1 O PSICÓLOGO HOSPITALAR: UMA REFLEXÃO SOBRE A

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O PSICÓLOGO HOSPITALAR: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA E
ANGÚSTIAS
Ana Francisca Ribeiro Bittencourt
Andreza Viviane Rubio
Daniela Maia Veríssimo1
Paula Angelotti Pereira
Sônia Maria Martins Guirado
RESUMO: A motivação para o presente trabalho originou-se através da vivência da
prática profissional como psicólogas hospitalares, bem como dos atendimentos
ambulatoriais e de interconsultas realizados nas enfermarias, com os pacientes do
Hospital das Clínicas e Hospital Materno Infantil da Faculdade de Medicina de Marília
(FAMEMA). O objetivo deste trabalho é abordar a questão da saúde mental dos
trabalhadores da área da saúde, considerando o exercício profissional da Medicina como
modelo ilustrativo das outras áreas. Abordando em particular a atuação profissional do
psicólogo dentro do hospital, pois considera-se que o sofrimento psíquico é inerente ao
trabalho no âmbito hospitalar e é comum a todos esses profissionais (médicos,
enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos).
O trabalho dentro da instituição hospitalar suscita sentimentos
fortes, e ao mesmo tempo contraditórios, que vão desde culpa, ansiedade, compaixão,
ressentimento, inveja do cuidado que é oferecido ao paciente, solidariedade, pena,
angústia, respeito, preocupação, raiva, temor, dentre tantos outros. Observamos durante
nossa experiência profissional, que a angústia que o contexto hospitalar e as situações
vividas despertam provoca uma reação de proteção, ativando mecanismos de defesas,
sendo os mais acentuados: a racionalização, a projeção, o isolamento do afeto e a
negação. Não é demais sublinhar que a formação de um bom profissional da área da
saúde se assenta no clássico tripé: conhecimentos + habilidades + atitudes. O
conhecimento se organiza a partir de informações provindas dos instrutores, e
principalmente de muito estudo e leitura. A habilidade depende de um treinamento
continuado em que o profissional saiba tirar proveito do aprendizado conferido pelas
experiências vividas na prática, tanto as de acertos e gratificantes como também, e
principalmente, as baseadas na frustração dos inevitáveis erros e limitações, sendo,
porém no desenvolvimento da atitude profissional que este irá construir recursos
internos que o possibilitem lidar com suas limitações e frustrações existentes em sua
prática, adquirindo um crescimento emocional – formação psicológica.
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E-mail: [email protected] .
Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA
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O despertar para o presente trabalho deu-se em função da prática profissional
como psicólogas hospitalares, através dos atendimentos ambulatoriais e de
interconsultas realizadas nas enfermarias, com pacientes e/ou familiares do Hospital
das Clínicas I e II da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA).
Objetiva abordar a questão da saúde mental dos trabalhadores da área da saúde,
“considerando o exercício profissional da Medicina como modelo ilustrativo das outras
áreas”(Nogueira – Martins,
2003, p. 130) abordando em particular a atuação
profissional do psicólogo, pois considera-se que o sofrimento psíquico é inerente ao
trabalho no âmbito hospitalar e é comum a todos esses profissionais (médicos,
enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, entre outros (PITTA, 1991, apud NOGUEIRA - MARTINS , 2003).
Observa-se que embora cada profissão conserve a sua própria característica,
vários aspectos da atividade profissional em saúde, são pertencentes a todas. Além da
preocupação com o usuário do serviço se faz imprescindível o cuidado com o
profissional na prevenção das conseqüências do trabalho insalubre a que esta exposto. A
implementação de medidas profiláticas pode ter início com a inclusão da dimensão
psicológica na formação dos estudantes, propiciando uma melhor compreensão das
ansiedades suscitadas no jovem, garantindo-lhe um espaço para que possa entrar em
contato com suas emoções e sentimentos, elaborando-os e favorecendo-o no futuro
ofício de cuidador.
Para formação de uma postura humanística, se faz necessário a utilização de
mecanismos auto-protetores em relação ao sofrimento que a profissão vai provocando
ao longo de seu exercício, uma vez que esse exercício é ambiguamente temido e
desejado por todos ( NOGUEIRA – MARTINS, 2001).
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O trabalho dentro da instituição hospitalar suscita sentimentos fortes, e ao
mesmo tempo contraditórios, que vão desde culpa, ansiedade, compaixão,
ressentimento, inveja do cuidado que é oferecido ao paciente, solidariedade, pena,
angústia, respeito, preocupação, raiva, temor, dentre outros (NOGUEIRA-MARTINS,
2003).
Segundo Menzies (1970) apud Nogueira – Martins (2003) observou também que
os pacientes e seus parentes nutrem sentimentos complexos em relação ao hospital,
projetando no mesmo a crença de que funciona e é extremamente competente nos
serviços que presta.
Acrescido a todos os sentimentos suscitados pela atuação profissional junto aos
pacientes, ainda existem fatores da relação interpessoal na equipe de cuidados médicoshospitalares. A questão da hegemonia do discurso médico com relação aos demais
profissionais de saúde, que atuam no hospital, e as difíceis relações que se estabelecem
nas equipes interdisciplinares criam um panorama típico a toda instituição hospitalar e
de complexa constituição ( NOGUEIRA – MARTINS, 1989; NOGUEIRA –
MARTINS; BOTEGA & CELERI, 1995).
Dentro da instituição hospitalar há a articulação de três micropoderes. O micropoder da
instituição - o hospital - é um local onde se exerce a relação de poder, funcionando
como rede e não como propriedade específica de alguém. O micropoder da informação
se relaciona à questão do poder hegemônico do médico, no setor da saúde é um forte
mecanismo que subordina os demais profissionais dentro de seus serviços, e é
necessário que os outros profissionais, utilizem de forma ética tal micropoder, evitando
situações desagradáveis. O micropoder sobre o corpo, que entra em uma “anatomia
política” que é também igualmente uma mecânica do poder, é definido como um
domínio sobre o corpo; determinando assim “a docilização dos corpos”. Estes
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micropoderes circulam em rede pela instituição, e dentro de cada especialidade, há
também inúmeras responsabilidades sendo necessário que isso não se deturpe como
autoritarismo e possessividade. Como antídoto para tal situação, o trabalho em equipe
interdisciplinar ou a qualidade da multidiscilpinaridade somado ao respeito mútuo que
em muitas situações se faz ausente (FOCAULT,1993 apud NIESTCHE,1996).
Vale ressaltar que a integração dos profissionais, desde que ocorra de forma efetiva,
gera qualidade na atenção ao paciente, devido à integração dos conhecimentos de
diversas áreas, possibilitando assim, a troca de experiências entre os profissionais, e que
estes discutam e dividam situações complexas que se apresentam nas instituições de
saúde. Neste panorama, uma medida institucional que teve caráter prioritário, foi a
criação dos serviços de interconsulta de psiquiatria e psicologia nos hospitais, serviço
que participa ativamente na humanização do atendimento ao usuário.
O
desafio
permanente para todos os profissionais da área em questão é a integração de todos os
saberes que coexistem ali, em particular para o psicólogo, que deve ser capaz de integrar
tais saberes para sua atuação e transformá-los em condutas profissionais eficazes e
questionadoras.
Ao contemplarmos a formação do psicólogo em sua atuação no campo da saúde
pública, destacam-se aspectos que de certa forma se distanciam do único modelo que se
mantém de atuação - a clínica - conseqüentemente limitando as funções sociais da
profissão
( KUBO; BOTOMÉ, 2001).
Observamos que existe uma defasagem progressiva entre os
conteúdos de formação universitária e as necessidades do setor de
saúde (...) são várias as evidências que mostram que a universidade
não está adequando a formação do graduando às reais necessidades
da população
1992, p. 5).
(SILVA, 1992 apud KUBO & BOTOMÉ,
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No entanto, observa-se, que mesmo diante do despreparo na formação
profissional dos psicólogos para o âmbito hospitalar, profissionais da área de Medicina
e enfermagem, por exemplo, que adentram nos hospitais, mais precocemente, e têm sua
formação voltada para tal, vivenciam as mesmas angústias, protegendo-se de formas
distintas.
Um dos pontos que gera maior angústia, é que:
o psicólogo no contexto hospitalar depara-se de forma aviltante com
os direitos básicos que são negados a maioria da população, a
saúde (...) o que gera uma revisão de seus valores acadêmicos,
pessoais e até mesmo sóciopolíticos (...) dista de forma significativa
daquela idealização feita nas lides acadêmicas
(ANGERAMI,
1995, p. 22).
Com nossa atuação dentro do contexto hospitalar, além das questões já descritas,
com as quais nos identificamos, ainda existem situações, que nos afligem. Com a
inserção num contexto predominado pela ordem médica, lida-se diretamente, com as
defesas onipotentes, destes.
A angústia que compartilhamos é a mesma, lidamos com a finitude, com a
impotência e com outras experiências dos pacientes, porém a forma como reagimos
difere, pela capacidade de interpretarmos, compreendermos e analisarmos a situação na
qual estamos envolvidos, pois a nossa profissão nos permite uma percepção da
subjetividade e singularidade dos pacientes, bem como, de todas as forças envolvidas na
relação com eles, sejam, transferências, contratransferências e as demais sensações
integrantes do campo da experiência emocional.
Observamos durante nossa experiência profissional, que a angústia que o
contexto hospitalar desencadeia e as situações vividas despertam uma reação de
proteção, ativando mecanismos de defesas, sendo os mais acentuados: a racionalização,
a projeção, o isolamento do afeto e a negação.
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As defesas aqui descritas são formas que a psiquê tem de se proteger
da tensão interna ou externa, as defesas evitam a realidade (repressão),
excluem a realidade (negação), redefinem a realidade (racionalização) ou
invertem-na (formação reativa). Elas colocam sentimentos internos no mundo
externo (projeção), dividem a realidade (isolamento de afeto) ou dela
escapam (regressão) (HALL,
1954 apud FADIMAN, 2002, p. 24).
Não é demais sublinhar que a formação de um bom profissional da área da
saúde se assenta no clássico tripé: conhecimentos + habilidades + atitudes. O
conhecimento se organiza a partir de informações provindas dos instrutores, estudo e
leitura. A habilidade depende de um treinamento continuado em que o profissional saiba
tirar proveito do aprendizado conferido pelas experiências vividas na prática, tanto as de
acertos e gratificantes como também, e principalmente, as baseadas na frustração dos
inevitáveis erros e limitações, sendo, porém no desenvolvimento da atitude profissional
que este irá construindo recursos internos que o possibilitem lidar com suas limitações e
frustrações existentes em sua prática, adquirindo um crescimento emocional e
capacitando-o melhor para exercer o seu ofício (ZIMERMAN, 1986 apud MELLO
FILHO, 1992).
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Referências Bibliográficas
DI CIERO FILHO, PA experiência emocional: caminho para a compreensão das mentes
do paciente e do analista. Mudanças: saúde e psicoterapia psicanalítica. Vol. 1 nº 1.
1993 São Bernardo do Campo. Ed. Umesp. p. 25 – 39.
FADIMAN, J; FRAGER, R. Sampaio, C. P; SAFDIÉ, S. (trad.). Teorias da
personalidade. São Paulo: Harbra. 2002. p. 393.
KUBO, O . M; BOTOMÉ, S. P. Formação e atuação do psicólogo para o tratamento em
saúde e em organizações de atendimento à saúde. Revista interação em psicologia.
Vol.
5.
2001.
Disponível
em:
http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/article/view/3319/2663
Acesso em: 14 jun. 2006.
NIETSCHE, E. A . O micropoder no processo de trabalho dentro da estrutura hospitalar:
vivenciando uma história. Revista Brasileira de Enfermagem. Brasília: ABEn. Vol. 49,
nº 3. 373 – 390, julho – setembro. 1996.
NOGUEIRA – MARTINS, L. A . Saúde mental dos profissionais da saúde. Revista
brasileira de medicina (trad.). Belo horizonte . Vol. 1, nº1, p. 56 – 68, julho –
setembro,
2003.
Disponível
em:
http://www.anamt.org.br/downloads/revista/vol_01_01/rbmt08.pdf . Acesso em: 14 jun.
2006.
NOGUEIRA – MARTINS, M. C. F. Humanização das relações assistenciais: a
formação do profissional de saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2001. p. 130.
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