57 #..... filosofia de shopenhauer e literatura

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FILOSOFIA DE SHOPENHAUER E LITERATURA
Carlos Eduardo Zinani (UCS)
INTRODUÇÃO
Não foi somente na filosofia que Schopenhauer buscou elementos que
dessem
sustentação
ao
seu
pensamento.
Serviu-se
fartamente
das
artes,
principalmente, da música e literatura. Por ser um autor que viveu nos séculos XVIII e
XIX, acompanhou as transformações culturais por que passava a Europa. O
Movimento Iluminista, acentuando o primado da razão sobre os sentidos, e o
nascimento do Romantismo, que priorizava os sentimentos em relação à razão, foram
determinantes para a evolução do pensamento do autor, possibilitando que a obra O
mundo como vontade e representação se tornasse o mais sólido pilar do pensamento
romântico alemão. Dessa forma, o objetivo do presente estudo é elucidar a
importância da Literatura na constituição da Metafísica da Vontade, de Arthur
Schopenhauer, a partir da idéia de que a vida é sofrimento.
1 ROMANTISMO
O movimento romântico teve início na última década do século XVIII. O
Romantismo exaltava a imaginação e os sentimentos como fatores da individualidade
humana bem como afirmava que os sentimentos tinham mais importância que a razão.
Segundo Perry (1999: 274), “a razão não podia compreender nem exprimir as
complexidades da natureza humana nem a riqueza da experiência do homem”. Dessa
maneira, a verdade somente poderia ser encontrada por meio do retorno aos sentimentos
humanos em sua espontaneidade. Esse movimento, também, se caracterizou por ser uma
“resposta estética da cultura ocidental a duas realidades que marcam o advento da fase
propriamente contemporânea dos tempos modernos: a Revolução Industrial e a
revolução social, inaugurada pela Revolução Francesa de 1789” (MERQUIOR, 1979:
49)
Reale (1991:18) afirma que o termo “romântico” apareceu pela primeira vez na
Inglaterra, no século XVII, com uma conotação negativa, exprimindo o irreal, o
fantástico. Em meados do século XVIII, o termo passou a ser utilizado para descrever
situações que apareciam na poesia e na narrativa. Para o autor, “o termo romantismo
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passou a indicar o renascimento do instinto e da emoção que o racionalismo
predominante no século XVIII não conseguiu suprimir inteiramente” (REALE,
1991:18).
O Romantismo se desenvolveu não somente na filosofia e na literatura, como
também nas demais artes, como na música, no teatro, nas artes figurativas. Esse novo
estado de espírito marca a situação de conflito interior do ser humano consigo mesmo. É
a “dilaceração do sentimento que nunca se sente satisfeito, que se encontra em contraste
com a realidade e aspira algo mais que, no entanto, lhe escapa continuamente” (REALE,
1991:19).
A inquietude, a ansiedade, o amor pela irresolução são expressos pela palavra
“Sehnsucht” que significa saudade. Em última análise, “é o desejo que nunca pode
alcançar sua meta, porque não a conhece e não quer ou não pode conhecê-la [...] desejo
irrealizável porque indefinível, desejar tudo e nada ao mesmo tempo” (REALE, 1991:
20). Esse desejar contínuo, nunca satisfeito, marca a incansável busca pelo infinito,
característica do homem romântico.
A natureza, para os românticos, era concebida como a vida que se cria
eternamente. A morte seria, nesse caso, um “artifício para ter mais vida” (GOETHE
apud REALE, 1991: 20). Nesse sentido, “ a natureza é grande organismo, inteiramente
afim com o organismo humano: é jogo móvel de forças que, operando intrinsecamente,
gera todos os fenômenos, inclusive o homem: a força da natureza, portanto, é a própria
força do divino” (Id. Ib). Dessa forma, a natureza aparece, para os românticos como
sendo uma força criadora de vida.
Goethe, por sua vez, afirmava que o Romantismo corporificava o espírito da
doença por ser um período histórico caracterizado pela tensão e pelo conflito. A fuga
para o passado e a projeção para o futuro caracterizam esse sentimento de angústia
diante do temor do presente e da incerteza com relação ao futuro. Segundo Hauser
(1980: 819), “a fuga para o passado é apenas uma das formas da irrealidade romântica e
de Ilusionismo – há também a fuga para o futuro, para a Utopia”. Essa instabilidade
emocional que se incrustrara na mentalidade do homem romântico provém da derrocada
da razão iluminista e da construção de uma visão de mundo que buscava dar uma maior
importância aos sentimentos em detrimento da razão.
Essa fuga do presente, tanto para o passado como para o futuro, para o caos que os
Iluministas e classicistas tentaram combater, é uma das consequências da Revolução,
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pois as pessoas foram tomadas por uma sensação de despatriamento, de insegurança.
Assim,
a fuga para a utopia e o conto de fadas, para o inconsciente e o
fantástico, o espectral e o misterioso, para a idade infantil e o estado
de natureza, para os sonhos e a loucura, tudo eram formas disfarçadas
e mais ou menos sublimadas do mesmo sentimento, do mesmo anseio
de irresponsabilidade e de uma vida livre de sofrimentos e frustrações
(HAUSER, 1980: 828).
Na filosofia, o homem romântico acabava por ter que lidar com aspectos
contraditórios derivados da Sturm und Drang. Diante dos conflitos envolvendo o real e
o ideal, busca “a fuga na solidão e na morte ou a luta para modificar a realidade, ou um
suave lirismo ou uma amarga ironia, ou a simplicidade popular ou um refinado
individualismo” (D’ONOFRIO, 1997: 329).
Os filósofos iluministas atacaram a fé, acusando-a de distorcer a razão. Em
contrapartida, os românticos, por sua vez, atacaram a razão, afirmando que esta
distorcia os sentimentos, as emoções, obstaculizando a criatividade. Enquanto os
iluministas afirmavam que todos os seres humanos possuem razão, sendo esta comum
a todo o gênero humano, os românticos afirmavam a existência de traços distintivos
de cada ser humano individualmente, enfatizavam a singularidade e a diversidade. O
Iluminismo preconizava a autonomia da mente, o Romantismo, a autonomia da
personalidade (PERRY, 1999: 374).
Tanto na arte como na filosofia, havia a necessidade de busca por padrões objetivos
através dos quais tanto o pensamento quanto a ação pudessem ser julgados. As formas
mais extremas de tais padrões foi o platonismo (em Schopenhauer a música, por
exemplo, é a contemplação da idéia platônica) e o cristianismo.
No Iluminismo, enquanto a salvação era buscada pelo conhecimento e não
pela fé, no final do século XVIII em diante, instaura-se um sentimento de desprezo
pelas regras e formas. Segundo Berlin (2002: 565), os estudantes das universidades
alemãs, influenciados pelo movimento romântico, “não atribuíam nenhum valor a
objetivos como felicidade, segurança ou conhecimento científico, estabilidade política
e econômica e paz social, e até consideravam tais coisas com desdém”. Nesse ponto,
tem-se a defesa da Vontade como senhora da vida, do heroísmo, da vida de ação.
Os pensadores iluministas tendiam a considerar a natureza caótica, cabendo à
razão ordená-la, estabelecendo ordem no mundo. Alguns concebiam que a natureza
tivesse sido criada pela divindade, outros que era eterna. A partir do momento em que o
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ser humano compreende o mundo exterior e compreende a si mesmo, percebendo o
lugar que ocupa, não buscará fins incompatíveis com a natureza das coisas. Para os
autores do Iluminismo, de um modo geral, o ser humano “está sujeito ao mesmo tipo de
leis causais que regem os animais, as plantas e o mundo inanimado [...] e, no caso dos
homens, também psicológicas e econômicas, estabelecidas por observação e
experimento, mediação e verificação” (BERLIN, 2002: 567).
Os românticos, por sua vez, não aceitavam as afirmações de que os seres
humanos viviam em um mundo que podia ser organizado, através do uso da razão,
elevando-se acima da causalidade mecânica da natureza. Herder afirmava: “não estou
aqui para pensar, mas para ser, sentir, viver” (HERDER apud BERLIN, 2002: 572).
Essa afirmação enfatizava a repulsa do corpo às regras ditadas pelos intelectuais
franceses e a perda da autenticidade do povo alemão. “Os homens, os alemães,
deveriam procurar ser eles próprios em vez de imitar – macaquear – os estrangeiros que
não tem nenhuma ligação com as suas naturezas, suas memórias, seus modo de vidas
reais” (Id. Ib). Essa crítica aos alemães remete para o despertar do sentimento de
salvaguarda dos valores e interesses nacionais: tem-se aqui o início do pensamento
nacionalista-romântico.
Ser nacionalista significava que o desenvolvimento dos poderes de criação
somente seriam plenamente exercidos na terra de origem do homem entre aquelas
pessoas com quem guarda afinidades. Mesma língua, mesmos costumes, cada qual
buscando seus objetivos à sua maneira e dando sua contribuição à sociedade. Nesse
sentido, “a civilização é um jardim que adquire riqueza e beleza a partir da variedade de
suas flores, plantas delicadas que os grandes impérios conquistadores – Roma, Viena,
Londres – pisoteiam e esmagam até destruí-las” (BERLIN, 2002: 572). Ainda, segundo
Berlin, para Herder (2002: 285),
há uma pluralidade incomensurável de culturas. Pertencer a uma dada
comunidade, estar conectado com seus membros por laços
indissolúveis e impalpáveis de linguagem comum, memória histórica,
hábito, tradição e sentimento, é uma necessidasde humana básica não
menos natural do que comer, beber, ter segurança ou garantir a
procriação.
Assim sendo, observa-se que cada cultura é a expressão das subjetividades, dos
valores das diferentes sociedades, fazendo com que não existam princípios ou verdades
universais. Isso permitiu o desenvolvimento da autenticidade que, por sua vez, não deve
padecer sob a autoridade: defende-se a variedade e opõe-se ao universalismo dogmático.
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2 SCHOPENHAUER E A METAFÍSICA DA VONTADE
Segundo Schopenhauer (2005), viver é sofrer. A vida oscila sempre entre a dor
da carência e o tédio. Com seu pensamento acerca da metafísica de vontade,
Schopenhauer coloca a filosofia em xeque: a razão, tão celebrada pelos filósofos
iluministas agora ocupa um papel secundário. Para o autor, Vontade vem a ser um
querer incessante, uma pulsão que está por trás, ou melhor, no interior de tudo o que é
real: é o verdadeiro móbil da natureza.
O mundo, para Schopenhauer, é Representação e Vontade. Como
Representação, é compreendido a partir do princípio da causalidade e também através
das categorias de Espaço e Tempo. É o
principium individuationis, ou seja, um
princípio desde o qual a realidade nos é apresentada como um recorte: os fenômenos são
conhecidos um a um e, por meio da aplicação do princípio da causalidade, tenta -se
estabelecer relações entre os diversos eventos que compõem a realidade. O mundo é
sempre uma representação para um sujeito. Há uma pluralidade de representações:
tantas quantos forem os sujeitos. O conhecimento racional, dessa forma, é aquele que
estará sempre submetido ao Princípio da Razão Suficiente, ou seja: “Nihil est sine
ratione cur potius sit, quam non sit. Nada es sin uma razón por la que es”
(SCHOPENHAUER, 1989: 33).
O mundo como Vontade é totalmente irracional e de impossível
racionalização. O Princípio da Razão Suficiente dá conta de segmentos da realidade, ou
seja, o mundo é visto de forma fragmentada. O mundo, observado pela perspectiva da
Vontade, é visto como unidade: o mundo é a objetivação de uma Vontade única que
sempre é diferente de seu fenômeno. Segundo Schopenhauer, “a Vontade é una como
aquilo que se encontra fora do tempo e do espaço, exterior ao principium
individuationis, isto é, da possibilidade da pluralidade” (2005: 172).
A Vontade se objetiva, manifestando-se no mundo de diversos modos. No
reino inorgânico, age como polaridade ou causalidade em sentido estrito. É o nível da
ordem mecânica e necessária à natureza. No reino vegetal, ela se manifesta por meio da
excitação, ou seja, a Vontade atua cegamente, exteriorizando as suas forças no tempo.
Afirma Schopenhauer (2005, 175): “denomino excitação aquela causa que não sofre
reação alguma proporcional ao seu efeito e cujo grau de intensidade nunca é paralelo à
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intensidade do efeito, e este, portanto, não pode ser medido de acordo com aquela”. É
uma causalidade indeterminada.
O terceiro nível de objetivação da Vontade se dá no reino animal: é chamada
de motivação. Essa é uma espécie de objetivação da vontade que se realiza nos animais,
nos seres mais complexos. Nos organismos animais, além da motivação, também ocorre
a excitação quanto às funções vegetativas do corpo. A motivação é o princípio da
causalidade visto a partir de dentro, como transformações ocorridas no interior dos
organismos.
Com relação às motivações, há que se distinguir as que ocorrem em animais e
em humanos. Os animais são guiados pela impressão do presente, vivem sempre no
presente. Já os humanos são capazes da memória a partir de representações abstratas.
Essas representações permitem ao ser humano
uma escolha real entre os diversos motivos, pois apenas in abstracto é
que estes podem, ao ser encontrados simultaneamente na consciência,
trazer consigo o conhecimento de que um exclui o outro e, assim,
medir reciprocamente seu poder sobre a vontade, com o que com o
que o motivo preponderante, assumindo as rédeas, é decisão
ponderada da vontade que dá assim sinais inconfundíves de sua
índole (SCHOPENHAUER, 2005: 83)
Tanto os animais quanto os humanos intuem. Intuição consiste na apreensão
total e não conceitual da realidade. São as chamadas representações intuitivas. Todavia,
somente o ser humano é capaz de representações abstratas. Sendo a linguagem uma
espécie de memória, é o elemento primordial que possibilita a formulação de conceitos.
Nesse sentido, segundo Schopenhauer, “a linguagem é o primeiro produto e instrumento
necessário à razão” (2005:83). O animal sente, o humano pensa e ambos querem.
Vontade, nesse sentido, é a vontade de vida, um querer irracional que, sempre em luta,
busca a preservação e a continuidade da vida.
A objetivação da vontade é, segunto Thomas Mann (2006: 29), o momento em
que a unidade da vontade se transforma em pluralidade, a partir das suas formas de
manifestação. Objetivação significa o momento em que a Vontade se torna fenômeno,
podendo, assim, ser experienciada, ou seja, é sua expressão no mundo, transformandose em algo passível de ser apreendido. O mundo, sob o ponto de vista da Vontade, é a
luta interminável das forças mais elementares da natureza pela sobrevivência, pela
existência.
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3 SCHOPENHAUER E A LITERATURA DE SUA ÉPOCA
Os intelectiuais românticos não preconizavam, indiscriminadamente, a
superioridade dos sentimentos sobre a razão. O que na realidade defendiam é a
existência da “orgulhosa, indomável, irrestrita vontade humana” (BERLIN, 2002:565).
Quando Schopenhauer publica O mundo como Vontade e Representação, a Europa não
se encontrava em uma época em que se pudesse realmente falar em otimismo. Com o
fracasso da Revolução, a história, como processo necessário em que o espírito se
manifesta, vai deixando de ser o meio através do qual se poderia pensar as questões
referentes à transformação da humanidade.
Uma das críticas de Schopenhauer é direcionada à questão da história. Para os
românticos, de modo geral, a história consiste na manifestação da Razão Infinita por
meio de um processo necessário em que não se conhece perfeição ou mal
(ABBAGNANO, 1999: 861), justamente esse era o ponto central das críticas ao
Iluminismo. O desejo de perfeição e harmonia, dessa forma, foi projetado para o futuro.
Para Schopenhauer (2005: 494), a história se desenvolve individualmente e
contingencialmente. A história não narra o fato propriamente dito, mas o complicado
sonho da humanidade. O autor afirma que a história não pode ser algo planificado,
construído organicamente.
A pluralidade é fenômeno, objetivação da vontade, e os processos históricos
são apenas configurações de um mundo fenomênico e irracional em sua essência: a
história para Schopenhauer se desenvolve ao infinito, sem um caráter teleológico. Ao
necessitarismo relativo ao processo histórico ,Schopenhauer afirma que o objeto da
história é o individual, o contingente. Seu desenrolar no espaço e no tempo é
imprevisível, o que uma vez foi, jamais voltará novamente a ser.
Quanto à literatura, a crítica de Schopenhauer se dirige não em pontuar
características e elaborar análises das obras de seu tempo, porém aponta o modo como
se desenvolve a atividade literária na Alemanha, no que diz respeito ao
comprometimento do autor com relação ao tema em exame.
De acordo com o autor, existem dois tipos de escritores: aqueles que estão
plenamente concentrados e comprometidos com o tema e aqueles que escrevem pelo
fato de apenas escreverem. Esses últimos, segundo o autor, visam mais às vantagens
pecuniárias advindas da atividade do que a seriedade em relação ao assunto e ao ato de
escrever.
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Com relação à escrita, Schopenhauer afirma que é necessário colocar o
conteúro – a matéria – dentro de uma estrutura – a forma. A forma corresponde à
configuração, ou melhor, à estruturação do pensamento de modo a torná-lo inteligível
por meio de sua estruturação. A forma é o “quê” do pensamento. A matéria se
diferencia da forma, pois remete diretamente a intuições sensíveis, ou seja, a matéria
relaciona-se a descrição de lugares, histórias, descrições de fenômenos naturais, tudo
isso é mais ou menos acessível ao público em geral. A forma estrutura o pensamento
para que a matéria possa ser transmissível pela linguagem 1. (SCHOPENHAUER, 2009:
819).
O gênero literário que tem primazia na filosofia de Schopenhauer é a poesia. A
poesia está para a filosofia assim como a experiência está para a ciência. Através da
experiência e da ciência conhece-se o fenômeno. Pela poesia, contemplam-se as idéias.
Segumdo Machado (2006:181), “a poesia, que objetiva a idéia de humanidade,
representando a luta da vontade com ela mesma, tal como se manifesta nos conflitos
humanos, tem como finalidade a expressão da idéia no grau mais alto da objetividade da
vontade”. Aqui o poeta apresenta as ações humanas e os conflitos como a discórdia da
vontade contra ela mesma, revelando a natureza íntima da humanidade.
A poesia trágica, nesse caso, é a que melhor enuncia essa luta sem fim. Viver é
sofrer, a necessidade gera sofrimento e a satisfação de uma necessidade, tédio. A
satisfação de um desejo é apenas momentânea, pois outros lhes sobrevêm, e essa luta
continua sempre. A única forma de o ser humano se libertar, mesmo que
momentaneamente, dos grilhões da vontade, é por meio da contemplação estética. Dessa
forma, “a intenção última da tragédia é provocar no espectador o espírito de resignação,
a partir da apresentação dos sofrimentos da humanidade. [...] A negação da vontade, que
é a própria resignação, resulta do conflito da vontade consigo mesma” (MACHADO,
2006: 186).
O prazer estético que a arte proporciona, em especial a poesia, está relacionado
com o exerício da faculdade de conhecer de maneira puramente intuitiva e independente
da Vontade. Segundo Schopenhauer (2005: 265),
o gênio possui tão somente um grau mais elevdo de uma duração
mais prolongada daquele modo de conhecimento, o que lhe permite
1
Schopenhauer também condena o anonimato e o uso de pseudônimos. Para ele um texto anônimo
euquivale a uma pessoa andar pelas ruas mascarada. Segundo o autor, a liberdade de imprensa deveria
levar consigo a proibição do anonimato.
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conservar a clareza de consciência exigida para reproduzir numa obra
intencional o assim conhecido, reprodução esta que é a obra de arte.
Schopenhauer tem especial admiração pela arte poética, pois conjuga as duas
categorias, nas quais o conhecimento é possível: o espaço e o tempo. O tempo se refere
ao sentido interno do sujeito que conhece, já o espaço, ao externo. O primeiro se refere
às mutações, enquanto o segundo consiste em situar-se para além do sujeito. O tempo se
refere à métrica, pois é a organização do tempo, ou seja, do ritmo do verso. O espaço se
refere à rima, e essa constatação deriva da sensibilidade empírica resultante dos sons das
palavras, quando captados pelo ouvido.
A importâcia da arte poética, para Schopenhauer, reside mais especificamente
no trágico. Na tragédia, há a exposição do lado mais assustador da inominada miséria
humana, resultado da luta incessante da vontade consigo mesma. A partir da experiência
estética, o ser humano tem, por alguns momentos, a sua vontade anulada e seu
sofrimento cessado. “Na intuição estética, o intelecto rompe a sua servidão à vontade,
deixando de ser o instrumento que procura os meios para satisfazê-la e tornando-se puro
olho contemplativo” (REALE, 1991: 232). Nesse ponto, a tragédia torna evidente o
sofrimento da humanidade. A partir da intuição estética, o sujeito percebe o mundo para
além do princípio da razão suficiente, ou seja, para além da pluralidade. É somente a
partir da negação da vontade que o ser humano se torna capaz de olvidar de si mesmo e
de sua dor.
CONCLUSÃO
Machado de Assis afirmava que a natureza nunca erra, ou seja, ela é
indiferente à consciência humana. A Vontade é luta, discórdia, o ser humano é apenas
uma de suas manifestações. Ao se objetivar, a Vontade entra em luta consigo mesma, é
o conflito oriundo da pluralidade, ou seja, da diferença. Na contemplação estética, a
Vontade é acalmada mesmo que por alguns instantes. No caso da poesia, gênero
literário mais importante para Schopenhauer, a contemplação da essência do mundo se
realiza a partir da percepção do tempo ou seja, por meio do ritmo, da métrica e também
por meio da rima, efeitos sonoros captados pelo ouvido humano.
A tragédia é, para Schopenhauer, a forma poética mais significativa, visto que
a dimensão do trágico possibilita ao ser humano a contemplação direta da idéia de
sofrimento, das mazelas humanas, da luta da Vontade consigo mesma. Schopenhauer
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primava por uma visão de mundo caótica, em que os valores cultivados deixam de ter
razão de ser, encontrando na literatura uma expressão autêntica de seu pensamento.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura ocidental. 2.ed. São Paulo: Ática, 1997.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar: 2006.
MANN, Thomas. Schopenhauer, Nietzsche e Freud. Madrid, Alianza Editorial: 2006.
MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura
brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979.
PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
REALE, Giovanni e ANTISSERI, Dario. História da Filosofia. 3. ed. São Paulo:
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SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. São Paulo
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556
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______. De la quadruple raiz del princípio de razón suficiente. Madrid: Gredos, 1989.
557
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