Análise da situação epidemiológica das Doenças Sexualmente Transmissíveis no Centro Municipal de Saúde Maria Augusta Estrela A. C. Nascimento1 C. C. Feliciano I. O. Bezerra M. C. F. D. Pinto P. M. P. Aguiar CMS Maria Augusta Estrella – Serviço de Epidemiologia Resumo A importância das DST justifica estudos que visam ampliar o conhecimento sobre as mesmas na população. Dados do Ministério da Saúde apontam que as DST chegam a aumentar em até 20 vezes a possibilidade de infecção pelo HIV. Surge a proposta de utilização de uma tecnologia simplificada que garanta diagnóstico e tratamento precoces para a interrupção da cadeia de transmissão das DST. Este trabalho tem como objetivo traçar perfil epidemiológico e comportamental, além de estimar a prevalência das DST na demanda atendida em uma unidade de atenção primária localizada em Vila Isabel, Rio de Janeiro, durante o ano 2000. Neste ano foi implantado o Polo de DST na unidade seguindo orientações do Ministério da Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio de Janeiro. No fluxo de atendimento desses pacientes foi incluída uma passagem obrigatória pelo Serviço de Epidemiologia, onde foi utilizada a Ficha de Vigilância Aprimorada de DST (M. S.). A avaliação do tratamento supervisionado também foi alvo desse trabalho. De um total de 241 casos avaliados, 85% eram do sexo feminino, o que, provavelmente, se deve apenas a um acesso mais fácil devido à existência do Programa da Mulher. Foram convocados 75,6% dos parceiros dos casos atendidos, com uma resposta positiva em 41% dos convocados. Na avaliação pudemos perceber que houve resistência à utilização da Abordagem Sindrômica, uma vez que a maioria dos casos notificados do sexo feminino eram provenientes de exame citopatológico (cerca de 64,7%). Este tipo de abordagem somente foi utilizado por apenas um dos quatro ginecologistas do serviço. Com esse trabalho foi possível construir um retrato da situação das DST na unidade que nos mostra onde conseguimos avançar (como na questão da prevenção) e onde estão os maiores entraves (como na Abordagem Sindrômica). Esperamos que possa servir de subsídio para uma discussão mais aprofundada com os profissionais envolvidos, de forma a sensibilizá-los para a necessidade de um controle mais efetivo das DST/AIDS. Introdução Durante implantação do Polo de Doenças Sexualmente Transmissíveis no ano 2000, surge a oportunidade e necessidade de avaliar melhor a demanda desse grupo de pacientes da unidade, quando o Serviço de Epidemiologia é incluído na organização do mesmo. Inicialmente a finalidade do polo era somente controlar e vincular a saída de medicação para o programa de DST à notificação e introduzir o conceito da Abordagem Sindrômica com tratamentos mais precoces. Com a introdução da tarefa de controlar as notificações, além das doses supervisionadas, o serviço optou por tentar conhecer quem era e como se comportava essa demanda até então desconhecida pela unidade. Objetivo Este trabalho objetivou traçar perfil epidemiológico e comportamental, além de estimar a prevalência das DSTs na demanda atendida em uma unidade de Atenção Primária, localizada em Vila Isabel, Rio de Janeiro, no ano 2000. Foram também analisados dados referentes à convocação de parceiros (as) e seu comparecimento e aos tratamentos feitos através de dose supervisionada. 1 [email protected] Material e Método Foi utilizada a ficha sugerida pelo Ministério da Saúde para Vigilância Aprimorada das Doenças Sexualmente Transmissíveis, contendo além de dados gerais dos pacientes, dados comportamentais, laboratório e diagnóstico final; além do livro de registro dos casos de DST do Serviço de Epidemiologia. Algumas DST ficaram excluídas do preenchimento da ficha de vigilância aprimorada de DST, como Candidíase e Trichomonas. Essa decisão foi tomada por considerarmos que o número de notificações desses dois agravos seria alto e que não daríamos conta dessa demanda. O banco de dados e a análise foi feita através do Programa Epi-Info versão 6,0. Resultado De um total de 241 casos avaliados, 85% foram do sexo feminino (gráfico 1). Na avaliação foi também observada resistência à utilização da abordagem sindrômica, já que a maioria dos casos notificados do sexo feminino, eram provenientes de exame colpocitológico (64,7%). A média de idade foi de 31 anos e 58,3% dos casos tinham até 35 anos (gráfico 4). Quanto ao grau de instrução, 76,6% tinham no máximo o 1º grau. A ocupação mais frequentemente encontrada foi a de Doméstica (25%) seguida por Do lar (17%), Auxiliar de Serviços Gerais (6%) e Estudante (5%) (gráfico 3). Das mulheres atendidas, 14,7% eram gestantes. Em relação à distribuição por bairro, percebemos que a maioria dos casos atendidos eram provenientes da nossa área e que 52,5% residiam em Vila Isabel (gráfico 2). O agravo notificado com mais frequência foi Gardnerella vaginallis, seguido por Sífilis (15%), Vaginose bacteriana (12%), Condiloma (12%), Infecção Gonocócica (8%), Trichomoníase (8%) e Candidíase (3%) (gráfico 6). Ao observar os dados comportamentais da amostra, notamos que, a primeira relação sexual ocorreu até os 15 anos de idade para 46,5% dos casos e a média de idade foi de 16 anos (gráfico 5). Cerca de 78,8% dos pacientes disseram ter parceiro fixo (9,3% de ignorados) e a maioria não havia tido novo parceiro nos últimos três meses (75,5%). Em relação a opção sexual, nos homens foi encontrado um percentual de 29% de homossexuais, 60% heterossexuais, 2,9% bissexuais e 17,1% ignorados. Nas mulheres foi encontrado 0,5% de homossexuais, 72,3% heterossexuais, 2,9% bissexuais e 24,3% ignorados. Quando questionados sobre o uso de preservativo, a maioria respondeu que nunca o utilizava (54,5%), e apenas 9,0% relataram fazer uso regular do mesmo, indicando uma baixa adesão às formas de prevenção de DST (gráfico 7). Quanto ao relato de outras DST anteriormente ao quadro atual, a maioria negou sua ocorrência e apenas 28,2% confirmaram sua ocorrência. A convocação de parceiros era compulsória para todos os casos notificados. Só não acontecia quando havia recusa por parte do paciente devido, geralmente, a múltiplos parceiros ou quando o paciente negava ter atividade sexual. Dos 75,6% dos parceiros convocados, 41% compareceram para o tratamento. Do total de tratamentos realizados, 21,6 % foram supervisionados. Esse tratamento se refere basicamente ao uso das medicações Ciprofloxacina e/ou Azitromicina. Discussão A avaliação do perfil da demanda de DST é, em muitos aspectos, semelhante ao perfil geral da população atendida pelo CMS. Isso vale para a distribuição por sexo, bairro de residência, grau de instrução. O fato da faixa etária se distinguir desse perfil geral se deve mais ao tipo de patologia que ocorre, predominantemente, na idade reprodutiva. A frequência de casos em gestantes é relativamente alta, principalmente porque uma parte dos casos notificados é de Sífilis. Infelizmente, a nossa avaliação de frequência das DST não corresponde à realidade. Primeiro porque houve duas doenças excluídas da obrigatoriedade do preenchimento da ficha que deu origem ao nosso banco de dados. Em segundo lugar, mesmo que essas fichas fossem preenchidas, essas patologias foram subnotificadas sistematicamente, uma vez que o profissional nem sempre reconhece a Candidíase e a Trichomoníase como DST. Para medicar o paciente sem notificar, optaram por prescrever medicamentos não padronizados pelo programa (como Metronidazol de 250 mg ao invés de 500 mg) ou que a unidade não dispunha gratuitamente. De qualquer forma, nos chamou a atenção a grande incidência de Gardnerella vaginallis na população estudada. Os dados comportamentais foram uma grande surpresa, já que existem poucos indícios de promiscuidade que justifiquem a ocorrência de DST na maioria dos casos. A resistência ao uso de preservativo é um grande entrave ao controle da cadeia de transmissão da doença e vinha sendo trabalhado em três grupos diferentes de distribuição de preservativos (para adolescentes, para adultos e Planejamento Familiar). Ao contrário de uma outra experiência anterior na unidade com a convocação de parceiros, consideramos que houve uma resposta boa à nossa solicitação de comparecimentos do parceiro. O trabalho realizado pelo médico assistente e pelos profissionais da Epidemiologia talvez tenha resultado numa abordagem mais ampla e esclarecedora para o paciente. O tratamento supervisionado, embora eficaz e ágil na interrupção da cadeia de transmissão das DST, se aplica a uma pequena parcela dos casos. Conclusão Ao contrário do que se imaginava, não encontramos um padrão de promiscuidade sexual que justificasse a alta incidência de DST. A alta frequência dos casos de Gardnerella Vaginalis pode ser devida ao predomínio da população feminina na nossa amostra e ao grande percentual de diagnósticos provenientes de exames colpocitológicos. A resistência ao uso de preservativos é, com certeza, um dos fatores que dificultaram a interrupção da cadeia das DST. Os resultados demonstraram a necessidade de um trabalho educativo permanente, bem como o fornecimento regular de preservativos. O fato da maioria das notificações serem provenientes do exame colpocitológico demonstra a dificuldade do profissional de saúde em abordar as DST. Foi possível constatar que, mesmo padronizando e vinculando a notificação à dispensação de medicamento, não conseguimos garantir a notificação da maioria dos casos e o número de subnotificações ainda é bastante alto. É necessário um trabalho contínuo de sensibilização do profissional para a importância do diagnóstico e tratamento precoce, além de uma abordagem clara e objetiva para conseguir a sua adesão e de seu (s) parceiro (s). Este trabalho foi o primeiro passo na tentativa de ajudar a melhorar o controle e sensibilizar os profissionais envolvidos neste tipo de atendimento para a importância da sua atuação nesses casos.