Crise Financeira Internacional, Recessão nos Países Centrais e Principais Repercussões para a Economia Brasileira Márcio G. P. Garcia www.econ.puc-rio.br/mgarcia [email protected] Departamento de Economia - PUC-Rio 10º Seminário Econômico - FUNDAÇÃO CEEE Porto Alegre - RS Terça-Feira, 25 de novembro de 2008 Agradeç Agradeço a excelente assistê assistência de pesquisa provida pelos alunos da PUC-Rio André André Gí Gíudice e Thiago Machado. Agradeç Agradeço aos grá gráficos cedidos por Carlos Mascarenhas, José José Carlos dos Reis Carvalho e Affonso Celso Pastore. O que causou a crise? O problema inicial ocorreu no mercado de hipotecas de alto risco nos EUA. Durante anos, inovações financeiras (securitização, derivativos complexos) e baixa taxa de juros criaram uma imensa bolha especulativa. A bolha começou a estourar em 2006, com o fim da alta dos preços das moradias, e estourou definitivamente em 2007 com várias falências de instituições financeiras. Os preços dos imóveis residenciais já caíram cerca de 15%. Se continuarem a cair, haverá mais perdas no setor financeiro, contraindo mais o crédito e agravando a recessão. Analistas divergem: há sinais de estabilização no preço das casas ou ainda vai cair muito mais? Evolução dos Preços das Moradias nos EUA Por que a crise é tão grave? (1/4) Como bem caracterizou Larry Summers, ex-secretário do tesouro (ministro da fazenda) dos EUA e recém nomeado diretor do National Economic Council pelo novo presidente dos EUA, Barack Obama, a crise atual é bastante grave por conjugar três círculos viciosos interrelacionados: 1) O epicentro inicial da crise, o ciclo de liquidação de ativos: um pressuposto básico da economia é que curvas de oferta têm inclinação positiva, isto é, quando o preço do bem cai (sobe), diminui (aumenta) a oferta deste bem. No caso de bens comprados com margem (de forma alavancada), isso pode não ocorrer. Neste caso, quando o preço do bem cai, o credor chama mais margem do devedor. Alguns devedores entregarão a garantia ao não poderem/quererem satisfazer a chamada de margem, aumentando a oferta do ativo no mercado. Ou seja, a queda do preço, ao invés de reduzir, aumenta a oferta, realimentando o processo de queda do preço. Este processo é desestabilizador, ao contrário do que normalmente ocorre. P O D Q Por que a crise é tão grave? (2/4) 2) A fase recessiva do ciclo Keynesiano padrão: menores gastos dos consumidores (que dispõem agora de menos crédito) representam menores vendas, que causam menores rendas (lucros), que diminuem empregos e salários, que realimentam a queda inicial de gastos. 3) O acelerador do crédito: é uma combinação dos dois movimentos anteriores. A principal forma de o sistema financeiro resolver o problema da informação assimétrica é exigir garantias para emprestar. O valor dessas garantias depende do estado do ciclo econômico, bem como de outros movimentos, como o ciclo de liquidação anteriormente explicado. A combinação dos dois movimentos anteriores gera preços de ativos muito baixos, o que representa menores valores de garantias, contraindo o crédito da economia como um todo. Esse movimento adicional aos dois ciclos anteriores (mas causado por eles) torna atual recessão ainda maior. As economias dos EUA e da Europa já estão em recessão. A questão é qual será a duração e profundidade da recessão. A extensão da crise financeira é crucial para determinar isto. Por que a crise é tão grave? (3/4) Segundo artigo recente de Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia neste ano, (...) aconteceu finalmente a tão temida capitulação dos consumidores dos EUA, até aqui tratados como “consumidores de última instância”. Os últimos dados do PIB dos EUA mostram que os gastos de consumo em termos reais caíram à taxa anual de 3,1% no terceiro trimestre deste ano, e os gastos em bens duráveis (carros, TVs, etc.) em termos reais também caíram à taxa anual de 14%. Para dar uma idéia da dimensão da crise, Krugman ressalta que os consumidores dos EUA, no agregado, quase nunca cortaram gastos. A demanda por consumo subiu durante a recessão de 2001, e a última vez que caiu por um trimestre foi em 1991, sendo que não houve queda tão grande quanto a atual desde 1980, quando a economia sofreu recessão severa combinada à alta inflação (dois dígitos). Ressalte-se, ainda, que tais números referem-se ao terceiro trimestre (julho, agosto e setembro). Ou seja, tais dados nos dizem o que estava ocorrendo antes do colapso da confiança ocorrido após a falência do banco de investimento Lehman Brothers, em meados de setembro. Ou seja, é quase certo que estejamos, agora, muito pior. Embora estruturalmente necessária, a redução do consumo não poderia estar ocorrendo em pior hora, pois agrava a recessão via o mecanismo do multiplicador Keynesiano. Atividade industrial em queda livre O Institute of Supply Managers, dos EUA, projeta a pior situação para a indústria desde a recessão de 81/82. Por que a crise é tão grave? (4/4) Na Europa, a situação não é muito diferente. Segundo o Financial Times (3/11/2008), a Comissão Européia prevê que (...) growth in the European Union is expected to slow sharply from 1.4 per cent this year to just 0.2 per cent in 2009. The eurozone – covering the 15 countries that share the euro – would slow from 1.2 per cent to just 0.1 per cent. The UK is expected to be the weakest-performing of Europe’s largest economies, with gross domestic product forecast to contract by 1 per cent next year. (…) Besides the UK, the economies seen as faring worse include Spain and Ireland, which are expected to see GDP contracting by 0.2 per cent and 0.9 per cent in 2009. Germany and France would see zero growth. (…) Unemployment is also expected to rise next year but a bright spot was the forecast rapid deceleration in inflation. Eurozone inflation would average 2.2 per cent next year and 2.1 per cent in 2010 – almost within the European Central Bank’s target of an annual rate “below but close” to 2 per cent. Falling commodity prices, the weaker growth outlook and the outlook for unemployment had reduced the dangers of inflationary pressures becoming entrenched. O que não está funcionando? Já há muitos meses o FED (e outros bancos centrais) está agressivamente tentando reativar a economia via baixa agressiva de juros aliada a injeções de liquidez. Entretanto, como o problema parece ser de insolvência, e não de falta de liquidez, há o risco (considerado cada vez maior) de que as injeções de liquidez cum baixa de juros não sejam eficazes. Os juros nos EUA já estão em 1%. Abaixar para 0%, o mínimo possível, não parece que vá ajudar muito (armadilha da liquidez). A crise se agrava e se espalha pelo mundo O choque inicial da queda dos preços das moradias engendrou enormes perdas em instituições financeiras alavancadas (que especulam com dinheiro emprestado) ao redor do mundo todo. Em setembro de 2008, o governo dos EUA resolveu deixar um banco de investimento, o Lehman Brothers, quebrar (após ter salvado um outro menor, o Bear Sterns, poucos meses antes). Julgou-se que o Lehman não constituía risco sistêmico (fazer o sistema financeiro todo cair como um dominó). A posteriori, descobriu-se que tal julgamento estava errado, e o Tesouro dos EUA e o FED tiveram que salvar uma seguradora gigante, a AIG e fazer um novo plano, o TARP, de US$ 700 bilhões. A crise se agrava e se espalha pelo mundo Após ação inicial do governo de Brown no Reino Unido, vários governos, inclusive o dos EUA, passaram a incluir a compra de ações / controle / nacionalização de bancos. Recentemente, o FED estendeu linhas de crédito em dólar para países julgados sistemicamente importantes, dentre os quais o Brasil. Simultaneamente, o FMI está socorrendo diversos outros países, em pior situação. Há dois cenários, um ruim, outro muito pior. O cenário ruim é que pare o pânico financeiro. Se isto ocorrer, os governos poderão mais bem lidar com o grave problema da recessão. O muito pior, .... ... deixa pra lá... E nós, no Brasil? (1/3) Passamos um longo período da crise iludidos com a manutenção dos altos preços de commodities, discutindo a teoria do desacoplamento, segundo a qual os emergentes continuariam crescendo apesar da recessão nas economias desenvolvidas. Infelizmente, o desacoplamento das economias emergentes das economias desenvolvidas foi efêmero, e estamos sofrendo com a crise mundial. Há duas formas através das quais um choque externo pode afetar a economia brasileira: via conta corrente ou via conta de capital do balanço de pagamentos. O preço das commodities despencou. Isto fatalmente acabará por reduzir nossas receitas de exportação, prejudicando a balança comercial e o saldo em conta-corrente do balanço de pagamentos. Embora a depreciação cambial torne nossas exportações mais baratas e nossas importações mais caras, assim fortalecendo a conta-corrente, o efeito líquido da queda dos preços das commodities, originado da recessão mundial, será o de piorar a conta-corrente. Índices de Preços de Commodities e de Exportações Brasileiras (em US$) E nós, no Brasil? (2/3) Quanto à conta capital do balanço de pagamentos, esta também está sendo afetada negativamente, com a saída de capital estrangeiro, que tem afetado muito o risco país e a taxa de câmbio. Vimos, com surpresa, a crise afetar de forma muito intensa nossos mercados financeiros. A partir de outubro, o dólar disparou e a bolsa despencou. O crédito se contraiu, e o BC teve que atuar fortemente para evitar problemas com instituições financeiras de menor porte, estranguladas pela rápida contração do crédito interbancário. Taxa de Câmbio (R$/US$) e Risco Brasil Taxa de Câmbio e IBOVESPA (US$) Investimentos Estrangeiros no Brasil (bilhão de US$) E nós, no Brasil? (3/3) Ou seja, o choque externo está afetando e deverá continuar a afetar negativamente os dois pilares do balanço de pagamentos, a conta-corrente (via balança comercial) e a conta capital. Portanto, a lição a se tirar é que, ao contrário dos últimos anos, a absorção interna (consumo e investimento, privado e público) terão que crescer menos, pois haverá menos importações disponíveis para cobrir a diferença entre o que produzimos e o que absorvemos. Claro que as reservas internacionais podem suavizar tal transição, mas, como veremos mais à frente, as reservas não devem ser “torradas” para manter o consumo crescendo, devendo ser prioritariamente destinadas para impedir a queda forte do investimento produtivo. A Economia Brasileira Hoje Embora a crise esteja afetando seriamente a economia brasileira, não se pode comparar o estado atual de nossa economia, muito mais robusto, com o de crises anteriores, notadamente a de 2002, quando o dólar chegou a passar dos R$ 4, com sérias consequências para o emprego e o crescimento. Hoje, ao contrário de 2002, nossa dívida pública tem sensibilidade negativa ao dólar. Ou seja, quando o dólar sobre, cai a dívida pública como proporção do PIB, uma vez que o governo brasileiro tem mais reservas cambiais do que dívida em dólar. A dívida pública também é mais longa, o que facilita sua rolagem. Também exportamos muito mais, o que permite, mesmo frente à recessão mundial, que os choques negativos sejam acomodados com movimentos menores do câmbio. Enfim, temos hoje uma situação mais sólida do que no passado. Ainda assim, é necessário tomar as providências corretas para minimizar os efeitos recessivos da crise. Quais medidas? O que se deveria fazer para minimizar os efeitos da crise mundial? (1/2) Atuar para evitar a contração do crédito, sobretudo às empresas. A contração do crédito, sobretudo às empresas, pode potencializar fortemente a recessão, o que deve ser evitado. Para isso, é preciso atentar para dois movimentos interligados: Evitar falências bancárias por falta de liquidez no mercado; Evitar que bancos grandes, com acesso à liquidez farta durante a crise, não repassem o excesso de liquidez a bancos menores, sem acesso farto a depósitos. Atuar no mercado de câmbio para evitar excesso de volatilidade, como tipicamente ocorre em momentos de crise, quando há pouca liquidez e muita volatilidade. O BC vem fazendo isso. Caso a fuga de capitais se agrave, utilizar os instrumentos disponíveis (reservas, empréstimos do FED e, no limite, do FMI) para evitar os efeitos da parada brusca (sudden stop) sobre a economia real. No médio prazo, aprimorar a regulação prudencial sobre empresas grandes, cujas especulações em mercados de derivativos tiveram importantes repercussões negativas nos mercados cambiais. O que se deveria fazer para minimizar os efeitos da crise mundial? (2/2) Diminuir fortemente a velocidade de crescimento do gasto público, interrompendo o longo processo de aumento contínuo de despesas primárias permanentes não-investimento. Esta medida ajudaria a acomodar a queda de receita fiscal que advirá do menor crescimento, ao mesmo tempo que ajudaria o processo de ajuste da conta-corrente sem afetar tanto o consumo e o investimento privado. Aprimorar e reforçar a rede de proteção social para mitigar os efeitos recessivos da crise sobre os mais pobres e miseráveis. Atuar nos fóruns internacionais para evitar os erros que agravaram a grande depressão, na década de 30, como o protecionismo no comércio internacional. Os países centrais estarão sob forte pressão de seus cidadãos para aumentar medidas protecionistas. Por exemplo, durante a campanha, o presidente eleito Barack Obama declarou-se a favor da sobretaxa ao etanol brasileiro. Avaliação da ação do governo (1/2) Após hesitação inicial que permitiu enorme alta do dólar, o Banco Central tem atuado intensamente no mercado cambial, vendendo reservas e derivativos cambiais. Tem também procurado que os dólares vendidos aos bancos irriguem o crédito a exportadores e importadores. O BC também tem liberado depósitos compulsórios, para permitir que os bancos tenham mais recursos para crédito. Recentemente, frente ao relativo fracasso das medidas originais, inclui punição para os bancos que não repassarem os recursos liberados. Como ainda não é claro o efeito da contração do crédito doméstico sobre o nível de atividade (todos os indicadores conhecidos continuam a apontar uma economia aquecida), o BC resolveu manter os juros básicos e esperar mais informações. Avaliação da ação do governo (2/2) O problema está fora do BC, onde parece reinar a percepção de que a atual crise pode ser combatida com aumento da demanda agregada via aumento dos gastos públicos. E os gastos que vêm subindo são permanentes (aumentos de salários, contratações. Há aí dois erros compostos: nem o governo brasileiro deveria, hoje, aumentar ainda mais o gasto público, como também o tipo de aumento que vem se fazendo, via aumento de gastos de pessoal e de previdência, nada tem de anticíclico. Gastos anticíclicos são tipicamente projetos de investimento de curta duração, que possam ser feitos rapidamente e tenham fim, sem representarem aumento permanente de despesa. Continuar aumentando rapidamente os gastos correntes é o oposto do que se deve fazer. Se levada a cabo, tal estratégia enfraquecerá a capacidade de reação da economia brasileira à crise atual. O pior que poderia ocorrer hoje é o retorno de temores sobre a solvência da nossa dívida pública. Muito melhor seria conter a expansão dos gastos correntes, focar no investimento público, e abrir espaço para o relaxamento da política monetária. MUITO OBRIGADO