conceito e efeitos do neoliberalismo

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CONCEITO E EFEITOS DO NEOLIBERALISMO: A ÓTICA DE UM GRUPO
DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM MINAS GERAIS
Edna Guiomar Salgado Oliveira Guedes1
Dulce Aparecida Barbosa
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes
Instituição financiadora: FAPEMIG
Nos últimos anos, as políticas neoliberais tem sido motivo de muita discussão em todos
os segmentos, e na educação não é diferente, uma vez que deveria construir e
compreender o seu significado, passando pelo senso comum até chegar ao conceito real.
Perceber esta ideologia neoliberal e como isso tem afetado a escola pública, a vida
profissional e pessoal dos professores, as salas de aula é um processo de estudo e
discussão que deve ser iniciado nas universidades, em cursos de formação de
professores e, sobretudo, nas escolas como alternativas de intervenção.
Este artigo visa contribuir para uma melhor compreensão do papel do Estado na
educação, e de como os professores vêm apropriando-se do conceito e a formas de ação
do neoliberalismo no cotidiano do seu trabalho. Assim, faz necessário discutir os efeitos
do neoliberalismo, globalização, por se constituírem na nova face do capitalismo, e que
correspondem em grande medida nas profundas mudanças das relações sociais, culturais
e principalmente, na política e economia em todos os níveis: local, regional, nacional,
internacional. É de fundamental importância refletir e discutir como que estas
transformações afetam diretamente a educação e cotidiano dos professores, bem como
entendem e internalizam as práticas neoliberais.
A pesquisa realizada é cunho qualitativa com 38 professoras, todas com nível superior,
advindas dos cursos de Pedagogia e Normal Superior que estavam fazendo pósgraduação latu sensu em Psicopedagogia . As professoras atuavam em escolas públicas
e particulares em cidades no Vale do Jequitinhona (MG) em 2006. Para coleta de dados
foi utilizado o questionário com duas questões norteadoras: o que você sabe sobre o
1
[email protected] (38) 84016205 – Buritizeiro –MG; Doutoranda em Educação – Formação de Professores
(UNIMEP)
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neoliberalismo e se/ou como o neoliberalismo afeta o seu trabalho. As questões foram
feitas ao final de uma aula com objetivo de levantar o conhecimento prévio das alunasprofessoras, de modo que pudesse orientar às aulas da semana seguinte, que tinha como
conteúdo discutir a políticas públicas da Educação Básica, assim, deveriam responder
individualmente as duas questões. A princípio houve resistência em dar as respostas e
muitas declararam não saber muito bem o significado da palavra, mas apontavam
visíveis conseqüências do neoliberalismo na educação. Das 38 alunas – que estarão
usando pseudônimo - apenas 8 responderam a primeira pergunta, 16 responderam a
segunda e 14 entregaram as perguntas em branco ou escrito “não sei responder”. Foi
possível perceber que já haviam ouvido falar sobre o assunto, mas desconheciam o
significado e as formas de atuação do neoliberalismo.
Apesar de não definir com clareza o que é neoliberalismo, se mostraram com uma visão
crítica sobre as influências do mesmo na educação. Algumas o definiram vagamente
como: “ uma nova política do governo” ou “coisa boa não é” ou “às vezes a gente até
sabe, mas não sabe definir”, “novo liberalismo”, “ proposta de mudanças na educação”.
Etimologicamente neoliberalismo vem de uma palavra composta:
neo = novo +
liberalismo - política econômica do capitalismo (sec. XIX) cujas características são:
livre comércio, livre iniciativa e livre concorrência, considera a vontade individual
como fundamento das relações sociais. O liberalismo econômico, cujo principal teórico
foi Adam Smith (1776), defende a chamada economia de mercado. O neoliberalismo
constitui nos nossos dias, a doutrina que, “diante de certo fracasso do liberalismo
clássico e da necessidade de reformar suas formas de atuação, admite certa intervenção
do Estado na economia, mas sem questionar os princípios da concorrência e da livre
empresa”. (JAPIASSU, 1996, p.163).
Parece interessante que para entender o neoliberalismo é preciso fazer um percurso
histórico, abrangendo origem, precursores, ainda que de forma simplificada e rápida,
para melhor compreendê-lo na atual conjuntura educacional. Para Corrêa (2002, p.37) o
neoliberalismo “ na prática política, constitui um conjunto particular de receitas
econômicas e programas políticos colocados em prática a partir da década de 70”
baseadas nas teses neoliberais de Friedman (1977) e Hayek (1987), principais teóricos
1
na defesa e disseminação da política econômica neoliberal que criticava arduamente o
Estado de Bem Estar de Keynes, retirando de pauta a palavra igualdade e substituindo-a
por liberdade. Friedman (1977) e sua teoria econômica se opõem a teoria de Keynes e
aos Social-Democratas, em especial, afirmando que “ uma sociedade socialista não pode
também ser democrática, no sentido de garantir a liberdade individual” (p.17), diz ainda,
que é uma ilusão pensar que liberdade política e econômica estão intimamente ligadas, “
a relação entre liberdade política e econômica é complexa e de modo algum unilateral”
(p.19), significa que a organização econômica promove a liberdade econômica, isto é,
“que o capitalismo competitivo, também promove liberdade política porque, separa o
poder econômico do poder político e, desse modo, permite que um controle o outro” (
p.18).
Discute a idéia de que quanto menos o governo intervir, melhor será os resultados para a
economia e maior será a liberdade política dos indivíduos, isso parece ser
“extremamente perigoso, inclusive porque nos leva a viver a ilusão de que temos
liberdade política, liberdade de escolha” (CORRÊA, 2000, p.54). Assim, ao contrário da
teoria keynesiana que propunha a intervenção do Estado no sistema de mercado para
que se chegasse ao Estado de Bem Estar Social, Friedman (1997) vai afirmar que o
governo deve se ater à função de árbitro. Nesse sentido, o papel do governo numa
sociedade livre é determinar as regras do jogo e fazer cumprir as normas estabelecidas,
no caso, “promover os meios para modificar as regras, regular as diferenças sobre seu
significado e garantir o cumprimento das regras por aqueles que de outra forma não se
submeteriam a elas” (p. 32).
Para Friedman (1977) o papel do Estado na educação é o de que não há como fazer uma
sociedade democrática e estável sem um mínimo de conhecimento ou de instrução de
tipo específico. Em vários momentos afirma a necessidade de impor diretamente os
custos educacionais aos pais, tirando do Estado a responsabilidade de oferecer
diretamente a educação.
Propõe que o governo poderia exigir um nível mínimo de instrução financiada, dando
aos pais um determinado valor anual por filho, e ao pai cabendo contratar os serviços
(privados) educacionais que melhor lhe aprouver, ao governo caberia a fiscalização para
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que as escolas oferecessem os padrões mínimos de conteúdo nos programas
estabelecidos, nesses termos sugere que a “desnacionalização das escolas daria maior
espaço de escolha aos pais” (p.89).
O neoliberalismo e a globalização se constituem na nova face do capitalismo no final do
séc. XX e começo do séc. XXI. As reformas neoliberais provocam profundas
transformações nas relações sociais, políticas, culturais e principalmente econômicas,
atingindo profundamente a educação, transformando-a de um direito social que o
Estado-Nação deve garantir aos cidadãos, como consta na Constituição Federal, para
um serviço, uma mercadoria que deve ser adquirida no livre mercado e, é notório, como
o professor tem sido “tratado” nessa lógica de livre concorrência no mercado
educacional.
Defendendo esta idéia da necessidade de refletir e discutir a influência do
neoliberalismo e globalização na escola pública e como os professores entende e sente
os seus efeitos, é que através desse artigo, buscamos investigar os diferentes olhares que
as professoras têm sobre o assunto.
Assim, ao responder a primeira questão “como definiria o neoliberalismo ou o que sabe
sobre o neoliberalismo?” As professoras responderam:
Uma nova política do governo (Professora Ana)
Coisa boa não é (Professora Betânia )
Às vezes a gente até sabe, mas não sabe definir, “novo liberalismo”
(Professora Carla).
Proposta de mudanças na educação. (Professora Denise)
Nova tendência em reduzir as funções do Estado, ligado a questão
econômica, ou seja, tirar das mãos do Estado obrigações que são dele e
transferir para a sociedade civil. (Professora Elvira)
Não sei bem definir neoliberalismo, mas sei que depois do neoliberalismo
parece que as coisas ficaram bem piores para a educação. (Professora Fátima)
Movimento ideológico que tem avançado lentamente no nosso dia-a-dia,
acaba interferindo e com isso garante o processo de reprodução. O
responsável pela crise e ineficiência é sempre o setor público. O privado é
sempre o melhor, o mais eficiente, produtivo e de qualidade (Professora
Glória)
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Neoliberalismo é uma política que vê o Estado como gastador. (Professor
Nadir)
Aqui é possível perceber que apenas 21,% responderam, mas a maioria das respostas
foram vagas, terminando por não definir o termo neoliberalismo. Tais respostas ou não
respostas, sinalizam um problema que por sua vez implica em estudar mais
profundamente a relação entre educação e economia e como, apesar de estudos e críticas
feitas ao neoliberalismo, tais pesquisas não têm chegado de fato ao professor.
Vê-se
cada vez mais a virtual ausência dos professores na definição, discussão e tomadas de
decisões da política educativa, essa tarefa fica nas mãos de economistas, e ao professor
cabe a tarefa de implementação das reformas no qual desconhece as raízes e ideologia.
Sente os efeitos, mas não conhecem a causa, os motivos que definem o modelo de
educação e escola, e que nele está contida a ideologia dominante.
A resposta da professora Glória vem de encontro com o que para Torres (1995) a
noção de privado é glorificada como parte do mercado livre, com total confiança na
eficiência da competição, onde as atividades do setor público ou estatal são vistas como
ineficientes, improdutivas, anti-econômicas e “como um desperdício social, enquanto o
setor privado é visto como eficiente, efetivo, produtivo, podendo responder, por sua
natureza menos burocrática, com maior rapidez e presteza às transformações que
ocorrem no mundo moderno” (TORRES, 1995, p.115).
Podemos observar que essa “nova tendência” tem sido comum nos dias atuais. Vale
ressaltar que “o Estado abre mão de realizar políticas sociais e os indivíduos precisam,
então, passar a comprar serviços que passaram a ocupar o lugar dos direitos sociais
conquistados ao longo da trajetória de constituição social das classes” (NORONHA,
2002, p.76). Esta premissa já era defendida por Smith, liberal clássico, que em 1776
defendia que “os aspectos da educação não conduzidos pelas instituições públicas são
os mais bem ministrados”(1985, p.396).
As professoras perceberam mais facilmente como o neoliberalismo tem afetado a escola
pública e, por conseguinte seu trabalho. Assim responderam
Estamos sobrecarregadas de funções que não são nossas. As famílias mesmo
têm transferido funções para nós professores. As crianças só conhecem seus
direitos, não querem saber dos deveres. (Professora Ana).
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A professora dentro desse modelo de escola desloca ideal de respeito e dever; aumenta e
consolida a exclusão daqueles que são socialmente marginalizados. Acaba não
percebendo a dimensão maior, ou pelo menos, compreendendo os motivos que obrigou
e vem obrigando a escola a assumir responsabilidades da família, termina por
responsabilizar os alunos e família, não vê a política econômica, como desencadeadora
de tais problemas dentro da escola.
A professora Fátima responde que:
Isso tudo acaba afetando nosso trabalho. Alunos sem interesse, turmas cada
vez mais cheias e a gente angustiado, impotente frente aos problemas.
A professora sente os efeitos da superlotação das salas de aula, cada vez mais freqüente,
não apenas nas escolas públicas, mas atingindo, mais recentemente, também as escolas
particulares. A resposta da professora encontra ressonância em Torres (2000), que
critica tais ações e diz
Segundo estudos citados pelo Banco Mundial, o número de alunos por
professor tem pouca incidência sobre o rendimento escolar: acima de vinte
alunos por sala, afirma-se não faz diferença se não trinta ou cinqüenta ou
mais. Com essa base o BM recomenda aos países em desenvolvimento não
empenhar esforços em reduzir o tamanho da classe, e, pelo contrário,
incrementar o número de alunos por sala a fim de baixar custos e utilizar
esses recursos em livros didáticos e capacitação em serviço. (TORRES, 2000,
p.167)
A Professora Carla diz:
O governo „ tira o corpo fora‟ da sua responsabilidade, tem propaganda
enganosa como: „toda criança na escola‟ e isso sem assistência. As crianças
têm que trabalhar vendendo picolé, carregando feira.
Fica claro na resposta da professora que os efeitos sociais da política econômica
neoliberal trás conseqüências graves. Para Bourdieu (1998), seria necessário que
Todas as forças sociais críticas insistissem na incorporação aos cálculos
econômicos dos custos sociais das decisões econômicas. O que custarão ao
longo prazo, em demissões, sofrimentos, doenças, suicídios, alcoolismo,
consumo de drogas, violência familiar etc. (BOURDIEU, 1998, p.55)
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A professora Denise ainda completa, dizendo que
Considero as avaliações sistêmicas como instrumento de controle de Estado
quanto ao nosso desempenho, mostrando em número, o resultado
quantitativo.
Assim, o Estado através de retórica de qualidade de educação, implanta medidas, como
avaliação sistêmica , que termina por culpabilizar, de modo velado, os professores pelo
sucesso ou fracasso dos alunos. Corrêa (2000) vem afirmar que
O Estado usa o currículo as avaliações, PCNs, como forma de controle
político do conhecimento e regulação, indispensável na luta pela hegemonia
(...) o Estado tem o objetivo de “treinar e controlar” o professor para um
determinado desempenho necessário na perspectiva de construir a escola
voltada para o mercado de trabalho. Essa estratégia pode resultar no
enfraquecimento do poder dos professores, privados de iniciativa, liberdade,
autonomia e, o que é mais grave, passar a ser um mero executor de
tarefas,(grifo meu), desenvolvendo uma espécie de obediência mecânica. Em
conseqüência os alunos também serão atingidos. (CORRÊA , 2000, p.100).
A professora Elvira complementa dizendo
E a autonomia virou discurso, mas ainda estamos sempre dependendo dos
outros. O „amigo da escola‟, é um exemplo de transferência de obrigação que
é do Estado.
A professora percebe que a “autonomia” está restrita apenas a questões de buscar saídas
para problemas econômicos, o exemplo é a convocação do voluntariado “amigo da
escola”que vai além da boa intenção de aproximação e integração da comunidade à vida
escolar dos alunos, mas sobretudo, da diminuição de custos, em termos de contratação
de serviços para a sustentação da infra-estrutura escolar, assim o chamado para
participação da comunidade e pais tem uma intenção mais econômica do que coletiva na
integração e solidificação da qualidade da educação. A noção de participação da família
e comunidade está cada vez mais ligada pelo aspecto econômico. A educação está
atrelada ao sistema capitalista de tal forma que, por muito que se fale em autonomia,
direitos, deveres e democracia, as decisões acatadas são sempre do sistema econômico.
Em um das respostas uma professora se mostrou com uma visão alienada com relação
ao neoliberalismo, vejamos a sua fala:
O neoliberalismo veio mudar as estruturas econômicas do Estado. Com o
neoliberalismo surgem grandes investimentos e grandes reformas para a
melhoria da educação. Muitas políticas públicas foram traçadas para dar
suporte à educação (Professora Betânia).
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Aparentemente pode até parecer que o Estado ofereça uma proposta inovadora, mas no
caso da educação, “trata-se de oferecer somente uma „cesta básica‟ de educação
rudimentar e nivelada por baixo” (NORONHA, 2002, p.86). Percebe-se que não existe
uma preocupação com a universalização do ensino público e de outros direitos como
saúde, moradia, direitos que Oliveira (1998) denomina de antivalor.
antivalor está precisamente ligado à teorização Keynesiana, ao Estado de
Bem Estar, que se constituiu no padrão de financiamento público da
economia privada, provocando conquistas significativas ao proletariado por
meio de gastos sociais como saúde, educação, previdência social, auxílio
transporte, seguro-desemprego, salário família entre outros. Cria-se, com o
Estado de Bem Estar, uma esfera pública ou um mercado institucionalmente
regulado. É o Estado fazendo intervenção na economia, “formando uma cesta
de produtos, mercadorias e serviços” (p.64), mudando o estatuto da
mercadoria força de trabalho, isto é chamado por Francisco Oliveira, de
antivalor, e para completar o conceito poder-se-ia dizer: “uma forma de
socialização do excedente que, realiza-se mediada pelo fundo público e não
pelo mercado” (p.64). “Esses bens e serviços funcionaram, na verdade, como
antimercadorias sociais, pois sua finalidade não é de gerar lucros, nem
mediante sua ação dá-se a extração da mais-valia (OLIVEIRA 1998, p.29).
Presenciou-se também durante o trabalho, depoimentos ambíguos, que por vez
demonstra a visibilidade minimizada das professoras, artifício gerado, também, pela
hegemonia do neoliberalismo. O neoliberalismo tem um discurso ideológico capaz de
convencer as pessoas à não só aceitarem as reformas liberais, mas que as defendam
como se fossem suas, promovendo assim a naturalização da exclusão, acabam
apropriando-se dos discursos neoliberais de modernização, globalização .
Já três outras professoras apontaram como conseqüência do neoliberalismo
Nós, professores, precisamos estar nos capacitando, investindo na educação
para não ficarmos para trás. E isso não pára, parece uma roda viva. E o nosso
salário cada vez pior, nada de melhoria. Na escola está cada dia mais difícil
de trabalhar, sem material didático, sem apoio, alunos com dificuldades
(Professora Glória).
Salários baixos e muitas vezes temos que lançar mão dele para comprar
material para preparar bem as aulas. (Professora Helena).
Superlotação das salas, provocando impossibilidade ao professor de atender a
todos os alunos como merecem, prejudicando, portanto a aprendizagem.
Aumento da jornada de trabalho. As escolas viram depósitos de crianças e de
problemas. Investimos na nossa formação, gastamos e não recebemos
retorno.(Professora Ivone).
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Todas essas idéias são embasadas por Friedman (1977) que em relação aos salários dos
professores, segundo sua teoria, é falso o diagnóstico em afirmar que melhores salários
tornariam a profissão mais atraente, propõe que a competição seria a forma de
regulamentação da questão do mérito, dessa forma, a livre concorrência de mercado
atrairia bons profissionais, sem necessariamente, ter que aumentar salários.
Sem
dúvida é uma lógica ingênua e perversa, porque acabam culpabilizando os professores
pela baixa qualidade educacional, e forçando o professor a investir seu parco salário em
materiais e de buscar, individualmente, capacitação e investimento profissional. A
retórica neoliberal consegue fazer uma “sensibilização” individual pelo aprimoramento
da formação, esta deixa de fazer parte de uma política de valorização do magistério para
ser entendida como “um direito do Estado e um dever dos professores” (FREITAS,
2000, p.8). Caberá aos professores identificar melhor as suas necessidades de formação
e empreender o esforço necessário para realizar sua parcela de investimento no próprio
desenvolvimento profissional.
No livre mercado o discurso é que todos são iguais – alguns mais iguais do que os
outros, mas quem vence é quem está em constante aperfeiçoamento, em busca de
aprimoramento pessoal, assim vencem os melhores, que são “naturalmente”
selecionados pela capacidade produtiva, eficiência. Arrasta para o indivíduo o que seria
a responsabilidade social de políticas públicas, desvinculando à aplicação dos fundos
públicos para garantir os diretos do antivalor, entre eles à educação.
Numa visão estritamente capitalista, existe um discurso persuasivo de que os gastos
públicos são considerados entraves ao crescimento econômico do Estado, a cada
momento o arrocho salarial direto e indireto é visto e sentido pela maioria dos
trabalhadores, nos convencendo de que o Estado mínimo é o único caminho, não nos é
apresentado outras formas, outras saídas, a impressão que se tem é que, para além do
déficit público, existe uma ingerência com relação aos fundos públicos e uma retórica
neoliberal de que o que é privado tem mais qualidade, de que o Estado é “um pai
pobre”, retirando-se das responsabilidades com os gastos sociais essenciais à vida.
Estes efeitos são sentidos por duas professoras que assim responderam
Vejo o neoliberalismo como um projeto que dá suporte a globalização com
8
conseqüências negativas para a sociedade e conseqüentemente isso reflete
também na educação do país.(Professora Josefa).
São alunos que chegam desmotivados na escola, em vista da vida de exclusão
em que vivem (Professora Lorena)
Bourdieu (1998) vai afirmar que não se podem esmagar culturas nacionais em nome das
leis de comércio ilimitadas, ou onde a “única lei é a do lucro máximo, capitalismo sem
freio e sem disfarce, mas racionalizado, levado ao limite de sua eficiência econômica
pela introdução de formas modernas de dominação” (p.50) e exclusão social.
Percebem-se os professores com uma grande insatisfação quanto às condições de
trabalho docente, na intensa jornada de trabalho e no salário, provocando, não só alunos,
mas, sobretudo professores desanimados, desacreditados. As reformas educativas
propostas pelo Banco Mundial, ao menos com relação ao professor, parece se traduzir
na fala dos professores e efetivar-se
O filme central do Brasil retrata um pouco da situação da educação: um
grande número de brasileiros que sequer tiveram acesso as primeiras letras,
são condenada a viverem na mais completa ignorância, dependendo de outros
para escrever seus recados, sentimentos e segredos. No filme a professora
completa seu salário escrevendo cartas e explorando da consciência daquelas
pessoas, sem ela mesma, ter consciência disso. Nota-se portanto que, o
Estado neoliberal não está comprometido com a qualidade da educação e sim,
com soma de dados quantitativos que deve exibir ao Banco Mundial” (
Professora Nilma)
Aumentar o tamanho da classe, conferir hegemonia ao livro didático, recrutar
seletivamente os professores e reduzir seus salários, ou então fazer uso intensivo de seu
trabalho organizando duplas jornadas nas escolas, implantar sistemas de avaliaçãoentre outras ações - constituem eixo do pacote do Banco Mundial às reformas
educativas no Brasil, que trazem no discurso, uma educação moderna, formando
cidadãos críticos.
Assim a professora Maria demonstra indignação ao responder que
Quem disse que o estado quer formar cidadãos críticos? A verdade é que
preferem que as gerações futuras continuem submissas a suas ideologias e
idéias impostas como sempre fizeram.
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A fala da professora vem de encontro com Frigotto (1998) quando diz que o papel da
educação é “de produzir cidadãos que não lutem por seus direitos e pela desalienação do
e no trabalho, mas cidadãos „participativos‟, não mais trabalhadores, mas colaboradores
e adeptos do consenso passivo” (p.48).
A professora Olívia parece perceber a ação do governo, a individualidade das pessoas,
mas trás uma visão ingênua, pois afirma que
Podemos ver essa tendência na educação, na sala de aula, no autoritarismo
que o Estado impõe e também das pessoas se tornaram mais egoístas, é
preciso deixar de lado a preocupação em querer competir com os outros, e
trabalhar para inovar o conhecimento para melhoria da educação.
Este depoimento parece confirmar que a professora conta com o próprio trabalho,
isoladamente, para resolver os problemas educacionais, a busca de solução está centrada
no individual. A escola não aparece como lócus de resistência, como instituição que
pode criar outra hegemonia, vendo-a como instituição coletiva capaz de criar a contrahegenomia ao neoliberalismo.
A professora Patrícia assim se manifestou
Os efeitos são o desemprego que atinge os pais das crianças, essas por sua
vez, acabam levando os problemas para a escola, como fome, falta de
material escolar.Crianças que vão para a prostituição, roubo, drogas, etc.
A professora levanta o que Bourdieu (1998) aponta como o enfraquecimento do EstadoNação e como isso fragilizou as instituições democráticas, gerando aumento da
violência, criminalidade e afirmando que “não se pode trapacear com a lei da
conservação da violência estrutural exercida pelos mercados financeiros, sob forma de
desemprego, de precarização (...) isso tem sua contrapartida em maior ou menor prazo,
sob forma de suicídios, de delinqüência, de crimes, de drogas, de alcoolismo, de
pequenas ou grandes violências cotidianas” (p. 56) que afeta diretamente as escolas.
A professora Renata ainda diz
O município ficou responsável pela Educação Infantil e acaba não tendo
vaga para todos, com isso quem acaba perdendo é o aluno de baixo poder
aquisitivo .
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A retórica neoliberal veicula diariamente pela mídia e TV, apontando para um massivo
investimento na educação pública. Na prática, porém, esse “processo em curso não só
retira e/ou reduz verbas, mas vincula sua destinação acarretando diminuição de vagas
para alunos, o impedimento de matrículas para muitos, a exclusão de alunos já
matriculados” (CORRÊA, 2000, p.49).
Considerando as respostas das professoras, pode-se concluir que o neoliberalismo é uma
política do vale-tudo, na busca de lucro, da conquista do mercado, do consumo,
qualquer coisa válida, mesmo que atropele a ética, a dignidade, a vida.
Diante do que foi exposto nas entrevistas, fica evidente a grande perversidade da atual
política educacional brasileira, “todos os esforços estão direcionados para que as escolas
se concentrem no treinamento de mão-de-obra que venha atender às necessidades da
economia formal” (CASTRO, 2003, p.131). A educação pública tornou-se, no mundo
globalizado uma mercadoria. Fica difícil formar cidadãos, quando a política educacional
está imbricada de valores neoliberais, que acabam consolidando-se nas leis, nas falas,
nos fazeres das escolas e dos professores.
Há uma urgente necessidade histórica de se requalificar a Escola Pública e repensá-la
dentro de outra lógica que não seja economicista. E para alcançar estes ideais requer
uma formação ampla do docente, que o habilite à tarefa de ensinar para além do
aparente, de trabalhar numa perspectiva contra hegemônica, onde grupos se organizem e
articulem, movidos pelo desejo comum de uma sociedade onde os bens materiais e
simbólicos sejam mais bem distribuídos, inclusive a educação como contrafogo ás
políticas neoliberais. Bourdieu (1998) usa o terno Contrafogo, como um elemento
importante na luta contra a hegemonia neoliberal, dessa forma “contrafogo é uma
técnica usada para combater, justamente, o fogo: um lança-chamas que direcionado a
um incêndio queima o oxigênio que alimenta o fogo original, auxiliando a ação dos
bombeiros”< www.hommemoderne.or/societe/socio/bourdieu/mort/bress.html.,2002>.
Nesse sentido, para Bourdieu, não parece que para combater o neoliberalismo devam ser
usadas apenas “armas” suaves como água, mas, sobretudo, usar dos mesmos
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instrumentos utilizados pelos neoliberais, assim o contrafogo, o contra-poder crítico
seria uma tática para queimar o oxigênio das políticas neoliberais, dessa forma a
organização das organizações - como os sindicatos e tantas outras instituições – seria
uma das alternativas de contrapor ao poder hegemônico das políticas neoliberais e
parece evidente “não
haver democracia efetiva sem um verdadeiro contra-poder
crítico” (p.17). Bourdieu sugere através da organização das organizações, sindicatos,
partidos, associações e, sobretudo, da mão esquerda do Estado, orientados para a busca
racional de fins coletivamente elaborados, tendo o Estado nacional ou supranacional
controlando e impondo eficazmente os lucros realizados nos mercados financeiros, ou
seja, controlando a mão direita em relação, principalmente, a ação destruidora que
exerce sobre o mercado de trabalho e organizando com ajuda de sindicatos “a
elaboração e a defesa do interesse público (...) como forma suprema da realização
humana” (p.148).
Os professores pesquisados, na sua grande maioria, não conseguiram ver o que está
implícito nas atuais propostas educacionais. Não conseguem perceber, por exemplo, que
na ideologia do neoliberalismo, a escola tenha como função social transmitir certas
competências e habilidades necessárias para competir no mercado de trabalho e, como
o professor é utilizado como insumo para realizar tal tarefa. Conseguem perceber os
efeitos sociais do neoliberalismo, mas não dizem claramente como o seu fazer podem
vir carregados das propostas e nem explicitam, como a longo prazo, tal situação pode
ser resolvida.
Os professores percebem que a educação pública é um modelo ameaçado, embora a
crise não seja um problema novo, os problemas parecem agravar ainda mais nesse
começo de século XXI, impedindo de fato que a educação desempenhe a sua função
social, ou seja, o neoliberalismo tem demarcado outra função para a escola, criando
ideologias que impõe verdades, como sendo verdades únicas, considerando a
desigualdade como algo natural, onde a educação é “para todos”, mas só vencem os
melhores, colocando a culpa do fracasso – professor ou aluno - sempre no indivíduo
como incapaz e ineficiente.
Os professores parecem não ter claro que reproduzem as propostas neoliberais, até
12
porque as reformas vêm “recheadas de boas intenções”, porém, perversas e excludentes.
Dessa forma, sendo um poderoso agente transformador de consciências e desconhecendo
os efeitos negativos do neoliberalismo, o professor pode mais alienar que politizar.
O sistema neoliberal é muito perverso porque prega uma falsa democracia. Sua teoria
provoca os professores a ter um discurso, a “sair da alienação”, quando na verdade não
lhes dão condições para desalienar-se: oferecem baixos salários, obrigam-nos a cumprir
dupla jornada de trabalho, não sobram recursos para lazer, cultura, compra de livros ou
qualquer outro bem que não sejam o Estado Mínimo para apenas sobreviver.
As instituições educacionais são as mais importantes na reprodução da ideologia
neoliberal, fazendo com que ela seja aceita como legítima, única e insubstituível. Por
isso tantas reformas, leis, pareceres, propostas “inovadoras”. É preciso ser rápido no
mundo contemporâneo, eficiência, produtividade são as palavras de ordem. E assim,
vamos propagando o discurso neoliberal como algo natural. Dessa forma, percebe-se,
que a educação vem perdendo sua finalidade, não educa para a cidadania plena, mas
para a competitividade, para mercado, “a educação voltou a ser tão importante não por
causa da cidadania, mas porque é útil à competitividade globalizada” (DEMO, 2001,
p.92).
Assim parece imprescindível que o professor entenda como funciona o sistema
neoliberal, o que seja Estado de Bem Estar, globalização, desregulamentação, que
compreenda que a economia está atrelada a educação, e, conscientemente, saber
direcionar propostas, analisar projetos, leis e o que é mais uma (ré)forma em termos de
perca de direitos sociais, ou seja, tornar aparente o que está implícito.
Apesar do neoliberalismo se colocar como única via para o sistema político econômico
e social e inibir iniciativas contrárias à sua ideologia, não consegue impedir que surjam
outras formas de governabilidade, ainda que as pessoas - e aqui em especial os
professores que podem ser considerados intelectuais orgânicos - não tenham total
conhecimento sobre o assunto, é importante encontrar espaços onde possam discutir os
rumos da educação para além do pedagógico, percebendo-se como elementos
importantes na desconstrução dessa hegemonia perversa que é o neoliberalismo,
pensando na educação como contrafogo, como uma alternativa viável nessa
13
desconstrução.
Entender o que está por trás de uma realidade aparente, e aqui explicitar as faces do
neoliberalismo, não é tarefa só de economistas, filósofos, mas é importante que os
professores de modo geral, em especial os professores da educação básica, que recebem
um mínimo de conhecimento sobre o assunto em sua formação, conheçam as várias
formas de atuação da política neoliberal, sobretudo para serem instrumentalizados como
forma de reação ou conta-reação a um sistema que tem se mostrado cada vez mais
perverso e persuasivo.
Talvez seja interessante pensar: como lutar contra um
desconhecido? “Nesse caso, é preferível estar ciente disso e optar por uma prática
política determinada, no lugar de ser usado para esse fim, sem o perceber” (CORRÊA,
2000, p.63).
Prevalece a lógica neoliberal onde o professor é usado como insumo e, não raras vezes,
usa-os como “menino propaganda” para vender seus ideais. O professor acaba sem
querer e perceber, incorporando a fala e legitimando as formas de exclusão, vendo as
reformas como algo inovador, necessário na busca pela educação de qualidade.
“Educação de qualidade” como retórica neoliberal, na verdade tem-se um discurso
novo, mas com ações que não acompanham o discurso, mudar para não mudar, muda-se
as propostas, mas não as condições gerais de trabalho. Normalmente as reformas vêm
em pacotes, formatos ultramodernos, baseados em “diagnósticos” e estatísticas de
pesquisas, resultado de avaliações sistêmicas, muitas delas encomendadas pelo Banco
Mundial, que via de regra, têm norteado as reformas educacionais no Brasil.
A pesquisa demonstrou a necessidade de se repensar a formação do professor dentro
de um modelo crítico, que saia da denúncia. Para Silva
Nessa perspectiva não se trata apenas de denunciar as distorções e falsidades
do pensamento neoliberal, tarefa de uma crítica tradicional da ideologia
(ainda que válida e necessária), mas de identificar e tornar visível o processo
pelo qual o discurso neoliberal produz e cria uma “realidade” que acaba por
tornar impossível a possibilidade de pensar outra. (1994, p.9).
Em síntese, podemos afirmar que a pesquisa realizada revelou o conhecimento que os
professores têm sobre o neoliberalismo, conceito e efeitos. Foi possível observar que os
professores não têm muito claro o que seja neoliberalismo, mas sentem seus efeitos na
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escola, na sociedade, nas reformas propostas pelo governo, parece não fazer relação
entre política, economia, educação, fatos sociais e culturais de forma explícita.
Discutir como os professores percebem fatos como esse, possibilita tomada de posição,
de como é importante instrumentalizar o professor, e agregado a ele, alunos e famílias,
vendo a escola como espaço coletivo de contrafogo no sentido de se produzir outras
possibilidades para além da hegemonia neoliberal.
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