Capa229Banca 10/7/02 1:17 AM Page 1 R$ 5,50 No 229 CAMPANHA Os segredos da virada de José Serra 7 outubro 2002 www.epoca.com.br ECONOMIA O que pensam os conselheiros de Lula ISSN 1415-5494 Portugal / Cont. ESC 772$80 (€3,85 ) USA US$ 6.00 MINAS GERAIS Aécio Neves, um tucano com votos 00229 9 771415 549002 LULA X SERRA Lula prepara uma frente dos adversários do governo n Serra desmente as profecias e vai para o segundo turno n EP229p032_034.qxd 07.10.02 01:42 Page 32 ELEIÇÕES 2002 FAVORITO Além da vantagem no primeiro turno, Lula é o candidato natural aos votos de Ciro e Garotinho O FEIJÃO E O S O Pesquisa na boca-de-urna do Ibope e apuração do TSE* apontam para disputa entre Lula e Serra – em % 49 46,8 Ibope 20 TSE 24 17 16,3 13 12,4 1 Lula José Serra Garotinho Ciro Gomes 0,4 José Maria * 60,1 % das urnas apuradas até às 23h27m 32 Capa: fotos de Paulo Witaker/Reuters (Lula) e Otávio Dias/Época (Serra) uiseram as deusas das urnas, encantadas e soberanas, especializadas em pregar peça em marqueteiros e candidatos, que a decisão final da eleição presidencial fosse transferida para 27 de outubro. Após a mais longa, participativa e democrática campanha eleitoral de nossa história, a partir de hoje Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra se enfrentam na guerra pelo segundo turno. Considerando a imensa diferença de votos acumulados pelos dois candidatos na primeira rodada, é lícito perguntar se o país está diante de uma disputa real ou de uma simples formalidade. José Serra precisa fazer um esforço gigantesco para ga- Q ELEIÇÃO EM DOIS TURNOS ÉPOCA 7 DE OUTUBRO, 2002 EP229p032_034.qxd 07.10.02 01:42 Page 33 ESFORÇO A passagem para o segundo turno foi uma proeza para Serra, que agora tem uma missão mais gigantesca pela frente nhar eleitores nas próximas semanas. Os votos do primeiro turno mostraram, porém, que o eleitorado prefere a oposição, por larga margem. Esse fator faz de Lula – e não Serra – o herdeiro mais provável da imensa massa de votos recebida por Ciro Gomes e Garotinho. Seria ilusório, contudo, considerar a parada resolvida desde já. Até por espírito esportivo – e por consideração à paciência dos espectadores, que voltarão a ter seus programas prediletos de TV invadidos pelo horário político obrigatório –, não se pode descartar totalmente a possibilidade de uma surpresa. Embora tenha se revelado um comunicador de péssima qualidade, capaz de atrapalharÉPOCA 7 DE OUTUBRO, 2002 se mesmo na hora de fazer perguntas ao adversário – a maioria das pessoas costuma confundir-se na hora das respostas –, José Serra já merece respeito pela persistência. Não faltou dinheiro a sua campanha, mas faltaram lealdade e convicção aos aliados. O próprio Fernando Henrique Cardoso chegou a emitir sinais de que não ficaria muito deprimido se Lula resolvesse a parada no primeiro turno. Deu declarações eleitoralmente desastrosas que puderam ser aproveitadas pela propaganda do PT e só na última semana arregaçou as mangas. Serra conseguiu mostrar que é um candidato bem preparado, que conhece os problemas e tem respostas lúcidas para ä Fotomontagem sobre fotos de Marcio Fernandes/AE e Maurilo Clareto/ÉPOCA S ONHO Se José Serra conseguir transformar-se num candidato competitivo diante de Lula, o segundo turno poderá oferecer um debate enriquecedor 33 EP229p032_034.qxd 07.10.02 01:42 Page 34 ELEIÇÕES 2002 assuntos complicados. Esse é seu trunfo para tentar um lance político dificílimo. Cada campanha tem seus assuntos, seu ritmo e seus humores. O primeiro turno foi marcado por uma superioridade tão grande de Lula sobre os demais que nem sequer houve espaço para um debate político real. Enquanto o candidato do PT procurava aliados para decidir a parada na primeira rodada, os adversários promoveram diversas carnificinas para tentar se qualificar para a etapa final. Se conseguir transformar-se naquilo que ainda não é – uma ameaça real ao favorito –, José Serra poderá abrir um debate sobre o país e as propostas para arrancá-lo da paralisia atual. Pode ser de grande utilidade. Neste caso o eleitorado estará assistindo a uma disputa política proveitosa, que pode ser definida metaforicamente como a opção entre o feijão e o sonho. Serra, segundo essa visão, é o feijão. Representa a proteína de que o organismo precisa para manter as funções vitais. Lula simboliza o sonho, sem o qual o ser humano se reduz a um organismo disforme, um vegetal incapaz de se manter de pé e olhar o futuro. Sem sonho não se cozinha. São escolhas paralelas, talvez equivalentes e complementares, mas necessárias. É consenso que um governo Serra teria menos dificuldades de curto prazo, mais apoio internacional e despertaria maior ânimo de investimento nos empresários. É uma opção de menor risco, num país que precisa de mudanças profundas – mas funciona e não é uma Argentina. Serra sempre fez oposição interna à política econômica de FHC e isso 34 é um trunfo. O problema é que vem acompanhado pelos mesmos grandes interesses que se beneficiaram no governo tucano. Os próprios petistas reconhecem que um governo Lula teria de vencer, no início, uma resistência maior na fatia Capital daquele pacto social com o Trabalho que alimenta o discurso de campanha. A banca internacional disse que não vai sabotar um governo Lula, mas a distância até a chave do cofre é um pouco maior. A recente conversão teórica à economia de mercado deve passar pela prova prática, isso leva tempo e altera o ritmo dos negócios. Numa economia paralisada, o retorno à atividade seria mais lento e menos simples. Em compensação, uma vitória de Lula pode representar uma chance de mudança, num país que – desta vez são os tucanos que concordam – precisa corrigir injustiças profundas, procura oxigênio e tem vontade de pensar mais uma vez em si mesmo. Impossível negar que num governo Lula haveria uma animação cultural maior, mais questionamentos, mais criatividade. Possivelmente os de baixo seriam aquinhoados com uma fatia mais generosa de cidadania. Um governo sob a liderança do PT é uma oportunidade que nem sempre se oferece na História. Mas também representa um certo risco, mesmo moderado, que está embutido em toda mudança maior que uma troca de governo. Feijão ou sonho no segundo turno. Não é um debate óbvio, nem vale a pena pensar no assunto apenas com paixão. Mas feliz do país que pode escolher, nas urnas, entre essas opções. n ÉPOCA 7 DE OUTUBRO, 2002 João Paulo Lacerda/AE FERNANDO HENRIQUE Sinais ambíguos a favor de Serra e também de Lula