BULLYING: COMO IDENTIFICAR E LIDAR COM ESSE ASSUNTO? ARTIGO POR JOSETH JARDIM MARTINS Embora no senso comum, o termo bullying pareça usual e sua pronúncia, na grande maioria das vezes, articulada corretamente, o conhecimento sobre sua definição nem sempre corresponde à utilização da expressão. O que significa dizer que o bullying ainda é um fenômeno que exige melhor entendimento por parte das pessoas de modo geral. Por essa razão, o presente artigo tem como propósito discorrer sobre o bullying como um fenômeno de grande complexidade cujas dimensões atingem, direta ou indiretamente, pessoas de diferentes idades e níveis de escolarização. A princípio, é oportuno ressaltar que, embora estejamos diante de uma nova terminologia, o bullyingnão é um fenômeno atual. Recentemente, eu e a psicóloga Raquel Kämpf escrevemos um livro sobre o tema¹, no qual abordamos essas questões, ou seja, o fato de existir na literatura registros sobre comportamentos dessa natureza desde épocas remotas, embora o que chama a atenção nos dias atuais é a quantidade de ocorrências desse tipo de violência, principalmente no âmbito escolar, que é onde o fenômeno tende a ganhar maior visibilidade. Na atualidade, também, deparamo-nos com situações que sugerem o uso indiscriminado do termo, resultando na falsa ideia de qualquer ocorrência de agressividade ser taxada como bullying. Cabe esclarecer aqui que o bullying é um conceito polissêmico e, por isso, deve necessariamente ser compreendido na relação com uma conjunção de elementos que favorecem a sua manifestação. Em outras palavras, nem toda atitude agressiva e/ou violenta que ocorre no âmbito da escola deve ser identificada como bullying, isso porque, agindo dessa maneira, iremos promover a exacerbação do termo sem a devida compreensão do que é o fenômeno em si. Nessa linha de raciocínio, segue um conceito de bullying que esclarece de maneira pontual o fenômeno e suas manifestações: [...] Bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivação evidente,adotado por um ou mais alunos contra outro(s),causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações,apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente,acusações injustas, atuações de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos físicos,morais e materiais [...]².( p. 28 – grifo da autora) A definição da autora esclarece desde o início uma das principais características do bullying, ou seja, o fato de ele se manifestar de maneira intencional e repetidamente, com o agravante de o agressor não ter motivação evidente para praticar o ato agressivo. A compreensão do conceito, portanto, tende a contribuir para que as pessoas não saiam por aí apontando qualquer atitude hostil como se fossebullying. Em outras palavras, para identificar o bullying, é preciso saber mais sobre ele e quais são as principais formas de manifestação do fenômeno. Diante disso, julga-se ser interessante abordar aqui as principais formas de manifestação do bullying. A literatura especializada sobre esse assunto aborda basicamente três tipos de bullying, que podem ser resumidos da seguinte maneira: 1)bullying Direto.Essa forma de bullying é visualmente possível de ser identificada porque o agressor age de forma deliberada, batendo, ameaçando, roubando, estragando objetos pessoais de outrem, ou mesmo obrigando a vítima a realizar tarefas ou atividades contra a sua vontade. 2)bullying Direto e Verbal. Caracteriza-se por englobar comportamentos do tipo:insultar, usar expressões ou nomes pejorativos em relação a outrem, gozar, fazer comentários racistas ou discriminatórios diante de outras pessoas,evidenciar defeitos e ou qualquer tipo de deficiência da vítima. 3)bullying Indireto. Está relacionado às situações que envolvem: excluir alguém sistematicamente do grupo de pares, ameaçar com frequência a perda da amizade ou a exclusão do grupo de pares como forma de obter algo do outro ou como retaliação de uma suposta ofensa prévia, espalhar boatos sobre os atributos e/ou condutas de alguém. O bullying virtual ou ciberbullying está relacionado à prática do bullying indireto,uma vez que o agressor utiliza-se de ferramentas tecnológicas –tais como celulares, filmadoras e a internet para ameaçar, intimidar, coibir, ridicularizar e hostilizar a vítima. A descrição dos tipos de bullying contribui para que seja possível a identificação do problema e, mais especificamente, para o entendimento da gravidade do fenômeno, posto que, ao pensarmos na condição daquele que pratica, bem como na condição da criança e jovem que é vítima desse tipo de agressão, e, ainda, na condição daqueles que se tornam expectadores dos atos praticados, importa reconhecermos que todos os envolvidos precisam de ajuda. Por outro lado, essa atitude demonstra que devemos encarar o problema realisticamente, ou seja, não é possível negar o fato de que a escola convive de maneira direta ou indireta com o bullying, o que significa dizer que o conhecimento acerca do tema favorece o desenvolvimento de atitudes e posturas que coíbem esse tipo de prática, do mesmo modo que contribui para desmitificar o tema. De fato, não podemos sair por aí destacando cada atitude agressiva como se fosse bullying, mas, por outro lado, não devemos ser levianos ao concebermos esse tipo de prática como se fosse um “rito de passagem”. Em outras palavras, o conhecimento contribui para não minimizarmos e também não exacerbarmos o problema, que é complexo por si mesmo. É importante distinguirmos e identificarmos os casos de bullying, porque além de existirem casos muito graves, a escola e a família têm sua parcela de responsabilidade, quando da manifestação desses casos, portanto, a omissão, não é a alternativa coerente. Estamos vivenciando um momento histórico, em que será necessário o desenvolvimento de políticas públicas cujo propósito seja trabalhar na prevenção e combate ao bullying. Mais do que de medidas pontuais, precisamos de iniciativas que agreguem diferentes setores da sociedade em busca de soluções para um problema que é social. Quando na escola são identificados casos de bullying, é preciso considerar o fato de que ela tem responsabilidade em lidar com isso. Portanto, deverá estar ancorada suficientemente em termos teóricos, e em relação às iniciativas a serem tomadas, para que o problema seja revertido. Na atualidade, há um grande contingente de projetos e outras iniciativas no contexto escolar, cujo objetivo é combater e/ou minimizar a prática do bullying; não obstante, nem sempre as informações referentes aos trabalhos realizados são disponibilizadas a outros interessados em conhecer o assunto. Mais do que nunca, a escola precisa revisitar a sua missão precípua, que é a de promover o conhecimento e formar cidadãos competentes para atuar na sociedade. Mas, para que isso aconteça,deve estar mais bem instrumentalizada para lidar com as intercorrências que têm lugar em suas dependências, tais como indisciplina, agressividade, maus-tratos, preconceito, violência física e psicológica, elementos esses que, de maneira isolada ou conjunta, podem camuflar a manifestação do bullying. De acordo com a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia), algumas atitudes podem ser tomadas para tornar o ambiente da escola saudável: Conversar com os alunos e escutar atentamente reclamações ou sugestões relacionadas aobullying. Estimular os alunos a informar casos de bullying. Reconhecer e valorizar as atitudes dos alunos no combate ao problema. Criar com os estudantes regras de disciplina para a classe, em conformidade com o regimento escolar. Estimular lideranças positivas entre os alunos. Interferir diretamente nos grupos, o quanto antes, para quebrar a dinâmica do bullying. Cabe pensar em uma escola promotora de atividades que fortaleçam os vínculos relacionais e afetivos entre alunos, professores e demais profissionais, possibilitando o desenvolvimento do sentimento de solidariedade, da confiança mútua, da alteridade e do respeito. Por fim, defende-se aqui a perspectiva de que lidar com o bullying não é uma tarefa fácil, no entanto, ela precisa ser assumida, de maneira responsável, solidária e conjunta. Por outro lado, é preciso que haja uma conscientização cada vez maior da responsabilidade de cada um de nós na manifestação do problema, posto o bullying não ser algo que se desenvolveu de maneira isolada, à parte, que quando analisamos friamente o que leva um ser humano a ferir, magoar, coagir e intimidar outro ser semelhante a ele, o mecanismo que desencadeia tal atitude, desvela, em muito, o lado sombrio, duro e difícil que se aloja no interior do ser, revela, por outro lado, uma faceta da barbárie humana, das diferentes maneiras de interações que estão se estabelecendo em função do avanço econômico, tecnológico e social. Portanto, agressores, vítimas e expectadores, cada um a sua maneira, estão sinalizando que algo não está bem, não no sentido patológico, mas no sentido mais amplo, que exige uma análise contextualizada social, histórica, econômica e cultural. Grande parte das vezes, é no ser humano que o sensor do mal-estar social será acionado, é no corpo físico, e na maneira de atuar com ele que teremos condições de avaliar quais são os princípios e valores eleitos por uma dada sociedade, e, em consequência, quais são os limites (dos limites) impostos por essa mesma sociedade, para nos relacionarmos. Para finalizar, um pensamento sensível, que oferece um cabedal de informações possíveis de serem refletidas em termos do que pretendemos quando pensamos em que ser humano formar... até porque, quando falamos sobre bullying, estamos nos referindo de maneira direta sobre a formação do indivíduo. Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo. Agora, a argila de que és feito já secou e endureceu e nada mais poderá despertar em ti, o místico adormecido, o poeta ou o astrônomo que talvez te habitassem. (Exupéry) ¹ Preconceito & Repetição: Diferentes maneiras de entender o bullying. Curitiba: Positivo, 2014. ² FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Versus,2005.