HISTÓRIA DA MEDICINA As doenças são tão antigas quanto a própria vida. A medicina, entretanto, é relativamente recente. Na maioria das antigas civilizações, a medicina estava diretamente ligada à religião. Acreditava-se que as doenças eram causadas por deuses que também podiam curar e o tratamento envolvia rituais e encantamentos. Fragmentos de papiros mostraram que a medicina egípcia era sofisticada em termos de observação e diagnóstico, bem como no próprio tratamento. Na antiga Babilônia, o Código de Hamurabi continha leis que regulamentavam uma grande e bem organizada profissão médica. Muitos remédios à base de ervas eram conhecidos na antiga Índia. MEDICINA GREGA Em seu apogeu, a medicina grega era racional, científica e separada da religião. O filósofo grego Hipócrates de Cós (C. 460-370 a.C.) é considerado o “pai da medicina moderna”. Ele acreditava que a moderação em todas as coisas era a chave para a saúde. Criou ainda um código ético, sendo o Juramento de Hipócrates eito pelos médicos baseado neste código. A teoria grega dos elementos e humores, originada com os filósofos Empédocles (c. 490-430 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), influenciou a medicina durante séculos. Baseava-se na crença de que tudo era feito da combinação de quatro elementos – ar, água, terra e fogo – correspondendo a quatro qualidades – frio, úmido, seco e quente. Acreditava-se que, no corpo, os elementos misturavam-se para formar quatro humores: sangue (quente e úmido), bile amarela (quente e seca), bile negra (seca e fria), e fleuma (fria e úmida). Dizia-se que a boa saúde física e mental dependia do correto equilíbrio dos humores. Durante o Império Romano, o médico grego Galeno de Pérgano (Cláudio Galeno, 130-201) realizava dissecações apenas em animais, nunca em pessoas, e isso o levou a erros em descrições anatômicas. Galeno combinou a teoria dos humores com seus próprios estudos de anatomia e fisiologia, o que resultou em um sistema errôneo de medicina que vigorou durante mais d e1.000 anos. MEDICINA MEDIEVAL Após a queda do Império Romano, o conhecimento grego foi preservado e desenvolvido por estudiosos árabes como Rhazes (al-Rhazi, 8601036) e Evicena (ibn Sinna, 980-1036). A partir do ano 1000,o antigo conhecimento começou a se voltar para o Ocidente através de centros como a escola de medicina de Salerno. Posteriormente, ensinava-se medicina em novas universidades como Monepellier e Bolonha, duas cidades onde, no séc. XIV, as aulas de anatomia incluíam a dissecação pública de cadáveres. Entretanto, a Igreja proibiu o clero de derramar sangue e, por isso, as universidades não ensinavam cirurgias. Nesse campo, os alunos tinham de ser trinados por um cirurgião já experiente. Em geral, a medicina medieval era uma mistura de fisiologia antiga, conhecimento empírico dos efeitos de algumas drogas e superstições. No séc. XIV, milhares de hospitais haviam sido fundados na Europa. O SÉCULO XVI Com freqüência, alguns médicos duvidavam da autoridade de Galeno em assuntos específicos, mas foi somente de pois da invenção da imprensa que tais dúvidas tornaram-se mais conhecidas. Em seu livro De Humani Corporis Fabrica ( “Da máquina do corpo humano”), o anatomista flamengo Andreas Vesalius (1514-64) mostrou as inadequações de galeno. Trata-se do primeiro livro de anatomia preciso baseado na dissecação de cadáveres humanos, tendo lançado a base da anatomia moderna. No mesmo período, a cirurgia foi desenvolvida pelo francês Ambroise Paré (1517-90), que se opunha ao uso da cauterização (aplicação de ferro em brasa ou óleo fervente) para tratar ferimentos. O italiano Girolamo Fracastoro ( Fracastoius 1484-1554) considerou que as doenças epidêmicas poderiam ser causadas por germes diminutos, invisíveis a olho nu. Ele argumentou que os germes eram específicos, ou seja, que cada espécie causava um tipo de doença, mas sua teoria só foi comprovada no séc. XIX. A idéia de que doenças específicas exigiam tratamento específicos foi lançada pelo médico e alquimista suíço Philipus Aureolus Paracelso (pseudônimo de Theophrastus Bombastus von Hohenheim, 1493-1541). Ele também introduziu o uso de produtos químicos na medicina, sendo o pioneiro na utilização de mercúrio e láudano. OS SÉCULOS XVII E XVIII O principal evento médico do séc. XVII foi a descoberta da verdadeira natureza do batimento cardíaco e da circulação sangüínea pelo médico inglês Willian Harrey (1578- 1677). Seu livro De Motu Cordis (“Do Movimento do Coração”) lançou as bases da filosofia moderna. A invenção do microscópio deu grande impulso ao estudo da fisiologia e à ciência médica em geral. O holandês Anton van Leeuwenhock (16321723) demonstrou o valor desse instrumento ao pesquisar células sangüíneas, espermatozóides e micróbios. No séc. XVIII, várias escolas de medicina foram fundadas, como as de Viena e Edimburgo. A cirurgia foi estabelecida sobre sólidos princípios científicos pelo escocês John Hunter ( 1728-93) e a neurologia surgiu com o fisiologista suíço Albrecht von Haller (1708-77) e sua teoria de que as fibras nervosas atuavam sobre músculos “irritáveis” para produzir o movimento. O anatomista italiano Giovanni Battista Morgagni (1982-1771) argumentou que a doença ;e localizada em partes do corpo. A invenção do estetoscópio pelo médico francês René Théophile Hyacinthe Laennec (17811926) provou ser este um importante instrumento no diagnóstico das doenças. Um dos primeiros passos par a prevenção de doenças foi a introdução das vacinas pelo médico inglês Edward Jenner (1749-1823) ao descobrir, em 1796, que a inoculação com vírus da varíola bovina trazia imunidade à doença. A imunização contra outras doenças foi introduzida nos séculos seguintes. O SÉCULO XIX O séc. XIX foi o do progresso da medicina. Uma das mais importantes descobertas foi a demonstração do francês Louis Pasteur (1822-95) e do alemão Robert Koch (1943-1910) de que doenças como raiva e tuberculose são causadas por microorganismos chamados bactériais. Eles identificaram exatamente quais bactérias causam tais doenças, e entre 1975 e 1906, mais de 20 doenças fatais puderam ser prevenidas através da imunização. Embora no séc. XIX diversas cirurgias fossem feitas com sucesso, muitos morriam devido a infecções adquiridas durante as operações ou patos ou através de ferimentos. Os pacientes enfrentavam a agonia de estarem acordados durante as operações. O controle da dor pela anestesia (perda de sentidos induzida por drogas) foi desenvolvido pelos norte-americanos Horace Wells (1915-48), utilizando óxido nitroso, e William Thomas Green Morton (1819-68), que usava éter. Na Grã-Bretanha, a anestesia geral, que deixa o paciente inconsciente através do clorofórmio, foi introduzida pelo cirurgião escocês Sir James Young Simpson (1811-70). Na década de 1940, o húngaro Ignaz P. Semmelweiss (1919-65) mostrou a importância da assepsia (ambiente livre de germes) nos berçários e, em 1965, o cirurgião escocês Joseph Lister (1927-1912) introduziu a anti-sepsia (destruição de bactérias) ao borifar a área operatória com ácido carbólico. O séc. XIX também testemunhou inúmeras medidas para o avanço da saúde pública, como a melhoria do sistema de água e esgoto, que aumentou a expectativa de vida de milhões de pessoas. Nesse mesmo século, surgiu a enfermagem moderna com a inglesa Florence Nightingale (1820-1910), que mostrou que bons cuidados de enfermagem reduzem o número de mortes nos hospitais. O SÉULO XX O séc. XX tem sido a era das inovações tecnológicas na medicina, especialmente em diagnósticos. Em 1895, o físico alemão Wilhelm Konrad Röntgen (1945-1923) descobriu o Rio x, cujas aplicações médicas oram possíveis na virada do século. Outras invenções do início do século foram o eletrocardiógrafo (para medir a atividade do coração) e o eletroencefalógrafo (para medir a atividade cerebral). A introdução da ultra-sonografia na década de 70 permitiu imagens ainda mais precisas que o Raio X. Trabalhos sobre a química de nutrição feitos pelo alemão Emil Fischer (1952-1919) resultaram na bioquímica (ramo da química que estuda os organismo vivos) e o estudo químico das doenças é hoje um campo de abordagem médica. O bioquímico britânico Sir Frederick Gowland Hopkins (1961-1947) descobriu que certas substâncias, mais tarde chamadas vitaminas, eram essenciais na alimentaçào em quantidades mínimas e que as doenças ocorriam em sua ausência. A quimioterapia, tratamento por produtos químicos que atacam os agentes da doença com danos mínimos ao corpo, foi introduzida pelo cientista alemão Paul Ehrlich (1854-1915), que descobriu que corantes podiam matar bactérias e iniciou o estudo do sistema imunológico. As sulfonamidas, derivadas destes corantes e introduzidas em 1932, reduziram bastante as infecções pós-operatórias. Um grande número de infecções bacterianas – muitas delas fatais – tornaram-se curáveis através dos antibióticos. Surgiram a partir da descoberta acidental do microbiologista britânico Alexander Fleming (1881-1955) de que um crescimento do fungo penicillium havia destruído uma bacteriana que estudava. A cirurgia tem sido auxiliada pela tecnologia e novos tipos de laser, usados em procedimentos de alta precisão. O melhor entendimento do sistema imunológico possibilitou transplante de órgãos. O transplante do rim, feito pela primeira vez em 1902, tornou-se hoje operação de rotina. O primeiro transplante do coração foi feito pelo cirurgião sul-africano Christian Barnard (nasc. 1922) em 1967. Extraído da Revista ISTO É. 17 a 23 de setembro de 1995. UMA ATITUDE RESPONSÁVEL FRENTE À QUESTÃO DA HOSPITALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA MARISTELLA BELLETTI MUTT URASAKI Hoje, a questão da hospitalização psiquiátrica vem gerando vários debates. Tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n.º 3.657 de 1989 que dispõe sobre a extinção progressiva dos leitos maniacomiais e sua substituição por uma rede de serviços, diversificada e qualificada, de Atenção à Saúde Mental, através das unidades básicas de saúde, hospital dia e noite, centros de atenção psicossocial, centros de convivência e cooperativas, lares protegidos, emergência, leitos e enfermarias em hospitais gerias; e a regulamentação da internação psiquiátrica compulsória. As críticas dirigidas ao modelo convencional de tratamento das doenças mentais adotado nos hospitais não são recentes; já se esboçavam no século passado e intensificaram-se após a segunda guerra mundial. Jarpers, Minkowiski, Goffman, Foucault, Maxeel Jones, Franco Basaglia, são autoridades que contribuíram para a revisão e mudança do tratamento psiquiátrico em todo o mundo. Sabe-se que qualquer hospitalização, seja ela pelo motivo que for, gera uma série de mudanças na vida de uma pessoa. Seu cotidiano é interrompido, sua rotina se altera, surge um novo ambiente, novos sentimentos e preocupações. Ninguém deseja isto para si mesmo, ninguém tem como meta adoecer, tão pouco ficar hospitalizado. A hospitalização psiquiátrica, entretanto, possui outras peculiaridades que se somam a essas realidades. O estigma que envolve a doença é um grande problema; a perda da autonomia; as condições desarmoniosas que cercam o próprio momento da internação. A agressividade de alguns doentes, inabilidade de certos profissionais, o desespero de familiares, a retirada de pertences pessoais e documentos, a forma como o doente é levado ao hospital, contrariado, muitas vezes acompanhado por policiais, a não aceitação da internação pelo doente, colaboram para fazer essa situação mais dramática do que já é. Há mais: longos períodos de internação que propiciam a cronicidade; e exclusão social motivada pelo retorno hospitalar; a falta de preparo hospitalar; a falta de preparo especializado de profissionais; as super lotações, os recursos falidos, se apresentam como alguns de tantos problemas relacionados com a internação psiquiátrica. O panorama em que se encontra, atualmente, o doente mental, demonstra a desumanização a que ele está submetido. Não se pode esquecer que a relação estabelecida entre paciente e profissionais se dá a partir do momento em que por circunst6ancias da vida, alguns necessitam de ajuda e outros se dispuseram a ajudar. São seres humanos convivendo nessa inter-relação. Homens singulares, ímpares, com suas particularidades, suas histórias, seus valores, projetos, crença, desejos e sentimentos. Os diferentes, estranhos, bizarros, alienados e os não diferentes, não estranhos, não bizarros e não alienados: todos buscando viver bem. E nessa busca de viver bem, de ser feliz, está a busca pela saúde. A saúde envolvendo cada momento, dando estabilidade e bem estar, dando qualidade de vida e morte. O homem persegue sua felicidade e bem estar no mundo. Enquanto vive no mundo-hospital não desiste desse intento, persiste no desejo pela qualidade devida. No entanto, o hospital psiquiátrico apresenta-se como uma solução que tem mais desvantagens do que vantagens, que gera mais sofrimento do que alívio. O caminho para o estar bem se torna penoso e caro, a esperança dá lugar ao medo; a internação passa a ser para o doente um problema a mais além do ele já possui, a própria doença. Ficar num hospital psiquiátrico é ficar com restrições de espaço, de escolha, de convívio, é ser inválido, é não ter privacidade, é ficar massificado, anônimo, é não ter voz, é ser subordinado a normas e rotinas pouco flexíveis, é permanecer afastado do mundo, da família, é participar de um ambiente adoecido, é sentir a vida constrita, é agravar o adoecer. A esperança de estar melhor, de ter saúde parece ficar mais distante. O hospital, uma instituição que se propõe tratar e reabilitar doentes, promover saúde, mostrar-se pouco humano, faz um papel inverso, descuida, destrata e abandona. Mudar esse estado de coisas não é fácil, requer um longo prazo. Novas propostas, projetos e modelos são lançados, discutidos, criticados, aprovados, porém enquanto não se concretizam de forma significativa e não passam de projetos, o doente é quem sofre. Colocar-s ena condição do doente que está sendo internado é um passo simples e fundamental. Será que eu, ser humano, suportaria submeter-se a tais situações? Será que eu, ser humano, toleraria afastar-me de todas as coisas com que convivo que dão sentido à minha vida? Como seria viver esse período de minha vida em um hospital psiquiátrico? Será que não haveria possibilidades de ajuda? O profissional que atua na área da saúde mental deveria, enquanto integrante deste sistema, compreender o significado do que é estar, de fato, internado num hospital psiquiátrico, como é viver dias e mais dias isolado, afastado de seu mundo. Essa compreensão poderia proporcionar ao profissional maior conscientização do seu papel altamente humano, maior proximidade junto aos doentes, participação mais afetiva no tratamento e procediemntos realizados e principalmente maior critério e responsabilidade nas indicações de internações. Desse modo contribuiria para reduzir o número de internações desnecessárias e também a permanência que hoje no Brasil atinge a média de setenta dias, um número absurdo. O doente mental tem direito a um atendimento de qualidade, tem direito a ser tratado com respeito e dignidade, como cidadão que é e como ser humano que busca uma vida com qualidade. Maristella Belletti Mutt Urasaki é Mestra de Enfermagem da escola da USP e Professora na Escola de Enfermagem da Universidade de Mogi das Cruzes. PELA REFORMA PSIQUIÁTRICA ROBERTO GOUVEIA Em 1995 conquistamos o código de Saúde, lei complementar 791, de nossa autoria, aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada em 9 de março pelo governador Mário Covas. Dedicamos uma seção específica à saúde mental. Diz o seu artigo 33: “No tocante à saúde mental, o SUS, estadual e municipal, empreenderá a substituição gradativa do procedimento de internação hospitalar pela adoração e o desenvolvimento de ações predominantemente extra-hospitalar, na forma de programas de apoio à desospitalização que darão ênfase à organização e manutenção de redes de serviços e cuidados assistenciais destinadas a acolher os pacientes em seu retorno ao convívio social, observados os seguintes princípios. 1) Desenvolvimento, em articulação com os órgãos e entidades, públicas e privadas, da área de assistência e promoção social, de ações e serviços de recuperação da saúde de pessoas acometidas por transtorno mental e sua reinserção na família e na sociedade. 2) a atenção aos problemas de saúde mental, em especial os referentes à psiquiatria infantil e à psicogeriatria, se realizará basicamente no âmbito comunitário, mediante assistência ambulatorial, assistência domiciliar e internação de tempo parcial, de modo a evitar ou a reduzir ao máximo possível a internação hospitalar durante ou de tempo integral. 3) Toda pessoa acometida de transtorno mental terá direito a tratamento em ambiente o menos restritivo possível e ele só será administrado depois de o paciente estar informado sobre o diagnóstico e os procedimento terapêuticos e expressar seu consentimento. 4) A internação psiquiátrica será utilizada como último recurso terapêutico e objetivará a mais breve recuperação do paciente. 5) Quando necessária a internação de pessoa acometida de transtorno mental, esta se dará, preferentemente, em hospitais gerais. 6) A vigilância dos direitos indisponíveis dos indivíduos assistidos será realizada de forma articulada pela autoridade sanitária local e pelo Ministério Público, especialmente na vigência de internação psiquiátrica involuntária. A lei fala por si. Ao aprová-la, São Paulo se soma a outros estados (RS, PE, CE, DF, AL e MG) na construção do arcabouço legal que torna irreversível a implantação da reforma psiquiátrica preconizada pela ONU, OMS/ Opas e Ministério da Saúde. Decorrência natural desse processo será a aprovação do projeto de lei n.º 366/92, que ainda se encontra em tramitação para estudos e aprimoramentos. Nesse projeto os recursos públicos são orientados para a implantação de ações de saúde mental em unidades básicas de saúde, centros de conviv6encia e cooperativas, núcleo e centros de atenção psicosocial, lares abrigados, hospitais , serviços de emergências e enfermarias de saúde mental em hospitais gerais, além de ações nas áreas de educação, trabalho, moradia e justiça. Dessa forma estaremos promovendo cidadania, oferecendo assistência baseada em preceitos éticos e humanos. A reforma incomoda aqueles cujos interesses particulares na área se sobrepõem à necessidade de mudança. O modelo arcaico, ainda hegemônico, provoca a desassistência, a segregação, a cronificação do sofrimento, o abandono e a morte de milhares de doentes, como atestam dados do Ministério da Saúde. Nos últimos dois anos morreram nos hospitais psiquiátricos brasileiros 3.222 pessoas, sendo 1.332 em São Paulo, sem qualquer chance diante da violência institucional. Assim como os 300 mil mortos desde a criação do hospital psiquiátrico no pais, ainda que esse número seja subestimado. Essas morte, em sua grande maioria, não foram causadas pela patologia que motivou a internação. No verso da mesma moeda, aproximadamente 30 mil leitos psiquiátricos (40) são ocupados pelo mesmo paciente há mais de cinco anos. São moradores daquelas instituições, deterioradas física, mental e socialmente, denunciando a falência daquele “projeto terapêutico”. Esses dados demonstram que o hospital psiquiátrico funciona mais como porta de entrada do que de saída. Gastam-se no pais R$ 500milhões com 75 mil leitos psiquiátricos (80% deles privados e conveniados), realizando 400 mil internações anuais, respondendo às necessidades de apenas 0,52% da população a altos custos e sem resolutividade. Recursos esses suficientes para atender às reais necessidades de toda a população por meio da reforma por nós defendida. Foi ocorrido na gestão municipal de São Paulo de 89/92, quando, com a ampliação da assit6encia substitutiva, foram atendidas 120 mil pessoas por ano contra apenas 8.000 internações nos hospitais desativados. As leis que conseguimos aprovar provocam transformações trazendo à tona o debate sobre uma temática antes ocultada e considerada como problema “alheio”. Na verdade, há uma imensa dívida social a ser paga com os esforços conjuntos de toda a sociedade. As leis não curam pacientes, mas correspondem a novos estágios de consciência dos direitos de cidadania, de produção cientifica, bem como da prática no campo da saúde. O desconhecimento delas, intencional ou não, resulta em crimes a serem coibidos pelo Estados Democráticos de Direitos. Roberto Gouveis, médico sanitarista, é deputado estadual pelo PT em São Paulo e autor de Lei Complementar do Código da Saúde. Folha de São Paulo, 30/11/95