RESUMO 19ªEXPANDIDO RAIB 155/371 165 DETECÇÃO DE RETROVÍRUS EM NÓDULOS DE MOELA DE ROLINHA-CALDO-DE-FEIJÃO (COLUMBINA TALPACOTI) POR MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO T. Pongiluppi1, M.H.B. Catroxo1, J.G. Bersano1, S. Petrella2 Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal, Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 1 RESUMO A leucose linfóide é uma das principais causas de mortalidade entre aves. Este estudo relata a presença de partículas de retrovírus em nódulos de moela de rolinha-caldo-de-feijão (Columbina talpacoti), detectadas através da microscopia eletrônica de transmissão utilizando a técnica de contrastação negativa. A presença de grande número de partículas típicas na amostra examinada sugere que a ave foi acometida por leucose linfóide, causada por retrovírus. PALAVRAS-CHAVE: Columbina talpacoti, retrovírus, microscopia eletrônica. ABSTRACT DETECTION OF RETROVIRUS IN GIZZARD NODULES OF A RUDDY-GROUND DOVE (COLUMBINA TALPACOTI) UNDER TRANSMISSION ELECTRON MICROSCOPY. Lymphoid leucosis is one of the principal causes of mortality in avians. This study reports the presence of the retrovirus particles in gizzard nodules of a ruddy-ground dove (Columbina talpacoti) detected by transmission electron microscopy using negative staining technique. The presence of the great number of typical particles in the examined sample suggests that the avian was attacked by lymphoid leucosis, caused by retrovirus. KEY WORDS: Columbina talpacoti, retrovirus, electron microscopy. INTRODUÇÃO A leucose linfóide, mieloblastose, mielocitomatose e leucose mielóide são neoplasias induzidas por retrovírus do grupo leucose/sarcoma que induzem uma variedade de tumores, principalmente no sistema hematopoético (BARNES, 1996). Os tumores de ocorrência natural são principalmente encontrados em aves adultas, sendo a leucose linfóide a mais comumente encontrada (FADLY, 1987) constituindo uma das principais causas de mortalidade em aves (PAYNE, 1998). As aves afetadas podem apresentar nódulos em qualquer região visceral ou cutânea do corpo (HARRISON & HARRISON, 1986) e muitas vezes podem ser encontradas mortas sem a prévia apresentação de sinais clínicos (WADSWORTH et al., 1981). O desenvolvimento do vírus da leucose aviária induz linfomas através de um processo que tem duração de 14 a 25 semanas (EWERT & DEBOER, 1988; PAYNE & PURCHASE, 1991). As células alvo para a transformação deste vírus são as células B presentes na bursa de 2 Fabricius durante o desenvolvimento embrionário (EWERT & DEBOER, 1988). Apenas um ou dois linfomas desenvolvidos na bursa de um indivíduo com 14 a 25 semanas de idade, são suficientes para disseminar as células neoplásicas para órgãos viscerais como fígado e baço (FADLY, 1997). A doença ocorre com maior freqüência em frangos de corte, galinhas de postura, perus e codornas. Já foram relatados casos, entretanto, em aves silvestres das seguintes ordens: galiformes, columbiformes, psitaciformes, ciconiiformes e passeriformes (NOBEL, 1972; PALMER & STAUBER, 1981; WADSWORTH et al., 1981; LOUPAL, 1984; MARTINS et al., 2004). Estudos realizados por microscopia eletrônica de transmissão, através da técnica de contrastação negativa, demonstraram a presença de partículas virais típicas de retrovírus em intestino delgado e pulmão de sabiás (CATROXO et al., 2006) e em intestino delgado e fígado de coruja (LOPES et al., 2006). Os vírus da leucose aviária são membros do grupo de retroviroses aviárias do grupo leucose/sarcoma. Baseando-se em propriedades das glicoproteínas do en- Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, SP, Brasil. Biológico, São Paulo, v.68, suplemento, p.165-168, 2006 166 19ª RAIB velope viral de galinhas são classificados 5 subgrupos: A, B, C, D e E (PAYNE & PURCHASE, 1991). Um subgrupo distinto dos grupos A e E foi isolado de galinhas, sendo classificado como um novo subgrupo, o J (PAYNE, et al., 1991). Tais vírus são espécie–específicos e, portanto, não apresentam riscos à saúde pública (PAYNE, 1993). De acordo com PAYNE (1987) os retrovírus aviários podem ser endógenos ou exógenos. Os exógenos são patogênicos e podem ser transmitidos verticalmente ou horizontalmente; os endógenos raramente são patogênicos e sua transmissão ocorre geneticamente. Dentre os exógenos, são classificados os vírus de transformação aguda e lenta. Os primeiros carreiam oncogenes virais e tem capacidade de se transformar rapidamente em estruturas de células in vivo e in vitro; os de transformação lenta não carreiam oncogene viral e, após um período de latência induzem neoplasia no hospedeiro (PURCHASE, 1987). Os retrovírus aviários pertencem à família Retroviridae e ao gênero Alpharetrovirus. São esféricos ou pleomórficos, contendo um envelope com pequenas espículas glicoprotéicas em sua superfície e medem de 80 a 100 nm de diâmetro. Possuem genoma RNA de fita simples e sentido positivo apresentando de 7.000 a 11.000 nucleotídeos (ICTVDB, 2006). Este trabalho teve por objetivo descrever a detecção de partículas de retrovírus em nódulos de moela de Columbina talpacoti, através da técnica de contrastação negativa para microscopia eletrônica de transmissão. MATERIAIS E MÉTODOS Em junho de 2005 uma rolinha (Columbina talpacoti) foi encontrada em estado de óbito em área arborizada do Município de São Paulo. A ave foi enviada ao Laboratório de Microscopia Eletrônica do Instituto Biológico para pesquisa de agentes virais. Durante a necrópsia foram encontrados nódulos localizados na moela, os quais foram colhidos e submetidos à técnica de contrastação negativa. Nesta técnica descrita por BRENNER & HORNE (1959), ALMEIDA (1980), HAYAT & MILLER (1990) e MADELEY (1997) as amostras são maceradas e suspensas em tampão fosfato 0,1 M e pH 7,0. Gotas desta suspensão foram colocadas em contato com telas de cobre previamente cobertas com filme de colódio e carbono, contrastadas negativamente com molibdato de amônio a 2% e pH 5,0, drenadas com papel filtro e analisadas ao microscópio eletrônico de transmissão. morfologia semelhante a retrovírus medindo em média 100 nm de diâmetro, esféricas, envelopadas, de cápside icosaédrica, exibindo projeções de superfície (Fig. 1). Partículas típicas com estas características morfológicas foram descritas por outros autores, em sabiás (CATROXO et al., 2006) e em corujas (LOPES et al., 2006). SPENCER & GILKA (1982) observaram partículas de retrovírus em baço de frangos infectados experimentalmente através da técnica de inclusão em resina. Corpos de inclusão intracitoplasmáticos, esféricos, associados a partículas incompletas e em processo de brotamento, foram observados no miocárdio de frangos por GILKA & SPENCER (1985, 1990) e em baço de frangos infectados experimentalmente por SPENCER & GILKA (1982). MARTINS et al. (2004) encontraram alterações típicas de leucose linfóide em fragmentos de fígado e rins de canários através de exame histopatológico. As partículas virais foram detectadas em nódulos localizados na moela. HAYES et al. (1992) isolaram o vírus da reticuloendoteliose em lesões nodulares brancas localizadas no baço e na superfície da mucosa distal do esôfago de perus silvestres (Meleagris gallopavo). A ave foi colhida durante um dia chuvoso precedido por uma queda brusca de temperatura. De acordo com FRIEND & FRANSON (1999) alterações ambientais como tempestades, precipitações e mudança abrupta de temperatura são potenciais fontes de estresse que podem contribuir para o desencadeamento de surtos de diversas doenças. RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante o exame ao microscópio eletrônico de transmissão puderam ser observadas partículas com Fig. 1 - Partículas de retrovírus contrastadas negativamente, apresentando envelope característico com pequenas projeções (seta). Barra corresponde a: 120nm. Biológico, São Paulo, v.68, suplemento, p.165-168, 2006 19ª RAIB A utilização da microscopia eletrônica de transmissão através da técnica de contrastação negativa (preparação rápida) foi extremamente útil para a detecção e caracterização das partículas de retrovírus. De acordo com a literatura consultada este é o primeiro relato da detecção de retrovírus em fragmentos de órgãos de Columbina talpacoti através da microscopia eletrônica de transmissão. Existem poucos relatos na literatura sobre a presença de vírus em aves silvestres, principalmente, da avifauna brasileira, indicando a necessidade de estudos que possam contribuir para o conhecimento das doenças que acometem estas aves. CONCLUSÃO A presença de partículas típicas de retrovírus em nódulos da moela da rolinha-caldo-de-feijão (Columbina talpacoti) sugere que a ave foi acometida por leucose linfóide. REFERÊNCIAS ALMEIDA, J.D. Practical aspects of diagnostic electron microscopy. Yale Journal Of Biology And Medicine, v.53, p.5-18, 1980. BARNES, H.J. Hemic system. In: RIDDELL, C. (Ed.). Avian histopathology. Kennett Square: American Association of Avian Pathologists, 1996. p.116. BRENNER, S. & HORNE, R.W. A negative staining method for high resolution electron microscopy of viruses. Biochimica et Biophysica Acta, v.34, p.103-10, 1959. CATROXO, M.H.B.; MARTINS, A.M.C.R.P.F.; MACRUZ, R.; PONGILUPPI, T.; PETRELLA, S.; GABRIEL, C.P. 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