Literatura e História da Arte Prof. Márcio Moraes Luiz Vaz de Camões (1524-1580) A POESIA LÍRICO-AMOROSA A POESIA LÍRICO-FILOSÓFICA Soneto Ao desconcerto do mundo Transforma-se o amador na coisa amada Por virtude do muito imaginar; Não tenho logo mais que desejar, Pois em mim tenho a parte desejada. Os bons vi sempre passar No mundo graves tormentos; E para mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Se nela está minha alma transformada, Que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, Pois consigo tal alma está ligada. Mas esta linda e pura semideia, Que, como o acidente em seu sujeito, Assim como a alma minha se conforma, Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado: Assim que, só para mim Anda o mundo concertado. Está no pensamento como ideia; O vivo e puro amor de que sou feito, Como a matéria simples busca a forma. www.marcioadrianomoraes.com A poesia épica Os Lusíadas (1572) Síntese do enredo • Canto I: portugueses enfrentam cilada no canal de Moçambique. • Canto II: viagem de Mombaça a Melinde. • Canto III e IV: Vasco da Gama conta ao rei de Melinde a história de Portugal (episódios de Inês de Castro e do Velho do Restelo). • Canto V: Vasco da Gama conta ao rei a viagem de Lisboa até Melinde (episódio do gigante Adamastor) • Canto VI: Viagem de Melinde a Calicute. • Cantos VII, VIII e IX: portugueses na Índia. • Cantos IX e X: viagem de regresso (episódio da Ilha dos Amores) www.marcioadrianomoraes.com www.marcioadrianomoraes.com 1 Literatura e História da Arte Prof. Márcio Moraes Rota de Vasco da Gama www.marcioadrianomoraes.com 1. Proposição (Canto I): É a proposta ou o objetivo do poema. Nele o poeta propõe-se a exaltar as glórias e conquistas portuguesas As armas e os Barões assinalados Que da Ocidental praia Lusitana Por mares nunca de antes navegados Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta. E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando, Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. www.marcioadrianomoraes.com www.marcioadrianomoraes.com 2 Literatura e História da Arte Prof. Márcio Moraes 2. Invocação (Canto I): Invoca a proteção das Tágides, ninfas (deusas das águas) protetoras do rio Tejo, para realizar o seu intento E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mi um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mi vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco e corrente, Por que de vossas águas Febo ordene Que não tenham enveja às de Hipocrene. 3. Dedicatória (Canto I): O poeta dedica a obra a D. Sebastião, rei de Portugal Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro, Vê-o também no meio do Hemisfério, E quando dece o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo e vitupério Do torpe Ismaelita cavaleiro, Do Turco Oriental e do Gentio Que inda bebe o licor do santo Rio: Dai-me üa fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende e a cor ao gesto muda; Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Que se espalhe e se cante no universo, Se tão sublime preço cabe em verso. www.marcioadrianomoraes.com D. Sebastião em pintura atribuída a Cristóvão de Morais. 4. Narração (Canto I ao X): É o corpo da epopeia, a parte mais extensa, na qual narra-se toda a História de Portugal e de seu povo, mas apenas do ponto de vista da nobreza (“Barões assinalados”, “peito ilustre”, “memórias gloriosas daqueles Reis”) Concílio dos Deuses (Canto I ) Inês de Castro (Canto III) Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naus as velas côncavas inchando; Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As marítimas águas consagradas, Que do gado de Próteu são cortadas, Passada esta tão prospera vitória, Tornado Afonso à Lusitana terra, A se lograr da paz com tanta glória Quanta soube ganhar na dura guerra, O caso triste, e dino da memória Que do sepulcro os homens desenterra. Aconteceu da mísera e mesquinha Que despois de ser morta foi Rainha. [...] Estavas, linda lnês, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruto, Naquele engano da alma, ledo e cego, Que a Fortuna não deixa durar muito, Nos saüdosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuto, Aos montes ensinando e às ervinhas O nome que no peito escrito tinhas. Quando os Deuses no Olimpo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se ajuntam em consílio glorioso, Sobre as cousas futuras do Oriente. Pisando o cristalino Céu fermoso, Vêm pela Via Láctea juntamente, Convocados, da parte de Tonante, Pelo neto gentil do velho Atlante. www.marcioadrianomoraes.com www.marcioadrianomoraes.com 3 Literatura e História da Arte Prof. Márcio Moraes O Velho do Restelo (Canto IV ) Gigante Adamastor (Canto V ) Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça Cüa aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas! "Eu sou aquele oculto e grande Cabo A quem chamais vós outros Tormentório, Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, Plinio e quantos passaram fui notório. Aqui toda a Africana costa acabo Neste meu nunca visto Promontório, Que pera o Pólo Antártico se estende, A quem vossa ousadia tanto ofende. Dura inquietação d'alma e da vida Fonte de desemparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinas e de impérios! hamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo dina de infames vitupérios; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio engana! Fui dos filhos aspérrimos da Terra, Qual Encélado, Egeu e o Centimano; Chamei-me Adamastor, e fui na guerra Contra o que vibra os raios de Vulcano; Não que pusesse serra sobre serra, Mas, conquistando as ondas do Oceano, Fui capitão do mar, por onde andava A armada de Neptuno, que eu buscava. www.marcioadrianomoraes.com Ilha dos Amores (Canto X ) A máquina do Mundo (Canto X) De longe a Ilha viram, fresca e bela, Que Vénus pelas ondas lha levava (Bem como o vento leva branca vela) Pera onde a forte armada se enxergava; Que, por que não passassem, sem que nela Tomassem porto, como desejava, Pera onde as naus navegam a movia A Acidália, que tudo, enfim, podia. [...] Vês aqui a grande máquina do Mundo, Etérea e elemental, que fabricada Assi foi do Saber, alto e profundo, Que é sem princípio e meta limitada. Quem cerca em derredor este rotundo Globo e sua superfícia tão limada, É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende, Que a tanto o engenho humano não se estende. 5. Epílogo (Canto X): o desencanto do poeta Oh, que famintos beijos na floresta, E que mimoso choro que soava! Que afagos tão suaves! Que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava! O que mais passam na manhã e na sesta, Que Vénus com prazeres inflamava, Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo; Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo. Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho Destemperada e a voz enrouquecida, E não do canto, mas de ver que venho Cantar a gente surda e endurecida. O favor com que mais se acende o engenho Não no dá a pátria, não, que está metida No gosto da cobiça e na rudeza Düa austera, apagada e vil tristeza. www.marcioadrianomoraes.com www.marcioadrianomoraes.com 4