A esperança cristã e as questões atuais da escatologia: novas leituras e novas abordagens Aluno: Lucíola Paiva Tisi Orientador: Cesar Augusto Kuzma INTRODUÇÃO A sociedade hodierna é sociedade da produção e da técnica. As pesquisas científicas vieram trazer inovações em todas as áreas das ciências tecnológicas às humanas, trazendo mais longevidade conforto e qualidade de vida. Ao menos é assim que vive grande parte da população mundial enquanto ainda há áreas no planeta onde a fome e a desolação são a realidade cotidiana. O slogan tempo é dinheiro rege o mercado de trabalho, conduzindo o cidadão a um equívoco. Dinheiro e conforto são importantes, mas não geram felicidade, podem no máximo ser uma complementaridade. Tempo é vida só é vida quando fundamentada em relações. Para a vida humana ter sentido, ser frutuosa e gerar felicidade, quatro relações são então necessárias. O ser humano não vive só, nunca está só, precisa se relacionar com sua realidade vivida no seu cotidiano, com seu cosmos, do micro ao máximo – hoje muito alargado devido ao desenvolvimento das telecomunicações que nos garantem informações dos fatos ocorridos do outro lado do planeta em tempo real. Precisa ser vigilante e atento aos pequenos eventos tanto humanos – inter-relações – como os da natureza que se manifestam a nossa volta provocando e construindo sua história. Dessa forma, o ser humano precisa se relacionar com os outros, com todos aqueles que o interpelam na sua realidade do dia a dia. Mesmo em silêncio nos comunicamos, por gestos e olhares, sinais faciais e corporais expressam uma linguagem, expressam nosso humor, nossas vontades, alegrias e desprazeres. Precisamos também nos relacionar com nós mesmos, com o nosso ego, com nossos desejos e aspirações e procurar dar conta de nos realizarmos de maneira justa e coerente. Mas o que seria para o ser humano essa possível realização? Desenvolvimento tecnológico? Conforto? Sucesso profissional? Todas essas perguntas se encontram sem resposta nos momentos de tribulação, nos momentos de crise profunda, onde olhamos o futuro e não vemos o desenvolvimento que gostaríamos, uma grande frustração nos invade e pode inclusive nos levar ao desânimo, desgosto pela vida, depressão ou até mesmo ao desespero e a morte. Encontramos então sentido na quarta e fundamental relação de nossa existência, que é 1 geradora de vida, que traz a novidade, que tem o poder de tudo transformar com uma inversão da lógica racional humana. É a nossa relação com o Deus Criador e Salvador, que nos promete vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10), o Deus de amor que tanto amou a humanidade que não quis deixa-la órfã, adotando a todos como filhos (cf. Jo 17,21), e para tal se esvazia encarnando -se na história como homem (cf. Jo 11,14; Fl2,6-11), para poder elevar a todos à sua imagem e semelhança dando a eles o domínio sobre tudo, e a liberdade para agir e amar. É Deus da esperança por ser a própria esperança, esperança que não se encontra em algo que podemos alcançar com nossos esforços, com nossas ações. É o Deus que nos eleva, que se faz presente em silêncio, que manso e humilde opera e age nos detalhes de nossa existência gerando transformações, nos transformando também em criadores, geradores e promotores de vida. É Deus a própria esperança na sua encarnação em Jesus Cristo, Deus do inesperado, do inovador, do surpreendente. Deus que vencendo a morte, venceu o mundo, nos transformando também em viventes. É o Deus que nos convoca e invoca a ação nos potencializando para agir em seu nome, como sua extensão, como sacramento – manifestação visível do Deus invisível – para nos tornar agentes transformadores de justiça e paz, nos levando a construção da história em direção ao seu Reino (cf. Is 35). METODOLOGIA Nossa pesquisa se desenvolve através da leitura e estudo de autores na área da teologia cristã que produzam uma reflexão teológica na área da esperança e escatologia cristã com o objetivo de poder identificar a visão própria de cada autor estudando suas diferentes perspectivas e pontos de contato – levando em consideração expressões e movimentos teológicos atuais que tenham em seu conteúdo epistemológico a compreensão do Reino de Deus como esperança, justiça força vital, e plenitude – como potencial ponto de transformação da sociedade atual. Partindo da seleção desses dois autores, pertencentes a Igrejas cristãs de confissões diferentes, pretendemos identificar suas perspectivas teológicas, verificar suas semelhanças e diferenças, para isso foram realizados recortes dos textos selecionados para obtenção de uma melhor compreensão do pensamento de cada um deles no que diz respeito à esperança e à escatologia cristã. Nesses textos, procurouse averiguar e compreender o verdadeiro significado do que seria a 2 esperança escatológica, no ponto de vista de cada um desses autores e sua visão do porvir, o futuro escatológico que nos aguarda. Esta esperança em que as Sagradas Escrituras fundamentam a escatologia está no Cristo ressuscitado, que como sinal escatológico desperta em nós a expectativa para a sua vinda futura, possibilitando-nos, na confiança de sua promessa, antever o futuro e a nossa plena realização. A escolha dos autores teve a intenção de verificar e demonstrar similaridades de pensamento, mesmo em culturas e posicionamentos diferentes, estabelecendo um diálogo entre eles, ressaltando os pontos comuns. Dando continuidade a essa pesquisa escolhemos dessa vez dois autores de Igrejas cristãs diferentes da Igreja Católica. Jürgen Moltmann é teólogo alemão, de tradição cristã, reformado, um exponencial pensador europeu do século XX, estabeleceu com o Brasil um contato diferenciado nos meios acadêmico e eclesiais. Tem desfrutado de amplo trânsito dentro dos mais diversos segmentos da tradição cristã, do catolicismo pós concílio do Vaticano II ao Pentecostalismo. Jürgen Moltmann nos mostra o sentido reverso da lógica de Deus, um Deus que é amor e que a todos quer acolher, se revelando na obscuridade da existência, na dor do oprimido, na angústia do erro. Deus que é amor e comunga com a humanidade em sua maior vulnerabilidade e fragilidade de maneira ainda mais especial. Onde achamos que há silêncio, ali ele se encontra e faz o surpreendente acontecer. Paul Evdokimov nasceu em São Petersburgo, na Rússia, em 1901. Imigrou para Paris em 1923, onde viveu até sua morte em 1970. Foi professor de teologia ortodoxa no Instituto Saint Serge em Paris e observador convidado no Concílio Vaticano II. Entre suas diversas obras encontramos: O Cristo Dentro do Pensamento Russo e O Espírito Santo Dentro da Tradição Ortodoxa. Foi personalidade do ecumenismo e uma das grandes figuras da Igreja ortodoxa Russa. A escolha desse autor se dá pelo fato de ser sua teologia e espiritualidade intimamente vinculada à vida prática, as obras, fomentadas e alimentadas pelo culto da liturgia. Sua obra por nós apresentada, fomenta a percepção do ser humano, estimulando a perceber no livro da natureza e da vida a poesia da ação de Deus no cotidiano, geradora de esperança e sentido, valorizando a liturgia e os atos de louvor como diálogo privilegiado entre o ser humano e Deus. Procuraremos com essas leituras fazer uma aproximação entre as concepções desses autores a uma diretriz convergente de suas opiniões, atingindo o tema da 3 esperança cristã e as questões atuais da escatologia, com novas leituras e novas abordagens. OBJETIVO Observar e apontar as questões atuais da esperança cristã e da escatologia aprofundando o estudo diante de novas leituras e abordagens que possam fomentar e estimular a abertura do ser humano a um sentido gerador de novas perspectivas e possibilidades de futuro. Procuramos buscar em teólogos cristãos de nossa contemporaneidade novas chaves de leitura e interpretação que possam contribuir para a compreensão atualizada da esperança cristã e as questões da escatologia. RESULTADOS E DISCUSSÕES Autor: Jürgen Moltmann Livro: O Deus Crucificado – A cruz de Cristo como base crítica da teologia cristã A ESPERANÇA NO INEXPLICÁVEL A esperança cristã vai surgir no inexplicável, no profundo da experiência da dor. Do lugar onde não se acredita haver saída. Torna-se assim difícil a compreensão para os que não creem acreditar que onde o fim parece ser lógico à razão humana, a Graça de Deus vai agir transformando a realidade de maneira surpreendente e nova. Nossa fé começa aqui, onde os ateus dizem que ela acabou. Nossa fé começa naquela dureza e poder; onde a noite da cruz, da solidão da tentação e da dúvida está por toda parte! Nossa fé precisa nascer onde os fatos a abandonam; precisa nascer do nada. Precisa experimentar o nada de tal forma que nenhuma filosofia niilista consiga imaginar1. O nosso mal-estar, depressão, desesperança, sentimento de vazio que nos penetra o fundo do nosso ser, trazendo-nos não só a escuridão, mas também as sensações de impotência completa, na maioria das vezes, provêm das realidades externas, do sofrimento do outro que presenciamos, daqueles que nos são próximos, mas que nada ou quase nada podemos fazer para modificar sua situação. Não nos damos conta que quando a questão é conosco, nos sentimos provocados a uma reação, seja ela qual for, 1 MOLTMANN, Jürgen. O Deus Crucificado: A cruz de Cristo como base crítica da teologia cristã (tradução: Juliano Borges de Melo) – Santo André (S.P.): Academia Cristã, 2014, p. 57. 4 mas vamos reagir mesmo que não seja em direção a melhor solução. No entanto, quando se trata do outro a coisa muda de figura, nossa impassividade gera em nós a sensação de impotência, que muitas vezes por não reconhecê-la desviamos nossa atenção para satisfações vãs, distrações, que na ilusão de nos tirar daquele contexto nos leva a um enorme e escuro caminho. No livro do Apocalipse, na carta a Laudiceia, podemos ler: 15 Conheço tua conduta: não es frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente.16 Assim porque es morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca.17Pois dizes: sou rico, enriqueci-me e de nada mais preciso. Não sabes, porém, que és tu o infeliz: miserável, pobre, cego e nu!18 aconselho-te a comprares de mim ouro purificado no fogo para que enriqueças, vestes brancas para que te cubras e não apareça a vergonha de tua nudez, e colírio para que unjas os olhos e possa enxergar.19 Quanto a mim, repreendo e corrijo todos os que amo. Recobra, pois, o fervor e converte-te!20Eis que estou a porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo.21ao vencedor concederei sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono.22Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às Igrejas (Ap 3, 14-22). Não podemos ler esse texto como ameaça, algo de castigo ou punição, mas como exortação e alerta para a nossa vida, para a nossa felicidade e para um interagir no meio social, procurando nele o melhor, fazendo movimentar a vida e encontrar no substrato dos fatos ocorridos–situação vivenciada – um novo começo. Aí jaz a esperança cristã, onde a misericórdia de Deus que é o próprio Cristo surge do inesperado, do escondido, da camuflagem criada por nós mesmos e nos aponta a direção da ação. O momento muitas vezes é difícil, paralisante, mas ao deixarmos de lado as nossas impressões, nossas perspectivas de soluções, nossas culpas ou julgamentos, nós conseguimos abertura para ver além da neblina causada por nós mesmos. Por medo, entrando em desespero, obstruímos a condição de enxergar e acolher o amor de Deus. Já no Antigo testamento vemos a interpelação do profeta Elias que vem em socorro a viúva de Sarepta (1Rs 17, 7-15) não vem facilitar-lhe a situação, ela deprimida, angustiada em profunda pobreza e carência está pronta a preparar para si e seu filho ainda menino, a última refeição, para depois esperar a morte. Ao interpelá-la, aparentemente, Elias pede, não dá. Pede que dívida com ele aquele último pão como se pedisse que dividisse com ele a sua angústia, sua solidão, sua desesperança. Comem juntos, vem a promessa de que não lhe faltará mais o alimento enquanto a seca não acabar. A viúva não estará mais só, na realidade nunca esteve, mas foi necessário seu completo esvaziamento – talvez de seu orgulho, medo, acomodação, etc... – Para que 5 pudesse ver a realidade de maneira criativa e proativa. O milagre ocorreu, sua fome foi saciada. No Evangelho de Lucas, na narrativa dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35), isso é colocado com muita clareza; a impotência é total; o fracasso, uma realidade. Não há mais o que esperar. Na escuridão provocada pela cruz, podemos ver a luz do Cristo brilhar em nós como semente, como gérmen a ser cultivado, que traz possibilidades inimagináveis e que exige de nós parceria. É assim que Deus age, é através do ser humano, em parceria com sua criatura, que por misericórdia e amor o eleva à sua imagem, pois, é pelo ser humano que percebemos sua presença, semelhança, por tornálo também criativo. É na cruz que se realiza esse encontro, porque é na cruz que surge a grande interpelação à nossa fé: Quem é esse homem? Homem que por sua confiança e obediência nos revela a face do próprio Deus. É Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus que se entregou por todos nós e nos deu a salvação. O crucificado foi compreendido à luz de sua ressureição, à luz de seu futuro com Deus que vem em sua glória. Por isso, sua crucificação histórica foi entendida como evento de julgamento escatológico e sua ressureição como antecipação oculta do reino escatológico da gloria, no qual os mortos serão ressuscitados2. O futuro que é aqui referido, sinal da ressureição do Cristo não pode ser compreendido como história futura parte de uma transitoriedade que se supera com o decorrer do tempo, mas como futuro último, escatológico. Como futuro da própria história, antecipação da nova criação – novo céu e nova terra Vi então um céu novo e uma nova terra – pois o primeiro céu e a primeira terra se foram, e o mar já não existe, 2Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade santa, uma Jerusalém nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para o marido. 3 Nisto ouvi uma voz forte que, do trono dizia: “Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles: eles serão o seu povo, e ele será Deus -com -eles, será seu Deus (Ap 21,1-3). 1 A Páscoa do Cristo é antecipação real do futuro qualitativo de Deus e da nossa criação no meio da história de sofrimento do mundo. Isto é, a esperança trazida a nós pelo Cristo, é promessa, que não apenas ilumina adiante o nosso caminhar histórico gerando perspectivas e possibilidades, mas alimenta também um povo. Também não se refere a uma realidade “extra-mundi” onde perdemos nossa referência e identidade. O novo desconhecido da história que se abre a cada dia por tal esperança, ilumina também 2 Ibidem, p.203 6 o passado, a estrada percorrida, os caminhos traçados por toda uma Igreja que se fez presente na comunhão com sua origem, o Cristo crucificado. A ressureição dos mortos que é constitutiva da fé do cristão, professada no símbolo apostólico, ligou o próprio futuro de Deus com o passado de toda essa Igreja padecente expressando esperança, não apenas a sua configuração atual ou futura, mas em comunhão com todos aqueles que já passavam em Deus. A esperança na ressureição é iluminada pelas aparições do Jesus depois de sua morte na cruz. O ressuscitado acende a esperança dando animo, aquecendo os corações, sinalizando e comunicando o caminho a ser transposto (cf. Lc 24,13-35). É esperança que se propaga apenas do Cristo sobre vivos e mortos. “9 Com efeito, Cristo morreu e reviveu para ser o senhor dos mortos e dos vivos” (Rm 14,9). Ao falarmos de Jesus de Nazaré, falamos no sentido histórico, temporal, sua origem, que vai iluminar seu futuro. No entanto, a fé escatológica fala do mesmo Jesus, ressuscitado citado por Deus, Jesus como o Cristo de Deus. O que prepara o lugar para a Vinda do Reino de Deus. O título cristológico ilumina sua origem e seu fim. (cf. Ap22,13-14) Vinculando Jesus de Nazaré ao seu passado em sua existência histórica, percebemos por sua vida, paixão morte e ressureição o surgimento do Cristo escatológico que vincula o seu futuro. Nesse sentido Jesus só é entendido como fenômeno histórico na sua relação com seu futuro. A fé presente tem aí sua participação com seu futuro, é responsabilidade – sua própria historicidade surge apenas da relação escatológica com o futuro que ele descobre. Fala-nos do Reino, já iniciado, mas não acabado, da experiência iniciada, mas não plenificada, não vivemos o fim da história e sim no seu decorrer ligamos mesmo que de maneira inconsciente a lembrança do passado as esperanças ou apreensões do futuro procurando explicar o passado com um olhar no futuro situado no presente – “com a lembrança histórica, vinculamos um esboço de toda história ao fim da história”3. Como se sabe, radical relaciona-se as raízes de alguma coisa. Fé cristã radical só pode significar ter a mais profunda relação com o Deus Crucificado. Isso e perigoso, ela não assegura a aprovação de ideias, esperanças e boas intensões. Ela assegura em primeiro lugar, a dor da conversão e da mudança total. (....) A Religião da Cruz, se e que a fé pode ser chamada assim, a partir das razoes dadas, não é solene nem motivante no sentido mais comum, mas traz escândalo, e na maioria das vezes aos companheiros de 3 Ibidem, p. 205 7 fé dentro do próprio círculo. Mas ele traz, por meio desse escândalo, libertação em um mundo criativo.4 Culturas que estão alicerçadas na produtividade e no prazer afastam a morte e a dor do âmbito social do público deslocando para a vida privada a angustia, para que o mundo não seja visto de forma negativa, como obstáculo. Nesse contexto o Deus crucificado não e apenas estranho, mas impopular. Provoca a saída da alienação, da mecanização da vida, das respostas fáceis, do consumismo e no depositar no conforto e no prazer a felicidade. Causa estranhamento nos alienados, habituados a alienação. A Fé na Cruz de Jesus Cristo e adequada a libertar as pessoas de suas ilusões culturais, convidando-as a ultrapassar seus contextos ofuscantes para o confrontamento com a verdade de sua existência e de sua sociedade que pode ser atestada pela dor. É na dor que experimentamos a realidade a nossa volta, realidade que não é por nos criada nem imaginada, e através dessa dor que desperta em nos um amor que não consegue ser indiferente a tudo, mas que se compadece com o feio, com o indigno de amor para amá-lo. E dor que questiona o mais profundo de nós mesmos que no fundo do nosso poço interior quer receber na penumbra o formato das pedras e a qualidade da água que jaz em seu interior, e ao encontramos a nos mesmos deixando a apatia de lado somos impelidos a sair, a ir ao encontro do outro para a novidade do encontro, para celebrar as novas descobertas, que já estavam em nos, mas encobertas com a poeira da negligencia, da falta de vigilância (cf. Fil 2,12-18). 12 Portanto meus amados, como sempre tendes obedecido, não só na minha presença, mas também particularmente na minha ausência, operai com temor e tremor, 13pois é Deus quem opera em vós o querer e o operar, segundo a sua vontade.14 Fazei tudo sem murmurações nem reclamações, 15para vos tornardes irreprováveis e puros, filhos de Deus sem defeito, no meio de uma geração má e pervertida, no seio da qual brilhais como astros no mundo,16mensageiros da Palavra de vida. Assim no Dia de Cristo eu terei a glória de não ter corrido nem ter-me esforçado em vão.17Mas se o meu sangue for derramado em libação, em sacrifício e serviço da vossa fé., alegro-me e me regozijo com todos vós; 18e vós também alegrai-vos e regojizai-vos comigo (Fl 2,12-18). A Cruz de Deus na comunidade, na Igreja simboliza então uma contradição, que conduz ao seu interior pela parte de Deus, que foi crucificado fora dela. O símbolo da cruz visto sobre o altar nos remete então para o próprio Jesus crucificado no Calvário entre dois ladrões há cerca de2000 anos fora dos muros de 4 Ibidem, p. 61 8 Jerusalém, e por nos remeter ao Cristo nos leva a olhar nossa realidade com compaixão, nos leva a perceber o sofrimento camuflado ou exposto dos homens e mulheres que interagem na nossa vida, que participam da nossa história mesmo por um momento, mas que comunga conosco vida. Ao refletir a cruz, começamos a nos dar conta da responsabilidade de nossos pequenos e não tão pequenos atos e somos impelidos a colocar em cada um deles uma dose de amos, de solidariedade, de compaixão. A cruz, então, não é símbolo religioso, de cumprimento de ritos e preceitos, mas símbolo de vida, e orientação de direção, de caminho, de lugar de culto que não é físico, mas que e o próprio Cristo que se faz presente na pessoa do necessitado. E no amor– serviço que encontramos o Cristo. Todo símbolo aponta para outro que está além de si. Todo símbolo aponta para a reflexão. O símbolo da Cruz remete a Deus, não aquele que está entre dois castiçais sobre um altar, mas ao que crucificado entre dois ladrões no Calvário dos perdidos, diante dos portões da Cidade (...) A Cruz e um símbolo que conduz para afora da Igreja e anelo religioso para dentro da comunhão com os oprimidos e perdidos. E no sentido reverso, ela e símbolo que chama os oprimidos e os ímpios para a Igreja e, por meio dela, para a comunhão do Deus crucificado. Esquecida a contradição da cruz e sua inversão de valores religiosos, ela deixa de ser símbolo e se torna um ídolo que não convida mais a reflexão, mas que fomenta o fim da reflexão em um auto aprovação5. Recentemente ouvi jovens afirmarem ser Cristo uma fantasia, e ainda um que afirmava ser o amor uma fantasia dolorosa. Nas conversas foram lembradas a questão da esperança, e tudo o que foi dito se referia a esperança em algo, em conquistas humanas algumas muito éticas, politicamente corretas e de solidariedade, todas utopias que seriam realizadas em um futuro que não seria o nosso. No entanto, no reverso disso, ao olharmos para a cruz no símbolo que nos remete a memória de alguém, que historicamente encarnado, trazia em si o próprio Deus.6 6 Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um deus 7 mas se despojou, tornando-se semelhante aos homens e reconhecido em seu aspecto como um homem 5 Ibidem, p. 62 O interessante, o que me faz trazer aqui esta experiência e que essa esperança colocada por esses jovens também no final da conversa foi considerada fantasia. Saíram tristes do encontro. Saíram com uma tristeza conformada como se fosse parte da realidade da vida não poder ter esperança em nada além das conquistas materiais que trazem o conforto e o bem-estar a uma vida de dor que não e nada além de um caminho para a morte. 6 9 8 abaixou-se tornando-se obediente até a morte , à morte de cruz 9 Por isso Deus soberanamente o elevou e lhe conferiu o nome que está acima de todo nome 10 a fim de que ao nome de Jesus todo joelho se dobre nos céus, sobre a terra e debaixo da terra, 11 e que toda língua proclame que o Senhor é Jesus Cristo para a glória de Deus Pai (Fil 2,6-11). Vemos que Ele penetra na nossa história para trazer esperança não só aqueles que são bons e se consideram éticos, constituídos de um saber privilegiado, mas para os oprimidos e desesperados, aos desajustados e marginalizados. É a esperança que extrapola ritos litúrgicos e doutrinas, e é esperança que vai fazer movimentar os privilegiados, gerando neles a vontade de agir e de andar na contramão, que vai suscitar o movimento de amor, pela consciência de que a beleza de atitudes éticas e solidárias não é para ser apenas planejada e discutida, pintada como num quadro para ser admirado pendurado em alguma parede de museu para entrar assim na história. Será preciso ação diferente, ação viva, laboriosa que envolve e se deixa envolver, ação que move montanhas, daquelas que não se pode realizar sozinho e que por isso mesmo não tem um único autor, precisam ser de todos para todos. O Deus crucificado então não é ídolo ou símbolo de fantasia social, mas exemplo de um mundo possível, convite a uma conversão histórica vivida pelo homem simples de Nazaré, que há mais de dois milênios nos mostrou que o Reino de Deus era possível já naquela época. É reino que nasce pequeno no coração de cada um individualmente, no verdadeiro encontro com o Ressucitado, mas que pequeno como um grão de mostarda, (Cf. Mc 4,30-32) pode germinar, brotar e frutificar gerando frutos a trinta, sessenta ou cem por um. (Mt 13,1-9.19-23) A mensagem a nós deixada por esse homem simples que é o próprio Deus é que no encontro com ele, de forma madura, relacional, baseada na entrega e na confiança fundamentada, não em preceitos ou legalidades, mas no amor que gera vida e que constrói, nasce a esperança que floresce e extrapola através da relação na alteridade. Na relação com o outro, meu próximo, com a realidade onde consigo agir, meu cosmo, na relação comigo mesmo, gerando em mim uma nova consciência e que junto com Deus em relação de amor posso transformar a realidade a minha volta ajudando a gerar um mundo novo. 10 Autor: Paul Evdokimov Livro: O silêncio amoroso de Deus ESPERANÇA E LOUVOR Deus está sempre a nossa procura, a provocar o encontro, toda a natureza proclama sua beleza e bondade, sua poesia, usa do livro da natureza, para podermos compreender sua grandiosidade, para nós é necessário apenas a abertura, a observação e o acolhimento de sua ação, de seu amor. Como imensa parábola, o mundo oferece uma leitura da “poesia” divina inscrita em sua carne. As imagens das parábolas evangélicas ou a matéria cósmica dos sacramentos não são fortuitas. As coisas mais simples são conformes a seu destino mais preciso. Tudo é imagem e semelhança, participação na economia da salvação. Tudo é cântico e doxologia.7 Ao ser humano é impossível falar ou mesmo compreender o inefável, a grandiosidade de Deus. No entanto podemos perceber suas manifestações, sua presença, sua comunicação e seu amor através da criação. No dia a dia, no cotidiano da vida, nos detalhes com que somos interpelados a todo momento, visualizamos a sua ação. Todo ser humano tem em si a semente do criador, a semente do Verbo, a semente do Espírito Santo. Assim como o artista ao concluir sua obra imprime nela sua assinatura, Deus pelo batismo imprime em nós seu selo, garantindo nossa proveniência e nosso fim. Por ele fomos criados e para ele retornaremos. Somos criaturas dotadas de dons e carismas que determinam não só essa nossa vocação comum – ser em Deus – mas também nossa missão – a sua imagem e semelhança – criadora, criativa e transformadora da realidade. Devemos cultivar o imenso campo do mundo, é nosso papel gerar também coisas novas, desenvolver as artes e a ciência, construindo uma sociedade mais humana de forma que sua existência seja querida por Deus. A nossa missão, de todo ser humano, deve estar alicerçada no serviço, que vai além do serviço social. No sentido bíblico, serviço significa ato de curar e restaurar o equilíbrio e a justiça. É comunhão entre todos inserida no absolutamente novo – Reino de Deus – projeto do Pai e o absolutamente desejável. Para aprofundar esse nosso raciocínio podemos ler nas sagradas escrituras: 7 EVDOKIMOV, Paul – O Silêncio Amoroso de Deus – Tradução Ivo Storniolo – Aparecida; S.P. Editora Santuário,2007, p. 114 11 Vi então um céu novo e uma nova terra – pois o primeiro céu e a primeira terra se foram, e o mar já não existe. 2Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade santa, uma Jerusalém nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para seu marido. 3 Nisto ouvi uma voz forte que, do trono, dizia: “Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; Eles serão o seu povo, E ele, Deus-com -eles, será o seu Deus (Ap 21,1-3). 1 O pensamento da tradição patrística, já descreve a grandiosa filosofia da criação, é muito mais ampla do que uma justificação da cultura, ao se tornar ministério de serviço do Reino de Deus, é a cultura que justifica a história, o homem e seu sacerdócio – serviço e louvor – no mundo. Complementando nosso pensamento, usamos a citação da carta aos Hebreus: 20 Nele temos um caminho novo e vivo que ele mesmo inaugurou através do véu, quer dizer: através da sua humanidade.21 Temos um sacerdote eminente construído sobre a casa de Deus.22aproximemo-nos então de coração reto e cheios de fé, tendo o coração purificado de toda má consciência e o corpo lavado com agua pura. 23Sem esmorecer, continuemos a afirmar nossa esperança, porque é fiel quem fez a promessa. 24Velemos uns pelos outros para nos estimularmos à caridade e as boas obras .25Não deixemos nossas assembleias, como alguns costumam fazer. Procuremos, antes, animar-nos sempre mais, à medida que vedes o Dia se aproximar (Hb 10, 20-25). Preexistência ideal em Deus, chega a atribuir um valor especial à ação desses “operários de Deus”, pessoas que se colocam a serviço da construção do Reino de deus, lutando pela justiça e caridade, com o intuito de preparar sua secreta germinação. Tratase de construções – “partos”, o irromper da demostração do amor fraterno que manifesta a grandeza e o amor de Deus, pela ação daquele que responde ao Pai – que pela fé nos são próprios, revelando, ordenando a marcha coerente da história, chamando o mundo à maturidade e a preparação para a vinda do Senhor. (cf. 2Pd 3,9-12) O sentido de nossa existência não pode se limitar a sobrevivência, o ser humano é dotado de dons e carismas que determinam sua vocação. Vocação esta que cabe a ele cultivar, desenvolvendo suas potencialidades, inaugurando as novidades, das artes e das ciências, construindo e contribuindo para a história da salvação, e dessa forma, uma existência querida por Deus. É a própria abundância da Igreja, não a autoridade, mas a fonte da superabundância, a graça sobre graça, a liberdade sobre liberdade e que suprime toda “objetivação”, todo conflito, todo tremor de escravo. 8 8 Ibidem, Pág. 143. 12 O autor evidencia a importância de ser Igreja, como principal depósito da esperança cristã. Procura realçar a atenção à opção de ser cristão, como adesão a Cristo pensada como vivência eclesial, como Igreja de Cristo, notamos aqui uma ressonância com a Igreja católica apostólica Romana, que atribui a Igreja o conceito de povo de Deus, assim definida pelo concílio Vaticano II9. A autoridade então é dada à Igreja, que paradoxalmente vai negar ser autoridade no sentido de poder de restrição, mas sim como portadora da verdade com quem se identifica. Nesse sentido, não é autoridade assim como Deus não é autoridade e nem Cristo não o foi, vemos isso nos evangelhos; porque autoridade é sempre algo exterior a nós. Não é, portanto, autoridade que aprisiona, mas a autoridade da verdade que liberta (cf. Gl 5,1). Toda a sociedade, a imagem dos blocos políticos, coloca a liberdade como uma escolha entre realidades. O ser humano é livre para escolher, mas uma vez que a escolha é feita deixa de sê-lo – o ser humano já não é mais livre, se torna integrante, aprisionado a realidade que escolheu. A boa nova do evangelho vem trazer uma perspectiva inteiramente diferente: chama a conhecer, à relação com a verdade que liberta de maneira radical. Isso significa que toda a oposição entre liberdade e autoridade se coloca em um plano extra eclesial, em que a vitória de uma sobre a outra não liberta mais. No entanto, no sentido da revelação cristã, onde nos é dito: “O espírito sopra onde quer” (cf. Jo3,8) quem pode medi-lo? Conhecemos sua presença, mas ignoramos sua ausência, talvez até inexistente. Um dos mais antigos símbolos da fé cristã confessa: “e no Espírito Santo, a Igreja” identificação mistérica, que tem por significado o crer na Igreja, em sua superabundância, de “graça sobre graça” sem limites e medidas. “Porque a lei foi dada por meio de Moisés; A graça e a verdade Vieram por Jesus Cristo” (Jo1,17). A sede da verdadeira liberdade é a sede do Espírito Santo que liberta sem medida (cf. Jo 3,34). São Paulo vai dizer: “ tudo me é permitido, mas nem tudo convém” (cf. 1 Co 6,12). Deus não é lei ou proibição, no livro do Genesis: E Iahweh Deus deu ao homem esse mandamento: “Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás de morrer”. (Gn 2,16-17) 9 Constituição Dogmática Lumen Gentium capítulo II. 13 Não é uma ordem que é dada, mas um conselho, uma advertência de destino livremente escolhido. Não se trata então de uma simples desobediência, mas de falta de atenção para com a comunhão viva com o Senhor da vida. Em sua atitude – o pecado – o ser humano o discernimento da verdade, reivindicando uma autonomia moral pela qual o ser humano nega sua condição de criatura. A gravidade do pecado original é justamente transformar Deus em autoridade exterior, em Lei que logicamente vai conduzir a transgressão Lei- Deus. Era preciso então que Jesus – Filho – revelasse o verdadeiro rosto do Pai, rosto de autoridade - justiça. O ser humano objetivou Deus e o colocou à distância, em espaço exterior. A partir daí, procura a obscuridade e fabrica para si mesmo uma existência de prisioneiro. Esconde-se. Vemos então em Jesus a proclamação da esperança e de libertação: “Replicou-lhe Jesus: “ Está escrito: Adorarás ao senhor teu Deus, e só a ele prestarás culto” (Lc 4, 8). Que tua vontade não seja feita”, e até Deus nada pode fazer contra essa palavra. Por causa das razões de nosso coração sentimos que nossa visão de Deus se torna inquietante, caso Deus não ame sua criatura até renunciar a puní-la por meio de uma cruel separação; ela também é inquietante se Deus não salvar o amado sem tocar nem destruir sua liberdade(...). O Pai envia seu Filho sabe sempre que até o inferno é seu domínio e que a “porta da morte” é transformada em “porta da vida”. O homem nunca deve cair no desespero; ele pode cair apenas em Deus e é Deus quem jamais se desespera.10 O autor argumenta a questão da esperança falando do extremo da desesperança, o desespero, o inferno pessoal causado pela própria pessoa, por negar sua vocação inicial de criatura, filho de Deus. Mas há a misericórdia, e a de Deus é infinita, tão imensa que envia seu filho para salvar da morte a humanidade (cf.Jo 13,2-30). Deus nos escuta e está sempre ao nosso lado, mas respeita as nossas escolhas, quer ser amado em retorno, no entanto, nada pode fazer contra a nossa vontade, sua fidelidade amorosa o impede a ação. Daí o perigo de nossa onipotência, porque quando usamos e acreditamos em nossas próprias forças, ele nada pode fazer além de subtrair as suas e esperar que novamente encontremos o caminho na sua direção, nossa conversão. Aí ele pode agir, e com sua misericórdia, nos elevar com seu abraço de Pai misericordioso. 10 EVDOKIMOV, Paul. O Silêncio Amoroso de Deus (Tradução Ivo Storniolo): Aparecida/SP: Editora Santuário, 2007, p. 98-99. 14 Eis meu irmão um sacramento que lhe dou: que a misericórdia sempre pese mais em sua balança, até o momento em que você sentir em si mesmo a misericórdia que Deus tem pelo mundo.11 Nos momentos de grande crise e aflição, muitas vezes nos desesperamos e buscamos soluções imanentes, não admitindo não estar no controle, no comando da situação. Dessa forma não permitimos a leitura das possibilidades que suscitam nosso ser criativo não conseguindo ver a realidade diante de nós com maior clareza, não conseguindo enxergar a “luz no final do túnel”. Vale a pena então pensar na viúva de Sarepta (cf. 1Rs 17, 1-16) que como vimos anteriormente, não tendo mais condições de sobreviver a seca, prepara-se para fazer sua última refeição e aguardar a morte. Aparece então um forasteiro, Elias, que não traz presentes nem recursos materiais, muito ao contrário, a interpela a partilhar com ele ainda o pouco que lhe resta e ainda pede a prioridade de convidado. Traz, no entanto, consigo, a benção da esperança, da vida para ela e seu filho ainda menino. Quantas mães e mulheres de hoje que quando não abandonadas pelos maridos, sofrem o abuso ou o descaso de toda a sociedade? São essas as viúvas de Sarepta, que muitas vezes fazem o papel do próprio Elias, agindo em suas comunidades de forma proativa, testemunhando a ação do Espírito Santo de Deus não apenas em suas vidas, mas fazendo-o também presente em toda a comunidade. Mulheres que não se aprisionaram nos seus problemas pessoais, mas que lutam para a melhorar sua realidade mais ampla. Promovendo a vida, com movimentos de solidariedade e amor. São mães de família que as vezes sem dizer uma palavra, mas com o testemunho da condução da própria vida, de forma livre, coerente e responsável, encontram forças para não se abater, testemunhando a alegria da esperança em sua comunidade com seu exemplo. Mulheres que se esvaziam de seus sonhos e desejos e se colocam na luta para promover a vida, para ir em socorro daquele que sofre, do caído, que se esquecem muitas vezes da própria condição de dificuldade e conseguem olhar para baixo, para a dor de quem se encontra em um abismo maior. Por que creem, acreditam na ressureição, acreditam no Cristo esperança que ao ressuscitar dos mortos abriu a porta da felicidade, não há mais o medo da morte, não há mais o que temer, o túmulo se encontra vazio, porém cheio de sentido e esperança. 11 o Santo Isaac, o Sírio – Sentenças, n 48. Apud: EVDOKIMOV, Paul. O Silêncio Amoroso de Deus (Tradução Ivo Storniolo): Aparecida/SP: Editora Santuário, 2007, p.99. 15 Foi primeiramente em Jerusalém onde se encontraram os primeiros relatos sobre o túmulo vazio; algo que eles tomaram como confirmação para a fé escatológica de Jesus, que eles traziam. Conforme a análise da visão e aparição pascal, o sentido original da fé pascal faz no fato das testemunhas oculares terem visto o Jesus terreno, crucificado e morto, na glória do Deus que vem e tiraram as conclusões das experiências de chamado e envio. Então é preciso dizer que Jesus ressuscitou para o futuro de Deus e que ele foi visto e crido como representante presente desse futuro de Deus, do novo homem livre e da nova criação(...) Ele ressuscitou no “Juízo final de Deus”, do qual fé e querigma testemunham.12 A esperança cristã envolve o Cristo como um todo, em toda a sua integralidade: nascimento – encarnação – sua vida e missão, paixão, com todo o sofrimento que a envolve, morte e ressurreição – glorificação por Deus Pai. É a reflexão de todo o evento do Cristo que fundamenta o sentido e a esperança que é o próprio Cristo. Na visão pós-pascal do Cristo ressuscitado e que se percebe, se fecha toda a compreensão de sua pessoa, de sua missão, não é, portanto, em um aspecto ou outro isolado. O Cristo precisa ser lido e compreendido em sua integralidade para se poder perceber a redenção e salvação do ser humano trazida por ele por meio de seu amor obediente. Ele venceu a morte! O túmulo está vazio! Nele a morte perde seu sentido! 1 Cesse de perturbar -se vosso coração! Credes em Deus, credes também em mim. 2 na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos teria dito, Pois vou preparar-vos um lugar, 3 e quando eu for, e vos tiver preparado o lugar, Virei novamente e vos levarei comigo, afim de que, onde eu estiver, estejais também. 4 E para onde vou, conheceis o caminho. (Jo 14,1-4) Nessa compreensão faz-se necessário o movimento de quem crê, não se admite mais a esterilidade da semente, é preciso enxergar com os olhos da fé, é através desse olhar que se faz possível vislumbrar o futuro em Deus, um futuro com ele e nele, é necessário penetrar em sua realidade e viver já a promessa. 24 Em verdade, em verdade, vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, Permanecerá só; Mas se morrer Produzirá muito fruto. ( Jo 12,24) O vazio do túmulo não é ausência e sim presença que transborda barreiras, presença sem limites que invade o coração de todo que a ele busca, e que confia. É grito EVDOKIMOV, Paul. O Silêncio Amoroso de Deus (Tradução Ivo Storniolo): Aparecida/SP: Editora Santuário, 2007, p. 209/210. 16 de júbilo e de esperança. É experiência que faz esquecer protocolos e preceitos, que nos faz agir como Pedro em (cf. Jo 21,7) que ao perceber a presença do Senhor, atirou-se ao mar, mergulhando, para ir ao seu encontro em contraponto do mesmo Pedro que amando não compreendia e por isso afunda ao tentar caminhar em sua direção (cf. Mt 14,25-33). Agora, já não há mais o medo de se afogar, de se envergonhar, de morrer. O Cristo é referência, opção fundamental, caminho único a se seguir porque se percebeu que nele está a verdade e a vida! Não há então barreiras para o amor. Optar pelo Cristo é optar pelo Reino de Deus, é fazer dele também a nossa missão, é se converter em igreja que orienta e anuncia a esperança, o Cristo esperança que no vazio de uma sepultura abre a porta para a felicidade do encontro, fundamento de toda a criação, o encontro e o abraço com o próprio Deus. CONCLUSÃO “Andai como filhos da luz. Pois o fruto da luz consiste em toda bondade e justiça e verdade” (Ef 5,8b-9). A esperança cristã está diretamente ligada a proposta cristã de salvação. Não apenas na perspectiva da salvação em plenitude, quando Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28), mas salvação no cotidiano do dia a dia, em pequenas doses que revelam essa perspectiva. Uma salvação em forma de semente, que precisa ser plantada, semeada e cuidada para que seja frutuosa. É salvação iniciada, germinando como se uma árvore, que inicia sua existência na semente escondida na terra, mas que contém o potencial da árvore inteira contida em si. Assim como podemos pensar em todo o esforço da semente para chegar a luz do sol e se fazer broto, podemos pensar em desenvolver nossas potencialidades, nossos dons, nossos talentos, para também cumprirmos nossa verdadeira vocação. Vocação de filhos e amados, a imagem e semelhança do criador, que tem capacidade criativa e criadora. O Cristo, nossa esperança, rosto humano do Pai veio trazer, se tornar essa esperança anunciando e concretizando o Reino de Deus que é nossa responsabilidade fomentar e construir. Pela Cruz, nos liberta do medo, da morte, dos condicionamentos que aprisionam. Foi para a liberdade, que Cristo nos libertou (Gl 5,1) Paulo ainda nos exorta, a permanecer firmes sem nos deixarmos nos submeter ao jugo da escravidão. A escravidão dos condicionamentos e valores culturais destorcidos, de tradições 17 opressoras, do poder que subjuga e quer dominar, condicionados e acomodados a realidade do consolo material e do conforto, nos colocamos em situação de uma sobrevivência sem sentido, deixando a vida passar nos satisfazendo por prazeres passageiros e relações fugazes. No entanto, libertos, com o coração cheio da esperança que é o próprio Cristo, somos chamados a vida, nos tornamos viventes e agentes na história, trabalhando e respondendo por sua construção caminhando para o Reino. No Cristo encontramos o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14,6) caminho que leva a comunhão com o Pai e a unidade com ele. Vida que será plenificada, não substituída, onde teremos preservada nossa essência, aquilo que verdadeiramente somos, nossa identidade mais profunda, nossa perseidade. O que somos, acreditamos e fazemos não será descartado, esquecido ou abandonado em uma vida anterior, ao contrário, a responsabilidade de nossas atitudes nos constitui, nos modela e nos transforma. Daí a necessidade da opção fundamental pelo Cristo, e a necessidade de colocá-lo no centro de nossa existência. Para o cristão a vida é essa que se plenificará. É uma só e precisa ser vivida com responsabilidade e coerência, vida que será perpetuada e estendida à uma realidade que por ora não compreendemos por fugir a nossa capacidade. Encontramos aí caminhando juntos a esperança e o louvor, a fé na promessa, o reconhecimento e a gratidão de nossa criaturidade que nos permite a abertura e o diálogo silencioso com o criador, permitindo que ele se manifeste em nós, nos potencializando e conduzindo para a realização de seu projeto que é também o sonho e a felicidade de todo ser humano, a vida em plenitude, onde não há medo, não há morte, pois essa também foi vencida pela cruz e ressurreição do Cristo que pelo Pai foi assim glorificado. Esperança e louvor se encontram também unidos de maneira intrínseca na liturgia, oração pública e comunitária, lugar onde a Igreja reunida em ação de graças se abre ao diálogo e ao encontro com o Deus uno e trino da fé cristã. É lugar privilegiado onde pela ação ritual fazemos memória do Mistério Pascal, celebrando a encarnação, vida paixão morte e ressurreição do Cristo que é o próprio Deus. Nos colocando então em postura de escuta e resposta, em diálogo com Deus Criador e Salvador que ama seu povo e quer permanecer no meio dele se manifestando pelo seu Espírito como alimento, em comunhão, dividindo com ele suas dificuldades, angústias, desafetos e aflições, trazendo consolo e sinalizando novas possibilidades, perspectivas de esperança de um 18 mundo novo (cf. Jo1,51) fundamentado na promessa do Antigo testamento renovada pela cruz de Cristo. 8 Lembra-te de Jesus Cristo, Ressuscitado dentre os mortos, da descendência de Davi. (...) 11 Fiel é esta palavra: Se com ele morremos,Com ele viveremos. 12 Se com Ele sofremos, com ele reinaremos. Se nós o renegamos, também ele nos renegará. 13 Se lhes somos infiéis,Ele permanecerá fiel, pois não pode renegar-se a si mesmo. (2Tm 2,8.11-13) A maioria das religiões e culturas por mais diferentes que sejam uma das outras têm em comum a crença na vida após a morte ou em um porvir ou uma continuidade, vida eterna. No cristianismo, no entanto, há a crença em uma vida em continuidade com essa que já vivemos, que vai se constituindo, se desenvolvendo em processo crescente, a caminho da plenitude que já é iniciado em nossa existência terrena, que no porvir, será alcançada com a completude de nossas realizações como seres humanos que somos. Em comunhão com o Criador. Ajudar construir um mundo melhor e mais justo, trabalhar para isso, é então necessidade, é obrigação de todos, procurar realizar mudanças mesmo que pequenas no momento, mas que germinam como a erva que se espalha sobre a terra, reverbera e aquece os corações trazendo vida. Pequenas ações e atitudes irradiam e podem alcançar distâncias inimagináveis, devido ao tamanho e ao poder da graça e do amor de Deus. A semente de mostarda, a menor de todas as sementes se transforma na maior das hortaliças, grande o suficiente para abrigar os ninhos dos pássaros (Mt 13,31-32). As leituras dos dois autores por nós escolhidos, nos trazem a luz para o sentido da esperança ligada ao louvor, louvamos o que amamos, amamos o que conhecemos. É somente no amor que podemos esperar no que não conseguimos explicar, somente no amor encontramos a fé que nos anima e nos dá coragem de traçar nossa história rompendo barreiras, vencendo obstáculos, como o objetivo de encontrar o amado. Somente assim temos a coragem amorosa de seguir adiante na fé rumo a promessa com a fidelidade que se torna identidade. REFERÊNCIAS: MOLTMANN, Jürgen – O Deus Crucificado – A cruz de Cristo como base crítica da teologia cristã – tradução: Juliano Borges de Melo – Santo André (S.P.), Academia Cristã; 2014 19 EVDOKIMOV, Paul – O Silêncio Amoroso de Deus – Tradução Ivo Storniolo – Aparecida; S.P. Editora Santuário; 2007. 20