CONCEITO E EFEITOS DO NEOLIBERALISMO: A ÓTICA DE UM GRUPO DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM MINAS GERAIS Edna Guiomar Salgado Oliveira Guedes1 Dulce Aparecida Barbosa Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes Instituição financiadora: FAPEMIG Nos últimos anos, as políticas neoliberais tem sido motivo de muita discussão em todos os segmentos, e na educação não é diferente, uma vez que deveria construir e compreender o seu significado, passando pelo senso comum até chegar ao conceito real. Perceber esta ideologia neoliberal e como isso tem afetado a escola pública, a vida profissional e pessoal dos professores, as salas de aula é um processo de estudo e discussão que deve ser iniciado nas universidades, em cursos de formação de professores e, sobretudo, nas escolas como alternativas de intervenção. Este artigo visa contribuir para uma melhor compreensão do papel do Estado na educação, e de como os professores vêm apropriando-se do conceito e a formas de ação do neoliberalismo no cotidiano do seu trabalho. Assim, faz necessário discutir os efeitos do neoliberalismo, globalização, por se constituírem na nova face do capitalismo, e que correspondem em grande medida nas profundas mudanças das relações sociais, culturais e principalmente, na política e economia em todos os níveis: local, regional, nacional, internacional. É de fundamental importância refletir e discutir como que estas transformações afetam diretamente a educação e cotidiano dos professores, bem como entendem e internalizam as práticas neoliberais. A pesquisa realizada é cunho qualitativa com 38 professoras, todas com nível superior, advindas dos cursos de Pedagogia e Normal Superior que estavam fazendo pósgraduação latu sensu em Psicopedagogia . As professoras atuavam em escolas públicas e particulares em cidades no Vale do Jequitinhona (MG) em 2006. Para coleta de dados foi utilizado o questionário com duas questões norteadoras: o que você sabe sobre o 1 [email protected] (38) 84016205 – Buritizeiro –MG; Doutoranda em Educação – Formação de Professores (UNIMEP) 0 neoliberalismo e se/ou como o neoliberalismo afeta o seu trabalho. As questões foram feitas ao final de uma aula com objetivo de levantar o conhecimento prévio das alunasprofessoras, de modo que pudesse orientar às aulas da semana seguinte, que tinha como conteúdo discutir a políticas públicas da Educação Básica, assim, deveriam responder individualmente as duas questões. A princípio houve resistência em dar as respostas e muitas declararam não saber muito bem o significado da palavra, mas apontavam visíveis conseqüências do neoliberalismo na educação. Das 38 alunas – que estarão usando pseudônimo - apenas 8 responderam a primeira pergunta, 16 responderam a segunda e 14 entregaram as perguntas em branco ou escrito “não sei responder”. Foi possível perceber que já haviam ouvido falar sobre o assunto, mas desconheciam o significado e as formas de atuação do neoliberalismo. Apesar de não definir com clareza o que é neoliberalismo, se mostraram com uma visão crítica sobre as influências do mesmo na educação. Algumas o definiram vagamente como: “ uma nova política do governo” ou “coisa boa não é” ou “às vezes a gente até sabe, mas não sabe definir”, “novo liberalismo”, “ proposta de mudanças na educação”. Etimologicamente neoliberalismo vem de uma palavra composta: neo = novo + liberalismo - política econômica do capitalismo (sec. XIX) cujas características são: livre comércio, livre iniciativa e livre concorrência, considera a vontade individual como fundamento das relações sociais. O liberalismo econômico, cujo principal teórico foi Adam Smith (1776), defende a chamada economia de mercado. O neoliberalismo constitui nos nossos dias, a doutrina que, “diante de certo fracasso do liberalismo clássico e da necessidade de reformar suas formas de atuação, admite certa intervenção do Estado na economia, mas sem questionar os princípios da concorrência e da livre empresa”. (JAPIASSU, 1996, p.163). Parece interessante que para entender o neoliberalismo é preciso fazer um percurso histórico, abrangendo origem, precursores, ainda que de forma simplificada e rápida, para melhor compreendê-lo na atual conjuntura educacional. Para Corrêa (2002, p.37) o neoliberalismo “ na prática política, constitui um conjunto particular de receitas econômicas e programas políticos colocados em prática a partir da década de 70” baseadas nas teses neoliberais de Friedman (1977) e Hayek (1987), principais teóricos 1 na defesa e disseminação da política econômica neoliberal que criticava arduamente o Estado de Bem Estar de Keynes, retirando de pauta a palavra igualdade e substituindo-a por liberdade. Friedman (1977) e sua teoria econômica se opõem a teoria de Keynes e aos Social-Democratas, em especial, afirmando que “ uma sociedade socialista não pode também ser democrática, no sentido de garantir a liberdade individual” (p.17), diz ainda, que é uma ilusão pensar que liberdade política e econômica estão intimamente ligadas, “ a relação entre liberdade política e econômica é complexa e de modo algum unilateral” (p.19), significa que a organização econômica promove a liberdade econômica, isto é, “que o capitalismo competitivo, também promove liberdade política porque, separa o poder econômico do poder político e, desse modo, permite que um controle o outro” ( p.18). Discute a idéia de que quanto menos o governo intervir, melhor será os resultados para a economia e maior será a liberdade política dos indivíduos, isso parece ser “extremamente perigoso, inclusive porque nos leva a viver a ilusão de que temos liberdade política, liberdade de escolha” (CORRÊA, 2000, p.54). Assim, ao contrário da teoria keynesiana que propunha a intervenção do Estado no sistema de mercado para que se chegasse ao Estado de Bem Estar Social, Friedman (1997) vai afirmar que o governo deve se ater à função de árbitro. Nesse sentido, o papel do governo numa sociedade livre é determinar as regras do jogo e fazer cumprir as normas estabelecidas, no caso, “promover os meios para modificar as regras, regular as diferenças sobre seu significado e garantir o cumprimento das regras por aqueles que de outra forma não se submeteriam a elas” (p. 32). Para Friedman (1977) o papel do Estado na educação é o de que não há como fazer uma sociedade democrática e estável sem um mínimo de conhecimento ou de instrução de tipo específico. Em vários momentos afirma a necessidade de impor diretamente os custos educacionais aos pais, tirando do Estado a responsabilidade de oferecer diretamente a educação. Propõe que o governo poderia exigir um nível mínimo de instrução financiada, dando aos pais um determinado valor anual por filho, e ao pai cabendo contratar os serviços (privados) educacionais que melhor lhe aprouver, ao governo caberia a fiscalização para 2 que as escolas oferecessem os padrões mínimos de conteúdo nos programas estabelecidos, nesses termos sugere que a “desnacionalização das escolas daria maior espaço de escolha aos pais” (p.89). O neoliberalismo e a globalização se constituem na nova face do capitalismo no final do séc. XX e começo do séc. XXI. As reformas neoliberais provocam profundas transformações nas relações sociais, políticas, culturais e principalmente econômicas, atingindo profundamente a educação, transformando-a de um direito social que o Estado-Nação deve garantir aos cidadãos, como consta na Constituição Federal, para um serviço, uma mercadoria que deve ser adquirida no livre mercado e, é notório, como o professor tem sido “tratado” nessa lógica de livre concorrência no mercado educacional. Defendendo esta idéia da necessidade de refletir e discutir a influência do neoliberalismo e globalização na escola pública e como os professores entende e sente os seus efeitos, é que através desse artigo, buscamos investigar os diferentes olhares que as professoras têm sobre o assunto. Assim, ao responder a primeira questão “como definiria o neoliberalismo ou o que sabe sobre o neoliberalismo?” As professoras responderam: Uma nova política do governo (Professora Ana) Coisa boa não é (Professora Betânia ) Às vezes a gente até sabe, mas não sabe definir, “novo liberalismo” (Professora Carla). Proposta de mudanças na educação. (Professora Denise) Nova tendência em reduzir as funções do Estado, ligado a questão econômica, ou seja, tirar das mãos do Estado obrigações que são dele e transferir para a sociedade civil. (Professora Elvira) Não sei bem definir neoliberalismo, mas sei que depois do neoliberalismo parece que as coisas ficaram bem piores para a educação. (Professora Fátima) Movimento ideológico que tem avançado lentamente no nosso dia-a-dia, acaba interferindo e com isso garante o processo de reprodução. O responsável pela crise e ineficiência é sempre o setor público. O privado é sempre o melhor, o mais eficiente, produtivo e de qualidade (Professora Glória) 3 Neoliberalismo é uma política que vê o Estado como gastador. (Professor Nadir) Aqui é possível perceber que apenas 21,% responderam, mas a maioria das respostas foram vagas, terminando por não definir o termo neoliberalismo. Tais respostas ou não respostas, sinalizam um problema que por sua vez implica em estudar mais profundamente a relação entre educação e economia e como, apesar de estudos e críticas feitas ao neoliberalismo, tais pesquisas não têm chegado de fato ao professor. Vê-se cada vez mais a virtual ausência dos professores na definição, discussão e tomadas de decisões da política educativa, essa tarefa fica nas mãos de economistas, e ao professor cabe a tarefa de implementação das reformas no qual desconhece as raízes e ideologia. Sente os efeitos, mas não conhecem a causa, os motivos que definem o modelo de educação e escola, e que nele está contida a ideologia dominante. A resposta da professora Glória vem de encontro com o que para Torres (1995) a noção de privado é glorificada como parte do mercado livre, com total confiança na eficiência da competição, onde as atividades do setor público ou estatal são vistas como ineficientes, improdutivas, anti-econômicas e “como um desperdício social, enquanto o setor privado é visto como eficiente, efetivo, produtivo, podendo responder, por sua natureza menos burocrática, com maior rapidez e presteza às transformações que ocorrem no mundo moderno” (TORRES, 1995, p.115). Podemos observar que essa “nova tendência” tem sido comum nos dias atuais. Vale ressaltar que “o Estado abre mão de realizar políticas sociais e os indivíduos precisam, então, passar a comprar serviços que passaram a ocupar o lugar dos direitos sociais conquistados ao longo da trajetória de constituição social das classes” (NORONHA, 2002, p.76). Esta premissa já era defendida por Smith, liberal clássico, que em 1776 defendia que “os aspectos da educação não conduzidos pelas instituições públicas são os mais bem ministrados”(1985, p.396). As professoras perceberam mais facilmente como o neoliberalismo tem afetado a escola pública e, por conseguinte seu trabalho. Assim responderam Estamos sobrecarregadas de funções que não são nossas. As famílias mesmo têm transferido funções para nós professores. As crianças só conhecem seus direitos, não querem saber dos deveres. (Professora Ana). 4 A professora dentro desse modelo de escola desloca ideal de respeito e dever; aumenta e consolida a exclusão daqueles que são socialmente marginalizados. Acaba não percebendo a dimensão maior, ou pelo menos, compreendendo os motivos que obrigou e vem obrigando a escola a assumir responsabilidades da família, termina por responsabilizar os alunos e família, não vê a política econômica, como desencadeadora de tais problemas dentro da escola. A professora Fátima responde que: Isso tudo acaba afetando nosso trabalho. Alunos sem interesse, turmas cada vez mais cheias e a gente angustiado, impotente frente aos problemas. A professora sente os efeitos da superlotação das salas de aula, cada vez mais freqüente, não apenas nas escolas públicas, mas atingindo, mais recentemente, também as escolas particulares. A resposta da professora encontra ressonância em Torres (2000), que critica tais ações e diz Segundo estudos citados pelo Banco Mundial, o número de alunos por professor tem pouca incidência sobre o rendimento escolar: acima de vinte alunos por sala, afirma-se não faz diferença se não trinta ou cinqüenta ou mais. Com essa base o BM recomenda aos países em desenvolvimento não empenhar esforços em reduzir o tamanho da classe, e, pelo contrário, incrementar o número de alunos por sala a fim de baixar custos e utilizar esses recursos em livros didáticos e capacitação em serviço. (TORRES, 2000, p.167) A Professora Carla diz: O governo „ tira o corpo fora‟ da sua responsabilidade, tem propaganda enganosa como: „toda criança na escola‟ e isso sem assistência. As crianças têm que trabalhar vendendo picolé, carregando feira. Fica claro na resposta da professora que os efeitos sociais da política econômica neoliberal trás conseqüências graves. Para Bourdieu (1998), seria necessário que Todas as forças sociais críticas insistissem na incorporação aos cálculos econômicos dos custos sociais das decisões econômicas. O que custarão ao longo prazo, em demissões, sofrimentos, doenças, suicídios, alcoolismo, consumo de drogas, violência familiar etc. (BOURDIEU, 1998, p.55) 5 A professora Denise ainda completa, dizendo que Considero as avaliações sistêmicas como instrumento de controle de Estado quanto ao nosso desempenho, mostrando em número, o resultado quantitativo. Assim, o Estado através de retórica de qualidade de educação, implanta medidas, como avaliação sistêmica , que termina por culpabilizar, de modo velado, os professores pelo sucesso ou fracasso dos alunos. Corrêa (2000) vem afirmar que O Estado usa o currículo as avaliações, PCNs, como forma de controle político do conhecimento e regulação, indispensável na luta pela hegemonia (...) o Estado tem o objetivo de “treinar e controlar” o professor para um determinado desempenho necessário na perspectiva de construir a escola voltada para o mercado de trabalho. Essa estratégia pode resultar no enfraquecimento do poder dos professores, privados de iniciativa, liberdade, autonomia e, o que é mais grave, passar a ser um mero executor de tarefas,(grifo meu), desenvolvendo uma espécie de obediência mecânica. Em conseqüência os alunos também serão atingidos. (CORRÊA , 2000, p.100). A professora Elvira complementa dizendo E a autonomia virou discurso, mas ainda estamos sempre dependendo dos outros. O „amigo da escola‟, é um exemplo de transferência de obrigação que é do Estado. A professora percebe que a “autonomia” está restrita apenas a questões de buscar saídas para problemas econômicos, o exemplo é a convocação do voluntariado “amigo da escola”que vai além da boa intenção de aproximação e integração da comunidade à vida escolar dos alunos, mas sobretudo, da diminuição de custos, em termos de contratação de serviços para a sustentação da infra-estrutura escolar, assim o chamado para participação da comunidade e pais tem uma intenção mais econômica do que coletiva na integração e solidificação da qualidade da educação. A noção de participação da família e comunidade está cada vez mais ligada pelo aspecto econômico. A educação está atrelada ao sistema capitalista de tal forma que, por muito que se fale em autonomia, direitos, deveres e democracia, as decisões acatadas são sempre do sistema econômico. Em um das respostas uma professora se mostrou com uma visão alienada com relação ao neoliberalismo, vejamos a sua fala: O neoliberalismo veio mudar as estruturas econômicas do Estado. Com o neoliberalismo surgem grandes investimentos e grandes reformas para a melhoria da educação. Muitas políticas públicas foram traçadas para dar suporte à educação (Professora Betânia). 6 Aparentemente pode até parecer que o Estado ofereça uma proposta inovadora, mas no caso da educação, “trata-se de oferecer somente uma „cesta básica‟ de educação rudimentar e nivelada por baixo” (NORONHA, 2002, p.86). Percebe-se que não existe uma preocupação com a universalização do ensino público e de outros direitos como saúde, moradia, direitos que Oliveira (1998) denomina de antivalor. antivalor está precisamente ligado à teorização Keynesiana, ao Estado de Bem Estar, que se constituiu no padrão de financiamento público da economia privada, provocando conquistas significativas ao proletariado por meio de gastos sociais como saúde, educação, previdência social, auxílio transporte, seguro-desemprego, salário família entre outros. Cria-se, com o Estado de Bem Estar, uma esfera pública ou um mercado institucionalmente regulado. É o Estado fazendo intervenção na economia, “formando uma cesta de produtos, mercadorias e serviços” (p.64), mudando o estatuto da mercadoria força de trabalho, isto é chamado por Francisco Oliveira, de antivalor, e para completar o conceito poder-se-ia dizer: “uma forma de socialização do excedente que, realiza-se mediada pelo fundo público e não pelo mercado” (p.64). “Esses bens e serviços funcionaram, na verdade, como antimercadorias sociais, pois sua finalidade não é de gerar lucros, nem mediante sua ação dá-se a extração da mais-valia (OLIVEIRA 1998, p.29). Presenciou-se também durante o trabalho, depoimentos ambíguos, que por vez demonstra a visibilidade minimizada das professoras, artifício gerado, também, pela hegemonia do neoliberalismo. O neoliberalismo tem um discurso ideológico capaz de convencer as pessoas à não só aceitarem as reformas liberais, mas que as defendam como se fossem suas, promovendo assim a naturalização da exclusão, acabam apropriando-se dos discursos neoliberais de modernização, globalização . Já três outras professoras apontaram como conseqüência do neoliberalismo Nós, professores, precisamos estar nos capacitando, investindo na educação para não ficarmos para trás. E isso não pára, parece uma roda viva. E o nosso salário cada vez pior, nada de melhoria. Na escola está cada dia mais difícil de trabalhar, sem material didático, sem apoio, alunos com dificuldades (Professora Glória). Salários baixos e muitas vezes temos que lançar mão dele para comprar material para preparar bem as aulas. (Professora Helena). Superlotação das salas, provocando impossibilidade ao professor de atender a todos os alunos como merecem, prejudicando, portanto a aprendizagem. Aumento da jornada de trabalho. As escolas viram depósitos de crianças e de problemas. Investimos na nossa formação, gastamos e não recebemos retorno.(Professora Ivone). 7 Todas essas idéias são embasadas por Friedman (1977) que em relação aos salários dos professores, segundo sua teoria, é falso o diagnóstico em afirmar que melhores salários tornariam a profissão mais atraente, propõe que a competição seria a forma de regulamentação da questão do mérito, dessa forma, a livre concorrência de mercado atrairia bons profissionais, sem necessariamente, ter que aumentar salários. Sem dúvida é uma lógica ingênua e perversa, porque acabam culpabilizando os professores pela baixa qualidade educacional, e forçando o professor a investir seu parco salário em materiais e de buscar, individualmente, capacitação e investimento profissional. A retórica neoliberal consegue fazer uma “sensibilização” individual pelo aprimoramento da formação, esta deixa de fazer parte de uma política de valorização do magistério para ser entendida como “um direito do Estado e um dever dos professores” (FREITAS, 2000, p.8). Caberá aos professores identificar melhor as suas necessidades de formação e empreender o esforço necessário para realizar sua parcela de investimento no próprio desenvolvimento profissional. No livre mercado o discurso é que todos são iguais – alguns mais iguais do que os outros, mas quem vence é quem está em constante aperfeiçoamento, em busca de aprimoramento pessoal, assim vencem os melhores, que são “naturalmente” selecionados pela capacidade produtiva, eficiência. Arrasta para o indivíduo o que seria a responsabilidade social de políticas públicas, desvinculando à aplicação dos fundos públicos para garantir os diretos do antivalor, entre eles à educação. Numa visão estritamente capitalista, existe um discurso persuasivo de que os gastos públicos são considerados entraves ao crescimento econômico do Estado, a cada momento o arrocho salarial direto e indireto é visto e sentido pela maioria dos trabalhadores, nos convencendo de que o Estado mínimo é o único caminho, não nos é apresentado outras formas, outras saídas, a impressão que se tem é que, para além do déficit público, existe uma ingerência com relação aos fundos públicos e uma retórica neoliberal de que o que é privado tem mais qualidade, de que o Estado é “um pai pobre”, retirando-se das responsabilidades com os gastos sociais essenciais à vida. Estes efeitos são sentidos por duas professoras que assim responderam Vejo o neoliberalismo como um projeto que dá suporte a globalização com 8 conseqüências negativas para a sociedade e conseqüentemente isso reflete também na educação do país.(Professora Josefa). São alunos que chegam desmotivados na escola, em vista da vida de exclusão em que vivem (Professora Lorena) Bourdieu (1998) vai afirmar que não se podem esmagar culturas nacionais em nome das leis de comércio ilimitadas, ou onde a “única lei é a do lucro máximo, capitalismo sem freio e sem disfarce, mas racionalizado, levado ao limite de sua eficiência econômica pela introdução de formas modernas de dominação” (p.50) e exclusão social. Percebem-se os professores com uma grande insatisfação quanto às condições de trabalho docente, na intensa jornada de trabalho e no salário, provocando, não só alunos, mas, sobretudo professores desanimados, desacreditados. As reformas educativas propostas pelo Banco Mundial, ao menos com relação ao professor, parece se traduzir na fala dos professores e efetivar-se O filme central do Brasil retrata um pouco da situação da educação: um grande número de brasileiros que sequer tiveram acesso as primeiras letras, são condenada a viverem na mais completa ignorância, dependendo de outros para escrever seus recados, sentimentos e segredos. No filme a professora completa seu salário escrevendo cartas e explorando da consciência daquelas pessoas, sem ela mesma, ter consciência disso. Nota-se portanto que, o Estado neoliberal não está comprometido com a qualidade da educação e sim, com soma de dados quantitativos que deve exibir ao Banco Mundial” ( Professora Nilma) Aumentar o tamanho da classe, conferir hegemonia ao livro didático, recrutar seletivamente os professores e reduzir seus salários, ou então fazer uso intensivo de seu trabalho organizando duplas jornadas nas escolas, implantar sistemas de avaliaçãoentre outras ações - constituem eixo do pacote do Banco Mundial às reformas educativas no Brasil, que trazem no discurso, uma educação moderna, formando cidadãos críticos. Assim a professora Maria demonstra indignação ao responder que Quem disse que o estado quer formar cidadãos críticos? A verdade é que preferem que as gerações futuras continuem submissas a suas ideologias e idéias impostas como sempre fizeram. 9 A fala da professora vem de encontro com Frigotto (1998) quando diz que o papel da educação é “de produzir cidadãos que não lutem por seus direitos e pela desalienação do e no trabalho, mas cidadãos „participativos‟, não mais trabalhadores, mas colaboradores e adeptos do consenso passivo” (p.48). A professora Olívia parece perceber a ação do governo, a individualidade das pessoas, mas trás uma visão ingênua, pois afirma que Podemos ver essa tendência na educação, na sala de aula, no autoritarismo que o Estado impõe e também das pessoas se tornaram mais egoístas, é preciso deixar de lado a preocupação em querer competir com os outros, e trabalhar para inovar o conhecimento para melhoria da educação. Este depoimento parece confirmar que a professora conta com o próprio trabalho, isoladamente, para resolver os problemas educacionais, a busca de solução está centrada no individual. A escola não aparece como lócus de resistência, como instituição que pode criar outra hegemonia, vendo-a como instituição coletiva capaz de criar a contrahegenomia ao neoliberalismo. A professora Patrícia assim se manifestou Os efeitos são o desemprego que atinge os pais das crianças, essas por sua vez, acabam levando os problemas para a escola, como fome, falta de material escolar.Crianças que vão para a prostituição, roubo, drogas, etc. A professora levanta o que Bourdieu (1998) aponta como o enfraquecimento do EstadoNação e como isso fragilizou as instituições democráticas, gerando aumento da violência, criminalidade e afirmando que “não se pode trapacear com a lei da conservação da violência estrutural exercida pelos mercados financeiros, sob forma de desemprego, de precarização (...) isso tem sua contrapartida em maior ou menor prazo, sob forma de suicídios, de delinqüência, de crimes, de drogas, de alcoolismo, de pequenas ou grandes violências cotidianas” (p. 56) que afeta diretamente as escolas. A professora Renata ainda diz O município ficou responsável pela Educação Infantil e acaba não tendo vaga para todos, com isso quem acaba perdendo é o aluno de baixo poder aquisitivo . 10 A retórica neoliberal veicula diariamente pela mídia e TV, apontando para um massivo investimento na educação pública. Na prática, porém, esse “processo em curso não só retira e/ou reduz verbas, mas vincula sua destinação acarretando diminuição de vagas para alunos, o impedimento de matrículas para muitos, a exclusão de alunos já matriculados” (CORRÊA, 2000, p.49). Considerando as respostas das professoras, pode-se concluir que o neoliberalismo é uma política do vale-tudo, na busca de lucro, da conquista do mercado, do consumo, qualquer coisa válida, mesmo que atropele a ética, a dignidade, a vida. Diante do que foi exposto nas entrevistas, fica evidente a grande perversidade da atual política educacional brasileira, “todos os esforços estão direcionados para que as escolas se concentrem no treinamento de mão-de-obra que venha atender às necessidades da economia formal” (CASTRO, 2003, p.131). A educação pública tornou-se, no mundo globalizado uma mercadoria. Fica difícil formar cidadãos, quando a política educacional está imbricada de valores neoliberais, que acabam consolidando-se nas leis, nas falas, nos fazeres das escolas e dos professores. Há uma urgente necessidade histórica de se requalificar a Escola Pública e repensá-la dentro de outra lógica que não seja economicista. E para alcançar estes ideais requer uma formação ampla do docente, que o habilite à tarefa de ensinar para além do aparente, de trabalhar numa perspectiva contra hegemônica, onde grupos se organizem e articulem, movidos pelo desejo comum de uma sociedade onde os bens materiais e simbólicos sejam mais bem distribuídos, inclusive a educação como contrafogo ás políticas neoliberais. Bourdieu (1998) usa o terno Contrafogo, como um elemento importante na luta contra a hegemonia neoliberal, dessa forma “contrafogo é uma técnica usada para combater, justamente, o fogo: um lança-chamas que direcionado a um incêndio queima o oxigênio que alimenta o fogo original, auxiliando a ação dos bombeiros”< www.hommemoderne.or/societe/socio/bourdieu/mort/bress.html.,2002>. Nesse sentido, para Bourdieu, não parece que para combater o neoliberalismo devam ser usadas apenas “armas” suaves como água, mas, sobretudo, usar dos mesmos 11 instrumentos utilizados pelos neoliberais, assim o contrafogo, o contra-poder crítico seria uma tática para queimar o oxigênio das políticas neoliberais, dessa forma a organização das organizações - como os sindicatos e tantas outras instituições – seria uma das alternativas de contrapor ao poder hegemônico das políticas neoliberais e parece evidente “não haver democracia efetiva sem um verdadeiro contra-poder crítico” (p.17). Bourdieu sugere através da organização das organizações, sindicatos, partidos, associações e, sobretudo, da mão esquerda do Estado, orientados para a busca racional de fins coletivamente elaborados, tendo o Estado nacional ou supranacional controlando e impondo eficazmente os lucros realizados nos mercados financeiros, ou seja, controlando a mão direita em relação, principalmente, a ação destruidora que exerce sobre o mercado de trabalho e organizando com ajuda de sindicatos “a elaboração e a defesa do interesse público (...) como forma suprema da realização humana” (p.148). Os professores pesquisados, na sua grande maioria, não conseguiram ver o que está implícito nas atuais propostas educacionais. Não conseguem perceber, por exemplo, que na ideologia do neoliberalismo, a escola tenha como função social transmitir certas competências e habilidades necessárias para competir no mercado de trabalho e, como o professor é utilizado como insumo para realizar tal tarefa. Conseguem perceber os efeitos sociais do neoliberalismo, mas não dizem claramente como o seu fazer podem vir carregados das propostas e nem explicitam, como a longo prazo, tal situação pode ser resolvida. Os professores percebem que a educação pública é um modelo ameaçado, embora a crise não seja um problema novo, os problemas parecem agravar ainda mais nesse começo de século XXI, impedindo de fato que a educação desempenhe a sua função social, ou seja, o neoliberalismo tem demarcado outra função para a escola, criando ideologias que impõe verdades, como sendo verdades únicas, considerando a desigualdade como algo natural, onde a educação é “para todos”, mas só vencem os melhores, colocando a culpa do fracasso – professor ou aluno - sempre no indivíduo como incapaz e ineficiente. Os professores parecem não ter claro que reproduzem as propostas neoliberais, até 12 porque as reformas vêm “recheadas de boas intenções”, porém, perversas e excludentes. Dessa forma, sendo um poderoso agente transformador de consciências e desconhecendo os efeitos negativos do neoliberalismo, o professor pode mais alienar que politizar. O sistema neoliberal é muito perverso porque prega uma falsa democracia. Sua teoria provoca os professores a ter um discurso, a “sair da alienação”, quando na verdade não lhes dão condições para desalienar-se: oferecem baixos salários, obrigam-nos a cumprir dupla jornada de trabalho, não sobram recursos para lazer, cultura, compra de livros ou qualquer outro bem que não sejam o Estado Mínimo para apenas sobreviver. As instituições educacionais são as mais importantes na reprodução da ideologia neoliberal, fazendo com que ela seja aceita como legítima, única e insubstituível. Por isso tantas reformas, leis, pareceres, propostas “inovadoras”. É preciso ser rápido no mundo contemporâneo, eficiência, produtividade são as palavras de ordem. E assim, vamos propagando o discurso neoliberal como algo natural. Dessa forma, percebe-se, que a educação vem perdendo sua finalidade, não educa para a cidadania plena, mas para a competitividade, para mercado, “a educação voltou a ser tão importante não por causa da cidadania, mas porque é útil à competitividade globalizada” (DEMO, 2001, p.92). Assim parece imprescindível que o professor entenda como funciona o sistema neoliberal, o que seja Estado de Bem Estar, globalização, desregulamentação, que compreenda que a economia está atrelada a educação, e, conscientemente, saber direcionar propostas, analisar projetos, leis e o que é mais uma (ré)forma em termos de perca de direitos sociais, ou seja, tornar aparente o que está implícito. Apesar do neoliberalismo se colocar como única via para o sistema político econômico e social e inibir iniciativas contrárias à sua ideologia, não consegue impedir que surjam outras formas de governabilidade, ainda que as pessoas - e aqui em especial os professores que podem ser considerados intelectuais orgânicos - não tenham total conhecimento sobre o assunto, é importante encontrar espaços onde possam discutir os rumos da educação para além do pedagógico, percebendo-se como elementos importantes na desconstrução dessa hegemonia perversa que é o neoliberalismo, pensando na educação como contrafogo, como uma alternativa viável nessa 13 desconstrução. Entender o que está por trás de uma realidade aparente, e aqui explicitar as faces do neoliberalismo, não é tarefa só de economistas, filósofos, mas é importante que os professores de modo geral, em especial os professores da educação básica, que recebem um mínimo de conhecimento sobre o assunto em sua formação, conheçam as várias formas de atuação da política neoliberal, sobretudo para serem instrumentalizados como forma de reação ou conta-reação a um sistema que tem se mostrado cada vez mais perverso e persuasivo. Talvez seja interessante pensar: como lutar contra um desconhecido? “Nesse caso, é preferível estar ciente disso e optar por uma prática política determinada, no lugar de ser usado para esse fim, sem o perceber” (CORRÊA, 2000, p.63). Prevalece a lógica neoliberal onde o professor é usado como insumo e, não raras vezes, usa-os como “menino propaganda” para vender seus ideais. O professor acaba sem querer e perceber, incorporando a fala e legitimando as formas de exclusão, vendo as reformas como algo inovador, necessário na busca pela educação de qualidade. “Educação de qualidade” como retórica neoliberal, na verdade tem-se um discurso novo, mas com ações que não acompanham o discurso, mudar para não mudar, muda-se as propostas, mas não as condições gerais de trabalho. Normalmente as reformas vêm em pacotes, formatos ultramodernos, baseados em “diagnósticos” e estatísticas de pesquisas, resultado de avaliações sistêmicas, muitas delas encomendadas pelo Banco Mundial, que via de regra, têm norteado as reformas educacionais no Brasil. A pesquisa demonstrou a necessidade de se repensar a formação do professor dentro de um modelo crítico, que saia da denúncia. Para Silva Nessa perspectiva não se trata apenas de denunciar as distorções e falsidades do pensamento neoliberal, tarefa de uma crítica tradicional da ideologia (ainda que válida e necessária), mas de identificar e tornar visível o processo pelo qual o discurso neoliberal produz e cria uma “realidade” que acaba por tornar impossível a possibilidade de pensar outra. (1994, p.9). Em síntese, podemos afirmar que a pesquisa realizada revelou o conhecimento que os professores têm sobre o neoliberalismo, conceito e efeitos. Foi possível observar que os professores não têm muito claro o que seja neoliberalismo, mas sentem seus efeitos na 14 escola, na sociedade, nas reformas propostas pelo governo, parece não fazer relação entre política, economia, educação, fatos sociais e culturais de forma explícita. Discutir como os professores percebem fatos como esse, possibilita tomada de posição, de como é importante instrumentalizar o professor, e agregado a ele, alunos e famílias, vendo a escola como espaço coletivo de contrafogo no sentido de se produzir outras possibilidades para além da hegemonia neoliberal. REFERENCIAS BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p.9-10; 42-61; 135-149. CASTRO. G. Professor submisso, aluno cliente: reflexões sobre a docência no Brasil. Ri de Janeiro: D&A, 2003. CORRÊA, Vera. Globalização e neoliberalismo: o que isso tem a ver com você professor? Rio de Janeiro: Quartet, 2000. DEMO, Pedro. Ironias da educação: mudanças e contos sobre mudanças. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo: Nova Cultural, Coleção Os Economistas, 1882. Caps. I, II, VI. FREITAS, Helena C. L. 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