, buscando caminhos e soluções para o conjunto de necessidades dos deficientes, com ênfase no modelo social da deficiência, porém encorpada com novos elementos para o seu enfrentamento político e social. Buscando responder a essas demandas e necessidades sobre as consequências das doenças dentro desse processo social, a IX Assembléia da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1976, propôs uma classificação de conceituação de deficiência que pode ser aplicada a vários aspectos da saúde e da doença, tendo sido traduzida para o português como Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e 24 Desvantagens, a CIDID, publicada em 1989. Essa classificação seguindo a lógica da classificação internacional das doenças (CID) buscou sistematizar a linguagem biomédica relativa às lesões e à deficiência descrevendo as condições decorrentes da doença como uma sequência linear propondo a deficiência (impairment) como anormalidades nos órgãos e sistemas e nas estruturas do corpo, incapacidade (disability) como as consequências da deficiência no desempenho das atividades e desvantagem (handicap), como um reflexo da adaptação do indivíduo ao meio ambiente resultante da deficiência e incapacidade, ou seja, a doença leva à deficiência que gera a incapacidade que por sua vez gera a desvantagem (AMIRALIAN et al, 2000; FARIAS e BUCHALLA, 2005). Essa abordagem apesar do avanço em termos filosóficos, políticos e metodológicos, que influenciou um novo entendimento das práticas relacionadas com a reabilitação e a inclusão social dessas pessoas, apresentou no seu processo de revisão fragilidades, como a falta de relação entre as dimensões que a compunham e a não abordagem de aspectos sociais e ambientais (BAMPI, GUILHEM e ALVES, 2010). Visando ao aprimoramento da CIDID, ocorreram propostas de modificação ao longo do tempo, tendo como referentes argumentos do modelo social, resultando na aprovação, em maio de 2001 pela Assembléia Mundial da Saúde, da International Classification of Functioning, Disability and Health, em português, Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF). Daqui em diante a deficiência passou a ser compreendida como parte ou expressão de uma condição de saúde, enfatizando-se as potencialidades das pessoas com deficiência, e não suas desvantagens, mas outros fatores, como a capacidade do indivíduo em se relacionar com o seu ambiente de vida. Segundo Farias e Buchalla (2005): A CIF representa uma mudança de paradigma para se pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade, constituindo um instrumento importante para avaliação das condições de vida e para a promoção de políticas de inclusão social, será mais adequada à medida que for utilizada por um número maior de profissionais, em locais diversos e a partir de pessoas e realidades diferentes (p.187). Nessa perspectiva o modelo social que trouxe as ciências sociais para o debate da deficiência não somente como questão de saúde, mas como produto das sociedades 25 contemporâneas, abriu espaço para que o paradigma de suporte viesse substituir o paradigma de serviços, baseado na ideologia da normalização, e que buscava a integração do deficiente num movimento onde ele deveria se adaptar à sociedade buscando ser o mais próximo possível do “normal”. No novo paradigma, o objetivo é a inclusão social, um movimento duplo, tanto por parte das pessoas com deficiência manifestando seus desejos e necessidades, quanto da sociedade ajustando-se e criando condições através de suportes de diferentes tipos, desde psicológicos até físicos e instrumentais, para que o indivíduo com deficiência possa acessar e usufruir todos os recursos da comunidade, desenvolvendo-se como pessoa e cidadão (ARANHA, 2001; SANTOS, 2010). Segundo Diniz (2007, p.9), os teóricos do modelo social da deficiência provocaram uma redefinição do significado de habitar um corpo que havia sido considerado, por muito tempo anormal, o que levou à criação de um neologismo, ainda sem tradução para a língua portuguesa– disablism– que é o resultado de uma cultura da normalidade, aonde os impedimentos corporais são alvo de opressão e discriminação (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009). Resgatando um pouco da história desse segmento no Brasil dentro de um contexto mundial, procuraremos agora compreender, as consequências desse debate no país e suas consequências em direção à inclusão social de pessoas com deficiência. No Brasil, até o século XIX, não havia qualquer diretriz político-social voltada às necessidades específicas de pessoas com deficiência, não existindo o conceito de criança com deficiência. Além de relatos de monstruosidades que se faziam aos negros escravos levando à produção de deficiências físicas e mentais, têm-se poucas descrições de crianças e adultos que apresentavam alguma doença mental. As pessoas com algum tipo de deficiência eram confinadas pelas famílias ou em caso de desordem pública recolhidas às Santas Casas ou às prisões, banidas do convívio social (LANNA JÚNIOR, 2010; NOGUEIRA, 2008; SILVA, 2011). Com a chegada da Corte Portuguesa e o início do Império no século XIX tiveram início as primeiras, ações para atender as pessoas com deficiência no Brasil, seguindo um modelo de segregação, como no resto do mundo. Em 1841, D Pedro II funda o 26 primeiro hospital para o tratamento dos chamados alienados, O Hospício D. Pedro II no Rio de Janeiro. Em 1854, cria-se o Asilo dos Inválidos da Pátria, para receber os soldados feridos e mutilados de guerra e ainda neste mesmo ano o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamim Constant (IBC) e em 1856 o Imperial Instituto dos SurdosMudos, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), ambos em sistema de internato e inspirados nos ideais iluministas, considerados até hoje referência federal para ensino e reabilitação de deficientes sensoriais (MAIOR,1997; MIRANDA, 2008; LANNA JÚNIOR, 2010). No século XIX, portanto, as únicas deficiências reconhecidas pelo Estado foram a cegueira e a surdez, visando a superação das dificuldades, sobretudo na educação e no trabalho (LANNA JÚNIOR, 2010). No início do século XX, no contexto histórico da industrialização e urbanização brasileiras, não houve praticamente novas ações apenas a expansão dos institutos de cegos e surdos para outras cidades. A sociedade civil diante desse vácuo de ações governamentais se organiza e cria organizações voltadas para as áreas de educação e saúde como as Sociedades Pestallozi (1932), criadas por Helena Antipoff, psicóloga russa, pioneira da educação especial no Brasil, e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (1954) que se espalharam por todo o país dando origem na década de 1960 a FENAPAES (Federação Nacional das Apaes) e na década de 70 a FENASP (Federação Nacional das Sociedades Pestallozi) (LANNA JÚNIOR, 2010; MIRANDA, 2008). Em 1954 funda-se no Rio de Janeiro o Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos (CBEC) a primeira entidade nacional, lançando o protagonismo da própria pessoa cega na defesa dos seus direitos representando o embrião das iniciativas de cunho político que surgiriam no Brasil, sobretudo durante a década de 1970 (LANNA JÚNIOR, 2010; BARBOSA, 2013). Ainda na década de 1950, o surto de poliomielite levou ao aparecimento dos primeiros centros de reabilitação física que se baseavam em métodos e paradigmas de modelo de reabilitação do pós-guerra trazidos por estudantes e especialistas chegados da Europa e Estados Unidos. O primeiro deles foi a Associação Brasileira Beneficente de 27 Reabilitação (ABBR) fundada em 1954, que diante da inexistência ou carência de profissionais especializados no Brasil, em uma iniciativa pioneira criou a Escola de Reabilitação para formar fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, de acordo com os moldes curriculares da Escola de Reabilitação da Columbia University (LANNA JÚNIOR, 2010). Outras organizações filantrópicas surgiam nesse contexto como a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) de São Paulo em 1950, o Instituto Baiano de Reabilitação (IBR) em 1956 em Salvador, e a Associação Fluminense de Reabilitação (AFR) em 1958 em Niterói-RJ. Alguns hospitais tornaram-se referência para tratamento de pessoas com sequelas da poliomielite, como o Hospital da Baleia e o Hospital Arapiara ambos em Belo Horizonte-MG (Id). Essas instituições de reabilitação física, em consonância com o paradigma de serviços produto da ideologia da normalização, baseavam-se no modelo clinico patológico de deficiência, numa concepção onde o problema era atribuído somente ao indivíduo, que deveria ser objeto de investimentos, visando mudanças em direção à normalização (ARANHA, 2001). As dificuldades poderiam ser superadas pela intervenção de uma equipe multidisciplinar (médicos, fisioterapeutas, terapia ocupacional, assistentes sociais, psicólogos e outros), ignorando a complexidade de fatores envolvidos na problemática da deficiência (LANNA JÚNIOR, 2010; SANTOS, 2010). São dessa época também as primeiras iniciativas em relação à previdência social para pessoas com deficiência, acompanhando os avanços nos sistemas de bem-estar social em todo o mundo, criando-se o primeiro serviço de reabilitação física de um instituto de aposentadoria em 1959. Com a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), e a constituição do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), a atenção aos segurados e dependentes passou a ter seu foco na reabilitação física, reabilitação profissional e assistência especializada a menores, prestada em unidades públicas e majoritariamente através de convênios com a iniciativa privada, com ênfase em serviços de fisioterapia, sem que fosse elaborada qualquer política de assistência (MAIOR, 1997; RIBEIRO et al., 2010). Na década de 1970 com o processo de desinstitucionalização, a partir da Declaração dos Direitos do Deficiente Mental da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1971, que estabeleceu direitos para pessoas com necessidades especiais, firmaram- 28 se convênios entre o INPS, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Fundação para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e serviços de reabilitação em hospitais, escolas especiais e instituições privadas que de uma forma instável davam assistência às pessoas com necessidades especiais (RIBEIRO et al, 2010). Todas essas iniciativas até o final da década de 1970 se caracterizavam pela falta de autonomia das pessoas com deficiência para decidir o que fazer da própria vida, com forte cunho protecionista e paternalista numa abordagem em que uma diferença funcional era percebida no lugar da pessoa, todavia foi um período de gestação da necessidade de organização de movimentos afirmativos dispostos a lutar por direitos humanos e autonomia para os chamados deficientes (LANNA JÚNIOR, 2010; PEREIRA, 2009). As constituições brasileiras democráticas ao longo do século XX, como as de 1934 e 1946, abrigaram vários avanços nas áreas de trabalho, educação e saúde, havendo, porém, um vácuo, em relação à efetivação desses direitos às pessoas com de deficiência (QUARESMA, 2002). Somente a partir da década de 1980, época de lutas e articulações políticas num movimento de redemocratização do país, que a questão da deficiência assume outro caminho. Movimentos sociais com reivindicações por justiça social e direitos de cidadania, influenciados pela declaração do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência pela ONU em 1981, colocam o tema deficiência em destaque, levando a estrutura do Estado brasileiro a reconhecer os direitos das pessoas com deficiência. É criada, então, a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), em 1986, e da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, em 1989, havendo a partir de então, um crescente espaço na esfera federal para discussão e implementação dos direitos desses indivíduos. Em 1999, o conselho consultivo que existia na estrutura da CORDE é abolido criando-se um conselho deliberativo, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE, num contexto de maior participação popular na elaboração, gestão e fiscalização de políticas públicas, inaugurada no texto constitucional de 1988 (LANNA JÚNIOR, 2010). Nessa perspectiva a Constituição Federal de 1988, com sua missão de resgate da democracia, após um amplo debate envolvendo diversos segmentos da sociedade, onde 29 se institui o Sistema Único de Saúde (SUS), baseado nos princípios da universalidade, equidade e integralidade, confere merecido destaque à matéria referente à saúde e assistência pública, bem como à proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência, conforme dispõe seu artigo 23, inciso II: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência públicas, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências (BRASIL, 2008, p.1). Atendendo reivindicações por inclusão e cidadania estabeleceram-se diretrizes nas áreas do mundo do trabalho, com reserva de vagas nos concursos públicos para deficientes (art. 37), na área de educação especial, garantindo a integração escolar do deficiente, principalmente nas escolas de ensino regular (art.208), na área de acessibilidade, com remoção de barreiras arquitetônicas e sensibilidade nos transportes públicos para a diversidade corporal (art. 244) e assistência social com a implantação do benefício de prestação continuada (BPC), (art.203) (LANNA JÚNIOR, 2010, SANTOS, 2011; BARBOSA, 2013). Vale ressaltar que a CIF adotada pela OMS em 2001, passa a ser usada em 2007, como referência de orientação das avaliações das pessoas com deficiência, solicitantes do benefício assistencial de transferência de renda (BPC), representando embora tardiamente a entrada do modelo social no Brasil, primeiro passo efetivo na direção da inclusão social dessa parcela da população (SANTOS 2010). A publicação da CIF pela OMS é considerada um marco para o tema da deficiência como justiça social, não somente pelo peso e alcance que uma classificação oficial da OMS pode representar para as políticas públicas em âmbito internacional, mas, principalmente, por agregar a perspectiva sociopolítica da deficiência defendida pelo modelo social (SANTOS 2010; SANTOS, 2011). Numa concepção da deficiência como um dos temas de direitos humanos a ONU aprovou em 2006 sua primeira Convenção Internacional do novo milênio destinada aos direitos das pessoas com deficiência, alterando marcos normativos dos países signatários da Convenção, que em 2008 é ratificada no Brasil através do Congresso Nacional, conferindo-lhe status constitucional. Isso significa que todas as legislações e políticas públicas e sociais no país serão pautadas a partir de então, tendo a Convenção 30 como suporte normativo constitucional, inserindo no Brasil o paradigma do suporte, numa concepção inclusiva para o tratamento dos direitos das pessoas com deficiência no país (DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009). Em outubro de 2009, a CORDE foi elevada à Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência em agosto de 2010, alcançou o status de Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (LANNA JÚNIOR, 2010). Mais recentemente, pela edição do Decreto 7.612, de 17 de novembro de 2011, foi lançado O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência-Viver sem Limite – redigido a partir das deliberações das I e II Conferências Nacionais sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, realizadas respectivamente em 2006 e em 2008. Elaborado com a participação de mais de 15 ministérios e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), que trouxe as contribuições da sociedade civil, o plano Viver sem Limite engloba um conjunto de políticas públicas estruturadas em quatro eixos: Acesso à Educação; Inclusão social; Atenção à Saúde e Acessibilidade. Cada ação presente nesses eixos é interdependente e articulada com as demais, construindo redes de serviços e políticas públicas capazes de assegurar um contexto de garantia de direitos para as pessoas com deficiência, considerando suas múltiplas necessidades nos diferentes momentos de suas vidas. Destacam-se ações para o aprimoramento do BPC escola, aprovado pelo decreto 6214/2007 que visa identificar, usuários do BPC até dezoito anos fora da escola, e garantir mecanismos de acesso, permanência e acompanhamento dos entes federados que aderirem ao programa, e o BPC trabalho, instituído pela portaria nº2/2012, que consiste em ações intersetoriais para promover o acesso à qualificação profissional e o acesso ao trabalho às pessoas com deficiência beneficiárias do BPC na faixa etária 16 a 45 anos, prioritariamente (BRASIL, 2011; SENNA, LOBATO e ANDRADE, 2013). As mudanças de concepção de deficiência no Brasil, incorporando o caráter multi determinado de vulnerabilidade, demandam uma maior abrangência e atuação das políticas públicas nessa área. Nesse sentido alterações recentes de um novo modelo de avaliação para a concessão do BPC, que é considerado uma das principais políticas de 31 proteção social para deficientes no Brasil, passou a incluir também uma avaliação social, sob a responsabilidade dos assistentes sociais, a partir de um novo instrumento baseado na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que opta por uma avaliação médica e social. Esse novo modelo que incorpora uma abordagem multidimensional da funcionalidade, da incapacidade e da saúde, requer ainda estudos capazes de acompanhar e analisar os rumos e alcance dessas mudanças (MEDEIROS e DINIZ, 2004; SENNA, LOBATO e ANDRADE, 2013). Atualmente no Brasil, vive-se a tentativa de concretizar em todos os espaços sociais, o que está garantido constitucionalmente, no sentido de promover a equidade no tratamento dos direitos das pessoas com deficiência, embora tais ações sempre esbarrem em dificuldades de ordem política, financeira e social que dificultam na prática sua realização. 1.2- Odontologia e pacientes especiais Na odontologia é comum classificar-se a pessoa com alguma deficiência dentro do grupo de pacientes com necessidades especiais (SILVA, PANHOCA e BLACHMAN, 2004). Esse conceito é amplo e abrange diversos casos que requerem atenção diferenciada, desde pessoas que apresentem uma ou mais limitações, temporárias ou permanentes, de ordem mental, física, sensorial, emocional, que o impeça de ser submetido a uma intervenção odontológica convencional. As razões das necessidades especiais são inúmeras e vão desde doenças hereditárias, defeitos congênitos, até as alterações que ocorrem durante a vida, como moléstias sistêmicas, alterações comportamentais, envelhecimento etc. (BRASIL, 2006). As dificuldades dos profissionais da área da saúde em lidar com os pacientes especiais refletem a relação da sociedade, da qual fazem parte, com este grupo e são fruto do legado histórico e da falta de informação, que permeiam essa relação gerando preconceito e despreparo (CARVALHO et al, 2004). Essas dificuldades no campo da odontologia têm sido reforçadas pela visão fragmentada da saúde bucal como uma parte isolada dos cuidados de saúde geral, com foco na prevenção de doenças bucais e na eficácia dos diferentes tratamentos odontológicos (TORRES et al, 2009). Esse modelo hegemônico de práticas tem sido predominantemente determinado por uma odontologia 32 de mercado sob influência político-ideológica do projeto de sociedade neoliberal, e as várias adjetivações da odontologia no período entre 1952 e 1992 (sanitária, preventiva, simplificada, comunitária e integral), apesar de se basearem em diferentes concepções apontando para propostas distintas de práticas odontológicas, evidenciam a incapacidade de todas em realizar a ruptura com a odontologia de mercado (NARVAI, 2002). A mudança de paradigma cirúrgico-restaurador, que predominou desde o nascimento da profissão, para o de promoção de saúde, acompanhando uma abordagem sociológica visando o desenvolvimento de ambientes e estilos de vida saudáveis, provocou uma revisão dos conceitos instituídos sobre “saúde-doença” e tem buscado novas abordagens, mais sintonizadas com esse novo momento. Ao lado disso, o impacto da saúde bucal sobre o bem-estar geral dos indivíduos e qualidade de vida começou a ser observado com maior atenção a partir da década de 1990 (BUCZINSCK, CASTRO e SOUZA, 2008; CHIANCA et al., 1999). Vários autores realizaram trabalhos científicos que sugerem a correlação das doenças infecciosas bucais com uma ampla variedade de condições mórbidas, como abscessos cerebrais, infarto agudo do miocárdio, endocardite infecciosa subaguda, abscessos pulmonares, pneumonia por aspiração, doença renal crônica entre outras (ARTESE et al., 2012; BARILLI et al., 2006; KINANE e LOWE, 2000; LIMEBACK, 1988; LORBER et al., 2010; RAMS e SLOTS, 1992). Paralelamente o modelo de prática odontológica vem sendo também objeto de discussões e proposições por parte dos técnicos dos serviços públicos odontológicos, diante dos índices epidemiológicos encontrados e da luta em prol da concretização do SUS, proposto na Constituição de 1988, para que o setor público assuma a seu papel na prestação de serviços (NARVAI, 2002). Nesse contexto, durante os anos de 1980, este autor assinala que foi sendo firmada gradativamente a expressão saúde bucal coletiva, buscando uma prática sanitária que reivindicava origem distinta das “odontologias” (extrapolando os estreitos limites do meramente assistencial), bem como outras articulações e compromissos. Essa prática, segundo as concepções da saúde bucal coletiva, é referida no documento final 33 do oitavo Encontro Nacional de Administradores e Técnicos do Serviço Público Odontológico (VIII ENATESPO) realizado em São Paulo, em outubro de 1991, onde se reafirmou a inadequação do tipo de prática odontológica ainda vigente no país, centrada em ações clínico-cirúrgicas individuais e enfoques biológicos em detrimento da compreensão e enfrentamento dos determinantes sociais do processo saúde-doença. Explicitou também, que a construção da saúde bucal coletiva no Brasil passa pela integração das ações de saúde bucal nas práticas coletivas de saúde, e pelo resgate da integralidade dessas práticas, garantindo a universalização do acesso e a equidade do atendimento, garantidas na Constituição, promovendo a inclusão na assistência odontológica de grupos populacionais considerados não prioritários (ENATESPO, 1988; NARVAI e FRAZÃO, 2008). Esse processo que se desencadeou após a I Conferência Nacional de Saúde Bucal em 1986, teve o seu ápice com a implantação, em 2004, da Política Nacional de Saúde Bucal, Brasil Sorridente, apresentada pelo Ministério da Saúde através do documento “Diretrizes Nacionais da Política Nacional de Saúde Bucal” estabelecendo um eixo político básico de proposição para a reorientação das concepções e práticas no campo da saúde bucal, capazes de propiciar um novo processo de trabalho tendo como meta à produção do cuidado. Embasado do ponto de vista epidemiológico nos resultados da pesquisa “Condições de Saúde Bucal na População Brasileira” encontra-se em permanente construção, considerando-se as diferenças sanitárias, epidemiológicas regionais e culturais do Brasil (BRASIL, 2004; RONCALLI, 2006). Nesse contexto, propõe-se a reorganização da atenção em saúde bucal em todos os níveis de atenção tendo como principais linhas de ação a viabilização da adição de flúor nas estações de tratamento de águas de abastecimento público, a reorganização da atenção básica em saúde bucal especialmente por meio da estratégia da saúde da família e ampliação e qualificação da atenção especializada, através principalmente da implantação de centros de especialidades odontológicas preparados para oferecer à população, no mínimo, os serviços de diagnóstico bucal (com ênfase no diagnóstico e detecção do câncer de boca), periodontia especializada, cirurgia oral menor dos tecidos moles e duros, endodontia e atendimento a portadores de necessidades especiais (BRASIL, 2004; 2006). 34 Dessa forma são contempladas, pela primeira vez no Brasil, as pessoas com necessidades especiais com uma política pública de saúde bucal, representando uma grande vitória no histórico de lutas desse grupo, num processo de inclusão que visa o desenvolvimento de sua cidadania e a igualdade de oportunidades em relação aos demais cidadãos. Ampliando ainda mais a atenção, objetivando ações de promoção, prevenção e recuperação da Saúde Bucal para pessoas que necessitem de atendimento em ambiente hospitalar, o Ministério da Saúde através da Portaria 1032 de 5 de maio de 2010 incluiu procedimentos odontológicos realizados em ambiente hospitalar sob anestesia geral ou sedação na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Materiais Especiais do SUS. Dentro das ações que compõem o Plano Viver sem Limite, lançado em 2011 destaca-se um conjunto de ações na atenção odontológica às pessoas com deficiência, entre as quais: capacitação de 6 mil equipes de atenção básica, qualificação de 420 centros de especialidades odontológicas (CEO) e criação de 27 centros cirúrgicos (BRASIL, 2010; 2011). Visando a integração de todas essas ações, através da portaria GM/MS nº 793 de 24/04/2012, institui-se a rede de cuidados à pessoa com deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde, tendo como objetivo primordial a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com deficiência temporária ou permanente; progressiva, regressiva ou estável, intermitente ou contínua, visando atendimento integral e de qualidade às pessoas com necessidades especiais através da articulação e organização de seus componentes: atenção básica, atenção especializada e atenção hospitalar e de urgência e emergência, estando a atenção odontológica inserida em todos os seus componentes (BRASIL, 2012). Em relação à capacitação profissional do Plano viver sem limites, o Ministério da Saúde lançou em novembro de 2012, em Brasília, durante a “Oficina de Educação Permanente em Saúde”, coordenada pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), o curso “Capacitação de Profissionais da Odontologia Brasileira Vinculados ao SUS para Atenção e Cuidado da Pessoa com Deficiência”, que teve sua primeira turma em 2013 e já está na quarta turma, sendo executado pela Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde da UFPE (EM-SUS UFPE). A Universidade Aberta do SUS – EM-SUS – é uma iniciativa do Ministério da Saúde em 35 cooperação com estados, municípios, instituições públicas de ensino superior e organismos internacionais para oferta de cursos de pós-graduação e de extensão universitária que têm como finalidade atender às necessidades de capacitação e educação permanente dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde – SUS, por meio de cursos à distância, utilizando a internet como veículo de atualização profissional ao longo da vida. O impacto dessa ação ainda necessita de estudos para sua avaliação na atenção odontológica aos pacientes especiais na atenção básica. Num panorama geral, além dos esforços de organismos internacionais, governos nacionais e locais, das pessoas com deficiência e de seus familiares, e da própria sociedade, o campo científico vem somando esforços de forma inequívoca para o alcance da melhoria da qualidade de vida desses indivíduos. Os avanços da ciência, com a sofisticação dos recursos e materiais disponíveis, o advento de novos fármacos e novas tecnologias, têm contribuído para corrigir, minimizar e até eliminar as várias diferenças funcionais (PEREIRA, 2009). Muitos exemplos podem ilustrar o exposto, como por exemplo, os sucessos alcançados no controle da motricidade e autonomia de sujeito com amiotrofia muscular espinhal (OLIVEIRA ; CUNHA, 2013). Ou, então, com a utilização de tecnologias assistivas ou tecnologias de apoio, um conceito em processo de construção, que tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida desses pacientes especiais em várias situações, como na escola no contexto do ensino inclusivo e no desenvolvimento da autonomia dos sujeitos como no uso de escovas dentais facilitadoras (GALVÃO FILHO, 2009; RAMOS; BARRETO, 2014). A literatura mostra que a população de 60 anos e mais, na América Latina e Caribe, durante o período de1980 a 2025 terá, em média, dobrado pelo menos uma vez e, em mais da metade dos casos, triplicado antes do ano 2025. (KALACHE et al., 1987; COELHO e RAMOS, 1999; LEBRÃO e LAURENTI, 2005). Diante desse contexto, Correa (2009) destaca a surgimento de demandas em torno de atitudes e práticas referentes à construção de políticas públicas necessárias ao atendimento dos problemas decorrentes do envelhecimento populacional. É algo que se tem podido constatar em nossa atualidade. Nessa perspectiva, procura-se dar realce a essa novidade que se concretiza no crescimento da população de idosos e diversos 36 atores sociais têm mobilizado esforços para tornar possível o atendimento de suas reivindicações (TURA; CARVALHO; BURSZTYN, 2014). Paralelo a isso no campo institucional a necessidade de revisão e reformulação dos currículos dos cursos de graduação em saúde, a partir de um amplo e antigo debate, toma forma, e em 2002 aprova-se a resolução CNE/CES nº 3 em 19 de fevereiro, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), para os cursos de Odontologia. Nessas diretrizes afirma-se a necessidade da formação em Odontologia contemplar profissionais generalistas, humanistas, reflexivos e críticos, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico, pautada em princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social. Essa resolução desencadeou um processo de discussão e apropriação de novos conceitos, constituindo-se um movimento coletivo de reflexão por todos os envolvidos (CARVALHO et al, 2010; CARCERERI, PADILHA e BASTOS, 2014). Diante da magnitude dos problemas e demandas de tratamento existentes na população, e acompanhando as mudanças que vêm ocorrendo na prática profissional num contexto de revisão e reformulação dos cursos de odontologia, foi aprovada a especialidade de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), através da Resolução 25 de 2002 (CFO, 2002), publicada no Diário oficial da União em 18 de maio de 2002 resgatando uma dívida da profissão para com os mesmos. Segundo Mugayar et al (2007), o Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer esta especialidade na odontologia, seguido pela Nova Zelândia em 2002, Reino Unido em 2003 e Austrália em 2004/2005. Nos Estados Unidos em 2004, a Commission on Dental Accreditation (CODA), estabeleceu que estudantes de odontologia e de higiene dental devem ser competentes para suprir as necessidades de tratamento de pacientes com necessidades especiais, garantindo novos padrões em programas de educação para cirurgiões-dentistas e higienistas dentais, assegurando um melhor preparo dos profissionais para o tratamento desses pacientes (DAO et al, 2005; WALDMAN et al, 2005). 37 Por ser uma especialidade recente, poucas faculdades incluem disciplinas, ou conteúdos de atendimento a pacientes especiais na graduação de odontologia no Brasil (ANDRADE et al., 2006), o que provavelmente tem gerado atitudes negativas e profissionais pouco preparados, desinteressados e indiferentes quanto ao manejo desses indivíduos, resultando numa grande dificuldade dessa parcela da população em obter tratamento odontológico especializado e de qualidade (CRESPI e FERGUNSON, 1987; WALDMAN, PERLMAN, SWERDLOFF, 1998; MOURADIAN e CORBI, 2003; CARVALHO et al, 2004; GUERREIRO e GARCIA, 2009). Além disso, fatores como falta de experiência clínica, falta de formação e de recursos técnicos adequados (FENTON, 2003; WOLFF et al., 2004; WALDMAN, 2005), estereótipos, preconceitos e crenças (KAYE et al., 2005), necessidades de tratamento subestimadas (HENNENQUIM et al., 2000), mais idade e maior tempo de atividade profissional (CASAMASSINO et al., 2004; GILL et al., 2000; TORRES, 2009), recursos técnicos inadequados, tempo maior de consulta e capacidade econômica dos pacientes (DAO et al., 2005; MERRY e EDWARDS, 2002; TORRES, 2009), falta de experiências práticas educacionais com deficientes na graduação (CASAMASSINO e SEALE, 2003: HALBERG, STRANDMARK, LINGBERG, 2004; LENNOX, DIGGENS,UGONI,1997; WEIL e INGLEHART, 2010), qualidade questionável da educação para tratamento de pacientes especiais (HALBERG, STRANDMARK, LINGBERG, 2004; WEIL e INGLEHART, 2010) têm sido associados na literatura a atitudes negativas e não disposição para o atendimento em relação à pessoas com necessidade especiais. Por outro lado, Casamassino et al (2004), ao analisarem o subconjunto de dados da pesquisa nacional sobre necessidades de cuidados de saúde de crianças e adultos com necessidades especiais (CSHCN) no que se refere aos cuidados para pacientes especiais por dentistas clínicos gerais no EUA, mostrou que há três tipos de profissionais com mais probabilidade de oferecer cuidados a pacientes especiais: aqueles que trabalham em comunidades pequenas, com mais tempo de formado (apesar destes relatarem não terem tido formação adequada para esse tipo de atendimento), e que atendem crianças sem necessidades especiais de baixo poder aquisitivo, através de seguro saúde. Este estudo foi corroborado por Halberg, Strandmark, Lingberg (2004) e Loan, Zwetchkenbaum, Inglehart (2005). Esses resultados mostram a complexidade 38 envolvida na decisão dos profissionais na disposição ao atendimento dos pacientes especiais, baseada em fatores relacionados a crenças, atitudes, financeiros e educacionais. Diante do que foi discutido até agora, torna-se pertinente uma reflexão sobre o preparo dos CD para essa nova realidade, isto é, a atenção odontológica no contexto da integralidade e efetividade do cuidado às pessoas com necessidades especiais. A formação centrada em procedimentos técnico-cirúrgicos, falta de vivência em equipes multidisciplinares e a inadequação dos currículos odontológicos em relação às demandas e necessidades das pessoas com deficiência poderiam ser elementos dificultadores para a transformação dessa atenção visando o paciente na sua totalidade? Segundo, Silva, Panhoca e Blachman (2004), deveria ser uma preocupação das universidades da área de saúde estudar e entender mais o ser humano e a sociedade, assim como faz com doenças e procedimentos técnico-cirúrgicos (p.112.). Nessa perspectiva, considerar outras dimensões na formação do CD torna-se pertinente na análise e integração de conhecimentos específicos de diversas áreas com o objetivo comum de promover e manter a saúde dos pacientes especiais. Esse contexto está inserido naquilo que Chaves (1998) descreveu como uma realidade complexa que aponta para a necessidade de uma reforma do pensamento. O paradigma predominante na Ciência tem levado a uma contínua fragmentação do conhecimento, gerando abordagens e intervenções centradas em aspectos biológicos, com pouco diálogo com a singularidade dos indivíduos, o que tem resultado em limites importantes na percepção das necessidades de atenção e na efetividade das intervenções. Experiências educativas que propiciem uma reflexão sobre as várias dimensões envolvidas com o cuidado em saúde contribuirão para formar profissionais com um olhar mais atento, que permita ir além dos currículos engessados em disciplinas e especialidades, e mais qualificados para atender as novas demandas da sociedade (FILIPPETTO, 2005; TOASSI, 2008). A literatura aponta a influência de experiências educacionais dirigidas a pessoas com necessidades especiais nas atividades de graduação nas atitudes e comportamentos dos alunos e dos profissionais em relação à deficiência, bem como na 39 disposição e interesse ao atendimento desses pacientes (DAO, ZWETCHKENBAUM, INGLEHART, 2005; De LUCIA e DAVIS, 2009; MORAES et al., 2006; SMITLEY et al., 2009; WEIL e INGLEHART, 2010). Segundo Castan e Macedo (2009), participantes de programas de treinamento, onde há um contato por um período maior com essa população desenvolvem uma visão mais ampla sobre a deficiência, sinalizando que a informação e formação na escola e no trabalho são importantes na construção das percepções dos CD sobre as pessoas com deficiência. Contribuindo para a compreensão dos fatores que podem afetar a formação de atitudes, Wong et al. (2004) realizaram um estudo com alunos de programas de reabilitação em quatro universidades diferentes nos EUA e constataram que as atitudes do profissional são influenciadas por fatores relacionados com a deficiência (como a visibilidade e influência das características sociais e de comportamento) e incapacidade, e fatores não-relacionados (tais como sexo, etnia e ocupação). As atitudes permitem às pessoas situarem-se em relação a um objeto, fato ou pessoa diante dos outros em determinado momento, sendo experiências subjetivas, construídas nas relações sociais que têm uma dimensão avaliativa e que podem sofrer mudanças ao longo do tempo, através da incorporação de novas informações ou experiências (BARBARÁ, SACHETI E CREPALDI, 2005). Assim, as atitudes são constantemente influenciadas por uma variedade de fatores, que permeiam todas as relações desempenhando um papel importante na relação de ajuda, existindo segundo Halberg, Strandmark e Lingberg (2004) dimensões inexploradas nas atitudes dos dentistas para trabalhar com pacientes especiais. A partir dessas considerações, e da experiência docente na disciplina de atendimento a pacientes com necessidades especiais, desenvolveu-se o seguinte questionamento: O atendimento a pacientes com necessidades especiais na graduação em odontologia pode facilitar a qualificação dos CD diante das novas demandas existentes, contribuindo para a formação integral do profissional influenciando o processo de inclusão social desses indivíduos? Nessa perspectiva, numa abordagem psicossociológica, conhecer as construções de sentidos e significados a partir de uma rede de significantes que inclui atitudes, 40 práticas, conhecimentos, crenças e valores explicitados por alunos de graduação em odontologia sobre deficiência, e a influência desses sentidos na sua formação profissional como um todo e, especialmente em relação aos pacientes especiais, tornam-se pertinentes para o aprofundamento dessas questões. 41 Capítulo 2 ABORDAGEM TEÓRICA 2.1- Teoria das Representações Sociais Os seres humanos se desenvolvem na complexidade de uma cultura. O conhecimento construído pelo homem sobre os diferentes objetos que o cercam – sejam concretos ou abstratos – só fazem sentido dentro de um contexto multidimensional associado à sua prática concreta e daqueles com quem interage ou que tem como referência. Logo o estudo dos diferentes objetos sociais necessita de uma contextualização dos sujeitos e objetos a eles relacionados (MADEIRA, 1998). A concepção dualista das relações sujeito-objeto, particularmente desenvolvida pelas abordagens behavioristas, e a dificuldade de apreender os espaços de mediação das interrelações sujeito-outro-objeto tem suas origens na filosofia cartesiana e em suas divisões exageradas entre pessoa e mundo, mente e corpo, eu e outro (JOVCHELOVITCH, 2008). A partir das primeiras críticas que se iniciam na França e na Inglaterra, sobre a Psicologia Social vigente, hegemônica nos Estados Unidos da América do Norte, que não conseguia explicar a diversidade dos fenômenos contemporâneos que nos cercam, surge a teoria das representações sociais como uma nova concepção de estudo das produções mentais não de um ser humano no social, mas de um ser humano social (JODELET, 2001; MOREIRA e SOUZA FILHO, 2003). Moscovici encontra um campo de pesquisa propício à construção da teoria, resgatando a noção de representação coletiva estabelecida por Durkheim, que transforma o simbolismo numa atividade pela qual a sociedade torna-se consciente de si mesma, num trabalho de uniformização do pensamento que toma forma de coerção; nos trabalhos pioneiros de Lévy-Bruhl, que abandona o antagonismo entre individual e coletivo inaugurando o exame dos mecanismos psíquicos e lógicos que estruturam o pensamento (MOSCOVIVCI, 2001), e nas interpretações de Piaget e Freud acerca do psiquismo humano (JOVCHELOVITCH, 2008). 42 O pesquisador parte de um questionamento sobre o que acontece quando um tipo de conhecimento, no caso o conhecimento científico, circula na estrutura social para além de sua origem e contexto de produção, elaborando um estudo sobre os sentidos construídos em relação à psicanálise na França, centrando-se nas maneiras como diferentes grupos sociais (profissionais liberais urbanos, católicos e comunistas) se apropriavam e ressignificavam o objeto em questão. A publicação desse trabalho, “A psicanálise sua imagem e seu público” em 1961, introduz a noção de representações sociais (RS) e marca o nascimento da teoria das representações sociais (TRS) que se baseia no reconhecimento do papel constitutivo do social na produção dos saberes (MOSCOVICI, 2003). Segundo Castro (2002), Moscovici em seu trabalho seminal a partir da análise da penetração social e das transformações que sofrem os conceitos científicos quando apropriados pelo senso comum, tenta explicar o caráter simultâneo dos fenômenos da diversidade e do consenso, da diferenciação e da semelhança observados nas sociedades atuais. Dessa forma o conceito de representação coletiva criado na sociologia é, então, remodelado e atualizado tornando-se mais dinâmico e compatível com as sociedades contemporâneas, influenciadas por um processo intenso de comunicação, troca de informações e novos conhecimentos. WAGNER e HEYES (2011) assinalam que o conceito de representações sociais não chamou atenção de imediato, sendo mencionado pela primeira vez, em nível internacional, na década de 1970 em um artigo da Annual Review of Psychology sobre investigação de atitudes. Nele Moscovici aplicava uma teoria original que pretendia ser um contrapeso dinâmico para o conceito individualizado de atitude, parecendo ser mais estático e pouco social para a psicologia moderna social. Todavia, sua proximidade histórica com os conceitos clássicos de atitude e opinião, algumas vezes resulta em que se use o de representações sociais de maneira equivocada, como um equivalente a esses termos. Ainda segundo esses autores, uma representação social não é uma descrição na acepção de uma proposição que possa ser verdadeira ou falsa. Ao contrário, 43 pode ser entendida como uma elaboração de ideias ou fatos que possuem verdade fidedigna. Para Jovchelovitch (2008), as representações sociais são uma construção dialógica gerada pelas interrelações eu/outro/objeto-mundo, que está na base de todos os sistemas de saber e que compreender sua gênese, desenvolvimento e modo de concretização na vida social, permite compreender o elo que liga o conhecimento aos indivíduos e comunidades, sendo um fenômeno tanto simbólico como social. Devido a esse caráter simbólico, as representações sociais se encontram entre o indivíduo e o mundo social e dotam os objetos e os fatos de um significado social único. Dessa forma, convertem fatos brutos em objetos sociais que povoam o espaço de vida dos grupos. As construções mentais só devem ser consideradas representações sociais quando se tornam predominantes, mesmo que não completamente compartilhadas pelos membros de um grupo culturalmente distinto dentro da sociedade. Não é necessário um consenso completo, porém, deve haver uma base ampla de consenso entre os companheiros de um grupo social. As RS buscam o enfrentamento da diversidade e do novo no cotidiano funcionando como um “espaço potencial de fabricação comum” (JOVCHELOVITCH,1994, p.81) do conhecimento, indo além do psiquismo individual para o domínio coletivo e relacional da vida em comum, e portanto espelham os diversos aspectos que caracterizam as relações pessoais e sociais numa totalidade social determinada, num determinado tempo e espaço (MADEIRA, 2003). É impossível compreender as RS como um processo cognitivo individual, já que são produzidas no intercâmbio das relações e comunicações sociais. Como diz Jodelet (2001), é uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado tendo uma intenção prática e concorrendo à construção de uma realidade comum a um conjunto social (p.8). Situando-se no “carrefour” de diversas áreas do saber, as RS vêm explicar os sentidos que são atribuídos aos diferentes objetos a partir da experiência pessoal, mas também de informações, saberes, modelos de pensamento, imagens, crenças, constituindo-se uma forma de conhecimento específica, o saber do senso comum, 44 orientada para a comunicação, compreensão e o domínio do entorno social e material (JODELET, 2001). O aspecto relacional das RS permite o entendimento do que sejam os grupos e a força das relações e da comunicação na sua constituição, configurando o espaço social e simbólico dos sujeitos (GUARESHI e ROSO, 2014; MADEIRA, 2003). Segundo Abric (1998), ...não existe uma realidade objetiva a priori, toda realidade é representada (p.27), ou seja, os indivíduos e grupos apropriam-se dela, reconstroemna em seu sistema cognitivo, integram-na ao seu sistema de valores estando diretamente relacionada às histórias e ao contexto social e ideológico que a cerca, sendo pois todo conhecimento ao mesmo tempo simbólico e social. Ressalta ainda que as RS têm como funções: o saber, explicando aspectos relevantes da realidade, a definição da identidade dos grupos, protegendo a sua especificidade, orientação das práticas sociais, dependendo sobretudo do modo como os sujeitos representam a realidade e justificadora, permitindo depois da ação a justificativa de tomadas de posição e comportamentos. Os sentidos dos diversos objetos socialmente existentes não são iguais nem construídos de modo isolado, pois se articulam dinamicamente com a totalidade social, portanto dependem da origem dos sujeitos e do lugar social de onde falam, a respeito do que falam e como falam e sobre o que falam do objeto e que efeitos esses sentidos produzem na vida cotidiana (JODELET, 2000; MADEIRA, 2003). Essas três questões preenchem o espaço de estudo das representações sociais que passam pelas condições de produção e circulação das mesmas, o que depende de fatores culturais, de pertença social e de comunicação, fundamentais nas trocas e interações que concorrem para a criação de um universo consensual; seus estados e processos representacionais que caracterizam a representação como forma de saber, indo desde a forma de construção do pensamento, seus conteúdos e estruturas, à sua função e eficácia sociais; e finalmente ao seu estatuto epistemológico ressaltando seu caráter prático, isto é orientado para a gestão e a relação com o mundo (JODELET, 2000). 45 Jovchelovitch (2008) propõe um referencial para o estudo do trabalho das representações baseado nos constituintes do processo representacional e nas relações intersubjetivas e interobjetivas, que formam sua arquitetura básica, assinalando que a gênese relacional do conhecimento faz dele um fenômeno plástico e variável que muda dependendo do “quem”, “como”, ‘que”, “porque” e “para que” da representação, dimensões que ela apontou como contextos de saber fundamentais pra se compreender a expressividade de um sistema de conhecimento. Nessa perspectiva através da TRS, pode-se identificar o caráter social da dimensão individual nos estudos sobre deficiência, já que esta pressupõe um metassistema de regulações sociais/normativas que intervêm e dirigem o sistema de funcionamento cognitivo. Nessa articulação é de fundamental importância o estudo dos processos pelos quais as representações se constituem e a descrição de seus conteúdos e significados. Nesse sentido o conceito de RS tem três dimensões internas: a informação (que tem a ver com os conhecimentos sobre o objeto), a atitude (que parte da orientação global e avaliativa em relação ao objeto) e o campo de representação (que reenvia para a idéia de imagem como conteúdo concreto de proposições, tendo a ver com um aspecto específico do objeto da representação) (JODELET, 2000; CASTRO, 2002). A percepção dos diferentes objetos implica numa trajetória cognitiva atravessada pelo psiquismo individual e social dando origem a dois processos, que mostram a interdependência entre a atividade psicológica e as condições de seu exercício, os quais Moscovici (2003) chamou de objetivação e ancoragem. Àquela dando um contexto inteligível ao objeto, associando-o a uma figura, tornando-o concreto, palpável, reproduzindo um conceito em uma imagem, e esta dando a essa figura um sentido, tornando-a familiar. Os diferentes objetos são integrados a um pensamento social préexistente e a um amplo domínio experiencial, não arbitrário, mas que podem ser limitados pelo marco da cultura comum, e num nível mais geral através de ideias fonte, esquemas de imagens, arquétipos ou themata, base das muitas culturas, tentando mediar mais claramente a ligação entre representações e comunicações e da forma como o passado 46 recente e mais antigo ressurge constantemente nas representações e comunicações (CASTRO, 2002; JODELET, 2000; WAGNER e HEYES, 2011). Através desses dois processos o social transforma o conhecimento, informação, experiência em representação e esta transforma o social. Nesse sentido é possível através da TRS identificar os vários aspectos nos quais os alunos ancoram o paciente especial, enquanto um fenômeno relevante e o conhecimento atribuído ao mesmo. Desde o seu início a TRS teve um forte elo com a área de saúde partindo-se do trabalho inaugural de Moscovici sobre a psicanálise (1961), dando oportunidade a pesquisas sobre representações sociais de doença e corpo com os estudos precursores de Claudine Herzlich sobre os processos de saúde e doença e os de Denise Jodelet sobre as representações sociais do corpo (JODELET, 1998). No Brasil, dois fatores contribuíram para difusão da TRS no país: o retorno a partir do final dos anos de 1970 de profissionais que foram realizar estudos de pós-graduação na França e outros países europeus onde tiveram a oportunidade de entrar em contato com essa teoria e a visita de Denise Jodelet na Paraíba em 1982 onde ministrou um curso sobre a Metodologia da Pesquisa em Representações Sociais e assessorou a elaboração de projetos nas áreas de psicologia social, educação e saúde mental (SÁ e ARRUDA, 2000). Esses autores assinalam, ainda, que a expansão desse campo será observada a partir dos anos de 1990, apesar de antes já apresentar uma produção relevante no nordeste brasileiro. A TRS tem subsidiado investigação de variados objetos na área da saúde. A título de ilustração, pode-se citar Ferreira et al. (2006) estudando os sentidos da perda dentária e dos cuidados na saúde bucal; Bittencourt e Montagnoli (2007) investigando a significação da surdez; Delmiro, Moreira e Alves (2012), Camargo et al. (2014), Gomes, Silva e Oliveira (2011) utilizam a TRS para explorar as representações sociais da aids construídas por idosos, na observância do tratamento ou das interfaces na vida cotidiana, respectivamente; Carvalho, Queiroz e Ferreira (2013), Nascimento et al (2012) buscam apreender os sentidos das lesões precoces do câncer cervicouterino objetivando sua prevenção; Tura et al (2011) e Oliveira et al. (2014) procuram apreender os sentidos de saúde e doença em grupos de idosos e indígenas, respectivamente, visando a 47 elaboração de programas de promoção da saúde; Mendes, Silva e Alves (2012) investigam as representações sociais construídas por trabalhadores da atenção básica de saúde sobre envelhecimento com o objetivo do aprimoramento da atenção prestada. No mundo contemporâneo, assolado pela informação avassaladora através de diversos meios como a mídia escrita, falada e digital, o profissional de saúde atua como um mediador cultural entre o mundo científico e o cotidiano das pessoas comuns (ARRUDA, 2002), transmitindo conceitos e ideias também construídos a partir de saberes e crenças pré-existentes, apoiados na memória dos diferentes grupos que compõem a área da saúde. A complexidade dos processos e comunicação que o eu desenvolve com os outros está na base de sua identidade, dos saberes e da vida social e em particular a relação do eu com a alteridade radical pode ser alimentada tanto por energias amorosas como destrutivas, numa luta para preservar a onipotência do eu, levando à condutas e práticas diversas que vão desde tentativas de comunicação e compreensão até práticas de classificação, exclusão e até em casos extremos extermínio da perspectiva e corpo do outro (JOVCHELOVITCH, 2008). Nesse sentido, pacientes especiais, do mesmo modo das pessoas que vivem com aids, por sua predominância social revelam-se um objeto propício para estudos utilizando-se como base a TRS, pois possibilitam a apreensão dos processos e mecanismos de construção de sentidos em relação ao objeto pelos sujeitos em seus cotidianos (TURA, 1998). Partindo dessas questões e diante da carência de estudos que enfatizem a abordagem psicossociológica sobre a resistência e dificuldade de profissionais de saúde, em especial, dos CD no atendimento dos chamados pacientes especiais, avalia-se ser pertinente conhecer como o paciente especial é representado por esse grupo a fim de identificar e entender as razões pelas quais alguns CD tratam pacientes especiais e outros não. Nessa perspectiva, conhecer a construção de sentidos sobre deficiência e as representações sociais dos alunos de graduação em odontologia sobre pacientes especiais, e a influência dessas representações na sua formação profissional como um todo e, especialmente em relação às pessoas com necessidades especiais, torna-se de extrema utilidade para o estudo dessas questões. 48 O estudo do saber do senso comum mostra que o conhecimento não é privilégio da ciência. A realidade pode ser vista por vários ângulos, dependendo do posicionamento do observador. Existem muitas lógicas de interpretação do mundo, e nenhuma é mais ou menos válida do que outra, mas apenas diferente. A representação de determinado objeto não é um simples reflexo da realidade, e não são unicamente construções mentais de sujeitos individuais, mas implicam um trabalho simbólico que emerge das interrelações eu, outro e objeto-mundo e está associada a fatores circunstanciais e fatores globais (normas, valores, crenças) funcionando como um sistema de pré-decodificação, guiando a ação e orientando as ações e relações sociais (ABRIC, 1994; MOSCOVICI, 2003; JOVCHELOVITCH, 2008). O estudo das representações sociais implica em múltiplas perspectivas devido à natureza dinâmica e à complexidade envolvidas, resultando num espaço de estudo multidimensional, a partir de uma forma de conhecimento (saber prático) entre um sujeito e um objeto. Partindo-se de sua gênese e das condições que a regem, com seus aspectos sociais, funcionais, efeitos de comunicação e pressões, pode-se entender a estruturação das representações e de outros referenciais para compreender a realidade. Nesse aspecto, Chaves (1998) assinala que o setor saúde precisa ser analisado sob inúmeras dimensões o que proporcionará uma visão mais clara e completa da realidade. O autor propõe a adoção de um novo paradigma em substituição ao paradigma flexneriano que já não atende às necessidades de conhecimento contemporâneo, e que ele denomina de paradigma da complexidade, considerado relevante para quem se propõe a estudar representações sociais (RAGON, 2005). Nessa perspectiva, a TRS revela todo o seu potencial para uma compreensão mais pertinente e efetiva das atitudes e práticas dos CD em relação aos pacientes com necessidades especiais, a partir da identificação dos vários aspectos nos quais se ancoram a deficiência, e a produção de conhecimentos a ela atribuídos. Quando o pesquisador escolhe como balizamento teórico a TRS, terá decisões e escolhas específicas a fazer. Em função dos objetivos e necessidades do seu projeto, terá de escolher a abordagem ou abordagens que mais se adequem ao mesmo. 49 Sá (1998) assinalava que a teoria original de Moscovici desdobrava-se em três correntes teóricas complementares: a primeira liderada por Denise Jodelet, mais fiel a teoria original associada a uma perspectiva etnográfica, a segunda, liderada por Willem Doise em Genebra, numa perspectiva mais sociológica buscando nos determinantes sociais encontrar os princípios organizadores das representações, também conhecida como abordagem societal e a terceira desenvolvida por um grupo de estudiosos de AixProvence liderados por Jean Claude Abric, enfatizando a dimensão cognitivo-estrutural das representações, chamada Teoria do núcleo central ou escola aixoise (CAMPOS e LOUREIRO, 2003). Atualmente, entretanto, outros estudiosos como Marková, Wagner e Heyes, Jovchelovich e outros têm aprofundado ou desenvolvido novas reflexões teóricas, o que confirma as palavras de Jodelet (2001), do campo de estudos em representações sociais como um domínio em expansão, no qual se estruturam galáxias de saber (p.41) Numa abordagem explicativa do fenômeno, utilizou-se nesse estudo a perspectiva de triangulação, buscando-se descrever realidades objetivas considerando suas raízes na dinâmica relacional. Nesse caminho, primeiro se utilizou a abordagem estrutural, inaugurada por JeanClaude Abric (1994), que considera a importância da organização interna das representações para a compreensão da sua dinâmica e por ser um instrumento importante, na busca de respostas para os processos envolvidos na mudança de atitudes, interesse particular deste estudo, e em seguida uma abordagem processual, conforme proposto por Jodelet (2001), procurando dar um sentido para a combinação particular de conceitos que fazem o seu conteúdo, a partir de inserções específicas dentro de um conjunto de relações sociais e pontos de referências que orientam o debate social, permitindo conhecer o posicionamento de grupos e indivíduos em diversas localidades desse espaço de conhecimento (WACHELKE et al., 2008) . 2.2–Abordagem estrutural Abric (2003) assinala, nesse campo de estudo, três idéias que devem ser consideradas: de que as RS constituem conjuntos sociocognitivos organizados e 50 estruturados; que essa estrutura específica é constituída de dois subsistemas: um central e outro periférico; que o conhecimento simples do conteúdo de uma representação não é suficiente para defini-la, sendo necessário identificar os elementos centrais que a organizam e lhe dão significado. Nesse sentido, Sá (2002) argumenta que as cognições centrais não podem ser dissociadas do objeto correndo-se o risco de vê-lo perder toda a sua significação. Abric (1998) destaca, ainda, que somente a identificação do conteúdo de uma representação não é suficiente para o seu reconhecimento e especificação. Insiste que a organização desse conteúdo é essencial: duas representações idênticas por um mesmo conteúdo podem ser radicalmente diferentes, caso a organização destes elementos, portanto sua centralidade seja diferente (p.31). As diferentes opiniões e atitudes são consequência da função geradora do núcleo central (dá significado e valor aos outros elementos) e podem-se denominar elementos virtuais determinando a dimensão normativa do núcleo central. Já os elementos do sistema periférico são funcionais, no sentido de que orientam as condutas e contém supostos adicionais que sustentam o núcleo central em circunstâncias diversas e o justificam (WAGNER e REYES, 2011). O núcleo central, por sua estabilidade, conserva suas características nos diferentes contextos e possui duas funções essenciais: geradora de sentidos dos demais elementos, e organizadora, unindo e tornando estáveis os elementos da representação. Esta condição o torna resistente à mudança, e por isso qualquer alteração irá determinar uma transformação completa da representação, permitindo o estudo comparativo das representações (ABRIC, 2003). É determinado pela natureza do objeto, mas também pela relação que o sujeito ou grupo mantém com o mesmo podendo assumir duas dimensões diferentes de acordo com a situação. Uma dimensão funcional voltada para realização de tarefas, e outra normativa, mais ligada a situações relacionadas a dimensões socioafetivas, sociais ou ideológicas (SÁ, 2002). Os elementos periféricos organizam-se em torno do núcleo central e são mais acessíveis, vivos e concretos atualizando e contextualizando as determinações do núcleo central, sendo, portanto mais associados ao contexto imediato. Possuem três funções básicas: concretização que permite a formulação da representação em termos concretos, 51 imediatamente compreensíveis e transmissíveis; regulação, essencial na adaptação da representação às evoluções do contexto, fazendo dos elementos periféricos o aspecto móvel e evolutivo da representação e de defesa, defendendo o núcleo central, que como dito anteriormente resiste às mudanças (ABRIC, 2003). De acordo com Sá (2002), os elementos periféricos são esquemas organizados pelo núcleo central e, que associados a ele, permitem a ancoragem da representação na realidade. Com características de orientadores de condutas, levam à tomada de posições instantâneas sem a necessidade de busca dos significados centrais. Regulando e adaptando o sistema central às especificidades das diferentes situações do cotidiano as quais os grupos são confrontados, é o sistema periférico que vai absorver primeiro novas informações ou eventos capazes de questionamentos ao núcleo central, constituindo a sua análise um elemento essencial nos estudos de processos de transformação das representações (ABRIC, 1994, 2003; SÁ, 2002). Complementando, Wagner e Heyes (2011) assinalam que esse sistema de operações mentais que ocorre no pensamento social constitui um sistema operativo que envolve processos de pensamento que seguem as regras da vida cotidiana, sendo determinados por um metassistema (limites impostos pela sociedade e cultura a seus membros), que combinado ao sistema operativo estabelece um processo vertical de acima-abaixo na cognição individual, guiando a ação na maioria das vezes, segundo expectativas de consequências previsíveis, e que o estudo das RS permite uma visão mais geral desses processos, identificando o seu início além da pessoa tendo suas raízes no contexto social e cultural do grupo, sendo um constructo socialmente compartilhado. As relações entre práticas sociais e representações introduziram a discussão sobre a reversibilidade da situação na determinação de tipos de mudanças, ou seja, caso a situação seja percebida como reversível ou não, os processos de transformação que irão desenvolver-se são de natureza totalmente diferente. Para que ocorra uma transformação da representação é necessário que a situação seja percebida como irreversível, caso contrário, desenvolvem-se mecanismos de defesa e resistência à mudança (ABRIC, 1994; FLAMENT, 2001). 52 Pesquisas confirmam a necessidade de se considerar a organização interna das representações para compreender sua dinâmica (CAMPOS, 2003; SÁ, 1998; TURA et al., 2011). Nesse sentido, estratégias metodológicas têm sido desenvolvidas na abordagem estrutural, geralmente articuladas em três etapas: o recolhimento do conteúdo, a pesquisa do núcleo central e da organização da representação e o controle de centralidade (ABRIC, 1994). A abordagem estrutural tem se mostrado, desde a sua introdução no campo das representações sociais, bastante pertinente na análise científica das mentalidades e das práticas sociais, como se pode observar nos estudos de Marková et Farr (1995) sobre doença, saúde e deficiência e Serino (2000) onde estudou a representação social da deficiência. No Brasil, trabalhos como o de Campos (1998) sobre as RS de meninos de rua; Tura (1998) sobre as RS da aids construídas por estudantes; Veloz, Schulze e Camargo (2000), Santos, Tura e Arruda (2011) e Wachelke et al.(2008) a respeito da velhice; Pecora e Sá (2008) estudando memória, gerações e contexto urbano, dentre vários outros, têm demonstrado a importância da abordagem estrutural para o estudo comparativo das representações e para o estudo dos processos de transformação das representações, com uma base teórica consistente para a determinação dos elementos constituintes e não constituintes das RS (DOISE, 1995; CAMPOS, 2003). A partir de várias questões importantes, busca-se trazer respostas para os processos envolvidos nas mudanças de atitudes, sendo o jogo e a interação entre sistema central e sistema periférico elementos fundamentais na atualização, evolução e transformação das representações (ABRIC, 2003). Instrumentos específicos de pesquisa vêm sendo desenvolvidos e a criatividade do pesquisador pode ser aplicada a partir de várias estratégias o que a torna um campo fértil e promissor na pesquisa em representações sociais. Dentre eles, objetivando colocar em evidência as propriedades de saliência e de conexidade dos diferentes elementos de uma representação, as pesquisas iniciais do Grupo do Midi, desenvolveram técnicas para coleta e análise de dados, como por exemplo: a associação livre, a hierarquização de itens, indução por cenário ambíguo, 53 constituição de pares de palavras, carta associativa e para análise, a frequência e ordem de evocação e análise de similitude (SÁ, 2002). Desde então vários instrumentos vem sendo desenvolvidos como a rede associativa de De Rosa (PEREIRA, 2005), questionários de caracterização reintroduzidos nos estudos de RS por Flament (VÈRGES, 2005), mapas mentais (ARRUDA, 2014), e na análise dos dados, escalas multidimensionais, análise de semelhanças, análise fatorial de correspondências (PEREIRA, 2005), e mais recentemente análises textuais através de programas informáticos que oferecem diferentes possibilidades de análise como a lexicografia básica (cálculo de frequência de palavras) até análises multivariadas como: classificação hierárquica descendente e análise pós-fatorial (CAMARGO e JUSTO, 2013). Diversos programas informáticos para análise textual vem sendo desenvolvidos na França, conhecidos como os text mining methods (TMM), que são os métodos de mineração de textos (MMTs), sendo os principais: Alceste, Tri-deux (Mots), Spad-t, Lexico, Hyperbase e mais recentemente o Iramuteq, que será descrito mais adiante no capítulo de metodologia, pois será utilizado nesse trabalho (CAMARGO, 2005). 54 Capítulo 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1- Objetivos 3.1.1-Objetivo geral Apreender e analisar as representações sociais sobre pacientes especiais, construídas por alunos do 1º, 2º e 7º, 8º períodos de graduação de odontologia da Unigranrio –Campus Duque de Caxias-- RJ, visando dois momentos na formação desses alunos: antes e após cursarem a disciplina de pacientes com necessidades especiais no 7º período. 3.1.2-Objetivos específicos ► conhecer o perfil da população em estudo ► caracterizar as representações sociais, sua estrutura e organização, acerca do paciente especial ► comparar as RS dos alunos antes (1º e 2º períodos de 2011) e após (7º período de 2014) terem contato com pacientes especiais na clínica ► identificar nos dois grupos, crenças, valores, normas, atitudes e práticas relativas ao paciente especial e deficiência, associados ao processo de construção das representações ► verificar como as representações sociais vêm orientando as práticas e condutas dos alunos em relação às pessoas com necessidades especiais ► a partir dos resultados discutir as várias dimensões envolvidas no cuidado com esses indivíduos visando intervenções futuras 55 3.2- Estratégia de pesquisa Na complexidade das sociedades atuais, bombardeadas por um fluxo de comunicação e troca de informações, num processo de transformação constante, faz-se mister a superação de posturas reducionistas em termos técnicos e operacionais, com o intuito de alcançar sentidos e significados envolvidos na construção dos fenômenos sociais (SANTOS, 2009). Por envolver diversos produtos mentais e culturais como crenças, valores, normas, opiniões, imagens etc. o estudo de uma representação social deve sempre buscar a complexidade do objeto em questão adotando para isso diferentes técnicas e estratégias metodológicas visando apreender as diferentes dimensões da representação (JODELET, 2001). A sobreposição de procedimentos na coleta e análise de dados amplia o olhar do pesquisador e contribuem para um aprofundamento no estudo dos diferentes objetos conciliando estratégias quantitativas e qualitativas numa tendência atual de reconhecimento mútuo e integração entre ambas as abordagens (SANTOS, 2009). Uma estratégia de pesquisa nesse sentido visando assegurar a validade das pesquisas no campo das ciências sociais, é a triangulação. Segundo Madiot e Dargentas (2010), a triangulação visa trabalhar os dados em quatro modalidades possíveis: triangulação dos dados (cruzamento de dados de várias fontes); triangulação metodológica (recorre-se a várias fontes de recolhimento e tratamento dos dados); triangulação dos pesquisadores (cruzamento de suas leituras do material); triangulação teórica (confrontação de várias teorias sobre o mesmo objeto de pesquisa). Assinalam ainda, um último tipo de triangulação introduzida mais recentemente, a triangulação interdisciplinar, que retorna à necessária articulação dos dados com outros campos disciplinares (psicologia, antropologia, história, sociologia etc). Em função da natureza do objeto, da problemática e dos objetivos teóricos uma ou outra forma de triangulação é privilegiada. No campo das representações sociais o trabalho de Jodelet (2005) sobre a loucura tem sido lembrado como um dos bons exemplos do uso de triangulação metodológica, sendo uma referência na área pelo rigor metodológico e aprofundamento dos resultados. Nesse sentido buscou-se nesse trabalho 56 uma triangulação metodológica na coleta e análise dos dados. A investigação foi iniciada com um processo de observação, seguido da utilização da abordagem estrutural e processual das representações sociais. 3.3-Campo da pesquisa 3.3.1- Clínica de Atendimento a pacientes com necessidades especiais da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO)-RJ A atuação durante 15 anos como professora da disciplina de Pacientes com Necessidades Especiais da Faculdade de Odontologia da Unigranrio despertou na pesquisadora o interesse pelo objeto do estudo. A proximidade com o campo foi de fundamental importância para os questionamentos iniciais e a fase de observação que permeou todo o trabalho. Apesar do afastamento da disciplina em julho de 2013, faltando ainda 1 ano para o término da pesquisa, o contato da pesquisadora com o campo continuou viável e frequente. A disciplina Pacientes com Necessidades Especiais existe desde 1989, sendo a Unigranrio a primeira instituição a oferecer essa disciplina no currículo de graduação em odontologia no Estado do Rio de Janeiro. Essa iniciativa surgiu a partir de um projeto de atendimento a pessoas especiais justificado pela alta demanda desses pacientes, elaborado pelo Professor Roberto Elias da disciplina de clínica integrada, com formação à época em cirurgia buco-maxilo-facial, e hoje especialista também em atendimento a pacientes especiais. Com a proposta de atuação de uma equipe multidisciplinar junto aos alunos, hoje a equipe conta com uma médica pediatra especialista em neonatologia, e uma assistente social, além dos cirurgiões-dentistas. Entretanto, houve a participação de uma psicóloga e uma fonoaudióloga. Funcionando sem interrupção desde 1989, até 1999 era uma disciplina optativa. A partir de 2000, passou a ser obrigatória com o reconhecimento da especialidade pelo CFO. 57 Os alunos podem se inscrever a partir do 7º período e a duração é de um semestre, com a disponibilização de vagas para os que queiram continuar como monitores. Já passaram até 2014 pela disciplina em torno de 1.900 alunos. A disciplina tem conteúdos teóricos e a partir do segundo mês os alunos iniciam um estágio prático, na clínica. Todos os pacientes passam pela avaliação da assistente social, que dá orientações e faz os encaminhamentos necessários. Durante o período do atendimento, a médica pediatra da equipe de professores, dá o suporte necessário para uma abordagem mais ampla dos aspectos médicos dos pacientes e possíveis intercorrências. Os cirurgiões-dentistas são especialistas em atendimento a pacientes especiais, além disso, muitos deles são formados em outras especialidades: estomatologia, periodontia, prótese, odontopediatria e cirurgia bucomaxilo-facial. Conta-se também com o auxílio de monitores e um ex-aluno com formação em endodontia. A avaliação do aproveitamento na disciplina é realizada através de vários instrumentos: prova teórica, avaliação de desempenho clínico, seminários, análise de casos clínicos e de artigos, provas orais em grupo. Os alunos são estimulados a participar e estimulados a apresentar seus trabalhos em eventos científicos sob a orientação dos professores. São realizadas desde 2000, uma vez por ano atividades como campanhas educativas envolvendo instituições que atendem pessoas especiais com Apaes, Instituto Pestallozzi, escolas e clínicas, onde os alunos realizam atividades de orientação e educação para saúde desses indivíduos e responsáveis, utilizando diversas estratégias de comunicação como teatro, vídeos, palestras, pintura, modelagem, brincadeiras, escovódromo etc. É muito comum ocorrerem festas no decorrer do curso em datas especiais como Páscoa, período junino, dia da criança e Natal, onde os alunos enfeitam a clínica e interagem com os pacientes através de brincadeiras, trocas de presentes, comes e bebes, fotos, música e muita animação. Tudo por iniciativa e organização dos alunos. Em relação ao público alvo, no período de 2011 a 2013, foram atendidos na Clínica de Pacientes Especiais da Unigranrio (CPE/Unigranrio), um total de 105 pacientes, 54 do 58 sexo feminino (51%) e 51 do sexo masculino (49%), com um leve predomínio do sexo feminino. Este resultado está de acordo com o achado por Santos, Aquino e Fernandes (2008). Entretanto, Pereira et al. (2010) e Silva et al. (2005) relatam proporções inversas com predominância do sexo masculino, embora com pequenas diferenças das proporções entre os sexos. A amplitude da idade correspondeu ao intervalo de 5 a 81 anos com média de 31 anos (DP=15,6) e mediana de 29, resultados similares aos de Previtalli, Ferreira e Santos (2012). O município de origem de 95% da amostra foi o Rio de Janeiro. Para analisar os diagnósticos mais prevalentes adotou-se a adaptação de tipo de necessidade especial da International Association of Dentistry for Disabilities and Oral Health (IADH) elaborada por Pereira et al. (2010). As deficiências neurológicas corresponderam a 44,2%, seguidas de distúrbios sistêmicos (23,4%), distúrbios congênitos (17,1%) e distúrbios psicossociais (10,8%) como pode ser observado na tabela 1. Pereira et al (2010) em Canoas-RS e Previtali, Ferreira e Santos (2012) encontraram quadro nosológico semelhante ao descrito. Tabela 1 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/Unigranrio, segundo o tipo de necessidade especial*. Período de 2011 a 2013. Diagnóstico f** % Deficiências neurológicas: deficiência mental, paralisia cerebral, meningoencefalia, microcefalia, aneurisma, epilepsia; 49 44,2 Distúrbios congênitos: fendas palatais e labiais, síndromes 19 17,1 Distúrbios psicossociais: esquizofrenia, bipolar, drogadito, autista, depressão, hiperativo; 12 10,8 Distúrbios sistêmicos: diabete, cardíacos, fenilcetonúria, toxoplasmose, pulmonares, tireoidismo 26 23,4 Condições sistêmicas especiais: gestantes, transplantados, colostomia, oncológicos, aids; 2 1,8 Sem informação 3 2,7 Total 111 100,0 *Tipo de necessidade especial, adaptado da IADH – International Association of Dentistry for Disabilities and Oral Health por Pereira et al. (2010) **Alguns pacientes possuíam mais de um diagnóstico 59 Constata-se que no perfil dos clientes atendidos há um predomínio de deficiências neurológicas, distúrbios congênitos e distúrbios psicossociais correspondendo a 72.1% dos pacientes atendidos similar a outros estudos (MARTA, 2011; PEREIRA, et al., 2010) Nos prontuários consultados verificou-se que uma proporção de 42% de pacientes frequentam escolas, sendo que 56% em escolas especiais e 35% em escolas convencionais, não havendo informação do restante. O acompanhamento médico é observado em 52% dos pacientes, sendo que a principal especialidade informada é a neurologia (82%), dado coerente com o quadro nosológico encontrado. Além disso, 23,2% têm atendimento em psicologia e 21,4% em fonoaudiologia. Vale registrar que, apesar da elevada proporção de encefalopatas crônicos (22%), o acompanhamento fisioterápico, só foi declarado por cinco sujeitos, correspondendo a 8,9% do total, o que pode ser explicado pela baixa oferta desse tipo de profissional na rede pública e privada. (Tabela 2). Tabela 2 Distribuição dos pacientes atendidos na CPE/ Unigranrio, no período de 2011 a 2013, por tipo de acompanhamento profissional Acompanhamento profissional N % Neurologia 36 82 Psicologia 13 23,2 Fonoaudiologia 12 21,4 Cardiologia 6 10,7 Fisioterapia 5 8,9 Psiquiatria 4 7,1 Hidroterapia 1 1,8 Terapia Ocupacional 1 1,8 Infectologia 1 1,8 Endocrinologia 1 1,8 60 Do total de pacientes 52% estão em manutenção do tratamento odontológico, retornando todo semestre. No período de 2011 a 2013, 38 pacientes (36%) finalizaram o tratamento. Encontrou-se uma média de 7 consultas por paciente, nesse período. As principais necessidades de tratamento foram nas áreas de: prevenção (instrução de higiene oral, orientações dietéticas, profilaxia, selamentos e flúor) 44,7%, dentística (51,4%), periodontia (46,6%) e cirurgia (33,3%), resultados similares aos encontradas por Pereira et al (2010). Do total de pacientes atendidos, apenas um foi encaminhado para tratamento em outra unidade, por impossibilidade de atendimento ambulatorial, demostrando alto nível de resolutividade no atendimento pelos alunos sob supervisão docente. 3.4- Sujeitos do estudo O foco do estudo foram alunos de graduação em Odontologia de uma universidade privada do Rio de Janeiro, antes e após cursarem a disciplina de clínica de atendimento a pacientes especiais, por preencherem os requisitos do objetivo do estudo. O estudo teve início em agosto de 2011 e terminou em outubro de 2014. Os sujeitos do presente estudo, num primeiro momento, constituem a amostra de 395 alunos, sendo 232 (59%) dos 1º e 2º períodos e 162 (85,3%) dos 7º e 8º períodos, que estudavam no Campus Caxias da Faculdade de Odontologia da Unigranrio, no período da coleta dos dados, nas referidas turmas do 2º semestre de 2011, 2012 e 2013; em 2014, foram acrescentados alunos do 7º período, diante da constatação do menor número de alunos que chegam ao final do curso, o que poderia prejudicar o estudo. Num segundo momento participaram alunos de vários períodos (1º, 2º, 3º, 6º, 7ºe 8º), num total de 33, para apreender o processo de construção das representações do objeto em estudo. O critério de inclusão utilizado foi o aluno estar presente na hora da aplicação do instrumento e concordar em respondê-lo, após serem informados dos objetivos e implicações do trabalho e assinarem o consentimento livre e esclarecido. Dessa forma pretendeu-se abranger dois momentos na formação desses alunos: antes e após cursarem a disciplina de pacientes com necessidades especiais no 7º período. 61 3.5- Observação participante O trabalho de campo iniciou-se com um processo de observação que permeou toda a pesquisa. A observação tem sido cada vez mais empregada em pesquisas na área da saúde na investigação de diferentes objetos (CAPRARA e LANDIM, 2008). Segundo Vasconcelos (2000), o cotidiano é um espaço definido num determinado tempo, onde se configuram significados e se desenvolvem ações e experiências dos indivíduos e grupos, sendo a observação uma técnica que se materializa na vida cotidiana através dos encontros humanos. O autor enfatiza que não existe observação sem participação, pois o pesquisador se insere no cotidiano das pessoas onde se produzem sentidos que orientam as ações sociais. Nessa perspectiva, é de suma importância a aproximação com a realidade dos sujeitos, o que possibilita observar diferentes comportamentos e a circulação de sentidos que se dão no contexto das relações e condições sociais de sua produção (QUINTANA e MÜLLER, 2006; TURA, 2003). Dessa forma, a observação possibilita a apreensão da realidade concreta, sem algumas mediações que podem enviesar a coleta de dados (PEREIRA JÚNIOR, 2005). A aproximação da pesquisadora com o campo da pesquisa, por ter sido professora da disciplina de pacientes com necessidades especiais na faculdade de Odontologia da Unigranrio durante 15 anos, facilitou a observação do comportamento dos alunos e alunas, suscitando o questionamento inicial que deu origem a esse trabalho, a partir da experiência e aproximação com o universo do estudo. Esse contato constante permitiu uma melhor apreensão dos modos de agir e das formas de comunicação entre os sujeitos, bem como de suas crenças, atitudes e práticas em relação ao paciente especial antes, durante e ao término da disciplina. A partir da observação sistemática nas atividades teóricas e práticas junto aos alunos e alunas, e em outros espaços, foi-se aprimorando o olhar da pesquisadora no sentido de conhecer a maneira de pensar, costumes e hábitos dos alunos e alunas, o que permitiu, segundo Gambôa (2014, p 52), “a construção de instrumentos de coleta de dados adequados ao ambiente sociocultural e à linguagem desses grupos sociais”. 62 A observação sistemática como técnica intenta coordenar, selecionar e interpretar o conjunto de fenômenos observados, a partir de um registro minucioso, numa perspectiva dinâmica de forma a captar as crenças, sentidos, hábitos e normas relevantes para os sujeitos da pesquisa (TURA, 2003). Sendo essa técnica utilizada como uma primeira etapa de coleta de dados, numa perspectiva de triangulação metodológica, a pesquisadora desde o início do estudo nos contatos semanais com os alunos e alunas anotava todas as observações num diário de campo, buscando realizar uma avaliação das condições objetivas e subjetivas dos aspectos relevantes para o foco da pesquisa. Segundo Tura (2003), o diário de campo é fundamental, buscando registrar constatações, verbalizações, gestos e silêncios que são fontes ou sinais de significados. Para isso é necessário sensibilidade, rigor e persistência. Esse diário de campo foi utilizado no decorrer de toda a pesquisa, seja para anotações ou consulta e em todas as etapas subsequentes desde o planejamento até a análise dos dados e conclusões. 3.6- Instrumentos de coleta e análise de dados 3.6.1-Questionários Na abordagem estrutural das representações sociais, busca-se investigar a estrutura e organização de seus conteúdos. Na primeira etapa, identificação dos conteúdos, o uso de questionários tem sido bastante frequente. Devem ser construídos e testados depois de apropriada revisão de literatura e observações do campo que permita contextualizar o objeto de estudo e orientar o pesquisador na coleta de dados que facilitem o acesso à estrutura interna das representações (SÁ, 2002). A fim de apreender os conteúdos das representações sociais desse grupo em relação ao paciente com necessidades especiais, em uma primeira etapa, utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário iniciado com um teste de associação de palavras com o termo indutor “paciente especiais” e indicação das palavras avaliadas como mais importantes, onde solicitou-se aos sujeitos que a partir das 63 palavras evocadas, fizessem uma escolha das duas que avaliassem como as mais importantes, num trabalho cognitivo de hierarquização. Segundo ABRIC (2003), a associação livre permite a atualização dos elementos implícitos ou latentes que seriam perdidos ou mascarados dentro das produções discursivas (p. 377). Na sequência, questões abertas e fechadas objetivavam a identificação sociodemográfica dos sujeitos, nível de informação sobre pacientes especiais e questões visando explorar normas, valores, crenças, fontes de informação e práticas dos sujeitos em relação ao objeto em estudo. A elaboração do questionário foi realizada a partir dos dados da fase de observação, da revisão de literatura e testado através de um estudo piloto realizado com alunos dos primeiros e últimos períodos do 1º semestre de 2011, antes do início da pesquisa. Colaborando no estudo contou-se com a ajuda de três alunas que participaram de projetos de iniciação científica respectivamente no 2º semestre de 2011 a 1º semestre de 2012, 2º semestre de 2012 a 1º semestre de 2013 e 2º semestre de 2013 a 2º semestre de 2014, no trabalho de campo e organização dos dados. As duas primeiras já haviam passado pela disciplina, a última não. Todo material obtido, foi transcrito e digitalizado pela pesquisadora com auxílio de alunas de iniciação científica e tabulados com a ajuda do programa Excel® 2007. Inicialmente, analisando-se as evocações, partiu-se para o preparo do corpus efetuandose uma leitura flutuante, e em seguida uma organização do mesmo em categorias produzidas através de padrões pré-estabelecidos, da unificação das palavras em gênero, número e sinônimos. Para a análise dos dados foi usada a aplicação do duplo critério de prototipicidadefrequência e ordem de evocação (VERGÈS,1992). Essa técnica combina a análise da frequência de emissão de palavras, e ou expressões com a ordem em que estas são evocadas. A distribuição desses dois parâmetros num gráfico de dispersão, permite que se distribua os elementos em quadrantes, produzidos a partir da interseção da média de frequência de evocação com a média das respectivas ordens médias de evocação, o que possibilita – através da associação da dimensão coletiva (frequência) e individual (ordem 64 média de evocação) – o levantamento dos elementos que mais provavelmente pertencem ao núcleo central e periférico da representação estudada (TURA et al., 2011). Na análise das palavras indicadas como mais importantes foi efetuada a comparação das frequências da evocação da palavra e de sua escolha como principal. Quando a queda entre a primeira e a segunda escolha é menor do que 50%, permite-se levantar a hipótese de que a palavra, de fato, pertença ao núcleo central (CAMPOS, 2003). Nessa fase contou-se com o auxílio do programa EVOC® 2000 (VERGÈS, SCANO e JUNIQUE, 2000), que assegura a detecção dos elementos do núcleo central como àqueles mais frequentes e mais prontamente evocados pelos sujeitos. Em seguida, voltou-se ao campo para aplicação de um teste de dupla negação, para se testar a centralidade dos elementos identificados como possíveis componentes da representação (CAMPOS, 2003; SÁ, 2002). Existem diversas técnicas para o controle da centralidade, que foram desenvolvidas a fim de confirmar os elementos centrais e validar a análise estrutural, baseadas no princípio geral do questionamento da imprescindibilidade de um dado elemento para a representação. A técnica mais conhecida no Brasil difundida pelos estudos de precursores de Sá (2002), o teste da dupla negação (“mise-em-cause”). A técnica da dupla negação consiste em perguntar aos sujeitos se na ausência de determinado elemento o objeto de representação ainda mantém sua identidade. Para tanto, pergunta-se, por exemplo, posso pensar em “pacientes especiais” sem pensar em ‘nome do elemento” e as respostas possíveis são: sim, posso; não, não posso; não sei dizer. Se mais de 70% dos sujeitos optarem por “não, não posso”, dupla negação, significa que ele é qualitativamente central para essa população (CAMPOS, 2003; SÁ, 1996). Segundo ABRIC (2003), essas três etapas são essenciais e incontornáveis, garantindo o valor dos resultados e análise. Uma vez identificados os elementos constituintes da estrutura representacional, é preciso que se analise como estão organizados, isto é, quais as conexões que existem, 65 expondo o valor simbólico desses elementos, na medida em que se explicitam as relações significativas entre os conjuntos formados por eles. Essa tarefa foi realizada através da análise de similitude, empregando-se o programa Dressing® (VERGÈS et JUNIQUE, 1999), onde se desenha uma matriz de similitude, para todos os itens do corpus, chamada de árvore máxima, tendo como referências o número de coocorrências, as ligações específicas entre elementos e o número de sujeitos, visando conhecer os elos, relações e hierarquia entre os diversos elementos da representação (PEREIRA, 2005). Diversas ligações se estabelecem entre os elementos da representação formando esquemas que são a base do processamento da informação. Identificados pela teoria dos grafos, podem aparecer como gráficos estelares com o elemento central ligado a pelo menos cinco outros elementos, sendo um forte indício de centralidade desse elemento, como triângulos, processados conscientemente apontando para diferentes aspectos imbricados nas cognições dos sujeitos ou com mais de três elementos na forma de círculos, processados inconscientemente, podendo indicar a importância de fatores psicossociológicos que influenciam a representação do objeto (PEREIRA, 2005). Em seguida na direção de um alcance maior de dados na contextualização do objeto, as perguntas fechadas foram tratadas por análise de proporções e as abertas pela análise temática de conteúdo (BARDIN, 2003). A autora propõe três fases nesse processo analítico: pré-análise, o tratamento dos dados, inferência e síntese dos resultados. Na pré-análise ou análise inicial, fazemos uma leitura flutuante (mecanismo exploratório) de todo o material e estabelecemos princípios de organização do mesmo, a fim de constituir-se um corpus de análise, através de uma preparação cuidadosa de designação, reunião e preparo dos dados que serão submetidos a análise. Nesse momento formulamos hipóteses, os objetivos a serem alcançados e as técnicas que serão utilizadas, destacando-se a análise categorial e análise de enunciação. Na análise categorial foi efetuada a classificação dos dados segundo diferentes critérios e objetivos. O nível de categorização pode ser semântico procurando-se as unidades de significação de base ou temas por trás das palavras (análise temática). 66 Utilizamos para isso três parâmetros principais: a frequência das ocorrências, a observação de co-ocorrências e a ordem de aparição das ocorrências nas verbalizações dos sujeitos, produzindo-se algumas variáveis a serem inferidas (BARDIN, 1979). Posteriormente, a partir da análise dos questionários respondidos, foi elaborado um roteiro para entrevista em profundidade. 3.6.2- Entrevistas Silva e Ferreira (2012) assinalam que, sendo a conversação elemento central do universo consensual, as entrevistas constituem-se de grande importância como uma técnica de coleta de dados para a pesquisa sobre RS. Ressaltam alguns elementos essenciais ao roteiro da entrevista, visando a produção de dados que produzam informações que atendam aos objetivos propostos. Em primeiro lugar deve-se nortear a elaboração do roteiro em fundamentos teóricos relevantes tendo sempre em mente que as RS são estruturas cognitivo-afetivas e, portanto, deve-se buscar os elementos e relações que a constituem. Para isso os autores propõem um roteiro baseado nas três perguntas essenciais propostas por Denise Jodelet (2001): quem sabe, e a partir de onde sabe? O que e como sabe? Sobre o que sabe, e com que efeitos? Desse modo, esperase chegar às três dimensões do espaço de estudo das representações sociais: as condições de produção e circulação das representações (a marca social das representações); os processos e estados das representações sociais (imagens, ideias e valores presentes no discurso sobre o objeto) e, por fim, o estatuto epistemológico das representações sociais, (a relação da representação com o real envolvendo aspectos normativos, valores de quem representa, e o imaginário do sujeito). Nesse sentido, Bauer e Gaskell (2002) propõem alguns critérios específicos que devem ser respondidos por uma entrevista, visando acessar a memória episódica (ligada a circunstâncias concretas como tempo, espaço, pessoas, acontecimentos e situações) e semântica (mais abstrata e descontextualizada) que compõe o conhecimento. Os autores sugerem a combinação de convites para narrar acontecimentos concretos relevantes para o tema com perguntas mais gerais de relevância pontual, menção a situações concretas em que se pressupõe que os entrevistados possuam determinadas experiências e abertura para permitir que o sujeito selecione o que ele quer relatar e de 67 que forma (narrativa, descrição) tendo como referência a relevância subjetiva da situação para o entrevistado. Em relação à linguagem a ser utilizada na elaboração das perguntas, Silva e Ferreira (2012) destacam, que existe uma corrente que defende que a linguagem deve se aproximar da linguagem mais espontânea possível utilizada pelos sujeitos, e outra que acha que a linguagem deve ir além da espontaneidade buscando aspectos não verbalizáveis pelos sujeitos, que podem constituir-se no principal conteúdo da representação, revelando a chamada zona muda, que são cognições ou crenças que não são expressas pelo sujeito em condições normais de produção, porque podem entrar em conflito com valores morais ou normas do grupo. Nesse sentido o uso de técnicas de substituição (responder no lugar do outro) ou descontextualização normativa (condição na qual o entrevistado pensa estar respondendo a um pesquisador que não pertence ao seu grupo de referência em relação ao objeto) são utilizadas para buscar identificar a existência ou não da zona muda da representação. Assinalam ainda que se deve evitar questões de definições, dando lugar a questões que busquem julgamento de valores visto que sendo as RS guias para a ação, não se pode separar o aspecto cognitivo do afetivo. Em síntese os autores resumem que o roteiro da entrevista deve partir da concretude do fenômeno abordando aspectos do cotidiano prático dos sujeitos no intuito de captar os elementos que compõem e estruturam a representação, deve também abordar os elementos que integram o campo da representação, ou seja, as informações, imagens, opiniões, atitudes, e questões que visem compreender o grupo no sujeito e o sujeito no grupo e salientam a importância de se coletar os dados sociodemográficos tentando acessar as condições de produção da representação social ou seja qual a origem do sujeito, de onde vem, de onde fala e o que orienta seu o pensamento e sua ação. Buscando contemplar todas essas orientações descritas anteriormente conforme proposto por Bauer e Gaskell (2002), e levando-se em consideração dados dos questionários já respondidos, elaborou-se um roteiro inicial e foram realizadas duas entrevistas piloto, a partir das quais se buscou um ajuste que a adequasse aos objetivos e referencial teórico propostos. Após essas duas entrevistas iniciais chegou-se a um roteiro final da entrevista (anexo 4). 68 As entrevistas foram então realizadas com alunos que não haviam ainda cursado a disciplina (1º, 2º, 3º e 6º períodos) e àqueles que já haviam cursado e que estavam cursando (7º e 8º períodos). Para isso, com a ajuda da aluna de iniciação científica foram feitos contatos com alguns alunos convidando-os a participar da pesquisa. Com os alunos dos primeiros períodos (1º, 2º e 3º) devido a maior dificuldade de contato foi marcado data e hora. Com os alunos do 6º, 7º e 8º períodos as entrevistas foram feitas em um dia de clínica com a ajuda da equipe de professores que ia liberando cada aluno para a entrevista durante o período do atendimento. Ao término da coleta de dados iniciou-se o processo de transcrição e digitalização das entrevistas, para em seguida proceder-se a análise textual. Nesse processo contou-se com auxílio do software IRAMUTEQ®, desenvolvido por Pierre Ratinaud, que se ancora no software R (www.r-project.org) e na linguagem Python (www.python.org). Esse software permite fazer análises estatísticas sobre corpus textuais e sobre tabelas (LAHLOU, 2012; CAMARGO e JUSTO, 2013). Oferece ao pesquisador possibilidades diversas de análises de dados textuais, indo da lexicografia básica como cálculo de frequência de palavras até análises multivariadas, como classificação hierárquica descendente(CHD) e análise pós-fatorial (CAMARGO e JUSTO, 2013). Esse tipo de análise feita a partir de diferentes métodos permite a partir da “garimpagem” dos significados do texto, explorar-se vários aspectos da cultura e da mente humana que se manifestam no decorrer das falas, e tem sido bastante utilizada no campo de estudos em representações sociais e em diferentes áreas das ciências sociais e humanas. No campo das ciências da computação é conhecida pela expressão “text mining methods” (TMMs), em português, “métodos de mineração de textos” (MMTs) (CHARTIER E MEUNIER, 2011, p.3). O modelo linguístico por trás dos MMTs baseia-se na hipótese de que as relações linguísticas que se estabelecem num determinado corpus são de co-ocorrência e de proximidade/equivalência no espaço vetorial (CHARTIER e MEUNIER, 2011). De acordo com Lahlou (2012), os MMTs objetivam identificar no discurso classes de enunciados parecidos, caracterizadas por traços lexicais típicos que podem ser 69 considerados como expressões de uma essência comum, o que mais tarde ele chamou de blocos de construção das RS. Idealmente, segundo o autor, cada classe é constituída de enunciados classificados por analogia e contraste, de acordo com o seu conteúdo lexical, seguindo uma coerência interna que a diferencia claramente das outras classes. Na área de estudos em representações sociais, o software ALCESTE® (Análise contextual lexical de um conjunto de segmentos de texto), projetado por Max Reinert, tem sido considerado o software de implementação desses métodos de mineração de textos referidos acima, com sua primeira utilização na década de 1990, pelo pesquisador Saadi Lahlou em sua tese de doutorado no ano de 1995. Vale salientar, que o software não é o método em si, mas uma forma particular de implementar o método, sendo este independente daquele (CHARTIER e MEUNIER, 2011). Nesse sentido é de vital importância o enquadramento teórico subjacente da técnica (LAHLOU, 2012; p.4) e a consciência do pesquisador para as necessárias idas e vindas entre as hipóteses interpretativas e os resultados obtidos através dos programas. O software IRAMUTEQ®, que foi utilizado neste trabalho, foi desenvolvido, usando os mesmos algoritmos como o ALCESTE®, em uma fonte aberta de versão gratuita, incorporando recursos interessantes que não foram incluídos no ALCESTE® (LAHLOU, 2012; p.4). Segundo Camargo e Justo (2013), o programa trabalha numa sequência de etapas. Primeiro reconhece as unidades de contexto inicial (UCIs) que são as unidades que formarão o corpus que é monotemático (entrevistas, questões abertas) e faz a primeira segmentação do texto em formas reduzidas agrupando palavras em função de suas raízes (formas reduzidas), fazendo o cálculo dessas formas reduzidas (dicionário de formas reduzidas) e identificando formas ativas e suplementares. Em seguida obtêmse segmentos de texto (ST) de acordo com as semelhanças do vocabulário, e o conjunto de segmentos de texto é repartido em função da frequência das formas reduzidas utilizando como parâmetro o teste qui quadrado (X2). Quanto maior o X2 mais significativa a sua relação na classe e mais improvável a sua presença em outra classe da partição, que é a chamada classificação hierárquica descendente (CHD). Quando as classes obtidas alcançam a estabilidade, ou seja, são compostas de segmentos de texto com 70 vocabulário semelhante e diferente dos segmentos de texto das outras classes a classificação hierárquica descendente está pronta. O programa apresenta então o dendograma que ilustra as relações entre as classes e em seguida a análise fatorial de correspondência da classificação hierárquica descendente, mostrando as relações entre as classes principalmente relacionando o vocabulário (léxico) e as variáveis. Nessa fase o programa fornece os segmentos de texto mais característicos de cada classe e o estudo das relações dos elementos (formas) intra classe, além de segmentos repetidos por classe. O programa apresenta também a análise de similitude que é baseada na teoria dos grafos e que através do número de co-ocorrências e grau de conexidade entre as palavras auxilia na identificação da estrutura da representação. Por fim cria a nuvem de palavras, uma análise lexical mais simples, porém visualmente interessante, onde as palavras são agrupadas e organizadas graficamente em função da sua frequência. Os resultados mais importantes para a análise são o dendograma da classificação hierárquica descendente (CHD), a descrição das classes (cada classe é composta por segmentos de texto com vocabulário semelhante) e a descrição dos segmentos de texto mais característicos de cada classe. Na abordagem teórica das Representações sociais as classes podem indicar RS ou campos de imagens sobre um dado objeto ou somente aspectos de uma mesma RS (VELOZ, NASCIMENTO-SCHULZE E CAMARGO, 2000). Após a obtenção de todos esses dados pelo programa, o próximo passo é a nomeação das classes. Nessa direção, procurou-se selecionar as formas de cada classe a partir de dois critérios: o valor simbólico para o contexto semântico da classe e a força de associação da forma com a classe, expressa pelo valor do X2, utilizando-se para isso o critério proposto por Camargo (2005) considerando-se valores superiores a duas vezes o mínimo estabelecido –3,84– em conjunto com a decisão da pesquisadora de considerar as formas com frequência maior que a média de frequência das formas da classe, visando diminuir a chance de erro nessa associação. Para Chartier e Meunier (2011),10 palavras salientes ou um pouco mais, por classe, são suficientes para caracterizar o seu conteúdo semântico. Dessa maneira identificou-se as formas mais salientes em relação às outras e passou-se então ao exame 71 contextualizado das formas, buscando-se os segmentos de texto onde elas apareciam, com muitas idas e vindas a todo o material discursivo, selecionando em seguida as que melhor articulassem o sentido de cada classe. Após essa fase, conforme proposto pelos mesmos autores, procurou-se costurar as formas numa gramática que nos auxiliasse na nomeação da classe procurando abranger a sua complexidade, verificando se os termos estatisticamente salientes tinham de fato, consistência semântica, correspondendo ao sentido global da referida classe, tarefa essa sempre incompleta, segundo Gambôa (2014). Esse processo de categorização das classes expressa o sentido das palavras salientes num exercício de interpretação do pesquisador. Nesse trabalho de buscar um sentido e uma lógica na constituição das classes, o recurso da triangulação apresentou-se como ferramenta operacional importante através de idas e vindas ao material, resgatando os dados da abordagem estrutural, observação e da análise das perguntas do questionário clareando, complementando e justificando a análise. O dinamismo e a complexidade dos objetos sociais necessitam de inovação das técnicas tradicionais de pesquisa, para uma forma mais efetiva de apreensão da realidade numa sociedade cada vez mais complexa, não esquecendo, como assinala Santos (2009), da relevância de estabelecer uma adequada vinculação das técnicas de pesquisa com os pressupostos conceituais que as determinam (p.153). Assim, a partir da utilização de múltiplas técnicas de coleta e análise de dados articuladas, inicialmente numa abordagem estrutural, objetivando explicar a lógica da estrutura encontrada, seguida de uma abordagem processual buscando os princípios organizadores da representação, procurou-se uma aproximação dos conteúdos psicossociais das crenças, opiniões, práticas e dos sentidos compartilhados pelos sujeitos procurando articulá-los ao seu cotidiano, numa rede de significados, construída e difundida através da comunicação que guia e orienta a ação dos sujeitos (ARRUDA, 2014; JODELET, 2001; MOSCOVICI, 2012). 72 3.7-Considerações éticas O estudo teve início em agosto de 2011, com a aprovação do Comitê de ética da Universidade do Grande Rio, protocolado sob o nº 0107.0.317.000-11, (anexo 3), após ter atendido a todas as exigências de acordo com a legislação vigente, e terminou em outubro de 2014 incluídos aí, o início das observações, aplicação dos questionários piloto até a realização da última entrevista em profundidade. Em relação aos aspectos referentes a questões da ética em pesquisa este trabalho procurou contemplar as premissas da resolução 466/2012 no que tange à busca de consentimento dos sujeitos envolvidos, sendo esclarecido que sua participação não implicaria nenhuma maleficência, procedimento invasivo, nem explicitação de suas identidades ou avaliação de acerto e erro das opiniões e respostas dadas (BRASIL, 2013). Antes de se iniciar as entrevistas pela pesquisadora era dada uma explicação dos objetivos do trabalho e da metodologia utilizada, e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos alunos (TCLE) (Anexo 5). Todo o material reunido, proveniente dos questionários e entrevistas está arquivado sob a responsabilidade da pesquisadora. De acordo com os princípios éticos, os resultados dessa investigação serão difundidos através de seminários, congressos e artigos tendo como perspectiva contribuir na formação em odontologia e no processo de inclusão social de pessoas com deficiência. 73 Capítulo 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados oriundos da pesquisa foram organizados em duas etapas. Inicialmente será apresentada a análise dos resultados dos questionários segundo a abordagem estrutural com auxílio dos programas Evoc 2000® e SIMI®, de todos os alunos da amostra do 1º e 2º períodos e dos alunos de 7º e 8º períodos. Em seguida buscando comparar os resultados dos alunos do 1º e 2º períodos com os do 7º e 8º, ou seja, os mesmos sujeitos no início e fim do curso, serão apresentados os resultados dos alunos do 1º e 2º períodos de 2011/2º semestre e os do 7º de 2014 /2º semestre. Nessa etapa buscou-se conhecer os elementos centrais e periféricos que constituem a estrutura da representação e sua organização, visando compreender sua dinâmica e sua influência no comportamento dos sujeitos. Posteriormente, apresentar-se-á a análise do corpus das entrevistas, segundo a abordagem processual, com base na classificação hierárquica descendente (CHD) realizada pelo programa IRAMUTEQ®, quando então será feita a articulação dos resultados com os obtidos através da observação sistemática e do questionário, contemplando dessa forma a triangulação da coleta e análise dos dados como proposto na metodologia desse estudo. Dessa forma, procurou-se uma aproximação dos conteúdos psicossociais das crenças, valores, opiniões, práticas, e dos sentidos compartilhados pelos sujeitos procurando compreender a rede de significados, e os princípios organizadores que guiam e orientam a ação dos sujeitos 4.1- Abordagem estrutural 4.1.1- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para o total dos alunos do 1º e 2º períodos Do universo de 393 alunos (anos de 2011, 2012 e 2013) do 1º e 2º períodos, 232 (59%) responderam ao questionário. Em 2011 do total de 138 alunos responderam 67 (48,5%), em 2012 do total de 131 responderam 89 (67,9%) e em 2013 do total de 124, responderam 76 (61,3%). Nesse conjunto, 61% (n=142) eram do sexo feminino, 32% 74 (n=73) do sexo masculino e 7% (n=13) não informado. Em relação à faixa etária 190 alunos (81,8%) estão distribuídos igualmente nas faixas etárias de 17 a 19 anos (40,8%) e de 20 a 25 anos (40,8%) sendo a média de idade de 21 anos (DP=4,7) com mediana de 20 anos. Em uma primeira aproximação com o corpus produzido pelo TEP, verificou-se que foram produzidas 919 evocações com 160 palavras diferentes, correspondendo à média de 3,96 evocações por sujeito. Para identificar o conteúdo das representações sociais construídas sobre pacientes especiais por este grupo, o material foi analisado segundo as dimensões individual e coletiva, como proposto por Vergès (1992). Verificou-se, para isso, as frequências (f) – dimensão coletiva – e as ordens médias de evocação (OME) – dimensão individual -, permitindo que estes parâmetros fossem distribuídos em um gráfico de dispersão onde o cruzamento das respectivas linhas de média de frequência e de evocação – Fm e OME-- o dividirá em quadrantes (TURA et al., 2011). Esta tarefa foi auxiliada com o uso do Evoc 2000® (VERGES; SCANO; JUNIQUE, 2000)e foi considerado para análise 74,6% do total do material evocado, encontrando-se Fm igual a 30 e a OME igual a 2,5. A análise realizada permitiu identificar os elementos atenção, cuidado, dificuldade, doença e paciência com atributos de componentes do núcleo central, e aids, dor, trabalhosos e triste no sistema periférico. O sistema intermediário era composto por cadeirante, criança, deficiente, déficit mental, diferente, down, necessidade e síndrome localizados no quadrante inferior esquerdo (zona de contraste) e carinho, dedicação e respeito no quadrante superior direito (Quadro 1). Segundo a abordagem estrutural, os elementos centrais dão sentido e organizam a representação sendo determinados de um lado pela natureza do objeto representado e do outro pela relação que o sujeito ou grupo mantém com esse objeto (ABRIC, 1994). São ligados à memória coletiva e à história do grupo, unificando e estabilizando a representação. 75 Estratégias metodológicas têm sido desenvolvidas geralmente articuladas em três etapas visando a confirmação da centralidade dos elementos: recolhimento do conteúdo da representação, identificação do núcleo central e, finalmente, a organização dos conteúdos dessa representação e o respectivo controle da centralidade (ABRIC, 2003; SÁ, 2002). Quadro 1 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação dos alunos de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013 Fm >=30 <30 OME < 2,5 Elementos f Atenção 38 Cuidado 160 Dificuldade 50 Doença 41 Paciência 70 Cadeirante 14 Criança 9 Deficiente 24 Déficit-mental 8 Diferente 11 Down 15 Necessidade 10 Síndrome 11 Ome 2,342 2,056 2,380 2,098 2,429 1,857 2.000 1,750 1,500 2,455 2,133 2,400 2,091 OME >= 2,5 Elementos f Carinho Dedicação Respeito Aids Dor Trabalhosos Triste 108 31 40 8 10 20 10 Ome 2,778 2,613 3,100 2,875 2,800 2,500 3,400 Nessa perspectiva, uma vez identificados os conteúdos constituintes de uma representação, foram analisadas as frequências das palavras indicadas como mais importantes. Nesta fase, os sujeitos desempenharam uma tarefa de hierarquização do material evocado espontaneamente. Quando se compara a frequência das palavras evocadas com a de sua indicação como mais importante, Campos (2003) assinala que diante da constatação de valores iguais ou maiores do que 50% nessa diferença, isto é, toda vez que a frequência das indicações de palavras mais importantes superarem a de evocação, esse resultado de constitui em um indício de centralidade. Os elementos cuidado, dificuldade e paciência tiveram um percentual de queda menor que 50%, uma característica de centralidade (Quadro2). 76 Quadro 2 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes Elementos F evocação + import % queda Atenção 38 17 55,3 Cuidado 160 87 45,6 Dificuldade 50 28 44,0 Doença 38 14 56,3 Paciência 60 36 40,0 Na próxima etapa, aplicou-se um teste de dupla negação visando a confirmação do valor simbólico dos elementos centrais, onde pergunta-se, aos sujeitos se podem pensar no objeto sem a presença determinada cognição. Se uma proporção igual ou maior do que 75%, com um intervalo de confiança de 95%, responder o item “não, não é possível”,confirma-se o valor simbólico do respectivo elemento, obtendo-se mais um indício da centralidade para ele. O teste foi aplicado a 60 alunos e foi confirmada a centralidade de atenção, dificuldade e doença (Quadro 3). Quadro 3 Resultado do teste de dupla negação Elemento F % Atenção 45 75,0 Cuidado 37 61,6 Dificuldade 52 86,6 Doença 49 81,6 Paciência 30 50 A abordagem estrutural permite diminuir consideravelmente as incertezas a respeito das fronteiras entre elementos constituintes e não constituintes das RS, mas segundo Doise (1992) limitar o estudo aos conteúdos da representação, composição 77 prototípica no falar de Vergès (1992) poderia conferir-lhes uma autonomia a favor de uma abordagem descritiva, em detrimento de uma abordagem explicativa. Qualquer estudo no referencial da teoria das representações sociais deve se propor a descrever as realidades objetivas considerando as suas raízes na dinâmica relacional. Buscando essa orientação, no intuito de compreender a rede de sentidos construída pelos sujeitos através da organização dos diversos elementos estruturais, foi realizado um estudo para verificar as relações estabelecidas por eles, acessando-se os conjuntos que modelam os sentidos do objeto (ABRIC, 2003; SÁ, 1996; TURA et al., 2008). Nessa perspectiva, realizou-se a análise de similitude dos resultados prévios das evocações, a partir do cálculo dos índices de similitude entre os elementos mais evocados (PECORA e SÁ, 2008) permitindo visualizar a conexidade existente entre esses elementos. Para essa tarefa contou-se com a ajuda do programa SIMI® (VERGÉS; JUNIQUE, 1999). Dessa forma, foi possível constatar através da leitura cognitiva da árvore máxima, a alta conectividade do elemento cuidado, conectado a dez elementos e doença conectado a cinco, constituindo formações estrelares que pela teoria dos grafos indica um alto poder simbólico desses elementos, confirmando a hipótese de centralidade (PEREIRA, 2005). Observa-se, entretanto, uma diferença no poder de conexidade exibido por doença e cuidado, sugerindo, provavelmente, um processo de transformação na construção de sentidos para esse grupo em relação a pacientes especiais, sinais que já se apresentavam nos resultados dos quadros 3 e 4. Fenômeno parecido verifica-se com o elemento dificuldade, que apesar de evocada por um número expressivo de sujeitos, mostrou um pequeno poder de conexidade ligando-se somente a 4 elementos – dor, déficit mental, trabalhosos e tristes -, não tendo confirmado seu valor simbólico, uma característica dos elementos centrais (Figura 1). Pode-se levantar a hipótese de uma representação em processo, uma vez que se tem constatado uma presença maior do tema na mídia, ao mesmo tempo em que o movimento social em torno do objeto encontra-se mais organizado do ponto de vista político, conseguindo estabelecer um maior diálogo com a sociedade. Nesse diálogo tem sido presente entre outros, a dificuldade que as pessoas com deficiências enfrentam no 78 atendimento de suas demandas e necessidades. Essas dificuldades estão presentes, por exemplo, em instituições públicas e privadas onde nem sempre estão garantidas as condições de acessibilidade, um direito garantido em lei. Figura 1 Árvore máxima de similitude dos alunos de 1º e 2º períodos 2011/2012 e 2013 A formação estrelar organizada em torno de doença que estabelece conexidade com down, déficit mental, dor, triste e aids, e este elemento que por sua vez se liga a cadeirante, apontam para uma visão estereotipada baseada em crenças historicamente construídas a respeito das pessoas com necessidades especiais como pessoas com déficit mental e tristes, ancorando-se em exemplos de “anomalias” conhecidas como: síndrome de down, deficientes mentais, AIDS e cadeirantes elementos encontrados no sistema periférico e periferia próxima. A formação triangular existente entre doença, déficit mental e triste corrobora esta afirmação. Algumas justificativas da escolha das palavras aids e down como mais importantes ou, quando conceituam pacientes especiais ilustram esse raciocínio e corrobora a análise de que doença seja um princípio organizador na construção de sentidos dos alunos em relação ao paciente especial. - “São as principais doenças” (sex m, 18 anos, 1º per /2011); - “Pessoas com um tipo de doença crônica, mas não deixa de ser um ser humano” (sex f, 21anos, 2º per/2012). 79 - “que são doentes”. (sex m, 18anos, 1º per/2011). Pereira (2005) assinala que a base do processamento da informação na mente humana se faz através de esquemas que se interconectam, constituindo uma rede de significações que variam nas suas dimensões podendo ser de largo espectro ou específicos para uma dada situação. Nos esquemas maiores a tendência é dividi-lo em subconjuntos, que podem ser de três elementos sob a forma de triângulos processados conscientemente e quatro ou mais elementos sob a forma de círculos, processados inconscientemente. Dessa forma, as estrelas formadas em torno de doença e cuidado articulam-se através do elemento trabalhosos, corroborando a estruturação do pensamento dos alunos de que o cuidado prestado a essas pessoas, vistas como doentes, é muito trabalhoso. Tal construção pode refletir-se em atitudes e práticas negativas em relação ao atendimento aos pacientes especiais, como corroboram as falas abaixo: - “Deve ser muito difícil cuidar dessas pessoas”. (sex m, 20 anos, 2ºper/2011) - “Deve ser difícil cuidar de um doente”. (sex m, 19 anos, 2º per/2011) Observa-se, ainda, outro triângulo formado pelos elementos doença, triste e dificuldade, que por sua vez se conecta a trabalhosos, corroborando a interpretação de serem trabalhosos, pois geram dificuldades no atendimento e, por isso, tristes como enfatizado na fala de um aluno: - “Porque são pessoas que tem alguma doença e por isso devem ser tristes” (sex m, 18 anos, 1º per/ 2011). Em torno de cuidado observa-se uma estrela composta por dez elementos: criança, atenção, deficiente, síndrome, diferente, respeito, paciência, carinho, dedicação e trabalhosos. Tal formação, explicitada pelo poder organizador exibido por cuidado, decorre de seu alto valor simbólico (BOURICHE, 2003). Destaca-se um subconjunto de forma triangular com cuidado, dedicação e carinho mediando sentidos que podem ser úteis para o desenvolvimento de uma estratégia para o desenvolvimento de atitudes e práticas em relação aos cuidados prestados aos pacientes especiais, diante de conflitos 80 vividos pelos sujeitos em relação à possibilidade real de atendimento aos pacientes especiais como profissionais. Carinho, dedicação e respeito aparecem na periferia próxima, no quadrante superior direito no gráfico de dispersão das evocações, onde estão as palavras lembradas tardiamente por apresentarem frequência e ordem média de evocação acima da média e, por isso, explicitam uma dimensão coletiva da periferia próxima (GAMBÔA, 2014), ou sistema intermediário como denominado por Flament (1994), que assinala ser uma estrutura mais difícil de interpretação. Nessa direção, uma pista que pode auxiliar na busca de interpretação, é a existência do triângulo formado por carinho, dedicação e cuidado (Figura 1) mediando sentidos que podem subsidiar estratégias para o desenvolvimento de atitudes e práticas em relação a esses pacientes. No sistema periférico, local de ancoragens, encontram-se os elementos: aids, dor, tristes e trabalhosos, corroborando a idéia de sentidos fortemente ligados a dor e tristeza quando pensam no paciente especial, ancorados na AIDS, que é o ponto de referência para que o conhecimento novo seja incorporado e “amoldado” em antigos esquemas de explicação da realidade (LOUREIRO, 2003). Esse raciocínio encontra eco no subsistema circular encontrado na análise de similitude com os elementos doença, dor, déficit mental e dificuldade, apontando para uma associação inconsciente sob a influência de sentidos socialmente construídos desses indivíduos como deficientes mentais, outro estereótipo, justificando dor e dificuldades no atendimento o que pode levar a resistências na abordagem clínica desses pacientes, por esse grupo, como na fala abaixo: - “Sim. Porque não sei conviver com eles, tenho medo de suas reações”. (sex f, 18 anos, 2º per/2013) 4.1.2- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para o total dos alunos do 7º e 8º períodos Do universo de 190 alunos do 7º e 8º períodos (anos de 2011, 2012, 2013 e 2014), 162 (85,2%) responderam ao questionário. Em 2011, do total de 40 alunos responderam 40 (100%), em 2012 do total de 28 responderam 23 (82,1%), em 2013 do total de 31, responderam 25 (80,6%), e em 2014 do total de 91 responderam 74 (81,3%). Nesse 81 conjunto, 68% (n=110) eram do sexo feminino, 29% (n=47) do sexo masculino e 3% (n=5) não informado, sendo a média de idade de 23,8 anos (DP=1,4) e mediana de 22 anos. No tratamento do corpus produzido pelo TEP (Teste de evocação de palavras) analisou-se 69,7% do total do material evocado, considerando-se palavras com frequência mínima igual ou acima de 5. Verificaram-se 656 evocações com 168 palavras diferentes, com média de 3,98 evocações por sujeito. A análise, realizada com auxílio do Evoc 2000 ®, permitiu encontrar a frequência média de evocações (Fm) igual a 13 e a média de ordem média (OME) igual a 2,0. Partindo-se desses parâmetros, verificou-se que os elementos carinho, cuidado e especiais provavelmente têm atributos de componentes do núcleo central, e que ajuda, alegres, alegria, alterações, atendimento, conhecimento, dependentes, dificuldade, família, medo, necessidade, proteção, respeito, responsabilidade e superação do sistema periférico. A periferia intermediária é composta por: doença, difícil, amor, carinhosos, diferente, síndrome de down, solidariedade, desafio e pena situados no quadrante inferior esquerdo, e dedicação, paciência e atenção localizados no quadrante superior direito (Quadro 4). Em seguida, visando testar a centralidade dos elementos carinho, cuidado e especiais buscou-se comparar a frequência de evocação desses elementos e sua indicação como mais importantes, verificando-se que a porcentagem de queda foi menor do que 50% para carinho e cuidado, obtendo-se dessa forma uma indicação de que sejam elementos com características de centralidade (Quadro 5). 82 Quadro 4 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 7º e 8º períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014 Fm >=14 OME < 2,5 Elementos f Carinho 79 Cuidado 71 Especiais 26 <14 Doença 12 Difícil 11 Amor 10 Carinhosos 10 Diferente 9 Sind. de Down 9 Solidariedade 8 Desafio 6 Pena 5 ome 2,241 2,197 2,346 2,417 1,947 2,000 2,100 2,444 2,222 2,000 1,500 2,400 OME >= 2,5 Elementos f Dedicação 19 Paciência 23 Atenção 23 Ajuda 5 Alegres 6 Alegria 9 Alterações 5 Atendimento 7 Conhecimento 6 Dependentes 5 Dificuldade 9 Família 5 Medo, 5 Necessidade 12 Proteção 5 Respeito 10 Responsabilidade 6 Superação 5 ome 2,526 2,783 3,043 2,600 3,000 3,222 2,600 3,000 3,667 3,800 2,000 4,000 2,600 2,000 2,800 3,000 3,667 3,000 Quadro 5 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes Elementos F evocação + importante % queda Carinho 79 41 48,1 Cuidado 71 37 47,9 Especiais 26 10 67,5 Para se confirmar o valor simbólico dos elementos com hipótese de centralidade, foi efetuado um teste de dupla negação e, apenas, carinho e cuidado foram confirmados, por 84% e 96% dos sujeitos, respectivamente (Quadro 6). 83 Quadro 6 Resultado do teste de dupla negação 7º e 8º períodos Elemento f % Carinho 42 84 Cuidado 48 96 Especiais 26 52 Dando sequência à tarefa de analisar o material, com o objetivo de melhor conhecer a conexidade dos elementos que participam da composição prototípica do núcleo central das representações sociais de pacientes especiais construídas pelos sujeitos, procurou-se realizar a análise de similitude das cognições apontadas no teste de evocação, que permite explorar-se a relação existente entre o número de coocorrências e o número de sujeitos envolvidos, evidenciando-se desse modo o poder simbólico dos elementos (BOURICHE, 2003; SÁ, 1996). Na leitura da árvore máxima produzida, constata-se o alto poder associativo ou de organização dos elementos carinho e cuidado, confirmando o valor simbólico desses elementos (Figura 2). Aqui vale lembrar que na abordagem estrutural o sistema central tem, entre outras, duas funções que devem ser consideradas: uma geradora pela qual se estrutura, cria-se ou se transforma uma representação e, outra organizadora que determina a natureza das ligações entre os elementos de uma representação. Nesse processo, duas dimensões se fazem presentes: uma ligada ao sistema de normas, crenças e valores, à história e ideologia de indivíduos e grupos orientando os julgamentos e as tomadas de posição em relação ao objeto – normativa; outra em que os elementos estão orientados para a execução de tarefas e, por isso, relacionada com as características que descrevem e contextualizam o objeto nas práticas cotidianas, individuais e grupais – funcional (ABRIC, 2003; SÁ, 1996). 84 Figura 2 Árvore máxima de similitude do 7º e 8º períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014 Na figura 2, observa-se que carinho conecta-se a 12 outras cognições e cuidado a nove. Moliner (1994) considera que a ação estruturante das cognições centrais acarreta uma intensa relação destes elementos com um grande número de cognições relativas ao objeto representado, possibilitando, desse modo, maior conexidade tendo em vista os outros elementos. Todavia, assinala “que não é porque uma cognição é fortemente ligada a outras que é central, mas por ser central que está ligada a outras” (p.202). Os elementos que se conectam mais fortemente a carinho são solidariedade pena, alegria, respeito, responsabilidade e conhecimento, ou seja, um número significativo de sujeitos associa esses elementos. Tal esquema talvez esteja indicando uma mediação dos sentidos construídos diante da oportunidade oferecida pelo contato clínico, na disciplina que tiveram oportunidade de cursar, com esses pacientes e, assim, orientar atitudes e práticas modelares diante da realidade vivenciada. 85 Observa-se, ainda, que carinho estabelece conexão com necessidade que se liga a dependentes, proteção e família agregando conteúdos relativos a uma mediação de sentidos normativos relevantes para a avaliação e as decisões que devem ser tomadas em relação aos pacientes especiais, para a superação das dificuldades geradas na atenção prestada a esses indivíduos. Analisando-se as conexões de cuidado percebem-se fortes ligações com responsabilidade, respeito, superação, alterações, ajuda e conhecimento mediando uma construção de sentidos para realçar algumas características que devem orientar as atitudes e práticas dirigidas aos pacientes especiais no sentido de superar dificuldades. São conteúdos associados à dimensão da prática profissional, que deve ser efetiva nas respostas às necessidades e demandas dos pacientes e seus familiares. A conexão de um lado com conhecimento e do outro com respeito e responsabilidade exibe uma ancoragem em um saber estruturado cientificamente, necessário de ser mobilizado, no atendimento a ser prestado, com possíveis cumplicidades que levam a uma responsabilização em torno do problema a ser enfrentado. Fazendo o elo da representação com a realidade, os elementos periféricos orientam condutas e adaptam o sistema central às especificidades das diferentes situações do dia a dia relacionando práticas e representações (RAGON, TURA e ARRUDA, 2009). Nesse sentido é interessante observar a complexidade envolvida na relação dos alunos com o objeto devido ao grande número de elementos -15 -, presentes no sistema periférico. Apesar da diversidade, podem ser divididos em quatro grupos que são organizados a partir das dimensões normativas e funcionais dos elementos centrais cuidado e carinho numa relação de complementaridade fundamental à atualização, evolução e transformação das representações construídas por esses alunos (ABRIC, 2003), como se pode observar no quadro 7. 86 Quadro 7 Elementos periféricos da representação dos alunos do 7º e 8º, segundo as dimensões dos elementos centrais Cuidado Dimensão normativa Dimensão funcional Ajuda Dificuldade Medo Responsabilidade Conhecimento Atendimento Superação Alegria Dimensão normativa Alterações Dependentes Proteção Carinho Dimensão funcional Alegres Família Necessidade Respeito Os elementos centrais caracterizam-se por serem estáveis e associados à memória coletiva do grupo refletindo condições sócio-históricas e valores, atravessados por uma dimensão normativa e outra funcional, ao mesmo tempo em que o sistema periférico, por ser sensível ao contexto imediato, faz a interface com a realidade concreta e em termos históricos protege o núcleo central (SÁ, 1996; ANDRADE, ARTMANN, TRINDADE, 2011). O sistema central estrutura e estabiliza a representação, enquanto que os elementos periféricos, mais próximos ou mais distantes do sistema central, são ativados nas diferentes situações do cotidiano, segundo características do objeto, da relação do grupo com o objeto e da finalidade da situação, funcionando como um guia de leitura da realidade (CAMPOS, 2003). Nessa dinâmica, considerando-se o objeto em estudo, nas situações com forte finalidade operatória, onde os sujeitos estejam mobilizados para o atendimento na clínica ativam-se prioritariamente os elementos periféricos, ligados a dimensões funcionais dos elementos centrais e nas situações com forte carga ideológica ou socioafetiva que ocorrem nas relações sociais, em conversas informais, ativam-se elementos ligados a dimensões normativas marcadas pela memória coletiva do grupo. Diante do exposto, avaliou-se que ajuda, dificuldade e medo associam-se a uma dimensão normativa do elemento central cuidado, explicitando uma mediação ao se estruturar os sentidos de atenção ou assistência a indivíduos especiais. Ao mesmo tempo, o outro elemento central carinho vai mediar a construção de sentidos de pacientes especiais que tem alterações e são dependentes e que por isso precisam de proteção. 87 Esses elementos ligados a dimensão normativa, ativam uma representação de cunho avaliativo, que privilegia julgamentos e tomadas de posição. A oportunidade da prática clínica propicia um contexto de maior proximidade com o objeto, possibilitando ativar os elementos periféricos alegres, família, necessidade e respeito, todos associados à dimensão funcional do elemento central carinho, explicitando alguns aspectos positivos em relação a esses indivíduos. Em simultâneo, a ativação dos elementos responsabilidade, conhecimento, atendimento superação e alegria, referentes à dimensão funcional do elemento central cuidado, privilegiam aspectos da prática, numa representação segundo Abric (2003), mais descritiva que ideológica (p.44). Dessa forma a representação de uma situação ou objeto para indivíduos ou grupos guiam os comportamentos, traduzindo crenças, valores e atitudes socialmente compartilhadas, e são disseminadas nos diferentes contextos pela comunicação social, permitindo definir o que é tolerável ou inaceitável em um determinado contexto social (POLLY e KUHNEN, 2013). Nessa perspectiva, é de se esperar que a postura de estudantes da área de saúde, nesse caso de Odontologia, na aproximação com pessoas que tenham algum tipo de limitação e necessidades de saúde seja direcionada ao cuidado, como observado pela presença dessa cognição no núcleo central de todos os alunos da amostra. No entanto o comportamento individual ou grupal não é determinado somente pelas características objetivas da situação em que as pessoas se encontram, mas também pela representação que possuem da situação ou de dado objeto. A observação permitiu a apreensão de atitudes discentes no encontro inicial com esses pacientes, principalmente naqueles estudantes que nunca tiveram contato com indivíduos com deficiência fora da faculdade, a ativação de aspectos socioafetivos e ideológicos ligados a uma dimensão normativa do cuidado a esses indivíduos, como se fosse um auxílio com conotação caritativa prestado a pessoas que têm dificuldades. Tal contexto gera a sensação de medo ou afastamento durante o atendimento, agregando sentidos de indivíduos doentes, deficientes, diferentes e dependentes que necessitam, portanto, de carinho inicialmente talvez associado à pena, sentido norteador ao lado do cuidado na maneira de lidar com eles, como pode ser observado nas falas abaixo: 88 - “as pessoas sentem pena”. (sex f, 21 anos, 8º per/2011) - “como nós, sendo que com algum problema que impossibilita eles de fazer algo ou tudo e por isso precisam da ajuda do próximo”. (sex f, 24 anos, 8º per /2012) - “dependentes de atenção da sociedade e família”. (sex f, 25 anos, 8º per/2011) - “pacientes que necessitam de ajuda, possuem algum distúrbio”. (sex f, 23 anos, 8º per/2011) A partir da experiência na clínica, vão sendo incorporados novos sentidos voltados para a realização da tarefa de atendê-los, mobilizando a dimensão funcional do elemento carinho que se ancora nas características dos pacientes, interpretados não mais como doentes, mas como seres humanos, com características de alegres, sinceros e muito ligados à família. Esse pensamento conduz o aluno em direção à solidariedade que inclui o conhecimento adquirido com responsabilidade para o atendimento, na superação dos desafios, numa experiência que pode ser prazerosa e produzir alegria, como nos exemplos abaixo: - “amáveis e merecem muito carinho e respeito da sociedade, além de do governo”. (sex f, 23 anos, 8º per/2012) atenção - “pessoas como nós, mas que precisam um pouco mais de atenção e cuidado”. (sex f, 24 anos, 8º per/ 2012) - “pessoas assim como as outras, porém com algumas limitações”. (sex f, 22anos, 8º per/2011) - “a maioria das pessoas sente pena, mas aqueles que tem um verdadeiro contato com estes se transforma e os enxerga como guerreiros e corajosos” (sex f, 23 anos, 8º per /2011) - “porque o especial é aquele que requer cuidados especiais por parte do profissional. São pessoas que trazem alegria a vida daqueles que estão ao seu redor” (sex f, 21 anos, 7° per /2014) Flament (2001), ao analisar a estrutura e a dinâmica das representações sociais, realça a importância do contexto na sua transformação, assinalando que se as circunstâncias aumentarem a frequência de determinadas práticas em subpopulações de uma mesma população, pode ocorrer ativação de certos esquemas periféricos surgindo discursos diferentes, apesar de continuarem com a mesma representação. Ou seja, uma 89 mesma representação pode ter seu sistema periférico ativado diferentemente de acordo com determinadas práticas individuais gerando discursos diferenciados. Se as circunstâncias aumentarem sensivelmente a frequência dessas práticas por serem legítimas, em longo prazo, elas podem provocar uma mudança estrutural na representação. Na análise de similitude, ainda se pode constatar dois esquemas triangulares formados por superação, ligado de um lado a carinho e alegria e do outro a cuidado e dedicação. Ou seja, são esquemas que especificam uma construção de sentidos que está associada à superação de qualquer dificuldade diante da atenção a pacientes especiais, ligada à dimensão do cuidado e da dedicação desses alunos, estimulados pelo carinho que desenvolvem em relação aos seus pacientes, podendo gerar sensação de alegria. Tais esquemas diferem-se dos construídos pelos discentes dos 1º e 2º períodos, sem a experiência proporcionada pela disciplina de atendimento a pacientes especiais, onde os elementos carinho e dedicação formam um triângulo com cuidado e outro formado por dificuldade, déficit mental e triste, explicitando mediações com sentidos alusivos diante de sua falta de experiência e vivência com esses pacientes. O contato com os pacientes na clínica proporciona aos alunos o desenvolvimento de atitudes e práticas que permitem superar os sentidos de dificuldades e tristeza de um cuidado muito trabalhoso, exigido por esses pacientes. Evidenciando-se assim a relação das práticas ao agir dos grupos, num processo que segundo Campos (2003) comporta necessariamente dois componentes, o vivido e o cognitivo (p.29). Segundo o mesmo autor, na compreensão dos processos sociais e cognitivos que sustentam a representação, o papel das práticas sociais no contexto do estudo da ancoragem é de fundamental importância. A ancoragem como um processo dinâmico lida com a memória e a experiência, classificando e rotulando os diferentes objetos tornando-os familiares, enraizando-os no sistema sociocognitivo. Nesse processo as práticas constituem-se como uma das raízes que sustentam e mantém o funcionamento das diferentes representações. 90 Dessa forma, os dados fornecem pistas de que o encontro com os pacientes especiais na clínica permite a mobilização de esquemas mentais que se organizam a partir de elementos cognitivos e afetivos guiando as práticas discentes na direção do cuidado, princípio que norteia a assimilação da novidade nesse grupo ao lado de carinho, num processo de circulação coletiva de informações e sentidos, permitindo a naturalização do objeto. Essa avaliação foi complementada pela análise do conteúdo das justificativas da indicação das palavras mais importantes nos dois grupos estudados. Após a leitura flutuante de todo ao material, observou-se que três eixos norteavam as falas dos sujeitos: o paciente, o profissional e a sociedade. Procedeu-se, então, a categorização temática do corpus obtido. Após essa etapa as categorias correspondentes aos conteúdos identificados foram distribuídas em três grupos: justificativas relacionadas aos pacientes; relacionadas ao profissional; e relacionadas à sociedade. Em seguida pode-se tabular as frequências das categorias e respectivos grupos nos alunos do 1º e 2º períodos e nos alunos do 7º e 8º períodos, evidenciandose assim as mais prevalentes em cada grupo (tabelas, 3 e 4). Vale ressaltar que em alguns casos os conteúdos foram distribuídos em categorias classificadas em mais de um grupo. No conjunto dos estudantes dos 1º e 2º períodos houve um predomínio das justificativas que tiveram como referentes os profissionais (70,2%) no total dos conteúdos, seguindo-se de pacientes (34%) e de sociedade (6,0%). Nos conteúdos do corpus dos 7º e 8º períodos também houve um predomínio dos referentes a profissionais (58,6%), seguindo-se de paciente (40,1%) e sociedade (6,8%). Destaque-se que entre as categorias, predominam nos primeiros períodos conteúdos referentes ao profissional - cuidado e paciência -, ao paciente - doença e dificuldade -, e à sociedade - rejeição e preconceito. Nos alunos dos últimos períodos predominam referências ao profissional cuidado e carinho -, ao paciente - alegres e doença - e à sociedade - preconceito, amor e inclusão. 91 Esses resultados reforçam a análise anterior de uma estrutura representacional na construção dos alunos dos primeiros períodos em torno de doença e cuidado, elementos já apontados com características de centralidade o que pode levar a atitudes de rejeição, categoria que predomina em relação à sociedade. Ou também a um distanciamento desse universo constatado pelo maior predomínio de conteúdos referentes aos profissionais em relação aos pacientes. Nos alunos dos 7º e 8º períodos aparece ao lado de doença e cuidado, alegres e carinho respectivamente, e em relação à sociedade rejeição dá lugar a preconceito, aparecendo em seguida amor e inclusão. Constata-se assim que ao lado de conteúdos relacionados a uma dimensão normativa da representação, novos elementos vão sendo incorporados a partir do contato com esses pacientes na clínica possibilitando aos alunos ressignificações de pessoas interpretadas como tristes e difíceis percebidas agora como alegres, sinceras e amorosas. Essa mudança permite aos alunos enxergar o preconceito na sociedade da qual eles fazem parte, ensaiando embora de forma muito incipiente uma reflexão sobre a inclusão desses indivíduos, num movimento de amor, contrapondo-se a falta de respeito e interpretações equivocadas em relação a essas pessoas no convívio social. Tabela 3 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais do 1º e 2º períodos (2011, 2012 e 2013) Referência ao profissional Referência ao paciente Referência à sociedade Cuidado (63) Doença (16) Rejeição (5) Paciência (33) Dificuldade (10) Preconceito (4) Carinho (35) Diferentes (7) Convivência /respeito (1) Respeito (24) Especiais (6) Amor (14) Difíceis (5) Tristes (4) Total =169 Total =48 Total =10 92 Tabela 4 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais total dos 7º e 8 períodos (2011, 2012, 2013 2014) Referência ao profissional Referência ao paciente Referência à sociedade Cuidado (34) Alegres (8) Preconceito (4) Carinho (14) Doença (7) Amor, inclusão (2) Amor (11) Limitações, carinhosos, sinceros (4) Falta de respeito, ajuda, mal interpretados, convívio (1) Dificuldade (7) Amorosos, frágeis (3) Medo (5) Especiais, dificuldades (2) Total =73 Total =41 Total =11 Comparando-se os resultados gerais dos dois grupos é interessante observar nos primeiros períodos que o elemento dificuldade aparece no quadrante superior esquerdo devido a sua alta frequência, ao lado de cuidado e doença que foram confirmados como elementos centrais, e também no bloco das justificativas relacionadas aos pacientes, logo em seguida a doença, categoria predominante nas falas. Verifica-se, portanto, que nos primeiros períodos o que predomina na avaliação que os alunos fazem sobre o cuidado a esses pacientes é de que, a principal causa das dificuldades está relacionada aos pacientes, que são interpretados como: doentes, diferentes, especiais, difíceis e tristes, numa ênfase de aspectos negativos levando a uma tomada de posição influenciada por aspectos sócio-históricos relacionados aos pacientes e à deficiência. Segundo Abric (2003), partilhar uma representação social com outras pessoas é partilhar os valores centrais associados ao objeto em questão, e estes irão determinar os julgamentos e tomadas de posição em relação ao objeto. Dessa forma, a avaliação de que a causa das dificuldades no atendimento, associa-se às características dos pacientes, com todos os julgamentos de valor associados a elas, leva a um distanciamento do objeto como ilustrado nas falas abaixo: 93 - “Acredito que as pessoas pensem logo em uma pessoa com problemas mentais, mas na verdade é todo paciente que necessita de um tratamento diferente, especial”. (sex f, 20 anos 1º per/ 2012). - “que eles são "malucos", e não tem muita importância na sociedade”. (sex f, 21 nos, 2º per/ 2012). - “nunca parei para pensar”. (sex f, 19 anos, 2º per /2011) Dessa forma a rejeição configura-se como a forma mais fácil de ancorar a questão, invocando a influência de uma dimensão afetiva ao lidar com o objeto, reforçada pela frequente evocação de imagens dos pacientes especiais como deficientes mentais, deficientes físicos ou com aids, elementos conectados à doença na análise de similitude, provocando resistências ao atendimento desses pacientes, como ilustrado nas justificativas das palavras principais: - “Porque acho que o paciente especial exige mais paciência e creio que seja mais complicado de tratar, falar, orientar, manusear a boca” (sex f 26 anos, 1º per /2011) - “Pois tem muita gente que ao ver pessoas especiais ficam zombando, ou até mesmo ignora como se não fosse ninguém e tem até mesmo médicos ou dentistas, não todos, mas alguns tem um certo receio de atendê-los” (sex f, 18 anos, 1º per /2012) Dessa forma, pacientes especiais, uma novidade para os alunos, vai sendo familiarizado e os sentidos construídos em relação a esse objeto tornam-se capazes de orientar atitudes e práticas no atendimento de suas demandas e necessidades. Analisando-se os resultados dos alunos do 7º e 8º, dificuldade é deslocada para o sistema periférico e doença para a periferia próxima, sendo substituída pelo elemento carinho ao lado de cuidado no núcleo central. Dificuldade aparece agora no grupo das justificativas referentes aos profissionais, seguida das categorias, medo e vínculo. Observa-se uma mudança na avaliação que os alunos fazem em relação ao cuidado desse grupo, devido a uma aproximação com o universo dos pacientes. A doença continua presente, ativando aspectos normativos da 94 representação, mas o contato com um universo desconhecido gera medo e mobiliza atitudes e práticas para seu enfrentamento, levando os alunos a constatarem as suas próprias dificuldades no estabelecimento do vínculo necessário para o atendimento. As dificuldades, agora, se associam diretamente ao medo provocado pela doença e ao despreparo dos sujeitos deslocando seu foco para aspectos profissionais, em detrimento de crenças e estereótipos difundidos socialmente em relação a esses pacientes. Essa análise encontra apoio na conexão do elemento dificuldades na análise de similitude à doença, conectada a medo, que se liga a difícil conectado a cuidado, elementos presentes no sistema periférico. Os elementos confirmados como centrais, nesse grupo, cuidado e carinho realizam o duplo papel atribuído ao núcleo central da representação: avaliativo, justificando os julgamentos de valor; e pragmático, atribuído a práticas específicas, sendo ativados de acordo com a finalidade da situação (ABRIC, 2003). O cuidado em sua dimensão normativa organiza os elementos periféricos medo, ajuda e dificuldades, influenciando uma tomada de posição em relação aos pacientes baseada em crenças e valores de que são indivíduos que necessitam de ajuda e de que essa ajuda que se concretiza no atendimento gera medo, que por sua vez gera as dificuldades no atendimento. A partir do cotidiano na clínica, a dimensão funcional de cuidado, vai sendo ativada, organizando os elementos periféricos responsabilidade, conhecimento, atendimento, superação e alegria, que determinam as condutas de superar as dificuldades geradas pelo medo, numa valorização do conhecimento profissional responsável, que conduz o atendimento no sentido de superar as dificuldades, substituindo o medo pela alegria por concretizar a ação. Ao lado disso a ativação da dimensão funcional do elemento carinho, vai transformando a percepção que os alunos têm dos pacientes, com base em sistemas de crenças desses indivíduos como deficientes, doentes e dependentes, por pessoas com necessidades específicas, que são alegres e carinhosos, dentro de um contexto familiar resgatando a sua humanidade. Assinale-se, portanto, que na comparação dos dois grupos, a proximidade com os pacientes na clínica leva a uma valorização dos elementos funcionais, numa representação mais descritiva do que ideológica, privilegiando esquemas mais positivos 95 que fazem os alunos enxergarem as qualidades dos pacientes, e suas próprias dificuldades, estabelecendo estratégias de ação que privilegiam uma dimensão profissional do cuidado. Nos primeiros períodos prevalece a ativação dos elementos normativos, devido à distância do objeto, de um cuidado difícil a pessoas doentes e trabalhosas, numa avaliação dos pacientes baseadas em estereótipos, numa ancoragem mais ideológica enraizada em sistemas de crenças socialmente difundidas, que levam à rejeição e distanciamento do objeto. Dessa forma devido às novas práticas que se colocam aos alunos, e que se concretizam no atendimento na clínica de pacientes especiais, e a consciência dessa realidade como irreversível, processa-se uma transformação progressiva da representação nos alunos dos últimos períodos que orienta e justifica as condutas, de estabelecimento de um vínculo mediado pelo carinho que o contato na clínica desperta, e a superação das dificuldades através do conhecimento, dedicação e responsabilidade (ABRIC, 2003; CAMPOS, 2003), o que vai de encontro às considerações de Rouquete (1998, p.43) das representações como condição das práticas, e das práticas como agente de transformação das representações. Segundo Rouquete (1998) a modificação das circunstâncias externas, seguida da modificação das práticas sociais leva a modificação dos prescritores condicionais (elementos periféricos) podendo atingir os prescritores absolutos (elementos centrais) levando a mudanças representacionais. Dessa forma, os novos contextos de prática podem possibilitar a vivência desta experiência como uma ressignificação produzindo alterações na composição do núcleo central e consequentemente uma nova representação do objeto (GRAZZINELLI et al., 2005). A incorporação da clínica de atendimento a pacientes especiais no currículo da graduação em odontologia, de maneira efetiva, proporcionou uma experiência capaz de transformar as representações de pacientes especiais por modificações no processo de ancoragem observado no sistema periférico. Ratifica-se assim a complementaridade 96 entre os dois sistemas, central e periférico, e as relações de reciprocidade entre práticas e representações (ANDRADE et al., 2011; GRAZZINELLI et al., 2005). 4.1.3- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para os alunos do 1º e 2º períodos do 2º semestre de 2011 Do universo de 138 alunos do 1º e 2º períodos em 2011, 67 (48,5%) responderam ao questionário. Nesse conjunto, 55% (n=37) eram do sexo feminino, 43% (n=29) do sexo masculino e 2% (n=1) não informado, sendo a faixa etária predominante de 18 a 20 anos com 69% da amostra, média de idade de 20 anos (DP=2,35). No tratamento do corpus produzido pelo TEP analisou-se 75,0% do total do material evocado, considerando-se palavras com frequência mínima igual ou acima de 4. Verificaram-se 130 evocações com 38 palavras diferentes e média de 3,42 evocações por sujeito. A análise realizada com auxílio do Evoc 2000 ® permitiu encontrar para os alunos do 1º/2º períodos/2011 a frequência média de evocações (Fm) igual a 15 e a média de ordem média (OME) igual a 2,5 e a partir desses cálculos verificou-se que cuidado, difícil, doença e trabalhosos têm atributos de componentes do núcleo central, e aids, dedicação, dor, respeito e triste, do sistema periférico. Carinho (zona de contraste) e Cadeirante, Déficit mental e Down (primeira periferia) são elementos que compõem o sistema intermediário dessa estrutura (Quadro 8). Quadro 8 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 1º e 2º períodos/ 2011 fm >= 15 < 15 OME < 2,5 Elementos Cuidado Difícil Doença Trabalhosos Carinho OME >= 2,5 Elementos f 34 23 21 15 27 OME 2,265 Cadeirante 2,478 Déficit mental 2,143 Down 2,333 Aids Dedicação 2,778 Dor Respeito Triste f OME 11 8 11 2,091 1,500 2,273 8 7 10 10 10 3,000 3,143 2,800 2,600 3,400 97 Em seguida, de acordo com a metodologia anterior, após o recolhimento dos conteúdos da estrutura representacional, foi comparada a frequência das palavras evocadas e sua indicação como mais importantes, para verificar se a queda da frequência era menor que 50%. Quadro 9 Quadro 9 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes Elementos F evocação + importante % queda Cuidado 34 21 39 Difícil 23 13 44 Doença 21 11 48 Trabalhosos 15 9 40 Verificou-se que os quatro prováveis elementos componentes do núcleo central tiveram frequência de indicação de palavra mais importante sempre menor do que 50%, variando de 39 a 48% (Quadro 9). Neste grupo, diante de dificuldades encontradas no campo, não foi possível realizar o teste de dupla negação para confirmar o valor simbólico dos prováveis elementos centrais. Para entender mais claramente como estão organizados os conteúdos dessa representação, utilizou-se o recurso da análise de similitude que permite o estudo das coocorrências existente entre diversos elementos. Essa análise, realizada com auxílio do programa SIMI®, permite a construção de uma matriz baseada em índices de similitudes (PEREIRA, 2005), facilitando o acesso a esquemas mentais no detalhamento da representação. Na observação da árvore máxima constata-se dois gráficos estelares formados por doença conectada a aids, down, déficit mental, triste e difícil, e o outro com o e elemento difícil articulado com doença, triste, trabalhosos, dor e déficit mental, que encontram-se ligados pela mesma aresta de dois gráficos triangulares, cujos vértices são 98 os elementos triste e déficit mental, sugerindo uma visão estereotipada, através de ancoragens baseadas em crenças historicamente construídas a respeito das pessoas com necessidades especiais como deficientes mentais e tristes ou em exemplos que consideram como “anomalias” ou doenças, como Síndrome de Down, cadeirantes e aids elementos encontrados no sistema periférico e periferia próxima, confirmando a análise da amostra total (Figura 3). É interessante observar-se o conflito dos sujeitos em relação à possibilidade real como profissionais, de atendimento aos pacientes especiais constatada pela ligação do elemento difícil a dor de um lado, e trabalhosos do outro, que por sua vez está fortemente ligado a cuidado, respeito, carinho e dedicação. Tais conexões apontam para diferentes aspectos relacionados aos sentidos construídos por estes sujeitos em relação aos pacientes especiais. De um lado, uma visão baseada na crença de que tratar desses indivíduos gera muita dor e dificuldade e por outro o cuidado ligado ao respeito, carinho e dedicação, elementos necessários para um bom atendimento a qualquer pessoa. É interessante observar que o elemento cuidado liga-se a apenas dois elementos, de um lado trabalhosos e do outro respeito, diferenciando-se da árvore máxima da amostra total, onde se conecta a 10 elementos confirmando seu poder de organização da representação. A diferença de resultado entre a amostra total dos alunos (2011, 2012 e 2013) e o resultado dos alunos do 1º e 2º períodos de 2011, talvez possa ser explicado pelo fato de que, com o passar do tempo, as informações veiculadas a respeito dos pacientes especiais dentro e fora do ambiente acadêmico tenham aumentado e fomentado o debate social influenciando os posicionamentos dos indivíduos como explicitado na fala da aluna abaixo: - “... hoje as coisas são muito mais abertas, as pessoas são muito mais instruídas, hoje com a internet aí as pessoas leem muito mais, sabem muito mais a televisão divulga isso mais, tentando fazer essa interação de pessoas com deficiência ...”. ( sex f, 32 anos, 2° per /2014). 99 Figura 3 – Árvore Máxima do 1º/2º períodos/2011 Nessa perspectiva, como diz Jodelet (2001), a comunicação desempenha um papel fundamental nas trocas e interações que concorrem para a criação de um universo consensual (p.30). Devido a isso hoje, o cuidado aos pacientes especiais, tem mobilizado o interesse e preocupação da sociedade pela exposição maior na mídia e no dia a dia das pessoas que convivem muito mais com esses indivíduos, o que pode ter contribuído para o alto poder simbólico do elemento cuidado na representação dos alunos da amostra total do 1º e 2º períodos, que ainda não tiveram contato com esses pacientes na clínica. No sistema periférico temos em comum entre o subconjunto de alunos de 2011 e os da amostra total, as cognições aids, dor e tristes, acrescentando-se agora dedicação e respeito. A confirmação dos elementos doença e cuidado como centrais na análise prototípica baseia-se no cruzamento da sua alta frequência nos discursos, o que representa a disponibilidade da informação na mente dos sujeitos, e a ordem em que são evocados, que se associa ao processamento controlado da informação em relação ao objeto (PEREIRA, 2005). 100 Dessa forma, observou-se uma alta taxa desses conteúdos nas respostas ao questionário, como nos exemplos abaixo: - “Pessoas doentes”. (sex m, 18 anos, 1º per/2011) - “Pacientes com alguma síndrome, doença”; (sex m, 30 anos, 1º per/2011) - “Sim; porque com eles o cuidado tem que ser maior”. (sex f, 18 anos, 2º per/2011) - “Sim; pelos cuidados que precisa ter com ele”. (sex f, 21 anos, 2º per/2011) 4.1.4- Estrutura e organização das representações sociais de paciente especial para os alunos do 7º período do 2º semestre de 2014 Do universo de 55 alunos do 7º período no 2º semestre 2014, 54 (98,2%) responderam ao questionário. Nesse conjunto, 80% (n=43) eram do sexo feminino e 20% (n=11) do sexo masculino, sendo a faixa etária predominante de 20 a 25 anos com 81% da amostra, média de idade de 24,6 (DP=3,86). No tratamento do corpus produzido pelo TEP analisou-se 72,3% do total do material evocado, considerando-se palavras com frequência mínima igual ou acima de 4. Verificaram-se 159 evocações com 68 palavras diferentes e média de 2,33 evocações por sujeito. A análise prototípica realizada com auxílio do Evoc 2000® permitiu encontrar para os alunos do 7º período/2014 a frequência média de evocações (Fm) igual a 5 e a média de ordem média (OME) igual a 2,5 e a partir desses cálculos verificou-se que os elementos carinho, carinhosos, cuidado, doença e especiais têm atributos de componentes do núcleo central, e alterações, amigo, atendimento, deficiência, dependentes, diferentes, grávida, medo, pena, solidariedade, técnica, como pode ser visto no quadro 10. Após o recolhimento dos conteúdos apresentados acima, comparamos a frequência das palavras evocadas e sua indicação como mais importantes para verificar se a queda da frequência era menor que 50% (quadro 11). 101 Quadro 10 Distribuição dos elementos segundo frequência e ordem média de evocação do 7º período/ 2014 fm >= 5 <5 OME < 2,0 OME >= 2,0 Elementos F OME Elementos F OME Carinho Carinhosos Cuidado Doença Especiais 15 6 12 5 8 1,867 1,667 1,917 1,800 1,625 Atenção Paciência 12 8 2,083 2,250 Alegria Calma Difícil Gritos Necessidade Síndrome 3 2 4 2 3 4 1,667 1,500 1,250 1,000 1,333 1,250 Alterações Amigo Atendimento Deficiência Dependentes Diferente Grávida Medo Pena Solidariedade Técnica 3 2 4 3 2 3 3 4 2 3 2 2,667 2,000 2,000 2,333 2,500 2,333 2,000 2,000 2,000 2,000 3,000 Quadro 11 Comparação das frequências das palavras evocadas e as indicadas como mais importantes Elementos F evocação + importante % queda Carinho 15 7 53,4% Carinhosos 6 2 66,7% Cuidado 12 8 33,4 Doença 5 2 40 Especiais 8 3 62,5 Comparando-se os resultados com os do 1º e 2º períodos de 2011, podemos observar que cuidado e doença são elementos comuns presentes no núcleo central dos 102 dois grupos, e que os elementos difícil e trabalhosos presentes em 2011, são substituídos em 2014 por carinho, carinhosos e especiais. Buscando-se esclarecer e entender a rede de relações e interações complexas que influenciam a organização cognitiva do objeto, foi utilizada a análise de similitude, que permite o estudo das coocorrências existentes entre os diversos elementos no material coletado, visando aprofundar os elos e conexões que se organizam em uma rede de significados e que compõe as representações construídas pelos alunos. Esse procedimento permitiu observar que o elemento carinho incorporado ao núcleo central, agora é o único elemento a formar um gráfico estelar, conectado a seis elementos: solidariedade, necessidades, amigo, alegria, grávida e pena. Comparando-se com os resultados da turma em 2011, carinho conectava-se a dedicação formando um gráfico triangular e estava presente na periferia próxima (quadrante superior direito) ao lado de dedicação e respeito provavelmente uma construção alusiva ao atendimento das necessidades e demandas desses pacientes. Deve-se assinalar que esses foram lembrados mais tardiamente, possivelmente por um contexto ainda distante desses alunos. No observado nesses alunos em 2014, a cognição carinho passa a ser o princípio norteador da representação, despertando uma dimensão afetiva na estruturação de um saber voltado para as necessidades dos pacientes, impulsionados por pena, mas também por solidariedade, numa relação de amizade, alegria, ancorados na gravidez, que é um estado diferenciado, que suscita cuidados e também muita alegria e carinho. No sistema periférico que é móvel e flexível fazendo a interface entre a realidade concreta e o sistema central, o que permite a ancoragem da representação na realidade do momento (SÁ, 1996), pode-se observar que não há nenhum elemento comum nos dois grupos. Em 2011, aids, dor, trabalhosos e triste e em 2014, alterações, amigo, atendimento, deficiência, dependentes, diferente, grávida, medo, pena, solidariedade e técnica. Analisando-se esses resultados cabe ressaltar o aumento de elementos no 103 sistema periférico em 2014 mostrando o aumento da complexidade da relação dos sujeitos com o objeto, a partir da vivência clínica com esses pacientes. A diferença mais marcante que se pode observar é na contraposição do elemento aids em 2011 e grávida em 2014 no sistema periférico. Aids agregando sentidos relacionados à tristeza e dor como uma doença que pode levar a morte, e grávida como uma pessoa que vivencia uma situação diferente, com alterações no seu corpo e que pode gerar medo, mas que ao mesmo tempo traz muita alegria e felicidade porque simboliza a vida. Pode-se observar também um conjunto de elementos no sistema periférico em 2014 estruturados em torno de carinho e cuidado ancorando as representações na realidade do atendimento - pena, solidariedade, amizade e técnica. A pena mobiliza os alunos no contato inicial com esses pacientes, fazendo surgir um sentimento de carinho que mediado pela solidariedade, leva o aluno a perceber que usando o seu conhecimento através de técnicas apropriadas, aliado ao estabelecimento de um vínculo de amizade que o aproxima da realidade do paciente, o cuidado se concretiza, gerando muita alegria e satisfação tanto para o aluno quanto para o paciente e familiares, como exemplificado abaixo: - “O contato aqui na faculdade foi bastante prazeroso porque a minha primeira paciente a ser atendida na clínica foi paciente com síndrome de down, e dentro das especialidades, a gente vê várias campanhas e concordo que a especialidade de paciente de síndrome de down é amar”. (sex m, 26 anos 8º per). Na análise de similitude carinho conecta-se a pena de um lado e a necessidades, solidariedade e amigo do outro, que por sua vez está conectado a um esquema formado por doença, que de um lado se une a técnica e do outro a cuidado que por sua vez se liga a carinho através do elemento alegria (Figura 4). 104 Figura 4 Análise de similitude do 7º período/2014 A satisfação dos alunos, dos pais e dos pacientes ao final dos períodos no término dos tratamentos ficava explícita na organização de festas e na troca de presentes entre eles, onde ficava claro o vínculo que se estabelecia nessa relação, como pode ser visto nas falas das entrevistas com os alunos abaixo: - “Meu atendimento foi uma das coisas mais gratificantes que eu recebi até agora na faculdade, pelo fato de poder ajudar ainda mais a alguém, porque a área da saúde odontológica a gente já ajuda, mas ajudar uma pessoa que possui uma necessidade especial é gratificante”. (sex m, 26 anos 7ºper). - “Eu acho que é uma disciplina muito importante. Eu acho que até hoje as que eu fiz não, todas são, todas tem a sua, a sua importância, mas pacientes especiais foi uma experiência que eu jamais imaginaria ter dentro da faculdade”. (sex m, 22 anos 7º per). Os resultados da análise das justificativas das palavras indicadas como mais importantes dos dois grupos reforçam essa análise. Com a mesma metodologia descrita anteriormente, categorizou-se os conteúdos das falas dos alunos e comparou-se o resultado dos dois grupos. 105 No grupo dos pacientes do 1º e 2º períodos/2011 houve um predomínio das justificativas referentes aos profissionais (55,2%), comparando-se com às referentes ao paciente (46,2%) e à sociedade (7,5%). Nas falas do 7º período/2014 houve um equilíbrio das justificativas referentes aos profissionais (51,8%) e aos pacientes (51,8%), e um alto predomínio das duas em relação às relativas à sociedade (1,8%) (Tabelas 5 e 6). Tabela 5 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais do 1º e 2º períodos de 2011 Referência ao profissional Referência ao paciente Referência a sociedade Carinho e amor (11) Doença (12 ) Rejeição (4/80%) Cuidado maior, dedicação (10) Cuidado especial (10 ) Falta de respeito (1/20%) Tratar com respeito (5) Necessidades especiais (4) Atendimento trabalhoso, paciência (3) Dependentes (2) Necessidade de preparo, habilidade, dificuldades (2) Difíceis, diferentes, tristes, Deficiência mental, defeitos físicos, (2) Responsabilidade (1) Total =49 Total = 38 Total =5 Quanto às categorias, predominam nos primeiros períodos conteúdos referidos ao profissional, em carinho e amor, cuidado e dedicação em relação ao paciente em doença e cuidado e em relação à sociedade em rejeição e falta de respeito. Nos alunos dos últimos períodos predomina em relação ao profissional conteúdos categorizados em cuidado, medo, dificuldades, conhecimento e amor, em relação ao paciente em doença, alegres, carinhosos e diferentes e em relação à sociedade em preconceito. 106 Tabela 6 Frequência das categorias encontradas na análise de conteúdo das justificativas das palavras principais do 7º período de 2011 Referência ao profissional Referência ao paciente Referência a sociedade Cuidado (10) Doença, alegres (4) Preconceito (1) Medo, dificuldades, conhecimento (4) Carinhosos, diferentes (3) Falta de respeito (1) Amor (3) Dependentes, dificuldades, necessidades (2) Carinho e pena (2) Limitados, sensíveis, vulneráveis, frágeis, sinceros, difíceis, agitados (1) Paciência, desafio (1) Total =31 Total = 27 Total =2 Coerentes com o resultado da amostra total, há um predomínio das justificativas dos alunos dos primeiros períodos em categorias referentes aos profissionais em relação aos pacientes, e nos alunos do 7º período observa-se uma diminuição dessa diferença em relação aos profissionais e aos pacientes. Isso corrobora a condição de distanciamento dos alunos dos primeiros períodos, em relação a um contexto diferente, numa atitude de rejeição, elemento presente nos conteúdos em relação à sociedade, que pode se manifestar desde uma indiferença até uma real negação, análise similar a de Serino (2000), em estudo sobre a representação da deficiência, onde a autora acrescenta que exemplos de uma aceitação efetiva da deficiência são raros. Após o contato na clínica numa aproximação do universo dos pacientes especiais nos alunos do 7º período, os conteúdos das justificativas igualam-se entre conteúdos referentes a profissionais e pacientes. Constata-se além do aumento de frequência o aparecimento de conteúdos focando agora aspectos positivos do paciente como os de serem alegres, carinhosos, sinceros e sensíveis. Dessa forma condutas, modalidades de interação e estratégias de intervenção são profundamente influenciadas por crenças e valores que se expressam inconscientemente (SERINO, 2000). O pensamento humano se estrutura pela linguagem e se organiza a partir de nossas representações da realidade. Segundo Moscovici (2003), antes de ver e ouvir a 107 pessoa, nós já a julgamos; nós já a classificamos e criamos uma imagem dela (p.58). Por outro lado as demandas do cotidiano nos colocam frente a frente com situações que precisam ser enfrentadas e nesse momento são mobilizados conhecimentos e afetos para ação. Infere-se, portanto, que o contato com os pacientes especiais na clínica mobiliza aspectos da memória coletiva dos alunos que enquadra o novo tornando-o familiar e que permanece na estrutura do pensamento dos alunos, mas a “potência do cotidiano” expressão utilizada por Wagner e Heyes (2005) leva os alunos a incorporação de novos sentidos numa lógica cotidiana singular de coexistência de contradições, levando-se em conta a relevância do contexto. Nesse processo de enfrentamento do novo, mobilizam-se afetos, como foi constatado nos esquemas que os alunos desenvolvem, tendo o carinho como princípio norteador orientando as condutas, promovendo mudanças de atitudes que ao longo do tempo podem provocar uma transformação das representações sociais sobre o objeto. Como assinala Arruda (2014): ... o afeto é um artífice do possível, que nos sacode e nos coloca em outro estado de ser que nos empurra para ação, ou nos revela um mundo inesperado que é preciso elaborar (p.71). E esse mundo que se descortina para os alunos e que vai muito além dos muros da clínica e da universidade pode ser um disparador para reflexões que extrapolam as fronteiras da Odontologia nas suas concepções tradicionais, situando o aluno num contexto que propicie uma reflexão que permita a ampliar sua compreensão para além do individualismo e no biologicismo predominantes na formação odontológica (ARAÚJO, 2006; CASOTTIL, NESPOLI; RIBEIRO, 2010). 4. 2- Abordagem processual: representações de pacientes especiais Na análise das entrevistas a partir do processamento do corpus com auxílio do software IRAMUTEQ®, foram encontradas 5 classes a partir de dois critérios: o valor simbólico para o contexto semântico da classe e a força de associação da forma com a 108 classe, expressa pelo valor do X2. No processo de categorização/ nomeação das classes encontradas utilizou-se o critério proposto por Camargo (2005) considerando-se valores superiores a duas vezes o mínimo estabelecido - 3,84 -e a consideração das formas com frequência maior que a média de frequência das formas da classe, visando diminuir a chance de erro nessa associação. Para as hipóteses interpretativas, procurou-se trabalhar com a lógica natural do pensamento coletivo dos sujeitos em sintonia com os princípios da TRS (ARRUDA, 2005), articulando-se os segmentos de texto classificados pelo programa com os dados obtidos na fase de observação e da abordagem estrutural, contemplando a triangulação proposta na metodologia dessa pesquisa 4.2.1- Descrição dos sujeitos Foram entrevistados 17 alunos distribuídos no 1º, 2º 3º e 6º períodos e 16 alunos no 7º e 8º períodos totalizando 33 sujeitos, sendo 26 do sexo feminino (79%) e 7 do sexo masculino (21%). A idade variou de 18 a 27 anos com média de 23 anos (DP=4,6). Dos 33 alunos 18 relataram já ter tido contato anterior com pessoas com deficiência. 4.2.2- Resultados e análise da classificação hierárquica descendente – CHD As 33 entrevistas foram identificadas e analisadas durante o processamento do corpus pelo IRAMUTEQ como sendo textos, as chamadas unidades de contexto inicial (UCI). As UCIs foram então divididas em 794 segmentos de texto (ST), denominadas unidades de contexto elementar, compostas por 2692 palavras (formas) diferentes. Seguindo-se o processamento do corpus, o software gerou as formas lematizadas, colocando os verbos no infinitivo e as palavras no masculino singular (CHARTIER e MEUNIER, 2011), gerando 1629 lexemas (unidades léxicas). Do total de 794 ST, o programa classificou 696 segmentos (87,66%), que foram separados em cinco diferentes classes, de acordo com a classificação hierárquica descendente (CHD) realizada, e que serão apresentadas a seguir. 4.2.2.1- Classe 1: O profissional e o cuidado odontológico do paciente especial 109 Quadro 12 Distribuição das formas da classe 1 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) Palavra f Atender 56 Dentista 37 Profissional 31 Amor 14 Paciência 22 Calma 13 Paciente especial 27 Pessoa especial 15 Carinho 12 Área 11 Gostar 19 Dever 19 Entender 16 Paciente 47 Cuidado 14 Certeza 12 Atenção 13 Realmente 10 Na classe 1 foram consideradas as palavras X2 86.30 85.45 77.39 44.34 34.66 32.60 30.91 29.91 26.04 22.86 20.13 18.82 15.91 12.55 10.60 9.76 9.67 9.01 com frequência na classe igual ou maior que 9,26 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos era do sexo feminino e professava a religião evangélica, não sendo significativo nessa classe diferenças de idade e período em que estão matriculados. Na formação das RS é preciso entender os dois processos interligados e dependentes de fatores sociais que as forjam: a objetivação e ancoragem. Estudar a ancoragem das RS é procurar um sentido para a combinação particular de conceitos que fazem o seu conteúdo. Segundo Doise (1992), o significado de uma RS é sempre incorporado em significados mais gerais envolvidos nas relações simbólicas específicas para um determinado campo social, sendo pertinente, portanto num estudo de representações sociais além da descrição das realidades objetivas, considerarem-se as suas raízes na dinâmica relacional. 110 Aqui, a construção de sentidos está associada, principalmente ao atendimento do paciente especial pelo dentista. Centra-se em aspectos ligados à interpretação que os alunos têm do profissional de odontologia para tratar de pacientes especiais, que é uma terminologia ligada à prática profissional para definir pessoas com algum tipo de necessidade especial de tratamento. A objetivação visa criar verdades evidentes para todos independente de determinismos sociais e psicológicos através da sua expressão em imagens e metáforas, já a ancoragem determina a intervenção desses determinismos na gênese e transformação das representações (CABECINHAS, 2004). Os sujeitos ao abordarem as diferentes situações do cotidiano não agem de maneira neutra, mobilizando a sua capacidade cognitiva de acordo com sua implicação em relação aos diferentes objetos. A representação precede a ação e a predetermina (ABRIC, 2001, p.162), através da sua dimensão simbólica centrada na significação atribuída aos objetos, funcionando como uma grade de interpretação e decodificação da realidade. É interessante, portanto, observar na análise dos segmentos de texto com a palavra profissional nessa classe, que os sentidos desse conteúdo possibilitam três tipos de ancoragem mediados pela existência ou não de contato ou atendimento anterior a essas pessoas. Observa-se que uma significação baseada numa dimensão normativa de como deve ser o profissional na área de saúde para esse ou qualquer atendimento, predomina naqueles que tiveram contato anterior à faculdade com alguma pessoa especial nas falas. - “Acho que todo mundo tem que ver o paciente como um todo, não importa a deficiência que o paciente teve, eu acho que todo mundo tem que ver o lado profissional e não pessoal”. (sex f, id 26, 7º período). - “Não, não acho que exista um profissional ideal, eu acredito que todo profissional devia se empenhar, pensar em como, entendeu, agir e tal ter cuidado, ser gentil. Todo profissional devia de ser assim, não acho que devia haver um especialista para isso”. (sex f, id 21, 3º período). 111 Os sentidos relacionados à dimensão humana, numa tomada de posição influenciada por um esquema idealizado sobre o profissional que atua nessa área, predomina nos alunos que não passaram pela experiência de atender pacientes especiais e na maioria não tiveram contato anterior fora da faculdade: - “Na minha visão um herói. É um herói, porque não é todo mundo que quer tratar um paciente especial, que quer fazer com que aquela pessoa tenha melhor condições de vida. Não é todo mundo. Nem o governo às vezes ajuda nisso”. (sex f, id 20, 3º período). - “É o, o profissional ideal pra trabalhar, ele tem, ele tem que primeiro ter amor pela profissão, ter amor pela disciplina que ele vai atuar ali naquela hora e principalmente ter amor pelo ser humano, pelo paciente que ele tá trabalhando. Ele precisa disso”. (sex f, id 43, 6º período). E finalmente sentidos que equilibram dimensões normativas e humanas do profissional que atende pacientes especiais. Tais construções foram encontradas em 45% dos sujeitos que já haviam tido a experiência do atendimento na clínica. Além disso, observou-se também em sujeitos que não haviam atendido pacientes especiais na faculdade, mas que tiveram contato anterior com pessoas especiais, no seu cotidiano. - ... “Não acho que qualquer um, depende se ele tiver esse, isso que a gente falou, amor, carinho, eu acho que ele pode ser, se especializar, procurar entender e trabalhar”. (sex f, id 28, 7º período). - ...“Pessoas... muito pacientes, que gostem muito, muito dedicadas porque, não é qualquer pessoa, não é qualquer dentista... tem que ser um profissional formado né, específico, que se especializou naquilo, que, que estudou, como eu falei cada síndrome, cada etapa de cada atendimento, como deve, a conduta, tem que ter muito, muito conhecimento tem que ter um conhecimento bem a mais do que um dentista comum assim que atende pessoas que não são especiais”. (sex f, id 27,7º período). As falas explicitam dimensões para a atuação profissional nessa área, ligados à necessidade de uma especialização, o que se espera de qualquer profissional que se defina por essa área de atuação e por outro lado chamam a atenção para atributos que os sujeitos consideram essenciais que os profissionais tenham para realizar esse tipo de atendimento. Percebe-se uma dicotomia de sentidos construídos em torno do atendimento que se ancora em aspectos normativos relacionados a uma boa prática profissional agregando significados referentes à afetividade, explicitados em amor e carinho tanto ao 112 ser humano como ao trabalho, que são despertados através do contato com essas pessoas estimulando-as a buscarem um aprofundamento nessa área. Na abordagem estrutural, na análise do material de todos os grupos de alunos que já haviam atendido pacientes especiais na faculdade, 7º e 8º períodos, a presença de carinho e cuidado como componentes do núcleo central corrobora esses resultados evidenciando a importância da compaixão e solidariedade. Essa constatação leva a uma reflexão sobre a dimensão afetiva que atravessa a representação social dos alunos. No processo de observação desde o primeiro contato na clínica, a expectativa e o temor do desconhecido aos poucos iam sendo substituídos no atendimento semanal com os pacientes, por um vínculo impregnado de demonstrações afetivas de ambas as partes. A partir das histórias de vida e sofrimento permeadas pelo enfrentamento e superação, era notório o respeito nas falas dos alunos realçando o carinho dispensado aos pacientes no atendimento. Dessa forma, os alunos transformavam algo que os perturbava em um elemento familiar para que pudessem processá-lo mentalmente desenvolvendo estratégias de ação. Esse processo que Moscovici (2003) chamou de ancoragem nos permite categorizar alguém ou alguma coisa, o que significa escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma relação positiva ou negativa com ele (p.63). Sendo as representações sociais um saber prático que envolve uma construção simbólica que dá sentido, orienta e conduz os grupos sociais em suas ações (Jodelet, 2001), o carinho e o cuidado que o contato com esses pacientes desperta, mobiliza a sensibilidade dos alunos. Esses conteúdos são geralmente associados ao sexo feminino que nesta classe é o predominante (AMORIM, 2009). A partir das suas especificidades e necessidades busca-se então encontrar junto com o paciente, estratégias que facilitem o seu atendimento, impulsionados pelo amor ao ser humano coerente com a visão do profissional como um missionário ancorada na 113 perspectiva cristã-evangélica, uma vez que nessa classe predominam sujeitos que professam esse campo religioso. Esses sentidos podem guiar a elaboração de atitudes e práticas discentes que respondam às demandas e necessidades de seus pacientes especiais. Possivelmente, servirá também de contexto para que se inicie uma discussão sobre a importância da atenção integral, para esse grupo como um valor a ser sustentado e defendido nas práticas dos profissionais de saúde e que se expressa na forma como eles respondem às demandas dos pacientes (MATTOS, 2006). Dessa forma rompe-se com a ideia do paciente objeto e surge o paciente sujeito, como um todo, produzindo uma nova lógica que não exclui, mas incorpora temas e questões (MAIA, 2003; p.24) Nesse sentido o atendimento na clínica de pacientes especiais possibilita ao aluno experienciar a necessidade de um equilíbrio entre os aspectos normativos ligados à prática profissional e aspectos humanos, que o façam enxergar o paciente na sua totalidade. Autores com outros enfoques teóricos em suas pesquisas obtêm resultados que vem de encontro com o assinalado e apontam a influência de experiências educativas, nas atividades de graduação, enfocadas nas demandas e necessidades de pessoas especiais, nas atitudes e condutas dos alunos e profissionais em relação à deficiência, bem como na disposição e interesse ao atendimento desses pacientes (DAO, ZWETCHKENBAUM, INGLEHART, 2005; MORAES, A. B. A. et al., 2006; De LUCIA e DAVIS, 2009; SMITLEY et al., 2009; WEIL e INGLEHART, 2010). Esses resultados são similares aos encontrados no estudo de Moraes et al (2006) que se ocuparam em conhecer verbalizações de estudantes de odontologia sobre a inclusão social de pessoa com deficiência, onde as respostas que expressavam pena e receio de interagir com as pessoas retratadas nos exemplos, diminuíram após as aulas relativas a pacientes especiais e passaram a aparecer frequentemente associadas à categoria “disposição para contato ou ação”, através da busca de informações para, finalmente, partir para a interação com a pessoa. 114 Continuando a análise dos conteúdos encontrados nessa classe, calma e paciência são atributos segundo os sujeitos, essenciais para atender pacientes especiais, numa rede de sentidos mais ligados ao senso comum de como deve ser o profissional, traduzida através de inúmeras metáforas relacionadas ao dentista que atende pacientes especiais como: herói (sex f, id 20 3º per), guerreiro (sex f, id 22,7º per), pessoa iluminada (sex f, id 22, 6º per), equilibrado (sex f, id 20 3º per), tem que ter um dom (sex f, id 20, 2º per e sex f, id 22, 6º per), pessoa especial (sex f, id 18, 1º per). Esses atributos – calma e paciência – considerados importantes para o contato com o paciente orientam a busca de um aprimoramento profissional procurando no conhecimento desenvolver um cuidado diferenciado orientado pela integralidade da atenção a essas pessoas, considerado por eles um desafio nos que tem experiência de atendimento e dádiva naqueles sem essa experiência. - “É não digo nem humanista, mas um profissional que goste de desafios. Porque é um desafio você atender esse tipo, esse perfil de paciente”. (sex m, id 26, 8º período). - ... “Eu acho que ser dentista que atende paciente especial é uma dádiva também, poder dar cuidado para essas pessoas que também precisam da gente como as outras mais ainda, porque são pessoas especiais”. (sex f, id 21, 3º período). 4.2.2.2- Classe 2: Experiência de atendimento ao paciente especial 115 Quadro 13 Distribuição das formas da classe 2 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) Palavra f X2 Paciente 64 93.16 Tranquilo 24 78.72 Boca 12 40.49 Procedimento 9 36.10 Clínica 13 34.16 Contato 13 28.75 Experiência 11 26.17 Tratamento 13 24.34 Lidar 16 15.20 Paciente especial 19 14.99 Paralisia cerebral 9 13.07 Trabalhar 9 10.39 Nunca 9 8.27 Na Classe 2, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou maior do que 6,85 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos era do sexo masculino, com idade entre 23 e 27 anos, sem religião, não tiveram contato anterior com pacientes especiais, frequentavam o 7º e 8º períodos e atendiam paciente especial na faculdade. Os conteúdos estão ligados diretamente a experiência de atendimento na clínica odontológica de pacientes especiais como uma novidade, antes não experimentada, como nos exemplos: -...“Você vai aprendendo, eu nunca tinha convivido com paciente especial. Eu convivi aqui a primeira vez. Eu não sabia como era, eu não tinha noção”. (sex f, id 21,7º per). - ... “às vezes a gente fala no dia a dia no caso é especial é normal, e como a gente nunca, eu pelo menos nunca convivi, nunca tive na especialidade eu não sei”. (sex f, id 20, 2º per). 116 Esse contato com o paciente dá oportunidade aos alunos de experiências na maioria das vezes gratificantes. As falas focam os procedimentos em si, envolvendo a boca e os dentes e as dificuldades encontradas principalmente com os paralisados cerebrais, que tem alterações motoras que se traduzem em tônus e posturas alteradas, e que simbolizam nos discursos os possíveis problemas no atendimento, como a dificuldade de abertura de boca e o nervosismo de uma situação nova. - ... “mas seria um pouco de estranheza, porque a gente espera um tratamento, sei lá, a gente meio que fica padronizado e eles precisam de um cuidado maior, precisam de uma atenção maior pra distinguir o que é, o que é lesão o que não é, até mesmo, pra eles, fazer uma avaliação melhor na cavi ... oral deles”. (sex m, id 23, 3º per). - ... “Ah, outra pessoa de repente deveria achar estranho. Como é que o dentista atende uma pessoa dessa? Dessa forma desse jeito, que não tem como fazer um procedimento, sei lá de repente isso”. (sex f, id 26, 7º per). Segundo Semim (2001), as representações sociais, como princípios organizadores de nossas ações e reações na vida cotidiana, têm componentes socioafetivos e uma finalidade, dependendo das atividades e objetivos das pessoas, categorizando e classificando os diferentes objetos através de bases discursivas que ligam o pensamento individual a contextos sociais. A teoria das representações sociais enfatiza a natureza social dessa classificação e categorização da realidade, aproximando objetos, acontecimentos, pessoas, idéias através da equivalência dividindo e ordenando a realidade social e material. Assim sendo, a assimilação do paciente especial na categoria deficiente objetivada na imagem do paralisado cerebral serve de referência para a ação dos alunos, norteando o atendimento tendo como foco o paciente como um problema. Por outro lado, a experiência do atendimento, como uma novidade nunca antes vivenciada surpreende as expectativas discentes, por ser na maioria das vezes tranquila e gratificante. Essa análise é corroborada pelos resultados obtidos nos estudos realizados com a abordagem estrutural da representação executada na etapa precedente desse estudo, onde os elementos cuidado e carinho presentes no núcleo central estruturam sentidos 117 dos pacientes especiais como pessoas diferentes que necessitam de carinho e de um cuidado diferenciado. Os elementos doença, dificuldade, deficiente, dependentes e atendimento presentes no sistema periférico da estrutura da representação, encontrados nas entrevistas dos alunos do 7º e 8º períodos dessa classe, ou quando justificavam a escolha das palavras principais, mediam sentidos que orientam a construção de atitudes e práticas discentes em torno de dificuldades em lidar com o deficiente no atendimento, devido a sua doença e dependência, contemplando uma dimensão normativa do elemento cuidado presente no núcleo central, mais ligada a aspectos históricos e sociais da memória coletiva do grupo, que enxerga os pacientes como deficientes e dependentes. O deficiente por ser uma pessoa fora do comum que contradiz nossos esquemas e hábitos (SERINO, 2000, p.71) leva os alunos a desenvolverem atitudes a partir de sentidos construídos em torno das doenças com as quais aos poucos ele interage e pela pouca experiência que tem, essas patologias assumem o lugar do paciente. Essa análise encaminha a uma reflexão sobre o reducionismo da técnica odontológica, que vai de encontro às constatações de Fonseca et al (2010) quando assinalam que se evidencia nos alunos a dificuldade em reconhecer a figura humana em detrimento da técnica odontológica, como se fosse possível reproduzir na clínica a padronização dos manequins odontológicos do laboratório. Esse tecnicismo é representado e exigido no campo clínico como sendo a “chave” do sucesso no tratamento. Por outro lado, esse contato gera oportunidade de lidar com outro universo que vai além da experiência profissional, envolvendo a experiência de vida. Essa dualidade pode ser percebida pela presença no sistema periférico dos alunos que já atenderam, dos elementos: necessidade, alegres, sinceros, humanos e superação. A categoria tratamento se atualiza, neste processo da experiência de atendimento, conferindo ao paciente um sentido de humanidade a partir da mobilização de afetos produzida no contato com eles na clínica, ressaltando-se suas características de alegria, sinceridade, com expectativas e demandas como qualquer outro paciente, o que leva à 118 superação das dificuldades. Segundo Arruda (2014): o cotidiano segue, portanto, uma racionalidade e sensibilidade que lhe são próprias, apoiada nas demandas pragmáticas da existência social (p.71). Essa experiência de trabalhar com os pacientes especiais é vista pelos alunos como uma oportunidade gratificante e que para surpresa de muitos foi tranquila e “muito legal” enfatizando a importância desse contato na prática proporcionado nas atividades da disciplina de pacientes especiais. - ... Eu acho que assim de primeiro momento foi um pouco... porque a gente não tinha essa experiência, mas foi tranquilo. (sex f, id 26, 7º per). - ... Eu acho que é uma disciplina muito importante. Eu acho que até hoje as que eu fiz não, todas são, todas tem a sua, a sua importância, mas pacientes especiais foi uma experiência que eu jamais imaginaria ter dentro da faculdade. (sex f, id 22, 7º per). A contraposição entre aspectos normativos e relacionados às práticas, do profissional e do paciente, elementos essenciais do cuidado, são os princípios norteadores da rede de significados nessas classes, e segundo esses critérios as pessoas adotam posicionamentos mais específicos a seus grupos (WACHELQUE, 2004). De acordo com Lahlou (2012), a análise lexicográfica objetiva identificar no discurso classes de enunciados parecidos que podem ser considerados como expressões da essência comum de sentido ou de blocos de construção das RS. Cada classe é considerada como um núcleo básico da RS, caracterizada por traços lexicais típicos. As classes 1 e 2, o profissional e o cuidado odontológico ao paciente especial, e experiência de atendimento ao paciente especial, respectivamente, compõem um eixo que pode ser chamado de cuidado, uma vez que os enunciados similares identificados aproximam-se de questões envolvidas na atenção a esses indivíduos (Figura 5). Na classe 1 o foco são as atitudes desejáveis dos profissionais estabelecendo um perfil de atributos a serem alcançados para uma boa prática em saúde, em especial nessa área, num discurso com referências éticas e morais. No grupo dos que já atenderam predominam sentidos que equilibram dimensões normativas e humanas do profissional, ativados a partir da experiência do atendimento. Enquanto que nos alunos dos primeiros 119 períodos, que ainda não tiveram essa experiência, predominam sentidos mais voltados para a dimensão humana orientando condutas idealizadas a respeito do profissional que atua nessa área. Na classe 2, onde predominam alunos dos 7º e 8º períodos que já atenderam pacientes especiais na clínica, as falas giram em torno do paciente propriamente dito, reconhecendo, embora influenciados por uma formação fragmentária que relaciona deficiência com desvio de normalidade, que o indivíduo a sua frente é bem mais que um aparelho biológico com disfunções, considerando-o como um sujeito a ser atendido e respeitado em suas demandas e necessidades. Dessa forma o encontro com os pacientes especiais na clínica mobiliza dimensões normativas e afetivas guiando as ações dos alunos em direção ao cuidado, eixo que norteia a assimilação da novidade nessas classes, num processo de circulação coletiva de informações e sentidos, permitindo a naturalização do objeto. 120 4.2.2.3- Classe 3: O deficiente como estranho Quadro 14 Distribuição das formas da classe 3 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) Palavra X2 F Cego 17 56.47 Criança 32 51.70 Complicado 11 38.71 Escola 16 38.60 Médico 18 36.17 Menino 6 26.86 Estudar 11 24.91 Estranho 9 15.64 Medo 9 13.86 Saber 48 13.78 Pai 12 11.64 Preconceito 15 8.94 Na Classe 3, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou maior do que 7,62 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos, com idade entre 18 e 22 anos, teve contato anterior com pacientes especiais no seu cotidiano, frequentava os primeiros períodos e não atendeu paciente especial na faculdade. Sexo e religião não contribuíram para a formação dessa classe. Nessa classe, os conteúdos identificados nos segmentos de texto têm como referente a deficiência configurando-se na primeira imagem do outro, causando estranheza, pelo medo do desconhecido, por preconceito, por ver o outro como diferente. Os trechos abaixo servem de exemplo: - “Ah, ele, de cara assim ele vai levar um baque porque sempre por mais que as pessoas tentem não demonstrá-las meio que, que olham diferente e certamente ele ia comentar que existia um menino diferente na sala”. (sex f, id 19, 3º per). 121 - ... “eu sou contra o preconceito, mas eu também eu não sei, não sei, eu nunca passei por essa situação, eu não sei como eu agiria entendeu, se eu me consultaria com um médico cego, eu não sei”. (sex f, id 23, 7º per). Esse processo de transformar um conceito abstrato (no caso a deficiência) numa imagem concreta, quase tangível reduzindo o estranho ao familiar é o que Moscovici (2005) chamou de objetivação, que em conjunto com a ancoragem, nomeia e classifica o objeto inserindo-o numa rede de significações pré-existentes e explicam a emergência da estrutura das representações (JODELET, 2001). Segundo a TRS ao enfrentar-se um fenômeno ou idéia desconhecidos, as pessoas inicialmente o ligam ou ancoram em contextos conhecidos, reduzindo o estranho ou desconhecido em categorias ou imagens comuns, dessa forma classificando ou nomeando tais idéias. Intrinsecamente ligada a ancoragem estabelece-se a objetivação que na assimilação de objetos e fenômenos é o processo que transforma o desconhecido, não familiar em uma realidade concebível. Como resultado desse processo atribui-se uma realidade física a um conceito, teoria ou idéia nova. Desta forma a metamorfose do abstrato tornando-se concreto, através de imagens amplamente compartilhadas, envolve e é consequência de um processo de comunicação e discurso coletivo (WAGNER e HEYES, 2011). -“Ah, uma falta de algum sistema, por exemplo, a motora, é falta do ... do controle do corpo, não consegue se movimentar direito, não tem força”. (sex m, id 19, 1º per). Enquanto a ancoragem é um movimento dirigido para o universo interior, num “copia e cola” incessante do que chama atenção do sujeito do não familiar, que vai remodelando e mantendo a memória em movimento, a objetivação voltada para o universo exterior tira desse material intangível conceitos e imagens que reunidos num esquema figurativo transformam as representações em realidade, passando a existir como objetos cuja significância serve de referência para a ação (MOSCOVICI, 2005; JODELET, 2001). Nesse sentido, segundo Serino (2000), como a diferença é identificada e interpretada evidencia a percepção da realidade para os sujeitos e produz efeitos importantes nos comportamentos. Ainda segundo a autora a maneira de agir do 122 deficiente é determinada socialmente e de forma predominante pela sua deficiência muito mais do que pelas possibilidades e finalidades do contexto em questão, atrelando-o a sua própria condição, o que pode ser constatado no discurso da aluna abaixo: - “Ah, ia achar, ia achar estranho, porque vai, pensa logo, ué paralisado cerebral cuida dos dentes? Primeira coisa que todo mundo acha, ainda mais num consultório odontológico, acha logo que vai para um hospital vai querer extrair tudo, eu sei que é o que eu vejo assim e ..., ah vai achar estranho”. (sex f, id 17, 7º per). O medo, o receio diante da possibilidade real de atendimento a pacientes especiais é justificado por conteúdos que têm a criança como referente, enfatizando a sua fragilidade. Por exemplo, no processo de observação pode ser verificada a dificuldade que os alunos tinham na relação inicial com os pacientes ao posicionar alguns deles na cadeira odontológica, algo novo para eles. Isto era mais evidente nos considerados mais complicados, como os encefalopatas crônicos não evolutivos também chamados “paralisados cerebrais”, que necessitassem de algum tipo de contenção física. Além disso, explicitavam também a dificuldade de lidar com familiares ou responsáveis para a execução dos diversos procedimentos, que muitas vezes extrapolam a prática odontológica tradicional devido a complexidade do paciente, como assinalado nas falas que se seguem: - “Eu acho que a maioria tem receio, um pouco de medo, assim ... não é medo, não sabe como lidar, mesmo, com esses pacientes”. (sex f, id 23, 3º per). -... “tem muita mãe que não gosta de, que trate do seu filho, que é especial, diferente, gosta que trate como os outros, então a gente tem que ter muita cautela”. (sex f, id 18, 1º per). A ancoragem dos pacientes especiais como crianças que serão eternamente filhos, num sentido de que ele passa a ser o centro da vida dos pais gerando dependência da família que influi diretamente no tratamento odontológico, vai de encontro a avaliação de Serino (2000), de que a pessoa deficiente aparece como um simples alvo ou destinatário das ações dos outros, caracterizando-se mais por seus esforços do que por realizações verdadeiras: 123 -“Dependendo da deficiência, a vida dos pais vai ser pra viver com, pelo filho, né, cuidando dele”. (sex f, id 22, 7º período). - “Ah, o que eu pensaria, eu pensaria... nossa, tipo, estranho né? Porque uma pessoa que é cega muitas, muitas vezes não consegue nem sair... Não consegue desenvolver assim, por exemplo, ah, não chega nem, vamos supor, no ensino médio, eu acharia estranho, seria um choque assim pra mim, acho que é isso”. (sex f, id 21, 2º período). O posicionamento dos alunos sobre o tratamento odontológico dos pacientes especiais envolve uma postura profissional diferenciada para lidar com a família, o responsável pela criança, o pai, o médico que faz parte da rotina do paciente tendo como eixo norteador os sentidos construídos em torno do elemento doença, que aparece no núcleo central dos alunos dos primeiros períodos ao lado de cuidado, atenção, dificuldade e paciência corroborando aspectos de um cuidado diferenciado, que envolve a escuta, um olhar mais atento a uma pessoa cuja demanda de cuidados é multiprofissional, como se observa na fala a seguir: - “Eu acho que você tem que conversar, tem que ter paciência, a todo momento você tem que tá explicando o que for fazer, tratar com carinho, porque o paciente especial geralmente ele é muito carinhoso né, ele quer atenção, ele quer contar o que acontece na casa dele, ele quer ser escutado. Eu acho que a gente tem que fazer esse papel aqui. A gente tem que fazer papel de dentista, de psicólogo, de médico, de amigo, de tudo”. (sex f, id 21, 7º período). Esse raciocínio é corroborado quando se explorou a organização dos conteúdos encontrados na primeira fase da investigação quando foi utilizada a abordagem estrutural. Ao se analisar as ligações dos elementos doença e cuidado que têm atributos de centralidade no conjunto dos alunos dos primeiros períodos, observou-se que de um lado doença forma um triângulo com os elementos déficit mental e triste, apontando um esquema mental organizado a nível consciente, para explicitar uma relação (PEREIRA, 2005), dando suporte a crenças historicamente construídas sobre a deficiência, e do outro lado, o cuidado fazendo parte também de uma forma triangular com dedicação e carinho que por sua vez se liga a deficiente. Esses esquemas apontam para o processamento de novos conteúdos apreendidos, expressando valores que influenciam profundamente as condutas e que se refletirão nas estratégias de intervenção, buscando superar reducionismos (SERINO, 2000. p. 76). 124 Continuando o aprofundamento da análise da classe, escola se constitui numa expressão de sentido, como o primeiro espaço fora da família de socialização da criança, onde vivencia as relações com o outro podendo encontrar dificuldades ou não: - “Bom, eu acho que ele pode comentar é, pelo fato da escola tá, é, aberta pra quem tem síndromes, porque geralmente tem escola que não, que não recebe”. (sex f, id 27, 7º per). - “Bom, eu acho que primeiro ele... questionaria também o fato se tem estrutura, a escola tem estrutura pra poder atender as necessidades dos alunos, desse aluno”. (sex f, id 20, 2º per ). E por fim, o estudar, que por ser uma ação que permeia a vida de todos relacionando-se com uma visão de normalidade, pode mediar sentidos relacionados de um lado a uma espécie de superação da deficiência dando confiabilidade ao sujeito e por outro, explicitar uma relação impensável diante da deficiência existente, como nas falas que se seguem: - “Se for cego desde, já nasceu assim, estudou, estudou, passou em tudo e tal e sabe o que ... que ele está fazendo, tudo bem, aí eu confio na pessoa”. (sex f, id18, 1º per). - “Por exemplo, prá mãe, a mãe não queria que o, queria que o filho desenvolvesse como os outros, até por causa do preconceito. Tem muita gente que, ela tem o próprio filho, o filho tem que estudar em escolas especiais, não pode dar uma escola normal”. (sex f, id18, 1º per). - “Ele vai achar muito estranho, porque ele vai falar, meu filho não é deficiente como é que ele vai estudar com uma criança com down?”. (sex f, id 27, 7º per). Faz-se, portanto pertinente, a avaliação de Serino (2000) de que a revelação de estratégias e conhecimentos implícitos podem permitir o aumento da capacidade de interação com os deficientes (p.84) evitando-se preconceitos e norma pré-estabelecidas. 125 4.2.2.4- Classe 4: Construção de uma nova visão sobre deficiência Quadro 15 Distribuição das formas da classe 4 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) Palavras X2 f Deficiente 22 39.81 Normal 64 36.62 Deficiência 42 35.23 Interferir 21 29.58 Hoje 20 19.78 Acreditar 18 17.40 Dificuldade 17 12.76 Síndrome de Down 30 9.69 Na Classe 4, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou maior do que 17,48 e X2 igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos era do sexo masculino, frequentava o 2º período, professava a religião espírita e não atenderam paciente especial na faculdade. A variável idade não foi relevante. Nos discursos dos sujeitos dessa classe observa-se a convivência de conteúdos direcionados a sentidos de normalidade e deficiência, com a oposição entre os conceitos, e sentidos relacionados à dificuldade de assimilação da deficiência nos espaços sociais. Essa avaliação está de acordo com as observações de Serino (2000) sobre os processos que se ativam a partir da imagem da doença mental dentro de um espaço representacional opondo normalidade e doença, identidade e alteridade, acrescentando ainda que a nossa sociedade que se diz e espera ser vista como igualitária e democrática, coloca diante da diferença uma série de embaraços. Os conteúdos encontrados nas entrevistas realizadas evidenciam os processos através dos quais as realidades percebidas como diferentes são identificadas, interpretadas e traduzidas em imagens concretas quase tangíveis impregnadas de julgamentos avaliativos e de orientação para a ação, levando a uma tomada de posição (SERINO, 2000), como na fala que se segue: 126 - “Não poderia ter uma pessoa com síndrome de Down numa turma que só tem pessoas normais, ele ia ter que ir para uma escola de deficientes, de necessidades especiais”. (sex f, id 18, 3º per). A síndrome de Down objetiva a representação da deficiência numa imagem impregnada de julgamentos avaliativos. A análise de similitude de todos os alunos dos primeiros períodos e que se destacam nessa classe, corrobora essa análise permitindo a compreensão da lógica natural na construção de sentidos desse grupo. O elemento doença que está presente no núcleo central dos alunos aparece na análise de similitude ligado a 5 elementos: down, dor, triste, déficit mental e aids fortemente ligado a cadeirante, num esquema estrelar reforçando o seu poder de organização desses elementos, característica de centralidade. Esse esquema construído pelos alunos se integra a um contexto maior, que vem a ser o pensamento social, onde as imagens do down, do deficiente mental, da aids, do cadeirante expressam atitudes associadas a dor e tristeza a partir de crenças historicamente construídas desses indivíduos. Através da memória o pensamento novo apóia-se “sobre o pensamento constituído para enquadrar a novidade a esquemas antigos, ao já conhecido” (JODELET, 2001, p.39), tornando o novo e diferente, familiar. Dessa forma o paciente especial naturaliza-se em imagens conhecidas no pensamento dos alunos, que passam a valorizá-los como realidades concretas, reconhecidas pelo grupo social em que convivem, prontas para serem ativadas servindo de referência para a compreensão da realidade e para as ações no cotidiano. Esses dois mecanismos chamados de ancoragem e objetivação atuam na formação das representações (re)elaborando uma referência nova da realidade baseado no já conhecido e com isso controlando e contornando a novidade (CABECINHAS, 2004). Nos discursos observa-se também a dificuldade dos sujeitos em falar sobre o conceito de normalidade que durante o processo de entrevista ficou patente nas reações de espanto, risos, silêncios e lacunas na emissão das respostas à pergunta, o que é ser normal para você? 127 - “Acho que falar de normalidade é difícil né. Eu já li uma certa vez que a porta da loucura está entreaberta na cabeça de cada um entendeu”. (sex m, id 26, per 8º). Essa dificuldade pode ser explicada pelo debate no próprio meio médico a respeito das fronteiras entre loucura e sanidade gerando duas leituras opostas uma do universo reificado e outra do senso comum. Segundo Schurmans (2000), essas duas leituras são conflitantes porque se referem a duas lógicas antinômicas. Na lógica médica a doença mental é objeto de uma diferença quantitativa seguindo a lógica geral a respeito das diferenças quantitativas entre estados patológicos e de normalidade, como assinalado por Canguilhem (1966), já a lógica do senso comum se baseia na existência de diferenças qualitativas num trabalho coletivo de demarcação entre a loucura e a sanidade, gerando um discurso de alteridade associado a sentimentos de perigo e fascinação. Nessa ótica segundo o autor, ser louco corresponde a ser outro e não apenas ser diferente em excesso ou escassez (p.267). Constata-se nos discursos dos alunos essa dualidade de lógicas no olhar sobre a deficiência mediada pela doença. Nessa perspectiva para uns a ancoragem se dá na comparação de que o corpo é uma máquina e que qualquer alteração poderá gerar um "defeito", uma anormalidade, visão essa imposta pela sociedade que rotula quem é ou não especial. Nessa construção de sentidos o deficiente é uma pessoa que tem limitações e diversas dificuldades que o impedem de ser normal. - “Ah, é muito complicado, porque acaba sendo um preconceito falar isso. Só não ter nenhuma dificuldade de fazer alguma coisa sabe, poder ser igual às pessoas que são normais assim, porque ser especial é ter algum defeito perante a sociedade, no corpo, na fala seja em qual, em que for, mas, eu acho que não ser especial é isso. Não ter dificuldade”. (sex f, id 22, 6º per). Para outros predomina o discurso onde a ancoragem se dá no tênue limite entre a deficiência e normalidade: - “Ser normal, também é difícil, mas é, (silêncio), ser normal é não ser tão normal assim (risos), é tipo assim, não, não, não ser perfeccionista, não ser perfeito porque o que é perfeito também não é normal...” (sex f, id 32, 2º per). 128 - “Ser normal, pra mim, o, o, deficiente é normal também, entendeu, pra mim não tem diferença nenhuma, a diferença é que ele vai ter mais dificuldade e eu não” (sex m, id 21, 2º per) Por outro lado verificam-se elementos novos sendo incorporados, portanto, deficiência e normalidade são pontos de referência para a ancoragem dos sentidos de pacientes especiais construídas por esses discentes dentro de um espaço de conhecimento social mais amplo. Essa análise é corroborada por Serino (2000), onde semelhanças e diferenças entre são e deficiente se revelam como o núcleo duro da representação, sempre implicitamente evocadas quando se toma uma posição em relação às questões de deficiência, o que enfatiza os resultados dos elementos centrais da representação dos alunos dos primeiros períodos que não atenderam e que na maioria representam essa classe: atenção, cuidado, dificuldade, doença e paciência, relacionando-se os dois primeiros mais às semelhanças e os outros três às diferenças. Wagner e Heyes (2011) assinalam a importância dos meios de comunicação de massa na incorporação de elementos novos, substituindo o protagonismo das conversações pessoais no discurso macro social, constituindo-se como um dos mecanismos epidemiológicos contemporâneos que moldam a mentalidade moderna. Esse mecanismo tem se mostrado relevante na assimilação de novos conteúdos sobre pacientes especiais, divulgando informações e facetas das pessoas com deficiência mediando a construção de novos sentidos sobre esses indivíduos. Um exemplo: - “Pelo menos eu sou uma pessoa que respeito, entendeu, sei que as pessoas... que hoje em dia eu vejo que muitos deficientes, às vezes nem são tão dependentes, entendeu, muitos são bem independentes. Já cansei de ver em reportagem na televisão que existem, até no Caldeirão do Huck, que tem deficientes que fazem comida, levam o irmão pra escola, entendeu, e meus amigos, pelos que eu conheço, às vezes a gente até brinca, que não sei o que, mas, no fundo, no fundo, a gente vê que aquilo ali tem que ser tratado com respeito, entendeu, é, é isso o que eu penso" (sex m, id 21, 2º per). A categoria hoje, nessa classe, agrega significados relacionados à mudança de atitudes na relação com os pacientes especiais, objeto carregado de uma dimensão 129 afetiva, o que leva a um desejo de comunicação, de falar a respeito de compreender (ARRUDA, 2014): - “Ah, iam estar com pena, ah, acham que a pessoa, é aquilo, acham que a pessoa não tem a capacidade para nada. Mas eu acho que antigamente era muito pior essa situação, o que as pessoas viam, enxergavam das pessoas com deficiência. Hoje em dia tá, tá melhorando”. (sex f, id 23, 7º per). - “Eu acho que hoje em dia a mente da sociedade ainda, está bem melhor, bem mais ampla do que antigamente, né”. (sex f, id 22, 7º per). - “Hoje em dia acho que já não interfere tanto, o pessoal já tá, as pessoas já tão aceitando mais. Não tem aquele preconceito que nem tinha antigamente, que todo mundo preferia esconder uma pessoa deficiente do que botar na rua. E hoje em dia já tem deficiente que trabalha, tudo" (sex f, id 27, 7º per). Para os sujeitos dessa classe a interferência da deficiência na vida das pessoas afetadas é avaliada de acordo com as concepções de deficiência e normalidade, que ancoram suas representações - “Ai, muitas pessoas hoje ainda encaram quando se fala em deficiência muitos hoje, muitos, muitos hoje ainda veem, é, é ... a pessoa realmente ali realmente com problema físico né, na cadeira de rodas, acho que a grande maioria quando fala em deficiência física vê isso". (sex f, id 32, 2º per). - “Professora, é, a pessoa normal, não tem pessoa normal, totalmente normal, sempre tem alguém que tem, algum, qualquer deficiência todos os dias, o que ... que é normal ?... Acho que não tem 100% normal”. (sex f, id 43, 6º per). A síndrome de Down surge como uma categoria objetivando a deficiência numa imagem que representa a incorporação de novos elementos a uma representação antiga do deficiente como doente e incapaz com aspectos novos que ganham relevância nos dias atuais, onde a inclusão de pessoas deficientes circula nos discursos dos diferentes espaços sociais, trazendo novos sentidos do down como uma pessoa com limitações como todo mundo, mas que busca a superação com auxílio da sociedade, como nos exemplos que se seguem: - “Chega pacientes com down, quer dizer especiais, né, não síndrome de down. Então acaba que dali você já aprende a conviver, fora que, fora as aulas que a gente tem de como tratar pessoa com down, quer dizer desculpa como especial”. (sex m, id 19, 1º per). 130 - “Olha, poderia ter duas reações: uma de se apegar mais e a outra de olhar com indiferença. Comentários existem, óbvio, mas eu vejo que na maioria das vezes são positivos, pessoas se apegam mais a um portador de síndrome de down”. (sex m, id 23, 7º per). Os símbolos, portanto, como assinalado por Tura (1998) não podem estar dissociados do objeto da representação, porque são eles que lhe dão significação e sentido e, portanto, a força de sua impregnação no imaginário social (p. 150). Para os sujeitos dessa classe as tomadas de posição em relação ao paciente especial orientam-se por uma renovação no repertório de sentidos pautados em uma visão socialmente construída do deficiente como incapaz devido às suas dificuldades, por elementos que apontam para a construção de um novo olhar sobre a deficiência norteando a interpretação e assimilação de novos sentidos para a diferença, como explicitado na fala abaixo: - “Olha, ser normal, acho que eu sou igual a todo mundo, porque o povo fala, ser diferente é normal”. (sex f, id 21, 2º per). O indivíduo com síndrome de Down que hoje conquista novos espaços na sociedade e está presente na mídia simboliza para os sujeitos da classe como assinala Arruda (2014) novos sentidos em velhas transversalidades, que a longo prazo podem provocar uma mudança estrutural na representação. Ou seja, o sistema periférico agregando elementos atuantes no processo de novas ancoragens a partir das comunicações e práticas cotidianas possibilitam novos sentidos que são incorporados às representações sociais dos alunos podendo no decorrer do tempo atingir o núcleo central transformando a representação (FLAMENT, 2001). 4.2.2.5- Classe 5: O olhar do outro sobre a deficiência 131 Quadro 16 Distribuição das formas da classe 5 segundo frequência e poder de associação na classe (X2) Palavras F X² Sozinho 23 131.58 Pena 20 99.47 Cadeira de rodas 13 71.16 Pensar 31 58.22 Olhar 15 14.99 Difícil 15 8.10 Na Classe 5, foram consideradas as palavras com frequência na classe igual ou maior do que 12,61 e X² igual ou maior do que 7,68. A maioria dos sujeitos com idade entre 18 e 22 anos, do sexo feminino e de outras religiões não sendo significante nessa classe o período do aluno Nessa classe o significado de normalidade para os sujeitos reflete-se no olhar dos alunos sobre a deficiência, fenômeno que hoje em dia circula pela mídia, permeia as conversas, e faz as pessoas pensarem e discutirem a respeito. - “Hoje as coisas são muito mais abertas, as pessoas são muito mais instruídas, hoje com a internet aí as pessoas lêem muito mais, sabem muito mais a televisão divulga isso mais, tentando fazer essa interação de pessoas com deficiência”. (sex f, id 32, 2º per). O pensar aqui suscita a questão da elaboração do pensamento diante do novo tentando ancorar aquela novidade para a ação. A visão predominante é a influenciada por uma dimensão socioafetiva objetivando a deficiência na cadeira de rodas. Essa imagem suscita a solidão que envolve essa condição num olhar de que sem alguém do lado o deficiente não tem condições de andar sozinho, depende de alguém por isso muitos têm pena, como explicitado nas falas a seguir: - “Ah sei lá, acho que meio que sentem pena, não acham que ela seja capaz de fazer as coisas sozinha, é... acho que é isso, acho que elas sentem pena” (sex f, id 20, 2º per). 132 -... “coitada é uma cadeirante, tá sozinha, não tem ninguém acompanhando ela, como será que ela faz, como ela se ajuda nas coisas né, às vezes eu penso assim que ela é sozinha” (sex f, id 28. 7º per). Por outro lado o fato de um cadeirante ser visto sozinho numa cadeira de rodas, por exemplo, num supermercado ou na rua, situação cada vez mais frequente hoje em dia leva os sujeitos a pensarem que se ele já se adaptou e consegue fazer as coisas sozinho, então o consideram uma pessoa normal, numa interpretação quantitativa de normalidade, como autonomia. Essa construção é coerente com o chamado paradigma de serviços, fundamentado na ideologia da normalização, baseada na concepção clinicopatológica que focaliza o problema no indivíduo, coerente com a compreensão de que ele é que deve adaptar-se à sociedade, paradigma diferente da proposta atual de inclusão (ARANHA, 2001). Os exemplos abaixo ilustram esse raciocínio: -“Ser normal é, deixa eu pensar... ué você poder fazer as coisas sem é.., sem ter, as coisas assim, tipo ver, tipo conseguir fazer tudo sem precisar de ajuda, acho que é isso”. (sex f, id 19, 3º per). - “Eu acho que as pessoas pensam que ... aquela mulher que tá fazendo compras na cadeira de rodas é uma guerreira né, ela vence os obstáculos que a vida colocou né, e ... ela dá o seu melhor né, eu acho que ela é uma guerreira, acho que as pessoas pensam também , assim com uma certa admiração, olham com admiração”. (sex f, id 21, 3º per). - “Eu acho que as pessoas olham, acho que muitas olham com sentimento de pena e muitas olham outras como uma guerreira, porque a pessoa tá sozinha, ela tá numa cadeira de rodas então ela tem que, ela limita os movimentos dela, eu pensaria como um guerreira, mas tem muita gente que olharia como pena, muita gente que, muita gente leiga entende como pena”. (sex f, id 22, 7º per). Essa dicotomia de uma visão de pena e ao mesmo tempo de admiração é fruto da perplexidade do olhar dos sujeitos diante da elaboração do pensamento dirigido a ação em relação à deficiência, numa sociedade que ainda tem um olhar muito pautado pelo preconceito com referência a esse grupo como mostrado abaixo: - “Ah, mais o preconceito, né, da sociedade de olhar e comentar sobre, sobre, sobre isso”. (sex m, id 23, 7º per). Nesse processo de construção de sentidos do paciente especial, tomadas de posição são elaboradas pelos alunos objetivando lidar com as dificuldades relacionadas 133 à deficiência, à família, ao atendimento odontológico e as dificuldades do próprio sujeito em falar sobre o tema. A pena aparece como elemento que ancora a novidade guiando a ação dos alunos no sentido de um posicionamento diante de um deficiente que está sozinho. É interessante registrar que na análise estrutural o elemento pena esteve frequentemente associado ao elemento ajuda. Vale o exemplo abaixo: - “...tipo eu iria sei lá oferecer ajuda se ela precisasse se ela quisesse mas tem pessoas que assim, que olham e tentam imaginar porque que não tem ninguém da família, julga até a família”. (sex f, id 22, 6º per) Nesse sentido é interessante observar que os alunos não incorporaram ainda a inclusão dessas pessoas no meio social como direito de cidadania, focando de forma predominante a ajuda da família como elemento central desse processo: - “Eu acho que as outras pessoas pensariam da mesma forma que eu. Eu acho que uma pessoa assim querendo ou não precisa de ajuda. Eu pensaria: Poxa será que não tem ninguém na casa dela pra, pra ajudar? - Tipo assim, tão largando ela, sem ajuda, sem tá perto. Eu pensaria dessa forma” (sex f, id 21, 7º per). Apenas um sujeito dessa classe abordou a questão social, na sua fala: - “Hoje em dia tem muito mais é, é, não esta lógico 100%, mas hoje os deficientes físicos tem uma ... uma, um acesso melhor a supermercados, a lojas, por que meio que virou lei hoje você ter no ambiente público uma rampa, então hoje as pessoas conseguem mais, estarem, estão mais acessíveis a supermercados, a shoppings”. (sex f, id 32, 2º per). O peso atribuído pelos alunos ao papel da família na condução da deficiência remete a uma reflexão sobre o processo socialmente construído desde a era primitiva até a contemporaneidade em relação à diferença. A marginalização da pessoa com deficiência e os desafios e enfrentamentos encontrados pela família estão ancorados na história da humanidade, não podendo ser dissociados de um contexto sociocultural. A tendência em assumir a deficiência como a falta de alguma coisa com base na quantificação da inteligência, parte do pressuposto de que a deficiência é uma "coisa" e não um processo que pode se construir nas e pelas interações sociais. Nesta perspectiva, 134 a pessoa com deficiência é sempre colocada como inferior às demais, um ser incapaz de alcançar um desenvolvimento pleno. Ao lado disso a falta de políticas sociais consistentes que promovam efetivamente a inclusão dessas pessoas suscita o imaginário com a ativação de processos sociocognitivos que segundo Maciel (2000) orientam as atitudes de pais ou responsáveis e a dinâmica familiar fica fragilizada, instalando-se o complexo de culpa, o medo do futuro, a rejeição e a revolta, uma vez que esses pais percebem que, a partir da deficiência instalada, terão um longo e tortuoso caminho de combate à discriminação e ao isolamento (p.53). A conjuntura descrita pode traduzir-se em atitudes de superproteção, posse e isolamento, dificultando o processo de socialização e desenvolvimento de autonomia. Esse contexto sócio-histórico encontra eco na presença do elemento doença no campo da representação construído pelos dois grupos considerados que, na concepção do senso comum, significa ausência de saúde, desordem (HERZLICH, 1991). Na estruturação desse campo representacional doença está presente no núcleo central dos alunos dos primeiros períodos e é deslocada para o sistema periférico nos dos últimos períodos que já vivenciaram a experiência do atendimento. A permanente dinâmica entre o sistema central e periférico influencia as ancoragens e tomadas de posição diante do objeto. Essa constatação é mais fácil de ser verificada na análise de similitude onde o elemento doença forma nos dois grupos um gráfico estrelar ligado a outros cinco elementos, apesar de doença não estar presente no núcleo central dos alunos dos últimos períodos. Nos primeiros períodos ela conecta-se a deficiente mental, down, aids, triste e dor, e nos últimos sinceros, humanos, carinho, atendimento e cuidado. Tal descrição traduz um processo dinâmico entre estes elementos, processado inconscientemente, na tentativa de conciliar as dimensões sociais com as individuais referentes a esse objeto, dando oportunidade de sua atualização (PEREIRA, 2005). Pereira (2005) assinala que nos processos de esquematização, os esquemas emergem como a base do processamento da informação na mente humana (p.29). A 135 doença media sentidos em relação ao paciente especial como elemento comum nos dois grupos. Nos alunos dos primeiros períodos organiza as cognições que são fortemente influenciadas por ancoragens em estereótipos existentes como síndrome de Down e aids numa construção baseada em crenças a respeito das pessoas com deficiência, com significação em deficientes mentais e tristes, e nos alunos dos últimos períodos os estereótipos vão sendo substituídos por características pessoais que humanizam o deficiente a partir do cuidado gerado no atendimento a esses pacientes. O processo de ancoragem, portanto, atualiza constantemente aspectos que certamente compõe o núcleo da representação, dando-lhes nova roupagem (ARRUDA, 2014, p.58). Desta forma, apoiados nos mesmos valores ocorre uma renovação de sentidos e ações devido a diversos fatores, atualizando velhas representações. Análise semelhante pode ser feita em relação à forma difícil, presente nessa classe, que na análise anterior da abordagem estrutural aparece como dificuldade, elemento que está presente no núcleo central dos alunos dos primeiros períodos e desloca-se para a periferia nos alunos dos últimos períodos. Na análise de similitude, dificuldade conecta-se nos primeiros períodos com quatro elementos déficit mental, trabalhosos, dor e triste e nos últimos com medo, síndrome, alegria e respeito que por sua vez conecta-se a superação. Similarmente à doença, dificuldade permeia os esquemas mentais dos alunos levando-os à reconstrução de sentidos e tomadas de posição em relação ao objeto. Nos que ainda não atenderam reforça crenças sociais desses indivíduos como deficientes mentais, tristes e trabalhosos o que gera muita dor e dificuldade no atendimento. Já nos que tiveram contato a deficiência ancora-se em síndrome, simbolizada pela síndrome de Down associada agora a alegria e respeito estando a dificuldade relacionada ao medo que esse contato com o novo gera nos alunos, como explicitado nas falas abaixo: - “Então eu gostei da experiência, apesar de no início ter ficado muito assustada, porque eu até comentei com as minhas colegas: gente tinha que ter um psicólogo pra dar aula pra gente, se não a gente vai sair surtada”. (sex f, id 27, 7º per). - “... muitas das vezes é muito difícil atender um paciente especial que ele não tem paciência de ficar com a boca aberta, grita, não deixa fazer, o procedimento eu acho que a gente vai ter que ter muito mais paciência, do que com uma pessoa 136 normal, e eu acho que a gente tá aqui pra isso né? Pra lidar com qualquer tipo de público, e eu acho que tem que agir sem preconceito algum”. (sex f, id 22, 6º per). Essa análise das dificuldades vai de encontro ao constatado por Fonseca (2010) de que as dificuldades dos alunos muitas vezes podem não estar diretamente relacionadas com a dinâmica dos serviços, à técnica odontológica em si ou até mesmo com as necessidades especiais dos pacientes, mais sim em toda a complexidade que exige um atendimento para pessoas com necessidades especiais. Segundo o autor essas dificuldades podem estar relacionadas às questões humanas, questões de ordem moral, filosófica e psicológica, e também, em não conseguir suprir as necessidades dos pacientes. Nesse sentido salienta que o reconhecimento de limites é um fator fundamental para que estes possam ser superados e para se alcançar a integralidade da atenção, não só no campo odontológico, mas buscando as necessidades e expectativas do ser humano especial na sua totalidade. A partir do olhar sobre a deficiência o sujeito elabora estratégias de ação, portanto, são criadas oportunidades de encontros com esses indivíduos podendo-se abrir canais para uma reflexão no sentido de repensar-se preconceitos e normas préestabelecidas. As classes três, quatro e cinco: o deficiente como estranho, a construção de uma nova visão sobre deficiência e o olhar do outro sobre a deficiência, respectivamente, fazem parte de um eixo que pode ser chamado de deficiência e sociedade uma vez que os conteúdos observados na constituição delas relacionam-se com a maneira de olhar através da qual são construídos sentidos sobre a deficiência no decorrer do tempo na sociedade (Figura 5). Na classe três há um equilíbrio entre os sexos, na quatro predomina o sexo masculino e na cinco o feminino. Em relação ao contato anterior com pessoa especial, na classe três há um predomínio de quem teve contato fora da faculdade, não sendo relevante esse fator nas outras classes. 137 Em relação a terem atendido ou não pacientes especiais, predomina nas classes três e quatro àqueles que não atenderam e na cinco há um equilíbrio entre os que não atenderam e os que atenderam. A faixa de idade predominante na classe três e cinco é de 18 a 22 anos, ou seja, os mais jovens e na classe quatro não há predominância de uma faixa etária específica. Em relação à religião somente na classe quatro há um predomínio de alunos que professam a religião espírita, havendo um equilíbrio entre as religiões na classe três e predomínio de outras religiões que não as mais prevalentes (católica, evangélica e espírita) na classe cinco. Verifica-se, portanto, que no conjunto das três classes que abarcam sentidos que convergem para o eixo deficiência e sociedade, todas as variáveis estão presentes, havendo algumas diferenças pontuais de acordo com a classe, o que confere aos resultados generalidade considerável no contexto das três classes. As representações sociais situando-se numa posição mista entre a psicologia e a sociologia, representam o universo interior presente nos indivíduos, mas também características que nos autorizam a chamá-las de sociais pressupondo um metassistema de regulações sociais/normativas que intervêm e dirigem o sistema de funcionamento cognitivo (CASTRO, 2002). Nesse sentido percebe-se nesse eixo a influência de aspectos históricos e sociais na construção de um saber determinado sobre a deficiência e o deficiente, significando, construindo sentido e criando uma realidade comum, através de um trabalho simbólico que emerge das inter-relações Eu, Outro e objeto-mundo (JOVCHELOVITCH, 2008). Solidão e dependência são os princípios norteadores da representação para os sujeitos das classes três e cinco gerando sentimentos nas falas dos alunos que vão de pena à admiração, influenciando sua capacidade de interação com os deficientes a partir de normas pré-estabelecidas, gerando atitudes baseadas em preconceitos. Enquanto na classe três há predomínio de alunos que não atenderam pacientes especiais, na cinco não há predominância entre quem atendeu ou não, evidenciando representações similares nos dois grupos, que precedem a influência da vivência profissional, 138 confirmando esse fenômeno como socialmente construído, com objetivos práticos, regendo nossa relação com o mundo e com os outros (JODELET, 2001). O paciente especial é visto pelo prisma dos sentidos elaborados em torno de doença, ancorando-se em anomalias conhecidas como: deficiência mental, deficiência motora, aids e síndrome de down, num “pensar” esses indivíduos como deficientes mentais, tristes e lentos no sentido de lentidão e dificuldade de movimentos gerando uma lentidão intelectual. Essa análise vai de encontro às colocações de Serino (2000) de que percebe-se uma tendência a procurar uma causalidade psicológica interna, subjacente à questão psíquica na deficiência, produzindo-se inferências relacionadas às características de inadaptação como característica principal de uma pessoa deficiente. A classe quatro tem também o predomínio de alunos que não tiveram a experiência do atendimento influenciando os sentidos da classe e diferentemente das outras duas classes onde não há o predomínio de nenhuma religião, nessa destacam-se os alunos que se declaram espíritas. Sendo as representações sociais uma construção psicossocial que reflete um processo, que começa muito além do objeto, integrando dimensões temporais, experienciais e relacionais, o sentido atribuído pelo sujeito ao objeto, ... diz de seu autor, de sua busca de comunicabilidade e de aceitação pelo outro... (MADEIRA, 1998, p.50). Dentro desse raciocínio é interessante constatar-se que o princípio que norteia a representação dos alunos nessa classe são as semelhanças e diferenças entre os sentidos de normalidade e deficiência, o que leva a um processo reflexivo sobre as concepções tradicionais de deficiência mediada pelo elemento doença como um desvio de um padrão pré-estabelecido e concepções baseadas no tênue limite de um ponto de vista qualitativo entre deficiência e normalidade. Esses elementos ancorados na Síndrome de Down, ressignificam os sentidos de deficiência e normalidade influenciados pela mídia e pelo contato social maior com esses indivíduos, o que leva à incorporação de novos elementos. 139 O Down nessa classe representa a superposição de sentidos do deficiente como incapaz, com os de uma pessoa com limitações como todo mundo, mas que busca a superação com auxílio da sociedade. Esse raciocínio encontra eco e ancora-se em sentidos elaborados num pensamento espírita predominante nos sujeitos da classe, que enxerga o homem nessa luta interior entre o homem velho cheio de defeitos e limitações e as possibilidades de progresso e evolução a partir do esforço pessoal e coletivo num inexorável caminhar para a luz, mediado pela força cósmica do amor. Essa análise é corroborada pela presença na periferia próxima ou sistema intermediário dos alunos dos primeiros períodos, dos elementos carinho, dedicação e respeito, que refletem a instabilidade das representações sociais pela proximidade dos elementos centrais atenção, cuidado, doença e paciência, podendo eventualmente de acordo com a dinâmica representacional, assumir algumas características de centralidade (GAMBÔA, 2014). Segundo Arruda (2014), novas ancoragens fornecem novas categorias à grade de leitura do mundo e atualizam constantemente aspectos que certamente compõem o núcleo da representação. Desse modo, o eixo deficiência e sociedade congrega idéias, metáforas e imagens que no decorrer do tempo vêm incorporando novos sentidos que podem orientar e conduzir os alunos e futuros profissionais diante do convívio cada vez mais frequente com os chamados pacientes especiais, num processo de inclusão crescente desses indivíduos no seio social, podendo levar a uma mudança estrutural das representações sobre o objeto (Figura 5). As diferenças e similaridades entre o olhar do sujeito e o olhar do outro, contrapondo deficiência e normalidade, fazem parte do primeiro eixo das representações sociais de pacientes especiais, numa ancoragem psicológica, num contexto sóciohistórico, com concepções que vão de desvio a limitação. 140 O segundo eixo é o cuidado a esses indivíduos, que numa abordagem psicossociológica, tem diferentes pontos de ancoragem para os alunos que já tiveram a experiência do atendimento a pacientes especiais (7º e 8º períodos) e para aqueles de períodos precedentes que ainda não tiveram essa experiência, levando a um contraste entre um saber influenciado por estereótipos e uma realidade próxima. Figura 5 Dendograma indicativo das classes das RS de pacientes especiais construídas pelos alunos e seus eixos correspondentes O presente estudo buscou entender a construção de sentidos dos estudantes de odontologia a respeito dos pacientes especiais antes e após o contato clínico com esses indivíduos durante a graduação, visando entender o processamento da realidade específica a esses grupos e seu reflexo na formação dos alunos. A relevância do objeto, num momento de mudanças conceituais de deficiência, como restrição de participação ao corpo com impedimentos, provocando a experiência da desigualdade (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009), em que políticas inclusivas procuram adequar o ambiente social para que essas pessoas possam vivenciar seus direitos de cidadania, vem de encontro a afirmativa de Isaías Pessoti, ainda na década 141 de 1930 de que a história da deficiência acompanha de perto a evolução da conquista e formulação dos direitos humanos (1984; p.1). A construção das representações sociais sobre pacientes especiais, objeto de relevância na área de saúde e, no caso desse estudo, na odontologia, se configura no embate entre processos cognitivos e relações sociais, no dia a dia dos diferentes grupos, orientando e guiando a ação. Nos alunos dos primeiros períodos o cuidado ancora-se na postura do profissional idealizado como herói e iluminado, onde a calma e a paciência contornam as dificuldades do atendimento. Todavia nos alunos que já atenderam o cuidado se ancora na prática de atendimento ao paciente, aonde o contato e a experiência conduzem os alunos a uma abordagem do mesmo como sujeito, mediada pelo carinho que esse encontro desperta, respeitando suas demandas e necessidades como estratégia para a superação de dificuldades no atendimento. Essa análise tem pontos em comum com as observações de Serino (2000) de que são muitas as reações diante de uma condição percebida como diferente, que contradiz os esquemas e hábitos dos indivíduos, indo desde a incompreensão radical a uma solidariedade que é muitas vezes aparente, e de uma marcada indiferença a uma verdadeira negação. Baseando-se em extensa revisão bibliográfica, a autora cita alguns trabalhos onde a criação de condições dentro das quais uma pessoa seja percebida como indivíduo, como sujeito particular, mais que como membro indistinto de uma categoria pode ser particularmente eficaz na superação de preconceitos. Beaufils (1988) assinala a importância da convivência concreta na construção das representações sociais sobre a deficiência, onde não se observam diferenças notáveis entre os conteúdos das representações de si, do companheiro particular e de outros companheiros. Outro aspecto que sobressai neste estudo é o distanciamento dos alunos das questões sociais relacionadas às pessoas com deficiência, tanto das dificuldades quanto dos avanços institucionais. Constata-se que a idéia de integração sobrepõe-se a idéia de 142 inclusão, levando os discentes a um pensamento impregnado pela ideologia da normalização que segundo Aranha (2001) tem como idéia central introduzir a pessoa com deficiência na sociedade ajudando-a alcançar padrões de vida o mais próximo possível da normalidade. Essa ideologia, baseada em concepções de desvio e normalidade orienta as ações no sentido de promover mudanças nas pessoas com deficiência, na direção de sua normalização, para que se adéquem a vida social. Em contraposição, na ideia de inclusão o foco são mudanças tanto no processo de desenvolvimento do indivíduo promovendo suas potencialidades, como no contexto social para que respondam as necessidades dessas pessoas e se façam os ajustes necessários ao seu efetivo acesso e participação na vida comunitária. Para que a inclusão se processe é necessário, portanto uma sociedade inclusiva. Dessa forma o pensamento dos alunos é um reflexo do pensamento social onde estão imersos e suas representações fruto desse contexto, guiando e orientando as ações. Esses dados levam a uma reflexão sobre a importância do contato com esse grupo de pacientes durante a graduação e seus reflexos na formação dos futuros profissionais de odontologia, como também da própria instituição de ensino. A complexidade do cuidado aos pacientes especiais envolve além de aspectos que dizem respeito ao saber estruturado cientificamente, aspectos sociais e emocionais do universo de alunos e pacientes. Dessa forma, Moraes et al (2006) ressaltam que uma formação integral que inclua a sensibilização e predisposição ao atendimento, conhecendo formas de pensar e sentir, e também as tendências referentes à ação dos estudantes de odontologia, no que se refere ao atendimento inclusivo de pessoas com deficiência pode contribuir no sentido de alcançar-se práticas educativas que contemplem as novas demandas da sociedade, formando profissionais mais qualificados no sentido de buscar-se a integralidade da atenção. O Relatório Final da Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB – Brasil, 2004) aponta a importância de atendimento a pacientes especiais na graduação em 143 Odontologia, ressaltando a necessidade de incorporação aos planos de curso dessa experiência para capacitar os alunos no cuidado integral desses pacientes, destacando ainda as falhas na formação dos cirurgiões dentistas na compreensão crítica das necessidades sociais em saúde bucal. Formar em saúde é principalmente desencadear processos reflexivos que promovam mudanças, através da problematização do cotidiano, capacitando o educando ao acolhimento e ao cuidado que contemple às várias dimensões e necessidades de saúde das pessoas, dos coletivos e das populações (CECCIM e FEUERWERKER, 2004; p.3), indo além da transmissão de práticas e saberes científicos estruturados. Segundo Flament (2001), se determinadas práticas consideradas legítimas tornarem-se frequentes e percebidas como irreversíveis pelos sujeitos, podem modificar o nível de ativação dos esquemas periféricos, com modificações progressivas das representações sem ruptura com o passado. Esse processo a longo prazo pode provocar mudanças estruturais das mentalidades. Dessa forma no caminho para a formação de profissionais “generalistas, humanistas, críticos e reflexivos” (DCN, 2002), numa atuação direcionada para transformações em benefício das sociedades, como propõe as diretrizes nacionais curriculares para os cursos de odontologia, o atendimento a pacientes especiais na graduação configura-se uma estratégia importante para a melhoria do acesso desses indivíduos a um cuidado integral, visando contribuir de forma efetiva para que a inclusão não se torne como nos alerta Aranha (2001), um rótulo vazio de significação social. 144 Antes de cursar a disciplina EIXO CUIDADO Depois de cursar a disciplina Ajuda EIXO SOCIEDADE Aids Medo Dor Alterações Triste Dependentes Trabalhosos Dificuldade Cui Cui da da Carinho do Doença Doença do Carinho Proteção Dimensão normativa Alegres Família Necessidade Respeito Alegria Conhecimento Atendimento Responsabilidade Dimensão funcional Superação Figura 6 Composição gráfica da estrutura das representações sociais dos alunos de Odontologia e seus eixos norteadores, antes e após cursara disciplina de atendimento a portadores de necessidades especiais 145 CONCLUSÕES Com base na TRS, foi possível uma aproximação dos processos simbólicos que constituem e (re)significam as relações sociais, permitindo-se identificar as estruturas representacionais dos diferentes grupos e os pontos de referência que orientam o debate social em torno do objeto, a partir de diversas estratégias metodológicas, triangulando técnicas de coleta e análise de dados onde se pode constatar e aprofundar a interpretação dos resultados obtidos. A população do presente estudo consistiu de estudantes de odontologia de uma universidade privada, predominantemente constituída por mulheres (mais de 60% em todos os grupos) com média de idade variando de 20 a 24 anos, seguindo tendências da maioria dos estudos atuais com estudantes de odontologia. O grupo dos pacientes especiais com os quais eles tiveram contato durante a graduação na clínica de atendimento a pacientes especiais, foi predominantemente constituído de pessoas com deficiências neurológicas, distúrbios congênitos e distúrbios psicossociais, não havendo diferenças significativas entre os sexos e predomínio de uma faixa etária específica. Esses pacientes dentro do extenso grupo dos pacientes considerados especiais para a odontologia são aqueles que representam o maio desafio para o atendimento, devido às suas especificidades em relação à abordagem e tratamento. Caracterizando-se as representações dos alunos, sua estrutura e organização acerca do paciente especial é interessante constatar que cuidado no grupo dos elementos comuns nos dois grupos é o único a estar presente no núcleo central de ambos, bem como constitui um eixo estruturante na análise das classes encontradas nos conteúdos das entrevistas, onde o corpus foi processado pelo IRAMUTEQ. Esse dado determina o alto poder simbólico e organizador desse elemento nas representações dos discentes, fruto de um contexto sócio-histórico onde a prática do cuidado institucional a esses indivíduos constituiu o primeiro paradigma formal na relação sociedade-deficiência, materializando-se nas chamadas instituições totais, onde pessoas com déficit mental ou outras deficiências eram mantidas isoladas do meio social com 146 intuito de proteção, educação ou tratamento e que apesar do seu fracasso pela sua ineficiência e do movimento que se processa em prol da inclusão, ainda povoa o imaginário social. Os resultados apontam também para mudanças na estruturação das representações dos alunos após o contato na clínica com pacientes especiais, o que se reflete nas suas atitudes e práticas em relação ao objeto, que a longo prazo podem contribuir para o processo de inclusão desses indivíduos. Elementos como doença, carinho e cuidado são fruto de um metassistema de regulações sociais e normativas em torno dos pacientes especiais sendo comuns na estrutura representacional em ambos os grupos de alunos (os que atenderam e os que não atenderam). Dor, trabalhosos e triste presentes nos esquemas mentais dos alunos dos primeiros períodos dão lugar a medo, conhecimento e alegria nos últimos períodos, cognições em ambos os grupos orientadas pelas concepções de deficiência e normalidade, que funcionam como norteadores das representações sociais dos alunos, inseridas num esquema maior que é o pensamento social. Essa análise é corroborada pelo eixo deficiência e sociedade que engloba três classes na análise dos conteúdos das entrevistas confirmando a influência do pensamento social na lógica e dinâmica das representações dos alunos e a força das relações e da comunicação na sua constituição. Esses resultados sugerem uma transformação das representações discentes dos primeiros para os últimos períodos num processo denominado por Flament (2001) de progressivo, onde se processam mudanças lentas no sistema periférico mantendo-se ainda uma ligação com o passado. A TRS oferecendo subsídios para apreender e interpretar a rede de significados que explica os sentidos atribuídos ao paciente especial pelos alunos, a partir das suas experiências pessoais, mas também a partir de crenças, valores, imagens permitiu identificar os vários aspectos nos quais os alunos ancoram o paciente especial, enquanto um fenômeno relevante e o conhecimento que atribuem ao mesmo, além da constatação 147 de que o contato com pessoas com deficiência na graduação promoveu mudanças estruturais nas representações discentes construídas. Nos primeiros períodos, o sentido de um atendimento trabalhoso, com muitas dificuldades que requer preparo e habilidades específicas, numa idealização do profissional que terá que ter muito carinho e amor para conseguir atendê-los como se fosse uma missão, e após o 7º período quando passam pela experiência do atendimento apesar do medo, das dificuldades, os alunos mobilizam ao lado dos sentimentos que esse contato desperta, o conhecimento acumulado na graduação para enfrentar o que agora se configura num desafio. É importante ressaltar o aparecimento nas representações dos alunos após a experiência do atendimento, de uma dimensão funcional dos elementos centrais carinho e cuidado, ancorada em diversos elementos do sistema periférico. Esses dados necessitam ser aprofundados em estudos futuros que possam acompanhar longitudinalmente esses resultados, mas, parece não haver dúvida de que aspectos positivos dos pacientes como alegria e superação passam a ser valorizados pelos alunos orientando as práticas a partir do conhecimento tanto das necessidades dos pacientes e das famílias como do conhecimento científico estruturado e vivenciado a partir do atendimento, numa atitude de respeito que leva à superação do medo e das dificuldades. As práticas desenvolvidas pelos alunos no decorrer dos atendimentos realizados são plenas de conteúdos afetivos, demonstradas pelas manifestações de carinho constantes tanto dos pacientes quanto dos alunos e pelas manifestações de aspectos emocionais que permeiam essa relação como tristeza, alegria, perplexidade, satisfação e prazer constatados no processo de observação durante toda a pesquisa. Isso enfatiza a importância da dimensão afetiva na construção do conhecimento para que este se torne significativo a ponto de produzir mudanças em atitudes e práticas. A construção de sentidos em torno de doença, dor e tristeza gerando dificuldades, baseada em crenças historicamente construídas a respeito das pessoas com deficiência, orienta as atitudes e práticas dos alunos dos primeiros períodos gerando um distanciamento e uma idealização do profissional como um missionário que tem que ter 148 muito amor e paciência para realizar um atendimento em um paciente especial. Esse pensamento vai sendo substituído no decorrer da experiência na disciplina de pacientes especiais, por uma valorização de aspectos positivos dos pacientes e do atendimento, mediados pelos sentimentos que a relação que se estabelece com os pacientes gera, ao lado da mobilização de um conhecimento estruturado adquirido no decorrer do curso, produzindo para surpresa dos alunos, uma experiência prazerosa e gratificante. Portanto conhecer as representações dos alunos permitiu identificar os elementos simbólicos que podem estar contribuindo para atitudes negativas em relação aos pacientes especiais, com base em crenças e memórias comuns. A triangulação metodológica utilizada, articulando observação, abordagens estrutural e processual, constituiu-se em uma rica estratégia para viabilizar o acesso e a compreensão da rede de significados que sustenta os processos que dificultam a inclusão dos pacientes especiais, bem como as diversas dimensões relacionadas ao cuidado desses indivíduos. Os resultados dessa pesquisa apontam para a importância de se conhecer as representações sociais de pacientes especiais como guia das atitudes e práticas relacionadas ao atendimento desses pacientes, e o papel da Universidade como reprodutora ou não de conceitos, crenças, valores e sentidos construídos socialmente. Ao se viabilizar a convivência com pessoas com algum tipo de deficiência durante a graduação, além do enriquecimento da formação científica do aluno, pode-se proporcionar oportunidades valiosas de envolvimento e cumplicidades, que desencadeiem processos de reflexão em toda a comunidade acadêmica, de que a inclusão social dos pacientes especiais é um projeto a ser construído por todos. Programas que proporcionem suporte teórico e atendimento clínico a esses indivíduos com ênfase em aspectos sociais e envolvimento de todos os atores, podem desencadear reflexões que extrapolem o paradigma de serviços, produto da ideologia da normalização, centrado em oferecer serviços multiprofissionais que promovam mudanças individuais. A influência do imaginário social e o peso da dimensão afetiva na construção das representações que funcionam como guia de atitudes e práticas dos alunos, foram 149 explicitados nesse estudo. O peso dessas dimensões no processo de elaboração do novo que se configura na experiência de atendimento proporcionada pela disciplina, promove um processo progressivo de mudanças. Essas puderam ser constatadas na composição estrutural das representações de pacientes especiais, sendo verificadas com mais facilidade nos sistemas periféricos construídos pelos dois grupos, ainda articuladas às suas experiências passadas. A importância desses aspectos na construção do conhecimento em especial na área da saúde num momento de mudanças de paradigmas e reflexões sobre o ato de cuidar torna relevante estudos com esse enfoque teórico e merecem uma apropriação e avaliação das instituições formadoras que levem em conta seus resultados para a elaboração de modelos curriculares com potencial transformador para a formação do educando no sentido da integralidade da atenção, contribuindo para a construção efetiva de sociedades inclusivas. 150 REFERÊNCIAS ABRIC, J. C. Méthodologie de recueil des représentations sociales. In: _____. (Org.). Pratiques sociales et représentation. Paris: PUF, 1994. p.59-82. ______. O estudo experimental das representações sociais. In:_____. (Org.). Representações sociais: um domínio em expansão. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2001. p. 155-171. ______. L’analyse structurale des representations sociales. In: MOSCOVICI, S.; BUSCHINI, F. Lês méthods des sciences humaines. 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Sim ( ) Não ( ) Se respondeu SIM, quem eram/são essas pessoas e como era/é a convivência com elas? ________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ 11- O que você entende por SUS? ________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ 8- Paciente especial te preocupa? ( ) Sim ( ) Não Por que responde assim? ________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ 9-Como você descreve um paciente especial? ________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ 169 12- O que você acha que as pessoas pensam a respeito do SUS? Por que pensa assim? ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ 13-Você ou sua família fez ou faz uso do SUS? ( ) SIM ( ) NÃO Justifique a sua resposta ________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ 10- Você acha que seus colegas teriam/têm dificuldades para atender um paciente especial? ( )sim ( )não Por que? ________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ 10- Com quem você mora em sua casa? ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ 13-Das respostas abaixo, quais não competem ao SUS: () ações de promoção proteção e recuperação da saúde, vigilância nutricional e formação de recursos humanos na área de saúde ( ) formulação da política de medicamentos, ações de saneamento básico e vigilância epidemiológica ( )vigilância sanitária,controle da prestação de serviços ligados direta ou indiretamente com a saúde e vigilância nutricional e alimentar ( ) construção de habitações populares, fiscalização de impostos e política exterior ( ) fiscalização de alimentos, água e bebidas para consumo humano, política de sangue e seus derivados e assistência farmacêutica 14- No Brasil existe alguma política do SUS, voltada para a saúde bucal da população? ( ) SIM ( ) NÃO Se respondeu sim, o que você conhece a respeito: ________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ________________________________________________________________ 170 15- Em relação às fontes de informação sobre SUS qual(is) a(s) que você mais frequentemente tem utilizado? ( ( ( ( ( ) televisão, jornais e revistas ) congressos e cursos de extensão ) livros e manuais ) aulas na graduação ) periódicos em revistas especializadas Por favor, fale sobre você: Idade: _____ anos Sexo: Masculino ( ) Feminino ( ) Cidade e Bairro em que mora: _________________________ Período: 1º ( ) 2º( ) 8º ( ) Outro_________. Sobre seus familiares: marque com X o grau de instrução e indique a profissão. Grau de escolaridade Ensino fundamental Ensino médio Ensino superior Não sei Profissão Avô materno Avó materna Avô paterno Avó paterna Pai Mãe Utilize o espaço abaixo se você desejar fazer alguma consideração final ou acrescentar algo que você ache importante sobre esse trabalho. Muito obrigada pela sua atenção! 171 ANEXO 2 172 ANEXO 3 173 ANEXO 4 Roteiro de entrevista nº 1- A gente ouve falar que existem vários tipos de deficiência. Quais são as que você conhece? E como você acha que os seus colegas encaram pessoas com deficiência? Como a deficiência interfere na vida das pessoas 2-Já conviveu ou teve contato com alguma pessoa considerada especial? Fale sobre ela? 3- Você está procurando um médico endocrinologista e lhe indicam um considerado muito bom. Ao entrar no consultório para consulta você percebe que ele que é cego. O que você faz, porquê? 4- Como é não ser especial? O que é para você ser normal? 5-Um vizinho seu leva o filho de três anos para iniciar as aulas numa escola no préescolar. Chegando lá observa uma criança com síndrome de down na sala do seu filho. Como você imagina que será a reação dele e como ele poderá comentar essa situação com você. 6-Você está num supermercado e vê uma mulher sozinha numa cadeira de rodas fazendo compras. O que você acha que as outras pessoas pensam ao vê-la. Porque você pensa assim? 7-Como você acha que um colega seu reagiria ao ver que um paciente que está saindo de uma consulta odontológica e é paralisado cerebral? E você? Porque? 8-Imagine (1º) ou descreva (8º) você atendendo um paciente especial. Fale um pouco sobre isso? 9- Como é ser dentista que atende pacientes especiais? 10- Existe um profissional ideal para atuar nesse campo? 11- Quem você acha que pode trabalhar nessa área? Dados sociodemográficos: 1-Idade: ____ 2- Sexo:____ 3- Período:____ 4-Estado civil:____ 5-Tem filhos:_____6Você pratica alguma religião?_______ 7-Mora com quem?__________________________________________________ Qual a profissão dos seus pais e avós? 174 ANEXO 5 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Eu, Claudia de S. Thiago Ragon, doutoranda de Sáude Coletiva do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, responsável pela pesquisa “A contribuição do atendimento a pacientes especiais na formação integral do cirurgião-dentista: um estudo de representações sociais ” faço um convite a você para participar como voluntário desse estudo. Essa pesquisa pretende conhecer os sentidos atribuídos pelos alunos de odontologia antes e depois de cursarem a disciplina de pacientes especiais visando compreender melhor como eles orientam suas atitudes e condutas em relação ao paciente especial. Para sua realização precisamos de sua participação respondendo a essa entrevista/questionário para que possamos a partir dos dados produzidos desenvolver o nosso trabalho. Você tem garantido o seu direito de não aceitar participar ou de retirar sua permissão, a qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo ou retaliação, pela sua decisão. As informações desta pesquisa serão confidenciais, e serão divulgadas apenas em eventos ou publicações científicas, não havendo identificação dos voluntários, a não ser entre os responsáveis pelo estudo, sendo assegurado o sigilo sobre sua participação. A qualquer momento estou à disposição para quaisquer dúvidas ou esclarecimentos. Desde já agradeço. Pesquisadora: Claudia de S. Thiago Ragon e-mail: thiagoragon@ hotmail.com tel: (24) 999671512 Petrópolis, Eu de de 201 . ___________________________________________________________ RG nº__________________________, declaro ter sido informado e concordo em participar, como voluntário, do projeto de pesquisa acima descrito. 175 ANEXO 6 1º ARTIGO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS CONSTRUÍDAS POR ALUNOS DE ODONTOLOGIA A RESPEITO DE PACIENTES ESPECIAIS Resumo Objetivou-se apreender e analisar os sentidos construídos por alunos dos 1º, 2º e 8º períodos de graduação de odontologia de uma universidade privada-RJ sobre pacientes especiais (PE) através de um estudo exploratório fundamentado na abordagem estrutural representações sociais (RS). Utilizou-se um questionário com um teste de associação de palavras com o termo paciente especiais, seguido de questões abertas e fechadas, para explorar normas, valores, crenças, fontes de informação e práticas relacionadas com objeto. Do total de 178 alunos, 107 estavam presentes no momento da coleta dos dados. Os resultados mostraram que os elementos cuidado difícil, doença e trabalhosos compõem o núcleo central da representação dos alunos do 1º/2º períodos e cuidado, carinho e difícil do 8º; aids, dedicação, dor, respeito e triste, e dependência, especiais, igualdade, frágeis, necessidade, paciência, respeito, responsabilidade e sinceros compõem os sistemas periféricos do 1º/2º e do 8º período. Observou-se a influência de crenças e significantes historicamente presentes na sociedade que influenciaram as RS construídas sobre pacientes especiais e indícios de mudança nos alunos do 8º período, que pode estar relacionada com a experiência tida na Clínica de Pacientes Especiais, fazendo-os repensar atitudes e comportamentos em relação a esse grupo. Palavras-chave: representações sociais, pacientes especiais, graduação em odontologia Introdução Na Odontologia é comum classificar-se a pessoa com alguma deficiência dentro do grupo de pacientes com necessidades especiais (SILVA, PANHOCA e BLACHMAN, 2004). Esse conceito é amplo e abrange, diversos casos que requerem atenção diferenciada, impedindo o indivíduo de ser submetido a uma situação odontológica convencional (BRASIL, 2006). As dificuldades dos profissionais da área da saúde em lidar com os pacientes especiais refletem a relação da sociedade com este grupo e são fruto do legado histórico e da falta de informação, que permeiam essa relação gerando preconceito e despreparo (CARVALHO et al, 2004). No Brasil, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, numa concepção inclusiva, objetiva a promoção de saúde às pessoas com deficiência através de uma assistência integral, observando-se os princípios constitucionais do SUS de 176 descentralização, regionalização e hierarquização. Objetivando alcançar a integralidade da atenção e considerando-se a diversidade e complexidade dessa parcela da população, é de fundamental importância a atuação de uma equipe multi e interdisciplinar, trocando e integrando saberes e experiências com o objetivo comum de promover e manter a saúde desses indivíduos. A participação da odontologia nesse contexto ainda não é muito efetiva, apesar da magnitude e extensão dos problemas apresentados e relatados na literatura disponível (BARILLI et al, 2006; CARVALHO e ARAÚJO, 2004; HAAS, MAYRINK e ALVES, 2008; GUERREIRO e GARCIAS, 2009). A partir de um amplo debate na comunidade odontológica, em consonância com as deliberações das Conferências Nacionais de Saúde e da I e II Conferência Nacional de Saúde Bucal, o Ministério da Saúde elaborou as novas diretrizes para a organização da atenção à saúde bucal no âmbito do SUS. Um dos problemas inseridos dentro das ações complementares e imprescindíveis propostas nesse novo modelo é o atendimento às pessoas com necessidades especiais. Nesse processo de transformação da prática odontológica, surge a necessidade de capacitar equipes e profissionais visando à consolidação das mudanças. Segundo Moraes et al (2006), A preparação de alunos para atuar com pacientes especiais pressupõe, além de formação técnica, a sensibilização e a predisposição ao atendimento..., para isso, ...considerou-se importante conhecer formas de pensar e sentir, bem como as tendências referentes à ação dos estudantes de odontologia, no que tange ao atendimento inclusivo de pacientes com deficiência. Segundo, Silva, Panhoca e Blachman (2004), deveria ser uma preocupação das universidades da área de saúde estudar e entender mais o ser humano e a sociedade, assim como faz com doenças e procedimentos técnico-cirúrgicos (p.112.). Nesse sentido considerar outras dimensões na formação do CD, torna-se pertinente na análise e integração de conhecimentos específicos de diversas áreas com o objetivo comum de promover e manter a saúde dos pacientes especiais. A partir dessas considerações e da experiência docente na disciplina de atendimento a portadores de necessidades especiais, desenvolveu-se o seguinte questionamento: O atendimento a portadores de necessidades especiais na graduação em odontologia pode facilitar a qualificação dos CD diante das novas demandas existentes, contribuindo para a formação integral do profissional influenciando o processo de inclusão social desses indivíduos? 177 Nessa perspectiva, esse estudo objetivou apreender e analisar as representações que os alunos do curso de odontologia da Unigranrio-RJ, do1º e 2º períodos, antes de atuarem na clínica de pacientes especiais, e 8º período, após terem contato com esses pacientes na clínica, constroem a respeito de pacientes especiais e a partir da comparação dos resultados verificar como as representações sociais vêm orientando as práticas e condutas dos alunos em relação aos pacientes especiais visando intervenções futuras. Teoria das Representações Sociais Segundo Wagner e Heyes (2011), uma representação social não é uma descrição no sentido de uma proposição que possa ser verdadeira ou falsa. Ao contrário, pode ser entendida como uma elaboração de idéias ou fatos que possuem verdade fidedigna. Devido a seu caráter simbólico, as representações sociais se encontram entre o indivíduo e o mundo social e dotam os objetos e os fatos de um significado social único. Dessa forma, convertem fatos brutos em objetos sociais que povoam o espaço de vida dos grupos. Essas construções só devem ser consideradas representações sociais quando se tornam predominantes, mesmo que não completamente compartilhadas pelos membros de um grupo culturalmente distinto dentro da sociedade. Não é necessário um consenso completo, porém, deve haver uma base ampla de consenso entre os companheiros de um grupo social. A percepção dos diferentes objetos implica numa trajetória cognitiva atravessada pelo psiquismo individual e social dando origem a dois processos, que mostram a interdependência entre a atividade psicológica e as condições de seu exercício, os quais Moscovici, ao propor a teoria a das representações sociais (TRS) (MOSCOVICI, 2003), chamou de objetivação e ancoragem. Àquela dando um contexto inteligível ao objeto, associando-o a uma figura, tornando-o concreto, palpável, reproduzindo um conceito em uma imagem, e esta dando a essa figura um sentido, tornando-a familiar, através da integração a um pensamento social pré-existente e a um amplo domínio experiencial não arbitrário, mas que podem ser limitados pelo marco da cultura comum, e num nível mais geral através de idéias fonte, esquemas de imagens, arquétipos ou themata, base das muitas culturas (WAGNER e HEYES, 2011). Através desses dois processos o social 178 transforma o conhecimento, informação, experiência em representação e esta transforma o social. A complexidade dos processos de comunicação que o eu desenvolve com os outros está na base de sua identidade, dos saberes e da vida social e em particular a relação do eu com a alteridade radical pode ser alimentada tanto por energias amorosas como destrutivas, numa luta para preservar a onipotência do eu, levando à condutas e práticas diversas que vão desde tentativas de comunicação e compreensão até práticas de classificação, exclusão e até em casos extremos extermínio da perspectiva e corpo do outro (JOVCHELOVITCH, 2008). A representação de determinado objeto não é um simples reflexo da realidade, e não são unicamente construções mentais de sujeitos individuais, mas implicam um trabalho simbólico que emerge das interrelações Eu, Outro e objeto-mundo e está associada a fatores circunstanciais e fatores globais (normas, valores, crenças) funcionando como um sistema de pré-decodificação, guiando a ação e orientando as ações e relações sociais (JOVCHELOVITCH, 2008, MOSCOVICI, 2003). Nessa perspectiva, a TRS apresenta-se com potencial para a compreensão pertinente e efetiva das práticas dos CD em relação aos pacientes com necessidades especiais. Será utilizada neste trabalho a abordagem estrutural, inaugurada por Jean Claude Abric, por se considerar a importância da organização interna das representações para compreender-se sua dinâmica e por ser um instrumento importante, na busca de respostas para os processos envolvidos na mudança de atitudes, que nos interessa em particular, visando diminuir resistências por parte dos CD ao atendimento de pacientes especiais. Nessa abordagem três idéias devem ser consideradas: de que as RS constituem conjuntos sociocognitivos organizados e estruturados; que essa estrutura específica é constituída de dois subsistemas: um central e outro periférico; que o conhecimento simples do conteúdo de uma representação não é suficiente para defini-la, sendo necessário identificar os elementos centrais que a organizam e lhe dão significado (ABRIC, 2003). As diferentes opiniões e atitudes são conseqüência da função geradora do núcleo central (dá significado e valor aos outros elementos) e podem ser denominados elementos virtuais determinando a dimensão normativa do núcleo central. Já os 179 elementos do sistema periférico são funcionais, no sentido de que orientam as condutas e contém supostos adicionais que sustentam o núcleo central em circunstâncias diversas e o justificam, sendo, portanto mais associados ao contexto imediato (WAGNER e REYES, 2011). O núcleo central, por sua estabilidade, conserva suas características nos diferentes contextos e possui duas funções essenciais: geradora de sentidos dos demais elementos, e organizadora, unindo e tornando estáveis os elementos da representação. Esta condição o torna resistente à mudança, e por isso qualquer alteração irá determinar uma transformação completa da representação, permitindo o estudo comparativo das representações (ABRIC, 2003). A abordagem estrutural tem se mostrado, desde a sua introdução no campo das representações sociais, bastante pertinente na análise científica das mentalidades e das práticas sociais, buscando trazer respostas para os processos envolvidos nas mudanças de atitudes, sendo o jogo e a interação entre sistema central e sistema periférico elementos fundamentais na atualização, evolução e transformação das representações (ABRIC, 2003). Metodologia O presente estudo foi realizado com todos os alunos do 1º, 2º e 8º períodos do 2º semestre de 2011 do curso de graduação em Odontologia de uma universidade privada do Rio de Janeiro- Brasil, presentes, e que concordaram em participar desta. Dessa forma o estudo abrangeu dois momentos na formação desses alunos: antes e após cursarem a disciplina de pacientes com necessidades especiais no 7º período. Num primeiro momento, foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário iniciado com um teste de associação de palavras com o termo indutor “paciente especiais” no qual se perguntava: “Quais as quatro palavras que vêm a sua cabeça ao ouvir a palavra pacientes especiais. Marque com um X as duas palavras que considere mais importantes e justifique suas respostas”, seguido de questões abertas e fechadas, objetivando a identificação sociodemográfica dos sujeitos, nível de informação sobre pacientes especiais e questões visando explorar normas, valores, crenças, fontes de informação e práticas dos sujeitos em relação ao objeto em estudo. 180 O material do teste de evocação foi analisado segundo as dimensões individual e coletiva através da verificação das frequências - dimensão coletiva - e das ordens médias de evocação - dimensão individual -, identificando-se o conteúdo da representação social. Assim sendo, calculadas as médias das frequências e ordens médias de evocação, estas foram lançadas em um gráfico de dispersão onde o cruzamento das respectivas linhas o dividirá em quadrantes (TURA et al., 2011). Nesse gráfico, no quadrante superior esquerdo encontram-se os elementos que provavelmente compõem o sistema central, pois são os mais prontamente evocados e os que têm maiores frequências. No quadrante inferior direito, encontram-se com menores frequências e mais tardiamente evocados, constituindo o sistema periférico. Os outros quadrantes são compostos por elementos que mantém uma relação próxima com o sistema central, observando-se a variação dos atributos considerados. Uma vez identificados os elementos constituintes da estrutura representacional, é preciso que se analise como estão organizados, isto é, quais as conexões que existem, expondo o valor simbólico desses elementos, na medida em que se explicitam as relações significativas entre os conjuntos formados por eles. Essa tarefa foi realizada através da análise de similitude, empregando-se o programa Dressing®. As perguntas fechadas foram analisadas por análise de proporções e as abertas pela análise temática de conteúdo (BARDIN, 2003). O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unigranrio, tendo sido observados os princípios estabelecidos pela legislação vigente. Resultados e Discussão Do universo de 178 alunos do 1º, 2º e 8º períodos, 107 responderam ao questionário: 67 do 1º e 2º períodos e 40 do 8º, correspondendo a 60,11% do universo considerado. Nesse conjunto, 56,01% do 1º/2º períodos e 75% do 8º período eram do sexo feminino, sendo a média de idade para o 1º/2º períodos de 20 anos (DP=2,35) e para o 8º período de 23,7(DP=5,22). A análise realizada com auxílio do Evoc 2000 ® permitiu encontrar para os alunos do 1º/2º períodos a frequência média de evocações (Fm) igual a 15 e a média de ordem média (OME) igual a 2,5, e a partir desses cálculos verificou-se que os elementos 181 cuidado, difícil, doença e trabalhosos têm atributos de componentes do núcleo central, e aids, dedicação, dor, respeito, e triste, do sistema periférico (Quadro 1). Quadro 1 Distribuição dos elementos segundo freqüência e ordem média de evocação do 1º e 2º períodos fm OME < 2,5 >= 15 OME >= 2,5 Elementos Cuidado Difícil Doença Trabalhosos Carinho F 34 23 21 15 27 OME 2,265 2,478 2,143 2,333 2,778 < 15 Elementos Cadeirante Déficit Mental Down f 11 8 11 OME 2,091 1,500 2,273 Aids Dedicação Dor Respeito Triste 8 7 10 10 10 3,000 3,143 2,800 2,600 3,400 Para os alunos do 8º período a Fm foi igual a 6 e a OME igual a 2,0, verificandose que carinho, cuidado e difícil preenchem os requisitos de elementos centrais e os elementos dependência, especiais, frágil , igualdade, necessidade, paciência, respeito, responsabilidade e sinceros, do sistema periférico (Quadro 2). Quadro 2 Distribuição dos elementos segundo freqüência e ordem média de evocação do 8º período fm OME < 2,0 Elementos >= 6 Carinho Cuidado Difícil Dedicação <6 OME >= 2,0 F OME 18 21 6 6 Elementos 1.944 Alegres 1,810 Diferente 1,833 Pena Superação 2,333 Dependência Especiais Frágil Igualdade Necessidade Paciência Respeito Responsabilidade Sinceros f OME 5 2 3 2 2 2 3 2 3 3 5 5 2 1,800 1,500 1,333 1,500 2,000 2,000 2,000 2,000 2,667 2,333 2,800 2,600 2,500 182 Na comparação destes quadros, constatam-se composições com semelhanças e diferenças em relação aos sistemas central e periférico nos grupos estudados. É comum nos dois grupos a presença de cuidado e difícil no sistema central, entretanto observa-se que no oitavo período desaparecem doença e trabalhosos, e está presente carinho. No sistema periférico, somente respeito é elemento comum aos dois grupos, mostrando um conjunto maior no oitavo período, dando indícios de ancoragens mais complexas na medida em que este grupo já fora exposto a uma experiência que propiciou maior proximidade com esses pacientes. O estudo da organização dos elementos representacionais permite no 1º/2º períodos, a constatação da alta conexidade dos elementos difícil e doença, ligados praticamente a todos os outros elementos, confirmando uma das características dos elementos centrais, como assinala Abric (2003), que por serem geradores de sentidos estabelecem grande número conexões com os elementos periféricos (Figura 1). Figura1 - Análise de similitude do 1º/2º períodos É interessante observar de um lado doença ligada a aids, down, déficit mental, triste e difícil, e do outro difícil articulado com doença, triste, trabalhosos, dor e déficit mental formando estruturas estelares, que encontram-se ligados pela mesma aresta de dois gráficos triangulares cujos vértices são os elementos triste e déficit mental, sugerindo uma visão estereotipada, através de ancoragens baseadas em crenças historicamente construídas a respeito dos portadores de necessidades especiais como deficientes mentais e tristes ou em exemplos que consideram como “anomalias” ou doenças, como 183 Síndrome de Down, cadeirantes e aids elementos encontrados no sistema periférico e periferia próxima (Quadro 1). É interessante observar-se o conflito dos sujeitos em relação à possibilidade real como profissionais, de atendimento aos pacientes especiais constatada pela ligação do elemento difícil a dor de um lado, e trabalhosos do outro, que por sua vez está fortemente ligado a cuidado, respeito, carinho e dedicação. Tais conexões apontam para diferentes aspectos relacionados aos sentidos construídos por estes sujeitos em relação aos pacientes especiais. De um lado uma visão baseada na crença de que tratar desses indivíduos gera muita dor e dificuldade e por outro o cuidado ligado ao respeito, carinho e dedicação, elementos necessários para um bom atendimento a qualquer pessoa. Analisando-se a estrutura do 8º período, observou-se que cuidado e difícil permanecem no núcleo central e os elementos doença e trabalhosos dão lugar a carinho. Na análise de similitude é interessante constatar a alta conexidade do elemento cuidado dando sentido e gerando conexões com praticamente todos os outros elementos (Figura 2). Gráfico 2. Análise de similitude do 8ºperíodo Aqui também se encontrou uma organização diferente do elemento difícil que forma agora um esquema triangular com os elementos especiais e cuidado, sugerindo uma especificidade no atendimento a uma pessoa considerada especial caracterizada pelas dificuldades relacionadas ao cuidado. Do outro lado, o elemento respeito fortemente ligado a cuidado e carinho que por sua vez articula-se a igualdade, conectado 184 também ao elemento sinceros, sugerindo que o carinho e o respeito necessários ao cuidado dispensado a esses indivíduos por estes alunos, os fazem enxergá-los como seres iguais a todos enfatizando a sinceridade como uma característica associada a realidade de não esconderem o que são e sentem. Finalmente as conexões do elemento diferente a alegres, frágil, superação, responsabilidade e necessidade exibem ancoragens com ênfase agora em características não mais ligadas a aspectos negativos dos pacientes, numa visão ancorada na superação e alegria não mais de seres doentes, mas de seres diferentes determinando a responsabilidade de um cuidado diferenciado adequado às suas necessidades. A análise do conteúdo das respostas para as justificativas das escolhas das palavras consideradas mais importantes corrobora esta interpretação. Os conteúdos foram agrupados em três grandes conjuntos: justificativas relacionadas aos pacientes, aos profissionais e à sociedade (Quadro 3). Nos alunos do 1º/2º períodos 20% das justificativas relacionadas aos pacientes falam em doença, seguidas de necessidades especiais (14%), sendo mencionadas pelos sujeitos características com ênfase em aspectos negativos do paciente especial, sendo as mais citadas: difíceis, tristes, dependência, deficiência mental, defeitos físicos e diferentes (6% cada). Já nos alunos do 8º período, as justificativas relacionadas ao paciente mais citadas foram: limitações (14%) e necessidades específicas (14%), e as características mais citadas passam a enfatizar aspectos positivos do paciente: carinhosos, alegres, e diferentes (11% cada) seguidas de carentes e superação (7,4% cada). Em relação às justificativas relacionadas aos profissionais, nos alunos do 1º/2º períodos, as mais citadas foram: devemos dar bastante carinho e amor (28%), cuidado e maior dedicação (27%) e tratar com respeito (13,5%) e os do 8º, maior atenção e cuidado (37%), seguida de respeito igual aos outros (16%), amor (11%) e mais paciência (7%). Os conteúdos evidenciam o conflito vivenciado pelos alunos dos primeiros períodos em relação ao atendimento desses pacientes, por ser um universo desconhecido, através de um discurso alusivo de carinho, amor e cuidado com foco na dedicação e respeito profissional necessários para um bom atendimento. O cuidado e atenção aparecem como elementos mais citados para os alunos do 8º período com ênfase no respeito, amor e 185 paciência necessários a um bom atendimento a um paciente especial como a qualquer paciente. Finalmente, é interessante ressaltar os conteúdos relacionados à sociedade, que no 1º/2º períodos corresponderam a 80% com sentido de rejeição e que no 8º prevalece o de preconceito (33%), seguido de exclusão (22%). Esses achados corroboram a influência de crenças e significantes construídos em torno da exclusão desses indivíduos na sociedade, Os dados sugerem uma mudança na visão a respeito dos pacientes especiais dos alunos dos primeiros períodos para os do oitavo, que pode guardar relação com a experiência a que tiveram expostos ao cursarem a disciplina de Clínica de Atendimento a Pacientes Especiais a partir do sétimo período, onde prestaram atendimento a esse grupo. Quadro 3 Análise das justificativas das palavras principais do 1º e 2º e 8º períodos 1º/2º Períodos Rel/ ao paciente Rel/ ao profissional Rel/ a sociedade Doença, anomalia Devemos dar bastante carinho e amor Rejeição (4/80%) (6 /19,3%) (11/29%) Merecem mais atenção, cuidado Cuidado maior, dedicação (10 /27%) Desrespeito (1/20%) especial (5/16 %) Necessidades especiais (4/12.9%) Tratar com respeito (5/13%) Difíceis, diferentes, tristes, Necessidade de preparo habilidade, deficiência mental, defeitos físicos dificuldades (2/5%) (2/6,5%) Agitados, teimosos, sofrimento, Responsabilidade (1/5%) atraso (1/3, 2%) Total = 31 Total =37 Total=5 8º Período Rel/ ao paciente Rel/ ao profissional Rel/ a sociedade Limitações (4/14,3%) Maior atenção e cuidado (17/38,6%) Preconceito (3/33,4%) Necessidades específicas (4/14,3%) Respeito igual aos outros (7/15,9%) Exclusão (2/22,2%) Carinhosos, alegres, diferentes Amor (5/11,3%) (3/10,7%) Carentes, superação (2/7%) Atendimento igual aos outros, aprendizado (2/4,5%) Colaboradores, força de vontade, Ser calmo, responsabilidade, riqueza, lindos, disformes, dificuldades, preparo, desafio, dificuldade, dependentes (1/3,6%) sensibilidade, dom, recompensador ( 1/ 2,3%) Total= 28 Total =44 186 Considerações Finais A complexidade envolvida na decisão profissional para o atendimento odontológico a pacientes especiais nos leva a algumas considerações sobre a formação do cirurgiãodentista. Experiências educativas que propiciem uma reflexão sobre as várias dimensões envolvidas com o cuidado em saúde, podem contribuir para formar profissionais com um olhar mais atento, que permita ir além da formação técnica. Os resultados desse estudo apontam para a importância de se conhecer os fatores psicossociológicos envolvidos nessa decisão, através de alicerces teóricos convincentes, e o papel da Universidade como reprodutora ou não de conceitos, crenças e sentidos construídos socialmente e que se perpetuam nas interrelações dificultando o processo de transformação do cuidado em saúde. Nesse sentido uma formação integral que inclua a sensibilização e predisposição ao atendimento, conhecendo formas de pensar e sentir, bem como as tendências referentes à ação dos estudantes de odontologia, no que tange ao atendimento inclusivo de pacientes com deficiência pode contribuir no sentido de alcançar-se uma formação que contemple as novas demandas da sociedade formando profissionais mais qualificados no sentido de buscar-se a integralidade da atenção. Referências ABRIC, J. C. L’analyse structurale des representations sociales. In: Moscovici S, Buschini F. Lês méthods des sciences humaines. Paris: PUF; 2003, p. 375-92. BARDIN L. L´analyse de contenu et de la forme des comunications. In: MOSCOVICI, S et BUSCHINI F. (Édt.). Les méthods des sciences humaines. Paris: PUF, 2003, p. 24370. BARILLI, A. L. A et al. Periodontal disease in patients with ischemic coronary atherosclerosis at a University Hospital. Arq Bras Cardiol. v. 87, n. 6, p. 635-640, 2006. BRASIL. 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