Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 92 6.3 Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão 6.3.1 Momento Angular de Spin O electrão tem três graus de liberdade em seu movimento translacional e um quarto grau de liberdade devido ao seu spin. Muitas outras partículas elementares, como o protão, também tem spin. A nossa derivação da equação de Schrödinger aplicada ao átomo de um electrão, não inclui o spin. Na alínea a seguir vamos mostrar como incluir o spin no tratamento da teoria quântica dos estados atómicos uma vez que é necessário no acoplamento spin-órbita, no efeito Zeeman Anómalo, na ressonância de spin e na formulação adequada do Princípio de Pauli. Como toda a componente do momento angular, o spin do electrão é um vector com três componentes espaciais S x , S y e S z : S S x , S y , S z (6.66) No desenvolvimento que faremos a seguir do formalismo do spin, precisamos levar em conta que as observações experimentais nos mostram que as duas orientações possíveis para a componente do spin numa determinada direcção escolhida arbitrariamente, como por exemplo a direcção z, só podem ter o valor / 2 ou / 2 . Neste sentido ele corresponde a um genuíno sistema de dois níveis. 6.3.2 Operadores, Matrizes e Funções de Onda de Spin Não é possível uma discussão apropriada dos átomos, sem levar em conta o spin do electrão. Apesar do nome sugestivo, esta propriedade do electrão não possui análogo clássico, e deve ser tratada por métodos um tanto abstractos. Não existe uma função analítica própria para o spin e por isso temos que utilizar a representação matricial. Pensando intuitivamente nos estados do spin para cima () e do spin para baixo (), vamos primeiro introduzir, sob um ponto de vista puramente formal, as duas funções de “onda”, que correspondem a estas direcções de spin: e . Seguindo estritamente o formalismo da mecânica quântica, sabemos que a medida da componente z do spin, corresponde a aplicação do operador Ŝ z sobre a função de onda. Podemos escolher as funções de onda de maneira que ao aplicarmos o operador sobre elas, obtemos os valores observados de cada uma das funções de onda. Como só temos dois valores observáveis, nomeadamente, e , ao aplicarmos os operadores obtemos: 2 2 Sˆ z 2 (6.67) Sˆ z 2 (6.68) e Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 93 que escrevendo em termos do número quântico magnético da componente z do spin, ms fica: Sˆz ms ms ms (6.69) onde ms=1/2 (corresponde a ) e ms=-1/2 (corresponde a ). Ŝ z pode ser representado pela matriz 22: 1 0 S z 2 0 1 (6.70) e as funções ou os estados de spin S z serão representados por um vector coluna de duas componentes chamados spinores próprios: 1 e 0 0 1 (6.71) que correspondem à quantificação espacial. Podemos obter uma função de spin mais geral, fazendo uma sobreposição de e , com coeficientes, a e b, da mesma maneira que é feito para os pacotes de onda: 1 0 a a b a b 0 1 b (6.72) As funções de onda estão normalizadas: 1 e 1 (6.73) 0 (6.74) e são mutuamente ortogonais: Pela condição de normalização: 1 Notas de Aula 2005/06 (6.75) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 94 então: a b a b = a b 1 2 2 2 (6.76) 2 a e b devidamente normalizados fornecem as probabilidades de que uma medida de a 1 1 S z no estado seja igual a e a , respectivamente. 2 2 b A representação matricial para os operadores do momento angular intrínseco, nas direcções x y e z são: 1 0 1 ̂ z S z 2 0 1 2 (6.77) 0 1 1 ̂ x Sˆx 2 1 0 2 (6.78) 0 i 1 ̂ y Sˆ y 2 i 0 2 (6.79) Estes operadores são definidos por meio de suas relações de comutação: Sˆ , Sˆ iSˆ x y (6.80) z e ˆ x , ˆ y e ̂ z são as matrizes de Pauli. Elas satisfazem as relações de comutação: (6.81) ˆ x2 ˆ y2 ˆ z2 1 (6.82) x , y 2i z e satisfazem ainda: e x y y x z x x z y z z y (6.83) que são relações peculiares às representações de spin 1/2. Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 95 Se calcularmos o spin total utilizando as matrizes obtemos: 2 3 0 3 1 0 3 2 2 .(matriz unitária) (6.84) Sˆ 2 Sˆx2 Sˆ y2 Sˆz2 4 0 3 4 0 1 4 Por isso se aplicarmos Ŝ 2 numa função de spin , em particular para m s , teremos sempre: 3 Sˆ 2 m s 2 m s 4 (6.85) Em analogia com a equação de valores próprios do momento angular orbital, obtemos este valor ao escrevermos: Sˆ 2 ms 2 ss 1 ms (6.86) para s=1/2. Isto mostra que os operadores têm os valores próprios que foram postulados anteriormente. 6.3.3 Equação de Schrödinger do Spin num Campo Magnético Agora vamos proceder a formulação da equação de Schrödinger para o spin na presença de uma campo magnético. O momento magnético: B e 2me (6.87) do electrão, e corresponde ao magnetão de Bohr. Como o 2 momento magnético é um vector orientado anti-paralelamente ao spin do electrão, podemos escrever: está associado ao spin s e S me (6.88) está incluído no momento angular S . Os cálculos que faremos a seguir 2 e e também podem ser aplicados ao spin do protão, N . Para isso trocamos por , me mp onde o factor Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 96 m onde m p é a massa do protão. N é definido em termos de e B . O sinal m p negativo significa que a carga do protão é menos a carga do electrão. A energia do spin num campo magnético espacialmente homogéneo B é: VS s B (6.89) Podemos tentar encontrar uma equação de Schrödinger. Neste momento o que nos interessa é a parte do Hamiltoniano referente a interacção do campo magnético com o spin (análogo ao termo da interacção do momento angular orbital com B da equação 6.57 do Capítulo 6) e podemos obtê-lo por outro caminho equivalente e mais simples, que é aplicar o operador associado a energia magnética VˆS na função de onda do electrão, . Assim: Hˆ S VˆS E (6.90) e ̂ B S E me (6.91) ou Reescrevemos o lado esquerdo da equação acima, supondo que o campo magnético B tem as componentes Bx, By e Bz: e Bx Sˆ x By Sˆ y Bz Sˆ z me (6.92) onde Ŝ x , Ŝ y e Ŝ z são as matrizes do spin, nas direcções x, y e z, respectivamente e por isso (6.92) também é uma matriz, e de acordo com as regras de adição de matrizes, temos: 0 i 1 0 e Bz e 0 1 By Bz Bx me 2 1 0 i 0 0 1 2me Bx iB y Bx iB y (6.93) Bz Se escolhermos um campo magnético B na direcção z: B 0,0, Bz Notas de Aula 2005/06 (6.94) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 97 O lado esquerdo da equação (6.91) permanece a mesma, com excepção do factor numérico multiplicativo eBz / me . Assim: eBz ˆ eBz S z me 2 me eBz ˆ eBz S z me 2 me e (6.95) 1 0 O que mostra que as funções e , são também funções próprias 0 1 do operador definido em (6.90). Considerando (6.87), obtemos os correspondentes valores próprios: E B Bz (6.96) A energia do spin num campo magnético constante na direcção z é idêntica a expressão que se esperaria da teoria clássica para a interacção de um momento de spin antiparalelo com o campo magnético. A equação de Schrödinger dependente do tempo é: e ˆ d B S i me dt (6.97) Esta equação é utilizada no caso particular do campo magnético depender do tempo ou para determinar as soluções dependentes do tempo t , quando o campo magnético for constante. 6.3.4 Descrição da Precessão do Spin Para um campo magnético constante na direcção de z, a equação de Schrödinger (6.97) é dada por: 1 0 e 1 0 d B Bz i Bz me 2 0 1 dt 0 1 (6.98) A solução geral é uma sobreposição de e . Como a equação de Schrödinger tem uma derivada em relação ao tempo, temos que incluir nas soluções as funções temporais. Assim: eiE t / e eiE t / (6.99) onde E B Bz e E B Bz podem ser escritos na forma: Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. E 0 2 e 98 E 0 2 (6.100) e Bz . me Fazendo a combinação linear das duas funções próprias podemos obter a solução: onde 0 t ae i t / 2 bei t / 2 0 (6.101) 0 onde a e b são números reais. t , segundo a mecânica quântica ele precisa ser normalizada, o que implica que t t 1 , o que significa que a b 1 . ___________________________________________________________________ 2 Exemplo 6.2. Calcular o valor esperado de 2 Ŝ z para a função de onda t . Ŝ z = t Sˆ z t Desenvolveremos este cálculo por partes: Para simplificar chamaremos: ae i 0 t / 2 e bei0 t / 2 . Então: 1 0 t 0 1 1 0 Agora fazemos o produto Ŝ z = 2 0 1 Agora, fazendo o produto à esquerda obtemos: . 2 2 2 = 2 2 ae i 0t / 2 ae i 0t / 2 be 0t / 2 be i 0t / 2 a 2 b 2 a 2 b 2 (a e b são reais). 2 2 2 O resultado mostra que Ŝ z é constante no tempo. Sˆ z ______________________________________________________________________ No Exemplo 6.2 vimos que o valor esperado da componente z do spin permanece constante no tempo: Sˆ z a 2 b 2 2 (6.102) Os valores esperados das outras componentes dependem de t: Sˆx ab cos 0t Notas de Aula 2005/06 (6.103) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 99 e Sˆ y ab sin 0t (6.104) indicam que o spin roda no plano x-y com uma velocidade angular 0 . Estes três valores esperados podem ser interpretados como um movimento precessional do spin (Figura.6.5). Com isso podemos concluir que o modelo usado anteriormente é justificado pela teoria quântica. Figura 6.5. Movimento precessional do spin. 6.4 Efeito Zeeman Anómalo 6.4.1 Descrição Semi-Clássica do Efeito Zeeman Anómalo No efeito Zeeman anómalo o momento angular e o momento magnético de dois níveis de energia entre os quais ocorrem uma transição óptica, são descritos pelos dois números quânticos: s e l (ou S e L para os átomos multielectrónicos). Corresponde ao caso mais geral em que o magnetismo atómico é devido a sobreposição do magnetismo orbital e de spin. O termo “anómalo” é histórico, pois naquela época não era possível dar uma explicação qualitativa para o fenómeno, uma vez que não existia a mecânica quântica e consequentemente não se conhecia o spin. No efeito Zeeman Anómalo, os dois termos envolvidos na transição óptica diferem de factores g, porque a contribuição relativa do magnetismo orbital e de spin dos dois estados são diferentes. Os factores g são determinados pelo momento angular total J e portanto do factor gj. Entretanto a separação dos níveis nos estados excitado e fundamental é diferente, em contraste com o efeito Zeeman normal, porque produzem um número maior de linhas espectrais. Utilizaremos as linhas D do Na (Ver Figura 6.6) como um exemplo para a discussão do efeito Zeeman anómalo. Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 100 Para os três níveis envolvidos nas transições que produzem a linha D do Na (sódio), nomeadamente 2 S1 / 2 , 2 P1 / 2 e 2 P3 / 2 , os momentos magnéticos na direcção do campo magnético aplicado, são: m j g j B (6.105) Vm j j j , z B0 (6.106) j j, z e a energia magnética corresponde a: Figura 6.6. Efeito Zeeman anómalo. Desdobramento das linhas D1 e D2 do átomo de Na neutro. O número de componentes devido ao desdobramento dos níveis, quando o átomo se encontra num campo magnético, é dado por mj e corresponde a 2j+1. A distância entre as componentes com diferentes valores de mj (componentes Zeeman) não é mais o mesmo para todos os níveis, mas depende dos números quânticos l, s e j: Em j , m j1 g j B B0 (6.107) Os factores gj obtidos experimentalmente são: 2, para o estado fundamental 2 S1 / 2 , 2/3 para 2 P1 / 2 e 4/3 para 2 P3 / 2 . O factor gj será explicado na próxima secção. Para as transições ópticas as regras de selecção são novamente m j 0,1 . Correspondem as 10 linhas mostradas na Figura 6.6. Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 101 6.4.2 Factor gl de Landé Nos desdobramentos dos níveis de energia devido ao efeito Zeeman anómalo são encontrados outros valores de gj diferentes de 1 (magnetismo orbital) ou 2 (magnetismo do spin). Através de um modelo vectorial podemos entender qualitativamente o que se passa. O factor gj liga o valor do momento magnético de um átomo ao seu momento angular total. O momento magnético é a soma vectorial do momento magnético orbital com o momento magnético de spin: j s l (6.108) As direcções dos vectores l e L são anti-paralelos, assim como as direcções dos vectores s e S . Ao contrário desses vectores, j e J geralmente não têm a mesma direcção porque o acoplamento do momento angular é forte e a precessão é rápida. Isto está demonstrado nas Figuras 6.7 e 6.8. Somente a média temporal de sua projecção sobre J , pode ser observada, uma vez que as outras componentes se cancelam. Esta projecção j j (momento magnético efectivo) precessa em torno do eixo do campo aplicado B0 . Por isso, no cálculo da contribuição magnética para a energia Vm j precisamos considerar j j (momento magnético efectivo) em (6.106). Assim: Vm j j j B0 j j j j (6.109) l cos L, J s cos S , J 3 j j 1 ss 1 l l 1 B gl 2 j j 1 (6.110) j j 1B (6.111) E para o momento magnético: g j B J (6.112) j j 1 ss 1 l l 1 2 j j 1 (6.113) j j onde g j 1 Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 102 Figura 6.7. A primeira figura à esquerda mostra a relação entre S , L e J e S , L e J . A segunda figura indica que devido ao forte acoplamento entre S e L , J precessa rapidamente em torno de J e só pode ser observado J J . E para a componente na direcção z: j j, z Notas de Aula 2005/06 m j g j B (6.114) Ana Rodrigues Física Atómica e Nuclear – Capítulo 6. Átomos num Campo Magnético. Formalismo Quântico para o Spin do Electrão e do Protão. 103 Figura 6.8. Cálculo das componentes j (ou J, para átomos de muitos electrões), de J e interpretação dos diferentes factores gj do magnetismo orbital e de spin. O factor de Landé gj (ou gL – L de Landé) definido dessa forma tem o valor 1, para o magnetismo orbital puro (s=0), e 2 (mais precisamente 2.0023) para o magnetismo de spin puro (l=0). Para o magnetismo misto, os valores são diferentes. O factor gj de Landé é uma espécie de factor g variável que determina a razão entre o momento de dipolo magnético total e o momento angular total em estados onde este momento angular é parcialmente de spin e parcialmente orbital. Os valores dos desdobramentos serão diferentes para níveis com factores g diferentes, porque: Em j , m j1 g j B B0 (6.115) Em átomos de muitos electrões os números quânticos s, l e j são substituídos por S, L e J. Notas de Aula 2005/06 Ana Rodrigues