PROJETO: Antropologia e documentário: da sala ao campo

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PRÊMIO ABA/FORD PARA INOVAÇÃO NO ENSINO DE ANTROPOLOGIA - 2006
PROJETO: Antropologia e documentário: da sala ao campo
MODALIDADE: A (apoio a projetos inovadores de disciplinas de introdução à
Antropologia na graduação que visem dinamizar a prática de ensino de antropologia)
COORDENADOR: Celso Castro
RELATÓRIO FINAL
Objetivo do projeto
O objetivo do projeto era associar o ensino da primeira disciplina de
Antropologia do então recém-criado curso de graduação em Ciências Sociais do
CPDOC da Fundação Getulio Vargas à inserção dos alunos no Núcleo de Audiovisual e
Documentário, criado junto com o início das aulas em 2006/2.
Desenvolvimento da experiência
A disciplina obrigatória “Antropologia 1 (Cultura e identidades sociais)” é
oferecida no segundo semestre do curso.1 A discussão está centrada no conceito
antropológico de cultura e na compreensão do processo de construção de identidades
sociais. O processo de evolução humana, visto como decorrência do desenvolvimento
da capacidade de simbolização, e o impacto da descoberta do “outro” (e a noção de
alteridade) servem de fio condutor para se discutir a questão da diversidade cultural
humana, do relativismo cultural, do etnocentrismo e a constituição do próprio conceito
de cultura como eixo da reflexão antropológica. A partir daí, são examinados processos
de produção de identidades coletivas.
1
Duas opções adotadas na elaboração do projeto pedagógico do curso de Ciências Sociais (disponível em
http://www.cpdoc.fgv.br) foram: (1) evitar a oferta, já no primeiro semestre, de cursos específicos das três
áreas tradicionais das Ciências Sociais (Antropologia, Ciência Política e Sociologia) substituindo-os pela
disciplina “Introdução às Ciências Sociais” e outras de abrangência geral; (2) estruturar as matérias
específicas às três áreas preferencialmente em torno de temas, e não de períodos, escolas ou autores.
Dessa forma, as três disciplinas obrigatórias de Antropologia têm como eixos temáticos a discussão sobre
(1) Cultura e identidades sociais; (2) Indivíduo e sociedade; e (3) Sistemas de crenças, rituais e
simbolismo.
O desenvolvimento do projeto gerou uma pesquisa temática específica no
âmbito do Núcleo de Audiovisual e Documentário. É importante assinalar que a
proposta original já previa que o tema do projeto poderia ter continuidade ou variar a
cada ano, dependendo dos resultados obtidos anteriormente, da disponibilidade dos
professores e do interesse da turma.
No segundo semestre de 2006, quando a disciplina foi oferecida pela primeira
vez, o projeto temático foi “Turismo e identidade carioca”. O objeto da pesquisa ―o
turismo no Rio de Janeiro ― é uma atividade sempre representada como de grande
importância para a cidade, tanto do ponto de vista de seu desenvolvimento econômico e
social quanto de sua identidade cultural. Apesar disso, a produção científica sobre o
tema em Ciências Sociais tem sido mínima, e a pesquisa pretendeu contribuir, embora
de forma exploratória, para preencher essa lacuna.
O programa do curso procurou associar a leitura de textos antropológicos com a
exibição e discussão de filmes documentários, abrindo também espaço para sessões de
discussão do andamento da pesquisa, como se pode ver no anexo 1.
Logo no início do curso, os alunos e o professor sentiram a necessidade de que
fosse feito um recorte específico discreto para a pesquisa de campo e experimentação
audiovisual. Os alunos optaram, então, por concentrar a pesquisa em albergues
localizados na cidade do Rio de Janeiro. Os alunos foram então divididos em diferentes
grupos. Enquanto um fazia uma pesquisa bibliográfica e resumia para toda a turma
textos sobre o tema, outro visitava diferentes albergues da cidade para um
reconhecimento inicial. O resultado das leituras e o “diário de campo” foram sendo
constantemente disponibilizados e comentados coletivamente numa página wiki na
Internet montada especialmente para a pesquisa. Deve-se enfatizar que o
desenvolvimento da pesquisa levou ao envolvimento de outros professores e técnicos do
CPDOC, que deram suporte e ajudaram a avaliar a experiência.
Após um treinamento básico de uso de câmera filmadora e edição de imagens,
(ministrados pelo prof. Edgar Teodoro da Cunha, doutor em antropologia pela USP e
coordenador executivo da Pós-Graduação em Cinema Documentário da FGV em São
Paulo) os alunos fizeram a filmagem em um albergue do Rio, em duas visitas (ver anexo
2 para o registro fotográfico da experiência). O material foi editado pelos próprios
alunos, com o auxílio do técnico de audiovisual do CPDOC, e um primeiro copião foi
exibido em sala, ao final do curso.
2
Avaliação dos resultados:
Uma avaliação do desenvolvimento do projeto deve assinalar pontos negativos e
positivos. Dentre os primeiros, deve-se destacar o fato de que a inserção das atividades
do Núcleo de Audiovisual e Documentário e das reuniões sobre o desenvolvimento do
projeto na programação regular do curso terminou, em certa medida, prejudicando tanto
o conteúdo “tradicional” da disciplina quanto o tempo disponível para discussão e
elaboração do projeto audiovisual. Além disso, a participação de outros professores e
técnicos no acompanhamento do projeto levou à sua atuação também como avaliadores
do resultado — a primeira avaliação do curso foi uma prova escrita corrigida pelo
professor, mas a segunda nota foi composta a partir da avaliação das notas dos vários
avaliadores. Esse procedimento, embora justificável pelo envolvimento desses
profissionais no projeto, nem sempre foi bem compreendido pelos alunos, acostumados
a sistemas mais tradicionais de avaliação.
Esses pontos negativos foram, em boa medida, decorrentes do fato de que, em se
tratando da primeira turma de Ciências Sociais da FGV, a participação no projeto teve
de ser compulsória, devido ao pequeno número de alunos participantes (21). Além
disso, na medida o equipamento necessário ao funcionamento do projeto ainda estava
sendo adquirido, alguns atrasos prejudicaram seu desenvolvimento.
No balanço final, no entanto, destaca-se o fato de que os estudantes tiveram uma
intensa sensibilização com produtos audiovisuais, em particular o cinema documentário.
Uma decorrência foi a montagem de um Cineclube, cuja programação do semestre
segue no anexo 3. Além disso, os alunos empenharam-se bastante na pesquisa de campo
e na filmagem e edição do produto final — experiências até então inéditas para todos os
alunos. Finalmente, a experiência consolidou a formação do Núcleo de Audiovisual e
Documentário como espaço de experimentação por parte dos alunos do curso, tanto
dessa primeira turma quanto das seguintes.
Os recursos advindos do projeto permitiram dar suporte ao funcionamento da
experiência, em termos de bibliografia, videografia e material de consumo (ver anexo 4
para a prestação de contas). No semestre seguinte, conseguimos adquirir, com recursos
próprios da FGV, novos equipamentos de filmagem e informática que facilitarão a
continuidade do Núcleo de Audiovisual e Documentário.
3
Perspectivas futuras:
Após o balanço dos aspectos negativos e positivos do projeto, algumas
recomendações para a continuidade da experiência podem ser destacadas. Em primeiro
lugar, o Núcleo de Audiovisual e Documentário deve ser um espaço institucional de
participação voluntária, pois nem todos os alunos têm o mesmo interesse e
disponibilidade para essa experiência. Isso será naturalmente facilitado à medida que
novas turmas e mais alunos vão ingressando no curso de Ciências Sociais. Em segundo
lugar, as atividades do Núcleo, embora relacionadas a uma ou mais disciplinas
específicas de antropologia, devem ser vistas como um espaço institucional específico,
que se relacione, porém não se confunda com a programação de aulas regulares da
disciplina, de forma a que ambas não se prejudiquem mutuamente.
Tomadas essas precauções, o Núcleo de Audiovisual e Documentário tem
grande potencial para tornar-se um efetivo espaço integrador de conteúdos das
disciplinas de Antropologia com uma prática de pesquisa audiovisual efetiva.
Rio de Janeiro, julho de 2007.
Celso Castro
4
ANEXO 1 - CRONOGRAMA DAS AULAS
Data
31/7
7/8
14/8
Tema
Leituras
Seminários e filmes
Apresentação do curso. Cultura e Humanidade: do Australopitecus à tragédia da cultura . Reunião sobre o projeto temático “Turismo e identidade
carioca”
Não haverá aula de Antropologia 1, e sim de Sociologia 1. Na próxima semana haverá reposição, no horário de Sociologia 1.
Montaigne, “Dos canibais” + Evolucionismo
cultural. Org. Celso Castro (Zahar, 2005)
18/8
A diversidade cultural na tradição
ocidental + A perspectiva
evolucionista
(6ª feira, 14-15:40)
Filme: Rituaes e festas Bororo (1917), de Luiz
Thomaz Reis (30’) + Fotografias de Roquette-Pinto
e Lévi-Strauss
O Brasil através da fotografia: o olhar externo
(Regina Luz)
21/8
Raça e cultura no Brasil
25/8
(6ª feira, 14-17:30)
Culturas, no plural
Raimundo Nina Rodrigues, Os africanos no
Brasil, Franz Boas, Antropologia cultural (cap. 4,
“Raça e progresso”) e Gilberto Freyre, prefácio à
1ª edição de Casa-Grande & Senzala.
Franz Boas, Antropologia cultural (caps. 1,2,3 e
5)
Oliveira Vianna, “Evolução da raça” [1923]. In:
Evolução do povo brasileiro, p. 120-192.
Imagens do negro na iconografia brasileira do séc.
XIX
Filme: In The Land Of The War Canoes (1914), de
Edward S. Curtis (43’)
4/9
Do ponto de vista do nativo:
Malinowski e a pesquisa de campo
O cinema vai a campo (e a turma
também)
Partes de Bronislaw Malinowski, Os argonautas
do Pacífico Ocidental [1922]
Kiriwina: Malinowski e a fotografia de campo
Cultura e personalidade
Ruth Benedict, “Configurações de cultura”
11/9
18/9
Filme: Nanook of the North (1922), de R. Flaherty
(79’)
Reunião de trabalho sobre o desenvolvimento do
projeto temático “Turismo e identidade carioca”
Margaret Mead. Sexo e temperamento [1935].,
Introdução e 4ª parte, p. 19-27 e 267-303.
Filmes etnográficos de Margaret Mead e Gregory
Bateson (1952): Karba’s first years (19'), A Balinese
Family (20') e Trance and Dance (21')
25/9
30/10
Redes de significados: a interpretação Marshall Sahlins, trecho de “La pensée
das culturas
bourgeoise”
Clifford Geertz, A interpretação das culturas,
caps. 1 e 9.
Semana de provas (A1)
Recesso
Reunião de trabalho sobre o desenvolvimento do projeto temático “Turismo e identidade carioca”
Cultura, identidades sociais e o
Gilberto Velho, Projeto e metamorfose (caps. I, II, Seminários: Maria Dulce Gaspar, Garotas de
estudo de sociedades complexas
IV, VI) [53p.] + “Ciências Sociais e biografia
programa e Celso Castro, O espírito militar
individual” [9p.]
6/11
A cultura brasileira e seus símbolos
13/11
Cultura, identidade e (pós?)
modernidade
2 a 6/10
9/10
16/10
23/10
20/11
27/11 a
1/12
11 a 15/12
Gilberto Velho, “Antropologia e patrimônio
cultural”. Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, n. 20, 1984, p. 37-39. [3p.]
Fry, Peter. “Feijoada e soul food 25 anos depois”.
In: Fazendo antropologia no Brasil. Rio de
Janeiro, DP&A/CAPES, 2001, p. 35-54.
António Firmino da Costa, “Identidades culturais
urbanas em época de globalização.” [16p.]
Feriado Zumbi
Semana de provas (A2)
Semana de provas (AS)
6
Rodrigo Grünewald, “Turismo e o ‘resgate’ da
cultura pataxó”
Hermano Vianna, O mistério do samba
Filme: Trobriand Cricket (1976), Gary Kildea and
Jerry Leach , 53’
ANEXO 2
Pesquisa de campo e filmagens em albergues do Rio
De 7 a 9 de novembro de 2006, os alunos do curso de Ciências Sociais tiveram a oportunidade de participar de um mini-curso com o prof. Edgar
Teodoro da Cunha, coordenador executivo do curso de Pós-graduação Cinema Documentário em São Paulo, no manuseio e uso da filmadora
digital, recém adquirida pelo Cpdoc, modelo Sony DSRPD170.
O curso consistiu em duas aulas teóricas e uma aula prática. Na primeira aula foram dadas explicações sobre os recursos do equipamento e as
técnicas de filmagem; a parte prática consistiu na ida a campo, acompanhados do professor, para filmarem em um albergue localizado na praia
de Botafogo. Essa atividade foi complementada por outro grupo de alunos que fez o making of fotografando a equipe de filmagem, as instalações
do albergue e os entrevistados. Na última aula, foram discutidas as dificuldades e os problemas enfrentados pela equipe de filmagem e dadas as
orientações para a edição do material bruto.
Algumas fotos do treinamento:
7
ANEXO 3
CINECLUBE DA ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMAÇÃO DO SEGUNDO SEMESTRE DE 2006
Horário: sextas-feiras, às 10:00h.
A programação inclui filmes selecionados e comentados por Adelina Novaes e Cruz (sobre cinema documentário), Mônica Kornis (sobre
cidades) e Bianca Freire-Medeiros (sobre viagens).
Data
4 ago
Título
Diretor
Ano
Duração
Responsável
Chuva
Joris Ivens
1929
12’
Adelina
Berlim: sinfonia de uma cidade
Walter Ruttmann
1927
1h05’
Mônica
18 ago
Cannibal tours
Dennis O'Rourke
1988
1h10’
Bianca
25 ago
Night mail
Harry Watt, Basil Wright
1936
25’
Adelina
1 set
Roma, Cidade Aberta
Roberto Rossellini
1945
1h40’
Mônica
15 set
Feitiço do Rio
Stanley Donen
1984
1h40’
Bianca
22 set
Les maitres fous
Jean Rouch
1955
36’
Adelina
29 set
Acossado ou Paris visto por...
Jean-Luc Godard
1960 ou 1965
1h27’ ou 1h35’
Mônica
20 out
O céu que nos protege
Bernardo Bertolucci
1990
2h18’
Bianca
27 out
Primárias
Robert Drew
1960
53’
Adelina
10 nov
São Paulo S/A
1965
1h47’
Mônica
17 nov
Encontros e desencontros
Luís Sérgio Person
Sofia Coppola
2003
1h 42’
Bianca
24 nov
Cabra marcado para morrer
Eduardo Coutinho
1985
2h
Adelina
8
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