Fichamento do texto: GONDAR, Jô.: Quatro Proposições sobre

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Fichamento do texto: GONDAR, Jô.: Quatro Proposições sobre Memória Social, in:
GONDAR, Jô; DODEBEI, Vera. O que é memória social, Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005.
“(...) o conceito de memória social não pode ser formulado em moldes
clássicos, sob uma forma simples, imóvel, unívoca. Pensamos, ao contrário, que se
trata de um conceito complexo, inacabado, em permanente processo de
construção.”1
É desse pressuposto que partem os autores quanto utilizam como titulo do livro uma
indagação: O que é memória social?, evidenciando muito mais o caráter exploratório e
questionador que tal publicação propõem do que a necessidade de respostas fechadas e exatas.
Mas nem por isso esta coletânea de pesquisadas (realizadas no Programa de Pós-Graduação da
UNIRIO) deixa de trazer também propostas, ou até mesmo respostas, já que a “ausência de rigor”
neste tipo de conceituação também é danosa, como diz Jô Gondar.
Obs: grifos (verde): grifo sobre minhas observações
Grifos (cinza): grifo sobre observações relevantes do autor
Sabendo-se que campos abertos, como os conceitos de memória e cultura, podem, por um
lado, ser muito ricos no quesito discussão, já que justamente não possuem regras definidas e
encerradas, a psicanalista Jô Gondar, no entanto, ressalta que esta característica pode ser também
muito preocupante pois, segundo ela, “dois perigos, entretanto, costumam ameaçar os territórios
abertos e colhedores do múltiplo: a ausência de rigor e o ecletismo ético.”2
Para tanto, Gondar dispõe quatro proposições sobre memória social, as quais disserta de
maneira clara e, no limite possível, objetiva, tendo em vista o complexo campo em que pisa.
•
1
Primeira proposição: O conceito de memória social é transdisciplinar
GONDAR, Jô.: Quatro Proposições sobre Memória Social, in: GONDAR, Jô; DODEBEI, Vera. O que é memória
social, Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005, p. 07.
2
Idem, p. 11.
“A memória social, como objeto de pesquisa passível de ser conceituado,
não pertence a nenhuma disciplina tradicionalmente existente, e nenhuma delas
goza do privilégio de produzir o seu conceito. Esse conceito se encontra em
construção a partir de novos problemas que resultam do atravessamento de
disciplinas diversas.”3
A transdisciplinariedade do conceito de memória social decorre, segundo Gondar, pelo
motivo deste não pertencer, em tese, a nenhum campo ou, como prefere dizer a autora, a nenhum
lote específico e delimitado, mas está justamente no “atravessamento de disciplinas diversas”4. E,
mais do que multidisciplinar ou interdisciplinar (onde se tem, respectivamente, várias disciplinas
trabalhando sobre o mesmo assunto, porém, sem diálogo ou, várias disciplinas que se dialogam,
mas cada uma tem seu território bem definido), a memória social é um campo trans-disciplinar.
Isso significa dizer que a pretensão não é relativizar as diferenças e propor um diálogo
harmonioso, mas sim questionar esses domínios separados, através da transversalidade, que não
tem por objetivo necessariamente um consenso último, mas o questionamento contínuo,
“propondo novos discursos e novas práticas de pesquisa”.
•
Segunda proposição: O conceito de memória social é ético e político
Se memória é entendida como um conceito plural, como o é, não se pode, porém,
apresentá-lo como mera polissemia conceitual:
“Uma apresentação panorâmica e pretensamente imparcial sobre as diversas noções de
memória social pode parecer aberta às diferenças, mas de fato encobre uma pretensão totalizante
em que as diferenças se esvaem, pois se o conceito de memória social apresenta significações
diferentes, isso não quer dizer que elas sejam equivalentes.”5
Esse cuidado está fundado justamente na admissão de que a história é feita pela escolha de
uma classe ou de um grupo, e possui sim uma intencionalidade direta ou indiretamente de exaltar
fatos e relativizar outros. É uma narrativa, ou um enredo, nas palavras de José Reginaldo Santos
Gonçalves. Portanto:
3
Idem, p. 15.
Idem, Ibidem.
5
Idem, p. 16.
4
“O conceito de memória produzido no presente, é uma maneira de pensar o
passado em função do futuro que se almeja. Seja qual for a escolha teórica em que
nos situemos, estaremos comprometidos ética e politicamente.”6
•
Terceira proposição: a memória é uma construção processual
Jô Gondar coloca que a memória é uma construção, admitindo isso como um fato
aceitável hoje. Isso porque a memória “não nos conduz a reconstituir o passado, mas sim a
reconstruí-lo com base nas questões que nós fazemos, que fazemos a ele, questões que dizem
mais de nós mesmos, de nossa perspectiva presente, que do frescor dos acontecimentos
passados”7.
Essa concepção, no entanto, é contemporânea e segue os moldes modernos deste último
século, pois o conceito de memória como a entendemos hoje é bem recente, datando do “(...) fim
do século XIX. É apenas nesse período, bastante recente na história do pensamento, que os
homens admitiram que a memória é algo que eles mesmos constroem a partir de suas relações
sociais – e não a verdade do que passou ou do que é.”8
A memória defendida por Platão não era individual nem social, mas sim ontológica “que
permite a revelação do ser imutável e eterno”, ou seja, o homem esperava da memória que ela o
salvasse da degradação, que o tirasse do tempo, e o “conduzisse-o às verdades eternas, formas
imóveis e anteriores a tudo o que se constrói, a tudo o que muda, a tudo o que é acidental e
contingente”9. Muitas outras proposições feitas por pensadores clássicos foram colocadas após a
de Platão, mas todas elas estavam atreladas ao anseio pela eternidade. Somente com o surgimento
do sujeito, na modernidade, isto mudaria, pois este “tem uma dimensão finita: ele passa e se
transforma com o tempo (...). O homem, com seus limites, sua história, seus valores sociais, pôde
se tornar objeto de investigação”10. É, justamente, quando surgem as Ciências Humanas e
Sociais, e a memória tornaria-se então uma construção humana e, portanto, uma construção do
tempo.
6
Idem, p. 17.
Idem, p. 18.
8
Idem, Ibidem.
9
Idem, p. 19.
10
Idem, Ibidem.
7
Desta idéia, em que a memória é um processo, a Gondar tira sua última proposição, que
tem por objetivo questionar certos hábitos de pensamento que disseminam, por exemplo, a
noção de memória como sinônimo de representação coletiva.
•
Quarta proposição: a memória não se reduz à representação
“Assim como não se pode reduzir a passagem do tempo real, em suas
ínfimas variações, à marcação dos ponteiros de um relógio, não se pode reduzir a
permanente agitação das forças sociais ao encontro homogêneo de uma
representação. (...) Se reduzirmos a memória a um campo de representações,
desprezamos as condições processuais de sua produção.”11
Desta citação é clara a intenção de demarcar como memória não apenas arquivos
representativos de um povo, de um acontecimento, ou de uma cultura, mas sim admití-la como
parte da esfera social que é “viva, pulsante e em constante mudança”12. Diante de tudo o que a
memória abrange, a representação dela é apenas um fragmento, uma instância de uma trama
muito mais complexa e abrangente. Tão ampla é a conceituação da memória que não podemos,
segundo Gondar, deixar de lembrar que dela fazem parte a invenção e a criação do novo, pois seu
conceito é tão rico justamente por isso, por abarcar a mudança, a vivacidade.
11
12
Idem, p. 23.
Idem, Ibidem
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