Sobre a interpretação em geral André Parmo Folloni Doutorando em Direito Tributário na UFPR. Mestre em Direito Tributário na PUCPR. Professor de Direito Tributário e Aduaneiro na UnicenP e na PUCPR 1 INTRODUÇÃO Pretendemos expor algumas idéias que consideramos interessantíssimas e fundamentais para o tema da interpretação do direito. Nesse primeiro momento, faremos uma exposição acerca da interpretação em geral. Em um próximo estudo, focaremos a interpretação do direito. 2 LINGUAGEM E SEMIÓTICA A ciência que tem por objeto de estudo a linguagem é a Lingüística, e, como noticia-nos JOSÉ ROBERTO VIEIRA, sua fundação é comumente atribuída ao suíço FERDINAND DE SAUSURRE1. A categoria fundamental do estudo da linguagem é o signo, assim como a categoria fundamental do estudo do direito é a norma2. A Ciência que se ocupa dos signos foi chamada por CHARLES SANDERS PEIRCE “Semiótica” e por FERDINAND DE SAUSSURE “Semiologia”3. Suas teorias não coincidam na totalidade, como ensina LENIO LUIZ STRECK: “...há diferenças e similitudes nas teses peirceanas e saussureanas”4. No entanto, ambos realizam atividade científica voltada aos signos. Por isso, a Ciência do signo pode ser chamada Semiótica ou Semiologia, como em UMBERTO ECO: “...a disciplina que estuda todas as possíveis variedades dos signos, isto é, a Semiótica ou Semiologia”5. 1) Cf. A regra-matriz de incidência do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juruá, 1993, p. 51. 2) Sobre a norma como categoria jurídica fundamental, cf. JOSÉ ROBERTO VIEIRA, A regra-matriz..., op. cit., p. 55. A norma seria, assim, uma categoria fundamental, ao passo que seu conceito científico constituir-se-ia em um “conceito fundamental” na acepção de MARTIN HEIDEGGER (cf. EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO. Interpretação e aplicação de normas de direito tributário. São Paulo: CD, 2002. p. 25). 3) Cf. JOSÉ ROBERTO VIEIRA, A regra-matriz..., op. cit., p. 50. 4) LENIO LUIZ STRECK. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 133. 5) UMBERTO ECO. O signo. Lisboa: Presença, 1977, p. 15. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 319 A Semiótica, enquanto ciência que tem por objeto o signo, categoria fundamental do estudo da linguagem, é ciência indispensável na análise do direito enquanto fenômeno lingüístico. O conceito de signo não é unívoco, assim como não o são os conceitos de direito, norma, sanção, competência, tributo etc. Pode-se atribuir maior ou menor carga semântica ao significante “signo”, e o manejo das várias acepções é tormentoso. UMBERTO ECO, que dedicou toda uma obra à definição de “signo”, chegou a afirmar que um livro sobre o conceito de signo deve ocupar-se, simplesmente, de tudo6! 2.1 SIGNO O signo é um elemento no processo de comunicação. Serve, de acordo com UMBERTO ECO, para transmitir uma informação de um emissor a um receptor7. Mas, ao passo que o significante atinge o destinatário da comunicação, o signo é, também, uma entidade que entra em um processo de significação, pois para que o receptor entenda aquilo que o emissor pretende seja entendido, precisa dominar o código no qual este se expressa8. Alguns preferem definir o signo como uma entidade física. Por exemplo, uma palavra, um desenho, um sinal, um luminoso, um objeto. A palavra “cavalo” seria assim um signo que estaria no lugar de um cavalo (animal). O desenho de um cavalo seria igualmente um signo. Um sinal de trânsito poderia ser considerado um signo que está no processo de comunicação a um motorista de que aquela rua é sem saída. Um luminoso pode ser um signo de um incêndio. Uma garrafa encontrada por uma mãe no quarto do filho pode ser um signo de alcoolismo. O signo, nesta primeira acepção, confunde-se com o significante: é algo que está por outro algo. Outros entendem o signo como relação diádica entre significante e significado, como o faz FERDINAND DE SAUSURRE, na interpretação que lhe dá LENIO LUIZ STRECK, em um “modelo bilateral”9. Assim, apenas o significante, enquanto suporte físico, não pode mais ser considerado o signo, sendo este o estado de relação do significante com seu significado. Pode-se, contudo, definir o signo como uma relação triádica que se forma entre o significante, seu significado e a significação que provoca, como em CHARLES PIERCE: “O signo é, pois, uma relação trinitária entre o próprio signo [aqui referido por significante, o “suporte físico”], seu objeto [“significado”] e quem interpreta [“significação”]”10. Assim, a palavra “cavalo” – significante – pode se referir a um cavalo específico, que ganhou determinada corrida. Este será o sig6) Cf. Idem, ibidem, p. 14. 7) Cf. Ibidem, p. 25. 8) Cf. Idem, ibidem, p. 27. 9) FERDINAND DE SAUSURRE apud LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 134. 10) Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, A regra-matriz..., op. cit., p. 51. Esclarecemos nos colchetes, e colocamos, entre aspas, os termos de EDMUND HUSSERL que adotaremos, também referidos por JOSÉ ROBERTO VIEIRA na mesma passagem. 320 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 nificado do significante (suporte físico) “cavalo”. Ao ler a palavra “cavalo” escrita no jornal, o destinatário da mensagem formará, em sua consciência, uma significação qualquer, que não será nem a palavra cavalo escrita, nem aquele cavalo vencedor, que não pode evidentemente estar dentro de sua cabeça. A significação não se trata de uma entidade física, como o é o significante e como pode ser (mas nem sempre será) o significado. A distinção significante/significado/significação tem origem, como relata UMBERTO ECO, na filosofia estóica 11. Nos processo sígnicos, os estóicos distinguiam i) o semainon, entidade física, o significante; o ii) semainomenon, o que é dito pelo signo e que não representa uma identidade física, equiparado ao aqui denominado significação; e iii) o pragma, o objeto a que o signo se refere, outra entidade física, o significado. Este, contudo, nem sempre será uma entidade física. Adotaremos a concepção de signo como relação triádica entre significante, significado e significação, porquanto assim não abandonaremos o suporte físico da mensagem emitida, aquilo a que a mensagem se refere e o sentido que outorga à mensagem seu receptor. Mas, restringiremos o conceito para pensarmos apenas nos significantes textuais. O texto, então, é aquilo que podemos chamar de um significante, porque significa algo. Significa o que? Significa seu significado, isto é, significa aquilo a que o texto remete. O significado do texto é aquele objeto a que o significante se remete. Mas como podemos ter acesso ao significado, àquele objeto ao qual o texto remete? Imaginemos um exemplo singelo; pensemos na palavra “beijo”. Ao lermos a palavra “beijo” escrita – como aqui e agora o leitor o faz – teremos poucas dúvidas em supor que aquele que a escreveu certamente referia-se a um beijo. Isto significa dizer que algum beijo é o significado daquela marca no papel. Isto é: claramente, o significante “beijo” significa algo, por si só. Contudo, em rigor, não podemos ter acesso àquele beijo a que o autor do texto se referiu. Mesmo porque aquele pode ser até um beijo inexistente, caso seja o texto, e. g., uma ficção ou um poema, e nesse caso ao significante não corresponderá um referente real (no exemplo de UMBERTO ECO, imaginemos o significante “unicórnio”, que não tem referente físico; seu significado não é um objeto físico12). Aquela palavra escrita no papel não é um beijo real. Não é nem o beijo real. Tampouco pode designar a essência do beijo. Um beijo qualquer, a que o autor do texto se refere, é seu significado, ao qual rigorosamente não temos acesso. Tudo o que podemos fazer é, a partir do texto, a partir do significante, construirmos, em nossa mente, uma significação. Assim, ao ler o texto pensaremos em um beijo, procurando dar sentido àquela expressão escrita. Essas as três categorias semióticas formadoras do signo: o significante (o texto, suporte físico), o significado (aquilo a que o texto se refere) e a significação (aquilo que o intérprete entende do texto). 11) Cf. O signo, op. cit., p. 28. 12) Ibidem, p. 30. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 321 Ao lermos a palavra beijo, quantos beijos podem nos vir à mente! Sabemos que há vários tipos deles: o beijo do pai no filho, o beijo do namorado na namorada, o beijo atleta na medalha, o beijo do cavalheiro na mão da dama, o beijo de Judas em Cristo... Quantas significações podemos produzir a partir de um único significante! Isso evidencia que, muito embora o significante tenha significado, porque do contrário nem significante seria, depende do intérprete o surgimento do signo. Para tal, o intérprete juntará ao significante, que já tem significado, sua – do intérprete – significação própria. Logo, para cada intérprete haverá, a partir do significante, um signo diferente. O que não impede haja núcleos de significação comuns a vários intérpretes. É o que ocorre em linguagens como a jurídica. Para o jurista, deixando de lado eventual ambigüidade, há um núcleo – mais ou menos vago – do que significa “propriedade”, “competência”, “casamento”, “tributo” etc., e um núcleo, ainda mais vago, do que significa “interesse público”, “reputação ilibada”, “dignidade humana” etc. 2.2 TRÊS MANEIRAS DE CONSIDERAR O SIGNO Pode-se considerar o signo em três planos, dimensões ou modos, segundo a proposta de CHARLES MORRIS: o sintático, o semântico e o pragmático13. No plano sintático há duas possibilidades: o signo é considerado em suas relações com os outros signos, ou o signo é considerado nas articulações internas do significante. Assim, se se verifica a posição de uma palavra em uma frase a análise é sintática. Igualmente, se se verifica a estrutura interna da palavra (suas sílabas, e. g.), faz-se análise sintática. No plano semântico considera-se o signo na relação entre o significante e aquilo que significa. Isto é: a cogitação semântica, ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, “...diz respeito às ligações dos símbolos com os objetos significados”14. Procurar definir-se a que se refere o emissor quando utiliza determinado símbolo é tarefa semântica. Por fim, o plano pragmático considera as ligações entre os signos e seus utentes. É análise pragmática a verificação de como emissores e receptores valem-se dos signos quando da comunicação. Analisa, diz TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, a “...conexão situacional na qual os signos são usados...”15. Em sentido análogo, CHARLES PEIRCE elabora divisões triádicas do signo, das quais as três mais conhecidas são a relação dos signos entre si, a relação do signo com seu significado e a relação do signo com seu interpretante, os usuários dos símbolos16; em outras palavras: sintaxe, semântica e pragmática. 13) Cf. UMBERTO ECO, O signo, op. cit., p. 32. 14) Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 97. 15) Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. IX. 16) Cf. LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 140. JOSÉ ROBERTO VIEIRA refere-se, ainda, a RUDOLF CARNAP (Cf. A regra-matriz..., op. cit., p. 51). 322 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 2.3 ANÁLISE DA LINGUAGEM Quando se entende que a linguagem é um “conjunto sígnico”, como afirma PAULO DE BARROS CARVALHO, percebe-se que se forma dos três componentes que integram o signo: “...um substrato material, de natureza física, que lhe sirva de suporte, uma dimensão ideal na representação que se forma na mente dos falantes (plano da significação) e o campo dos significados, vale dizer, dos objetos referidos...”17. E se o signo pode ser considerado sob três dimensões, então sabemos, com PAULO DE BARROS CARVALHO, que a análise de “...toda e qualquer manifestação da linguagem pede a investigação de seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática”18, de modo que não se pode descuidar de nenhum deles se se pretende uma adequada análise lingüística. A análise de uma linguagem demanda a análise do suporte material do signo. Em se tratando de substrato escrito, impõe a análise do texto. Mas a análise lingüística não pode estacionar no texto. Deve percorrer, ainda, o plano dos possíveis significados do texto, ainda que o significado único seja, em rigor, inalcançável pelo intérprete. Destarte, se o intérprete se depara com determinada palavra, deverá verificar quais as diversas acepções semânticas possíveis que a palavra comporta. Com isso, o intérprete produzirá, a partir do texto, uma significação, ente que igualmente integra a análise lingüística. A verificação de como se comporta o signo em sua estrutura interna e de como se insere em um conjunto de símbolos, a análise sintática, é também imprescindível. Um sistema de símbolos, para ser bem analisado, merece seja estudado como se relacionam os signos naquela estrutura. Igualmente imprescindível é a verificação das relações entre os signos e a forma como são utilizados, que se dá no plano pragmático. Um significado só pode ser aceito como adequado verificando-se como e por quê seus utentes utilizam os signos de determinada forma – para demonstrar, explicar, convencer, persuadir etc. 3 HERMENÊUTICA Hermenêutica é o estudo a interpretação. Esta, por sua vez, foi definida por LOURIVAL VILANOVA como a atividade de “...atribuir valores aos símbolos, ou seja, adjudicar-lhes significações...”19. Logo, interpreta-se produzindo significação, e para a produção da significação é necessária a interpretação. Mas os símbolos não são apenas textuais, e então não apenas a interpretação de textos é objeto da Hermenêutica e da Semiótica. Para os limites desse trabalho, interessa a Hermenêutica Jurídica enquanto ciência que estuda a interpretação do direito. Entretanto, antes de tratarmos da Hermenêutica Jurídica, é pertinente um estudo da 17) Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 15. 18) Curso..., op. cit., p. 96. 19) Lógica jurídica. São Paulo: Bushatsky, 1976. p. 91. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 323 Hermenêutica em geral e, ainda, da hermenêutica filosófica, que admite a hermenêutica como forma de compreensão do mundo, resultado de uma reviravolta nos paradigmas filosóficos ocorrida a partir da segunda metade do século XX. 3.1 MUDANÇA DE PARADIGMAS E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM O estudo da linguagem ganha ares de imprescindibilidade quando a filosofia passa por essa reviravolta, essa mudança de paradigma, que faz surgir a filosofia da linguagem. Segundo ensina JÜRGEN HABERMAS, o conceito de paradigma é oriundo da história da ciência. Contudo, adaptado pelos filósofos, passa a ser aplicado à história da filosofia, com o que é possível dividir-se “...as épocas históricas com o auxílio de ‘ser’, ‘consciência’ e linguagem’”20. Fica, então, possível afirmar-se a existência de três grandes paradigmas na história da filosofia: o paradigma da filosofia do ser, o paradigma da filosofia da consciência e o paradigma da filosofia da linguagem. Quando se passa do segundo paradigma ao terceiro, a linguagem alcança a categoria de condição de possibilidade do conhecimento, com o que seu estudo passa a ser cada vez mais valorizado. Essa mudança de paradigma é referida como viragem (ou giro, ou guinada, ou reviravolta) lingüística (linguistic turn), de acordo com os vários autores, e ocorre quando se revoluciona o pensamento filosófico predominante desde DESCARTES. 3.1.1 O paradigma epistemológico da filosofia do ser e da filosofia da consciência Os filósofos imersos nos dois primeiros paradigmas (ser e consciência), vigorantes desde a antiguidade até a modernidade, têm concepções epistemológicas comuns. Todos pensam, abstraídas as várias variações, que o sujeito, de alguma forma, seria capaz de apreender a verdade essencial e universal do mundo e das coisas para, em seguida, vertê-la em linguagem. O ser humano racional chega ao mundo das idéias concebido por PLATÃO, e sua consciência percebe – diz PLATÃO: “...a alma apreende...”21 – a verdade definitiva, as coisas em si, em uma atividade contemplativa e cognitiva do real. PLATÃO é um pensador típico do primeiro paradigma, que pensa a partir do ser, mas as concepções epistemológicas desse paradigma são bastante aproximadas daquelas utilizadas pelos filósofos já imersos no paradigma da consciência, que se inicia, de acordo com CELSO LUIZ LUDWIG, com DESCARTES, a quem qualifica como “...o fundador da filosofia moderna”22. O real estava em algum lugar misterioso, repousando à espera do homem, aguardando ser conhecido. Ensinam EDUARDO BITTAR e GUI- 20) Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 21. Paradigmas aos quais CELSO LUIZ LUDWIG adiciona um quarto: vida concreta (cf. Para uma filosofia jurídica da libertação: paradigmas da filosofia, filosofia da libertação e direito alternativo. Florianópolis: Conceito Editorial, 2006, p. 27). 21) Fédon. In: PLATÃO. Diálogos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 66. 22) Para uma filosofia…, op. cit., p. 53. 22) Para uma filosofia…, op. cit., p. 53. 324 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 LHERME ASSIS DE ALMEIDA: “Assim, incumbe à alma logística a contemplação da verdadeira Realidade, de onde se extraem os conhecimentos certos e definitivos para serem seguidos pelos homens”23. Há, e. g., a idéia do Bom em si, do Justo em si, do Belo em si, do Maior em si, do Grande em si, do Igual em si etc. Em diálogo com SÍMIAS, explica SÓCRATES (PLATÃO): “...afirmamos sem dúvida que há um igual em si; não me refiro à igualdade entre um pedaço de pau e outro pedaço de pau, entre uma pedra e outra pedra, nem a nada, enfim, do mesmo gênero; mas a alguma coisa que, comparada a tudo isso, disso, porém, se distingue: – O Igual em si mesmo”24. Mais adiante: “E o que é grande é grande por meio da Grandeza; e o que é maior pelo Maior...”25. O homem, antes de nascer, já esteve no mundo das idéias, e na vida dele recorda-se, de modo que conhecer é recordar contemplativamente, abstraindo das condições de homem vivo, como as sensações, as vontades, o corpo, as vaidades etc., agindo apenas a consciência (alma), de modo que o filósofo deve renunciar às fraquezas do homem comum. O homem em sua consciência conhece o real (idéia) e, então, nomina-o, com o que a palavra corresponde à essência real do objeto, anteriormente conhecida sem seu intermédio. O real é conhecido em si mesmo, sem mediação lingüística. A linguagem vem depois, tendo um papel secundário no conhecimento. Nesse sentido, lembra LENIO LUIZ STRECK, “...para PLATÃO, o significado precede o significante e o determina...”, havendo uma “...relação de semelhança entre as idéias e as coisas e entre estas e as palavras”26. O conhecimento assim alcançado é puro e certo, pois atinge a essência27. A linguagem é uma ponte, uma terceira coisa que se põe entre o sujeito e o objeto, consistindo ainda em um perigo para o conhecimento verdadeiro, uma barreira que dificulta o conhecimento das coisas em si, em razão de suas ambigüidades e vaguezas (“a linguagem mascara o pensamento”, diz LUDWIG WITTGENSTEIN28). Aquele que trabalha a linguagem, como os sofistas, merece pouco crédito para PLATÃO: “...o que traz o sofista é uma falsa aparência de ciência universal, mas não a realidade”29. O conhecimento na linguagem é enganador; na consciência, é verdadeiro. E a filosofia, no geral, segue esta marcha até a modernidade, quando, e. g., IMMANUEL KANT afirma, com suas categorias a priori do pensamento, que o conhecimento do que é ou não dever moral depende de um exercício de racionalidade, patenteando com “...clareza que o princípio do dever é deduzido da razão pura...”30. Assim, para KANT toda filosofia “...requer um sistema de conceitos racionais puros independente de quaisquer condições de intuição, isto é, uma metafísica”, e então “...nenhum princípio moral é baseado, como por vezes as pessoas 23) Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001, p. 77. 24) Fédon, op. cit., p. 77. 25) Ibidem, p. 107. 26) Hermenêutica..., op. cit., p. 107. Grifos do original. 27) Sobre a filosofia da verdade e do conhecimento de PLATÃO, cf. o extraordinário estudo de HANS KELSEN (A ilusão da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1996). 28) Tratactus logico-philosophicus. Lisboa: Fundação Caloste Gulbenkian, 1995, p. 52. 29) Sofista. In: PLATÃO. Diálogos, op. cit., p. 151. 30) A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2003, p. 221. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 325 supõem, em qualquer sentimento que seja. Qualquer princípio desse jaez é realmente uma metafísica obscuramente pensada, que é inerente a todo ser humano, devido à sua predisposição racional...”31. Por isso, entende ENRIQUE DUSSEL que KANT procura “...negar o nível material ou do ‘sentimento moral’ em favor dos ‘primeiros princípios do juízo’ que são conhecidos só pelo ‘entendimento puro’”32. O objeto é conhecido pela consciência; a verdade é metafísica. Ensina MANFREDO OLIVEIRA que “para a metafísica clássica, o conhecimento verdadeiro consiste na captação da essência imutável das coisas, o que, precisamente, é depois comunicado pela linguagem”33. Nesse sentido, a linguagem tem um papel secundário, pois o conhecimento perfeito é obtido por contemplação. A linguagem é apenas um veículo de transmissão da verdade revelada na consciência. LOURIVAL VILANOVA, em algumas passagens, revela-se influenciado por esse paradigma, quando, e. g., afirma que o sujeito cognoscente conhece o real por meio sensorial e, em seguida, exprime-o em linguagem: “o ser-verde-da-árvore, que se me dá num ato de apreensão sensorial, é base para outro ato, o de revestir esse dado numa estrutura de linguagem, na qual se exprime a relação conceptual denominada proposição”34. Primeiro o conhecimento metafísico; depois, sua expressão em linguagem, para comunicar o conhecimento havido contemplativamente. 3.1.2 O paradigma da filosofia da linguagem Entretanto, este paradigma da consciência recebe um duro golpe quando os filósofos percebem que a verdade depende, em boa medida, daquele que a pensa e a compreende. Os filósofos, então, passam a admitir que é o ser que outorga sentido ao ente. Não há uma verdade absoluta, uma essência, uma universalidade, o mundo como ele é, o mundo das idéias, a ser conhecido pelo sujeito mediante método contemplativo. Nesse novo paradigma, a verdade é construída pelo sujeito. O conhecimento depende do sujeito, e a verdade não é mais obtida por um método de “contemplação intelectual” (na expressão de HABERMAS35), mas construída em um processo de compreensão, dependente portanto do intérprete. Explica HABERMAS: “o trabalho de constituição do mundo deixa de ser uma tarefa da subjetividade transcendental para se transformar em estruturas gramaticais”36. Conhecer é interpretar. O mundo não é conhecido contemplativamente, mas compreendido interpretativamente. E compreender faz parte da ontologia humana. Destarte, nesse novo paradigma deixa-se de considerar a linguagem como uma terceira coisa intrometida entre o sujeito e o objeto. A linguagem passa a ser 31) Ibidem, p. 219-220. 32) Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 172. 33 Apud LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 113. 34) As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 37. Em obra anterior, revela o mesmo entendimento ao separar o conhecimento em planos: i) o sujeito cognoscente, ii) o ato subjetivo ou psíquico de conhecer, iii) o dado-de-fato objeto do conhecimento, iv) a linguagem em que se fixa e se comunica o conhecimento e v) a proposição que declara que o conceito-predicado vale para o conceito sujeito (Cf. Lógica ..., op. cit., p. 15. 35) Pensamento..., op. cit., p. 40. 36 Ibidem, p. 15. 326 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 entendida como uma condição de possibilidade do conhecimento. Inexiste conhecimento contemplativo, sem linguagem. Ao ser humano é impossível colocar-se fora da linguagem para apreender a verdade e, então, posteriormente descrevê-la, surgindo, como relata TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, uma “...concepção do discurso enquanto produção de pensamento e não enquanto instrumento lingüístico de expressão de coisas pensadas...”37. E o mesmo LOURIVAL VILANOVA agora mostra-se em consonância com esse novo paradigma: “o conhecimento ocorre num universo-de-linguagem e dentro de uma comunidade-do-discurso”, com o que reconhece a “...dimensão inter-subjetiva...” do conhecimento38. De acordo com CARLOS NIETO BLANCO, a mudança do paradigma da filosofia da consciência em direção ao paradigma da linguagem (viragem lingüística) ocorreu em três frentes39. A primeira delas é o neopositivismo lógico. Esse movimento, representado pelos integrantes do Círculo de Viena, entendia a filosofia como o estudo das possibilidades de afirmação da verdade. E as possibilidades de explicação da verdade dependiam de como se dava a linguagem científica, com o que acabou, na crítica de LENIO LUIZ STRECK, “...reduzindo a filosofia à epistemologia e esta à semiótica...”40. Entretanto, foram esses mesmos filósofos, continua o autor, que “...afirmaram que a missão mais importante da filosofia deve realizar-se à margem das especulações metafísicas, numa busca de questionamentos estritamente lingüísticos...”41. Inicia-se, portanto, o processo de rompimento com o paradigma da filosofia da consciência ao negar-se a metafísica como lá concebida, buscando ainda a formação de uma linguagem rigorosa e exata para o correto desenvolvimento das ciências. Esse ideal de uma ciência neutra no campo axiológico, exata e rigorosa levou o neopositivismo lógico a desenvolver ao máximo os planos sintático e semântico da linguagem científica, com o que enriqueceu sobremaneira seu estudo. O conhecimento científico se dá na linguagem científica. Contudo, ao abstrair os valores e as formas de utilização da linguagem, o neopositivismo lógico acaba por deixar de lado o plano pragmático. A segunda frente é a filosofia de LUDWIG WITTGENSTEIN em sua fase madura, com a publicação da obra Investigações Filosóficas. Segundo LENIO LUIZ STRECK, é com WITTGENSTEIN que “...somente temos o mundo na linguagem”, pois com ele “a linguagem deixa de ser um instrumento de comunicação do conhecimento e passa a ser condição de possibilidade para a própria constituição do conhecimento”42. WITTGENSTEIN abandona a busca do ideal de rigor e exatidão da linguagem representativa do mundo real, antes preconizado em seu Tratactus Logico-Philosophicus como a linguagem que impede qualquer erro lógico43. Agora não há mundo real a ser conhecido sem a linguagem, nem possibilidade de uma 37) Direito..., op. cit., p. IX. 38) As estruturas..., op. cit., p. 38. 39) Cf. LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 149. 40) Op. loc. cit. 41) Op. loc. cit. 42) Hermenêutica..., op. cit., p. 152. 43) Cf. Tratactus..., op. cit., p. 99. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 327 linguagem unívoca. Valoriza WITTGENSTEIN, no segundo momento, o plano pragmático da linguagem, não admitindo qualquer possibilidade de um ideal de exatidão desvinculado dos casos concretos em que é suscitado. Pergunta, e. g., se “...é inexato se eu não indicar a distância que nos separa do sol até exatamente 1m? E se não indicar ao marceneiro a largura da mesa até 0,001mm?”)44. Por fim, a terceira frente surge com JOHN AUSTIN, que estuda as possibilidades de uso da linguagem para conseguir ações, descrevendo a amplitude de coisas que a linguagem pode fazer. Novamente uma valorização do plano pragmático. Por outro lado, AUSTIN considera a linguagem ordinária necessariamente imprecisa e sujeita a arbitrariedades, com o que não pode ser a última palavra, admitindo a impossibilidade de construção de um discurso científico unívoco. Essas três frentes, todas elas valorizando a linguagem, seja para propor o alcance do conhecimento em uma linguagem neutra, rigorosa e com pretensões de univocidade, seja, pelo contrário, para propor a impossibilidade dessa empreitada, concorreram para a passagem do segundo grande paradigma filosófico, que se sustentava desde a antiguidade, ao paradigma da filosofia da linguagem. 3.2 HERMENÊUTICA FILOSÓFICA Em um dado momento a filosofia percebe não haver mais sentido na busca de uma essência, uma vez que esta ou é inatingível ou, ainda que atingível, não é comunicável sem a linguagem e suas vicissitudes, e o sábio é enterrado levando consigo sua essência descoberta. Se é assim, pensar a questão da essência é atividade absolutamente sem sentido, com ensina TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR: “...não se afirma que a essência é inatingível, mas que a questão da essência não tem sentido. A ‘essência’ de ‘mesa’ não está nem nas coisas nem na própria palavra. Na verdade, ‘essência’ é apenas, ela própria, uma palavra que ganha sentido num contexto lingüístico: depende de seu uso”45. A partir daquele momento, a condição de possibilidade do conhecimento deixa de ser a contemplação do mundo das idéias, passando a compreensão do mundo a ser buscada por meio da interpretação de sua linguagem. Surge, então, a hermenêutica como forma de compreensão do mundo. Esta hermenêutica filosófica não se cinge à interpretação de textos, muito menos reduz-se à interpretação das proposições prescritivas do direito positivo, mas trata, segundo HANS GEORG GADAMER, da totalidade de nosso acesso ao mundo passando por nossa condição de seres necessariamente imersos nesse mundo, realizado sempre pela e na linguagem46. O conhecimento não pode mais ser considerado objetivo (como se entende “objetividade” no paradigma da filosofia da consciência), isto é, uma verdade alcançada, uma essência descoberta. O conhecimento é construído na linguagem, e, portanto, para valer, deve ser aceito pela comunidade lingüística, com o 44) Investigações filosóficas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 49. 45) Introdução..., op. cit., p. 36. 46) Cf. LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 177. 328 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 que passa a ser inter-subjetivo, dependendo do intérprete e de seu auditório. A busca da essência universal e imutável não nos faz sentido, pois só vemos aparências, de modo que não há fatos, como no antigo WITTGENSTEIN (“o mundo compõe-se de fatos”47), mas “...há apenas interpretações”, como afirma FRIEDRICH NIETZSCHE48, superando-se, assim, a distinção grega entre aparência e realidade. A realidade para o ser é o que dela lhe aparece. Por isso, ensina LUDWIG WITTGENSTEIN, é correto o uso da palavra aceito, como tal, pela comunidade lingüística: “correto e falso é o que os homens dizem; e na linguagem os homens estão de acordo”49. Em sentido equivalente, JÜRGEN HABERMAS: “uma teoria da linguagem ... não se orienta mais semanticamente pela compreensão de proposições, mas pragmaticamente, pelos proferimentos através dos quais os falantes se entendem mutuamente sobre algo”50. Não há a verdade absoluta na essência do ente, nem há uma verdade empírica nas coisas e fatos, mas há a verdade na linguagem e na interpretação. E nada mais humano – seres culturais, falíveis e prisioneiros da linguagem que somos! Na síntese de ERNILDO STEIN: “A hermenêutica será, assim, esta incômoda verdade que se assenta entre duas cadeiras, quer dizer, não é nem uma verdade empírica, nem uma verdade absoluta – é uma verdade que se estabelece dentro das condições humanas do discurso e da linguagem. A hermenêutica é, assim, a consagração da finitude”51. Ao deitar os olhos sobre um significante textual, o intérprete, para produzir a significação, deverá procurar um significado, isto é, explorar as relações semânticas entre o significante e seu referente. Para tanto, será necessário verificar o contexto no qual se insere. A significação que o intérprete produzirá será influenciada pelo significante, pelos significados possíveis, pelo contexto e, inegavelmente, por suas próprias idiossincrasias. O intérprete, se for mais ou menos culto, produzirá uma significação diferente. E assim se for mais ou menos preconceituoso, mais ou menos objetivo, mais ou menos liberal, mais ou menos ranzinza, mais ou menos benevolente, mais ou menos ético, mais ou menos conhecedor da história e dos fatos etc. O intérprete é um homem, não uma máquina. Nesse sentido, a hermenêutica filosófica de MARTIN HEIDEGGER, que considera a compreensão do texto influenciada por uma pré-compreensão histórica que o sujeito já traz, fatalmente, acerca do mundo, daí a identidade entre ser e tempo: “ser enquanto presença é determinado pelo tempo”52. Todo conhecimento produzido pelo intérprete a partir de um significante textual parte de algo préexistente, essa pré-compreensão que representa “uma antecipação do sentido do que se compreende, uma expectativa de sentido determinada pela relação do 47) Tratactus..., op. cit., p. 29. 48) LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 124. 49) Investigações..., op. cit., p. 94. 50) Pensamento..., op. cit., p. 33. 51) Apud LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 161. 52) Tempo e ser. In: MARTIN HEIDEGGER. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 258. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 329 intérprete com a coisa no contexto da interpretação”53. Esse pré-conhecimento de HEIDEGGER, de certa forma, acaba por condicionar o sujeito intérprete em sua atividade interpretativa, uma vez que abrange seu contexto cultural, social e histórico, formando seu sistema de referência. São os pontos de partida de seu entendimento do mundo, já que, como diz ERNILDO STEIN, “...não temos acesso aos objetos assim como eles são, mas sempre de um ponto de vista, a partir de uma clivagem...”54. O pré-conhecimento compreende suas idéias acerca do mundo que o cerca, sua ideologia e seus valores próprios. O sujeito e sua condição de sujeito-no-mundo, dele indissociável, é o que dará sentido ao ente. O sujeito não está longe do mundo, fora dele, e observa-o para entendê-lo, mas está sempre e necessariamente nele inserido. HEIDEGGER introduz, então, o conceito de Dasein (ser-aí), o ser e as coisas como chegam a ele, o ser-no-mundo. O Dasein compreende o mundo desde uma perspectiva interna, não externa e contemplativa, como explica LENIO LUIZ STRECK: “O Dasein está no mundo, antes de mais e fundamentalmente, como compreensão...”55. O Dasein heideggeriano já é constituído por sua inserção no – e por sua relação com o – mundo. Compreender não é uma maneira de conhecer, mas o próprio modo de ser do sujeito. Aquilo que se convencionou chamar virada lingüística é resultado da invasão da filosofia pela linguagem e, em seu estudo, do especial relevo que se deu ao plano pragmático. Na medida em que a verdade é alcançada intersubjetivamente, aceitando-se como verdadeiro aquilo que é concorde, uma vez que a busca da verdade em si perde sentido, então, ensina LENIO LUIZ STRECK, “...os problemas da semântica só são resolvidos na medida em que ela atinja uma dimensão pragmática”56. Como explica TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, “...a posição da pragmática, dentro da semiótica, se modifica, aparecendo em primeiro lugar, constituindo-se a sintaxe e a semântica a partir dela”57. À pergunta acerca do que é sintática ou semanticamente correto, responde-se: o que for pragmaticamente assim definido. Com a valorização do entendimento intersubjetivo como fonte dessa nova verdade, agora sempre consensual, a razão torna-se razão dialógica. Alcança-se a verdade no diálogo. No processo judicial, e. g., a verdade do direito é a decisão que transita em julgado, influenciada e levando necessariamente em consideração uma série de argumentos que a precedem58. Explica JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES: “estranha afirmação essa, a de que o juiz não faz a sentença. Ela, contudo, significa apenas que a sentença não resulta exclusivamente de um ato isolado do juiz, mas da totalidade do diálogo que as partes entretêm no processo”59. 53) MARTIN HEIDEGGER, apud EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO, Interpretação..., op. cit., p. 28. 54) Apud LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica..., op. cit., p. 161. 55) Hermenêutica..., op. cit., p. 178. 56) Ibidem, p. 124. 57) Direito..., op. cit., p. IX. 58) Argumentos que devem, ao lado da fundamentação da decisão, ser transcritos na sentença, como prescreve o art. 458 do Código de Processo Civil. 59) O contraditório no processo judicial: uma visão dialética. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 26. 330 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 4 À GUISA DE CONCLUSÃO Um estudo como este jamais pode ser concluído, mas apenas interrompido. Evidentemente, a mudança de paradigmas filosóficos não é capaz, por si só, de solucionar todos os problemas da filosofia. Ao passo que fornece resposta a alguns problemas, cria outros. Às questões “o que é a verdade” e “como temos acesso à verdade” fornece-se outras respostas, possivelmente mais problemáticas do que as respostas anteriores. Encontramos, assim, posicionamentos filosóficos absolutamente céticos quanto à possibilidade de conhecimento do real. Cientes de que a procura não terminou, mas talvez seja interminável, acatamos, para concluir este estudo, a advertência de NICOLAI HARTMANN: “o filósofo precisa ser muito persistente”60. REFERÊNCIAS ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Interpretação e aplicação de normas de direito tributário. São Paulo: CD, 2002 BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001 BORGES, José Souto Maior. O contraditório no processo judicial: uma visão dialética. São Paulo: Malheiros, 1996 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002 ______. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999 DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002 ECO, Umberto. O signo. Lisboa: Presença, 1977 FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito, retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997 ______. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001 HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990 HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1979 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2003 KELSEN, Hans. A ilusão da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1996 LUDWIG, Celso Luiz. Para uma filosofia jurídica da libertação: paradigmas da filosofia, filosofia da libertação e direito alternativo. Florianópolis: Conceito Editorial, 2006 60) Apud KARL OTTO-APEL. Transformação da filosofia: filosofia analítica, semiótica, hermenêutica. Vol. I. São Paulo: Loyola, 2000, p. 12. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007 331 OTTO-APEL, Karl. Transformação da filosofia: filosofia analítica, semiótica, hermenêutica. Vol. I. São Paulo: Loyola, 2000 PLATÃO. Diálogos. 2. ed. S4ão Paulo: Abril Cultural, 1979 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000 VIEIRA, José Roberto. A regra-matriz de incidência do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juruá, 1993 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997 ______. Lógica jurídica. São Paulo: Bushatsky, 1976 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979 ______. Tratactus logico-philosophicus. Lisboa: Fundação Caloste Gulbenkian, 1995 332 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007