1 Migração na América do Sul: territorialidades e espacialidades da imigração sulamericana no Brasil Carlos Lobo* João Stefani** Guilherme Sousa*** Embora as migrações internas tenham papel crucial na distribuição espacial da população no Brasil, as sucessivas correntes migratórias internacionais compõem um capítulo essencial de nossa história. Ao longo do processo de ocupação do espaço e estruturação do território brasileiro, os movimentos migratórios internacionais também tem tido papel de destaque. As dificuldades encontradas na exploração das riquezas produzidas no processo de colonização e no desenvolvimento agrícola e industrial foram, mesmo que circunstancialmente, superadas pelas sucessivas entradas de migrantes do exterior. Se os recorrentes fluxos de imigrantes oriundos da África e Europa alimentaram as atividades econômicas nos períodos colonial ou Imperial, seja na exploração do ouro, nos engenhos de açúcar ou mesmo nas lavouras de café e na indústria nascente já no século passado, novos elementos passam atualmente a compõem um momento peculiar da geohistória nacional. Sucessivas crises econômicas e a perda de capacidade de retenção de mão-de-obra dos principais centros do país, recorrentes em finais do século passado, têm estimulado os movimentos de emigração internacional, representado pela crescente procura por novas alternativas no exterior. Além de tradicionais destinos como o Japão e Estados Unidos1, os movimentos dentro da América do Sul também ganham importância, embora ainda não sejam * Geógrafo. Doutorando em Geografia IGC/UFMG. Professor do Centro Universitário de Belo Horizonte. Geógrafo. Mestre em Geografia IGC/UFMG. Professor do Centro Universitário de Belo Horizonte. *** Bolsista de Iniciação Científica. Bacharelando em Geografia e Análise Ambiental do Centro Universitário de Belo Horizonte. 1 Apesar de difícil aferição, como sugere Patarra e Baeninger (2003), estima-se que mais de dois milhões de pessoas deixaram o país nas últimas décadas. Os principais destinos fora da América do Sul, conforme dados do ** 2 predominantes no total da migração na região. Nesse contexto, chama atenção desde a década de 1970 e 1980, as trocas de população entre Brasil e Paraguai. No início do atual século o número de brasileiros residentes no Paraguai já era estimado em cerca de 450 mil, o que representava cerca de 24% do total de emigrantes. Nos últimos dois Censos Demográficos brasileiros, sobretudo em 2000, chama atenção a imigração procedente do Paraguai, marcada essencialmente pelo movimento de brasileiros que tem retornado ao país de nascimento. Essa dinâmica migratória intra-regional parece ser reflexo de novos arranjos políticos e econômicos na América, bem como novas alternativas diante dos desafios decorrentes da chamada globalização econômica e das políticas liberais (ou neoliberais) ora adotadas em diversos países da região. Se por um lado políticas nacionais de esquerda parecem emergir ou consolidar em determinados países, como representado, por exemplo, pelo governo Chaves na Venezuela, alternativas menos radicais parecem confirmar-se em países como Brasil, assim como nos vizinhos do Cone Sul. Medidas e ações governamentais, que interferem diretamente nas variações tarifárias e cambiais, assim como políticas agrícolas implementadas nos diversos países da região, acabam contribuindo direta ou indiretamente nos movimentos populacionais, sobretudo aqueles que ocorrem nas zonas de fronteira. Esses fluxos migratórios, como destacado por Patarra e Baeninger (2003), envolvem não apenas mudança de residência, englobando também outros tipos mobilidades, como os movimentos sazonais ou circulares, associados a ciclos econômicos e às atividades agrícolas, à construção de grandes obras e ao comércio, cujos resultados são especialmente relevantes nas regiões de fronteira. 1 - Imigração recente para o Brasil: as entradas de população procedente dos vizinhos sulamericanos nas décadas de 1980 e 1990 Ainda que a participação da imigração internacional seja pouco expressiva em relação ao total da população residente no país (0,07% em 1991 e 0,19% em 2000), tem aumentado nas últimas duas décadas o número total de imigrantes procedentes de fora do território nacional. Conforme dados do Censo Demográfico de 1991 e 2000, no que se refere à migração da década (último país de residência) foi identificado um total de 122.824 imigrantes Ministério das Relações Exteriores são os Estados Unidos (42%) e o Japão (11%). Para os países de primeiro mundo há indícios de cerca de 1,5 milhão de emigrantes brasileiros. 3 internacionais residentes no Brasil. Em 2000 esse número atingiu 279.822. Desse contingente, cerca de 40% é procedente dos países da América do Sul, número praticamente idêntico ao verificado em 1991. No entanto, em alguns estados brasileiros essa proporção é superior a 80%, como ocorre em Mato Grosso do Sul, Acre, Roraima e Rondônia, tanto para 1991 como 2000 (ver tabela 1). Chama atenção, contudo, o estado do Paraná que além de apresentar alto percentual de imigrantes estrangeiros oriundos da América do Sul, exibe contingentes bastante expressivos. Em 2000 representavam mais de 40.000 imigrantes. No estado de São Paulo, outro importante receptor de imigrantes internacionais, a realidade é distinta. Nesse caso, o volume de imigrantes sul-americanos é pouco representativo, próximo a 22% em 2000 (em 1991 era de 32,5%). No Rio de Janeiro a situação é bem similar, embora tenha havido um pequeno acréscimo absoluto e relativo no volume de entradas de migrantes da América do Sul. A geografia da imigração sulamericana para o Brasil pode ser observada mais detalhadamente na Coleção de Mapas 1, que representa os municípios brasileiros receptores de imigrantes nas últimas duas décadas. Nesses mapas, fica evidente não apenas o crescimento no volume de imigrantes, mas também, a maior dispersão desse contingente, bem como, a consolidação de determinas espaços, que tem se destacado historicamente na recepção de populações oriundas dos países vizinhos. Além dos centros urbanos do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, também é contundente a representatividade da região de fronteira entre Brasil/Paraguai e Argentina, onde é marcante a função de centralização representada pelo núcleo e o entorno de Foz do Iguaçu. Em menor volume, é também significativa a afirmação de outros espaços, tais como: a região litonânea paranaense/catarinense e de Curitiba; a região metropolitana de Porto Alegre; o Centro-Sul de Mato Grosso do Sul e, mais dispersamente, os estados de Mato Grosso e de Rondônia. È relevante, contudo, determinadas tendências que parecem se consolidar espacialmente, como os vetores de imigração ao longo dos eixos dos rios Amazonas e Solimões/Araguaia. 4 TABELA 1 Participação da imigração procedente dos países da América do Sul no total da imigração da década, conforme UF de residênica no Brasil - 1991 e 2000 América do Sul Demais Países 1991 2000 1991 2000 Nº % Nº % Rondônia 2.275 91,13 2.030 85,72 222 338 Acre 500 97,84 1.252 92,85 11 96 Amazonas 582 57,36 2.534 68,72 432 1.154 Roraima 817 88,09 1.426 80,69 110 341 Pará 422 34,81 1.110 33,94 791 2.161 Amapá 120 25,40 736 73,66 351 263 Tocantins 11 33,98 165 44,18 21 209 Maranhão 58 12,06 321 55,22 420 260 Piauí 0 0,00 178 35,53 202 324 Ceará 164 10,46 399 11,81 1.401 2.982 Rio Grande do Norte 100 15,63 254 15,13 540 1.423 Paraíba 27 6,35 324 23,92 394 1.032 Pernambuco 152 8,42 237 4,78 1.655 4.714 Alagoas 65 15,14 165 29,29 365 398 Sergipe 66 36,84 72 14,82 113 412 Bahia 715 26,78 1.102 17,52 1.954 5.188 Minas Gerais 1.628 15,81 2.289 12,27 8.672 16.364 Espírito Santo 91 7,78 362 13,82 1.078 2.258 Rio de Janeiro 3.221 19,96 5.654 21,16 12.912 21.063 São Paulo 12.441 32,57 16.836 21,95 25.762 59.877 Paraná 10.808 74,82 40.719 69,03 3.636 18.270 Santa Catarina 1.798 53,45 6.652 57,21 1.566 4.975 Rio Grande do Sul 6.619 65,73 13.269 63,55 3.451 7.612 Mato Grosso do Sul 6.282 96,21 11.632 84,20 248 2.182 Mato Grosso 766 66,26 3.966 80,24 390 977 Goiás 317 25,84 710 14,94 911 4.039 Distrito Federal 683 13,20 1.681 25,81 4.489 4.832 Total 50.726 41,30 116.075 41,48 72.098 163.746 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra) UF de Residência Total 1991 2.497 512 1.014 927 1.213 471 32 478 202 1.565 640 421 1.807 430 179 2.669 10.300 1.169 16.133 38.203 14.444 3.364 10.070 6.530 1.156 1.229 5.171 122.824 2000 2.368 1.348 3.688 1.767 3.271 999 374 582 502 3.381 1.677 1.356 4.950 563 484 6.290 18.654 2.620 26.717 76.713 58.989 11.627 20.881 13.814 4.943 4.749 6.514 279.822 No que se refere às origens nacionais desses fluxos é nítida a predominância de imigrantes procendentes do Paraguai, que já são maioria desde 1991 (36.9% do total). Em 2000, esse contingente passa a representar mais de 50% do total de imigrantes da América do Sul. Outro fluxo que tem ganhado importância refere-se aquele proveniente do Uruguai, que cresceu de 7.3% para 8.3%. As principais perdas relativas no total de imigrantes referem-se àqueles imigrantes oriundos da Argentina, Bolívia e, principalmente, do Chile (ver Gráfico 1). Essa dinâmica migratória regional permite a representação de territórios onde ocorre a predominância de determinados fluxos, conforme a procedência internacional. 5 CONJUNTO DE MAPAS 1 Imigrantes procedentes da América do Sul, residentes nos municípios do Brasil - 1991 e 2000 1991 N Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 N Nº de Imigrantes 7.500 1.500 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 6 GRÁFICO 1 Participação relativa da imigração , conforme procedência, no volume total de imigrantes da América do Sul residentes no Brasil, 1991-2000 % 60 50 40 30 20 10 Su ri n am e ui an a G ol om bi a Ve ne zu el a Eq ua G ui do an r a Fr an ce sa C hi le C Pe ru ru gu ai U Bo l ív ia Pa ra gu ai Ar ge nt in a 0 IMIG91 IMIG2000 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra) O mapa 1 permite a visualização desses sub-espaços, que em geral estão associados às áreas de fronteiras territoriais ou à proximidade geográfica, exceto no que se refere ao poder de atração exercido pelas grandes metrópoles nacionais. Os imigrantes originários do Paraguai, numericamente mais expressivos, distribuem-se predominantemente na área delimitada pelas bacias hidrográficas do Paraná/Paraguai e do Guaporé, integrando extensas porções dos estados do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia. No caso dos imigrantes procedentes da Argentina e Bolívia esses fluxos concentram-se nas áreas circunscritas ao eixo metropolitano Rio de Janeiro/São Paulo. Ë também significativa a presença de emigrantes da Argentina nas áreas do litoral do Paraná e Santa Catarina, incluindo Curitiba e entorno. Quanto aos originários do Uruguai é nítida a concentração na zona meridional do Brasil, limitada quase exclusivamente ao território gaúcho. Outros espaços de relevância também podem ser identificados, demarcados em função das seguintes procedências: do Peru distribuídos ao longo do rio Solimões/Juruá e Amazonas, estendendose até Manaus; da Guiana Francesa concentram-se nas porções setentrionais do Pará e 7 Maranhão e no Amapá; e da Venezuela e Guiana distribuem-se pelo estado de Roraima (as procedências discriminadas por país, em 1991 e 2000, encontram-se representadas em mapas anexos). MAPA 1 Espaços predominantes da imigração procedente dos principais emissores de migrantes para o Brasil Boa Vi sta Área de emigração da Venezuela Macapá Belém Área de emigração São Luíz da Guiana Francesa Manaus Teresina Área de emigração do Peru Porto Ve lho Rio Branco Cuia bá Área de emigração do Paraguai Campo Grande Área de emigração da Bolívia São Pau lo Curi tib a 0 350 700 Km Área de emigração da Argentina Fl orianóp olis Porto Alegre Área de emigração do Uruguai Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH Rio de Janeiro N 8 2 – A nacionalidade e naturalidade dos imigrantes: o peso da imigração de brasileiros procedentes do Paraguai Em relação às nacionalidades dos imigrantes oriundos da América do Sul observa-se uma mudança nas proporções de brasileiros natos, quando comparados às demais nacionalidade. Se em 1991 os brasileiros representavam cerca de 45% do total de imigrantes, em 2000 essa proporção já atingia quase 65%. Embora os brasileiros representem a maioria dos emigrantes procedentes do Equador, da Guiana Francesa, do Suriname e da Venezuela, é preponderante a contribuição daqueles procedentes do Paraguai, sobretudo na última década. No ano de 2000, do total de imigrantes que deixaram o Paraguai os brasileiros representavam mais de 80%, o que englobava um total de 50.201 pessoas (aproximadamente 43% do total geral de imigrantes oriundos da América do Sul)2. Essa significância dos brasileiros originários do Paraguai vai se refletir na distribuição espacial desse grupo de migrantes. Como representado na Coleção de Mapas 2, os imigrantes brasileiros procedentes da América do Sul concentram-se nos destinos que coincidem, em boa medida, com aqueles relacionados a emigração do Paraguai, como já mencionado. Contudo, merecem ser observados os espaços que recebem os fluxos oriundos Peru, da Guiana Francesa, Suriname e Venezuela. No que se refere à migração estrangeira, o destino preferencial está voltado para os principais centros urbanos do país, ainda que as regiões de fronteira também apresentem relevância3. Há, nesse sentido, um padrão de distribuição diferenciado entre esses dois tipos de migrantes. Enquanto a migração estrangeira é centrada em alguns centros de convergência, praticamente circunscritos ao Brasil centro/ocidental, as entradas de migrantes brasileiros apresentam uma nítida dispersão espacial, embora com maior concentração no centro-sul. 2 Dados desagrupados estão disponíveis em tabela anexa. Historicamente, como destacado por Sala et. all. (2004), o Brasil tem sido destino pouco tradicional das migrações regionais. Em 1991, residiam no Brasil 767.780 estrangeiros, dos quais apenas 102.753 provinham do Mercosul e Estados Associados (13,4% do total de estrangeiros). No ano de 2000, do total de 733.833, 118.611 tinham a mesma procedência (16,2% do total). 3 9 COLEÇÃO DE MAPAS 2 Imigrantes procedentes da América do Sul, residentes nos municípios brasileiros em 1991 e 2000, conforme categorias de nacionalidade Brasileiros 1991 Brasileiros 2000 & Km Nº de Imigrantes Estrangeiros 1991 & Km Nº de Imigrantes Estrangeiros 2000 & & Km Km Nº de Imigrantes Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH Nº de Imigrantes 10 Se analisarmos as naturalidades dos imigrantes brasileiros natos de origem no Paraguai, como exposto na tabela 2, nota-se que mais da metade é natural do estado do Paraná (53,93%). Merecem destaque, ainda, aqueles nascidos no Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. No entanto, quando comparados os destinos com as UFs de nascimento, os resultados parecem confirmar determinas trajetórias e tendências migratórias, sobretudo nas regiões de fronteira. Se por um lado o Paraná e o Rio Grande do Sul recebem cada um cerca de 70% dos imigrantes de retorno a UF de nascimento, outros estados como o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia, tradicionais fronteiras agrícolas do Brasil, são elevados os contingentes de não naturais dessas UFs. Esses dados parecem confirmar determinados fluxos de retorno, fluxos migratórios já descritos por Sales (1996), que identificava expressivos contingentes de emigrantes brasileiros na década de 1970, sobretudo aqueles oriundos da região sul do país para o Paraguai4. TABELA 2 4 Um aspecto relevante à compreensão desses fluxos migratórios em direção ao Paraguai está relacionado à política de flexibilização da legislação sobre propriedade da terra nesse país, levada a cabo pelo governo de Stroessner. 11 Número e percentual dos imigrantes procedentes do Paraguai, não naturais da UF de destino - 2000 Não naturais UF de residência TOTAL Nº % Rondônia 477 85,68 557 Acre 29 60,59 47 Amazonas 6 100,00 6 Roraima 0 0,00 22 Pará 248 94,17 263 Tocantins 0 0,00 4 Piauí 29 82,79 35 Ceará 12 59,34 21 Rio Grande do Norte 0 0,00 22 Paraíba 0 0,00 20 Pernambuco 21 42,23 50 Alagoas 9 22,66 41 Sergipe 0 0,00 36 Bahia 44 57,36 77 Minas Gerais 154 48,53 317 Espírito Santo 17 39,14 43 Rio de Janeiro 76 40,16 189 São Paulo 1.313 68,65 1.913 Paraná 9.616 31,02 30.998 Santa Catarina 1.354 50,42 2.685 Rio Grande do Sul 516 29,09 1.773 Mato Grosso do Sul 4.285 52,56 8.152 Mato Grosso 2.500 91,50 2.732 Goiás 30 54,64 56 Distrito Federal 121 84,82 142 Total 20.857 41,55 50.201 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra) 3 – A dispersão espacial dos imigrantes oriundos da América do Sul: a análise das categorias de migração interna Um dos aspectos relevantes da imigração pode ser obtidos pela combinação dos quesitos censitários de ultima etapa e de data fixa, associados ao tempo de residência nas UFs e nos municípios na data de referência do Censo. Esse procedimento possibilita a identificação dos migrantes segundo categorias de migração, o que permite avaliar determinadas trajetórias e o tempo de permanência dos grupos de imigrantes nos municípios de residência. Para os imigrantes da década que declararam último local de residência algum país sul-americano, conforme dados do Censo de 2000, foram estabelecidas cinco categorias de imigrantes: aqueles que declararam residir em municípios distintos em 2000 e 1995 (DFIX), subdivididos nos grupos A e B; os que residiam em outro país (DFIX-I); e aqueles que residiam em um mesmo município nos dois anos (discriminados em NDFIX-A e NDFIX-B). Segue abaixo a descrição de cada grupo: 12 DFIX-A: imigrantes da década que residiam no município “x” em 2000 e “y” em 1995, estando a mais de 5 anos ininterruptamente na mesma UF; DIFX-B: imigrantes da década que residiam no município “x” em 2000 e “y” em 1995, estando a menos de 5 anos na mesma UF; DFIX-I: imigrantes da década que residiam em um município “x” no Brasil em 2000 e fora do país em 1995; NDFIX-A: imigrantes da década que residiam no mesmo município “x” em 2000 e 1995, tendo permanecido nos últimos cinco anos no mesmo município; NDFIX-B: imigrantes da década que residiam no mesmo município “x” em 2000 e 1995, porém com menos de cinco anos de residência nesse município. De modo geral, os imigrantes pertencentes ao grupo chamado de NDFIX-A, caracteriza-se por uma maior estabilidade no espaço, identificando migrantes que permaneceram no mesmo município pelo menos durante o último qüinqüênio da década de 1990. Embora o migrante do tipo DFIX-A tenha realizado pelo menos um movimento intermunicipal entre 1995 e 2000, a permanência na mesma UF sugere níveis menores de mobilidade espacial. Por outro lado, os dados sobre os demais grupos de migrantes indicam a ocorrência migração internacional e/ou inter-estadual no último qüinqüênio, ou nos anos anteriores a 1995 (dentro da mesma década). Como pode ser observado na tabela 3, em geral, os brasileiros natos tendem a se fixar espacialmente por um maior período de tempo, o que se reflete nos menores percentuais de imigrantes que realizaram pelo menos um movimento além da imigração internacional, ou aqueles que o fizeram no último qüinqüênio. Nesse último caso, é destacada a imigração de brasileiros procedentes do Paraguai (quase 50% de migração do tipo DFIX-I ), o que indica fortes movimentos de população para o Brasil no último qüinqüênio. Os estrangeiros, todavia, apresentam proporções maiores dos tipos de imigrantes DFIX, notadamente para aqueles do tipo DFIX-I, o que também é bastante expressivo para os procedentes do Paraguai. Com menor mobilidade, quando comprados aos procedentes do Paraguai, comparecem os imigrantes procedentes da Argentina e do Uruguai, o que ocorre tanto para os brasileiros quanto para os estrangeiros. No que diz respeito aos imigrantes do tipo NDFIX-A, que permaneceram no mesmo município nos últimos cinco anos da década, é maior a participação da imigração estrangeira nessa categoria, o que confirma a análise anterior. TABELA 3 13 Número e percentual dos grupos de imigrantes procedentes da América do Sul, brasileiros natos e estrangeiros - Brasil 2000 Brasileiros Estrangeiros País de Origem DFIX-A DIFX-B DFIX-I DFIX-A DIFX-B DFIX-I Argentina 450 6,92 1.438 22,10 2.168 33,32 261 3,33 588 7,49 4.642 59,12 Bolívia 224 5,15 1.022 23,46 1.595 36,62 69 1,13 222 3,64 3.394 55,66 Chile 60 3,38 397 22,38 584 32,87 40 2,09 230 11,91 963 49,76 Colombia 42 3,68 324 28,33 462 40,36 0 0,00 95 5,53 1.107 64,12 Equador 66 8,45 125 15,97 220 28,06 17 3,35 13 2,65 255 50,88 Guiana 0 0,00 31 25,40 35 28,14 0 0,00 28 5,71 332 68,24 Guiana Francesa 15 1,56 133 14,11 285 30,32 0 0,00 10 3,71 139 49,91 Paraguai 2.854 6,00 6.293 13,22 23.738 49,87 289 2,93 539 5,47 6.434 65,25 Peru 168 12,29 369 27,04 305 22,34 115 3,24 226 6,35 1.869 52,46 Suriname 9 3,00 80 27,63 102 35,09 0 0,00 11 18,07 30 48,68 Uruguai 323 8,25 1.022 26,10 1.157 29,53 161 3,10 96 1,84 2.903 55,75 Venezuela 153 8,93 262 15,27 749 43,64 0 0,00 24 2,35 792 78,43 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra) GRÁFICO 2 Participação dos grupos de imigrantes procedentes da América do Sul, brasileiros natos e estrangeiros - Brasil 2000 % 50 40 30 20 10 G Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra) Su ri n am e ol om bi a C Bo l ív ia ru gu ai U Pe ru hi le C Eq ua do r ui an a G Pa ra gu ai Ar ge nt in a Ve ne zu el a ui an a Fr an ce sa 0 Brasileiros Estrangeiros 14 A análise dessas categorias, bem como da naturalidade dos imigrantes para o Brasil dos procedentes dos países sulamericanos, notadamente aquela do Paraguai, permite determinadas inferências acerca dos movimentos populacionais recentes. Se as décadas nas 1970 e 1980 intensificaram as saídas de brasileiros para o Paraguai (Sales,1996), os movimentos de retorno ao país de nascimento parecem consolidar-se nas últimas duas décadas. No entanto, esses grupos migratórios parecem dirigir-se às novas áreas de fronteira, muitas vezes fora da UF ou do município de nascimento. Há, também, indícios que comprovam o alto grau de mobilidade desses migrantes, principalmente dos brasileiros que encaminharam para o Sul e Centro-Oeste brasileiro5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Antigas e novas territorialidades parecem se afirmar no Brasil, o que marca o dinamismo de determinados espaços. Expressivos movimentos populacionais têm contribuído para uma nova etapa de estruturação das espacialidades e territorialidades regionais, intensificando, inclusive, as relações entre o Brasil e os países vizinhos. No caso dos emigrantes do Paraguai há peculiaridades identificadas nos diversos espaços do país. Estados como o Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, sobretudo nas áreas de fronteira, têm se destacado como destinos preferenciais dessas populações. Embora não seja desprezível a imigração de estrangeiros no total de imigrantes procedentes da América do Sul, é expressivo o número de brasileiros fazendo migração de retorno. Outro aspecto relevante diz respeito à distribuição espacial dos migrantes que apresentam-se mais concentrados em determinadas faixas territoriais. 5 Em relação às atividades de trabalho exercidas pelos imigrantes nos municípios selecionados, tomando-se como referência as categorias de ocupação definidas pelo próprio IBGE, percebe-se que, num quadro mais geral, os municípios da rede têm recebido um maior número de imigrantes ligados às atividades de comércio e serviços. Num segundo plano, comparecem os imigrantes ligados à “produção de bens e serviços industriais” e às “ciências e artes” (maiores detalhes em Matos et. All. (2004). Quando observada a origem desses imigrantes, algumas especificidades podem ser identificadas. Nos municípios da Rede, os procedentes do Paraguai predominam nas ocupações voltadas às atividades de serviços e comércio, sobretudo no caso dos naturais do Brasil, como, por exemplo, os trabalhadores em serviços domésticos e ambulantes (ver Quadro 1). Certamente as sacoleiras e pessoas ligadas às atividades clandestinas ou semi-clandestinas fazem parte desse quadro, configurando laços entre localidades diversas como microvetores que atuam na dinamização de mercados locais. Também chama atenção o número de trabalhadores lotados na “produção de bens e serviços industriais”, principalmente no caso dos homens ligados à construção civil. Dos imigrantes que se dirigiram para os municípios da Não-Rede, prevalecem as funções relacionadas às agropecuária, seja como trabalhadores agrícolas ou como produtores diretos. Nesse mesmo grupo de imigrantes, as atividades de comércio e serviço são menos expressivas, sendo numericamente mais significativas no caso das mulheres (Matos et. All., 2004). 15 As características de ocupação desses grupos associam-se à própria origem e destino dos fluxos migratórios, o que reflete diretamente as funções e os níveis de inserção econômicoregional. Os altos níveis de mobilidade desses imigrantes também parecem sugerir peculiaridades desses movimentos. O dinamismo econômico regional sugere uma enorme complexidade envolvida nas trocas de população, ora sugerindo forte poder de atração, ou a perda de capacidade de retenção de determinados espaços. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ática. 1989. BERNARDES, Adriana. América Latina: Globalização e Integração Regional, o Mercosul e o novo recorte territorial. Revista do Departamento de Geografia. nº 11, 1997. CORRÊA, Roberto Lobato. A rede Urbana. São Paulo: Ática, 1994. MATOS et. All. Conexões geográficas e movimentos migratórios internacionais no Brasil Meridional. I Congreso de la Asociación Latino-America de Población (ALAP), Caxambu, Setembro, 2004. MATOS, Ralfo.Fixes and Flows: Migration in Contemporary Brazil. In: 98th Annual Meeting, 2002, Los Angeles. The Association of American Geographers, 2002, V.1. p.1-410. 16 PATARRA, N. L. e BAENINGER, R. Migrações internacionais, globalização e blocos de integração econômica – Brasil no Mercosul. I Congreso de la Asociación Latino-America de Población (ALAP), Caxambu, Setembro, 2004. SALES, Tereza. Migrações de fronteira entre o Brasil e os países do Mercosul. Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Campinas, 13 (1), 1996. 17 ANEXOS Imigrantes procedentes do Equador, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 18 Imigrantes procedentes da Guiana Francesa, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 19 Imigrantes procedentes da Guiana, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 20 Imigrantes procedentes do Paraguai, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 21 Imigrantes procedentes do Peru, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 22 Imigrantes procedentes do Suriname, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 23 Imigrantes procedentes do Uruguai, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 24 Imigrantes procedentes da Venezuela, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 25 Imigrantes procedentes do Chile, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 26 Imigrantes procedentes da Colômbia, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 27 Imigrantes procedentes da Argentina, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 28 Imigrantes procedentes da Bolívia, residentes nos municípios do Brasil 1991 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 2000 Nº de Imigrantes 7.500 1.500 0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000; Produção e Elaboração: Laboratório de Estudos Populacionais (LEPQV), Geografia e Análise Ambiental - UNI-BH 350 700 Km 29