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UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO PARA PORTUGAL?
Abel M. Mateus
Professor Universitário
1. Introdução
A economia portuguesa fez um enorme progresso nos últimos quarenta anos
no processo de convergência1 para a média da actual União Europeia, composta por
15 países. O relatório da Comissão, European Economy 2000, que acaba de ser
publicado, considera mesmo Portugal como um dos países da Coesão que mais
progresso fez. Porém, nos últimos anos esse processo de convergência real tem
desacelerado substancialmente. Ao ritmo registado entre 1985 e 1995 levaríamos
cerca de 12 anos a atingir a média da UE. Ao ritmo de 1995 a 2003, baseando-nos nas
projecções da Comissão, levaremos cerca de 40 anos a atingir aquela média.2
Mas em termos de produtividade do trabalho a situação é mesmo mais
pessimista, pois em 1997, e segundo dados coligidos para os países da OCDE pelo
Departamento de Estado dos EUA, Portugal teria apenas 54% da produtividade média
da UE, o valor mais baixo desta última região. E o salário horário na indústria era
apenas 26% da média da UE em 1998, segundo este organismo. Ora, para termos os
padrões de consumo da UE no longo prazo, temos que ter os padrões de produtividade
e rendimento próximos daquela região.
Por estas razões se tem dito ultimamente que o actual modelo de
desenvolvimento do nosso país está esgotado. Que significa esta afirmação? Como
veremos, significa que é necessário mudar radicalmente de política económica. A
política económica nos últimos cinco anos tem sido orientada para a dinamização do
consumo privado e público, largamente baseada no forte endividamento dos agentes
económicos e na subida do peso do sector público administrativo na economia. Ora
esta dinâmica da procura agregada não foi acompanhada por uma subida da
produtividade total dos factores, pelo que teria mais tarde ou mais cedo que esbarrar
naquilo que os economistas chamam “a restrição orçamental” – que é tão conhecida
das donas de casa ou dos chefes de família.
A contabilidade do crescimento diz-nos que a desaceleração da convergência
não foi causada pela quebra no ritmo de acumulação do capital físico: nos últimos três
quinquénios só ele contribuiu com 1,5 pontos percentuais para o crescimento do PIB.
Também como é tradicional entre nós, as horas trabalhadas permaneceram quase
constantes. Os dois principais factores foram a desaceleração no crescimento do
capital humano, em cerca de 0,8 pontos percentuais do PIB e sobretudo a forte quebra
no crescimento da Produtividade Total dos Factores, que no último decénio foi quase
nula, contra um crescimento de 2,5 pontos percentuais no quinquénio 1985-1990.
Embora sujeitas a muitas limitações teóricas, o que estas estimativas nos ensinam é
1
O processo de convergência real é um processo de longo prazo, pelo que se devem comparar apenas
tendências de evolução do PIB, ou de uma forma aproximada médias de 8 a 10 anos que apanhem pelo
menos um ciclo económico completo. Não faz sentido, como muitas vezes se faz na discussão política,
tomar dados de 2 ou 3 anos que são muito sensíveis a variações temporárias ou cíclicas.
2
Para se compararem os PIB per capita entre diversos países tem que se recorrer à sua conversão para
uma moeda comum em Paridade do Poder de Compra. Ora estas taxas de câmbio variam
substancialmente segundo o método de cálculo utilizado utilizado por diferentes organismos.
Utilizando os dados do Eurostat do início deste ano os cálculos anteriores conduziam a 70 e não 40
anos, como agora se calcula.
que a incapacidade de crescimento da oferta tem a ver com factores intangíveis e com
o eterno problema da educação e formação.
2. Ciclo e tendência
Alguns dirigentes têm afirmado que o ritmo de crescimento em Portugal é
satisfatório e teria que desacelerar porque o gap em relação ao PIB potencial tinha
desaparecido. De facto, as estimativas da Comissão e OCDE indicam actualmente um
gap do produto próximo de zero. Quanto ao crescimento satisfatório da economia a
secção anterior é ilucidativa. O problema é que a capacidade produtiva da economia
portuguesa não tem crescido a ritmo satisfatório. A Irlanda tem mantido taxas de
crescimento médio de cerca de 8% ao ano e os EUA entre 4 e 5% sem que a inflação
tenha disparado. O problema em Portugal reside no fraco crescimento da oferta.
Entre 1995 e 1999 a economia portuguesa cresceu 1,2 pontos percentuais
acima da média da UE, mas este crescimento foi conseguido através duma
dinamização da procura que se revelou insustentável. A taxa de endividamento das
famílias deve atingir os 92% do rendimento disponível no final deste ano, uma das
taxas mais elevadas do mundo, o déficit da balança corrente deve situar-se entre 12 a
14% do PIB, nível só comparável ao da crise de 1982-83. Cerca de 90% do
crescimento do PIB naquele período é devido ao crescimento do consumo! Não é,
pois, de surpreender que aquele ritmo de convergência fosse insustentável.
Numa tentativa de explorar cenários futuros trabalhámos com um modelo de
crescimento de três factores produtivos (capital físico, capital humano e trabalho), em
que se introduziu a restrição orçamental e externa. Temos três cenários possíveis:



resignarmo-nos a ser o último país em níveis de desenvolvimento da UE,
aguardando por “pagar a factura” do “boom consumista recente” e continuar com
políticas “populistas” ao sabor da conjuntura (Cenário Baixo),
empreender algumas reformas tímidas e acomodatícias do ponto de vista da
opinião pública e convergir em 40 a 50 anos (Cenário Base),
ou prosseguir vigorosamente as reformas estruturais necessárias para acelerar o
processo de desenvolvimento, tendo como objectivo convergir em 20 a 25 anos
(Cenário Alto).
A Figura 1 mostra a evolução do grau de convergência para a média da UE nos três
cenários.
Figura 1
Como se pode observar, só no Cenário Alto é possível convergir para a média da UE
até 2020. Este cenário parte da hipótese de um ambiente económico na zona da
OCDE favorável, com um crescimento médio de 3% entre 2001-2010 e de 2,7% na
década seguinte, conforme a última análise de cenários feita pelos técnicos da OCDE.
Outra condicionante importante é o progressivo envelhecimento da população, que
dentro das projecções demográficas efectuadas é a mais favorável em termos de
aumento do grau de dependência e subida da taxa de actividade da população.3
No que toca às transferências da UE supõe-se uma quebra moderada, apesar do
impacto do alargamento a Leste.
O Cenário de elevado crescimento implica um crescimento médio anual do
PIB de 4,2% ao ano, bem acima do que se tem verificado na década que passou, tendo
a acompanhá-lo um crescimento acentuado do número médio e qualidade do capital
humano da nossa população, e um crescimento da Produtividade Total dos Factores
de 2,4% ao ano. Embora elevada, não é inatingível em termos históricos, e quando
comparada com os 2,8% projectados pela OCDE para os Tigres Asiáticos e outras
economias dinâmicas da Ásia e América Latina.
Vejamos agora algumas das políticas de desenvolvimento que poderiam
impulsionar aquela taxa de crescimento da Produtividade Total dos Factores.
3. Para uma nova política de desenvolvimento
O objectivo que propomos é pois convergir para a média da UE em 20 a 25
anos. Para o atingir temos que acelerar o crescimento da produtividade e melhorar a
competitividade da economia portuguesa e acompanhar o esforço de progresso
tecnológico que se está a verificar nos países mais desenvolvidos. Condição essencial
é empreender as reformas estruturais que a passagem a economia desenvolvida impõe.
A reorientação da Política de Desenvolvimento deve ser baseada em cinco
vectores:





Empreender a reforma do Estado e da Segurança Social, com redução significativa
do peso do Sector Público Administrativo (SPA) na economia,
Passar da ênfase na política de infraestruturas físicas e betão (“hardware”) para a
política do fomento do capital humano (“software”),
Promoção vigorosa do desenvolvimento tecnológico,
Políticas para o re-equilíbrio das restrições orçamentais do Estado, Famílias e
Empresas, e
Promoção da competitividade das empresas e “abertura” ao Exterior
Só existem ainda estimativas preliminares da importância destes factores, mas a partir
delas é possível ter já uma ideia da sua prioridade. No entanto devemos sublinhar que
estas reformas têm que ser empreendidas de uma forma coordenada, aproveitando as
sinergias. O primeiro factor contribuiria com cerca de 0,8 pontos percentuais para o
crescimento do PIB. Da melhoria e maior esforço de acumulação do capital humano e
desenvolvimento tecnológico poderíamos contar com 0,6 pontos percentuais do PIB.4
Embora mais difícil de quantificar, dos restantes factores: reorientação do
investimento para capital mais “re-produtivo”, re-equilíbrio orçamental dos agentes e
promoção da competitividade das empresas, diminuição de “rent-seeking” e maior
abertura ao exterior poderíamos esperar mais meio ponto percentual.
Vejamos agora cada uma das reformas com algum detalhe, embora deixemos
claro que se tratam apenas de grandes linhas de actuação, pois reformas concretas
3
Veja-se o estudo Cenários Macroeconómicos, disponível na nossa página pessoal em
www.isegi.unl.pt, na página dos Docentes onde se apresenta o modelo e os cenários de uma forma mais
detalhada.
4
Estes resultados foram simulados com um modelo de equilíbrio geral dinâmico.
exigem programas detalhados e acções específicas e não “afirmações de intenções
vagas”.
4. A redução do peso do SPA na economia
Conforme já vimos repetindo desde há alguns anos existe em Portugal um
peso excessivo do Estado. Embora as privatizações tenham diminuído o peso do
sector empresarial do Estado, nos últimos anos o Estado foi aumentando a sua
capacidade de controle empresarial e as privatizações são meras alienações de activos,
pois o Estado mantém o controle fundamental sobre estas empresas. Por outro lado
têm-se criado inúmeras novas empresas públicas e para-públicas aos diversos níveis
da administração, institutos e fundações, em grande parte para fugir ao controle
orçamental.
Com um peso da despesa total próxima dos 50%, Portugal já está em 2001
entre os países com maior peso do Sector Público Administrativo (SPA) sobre o PIB.
E este valor continua a aumentar. De um valor de cerca de 42% em 1991-95 subiu
mais de 8 pontos percentuais até 2001. É o único país da UE a aumentar o peso do
SPA neste período. Em média, a UE diminuiu o peso em 4 pontos percentuais, e
encontramos países como a Irlanda em que o peso se reduziu em 14 pontos
percentuais na última década. E para os que pensam que esta política seria ruinosa,
basta olhar para os valores da Irlanda, onde aquela forte redução foi conseguida com
um substancial corte na taxa de desemprego e forte aumento do nível de vida.
Mas ainda mais grave é que em circunstâncias normais o peso do SPA sobe
com o nível de rendimento, devido à conhecida Lei de Wagner5. Ora como Portugal
tem um menor rendimento per capita também devia ter um menor peso do SPA: como
a Figura 2 documenta, Portugal deveria ter um peso de pelo menos 6 a 8 pontos
percentuais abaixo do que efectivamente tem.
Figura 2
No nosso estudo sobre Competitividade Fiscal6 este tema é abordado em
detalhe. Este estudo conclui que um índice de benefícios por acesso a bens públicos
ponderado pela taxa marginal de impostos sobre o capital7 baixou substancialmente
nos últimos anos deteriorando a capacidade competitiva das nossas empresas.
É, pois, essencial uma reforma do Estado através da redução do peso do
Estado acompanhado de uma verdadeira reforma fiscal8, que ainda permanece por
5
Uma das razões é que as famílias dos países com menor rendimento têm menor capacidade de pagar
impostos.
6
Publicação da Confederação das Indústrias Portuguesas.
7
O sistema fiscal é um sistema complexo, que necessita de uma análise económica cuidada para se
avaliar a sua incidência sobre o custo do capital, decisão de investir em capital humano, ou mesmo
mais simplesmente sobre o rendimento pessoal dos contribuintes. É confrangedor ver a ligeireza com
que se afirma que se baixam ou sobem cargas fiscais sem que haja estudos para o fundamentar. Em
Portugal deveria ser criado um Instituto de Auditoria Orçamental que fizesse estes estudos, avaliasse a
situação orçamental e fizesse projecções, à semelhança do que existe nalguns países desenvolvidos,
mas com caracter independente em relação ao Governo.
8
Hoje emprega-se o termo reforma fiscal sem rigor. Entre nós emprega-se reforma fiscal para designar
mudanças de nomes de impostos, ou baixar a taxa de um imposto para subir outra sem nenhuma razão
aparente. Quanto a nós, não é possível uma verdadeira reforma fiscal sem uma redução significativa
das despesas correntes do Estado e efectivo controle orçamental. Não deixa de ser sintomático que no
recente documento da Comissão sobre as projecções do Outono se listem as reduções de impostos que
fazer. A redução do peso do Estado deveria ter como eixo fundamental o aumento da
eficiência nos sectores da educação e saúde, que são áreas onde estudos de
organismos internacionais provaram que existem custos muito elevados e desperdício.
Parte integrante desta reforma é a reforma da Segurança Social, cuja dívida
implícita permanece próxima dos 100% do PIB. As alterações legislativas na lei de
bases recentemente introduzidas só tiveram um impacto importante, que tem passado
despercebido à maioria dos cidadãos. A passagem do cálculo da reforma dos últimos
15 para a totalidade da vida contributiva do trabalhador implica uma redução de cerca
de 20% na sua pensão de reforma, mesmo supondo que os salários pagos ao
trabalhador são actualizados para a data em que se reforma. Esta simples medida,
ironicamente passada por partidos de esquerda, vai reduzir substancialmente a pensão
dos trabalhadores com menores níveis salariais. É evidente que o impacto sobre o
déficit futuro é positivo, mas em contrapartida houve também um aumento das actuais
pensões mais baixas, sobretudo as dos chamados regimes não contributivos. É
importante fazer o cálculo do impacto líquido, mas estimamos que não deve ter
reduzido o déficit previsto de 8% do PIB entre 2030-2040 de mais de um quarto.
Quanto às reformas institucionais que eram essenciais, restam por fazer.
5. Fomento do capital humano
A maioria dos estudos9 confirma que o factor fundamental do nosso
desenvolvimento é o capital humano. Para o cenário de convergência em 20-25 anos
proposto precisamos de





Aumentar o número médio de anos de escolarização da população activa de cerca
de 7 para 12-14 anos (ao ritmo actual só se conseguirá atingir este objectivo em
cerca de 40 anos)
Melhorar significativamente a qualidade do nosso ensino a todos os níveis. No
ensino básico é essencial melhorar a capacidade técnica (numérica) e
interpretativa (literacia), cujos níveis actuais nos colocam na cauda da OCDE
Melhorar a eficiência do nosso sistema educacional público e privado
Aumentar significativamente a capacidade de Investigação e Desenvolvimento
assim como da inovação técnica a nível fundamental e aplicado, neste caso
sobretudo no sector empresarial
Reforçar as componentes técnicas a nível intermédio e superior10
Em 1996 Portugal só tinha atrás de si a Turquia, entre os países da OCDE, quanto ao
nível educacional da sua mão-de-obra. Cerca de 78% desta tinha apenas o 9º ano ou
menos de escolaridade. A Irlanda tinha cerca de 45%, e a República Checa 17%. Já
quanto à mão-de-obra com um grau de escolarização entre o 9 e 12º anos, as
estão em curso em diversos países da UE, e se faz a quantificação do impacto na redução do peso dos
impostos no PIB. Para Portugal não se quantifica esse impacto.
9
Veja-se o nosso livro Economia Portuguesa, Verbo, 2ª edição, 2001 (em preparação).
Vejam-se as conclusões do extenso estudo prospectivo sobre alguns destes temas em Valadares
Tavares e outros, Economia e Tecnologia 2000, Verbo, 2000.
10
percentagens eram 7, 20 e 75%, para Portugal, Irlanda e República Checa,
respectivamente. Também a composição dos alunos por especialidade à saída do
ensino superior mostra uma predominância de cursos técnicos em países como a
Irlanda e de artes e letras em Portugal.11
6. Promoção do desenvolvimento tecnológico
Portugal não só está entre os piores países da Europa em termos da Nova
Economia, como não tem qualquer região que pode ser considerada de elevado ou
médio nível de conhecimento. Como a Figura 3 mostra, Portugal estava em 1998 em
7º lugar a partir do fim, entre os países da OCDE, quanto a um Índice de Esforço em
Novas Tecnologias. Este Índice sumaria um índice de esforço de investigação e
desenvolvimento, de transferência de tecnologia através de patentes e royalties (não
incorporada), de aquisição de equipamentos de elevada tecnologia (transferência de
tecnologia incorporada), e Investimento Directo Estrangeiro.
Figura 3
O maior contributo para Portugal resulta do Investimento Directo Estrangeiro
cujos valores têm diminuído nos últimos anos, ou se orienta puramente para
aquisições de participações em empresas privatizadas, sem qualquer impacto de
natureza tecnológica.12
Este indicador é preocupante, por várias razões. Primeiro, porque uma grande
parte do progresso tecnológico a nível mundial concentra-se nos sectores de elevada
intensidade tecnológica como o sector das tecnologias de informação (computadores)
e comunicações. Ora, a má posição actual de Portugal não augura bem quanto ao
futuro da produtividade total da economia ou do chamado factor residual do
crescimento que a teoria do crescimento endógeno associa ao progresso técnico.
Segundo, a posição de Portugal, atrás de países como os do Leste Europeu, candidatos
a entrar dentro de poucos anos na UE, colocará maior pressão sobre a competitividade
das empresas portuguesas.
Para promover o desenvolvimento tecnológico é essencial dar maiores
incentivos à investigação e desenvolvimento de empresas e grupos empresariais.
Outra política deverá ser melhorar as condições de captação do investimento directo
estrangeiro, sobretudo aquele que induz transferência de tecnologia. Finalmente,
devem dar-se incentivos fiscais e outros ao investimento em equipamentos com
elevado conteúdo tecnológico.
7. Re-equilíbrio orçamental
É por demais conhecido que a economia portuguesa se encontra com níveis
elevados de endividamento. De uma situação em que os activos líquidos em relação
ao Exterior eram de cerca de –13% do PIB, a economia portuguesa deve atingir já em
2000 uma posição líquida negativa equivalente a cerca de 30% do PIB e em
deterioração rápida, dado o elevado déficit da balança corrente e os reduzidos
investimentos estáveis de longo prazo dos estrangeiros em Portugal. A Figura 4
11
Este problema, por exemplo, já era referido pelo sociólogo Sedas Nunes nos anos 1960. Como os
problemas são persistentes em Portugal!
12
L. Valadares Tavares e outros, Engenharia e Tecnologia 2000, Verbo, 2000, pg. 396 e seguintes.
mostra que por meados da década de 2000, dado que o novo enquadramento
macroeconómico só permite um ajustamento gradual do déficit da balança, os activos
externos líquidos poderão já atingir um valor de –80% do PIB.
Portugal é um caso único na UE a este respeito. Mais nenhum país apresenta
uma deterioração desta magnitude. Por exemplo, a Irlanda que em 1984-85 tinha uma
posição semelhante à nossa, já tem actualmente uma posição excedentária, tendo
melhorado continuadamente ao longo da década de 1990. E dos restantes países, só
um número reduzido de pequenos países tinha uma reduzida posição negativa externa
em meados de 1990.
Se a economia está altamente endividada em relação ao Exterior, isso significa
que os agentes económicos estão altamente endividados. O Estado tem ainda um
elevado déficit, como considera a Comissão Europeia, para a situação cíclica actual da
economia portuguesa (com um gap do produto próximo de zero) e considerando a
necessidade de cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento.13 Mas há que
considerar a parte significativa de despesas públicas que tem sido desorçamentada e
que vem fazendo subir o crédito bancário a empresas, com importantes consequências
sobre o déficit da balança corrente.
Figura 4
No que respeita às famílias, a taxa de endividamento deve atingir 92% do
rendimento disponível em finais de 2000, e na medida em que o crédito aos
particulares continua a expandir-se a um ritmo próximo dos 20% (contra 7-8% na área
do euro), é de supor que continuando a verificar-se a desaceleração dos últimos dois
anos, a taxa de endividamento só venha a estabilizar perto dos 100%. Ora este valor
colocará Portugal entre os cinco ou seis países com maiores taxas de endividamento
do mundo, cerca de 60% acima da média da UE.
É, pois, urgente, conter e reduzir o grau de endividamento dos agentes
económicos, e para isso é necessário em primeiro lugar promover a poupança.
Durante alguns anos é já inevitável que as famílias tenham que conter o consumo, e o
sistema bancário terá que passar a exercer maior racionamento de crédito com base no
risco de crédito. Enquanto a oferta não responder é necessário manter uma política
orçamental restritiva e aumentar os desincentivos ao sistema bancário e agentes ao
crescimento elevado do crédito.
O elevado nível de endividamento dos agentes contribuirá sobretudo para a
limitação do crescimento e para o aprofundamento das desacelerações e quedas do
PIB em Portugal, ampliando as flutuações na UE. Para evitar o aparecimento de crises
financeiras que poderiam agravar a situação, urge aperfeiçoar os sistema de análise
qualitativa do crédito e controle de risco pelo sistema bancário, como um recente
relatório do Banco Central Europeu recomenda a Portugal.14
8. Para uma nova política industrial
Actualmente a política industrial é dominada pela chamada terceira geração de
proteccionismo.15 A nossa história mostra que as principais fases de desenvolvimento
13
O déficit primário, excluindo as receitas das privatizações e UMTS, não teve qualquer melhoria nos
últimos anos.
14
EU Bank´s Margins and Credit Standards, Dezembro 2000.
15
A primeira era com base nos direitos aduaneiros, a segunda nas restrições quantitativas, e a terceira
nas restrições à entrada no mercado (ou na propriedade).
da economia portuguesa assentaram na “abertura da economia ao exterior”. Quando
se criam as condições competitivas, os nossos empresários têm sabido concorrer e
expandir os mercados no exterior. Mas para criar essas condições é necessário seguir
uma política industrial pró-competitividade e pró-concorrencial.
As empresas de infraestruturas, que ainda em grande parte beneficiam de
situações de monopólio, têm de concentrar as suas actividades de gestão e os seus
investimentos na melhoria dos serviços e redução dos custos para os utentes.
Baseando-se nalguns sucessos já conseguidos, as empresas privadas têm que
desenvolver estratégias de internacionalização mais ambiciosas e eficientes.
Conforme se sublinhou acima, a captação de Investimento Directo Estrangeiro e a
inserção nas redes comerciais internacionais tem que merecer uma atenção muito
especial.
O Estado tem que preservar na sua actuação a defesa intransigente do bem
público e evitar escrupolosamente os conflitos de interesse. Para isso é necessário que
se estabeleça uma relação de “arms´ length” (distancionamento) entre o poder público
e as empresas privadas.
Para que Portugal se afirme entre os países desenvolvidos é necessário
combater vigorosamente a corrupção (a posição de Portugal na classificação pela
Transparência Internacional não é nada animadora) e evitar as actividades de “rent
seeking” pelos interesses privados. A melhor forma de se evitar estas actividades é a
transparência e o controle democrático das instituições.
É necessário reduzir a dependência da economia em relação aos subsídios e à
intervenção discricionária do Estado. Neste campo é necessário distinguir. Enquanto
que em certos sectores é necessário desregulamentar, já noutros, como na política
anti-monopólio ou no combate à poluição e no ordenamento territorial é necessário
aumentar a regulamentação e sobretudo torná-la mais actuante.
9. Conclusão
No início dos anos 1970 também Pereira de Moura tinha questionado o
esgotamento do modelo de desenvolvimento português (Para Onde Vai a Economia
Portuguesa?). Tinha razão quando dizia que o modelo de substituição de importações,
com mercados coloniais quase cativos, e com elevada desigualdade na distribuição de
rendimento estava esgotado. Mas a economia portuguesa já há muito crescia com base
na expansão das exportações sobretudo para a Europa, e no início dos anos 1970 as
taxas de crescimento só eram comparáveis aos Tigres Asiáticos. Tinha eminentemente
razão na ideia que se esgotara o modelo político autoritário e era necessária a
democracia bem assim como a autonomia das colónias. Mas temos que reconhecer
que só o podia afirmar camufladamente.
Hoje a discussão do esgotamento do modelo volta a girar em torno do
contexto internacional. Como membros do euro, temos que ser capazes de aumentar a
produtividade e capacidade produtiva do país, e passar do “boom consumista” para a
“batalha do capital humano, rigor e eficiência”. É necessário que a governação volte a
assumir a atitude desenvolvimentista que permitiu fazer de Portugal o Tigre do Sul da
Europa. Desta forma estaremos a promover o bem-estar das novas gerações, não a
hipotecar o seu futuro. É pois necessário ter a coragem de empreender a viragem na
política económica com base nas reformas estruturais que são inadiáveis.
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