Monoartrite como manifestação de paracoccidioidomicose

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Rocha FF, et al • Monoartrite como manifestação de paracoccidiodomicose
RELATO DE CASO/RELATO DE CASO
Monoartrite como manifestação de
paracoccidioidomicose
Monoarthritis as manifestation of paracoccidioidomycoses
Felipe Filardi da Rocha1
Maísa Gomes Campos2
Médico Graduado pela Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais; Residente de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Minas Gerais - MG.
2
Médica Graduada pela Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais - MG.
1
Rev Panam Infectol 2007;9(1):31-33
Conflicto de interés: ninguno
Resumo
Os autores relatam o caso de uma paciente de 29 anos com
quadro crônico de monoartrite em joelho direito. Após cirurgia
e biópsia sinovial foi diagnosticada a infecção pelo Paracoccidioides brasiliensis. Propedêutica complementar mostrou acometimento pulmonar isolado, com tomografia computadorizada
revelando opacidades em “vidro fosco” com esparsa distribuição
lobular e espessamento de septos interlobulares. Foi iniciado
tratamento com itraconazol 100 mg/dia e acompanhamento
ambulatorial. Ressalta-se a importância de reconhecer a doença nos pacientes com manifestações clínicas semelhantes nas
áreas endêmicas.
Palavras-chave: Paracoccidioidomicose, Paracoccidioidomicose,
diagnóstico, Artrite.
Abstract
The authors report a case of a female adult, 29-years-old,
with chronic monoarthritis in the right knee. The diagnosis was
achieved only after sinovial biopsy, by anatomopathological
examination showing infection by Paracoccidioides brasiliensis. Various propaedeutic methods, including computed axial
tomography, detected that the lungs were affected too. The
patient has been treated with Itraconazole (100 mg/daily). In
the endemic areas, involvement of joints and bones should be
considered more often and the efficacy of itraconazole therapy
should also be taken into consideration.
Key words: Paracoccidioidomycosis, Paracoccidioidomycosis/
diagnosis, Arthritis.
Recibido en 16/1/2006.
Aceptado para publicación en 30/11/2006.
Introdução
Paracoccidioidomicose é uma infecção fúngica crônica, de
caráter granulomatoso e progressão insidiosa, mais freqüente nos
países da América Latina(2). A incidência da doença no Brasil,
maior detentor dos casos, é considerada endêmica, sendo observada nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e regiões de cerrado
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de Goiás e Mato Grosso. Apresenta-se nas formas
subaguda ou juvenil e na forma crônica ou tipo
adulto. Na forma crônica, o órgão mais acometido é
o pulmão. Já na forma juvenil, que vem adquirindo
elevada contribuição no contexto geral da doença
em Minas Gerais, a principal manifestação clínica
é a de uma síndrome linfoproliferativa febril. Nessa
apresentação clínica, o acometimento osteoarticular
é freqüentemente observado(1,3). Relatamos um caso
de paciente que apresentou artrite do joelho direito
como única manifestação clínica da doença.
Caso clínico
Mulher, leucodérmica, 29 anos, trabalhadora rural,
natural e procedente de Ravena, Minas Gerais, previamente hígida. Em fevereiro de 2003 iniciou dor de leve
intensidade no joelho direito, de caráter intermitente,
com piora após esforços físicos e melhora discreta
ao uso de analgésicos (paracetamol 500 mg). Não
apresentava história de trauma recente ou episódio
de bloqueio ou falseio do joelho.
Em outubro do mesmo ano, consultou um ortopedista, que solicitou estudo radiográfico do joelho,
que evidenciou apenas redução do espaço articular.
Foi orientada a usar antiinflamatórios não-hormonais (diclofenaco de sódio 50 mg, de oito em oito
horas por uma semana) para diminuição da dor e
realizar fisioterapia para atenuação do processo
inflamatório.
Em fevereiro de 2004, por apresentar piora progressiva do quadro álgico, compareceu ao Centro
de Saúde da cidade de Ravena com considerável
limitação da deambulação. Ao exame clínico apresentava bom estado geral, afebril e normocorada.
Ao exame físico do joelho, encontrou-se dor intensa
à mobilização, além de outros sinais inflamatórios
(derrame articular, calor e rubor). O exame físico do
restante do aparelho osteoarticular, bem como dos
outros órgãos e sistemas, não apresentava alterações significativas. Exames laboratoriais mostraram
aumento da velocidade de hemossedimentação
(70 mm na primeira hora); hemoglobina de 12,5 g%;
hematócrito de 36,7%; plaquetas de 17.3000/mm3;
leucócitos de 12.100/mm3 (neutrófilos 71%, eosinófilos 0%, basófilos 0%, linfócitos 18% e monócitos
1%); uréia de 28 mg/dL; creatinina de 0,7 mg/dL;
glicemia de jejum de 115 mg/dL; exame parasitológico de fezes negativo; exame de urina de rotina
sem alterações significativas. Nova radiografia do
joelho confirmou a diminuição do espaço articular,
mas alterações da parte mole e áreas de lise óssea
não foram visualizadas.
Foi submetida a cirurgia, com biópsia sinovial
demonstrando granulomas constituídos por células
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epitelióides e células gigantes multinucleadas, circundadas por linfócitos e plasmócitos. Foi observada
a presença de estruturas arredondadas morfologicamente idênticas às do Paracoccidioides brasiliensis
(coloração especial pelo método de Grocott).
Propedêutica complementar foi realizada para
determinação do comprometimento de outros órgãos.
Radiografia do tórax apresentou infiltrados intersticiais nas bases de ambos os pulmões, com predomínio
à esquerda. Tomografia computadorizada torácica e
abdominal demonstrou que os pulmões apresentavam
opacidades em “vidro fosco” com esparsa distribuição lobular e espessamento de septos interlobulares,
sem indícios de acometimento abdominal. Após o
exame radiológico das estruturas ósseas adjacentes,
ficou estabelecido o acometimento pulmonar isolado
associado ao quadro articular. A paciente iniciou o
tratamento sistêmico com itraconazol na dose de
100 mg/dia e acompanhamento ambulatorial, com
completa regressão do quadro articular e pulmonar
após período de aproximadamente 13 meses, com
continuação do uso da droga por um período de 18
meses.
Discussão
As lesões osteoarticulares, primeiramente relatadas
em 1911, ocorrem em todas as faixas etárias, predominando, entretanto, nos indivíduos mais jovens (forma
juvenil) e, como em outras formas de apresentação da
doença, o sexo masculino é o mais freqüentemente
acometido. Excepcionalmente, apresentam-se como
manifestações isoladas, sem qualquer evidência clínica
de envolvimento de outros órgãos(3-5).
Além da imprecisão dos dados epidemiológicos a
respeito da verdadeira incidência da paracoccidioidomicose, por esta não ser de notificação obrigatória
em nosso país, o acometimento osteoarticular é citado
principalmente em séries de casos de crianças (forma
juvenil), com dados escassos em relação a sua incidência na forma crônica da doença. Estudos na Região Sudeste do Brasil, abrangendo pacientes de até 14 anos,
apresentam taxas de 10% a 50%, valores semelhantes
aos obtidos nas outras regiões do país(2,3).
O acometimento ósseo se dá por disseminação
hematogênica, sendo assim mais freqüente para as
regiões com melhor irrigação sangüínea, como a
metáfise e a epífise de ossos longos. O envolvimento
articular geralmente se deve à disseminação por
contigüidade dos ossos adjacentes e, nos casos de
acometimento articular isolado, o fungo se instalaria
diretamente na articulação por disseminação hematogênica ou linfática(6,7). Não se conhecem os fatores
que predispõem a este tipo de comprometimento,
mas acredita-se que traumas localizados facilitem o
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estabelecimento do fungo neste sistema durante a
fase de fungemia(5).O acometimento da articulação
torna o processo mais evidente, pelo aparecimento
de sinais flogísticos visíveis ao exame clínico, e pode
evoluir para a perda da função articular(8).
Apesar da infecção apresentar boa resposta a
vários antifúngicos, inclusive os sulfamídicos, que
estão disponíveis na rede pública, o tratamento com
itraconazol parece ser a forma terapêutica que permite o controle das formas leves e moderadas da doença
no menor período de tempo. Segundo informações
recentes, o tratamento com itraconazol deve ser, nos
adultos, feito com doses de 200 mg/dia durante um
período de seis a nove meses nas formas leves, e de
12 a 18 meses nas formas moderadas(2). Apesar da
nossa paciente ter recebido tratamento com essa droga, a dose empregada foi a metade da recomendada,
fato que pode ter contribuído para um período mais
prolongado do seu uso.
Em regiões onde a paracoccidioidomicose é endêmica, o presente caso nos sugere que esta doença
deva ser incluída no diagnóstico diferencial das monoartrites que evoluem de forma arrastada(5). Além
disso, a boa resposta à terapêutica antifúngica, com
completa recuperação da função articular, reforça
ainda mais a necessidade de se fazer o diagnóstico
precocemente, antes que lesões irreversíveis tenham
se instalado(2,6,7).
Referências
1. Brummer E, Castañeda E, Restrepo A. Paracoccidioidomycosis: an update. Clinical Microbiology Reviews.
1993;6:89-117.
2. Shikanai-Yasuda MA, Filho FQT, Mendes RP, Colombo AL,
Moretti ML, Kono A et al. Consenso em paracoccidioidomicose. Rev Soc Bras Med Trop. 2006;39:297-310.
3. Ferreira MS. Contribuição para o estudo clínico-laboratorial e terapêutico da forma juvenil da paracoccidoioidomicose. Rev Pat Trop. 1993;22:267-406.
4. Pereira M, Vianna GO. A propósito de um caso de blastomycose (piohemia blastomicótica). Arch Bras Méd.
1911;1:63-83.
5. Baranski MC, Silva AF, Rodrigues D. Lesões ósseas e
osteoarticulares. In: Del Negro G, Lacaz CS, Fiorillo
AM (eds). Paracoccidioidomicose, Sarvier- Edusp. São
Paulo: 1982;211-219.
6. Doria AS, Taylor GA. Bony involvement in paracoccidioidomycosis. Pediatr Radiol. 1997;27:67-69.
7. Lumbreras H. Paracoccidioides brasiliensis arthritis.
Report of a case and review of the lite. Journal of Rheumatology. 1985;12:356-358.
8. MacDonald PB, Black GB, MacKenzie R. Orthopaedic
manifestations of blastomycosis. J Bone Joint Surg [Am].
1990;72:860-864.
Correspondência:
R. Sapucaia 83, Condomínio Retiro das Pedras
CEP 30140-970 - Belo Horizonte - MG.
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