Dia a dia em notícia Especialistas reforçam que aparelho ortodôntico não é modismo Apesar dos inúmeros modelos e acessórios, indicação do aparelho deve ser feita apenas para casos em que há necessidade de tratamento Por Mariana Pantano e Swellyn França Uma matéria publicada em 10 de março, no site Folha OnLine intitulada “Aparelho nos dentes, antes motivo de piada, agora é moda” afirma que com tanta novidade no mercado “os ferros não são mais motivos de piada como era há pouco tempo”. Atualmente, a peça compõe o estilo de muitos adolescentes, tem sido utilizada também por adultos e, por isso, alguns consideram um ícone fashion. Segundo a Associação Brasileira de Ortodontia e Ortopedia Facial, de cada 10 crianças entre seis e dez anos, seis precisam corrigir dentes ou mordida errada. Embora a procura por tratamentos ortodônticos tenha aumentado bastante no Brasil, a indicação de aparelho ortodôntico continua sendo feita (ou, pelo menos, deveria) apenas para casos em que há necessidade de tratamento devido a problemas estéticos e/ou funcionais. O especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, Paulo Thomé e Vasconcelos, explica que a busca por dentes alinhados ocorre desde antes de Cristo. “Arqueologistas descobriram múmias que possuíam bandas artesanais de metal em cada dente, e cordões de metal e ouro, a fim de fechar espaços nas arcadas. Entre 400 a 500 anos a.C., Hipócrates e Aristóteles relataram a possibilidade de alinhamento de dentes, como alguns outros relatos encontrados, na Grécia Antiga, sobre aparelhos para manter espaços e prevenir apinhamentos da dentição, durante a vida.” A professora de Ortodontia da EAP APCD, Kátia Regina Izola Simone, ressalta que não se pode pensar que o aparelho é moda e pode ser usado por qualquer um. “Trata-se de mecanismos que aplicam forças sobre estruturas vivas, e há sempre o risco de alterações que podem ser irreversíveis levando à perda da dentição. Quero também salientar um outro ponto: a divulgação dos riscos do tratamento ortodôntico deve ser orientada para que a população procure sempre um Cirurgião-Dentista especialista, profissional preparado para executar um tratamento de qualidade, com responsabilidade.” O coordenador do curso de Especialização em Ortodontia da EAP APCD e presidente da Associação Brasileira de Ortodontia-Ortopedia Facial seção São Paulo (ABOR-SP), Luciano da Silva Carvalho, explica que diversos fatores levam cada vez mais pessoas a procurarem o tratamento ortodôntico tais como índice muito elevado de maloclusão, maior valorização da estética, custo mais acessível, modernização dos aparelhos etc. “Com um potencial muito grande, os fabricantes foram desenvolvendo aparelhos cada vez mais estéticos, que propiciam menor desconforto, além de acessórios que auxiliam na motivação (elásticos coloridos e em diversos formatos), tornando o uso dos aparelhos ortodônticos muito menos traumático do que era antigamente. Por essas razões, a procura por esses tratamentos aumentou e muita gente diz que é ‘moda’ usar aparelhos dentários”, explica. A odontopediatra, especialista em Odontologia para adolescentes e, atualmente, especializando-se em Ortodontia, Carolina Steiner de Oliveira, concorda e diz que “o desenvolvimento dos materiais utilizados na Ortodontia atraiu mais as crianças para se ‘enfeitarem’, e também os adultos, pela popularização dos aparelhos transparentes e pelas mecânicas de deslize mais rápidas (aparelhos autoligados)”. Carolina ainda afirma que as crianças e os adolescentes são o grande público-alvo dos tratamentos ortodônticos, pois nessa faixa etária é mais fácil tratar os problemas ósseos e dentários, por estarem em fase de crescimento. No entanto, ela ressalta que atualmente há uma grande procura pelos tratamentos ortodônticos também pelos adultos. Para o presidente da ABOR-SP, Luciano Carvalho, o crescimento da expectativa de vida da população mundial e a busca por melhores condições de saúde e pela beleza são fatores responsáveis pelo grande número de pacientes adultos que procuram tratamento ortodôntico nos dias de hoje. “Existe nas sociedades desenvolvidas uma consciência maior do valor e dos benefícios de se ter uma dentição saudável e estética ao longo da vida, e as pessoas bem informadas usufruem desses benefícios para obterem, além do equilíbrio funcional e estético do sistema estomatognático, uma melhoria no aspecto psicológico e da autoestima”, afirma. Paulo Vasconcelos tem a mesma opinião: “não acredito em moda, mas sim em uma melhor situação sócio-econômica e cultural da população brasileira nos últimos anos, o que permitiu maior acesso a este tipo de tratamento. Somado a este fato, houve a evolução estética dos aparelhos, bem como a disseminação entre os ortodontistas de técnicas ortodônticas que possibilitam a colagem de bráquetes apenas nos setores dentários que realmente necessitam de correção, quando antes era necessário a colagem em toda a arcada, mesmo que boa parte dos dentes estivessem bem posicionados.” Harmonia estética e funcional Com o objetivo de prevenir, supervisionar e orientar o desenvolvimento do aparelho mastigatório e a correção das estruturas dentofaciais, incluindo as condições que requeiram movimentação dentária, bem como harmonização da face no complexo maxilomandibular, o ortodontista trabalha em prol da perfeita harmonia dentofacial, com uma oclusão ideal estética e funcionalmente. O trabalho do ortodontista consiste em diagnosticar, por meio de estudos de modelos das arcadas dentárias, telerradiografias laterais, panorâmicas e fotografias, quais estruturas são responsáveis pelo desequilíbrio facial ou dentário e determinar, de forma individualizada, o melhor tratamento para o paciente. “O ortodontista deve estar apto a detectar problemas funcionais como, por exemplo, de deglutição, de fonação e respiratório, com o objetivo de orientar quanto à necessidade da participação no tratamento de um fonoaudiólogo e otorrinolaringologista, por exemplo, pois o tempo de tratamento e manutenção do resultado obtido depende do equilíbrio entre os dentes e todas as estruturas adjacentes. Por outro lado, o profissional deve distinguir quando a maloclusão é temporária e se irá ser solucionada naturalmente, sem necessidade de nenhum dispositivo, pois aparelhos mal indicados podem provocar danos irreversíveis às estruturas de sustentação, ou, no mínimo, dificultam a higienização, devendo ser indicados apenas quando há necessidade”, explica Paulo Vasconcelos. Carolina de Oliveira destaca que o mau posicionamento dos dentes pode dificultar a manutenção da higiene bucal, resultando em lesões de cárie, inflamação na gengiva e até desgastes nos dentes e mastigação insuficiente. “Além disso, se os ossos não estão bem posicionados, problemas como respiração bucal podem surgir e piorar quadros de apneia obstrutiva do sono”. Já o uso de aparelhos ortodônticos é indicado quando há um desalinhamento, desnivelamento, apinhamentos, mordidas abertas ou cruzadas, ou diferenças de tamanho ou posição entre a maxila e a mandíbula no sentido transversal, ântero-posterior, ou protrusão de ambas as arcadas, prejudicando o perfil do paciente. “Devemos indicar o tratamento ortodôntico o mais precocemente possível, principalmente nos casos das mordidas cruzadas para evitar comprometimentos futuros e assimetrias faciais. O ortodontista deve estar atento e apto a usar o crescimento facial em prol do tratamento, por isso, a importância de se começar cedo. As anomalias de fala, deglutição, dicção e respiração também devem ser rapidamente sanadas para não agravar o problema. Através de previsões de crescimento, é possível prever com 95% de exatidão, aos oitos anos de idade, se o paciente irá ter problemas nas bases ósseas, cirúrgicos ou até impactação dos sisos quando tiver 15 anos (mulheres) ou 18 anos (homens)”, conta Vasconcelo Correção de Mordida Aberta: fotos:Dr.Paulo Thomé e Vasconcelos Tratamento de apinhamentos fotos:Dr.Paulo Thomé e Vasconcelos Carolina acha importante realizar um acompanhamento com o odontopediatra desde cedo, quando os pais e/ou responsáveis já recebem orientações sobre hábitos de higiene, dieta e uso de chupetas, mamadeiras e sucção de dedo. “Os principais problemas de maloclusão em crianças jovens com dentes de leite referem-se ao uso indevido e prolongado de chupeta, mamadeira ou pela sucção de dedo e, ainda, perda precoce dos dentes por cárie. Isso pode levar a mordida aberta, cruzada, mau posicionamento de língua e/ou dentário etc. Na criança, o tratamento ainda pode ser feito aliado à técnica da Ortopedia Funcional, além de Ortodontia corretiva, se necessário”. Luciano Carvalho enfatiza que a Ortodontia consegue realizar verdadeiras reabilitações orais usando os dentes naturais do indivíduo, assim como auxilia e é auxiliada por outras especialidades como a Prótese, Implantodontia e Dentística. “Os procedimentos clínicos integrados podem melhorar o resultado do tratamento, especialmente quando movimentos ortodônticos são utilizados com a finalidade de distribuir, abrir ou fechar espaços devido à presença de agenesias, perda de dentes, falta de espaço ou na presença de diastemas. Com o objetivo de atingir esse ideal, muitas vezes, nos vemos na necessidade de inter-relacionar especialidades não só da Odontologia como de outras profissões, a fim de traçar um plano multidisciplinar e trazer beneficio ao paciente”. Tempo de uso do aparelho ortodôntico varia conforme o indivíduo Paulo Vasconcelos conta que é muito difícil prever o tempo do tratamento ortodôntico porque depende de muitas variáveis como tipo facial, colaboração do paciente, grau de dificuldade do caso, contudo, numa média geral, o tempo varia de dois a cinco anos. “Considero de suma importância a conscientização do paciente e dos pais, e a participação de cada um deles no tratamento sobre o resultado esperado a cada atendimento”. A odontopediatra, Carolina de Oliveira, esclarece que “o tempo de uso dos aparelhos depende muito do correto diagnóstico, planejamento e idade da criança. Existem problemas dentários que devem ser corrigidos logo, como a mordida cruzada, que só tende a piorar com o tempo. Muitas vezes, a interrupção dos maus hábitos de sucção já pode levar a uma autocorreção ou melhora parcial da mordida. Quando as crianças têm problemas ósseos e não apenas dentários, o tempo de tratamento se prolonga, pois há necessidade de uso de mais de um tipo de aparelho e também porque o ortodontista deve acompanhar o crescimento e desenvolvimento bucal da criança”. Luciano de Carvalho acrescenta que o tempo de tratamento também depende da colaboração do paciente, resposta óssea etc., ou seja, é um processo biomecânico e, por isso, deve obedecer à individualidade. “Porém, segundo observação feita nos tratamentos ortodônticos apresentados pelos diplomados do Board Americano de Ortodontia, em 2009, que ocorreu durante o Congresso Americano de Ortodontia, em Boston, Estados Unidos, os mesmos levavam em média 28 meses, independentemente do tipo de técnica e aparelhos utilizados”, lembra ele. A ortodontista Kátia Regina ainda salienta que o tempo de tratamento é diretamente proporcional à gravidade do problema. “Com o início da terapêutica em idade mais precoce, toda a plasticidade óssea fica ao nosso favor, favorecendo e até mesmo diminuindo o tempo total de tratamento”. Tração extrabucal O especialista em Ortodontia, Paulo Vasconcelos, explica que por muito tempo a ação da tração extraoral (TEO) foi mal interpretada e muito mal indicada, sendo usada para todos os tipos de problemas e 24 horas por dia. “A TEO é muito usada ainda hoje, contudo, de forma diferente e sua indicação principal é feita para desarmonia das bases ósseas (maxila e mandíbula) com o paciente ainda em crescimento. Este dispositivo deve ser usado à noite e com complemento durante o dia, totalizando 14horas/dia com 450g de força. Devolve a harmonia facial permite que a mandíbula cresça em todo seu potencial genético enquanto a maxila é rotacionada para trás e para baixo, resultando em uma redução ortopédica.” Tratamento com Tração Extra-Bucal fotos:Dr.Paulo Thomé e Vasconcelos Kátia Regina afirma que o aparelho ortodôntico extrabucal é excelente, porém, alguns pacientes preferem outros recursos por causa do apelo estético. “É muito difícil convencer um paciente a usá-lo quando os próprios pais do paciente o chamam de ‘freio de burro’. Existem outros aparelhos que são similares, porém, o extrabucal é excelente quando o paciente usa”. Pesquisa revela prevalência de maloclusões em escolares na faixa etária de seis e 12 anos na Rede Municipal de Araraquara Uma pesquisa do Centro Universitário de Araraquara (Uniara), realizada pelos pesquisadores Eloísa Marcantonio Boeck, Karina Eiras Dela Coleta Pizzol, Natalia Navarro, Nayara Mariani Chiozzini e Ana Lígia Rozato Foschin, avaliou a prevalência de maloclusões em escolares na faixa etária de seis e 12 anos, matriculadas em escolas municipais de Araraquara, interior de São Paulo. “Fizemos uma avaliação clínica da cavidade bucal de 1.446 crianças, de ambos os sexos, com o objetivo de identificar a prevalência de maloclusão nessa faixa etária, bem como os tipos de malocluão apresentados. Também analisamos o padrão de crescimento facial e a presença de hábitos deletérios - chupar dedo, chupeta, roer as unhas, respirar pela boca etc.”, detalha a autora principal do projeto, professora doutora da Uniara e Cirurgiã-Dentista da Prefeitura de Araraquara, Eloísa Marcantonio Boeck. Nas crianças estudadas, cerca de 80% apresentaram maloclusão, e as alterações oclusais mais prevalentes foram: 26% de mordida profunda, 26% de mordida aberta anterior, 64% de diastema e 67% de giroversão. “O hábito deletério mais encontrado foi o de roer as unhas, conhecido como onocofagia, representando 26% dos casos”, ressalta Eloísa. A Cirurgiã-Dentista conta que a sucção de dedo e o uso de chupeta são considerados fatores etiológicos principais da maloclusão numa idade precoce. “Assim, uma medida preventiva e eficaz consiste em remover esses hábitos antes dos cinco anos de idade, ou antes do início da troca dentária, desde que a criança esteja dentro de um padrão de normalidade do crescimento crânio-facial. Isso pode ser feito com a conscientização dos familiares, educadores e, também, das crianças envolvidas. Além disso, a conscientização da população sobre a importância do aleitamento materno no desenvolvimento dos arcos dentários pode diminuir em muito o aparecimento da maloclusão”. A professora ressalta que o conhecimento da situação epidemiológica da população é fundamental para o planejamento e a execução dos serviços odontológicos de prevenção e tratamento. “Nesse trabalho, pudemos verificar o que já se conhece na literatura, ou seja, a maloclusão no Brasil atinge níveis bastante significativos nessa faixa etária estudada. Esses valores altos podem estar relacionados com a grande mistura de raças que temos no nosso país, além de fatores herdados geneticamente e, também, de hábitos deletérios que as crianças possam apresentar. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maloclusão é a terceira maior prevalência entre as patologias bucais, perdendo apenas para a cárie e a doença periodontal, o que indica a necessidade de intervenção precoce.” Eloísa ressalta que esta pesquisa se iniciou com o propósito de avaliar a porcentagem de crianças com maloclusão dentro da Rede Municipal de Araraquara “para que possamos, em um futuro próximo, instituir o tratamento na rede básica de saúde da cidade, uma vez que muitas pessoas dependem desse sistema para conseguir tratamento dentário.”