1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE JORNALISMO MIKELANE EVERLLYN ALVES LOURENÇO REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO NEGRO NA TELENOVELA ―DA COR DO PECADO‖ FORTALEZA 2013 2 MIKELANE EVERLLYN ALVES LOURENÇO REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO NEGRO NA TELENOVELA DA COR DO PECADO Monografia apresentada no curso de graduação à Faculdade Cearense, para conclusão do curso de Jornalismo. Orientação: Prof. Henrique Pereira FORTALEZA 2013 3 MIKELANE EVERLLYN ALVES LOURENÇO REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO NEGRO NA TELENOVELA DA COR DO PECADO Monografia apresentada à Faculdade Cearense, no curso de graduação para conclusão do curso de Jornalismo. Data da Aprovação ___/___/____ BANCA EXAMINADORA Professor Henrique Pereira (Orientador) – FaC Professor Normando – FaC Professora Maria Elia – FaC 4 Dedico aos meus pais José Arilton e Francilene Alves 5 AGRADECIMENTOS Quero agradecer primeiramente a Deus, por me dar forças e não me deixar desistir. Aos meus pais, Francilene Alves e Lourenço, pelo incentivo a fazer e a me dedicar a faculdade, por me ajudarem até aqui e pela educação que me proporcionaram durante toda a minha vida, e aos meus irmãos, Mykael Alves e Pedro Miguel. Quero agradecer também as minhas amigas e companheiras de curso Patrícia Castro, Ana Patricy, Jardeline dos Santos, Sabrina Freitas, Emilian Fereira e Aniele Gurgel que apesar de termos nos distanciado no período de conclusão desta monografia, sei que sempre torceram pelo meu sucesso. Agradeço a minha prima, Rochelle, e ao meu namorado, João Paulo, que me ajudaram e oraram por mim durante todo esse período e me estimularam a não desistir. Ao meu orientador Henrique Pereira, pela paciência e dedicação ao me ajudar a concluir este trabalho, gostaria de dizer foi um ótimo exemplo pra mim. Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram e torceram pela minha conquista. 6 RESUMO Esta pesquisa é sobre a forma que o negro é representado pela teledramaturgia brasileira, tendo como objeto de estudo a telenovela ―Da Cor do Pecado‖ de João Emanuel Carneiro reapresentada em 2012. Discute-se primeiramente o conceito de representação social, estereótipo e identidade, abordando questões como o avanço do negro na sociedade. Apresentam-se, em seguida, a história da televisão brasileira e da telenovela, relatando também as primeiras participações do negro na telenovela e o negro sendo visto como protagonista. Debate-se a forma de como o negro é representado, onde veremos que apesar do avanço ainda existe a questão do preconceito tanto na sociedade como também na televisão.Consideramos que o negro ainda passa por muitas questões de preconceito ainda hoje, apesar de sermos um país mestiço ,a sociedade ainda vive com base na discriminação racial. Palavras-chave: Representação social; Telenovela; Negro. 7 ABSTRACT This research is about the way that the black is represented by the Brazilian drama, having as object of study the soap opera ―Da Cor do Pecado‖ of João Emanuel Carneiro resubmitted in 2012. We discuss first, the concept of social representation, identity, stereotype and addressing issues such as the advancement of blacks in society. We present then the history of Brazilian television and soap opera, reporting the first appearances of black in the soap opera and the black being seen as protagonist. Debate how the black is represented, where we see that despite the progress there is still the question of prejudice both in society and on television. We believe that the black still goes through many issues of prejudice even today, despite being a country mestizo, society still lives on the basis of racial discrimination. Keywords: Social representation; Soap opera; Black. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADRO 1 Linhas de estudo das representações sociais. (Elaboração própria)........ 16 FIGURA 1 Cena do café da manhã entre os personagens Afonso, Raí e Otávio...... 46 FIGURA 2 Cena em que o personagem Dodô é convidado para chantagear Preta... 47 9 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10 2. REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO NEGRO................................................................. 12 2.1 Processos Metodológicos ............................................................................................ 12 2.2 O que é representação social ...................................................................................... 14 2.2.1 A representação social do negro ................................................................................. 18 2.3 O negro na história do Brasil ...................................................................................... 19 2.3.1 O avanço na história dos negros ................................................................................. 20 2.4 Estereótipo .................................................................................................................. 22 2.5 Identidade .................................................................................................................... 23 2.5.1 Identidade Negra ........................................................................................................ 24 3. O PODER DA TELEVISÃO .....................................................................................26 3.1 História da Televisão no Brasil ................................................................................... 26 3.2 O Poder da Televisão e sua influência na sociedade .................................................. 28 3.3 A História da Telenovela ............................................................................................ 29 3.4 O Negro na Telenovela: primeiras participações ........................................................ 32 3.5 O Negro como Protagonista .........................................................................................36 4 ANÁLISE DE CONTEÚDO .................................................................................... 38 4.1 Construção da Análise .................................................................................................39 4.2 Corpus da Análise ....................................................................................................... 41 4.3 Descrição da Telenovela ............................................................................................. 41 4.3.1 Capítulo exibido em 19/10/12 ..................................................................................... 44 4.3.2 Capítulo exibido em 24/10/12 ..................................................................................... 45 4.3.3 Capítulo exibido em 26/10/12 ..................................................................................... 45 4.3.4 Capítulo exibido em 31/10/12 ..................................................................................... 46 4.4.5 Capítulo exibido em 02/11/12 ..................................................................................... 47 4.3.6 Capítulo exibido em 07/11/12 ..................................................................................... 47 4.4. Resultados da Análise ................................................................................................. 48 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 51 6 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 53 10 1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem por objetivo analisar a forma como o negro vem sendo representado na mídia, impulsionando a debates sobre a questão racial na mídia televisiva, pois é perceptível que no Brasil este é o principal espaço para construção de identidades, atraindo a sociedade e a envolvendo em diversos temas sociais. Outros temas também serão abordados e estudados, como as representações sociais. As primeiras teorias sobre esse tema surgiram com Serge Moscovici em 1961, com a obra ―A psicanálise, sua imagem e seu público‖. Atualmente é a base para diversos trabalhos científicos e de análise no campo das ciências sociais. Jodelet também deu sua contribuição com obras como ―As representações sociais‖ (2001) e a mais recente, ―Loucuras e representações sociais‖ (2005). Com isso, neste trabalho será abordado a forma como o negro se encaixa na teledramaturgia brasileira, como é representado e como vem a ser recepcionado pela sociedade. Abordaremos através da telenovela ―Da Cor do Pecado‖, do autor João Emanuel Carneiro, reapresentada pela Rede Globo, de setembro de 2012 a março de 2013, no programa Vale a Pena Ver de Novo, as questões sobre representação social do negro, como eles são representados, mostrando a forma como uma protagonista negra vem a ser representada pela mídia. Pretendo neste trabalho analisar situações de racismo e branquitude retratadas nesta telenovela. A proposta é analisar como a primeira protagonista negra da Rede Globo, interpretada por Taís Araújo é representada para a sociedade. Mostrando quais os problemas sofridos por ela e também por outros personagens negros durante a trama, e pelos personagens brancos também. No primeiro capítulo será feito um estudo inicial mostrando o que vem a ser representação social, a representação social do negro, o conceito de estereótipo e também de identidade e identidade negra. Será feito um levantamento sobre o histórico e avanço da história dos negros na sociedade, mostrando também um pouco do negro na história do Brasil. O capítulo mostra a problemática dos negros, a partir de dados e da história, como que os negros correspondem a mais da metade da sociedade brasileira e mesmo assim ainda sofrem com a discriminação, preconceito e a desigualdade social. No segundo capítulo, analisaremos um histórico sobre a televisão e a teledramaturgia no Brasil e sobre o espaço que os negros ocuparam nessa programação televisiva que virou 11 uma paixão entre os brasileiros. Mostraremos também o poder que a televisão exerce sobre a vida da sociedade. Já no terceiro capítulo, entraremos no corpus do trabalho realizando uma análise de conteúdo. Será feita uma análise de algumas cenas da novela Da Cor do Pecado, procurando mostrar se o fato de a personagem principal ser negra influenciou em algum momento, sem deixar de avaliar também a forma da representação dos outros personagens negros da trama. A televisão brasileira já tem em sua programação uma falta de bom senso, onde não mostram as riquezas em etnias que temos. O que impera na mídia, como telejornais, comerciais, filmes e principalmente nas telenovelas é a imagem do branco. É difícil lembrarse de algum profissional negro no telejornalismo além de Glória Maria e Heraldo Pereira da Rede Globo e na teledramaturgia. 12 2. REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO NEGRO Neste capítulo, primeiramente, iremos definir o conceito de representações sociais, utilizando como referência principal os estudos de Moscovici (1989; 2009) e, posteriormente, estudaremos as representações sociais dos negros, que são um dos principais objetos de estudo deste trabalho, além disso, definiremos também os conceitos de estereótipo e identidade. Para entrar nas questões de identidade do negro, falaremos também sobre um breve histórico do negro no Brasil. Buscaremos identificar se houve ou não avanços na sua história do dentre a sociedade brasileira. 2.1 Processos metodológicos Busco através deste trabalho mostrar a forma como o negro é representado na telenovela ―Da Cor do Pecado‖ do autor João Emanuel Carneiro, exibido na Rede Globo de Televisão, em 2004. A pesquisa exigiu a construção e reconstrução de procedimentos teóricos e metodológicos, concordando com a afirmação de Bourdieu (2004). A construção do objeto [...] não é uma coisa que se produza de uma assentada, por uma espécie de ato inaugural, e o programa de observações ou de análises por meio do qual a operação se efetua não é um plano que se desenhe antecipadamente à maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas, sugeridos por o que se chama ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas. (BOURDIEU, 2004, p. 2627). Também concordando com o referido autor no uso de técnicas de coleta de dados para a construção do objeto, que é algo que não conseguimos distinguir de início e sim com os dados que vão sendo utilizados. Para fundamentar a discussão sobre representação social, estereótipo, identidade, sobre a história da televisão e o avanço dos negros na sociedade e na teledramaturgia, realizei uma pesquisa bibliográfica que incluiu publicações e artigos científicos, dentre os quais podemos destacar: Stuart Hall (2003), e Sodré (2000) acerca dos processos de formação/afirmação da identidade; fazendo interface com a questão da imagem, 13 representação, e estereótipo pelas telenovelas; Moscovici (1989; 2009) e Jodelet (2002) sobre representação social: o estudo de Araujo (2004) sobre a presença do negro na teledramaturgia brasileira. É realizada uma pesquisa qualitativa, pois é uma técnica onde podemos identificar outra forma de abordagem promissora que possibilita uma maior investigação. (...) Alternativamente, a abordagem qualitativa (...) baseia-se em perspectivas construtivistas ou participativas. Utiliza estratégias de pesquisa como narrativas, fenomenologias, etnografias, estudos de grounded theory ou estudos de caso. O pesquisador coleta dados não estruturados e emergentes (...). (CRESWELL, 2003, p. 19-20). Nesta pesquisa foi analisado o conteúdo da novela, para através disto conseguir mostrar como é construída a imagem do negro e a evolução dos personagens que foram analisados. Possibilitando também encontrar respostas para os questionamentos feitos do projeto de pesquisa. A análise de conteúdo, segundo Bauer (2009), é um procedimento metodológico onde o texto desenvolvido é analisado dentro das ciências empíricas A pesquisa desenvolvida é do tipo exploratório, pois tem como objetivo familiarizar o problema e torná-lo mais explícito. De acordo com Selltiz (1967) uma pesquisa de teor exploratório envolve entre outras coisas levantamento bibliográfico e análise de exemplos que estimulem a compreensão. Foram analisados seis capítulos da novela, exibidos no período de 19 de outubro de 2012 a 7 de novembro do mesmo ano, onde tirei as conclusões sobre a forma que é retratado o negro durante os capítulos. Levando em conta os critérios utilizados pelo autor para que o negro em destaque na pesquisa, a personagem ―Preta‖, que é a primeira protagonista negra da Rede Globo de Televisão. Veremos a questão de representação social, o conceito dado por Serge Moscovici e Jodelet. Fez-se necessário realizar uma pesquisa sobre conceitos de estereótipo e identidade, como também estudos sobre os avanços do negro na teledramaturgia. Como já foi citada, a novela analisada é a Da Cor do Pecado de João Emanuel Carneiro, que foi reapresentada no programa Vale a Pena Ver de Novo no ano de 2012, é uma novela que teve como um de seus protagonistas uma atriz negra, analisarei a forma de representação dos atores negros principais, mostrando como o ator negro estava sendo retratado pela telenovela. 14 2.2 O que é representação social? Para Moscovici (1989), as representações são fenômenos complexos que extrapolam categorias puramente lógicas e invariantes. Organizam-se como um saber acerca do real que se estrutura nas relações do homem com este mesmo real: [...] reconhecendo que as representações são ao mesmo tempo geradas e adquiridas, retirasse-lhes este caráter preestabelecido, estático, que elas tinham numa visão clássica. Não são os substratos, mas as interações que contam (MOSCOVICI, 1989, p.82). Serge Moscovici (1989) é um representante da escola psicossocial construtivista francesa, desenvolveu a teoria das representações sociais, no livro Psychanalise, son image et son public, publicado no Brasil em 1978, sob o título Representação Social e Psicanálise.. Moscovici teve seu campo de estudo nessa obra nas representações sociais com a perspectiva sociológica e psicológica (FARR, 1994). Em sua obra adotou o ponto de vista sociológico e reconheceu no pensamento de Durkheim um importante marco para seu esforço de teorizar as representações, que antes eram denominadas ―representações coletivo‖ e de agora em diante passaria a serem denominadas ―representações sociais‖. É óbvio que o conceito de representações sociais chegou até nós, vindo de Durkheim. Mas nós temos uma visão diferente dele [...]. Sua função teórica era semelhante à do átomo [...]. Do mesmo modo, sabia-se que as representações existiam na sociedade, mas ninguém se importava com sua estrutura ou com sua dinâmica interna. [...] Assim, o que eu proponho fazer é considerar como um fenômeno o que era antes visto como um conceito (MOSCOVICI, 2009, p.45). Moscovici apresenta em suas reflexões Durkheim como ponto de partida, mostrando que seus objetivos se diferenciam dos de seu autor. Enquanto Durkheim se interessava pela estabilidade das representações coletivas e o poder de coerção social, integrando a sociedade como um todo homogêneo, Moscovici se preocupava com o estudo da diversidade das representações e das idéias coletivas, característica da heterogeneidade da sociedade moderna (DUVEEN, 2009). Em sua pesquisa Moscovici (1989) retrata bem o movimento dialético que a teoria produz, uma vez que: As representações sociais individuais ou sociais fazem com que o mundo seja o que pensamos que ele é ou deve ser. Mostrando que, a todo instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona e alguma coisa presente se modifica. (MOSCOVICI, 1989, p.59) 15 Émile Durkheim afirma que a representação feita pelo grupo ocorre ―até mesmo pela maneira como se dispõe territorialmente, face à realidade. E suas formas organizacionais da vida social, além de mediações empíricas, são portadoras de uma ideologia implícita, que forma um arcabouço interno‖ (DURKHEIM apud RODRIGUES, 1990, p. 22). Enquanto Moscovici enfatiza a verbalização, por isso utiliza a entrevista como seu instrumento metodológico mais importante. A teoria das representações sociais baseia-se na realização e análise de entrevistas qualitativas e as representações de Durkheim (1970, p. 39) afirma que elas: [...] são exteriores com relação às individuais, é porque não derivam dos indivíduos considerados isoladamente, mas de sua cooperação, o que é bastante diferente. Naturalmente na elaboração do resultado comum, cada qual traz a sua quota-parte; mas os sentimentos privados apenas se tornam sociais pela sua combinação, sob a ação de forças sui generis, que a associação desenvolve; em consequência dessas combinações e das alterações mútuas que delas decorrem, eles se transformam em outra coisa. (DURKHEIM, 1970, p. 39) As representações coletivas não são frutos da elaboração de cada indivíduo, mas sim da união de vários indivíduos. Com isso Moscovici busca analisar pequenos grupos urbanos, ao invés de uma sociedade, como nas análises de Durkheim. A expressão "representação social" foi mencionada pela primeira vez por Serge Moscovici (1989), onde seu estudo é baseado na representação social da psicanálise em 1950. Nas suas pesquisas ele apresenta os resultados, procurando compreender de que forma a psicanálise adquiriu um novo significado para os grupos populares. As representações sociais vêm a partir de um processo sempre atuante, desencadeado pelas ações coletivas dos indivíduos, porém passam a refletir nas relações estabelecidas dentro e fora do grupo, no encontro com outros indivíduos ou outros grupos sociais. Como resultante temos que a ação dos indivíduos é caracterizada pelas representações sociais que seu grupo elaborou. Depois de Moscovici, outros pesquisadores, como Jean-Claude Abric e Denise Jodelet, por exemplo, desenvolveram metodologias e agregaram novas formas de abordagem. Jodelet sintetiza em seis perspectivas as principais linhas de estudo das representações sociais (SÁ, 1998): 16 Perspectiva Em Linha de estudo uma perspectiva, é primeira dada ênfase A transformação dessa à representação em social se dá a atividade estritamente cognitiva por partir de duas dimensões: a de meio da qual uma representação é contexto e a de pertencimento. construída pelo sujeito. A segunda perspectiva é O sujeito é considerado como aquela que acentua os aspectos mais um produtor de sentido, exprimindo significativos na representação o significado que da atividade representativa. empresta à sua experiência no mundo social. A terceira trata a Decorrendo suas representação como uma forma de características da prática discursiva discurso de sujeitos socialmente situados. A quarta abordagem leva em Pressupondo que as consideração de forma privilegiada a representações refletem as normas prática social do sujeito institucionais dadas pela posição ou pelas ideologias ligadas ao lugar ocupado pelo sujeito. A quinta considera o jogo intergrupais determinante perspectiva das relações como da dinâmica sendo das O desenvolvimento das interações intergrupais é visto como fortemente influente nas representações que os membros têm representações. de seu grupo e de outros grupos. A sexta abordagem é aquela que se caracteriza como mais A base representativa da atividade situa-se, nessa sociologizante, fazendo do sujeito perspectiva, sobre a reprodução de um pensamentos portador sociais. de determinações socialmente estabelecidos. Quadro 1: Linhas de estudo das representações sociais. (Elaboração própria) 17 As perspectivas existentes nos mostra a expansão dos estudos das representações sociais e as diferentes possibilidades que podem ser encontradas nessa Teoria. Tais abordagens não são incompatíveis entre si, já que são todas provenientes de uma mesma matriz básica (ARRUDA, 2002; SÁ, 1998). Jodelet (2002) tem uma das definições mais consensuais sobre representação social, que diz: As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. (JODELET, 2002, p.22) A autora também retrata que a representação social deve ser estudada desenvolvendo os elementos efetivos, sociais e mentais, integrando as relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideal sobre a qual elas vão intervir (JODELET, 2002). A partir da analise de um quadro do pintor René Magritte, Moscovici (2009) onde aparece a figura de um cachimbo e dentro dessa figura a ilustração de outro cachimbo, podese perceber a noção de representação social, e é possível afirmar que: Encontramos-nos, por vezes, em um dilema onde necessitamos um ou outro signo que nos auxiliará a distinguir uma representação de outra, ou uma representação do que ela realmente representa, isto é, um signo que nos dirá ‗Essa é uma representação‘ ou ‗Essa não é uma representação‘. O pintor René Magritte, ilustrou tal dilema com perfeição em um quadro em que a figura de um cachimbo está contida dentro de uma figura que também representa um cachimbo. Nessa figura dentro da figura podemos ler a mensagem ―Esse é um cachimbo‖, que indica a diferença entre os dois cachimbos. Nós nos voltamos então para o cachimbo ―real‖ flutuando no ar e percebemos que ele é real, enquanto o outro é apenas uma representação. Tal interpretação é incorreta, pois ambas as figuras estão pintadas na mesma tela, diante de nossos olhos. A idéia de que uma delas é uma figura que está, ela mesma dentro de uma figura e por isso um pouco ―menos real‖ que a outra é totalmente ilusória. Uma vez que se chegou a um acordo de ―entrar na moldura‖, nós já estamos comprometidos temos de aceitar a imagem como realidade. (MOSCOVICI, 2009, p.32 e 33). Para Bourdieu (2007), as representações sociais são determinadas por interesses de grupos. A ideia de suas obras contribui para uma formulação renovada, sendo o oposto de representações. De acordo com o autor era preciso incluir no real as representações do real, pois ―[...] a representação que os indivíduos e os grupos exibem inevitavelmente através de suas práticas e propriedades faz parte integrante de sua realidade social‖. (BOURDIEU, 2007, p. 447). 18 Bourdieu (2007) também aborda em sua obra um conceito que ajuda a compreender as representações feitas pelo ―branco‖ sobre o ―negro‖ é a idéia de violência simbólica, ou seja, a dominação de um grupo sobre outro por meio de símbolos e palavras. 2.2.1 A representação social do negro As representações sociais nos leva a pensar no passado e vê o reflexo do presente, relações de símbolos e imagens que ainda hoje fazem parte da nossa realidade, que perpetuam no imaginário social seja por concepções de raça, cor, etnia, classe, religião gênero, ou seja, representam conhecimentos de si e dos outros que refletem no nosso cotidiano. As representações sociais revelam os significados das experiências culturais, podemos assim considerar o negro como ser histórico, político e social se analisarmos as suas relações com o mundo. Mas devemos ressalta-se que a imagem do negro que foi construída no decorrer da história, tanto político como socialmente, demarcou um contexto de desigualdades, nascendo a partir do regime escravocrata, que instituiu ao negro a condição subserviente, sendo subjugado pela sociedade dominante (Skidmore, 1976). De acordo com Santos e Silva (2006) desde o regime escravocrata, no Brasil, o preconceito e a discriminação racial perpetuaram, deixando o atraso cultural, em função das desigualdades culturais, econômicas e culturais. É o que também podemos perceber do sociólogo brasileiro Carlos Hasenbalg (2005) que afirma: O preconceito e a discriminação racial aparecem no Brasil como consequências inevitáveis do escravismo. A persistência do preconceito e discriminação após a destruição do escravismo não é ligada ao dinamismo social do período pós-abolição, mas é interpretada como atraso de fenômeno cultural, devido ao ritmo desigual de mudança das várias dimensões dos sistemas econômico, social e cultural. (HASENBALG, 2005, p.80). Tudo isso criou a imagem do negro e contribuiu para que fosse cada vez mais estereotipada, desvalorizando o negro socialmente, politicamente, culturalmente e economicamente, mostrando como o Brasil tem desvalorizado e excluído a raça negra, desvalorizando-a também no ambiente escolar. É perceptível que as políticas públicas educacionais não favorecem de forma igualitária aos alunos negros. Para Antônio Guimarães (1999) o racismo e a discriminação não existem entre si, mas são apoiados na representação social, construída a partir da 19 convivência dentro de um grupo e da relação social. Para Michael Hanchard: [...] ser negro na sociedade brasileira, por exemplo, geralmente significa ter um padrão de vida inferior e menos acesso a serviço de qualidade nas áreas de saúde e educação do que os brancos, mas significa também criminalidade, licenciosidade e outros atributos negativos considerados inerentes as pessoas de ascendência africana. (HANCHARD, 2001, p.30) Com isso ―a escola continua reproduzindo e legitimando as desigualdades sociais, alimentando o sistema simbólico e garantindo as diferenças no espaço escolar‖ (BOURDIEU, 2007, p.8). 2.3 O negro na história do Brasil O Brasil é um país mestiço tanto culturalmente como biologicamente, é perceptível o resultado das trocas genéticas entre grupos catalogados como raciais. Ser negro significa o resultado da escolha da identidade racial, sendo assim um posicionamento político, onde se assume a identidade racial negra. Existe uma indagação sobre ser negro no Brasil, se existe uma diferença em outros lugares. A cultura negra é vista em alguns continentes e é notável a diferença da cultura dos negros de outros países. As realidades não são as mesmas, considerando o fato de, no Brasil, o negro trabalhar para manter o bem-estar da classe dominante, desde o início da história, perpetuou uma ética conservadora e desigualitária. Carl Friedrich Phillippe Von Martius, etnólogo austríaco, responsável pela forma da descrição da história nacional, em um trecho de "Como se deve descrever a história do Brasil", ele deixa explícito a ideia da superioridade da raça branca sobre as outras: Qualquer um que se encarregue de escrever a História do Brasil, país que tanto promete, jamais deverá perder de vista quais os elementos que aí concorreram para o desenvolvimento do Homem. (...) três raças, a saber: a de cor de cobre ou americana, a branca ou caucasiana e enfim, a preta ou etiópica. Do encontro, da mescla (...) dessas três raças, formou-se a população atual, cuja história por isso mesmo tem um cunho muito particular. (MARTIUS, 1982, p. 87) Martius (1982) considera importante o estudo da raça negra, como costumes, opiniões civis, seus conhecimentos naturais, preconceitos e superstições, defeitos e virtudes da raça. Já falando dos povos portugueses. ―O autor os trata como pessoas de ―espírito e coração nobre‖, 20 orientando aos ―contadores da História do Brasil‖ a vincular o descobrimento do país às ―façanhas marítimas e comerciais e guerreiras dos portugueses‖ (MARTIUS, 1982)‖. É possível constatar essas ideias nas obras que foram utilizadas como livros didáticos de História nas escolas. Na História Geral do Brasil, Francisco Adolfo de Varnhagen citado por Reis (1999), diz que foi um erro a escravização dos negros: A colonização africana teve uma grande entrada no Brasil, podendo ser considerada um dos elementos de sua população, o que nos obriga a consagrar algumas linhas a essa gente. Mas fazemos votos de que um dia as cores de tal modo se combinem que venham a desaparecer totalmente do nosso povo as características da origem africana. (VARNHAGEN apud REIS, 1999, p.43). É possível constatar que eles esqueceram que o domínio português foi ameaçado pelos movimentos externos e internos feitos por africanos, afrodescendentes e livres. A pesquisadora brasileira Cláudia Lima traz em suas reflexões o lado positivo do negro na história do país e relata que existe a importância dos estudos sobre a história do negro no Brasil, alegando existir uma dívida com a população afrodescendente. [...] deve ser entendida como parte importante da construção da identidade do povo brasileiro e, em particular da população afrodescendente, através do qual, regata-se uma dívida histórica, no registro histórico oficial, daqueles que colaboraram, em uma escala gigantesca, no acumulo da riqueza nacional e no complexo multicultural que caracteriza e personaliza o povo brasileiro. (LIMA, 2002, p. 1) 2.3.1 O Avanço da história dos negros Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1 (IBGE, 2010), o Brasil tem atualmente uma população de 97 milhões de habitantes negros - "pretos" e "pardos" -, autodeclarados, e 91 milhões de brancos, ou seja, 51% da população brasileira se autodeclara negra. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA: [...] negros nascem com peso inferior a brancos, têm maior probabilidade de morrer antes de completar um ano de idade, têm menor probabilidade de frequentar uma creche e sofrem de taxas de repetência mais altas na escola, o que leva a abandonar os estudos com níveis educacionais inferiores aos dos brancos. Jovens negros morrem de forma violenta em maior número que 1 Informação retirada do site :http://censo2010.ibge.gov.br/ Acesso realizado no dia 20 de abril de 2013. 21 jovens brancos e têm probabilidades menores de encontrar um emprego. Se encontrarem um emprego, recebem menos da metade do salário recebido pelos brancos, o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores, quando o fazem. Ao longo de toda a vida, sofrem com o pior atendimento no sistema de saúde e terminam por viver menos e em maior pobreza que brancos. (IPEA 2007, p. 281 apud CICONELLO, 2008). Com base nesse documento constatamos a situação dos afrodescendentes, onde não se é registrado melhorias de vida na situação dessa população, onde a violência e a falta de segurança viram temas de debates acadêmicos e movimentos sociais. O cenário brasileiro hoje é banalizado, onde um negro passa a ser questionado quando a sua inocência, não por atos cometidos, mas por sua raça e status financeiro. A elite brasileira é branca, então, automaticamente vira uma questão racial. A mesma coisa, quando a polícia ataca um negro, ela ataca na questão social também, por quê? Porque ele vai atacar o negro, porque quando ele quer atacar o pobre ele sabe que o pobre é o negro. (...) (CASTRO M.G. e ABRAMOVAY, 2009, p 240). O racismo é facilmente notado na sociedade, principalmente no que se diz respeito à cultura, pois a sociedade não aceita facilmente a forma de vestir, falar, comer, em geral os hábitos de culturas diferentes da que estão acostumados a conviver (CICONELLO, 2008). Segundo pesquisa feita por Marcelo Neri (2010), a população negra deve um grande avanço na educação, no período de 2001 a 2009, destaca que a escolaridade afrodescendente subiu 60,94%, enquanto a dos brancos aumentou apenas 16,10%. De acordo com o Laboratório de Análises e Estatísticas Econômicas Sociais das Relações Raciais (LEASER), o crescimento da renda financeira dos negros cresceu no período de 2001 a 2009, duas vezes mais que a dos brancos. Enquanto a renda das pessoas classificadas como pretas foi de 43% a dos brancos foi de 21%. Porém isso não significa a supressão das desigualdades sócio-raciais entre brancos e negros. De acordo com Mário Theodoro (2008), o aumento e a melhoria no bem estar não significa que reduziu a distância entre os negros e brancos, ―a pobreza continua predominantemente negra e a riqueza é predominantemente branca‖ (op. cit., 2008, p. 122). Com isso, a materialização da visão de que o país só iria se devolver a partir do ―branqueamento‖, ocasionando adoção de medidas governamentais que findou na exclusão, desigualdade e pobreza que se reproduzem até os dias atuais (THEODORO, 2008). 22 2.4 Estereótipo As pessoas sempre relatam que a primeira impressão é a que fica, porém para se criar uma boa ou má impressão vai depender dos conhecimentos anteriores que cada um tem. O Dr. Leslie Zebrowitz (1996), psicólogo, estuda os efeitos causados pelas atitudes das pessoas, diz que: [...] atribuições causais são muitas vezes formadas com menos pensamentos e processamentos de informação consciente, do que o que é imposto por inferências correspondentes e teorias covariantes. (ZEBROWITZ, 1996, p. 15) A palavra ―estereótipo‖ vem de estereotipia: ―processo de se duplicar uma composição tipográfica, transformando-a um uma forma compacta, mediante modelagem de uma matriz‖ (AURÉLIO, 1986). Outra definição para estereótipo é a de Gahagan, (1984), ―crenças a respeito de que características possuídas por alguns grupos são possuídas por qualquer membro daquele grupo‖. Os estereótipos podem estar relacionados tanto a um indivíduo ou a um grupo. Para Zebrowitz a maior quantidade de estudos está relacionada a estereótipo de grupo, mas o individual sempre está ligado a um estereótipo de grupo, quando chamamos alguém de negro relacionamos a uma etnia (grupo), porém nos referimos a uma pessoa (individual). Outra forma de estereótipo individual vai de acordo como a pessoa se veste, relacionando a hobbies, a moral, a vida financeira. Com base nos estudos feitos por Zebrowitz, percebemos que hoje a mídia tem um grande poder de transformar estereótipos, transformando pessoas em heróis ou vilões. A televisão utiliza imagens que é tomada como valores inquestionáveis pela sociedade como: exemplos de mães perfeitas, mulheres que sabem se vestir bem, a beleza feminina, cujos exemplos são modelos magras, fazendo com que muitas mulheres venham a fazer regime e cirurgias para chegar a um padrão de beleza aceitável pela sociedade, relacionando também o negro a uma imagem ruim, havendo sempre a questão de ser subalterno na sociedade. Para Nilma Lino Gomes (2002) a escola é o ambiente onde a reprodução dos estereótipos sociais, dirigidos ao corpo e ao cabelo, pode deixar marcas visíveis até a vida adulta. Vários depoimentos coletados pela autora mostram a escola como um ambiente onde a 23 criança negra entra em contato com o racismo e com a discriminação, nesse mesmo ambiente a criança também conhece a diferença e a desigualdade. Gomes (2002) relata que a escola deveria ser um lugar livre de desigualdades, porém passa a ser vista como um local de produção e reprodução de preconceitos e discriminação. Para Gomes (2002) a escola é o local onde aprendemos muito mais que conteúdos escolares: [...] Por essa perspectiva, a instituição escolar é vista como um espaço em que aprendemos e compartilhamos não só conteúdos e saberes escolares, mas também valores, crenças, hábitos e preconceitos raciais, de gênero, de classe e de idade. (GOMES, 2002, p.35) Podemos dizer que estereótipo é uma ideia que é sustentada por um senso comum, sem poder ser contestada, ou seja, a sociedade se submete a uma aceitação inconsciente do lugar-comum (BOURDIEU, 2004). Para Joan Ferrés (1998) estereótipo é conceituado da seguinte forma: [...] são representações sociais, institucionalizadas, reiteradas e reducionistas. São representações sociais porque pressupõem uma visão compartilhada que um coletivo social possui sobre outro coletivo social. São reiteradas porque são criadas com base na repetição. A palavra estereótipo provém, justamente, da tecnologia utilizada para a impressão jornalística, ‗ na qual o texto é escrito em um molde rígido – na impressão em offset ou de estereótipo – que permite reproduzi-lo tantas vezes quanto se deseje‘ (E. Noelle-Neumann, 1995, p.191). O estereótipo tem, pois, muito desse molde rígido que permite a repetição. A base rígida e de reiteração, os estereótipos acabam parecendo naturais; seu objetivo é, na realidade, que não pareçam formas de discurso e sim formas da realidade. Finalmente, são reducionistas porque transformam uma realidade complexa em algo simples (FERRÉS, 1998, p. 135). Neste ponto se assemelham à característica da imagem na televisão, que também tem no impacto seu ponto alto, com influências comparadas a Igreja Católica e a religiosidade. Para Ferrés a televisão além de poder levar alguém aos seus quinze minutos de fama, também pode elevá-lo a um patamar inquestionável (FERRÉS, 1998). 2.5 Identidade Falar sobre identidade nos leva a um caminho que se constrói a partir de um trabalho elaborado, de um passado mais ou menos comum a de uma memória coletiva que se diz compartilhado pelo grupo. 24 De acordo com Stuart Hall (2000), é possível observarmos que nos últimos tempos, tem surgido um grande volume de conceitos com relação à identidade. Com a multidisciplinaridade das discussões, a conclusão é que identidade de maneira alguma seria integral e unificada. Lívio Sansone (2003), antropólogo italiano, nos leva a pensar que mais importante do que entender o que significa identidade, temos que procurar entender as pessoas, o seu modo de interagir, como estão se definindo e como buscam definir outras pessoas de um determinado grupo de sociedade. Sendo assim, definir pessoas como negra ou índio, não vai mostrar como foi o processo de formação da identidade, podendo aproveitar melhor refletindo sobre cada pessoa se define na sociedade. Pois para Sansone, dependendo do contexto, pessoas que se autodeclaram negras, podem não se assumir em determinadas situações. Max Weber (2000) sugere a existência de uma crença subjetiva numa origem comum para se criar laços de solidariedade e de comunhão no grupo. Essa crença se faz necessária e se mostra como um fio norteador da identidade social. Michael Pollak (1989) já nos relata que os processos da elaboração de identidade social são marcados também por enquadramento de memória, que é o trabalho de interpretação do passado em função dos combates do presente futuro. E Frederick Bath (2000) enfatiza que identidade é representada como um elemento político e organizativo, que pode ser estrategicamente afirmado ou negado de acordo com a condição social e política, na qual está inserida em determinado momento histórico. A identidade assume um caráter relacional, sendo ligado também ao que encontramos fora dela, algo que ela não é, mas contribui para que exista. Por meio da diferenciação social, as relações ganham forma e consolidam hábitos e costumes, refletindo a natureza de inclusão e exclusão. Assim, Woodward pontua que ―A representação, compreendida como um processo cultural estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia‖ (Woodward, 2000: 17). 2.5.1 Identidade Negra Neuza Souza (1983) afirma que as identidades de um indivíduo vão depender da relação do seu passado, da relação com o corpo. A imagem que temos de nós está associada à experiência de dor e do prazer que o corpo experimenta. Souza (1983) diz que se torna negro é uma necessidade de imposição, porém estando sempre em alerta com a verdade: ―Um 25 sistema opaco de desconhecimento e reconhecimento, marcado por todas as ambiguidades provenientes de sua origem imaginária‖ (SOUZA, 1983, p.59). Segundo Guimarães (1999), o Brasil é baseado em uma construção racista, relacionada à cor para o Brasil é uma simples percepção cromática, também é levado em conta os traços físicos e a textura do cabelo. Paul Gilroy (2001) fala que a cultura negra e as identidades negras são cultivadas e redefinidas através de uma troca triangular entre a diáspora, o continente africano e o novo mundo. Para o autor a reelaboração é efetivada através de ―conexão que deriva tanto da informação da África pelas culturas da diáspora‖ (Gilroy, 2001, p.372). Isso nos mostra que a identidade negra não é uma simples associação do tradicional e o essencialismo, vista muitas vezes em outras partes interpretações (Sansone, 2003). A autora do artigo ―O negro e a mídia: Recepção da telenovela por integrantes do Movimento Negro de Santa Maria‖ Letícia Rodrigues (2007), citando Jesus Martin-Barbero (2006), afirma que a mídia participa de forma essencial no processo de construção da identidade negra. A identidade contemporânea, como a identidade étnica negra, está continuamente construindo-se e modificando-se, e a mídia atua neste processo, inclusive para seu reconhecimento social. O que esses indivíduos querem não é tanto ser representados, mas, sim, reconhecidos: fazerem-se visíveis socialmente em sua diferença. (MARTIN-BARBERO apud RODRIGUES, 2007) Para Sansone (2003) identidade negra é uma realidade dinâmica e contextual: [...] A identidade negra, com todas as etnicidades, é relacional e contingente. Brancos e negros existem, em larga medida, em relação um aos outros; as ―diferenças‖ entre negros e brancos variam conforme o contexto e precisam ser definidas em relação a sistemas nacionais específicos e a hierarquias globais de poder, que foram legitimados e, termos raciais e que legitimam os termos raciais (SANSONE, 2003, p.24). Sansone (2003) nos permite uma discussão priorizando as particularidades do contexto social e cultural. Assim, a identidade negra não se torna uma representação genética, mas passa a ser interpretada pelo contexto social, referentes ao processo de autoafirmação das pessoas. 26 3. O PODER DA TELEVISÃO Neste capítulo, inicialmente, falaremos um pouco sobre a história da televisão, o poder que esta exerce sobre a sociedade e como o negro foi inserido no meio televisivo. Também falaremos como foi que surgiram as primeiras participações do negro nas telenovelas, como foi ganhando espaço até chegar a protagonista, relatando o preconceito sofrido, ainda hoje, até mesmo ganhando um papel de destaque. 3.1 História da televisão no Brasil A primeira transmissão de imagens no Brasil foi realizada oficialmente no dia 18 de setembro de 1950, em São Paulo, pela TV Tupi Difusora, uma emissora dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. A emissora surgiu numa época que o rádio era o veículo de comunicação mais popular do país (MATTOS, 2002). Segundo Othon Jambeiro (2002), o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter uma emissora de televisão. ―A TV Tupi Difusora começou transmitindo imagens para cerca de 500 aparelhos receptores na cidade de São Paulo, mas três meses depois havia já 2 mil aparelhos funcionando ali‖ (CAPARELLI apud JAMBEIRO, 2002, p.51). O Brasil foi o sexto no mundo a ter uma emissora de TV, perdendo apenas para Inglaterra, Estados Unidos, França, Alemanha e Holanda. A televisão no Brasil surge em um período precoce se comparado aos demais países emergentes de sua época. O aparelho de televisão foi inventado em 1941, nos Estados Unidos e em menos de uma década, Chateaubriand criou a TV Tupi Difusora no Brasil, indo contra os investidores e as pesquisas de mercado que eram feitas para medir a capacidade do mercado brasileiro de incorporar um veículo de comunicação tão caro como a televisão (KEHL, 1986). Segundo Sérgio Mattos (2002) quatro meses após a instalação da sua primeira emissora, o grupo de Chateaubriand inaugurou outra emissora no Rio do janeiro, no dia 20 de janeiro de 1951, a TV Tupi-Rio. Os primeiros anos da televisão, tanto da Tupi de São Paulo como da do Rio, foram marcados pela falta de recursos e de pessoal e pelas improvisações. 27 Em fins de 1951, já existiam mais de sete mil televisores entre Rio e São Paulo. (MATTOS, 2002, p. 81). Por ser uma inovação tecnológica, o fator econômico limitava a expansão da televisão na década de cinquenta, passando a ser um brinquedo de luxo para as elites do país (SODRÉ, 1989). Os pesquisadores Maria Rita Kelh (1986) e Daniel Filho (2003) relatam que, na prática, a produção televisiva na primeira década não passou de uma transposição de programas das Rádios Associadas de Cheteaubriand para um novo formato em audiovisual (KEHL, 1986; FILHO, 2003). A característica que marcou o início da televisão no Brasil foi o aspecto radiofônico com imagens. Grande parte dos profissionais do rádio influenciou na programação da televisão, adaptando os programas radiofônicos para serem exibidos na televisão. Segundo Mattos (2002) antes da implantação da TV Tupi de São Paulo o grupo de Assis Chateaubriand já buscava estratégias de treinamento para popularizar a imagem dos seus radioatores. [...] Dois anos antes da instalação da TV Tupi de São Paulo, os Diários Associados passaram a desenvolver uma estratégia visando não apenas treinar os seus radioatores para o novo veículo, como também para popularizar a imagem dos artistas. Para tanto foram desenvolvidos vários projetos cinematográficos. (MATTOS, 2002, p.49-50) A autora Samira Yousself Campedelli (1987) relata que a televisão ultrapassa a condição de eletrodoméstico e ressalta que seu surgimento foi uma conquista e revolução ao mesmo tempo. Para a autora a televisão é utilizada como fuga para as dificuldades, maquiando os problemas diários da população: [...] ela seria uma espécie de liquidificador cultural, isto é, um eletrodoméstico capaz de misturar e diluir cinema, teatro, música e literatura num único espetáculo, oferecendo assim uma reforçada vitamina eletrônica para o público. (CAMPEDELLI, 1987, p. 5). Em 1952 foi ao ar pela primeira vez um dos mais famosos telejornais da televisão brasileira, com o nome do seu patrocinador, a empresa estadunidense chamada Standard Oil Company of Brazil, conhecida como Esso do Brasil (MATTOS, 2002). Segundo Mattos (2002), o ―Repórter Esso‖ foi uma adaptação, feita pela Tupi Rio, de um rádio-jornal americano de grande sucesso transmitido pela United Press International (UPI). 28 O ―Repórter Esso‖ foi veiculado pela primeira vez no dia 1º de abril de 1952, permanecendo no ar até o dia 31 de dezembro de 1970, época em que os anunciantes passaram a comprar espaços entre os programas em vez de patrocinar o programa como um todo. (MATTOS, 2002, p. 85) Assis Chateaubriand repetiu sua vitoriosa experiência de colocar um apresentador exclusivo e o patrocínio de uma única empresa em todas as emissoras que inaugurou. 3.2 O poder da televisão e sua influência na sociedade Dominique Wolton (1996) relata que a televisão é a única atividade que é compartilhada por todas as classes sociais e por todas as faixas etárias, estabelecendo um laço entre todos os meios. O que se verifica é que pelas mediações da TV outras identidades começaram a aparecer, interagindo entre si. A homogeneidade da mensagem não impede a heterogeneidade da recepção. Isso não anula a influência da TV, mas essa influência não é direta, nem mecânica. Isso explica também seu papel de laço social: os diferentes meios sociais recebem de maneira diferente os programas e aproveitam o que querem deles. (...) A heterogeneidade dos programas da TV aberta é uma figura da heterogeneidade social, porque oferece uma oportunidade de comunicação e de laço em termos de participação e não apenas de transmissão. (WOLTON, 1996, p.143) Wolton (1996) explica que pelo que é veiculado através da TV, o telespectador torna-se membro de uma sociedade conforme ele vem a ser considerado o espelho de sua identidade, um fator de transformação social, seus estudos mostram que a TV é um sinônimo de cultura, já que possui um papel de identidade individual e coletiva. A televisão como sempre dizemos, é o ―espelho‖ da sociedade. Se ela é seu espelho, isso significa que a sociedade se vê — no sentido mais forte do pronome reflexivo — através da televisão, que esta lhe oferece uma representação de si mesma. E ao fazer a sociedade refletir-se, a televisão cria não apenas uma imagem e uma representação, mas oferece a todos aqueles que a assistem simultaneamente. Ela é, além disso, um dos únicos exemplos em que essa sociedade se reflete. Permitindo que cada um tenha acesso a essa representação. (WOLTON, 1996, p. 124). De acordo com Muniz Sodré (1989) os telespectadores fazem parte de uma categoria que é produzida a partir do poder organizador da linguagem, constituída pela mediação técnica entre falante e ouvinte, informante e informado. Sodré compara esse poder 29 com o Panóptico – inventado por Bentham em 1792 – termo analisado por Michel Foucault, que diz que a televisão é o mais recente e bem acabado momento técnico do panoptismo da comunicação social, sendo a TV um sistema informativo homólogo aos códigos da economia de mercado. A ideologia, como a televisão, é uma forma de poder que advém de sua absoluta abstração com respeito à situação concreta e real da comunicação humana, baseando-se o controle social do diálogo. É no diálogo, portanto, que a comunicação se revela plenamente como troca, dando margem ao conhecimento recíproco dos sujeitos ou até ao conhecimento de si mesmo, na medida em que pode incorporar o discurso do outro. É preciso resgardarmo-nos de toda metafísica do diálogo (ou de uma metafísica da troca), mas é também necessário apreendê-lo como espaço linguístico onde as diferenças intersubjetivas aparecem, indicando uma perspectiva de verdade da relação de comunicação. (SODRÉ, 1981, p.25). Maria Lourdes Motter (2003) explica que a telenovela é responsável por elaborar e propagar modelos identitários que serão referência para o telespectador, tanto quanto os as falas ou os acessórios usados por um determinado personagem. E diferente da atuação de filmes, espetáculos esportivos ou programas humorísticos, a telenovela é presença diária no cotidiano do brasileiro há quase 50 anos. Com isso podemos dizer que as telenovelas constroem a realidade e, ao mesmo tempo, alimentam-se do real: A telenovela pode ser considerada, no contexto brasileiro, o nutriente de maior potência do imaginário nacional e, mais que isso, ela participa ativamente na construção da realidade, num processo permanente em que ficção e realidade se nutrem uma da outra, ambas se modificam, dando origem a novas realidades, que alimentarão outras ficções, que produzirão novas realidades. O ritmo dessas transformações passa a ser a questão. (MOTTER, 2003, p.174). 3.3 A História da Telenovela Machado (2003) fala que a telenovela, ou narrativa seriada, não foi inventada pela televisão, pois antes ela já existia em outros formatos direcionados a outros meios de comunicação. O autor acredita que o cinema seja o principal modelo de seriação audiovisual, porém diferente do que ele pensa, vemos que nas condições brasileiras, as linguagens radiofônica e literária sejam nossos principais referentes, principalmente o folhetim. 30 O folhetim é um formato que independente das inovações que ele possa vir a sofrer, ainda preserva algumas características intactas (FILHO, 2003). Duas pessoas se apaixonam e vivem alguns capítulos felizes. Fatalmente são separados pelo vilão, que pode estar querendo para si um dos dois heróis. O recurso que ele usa nunca é honesto. E nós ficamos sempre torcendo para que os heróis se encontrem. E de tempos em tempos isso acontece, eles ficam juntos, mas o vilão prepara armadilhas e eles se separam. Isso até o final, quando descobrimos quem matou, os roubou – e quando, finalmente, indica-se que todos serão felizes para sempre, executando o vilão. (FILHO, 2003, p. 68). Campedelli (1987) fala da origem do termo novela, explicando que em vários idiomas significa história curta, ordenada e completa, de fatos verossímeis, porém o que se vê, na atualidade, são histórias longas e de narrativa trançadas, sendo comparada a um novelo se desenrolando. A autora explica que: A semântica medieval da palavra é a mais adequada para a moderna telenovela. Na Idade Média, o termo foi usado como substantivo sinônimo de ―entrecho‖, ―enredo‖, ―narrativa trançada‖. Aplicava-se às novelas de cavalaria, que faziam jus a essa última significação (CAMPEDELLI, 1987, p.18-19). Campedelli explica que da utilização do termo novela para a criação da telenovela, ocorreu um engano cometido pelo gênero e utiliza o depoimento de Marcos Rey (apud Campedelli, 1987) para dizer como o erro ocorreu: [...] O termo novela foi equivocadamente incorporado pelo rádio às suas narrativas quilométricas. Depois, a televisão cometeu outro equívoco em cima do primeiro e ficou com o nome. Como se sabe, o rádio copiou o gênero das similares cubanas e mexicanas. Só que o termo, no idioma espanhol, é igual a romance. No inglês moderno também. Para a história curta, esses idiomas têm outros vocábulos. Com relação à telenovela, o certo seria chamá-la de folhetim. (REY apud CAMPEDELLI, 1987, p.19). Segundo Daniel Filho (2003) o folhetim é um gênero da narrativa seriada, de histórias longas. Inicialmente eram veiculados nos rodapés de jornais e poderiam ser considerado um dos primeiros formatos da indústria cultural. Segundo o autor o folhetim fez sucesso no Brasil, e era incorporado por escritores românticos e seu auge foi entre 1840 até aproximadamente 1880. Os autores Renato Ortiz, Silvia Helena Simões Borelli e José Mário Ortiz Ramos (1989), no livro Telenovela – História e Produção relatam que o que conhecemos hoje sobre 31 telenovela foi um produto que veio importado do rádio, passando por um processo de adaptação, se tornando um produto de maior aceitação em termos de audiência da televisão brasileira. A primeira novela radiofônica brasileira foi lançada em 1941, A Predestinada, pela Rádio São Paulo. Oswaldo Viana, o diretor da Rádio São Paulo, importou essa nova idéia da Argentina e implantou no Brasil. A TV Excelsior, a emissora responsável em colocar no ar a televisão em rede nacional, transmitiu a primeira telenovela diária dentro dos moldes atuais que se chamava ―2-5499 Ocupado‖ e em 1964 estava sendo transmitida a versão brasileira da radionovela do cubano Féliz Caignet, O Direito de Nascer, exibida pela TV Tupi e obteve o reconhecimento de telenovela no Brasil (ORTIZ, BORELLI, RAMOS, 1989). A telenovela chega ao início dos anos 60 marcada pelo desprestígio, mas também com uma certa presença, pois consegue atravessar mais de uma década no vídeo. Neste momento, é possível captar uma mudança de atitude do público em relação a este gênero dramático. Se em meados dos anos 50 o teleteatro tem maior apelo junto à audiência, os sinais agora começam a se inverter. Na medida em que a televisão se populariza, a novela tende a superar a antiga preferência pelos programas culturais. Mas é necessário esperarmos pelas invocações trazidas pela TV Excelsior, quando a televisão se redefine em termos de indústria cultural, para que ela venha despontar como o produto por excelência do sistema televisivo brasileiro. (ORTIZ, BORELLI, RAMOS, 1989, p. 53). Campedelli (1987) diz que a telenovela-folhetim foi descoberta na Argentina, por Edson Leite, o diretor artístico da TV Excelsior, que adaptou um original de Tito Miglio para a exibição diária, em 1963, no canal 9 de São Paulo e canal 2 do Rio de Janeiro. A telenovela ―2-5499 Ocupado‖ retratava a história de uma presidiária, interpretada por Glória Menezes, e tinha como par romântico o ator estreante Tarcísio Meira. O nome da telenovela se deve a ―função de telefonista do presídio, exercida pela heroína, por quem o herói se apaixona, através do contato possível – a voz -, sem saber de sua condição real‖ (CAMPEDELLI, 1987, p.59). Segundo Campedelli (1987) no final da década de sessenta, juntamente com a formação da Rede Globo de Televisão, a telenovela ganha horários regulares dentro de uma grade de programação e as telenovelas passam a ser determinadas por horários: novela das seis, novela das sete e novela das oito. Na mesma época foi criado o videoteipe e a telenovela pôde ser dividida em capítulos e passam a ser exibidas diariamente de forma fragmentada. Paula Simões (1986) relata que o videoteipe multiplicou a rentabilidade das telenovelas, a partir de então a telenovela passa a ser vista como um produto comercial, voltada para um 32 público heterogêneo e teve que se adaptar trazendo temas que se aproximasse dos diversos segmentos sociais. As telenovelas tornaram-se um produto de grande aceitação por parte do público e as emissoras resolvem padronizá-las e produzi-las em escala industrial. As telenovelas diárias têm um sucesso rápido (ORTIZ, BORELLI, RAMOS, 1989). 3.4 O negro na telenovela: primeiras participações Segundo Solange Couceiro (1983) o negro, na teledramaturgia brasileira, sempre foi aproveitado de forma condicionada e em situações já definidas, ou seja, apareciam em tramas onde o cenário era histórico-escravocrata, onde exigia uma demanda de atores negros na representação dos escravos, ou quando era necessário um ator para representar um personagem de posição subalterna ou o marginal da sociedade. Interpretava também a empregada doméstica, o favelado, o mordomo ou até mesmo o bandido. E quando a trama se desenrolava em fase pós-escravocrata a quantidade de negros era bem reduzida. Joel Zito Araújo (2000) destaca em seu livro ―A Negação do Brasil‖ cinco estereótipos básicos do cinema industrial: 1- ―Mulato Trágico‖: eram representados como pessoas simpáticas, agradáveis, vítimas de uma divisão racial herdada, embora a tragédia fosse o único desfecho para aqueles que tentassem ultrapassar a linha de cor, através d casamento interracial ou da ocultação de sua origem negra, para participar do mundo branco; 2- Coon: uma variação de palhaço de olhos esbugalhados, menestrel, moleque travesso e malandro; 3- Mammie: atriz grande e gorda, capaz de caracterizar uma negra ao mesmo tempo orgulhosa, dominadora, de vontade forte, irritável, mas intensa na sua maternalidade 4- Toms: o negro serviçal doce, inferiorizado e dedicado às famílias brancas; 5- Buck: o negro brutal e hipersexualizado, um estuprador em potencial ou real. Muniz Sodré (1999) relata que presenciamos nos meios de comunicação do Brasil o chamado "racismo midiático". Ou seja, a mídia atua como uma propagadora de modelos, porém isso só acorre a partir do ponto de vista dos grupos dominantes, colocando toda a diversidade cultural do país em perigo. A representação dos negros nas telenovelas reforça, em alguns momentos, preconceitos difundidos no senso comum. 33 Nos primeiros anos da telenovela diária no Brasil, a Rede Globo colocou no ar uma trama que abordava a luta política, social e econômica entre os escravos latifundiários dos Estados Unidos, focalizando a vida de um escravo negro ―Tomás‖. A primeira produção global a contar com um protagonista negro foi ―A cabana do Pai Tomás‖, porém vale ressaltar que o personagem ―Tomás‖ era interpretado por um ator branco, Sérgio Cardoso, o galã da época que passava por uma caracterização para escurecer a pele, de acordo com as exigências do patrocinador Colgate-Palmolive (DICIONÁRIO TV GLOBO, 2003). Araújo (2000) aponta um período de destaque que se tratou explicitamente a questão do preconceito racial numa trama contemporânea, a novela Corpo a Corpo (1984), onde a personagem Sônia (Zezé Motta) se apaixona por um homem de cor branca, causando polêmica na narrativa e na audiência. Nesta mesma época o país estava vivendo um movimento em defesa dos negros, onde se exigia uma maior participação do negro nas teledramaturgias, porém não obteve muitos resultados, pois nesse período surgiram telenovelas baseadas nas várias obras de Jorge Amado. Joel Zito (2000) também destaca a personagem ―Mamãe Dolores‖, interpretada pela atriz negra Isaura Bruno, que era extremamente bem vista pelos telespectadores. Porém, mesmo tendo levado a novela a altos índices de audiência e ter despertado no público uma grande empatia, nos anos seguintes pouco de viu atores ou atrizes negras com personagens importantes na teledramaturgia nacional. Segundo José Marques de Melo (1988), as telenovelas histórico-escravocratas passaram a contabilizar um maior número de atores negros ao longo da trajetória da telenovela brasileira, e curiosamente foram essas novelas as recordistas de venda no mercado internacional. Ortiz (1989) destaca que a emergência do tema abolicionista coincidiu com o crepúsculo da ditadura militar e com as primeiras manifestações de sindicatos e estudantes contra prisões e assassinatos cometidos pelo regime. Mesmo as telenovelas histórico-escravocratas condenando a escravidão, Araújo (2000) critica a forma como a teledramaturgia brasileira retratou a libertação dos escravos: Nos anos 70, as novelas de época da Rede Globo que tinham como tema a escravidão no Brasil parecem ter confirmado a versão da história oficial de que a libertação dos escravos foi um feito realizado só por brancos. E o que é mais trágico, a única personagem afro-brasileira que demonstrou consciência de sua época e orgulho de si mesma, foi a escrava Isaura, interpretada por uma atriz branca. (ARAÚJO, 2000). 34 Segundo Araújo (2000) a escolha da atriz branca Lucélia Santos para interpretar a escrava ―Isaura‖ na primeira versão da trama foi questionável. A figura do escravo branco oferece prova substancial de que os escritores interessados no problema da escravidão foram, contudo, vítimas de todos os preconceitos e intolerâncias que rodeavam a questão da raça e da cor. O escravo, em certas situações, tinha de ser retratado na cor branca, a fim de provar uma exceção à regra que negros eram escravos por natureza e para não ofender suscetibilidades de um público leitos fundamentalmente próescravatura. (BROOKSHAW apud ARAÚJO, 2000, p. 202). Bernardo Guimarães opta por descrever ―Isaura‖ como branca para corresponder a demandas da sociedade do século XIX, que era um público que não iria conseguir associar ma mulata à inocência e à pureza da personagem, já que a mulata estava vinculada ao estigma de sedutora, lasciva e amoral. Porém a escolha de uma atriz branca reflete na continuidade de preconceitos e a falta de ousadia dos produtores e diretores (ARAÚJO, 2000). Constantemente os negros representam papéis de subalternos e serviçais, reforçando a ideia de sua inferioridade intelectual, desvinculando-o das posições de poder dentro da sociedade. Com isso a telenovela reforça a ideologia do embranquecimento reiterando diariamente que o branco é que é bem-sucedido, o patrão ou o herói. Os atores negros têm suas representações estereotipadas e sem complexidade de setores sociais (SODRÈ, 1980). Esta exclusão não se explica só pelos argumentos (sociológicos) de que os negros não têm a mesma distribuição que os brancos na pirâmide sócioeconômica, mas também por razões decorrentes da estratégia (semiológica) da cultura dominante, que se defende do sistema cultural negro. (SODRÉ, 1980, s/p). Sodré (1999) explica que é possível verificar que os excluídos quando são incorporados pelos meios de comunicação entram na categorização do grotesco. Para ele a ideologia do embranquecimento foi a passagem do racismo para a exclusão, diz que a telenovela frequentemente utiliza-se de negros para retratar o bandido, desta forma perpetuando a identidade negra como negativa. A sociedade brasileira tem o hábito de assistir e acompanhar as telenovelas, e quem acompanha e se envolve com as tramas deve lembrar que poucos foram os atores negros que ganharam destaque. É mais fácil lembrar-se de atores negros que tenham interpretado alguma empregada doméstica, motorista ou morador de rua. Isso se deve porque a representação dos negros em geral, na teledramaturgia brasileira é ínfima, como podemos ver 35 na obra de Joel Zito Araújo, ―A Negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira‖, ele analisou as novelas que foram transmitidas entre 1963 e 1997, pela TV Tupi, TV Excelsior e Rede Globo. Entre as 98 novelas que foram exibidas pela Rede Globo, entre as décadas de 1980 e 1990 mostrou que, fora as novelas que tinha a escravidão como tema, em 28 delas não apareceu nenhum afrodescendente e 29 conseguiram ultrapassar dez por cento de atores contratados do total do elenco (ARAÚJO, 2000). Sodré (1999) identificou quatro formas em que o racismo midiático se manifesta: [...] 1) através da negação da existência do racismo, exceto em casos explícitos de preconceito, ou conflitos raciais; 2) apagamento de aspectos e exemplos positivos da cultura negra, ignorando ou ―embranquecendo‖ as contribuições desta etnia ao país; 3) estigmatização da cor escura da pele, atribuindo a esta identidades ou características que não estão de acordo com a realidade da maioria; e 4) criação de um estado de indiferença entre os profissionais da mídia permitindo que exista uma supressão da realidade étnica em prol de interesses econômicos comerciais. (SODRÉ apud COUTINHO, 2010). Araújo (2000) ressalta em seu livro algumas ocasiões onde se teve a intenção de retratar o negro em papéis de classe média. Milton Gonçalves é o exemplo mais antigo, que interpretou um psiquiatra na novela ―Pecado Capital‖ de Janete Clair, exibida de 24 de novembro de 1975 a cinco de julho de 1976. Conforme sinopse da novela, a personagem teria o seguinte perfil: [...] psiquiatra com vários cursos na Europa, onde participa de congressos médicos como representante brasileiro. Desenvolvendo novos métodos de tratamento, inicia as consultas com Vilma pouco depois de ela receber alta no hospital e estende seu atendimento a toda família, num trabalho de grupo. É a tentativa de equilíbrio (ARAÚJO, 2000, p.118). Porém por ter tido uma relação inter-racial com uma mulher branca, o romance foi vetado na novela devido a pressões do público e da censura política. Apesar de interpretar um profissional bem sucedido, o papel interpretado pelo ator negro não foi bem explorado. [...] Mas o personagem se enquadra na galeria dos profissionais negros perfeitos, de comportamento inteiramente aceitável, sem relações com sua comunidade de origem, sem vínculos com outras pessoas de sua raça. Um personagem que poderia ter ido além, se a autora tivesse ou pudesse ter desenvolvido várias possibilidades dramáticas, se buscasse, por exemplo, mostrar como ele chegou até o posto que ocupava, que obstáculos enfrentava em sua nova classe social, numa profissão em que praticamente todos os outros profissionais são brancos (ARAÚJO, 2000, p.120). 36 O negro faz parte da metade da população brasileira, portanto o negro não deveria apenas fazer parte de papéis de personagens coadjuvantes tanto em filmes como em telenovelas (ARAÚJO, 2000). O autor ainda destaca que as imagens que dominam no conjunto das telenovelas que foram ao ar de 1963 a 1997 revelavam a cumplicidade da televisão com a persistência do ideal de branqueamento e o desejo de euro-norte-americanização dos brasileiros (ARAÚJO, 2000). Mesmo considerando somente as duas últimas décadas, os anos 80 e 90, um período de ascensão do negro na dramaturgia da teleficção, de 98 novelas produzidas pela Rede Globo (excluindo aquelas que tiveram como temática a escravidão) não foi encontrado nenhum personagem afrodescendente em 28 delas. Apenas em 29 telenovelas o número de atores negros contratados conseguiu ultrapassar a marca de dez por cento do total do elenco. E em nenhuma delas o total de negros e mulatos chegou a ser metade, ou mesmo quarenta por cento de todo o elenco (ARAÚJO, 2000, p. 305). De acordo com Araújo (2000) houve em muitos momentos avanços de personagens negros em questões de narrativa. Porém por conta da grande presença dessa etnia na formação da sociedade brasileira, os negros se apresentaram de forma módica, pois ainda existem vestígios de uma representação pautada em estereótipos. Com isso Araújo (2000) mostra que nas telenovelas brasileiras o que predomina é uma identidade de branquitude, onde as imagens dominantes eram alicerçadas na supervalorização dos traços brancos como um ideal de beleza na sociedade. O negro, nas telenovelas contemporâneas, é retratado como indivíduo que vive sem ser um alvo de preconceitos, em uma produção que esconde as questões étnicas, criando um ―consenso‖ na democracia racial brasileira. A década de 1990, segundo Araújo (2000), apresentou melhorias em relação a forma como os negros são retratados nas telenovelas. A novela Felicidade exibida em 1991 e escrita pelo autor Manoel Carlos, mostrou ao público personagens bem construídos e não estereotipados. Ao contrário de novelas anteriores, os personagens negros se defendiam com ferocidade e determinação diante das ofensas feitas pelos personagens brancos. 3.5 O Negro como protagonista O estudo realizado por Araújo (2000) mostra a realidade do mercado de trabalho dos negros, na teledramaturgia brasileira, sobre a representação destes em telenovelas transmitidas entre 1963 e 1997, pela TV Tupi, TV Excelsior e Rede Globo. Em sua pesquisa 37 foi constatado que os negros foram pouco representados e raramente interpretavam personagens de classe social mais alta ou em profissões de valor social reconhecido, o que se destacava eram os estereótipos que a sociedade atribuía a essa parcela da população. Em poucos trabalhos identificamos atores negros nos papéis principais, de protagonistas ou antagonistas. As rédeas da ação são tomadas geralmente por personagens interpretados por atores brancos, que atuam como o Leão, o condutor, ou compõem o grupo de personagens principais. Se o personagem criado pelo autor não receber, na sinopse, referências sobre o seu pertencimento racial, o ator branco tende a ser escolhido. O afrodescendente só terá a sua oportunidade assegurada se existirem rubricas que evidenciem a necessidade de um ator negro. Se na construção do personagem for destacado um tratamento estereotipado, recorrendo aos arquétipos da subalternidade na sociedade brasileira, aumenta a possibilidade de construção para o ator negro. De um modo geral, ao ator afro-brasileiro estão reservados os personagens sem, ou quase sem, ação, os personagens passageiros, decorativos, que buscam compor o espaço da domesticidade, ou da realidade das ruas, em especial das favelas. (ARAÚJO, 2000, p.308) Segundo Araújo (2000), em 1969 foi ao ar pela TV Excelsior a telenovela Vidas em Conflito, onde o personagem Zózimo Bulbul foi um dos destaques. Esta foi a primeira novela a contar com um núcleo negro importante e apresentou a primeira família de classe média na televisão. O autor Teixeira Filho relata que a novela tinha o propósito de discutir temas raciais, porém os dramas da família negra não foram adiante e: [...] o enredo foi alterado para eliminar, aos poucos, os personagens negros. As explicações dadas pelo autor do script foram que o público reagia negativamente ao tema, através de cartas; que os atores negros não têm condições satisfatórias de representar, de ‗aguentar‘ o peso do papel. O recurso foi eliminá-los através da alteração do enredo. (COUCEIRO apud ARAÚJO, 2000, p.96). Esther Hambúrguer (1996) analisou a telenovela com a primeira protagonista negra que foi exibida de 17 de setembro de 1996 a 11 de agosto de 1997 pela Rede Manchete, de forma pioneira, a novela ―Xica da Silva‖, escrita por Walcyr Carrasco (sob o pseudônimo Adamo Angel) e dirigida por Walter Avancini. A novela conta a história de Xica da Silva, interpretada por Taís Araújo, uma escrava inteligente e sedutora que conquista o contratador de diamantes enviado pelo Reino de Portugal e é comprada e alforriada por ele. A história se passa no ano de 1751 e nessa época pouco se falava em liberdade para os negros, mesmo assim a personagem ‗Xica‘ enfrenta de forma intrépida seus inimigos preconceituosos e esta novela se torna um marco das produções que queriam retratar o período de escravidão no Brasil. 38 4. ANÁLISE DE CONTEÚDO Analisando a situação dos veículos de comunicação de massas (os media), Albert Kientz nota que na sociedade em que vivemos, estes assumem um conjunto de funções muito complexo, em consequência disso acaba impondo seus tipos de conteúdo. Com isso, ―a situação da comunicação de massa, nascida do aparecimento de novas tecnologias, determina estreitamente o tipo de conteúdos que elas difundem e o seu modo de condicionamento‖ (Kientz, 1973, p.14). Segundo Kientz (1973) os medias tem por objetivo alcançar um grande público utilizando os mais diversos tipos de mensagens, com o objetivo de prender a atenção do público, com isso necessitam que suas transmissões sejam bem sucedidas e que as informações sejam bem condicionadas. Então para que possamos compreender as mensagens transmitidas através dos veículos de comunicação de massas, a metodologia a ser aplicada para essa pesquisa é a análise de conteúdo (AC), que é a melhor forma científica para compreender as mensagens e conteúdos veiculados pela mídia, sendo definida como: A análise de conteúdo é apenas um método de análise de texto desenvolvido dentro das ciências sociais empíricas. Embora a maior parte das análises clássicas de conteúdo culminem em descrições numéricas de algumas características do corpus do texto, considerável atenção está sendo dada aos ―tipos‖, ―qualidades‖, e ―distinções‖ no texto, antes que qualquer quantificação seja feita. (BAUER, 2008, p. 190) A análise de conteúdo é definida por Laurence Bardin (2002), como técnicas de análise de comunicação que visam obter a descrição do conteúdo das mensagens, com indicadores quantitativos ou não, mas que permitam a percepção dos conhecimentos relativos às condições de produção e recepção das mensagens. Para Kientz (1973) é uma ferramenta de pesquisa que possui diversas aplicações, vem sendo explorada e aplicada não só na área de comunicação, mas também na psicologia, sociologia, ciência política e também nas críticas literárias. O processo para se construir a análise de conteúdo varia de acordo com o objeto que será analisado, como também quanto ao objetivo da pesquisa. A AC permite a descrição e a análise das representações sobre os sujeitos e a forma como são classificados. Com isso é possível ―revelar (no sentido 39 fotográfico) os modelos, as imagens, os estereótipos que circulam na cultura de massa‖ (Kientz, 1973, p.69). Bardin (2002) relata em suas pesquisas o conceito de estereótipo, que é a ideia que temos de alguma coisa: É a representação de um objeto (coisas, pessoas, ideias) mais ou menos desligada da sua realidade objetiva, partilhada pelos membros de um grupo social com uma certa estabilidade. Corresponde a uma medida de economia na percepção da realidade, visto que uma composição semântica preexistente, geralmente muito mais concreta e imagética, organizada em redor de alguns elementos simbólicos simples, substitui ou orienta imediatamente a informação objetiva ou a percepção real. Estrutura cognitiva e não inata (submetida à influência do meio cultural, da experiência pessoal, de instâncias e de influências privilegiadas como as comunicações de massa), o estereótipo, no entanto, mergulha as suas raízes no afetivo e no emocional, porque está ligado ao preconceito por ele racionalizado, justificado ou engendrado (BARDIN, 2002, p. 51). Com isso é imprescindível que se faça presente na pesquisa o uso da análise de conteúdo, considerando a capacidade metodológica na observação e exame dos veículos de comunicação de massas. 4.1. Construção da análise Segundo Kientz (1973) para se construir uma AC é necessário seguir algumas regras, para que também seja considerada uma análise científica. Para a análise proposta devem ser seguidas quatro exigências fundamentais, como objetividade, sistematização, abordagem somente do conteúdo manifesto e a quantificação. A objetividade indica a maneira que qualquer outro pesquisador consiga obter o mesmo resultado seguindo o mesmo modo de pesquisa. Na sistematização, que trata somente do conteúdo que está sendo abordado, ou seja, analisa tanto a frequência de palavras ou símbolos contando-os e também os vínculos que mantém com os elementos próximos. O terceiro ponto se refere à abordagem do conteúdo evidente, que significa examinar as mensagens em si mesmas. A última exigência é a quantificação, que ―visa a dar peso e rigor à análise, substituindo o que é apenas impressão inverificável por medidas precisas‖ (KIENTZ, 1973, p.157). Porém, Bardin (2002) relata que o método de AC é também um grupo de técnicas que possui uma gama de ferramentas de análises e apresenta dois atributos fundamentais da AC: o primeiro sendo a função heurística, que favorece a investigação e aumenta a capacidade 40 de descobrimento. E segundo, se refere à administração do que for comprovado, onde as hipóteses consistem em provar e verificar a veracidade dos fatos. Bardin (2002) diz que na maioria das vezes o tema é empregado como uma unidade de registro, quando procuramos observar motivações de opiniões, crenças, atitudes, tendências, valores. Na verdade o tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia a leitura. O texto pode ser recortado em ideias constituintes, em enunciados e em proposições portadores de significações isoláveis. (BARDIN, 2002, p.105). Ainda segundo Bardin (2002) a AC tem sua estrutura operacional dividida em três etapas: 1) pré-análise: onde ocorre o levantamento das ideias iniciais. Nesse primeiro passo é onde ocorre a organização da pesquisa com procedimentos como a leitura flutuante, a definição do corpus, a formulação de hipóteses e objetivos e a elaboração do material de referência. 2) exploração do material: é onde é realizada a codificação, a enumeração dos dados, transformando o que é bruto em centros de compreensão do texto. 3) tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação: neste momento ocorre o tratamento dos resultados brutos, tornando-os válidos. Para que seja esclarecido metodologicamente este procedimento de AC é normalmente utilizado em textos impressos, porém pode tratar de materiais como: revistas, filmes e fotografias, e neste trabalho será abordado em texto televisivo. Com isso, o emprego da AC requer em procurar algo por trás do que se está explícito nas comunicações e, portanto se faz necessário: Apelar para estes instrumentos de investigação laboriosa de documentos é situar-se ao lado daqueles que, de Durkhein a P. Bourdieu, passando por Bachelard, querem dizer não à ilusão da transparência dos fatos sociais, recusando ou tentando afastar os perigos da compreensão espontânea. (BARDIN, 2002, p. 28). Com o fato de esta pesquisa abordar a representação do negro na telenovela Da Cor do Pecado, a AC permite que se faça uma análise temática pela conjuntura qualitativa, considerando que neste tipo de análise será considerada ―a presença ou a ausência de uma determinada característica num determinado fragmento de mensagem que é tomado de consideração a um nível mais estritamente técnico‖ (BARDIN, 2002, p.21) 41 4.2 Corpus da Análise Como foi apresentado anteriormente, a televisão exerce uma grande influência no que se diz respeito à construção de imagens. E como este trabalho tem por temática a representação do negro na telenovela propõe analisar a forma como os negros são representados, se referindo as relações étnico-raciais. A telenovela Da Cor do Pecado foi escolhida para esta análise pelo fato de ser a primeira novela na Rede Globo a ter como protagonista de uma novela uma atriz negra. Outro fato que chama a atenção é que mesmo sendo a personagem principal é retratada de forma subalterna e sobre com preconceitos durante toda a novela. Segundo Bárbara Sacchitiello¹ (2013) Da Cor do Pecado é a recordista de vendas da emissora e já foi exportada para mais de 100 países, anteriormente este ranking era liderado pela novela Terra Nostra de Benedito Ruy Barbosa e na sequência vinham O Clone de Glória Perez e a versão original de Escrava Isaura de Gilberto Braga. Este trabalho pretende além de investigar a representação do negro na telenovela, como também saber se no período analisado da novela escolhida se houve ou não alguma alteração e mudança nas representações com relação à participação dos afrodescendentes que participam da trama. Com isso foi feita uma análise de conteúdo no período de 24 de outubro de 2013 a 7 de novembro do mesmo ano. É considerada para esta análise a forma como os afrodescendentes aparecem nas cenas, a linguagem utilizada por eles, a forma de agir e também a maneira como eles são tratados pelos outro personagens no decorrer na novela. Para compor esta AC foram utilizados os seguintes processos metodológicos: o levantamento bibliográfico, onde se pode ter um embasamento teórico do tema abordado; a constituição do corpus da pesquisa e a investigação dos objetos de estudo, como os vídeos dos capítulos disponíveis na íntegra no site da Rede Globo. 4.3 Descrição da telenovela A novela Da Cor do Pecado foi escrita por João Emanuel Carneiro com a supervisão de Silvio de Abreu e direção geral de Denise Saraceni, foi ao ar pela primeira vez na Rede Globo de Televisão no primeiro semestre de 2004 no horário das 19 horas e reapresentada no 42 programa denominado Vale a Pena Ver de Novo no segundo semestre de 2007 e no segundo semestre de 2012. É a primeira novela da emissora a ter uma relação interracial como tema principal e uma protagonista negra. A trama principal da telenovela centra-se na personagem e protagonista Preta, encenada pela atriz Taís Araújo, uma jovem maranhense, bonita mulata, feirante que vive uma história de amor com um homem rico e branco. O par romântico de Preta é o ator Reynaldo Gianecchini, que interpreta Paco Lambertini, um jovem botânico criado no Rio de Janeiro e único herdeiro da fortuna de seu pai, Afonso Lambertini, interpretado por Lima Duarte. Tudo se inicia no Maranhão: Paco e Preta se conhecem em uma feira de São Luís, onde o botânico foi realizar uma pesquisa sobre ervas medicinais. Quando vê Preta dançando a Roda do Tambor de Crioula, Paco se apaixona no mesmo instante, se encantando com a beleza e a sensualidade da mulata. Quando a conhece melhor, fica encantado com a sua sabedoria e a partir de então se inicia um romance, com isso Paco decide voltar ao Rio de Janeiro e terminar seu relacionamento com Bárbara, interpretada pela atriz Giovanna Antonelli, que é uma jovem ambiciosa que desejava casar com Paco somente para ficar rica. Bárbara não aceita o fim do namoro e arma para impedir o romance de Preta e Paco. Preta antes de se separar de Paco engravida de Raí, interpretado por Sérgio Malheiros, e acaba o criando praticamente sozinha. A história de amor de Preta e Paco é repleta de mentiras e armações de pessoas como Bárbara, que não queriam que o casal se unisse, e os dois acabam se separando. A novela conta a trajetória de dois irmãos Paco e Apolo (Reinaldo Gianecchini) gêmeos que desconhecem um ao outro. Apolo vive com sua mãe e irmãos, porém os dois se cruzam e uma tragédia leva a vida de Apolo. Paco volta para viver no lugar do irmão depois de oito anos do acidente. Paco se afasta de Preta nesse período e desconfia que ela o tenha traído com o exnamorado Dodô, interpretado por Jonathan Haagensen. O casal só consegue ficar juntos no final quando são esclarecidas todas as armações de Bárbara para separar o casal. Inicialmente a novela estaria mostrando uma mensagem de igualdade racial, já que a personagem principal da história é uma atriz negra, que faz par romântico com um ator branco. Isso poderia ser interpretado pela sociedade como um avanço, que a discriminação racial no Brasil estaria reduzindo, porém alguns aspectos nos mostram que não. A começar pelo título da novela ―Da Cor do Pecado‖, que está remetido a personagem negra, ao estereótipo de ‗mulata hipersensualizada‘. Como a personagem representa a mulher negra, fica óbvio que este estereótipo passa a ser atribuído a todas as 43 mulheres negras. Isso fica claro já no primeiro capítulo, quando o Paco conhece Preta e ela está dançando de maneira sensual e quando ela percebe que está sendo observada intensifica mais ainda o seu jeito de dançar. O fato de ter despertado uma série de posicionamentos a respeito de como trata as relações raciais iremos realizar uma análise de algumas cenas da novela e também da música de abertura, pois a crítica já se inicia no título, pois retrata a cor negra como o pecado. A abertura inicial nos remete a pensar e a associar o corpo da mulher negra à sensualidade, e o título afirma que o negro é a cor do pecado. A música de Luciana Mello é a usada na abertura da novela e, de acordo com Faria e Fernandes (2007), descreve de forma estereotipara a mulher negra: Da cor do pecado Esse corpo moreno cheiroso e gostoso que você tem É um corpo delgado da cor do pecado Que faz tão bem Esse beijo molhado, escandalizado que você deu Tem sabor diferente que a boca da gente Jamais esqueceu E quando você me responde umas coisas com graça A vergonha se esconde Porque se revela a maldade da raça Esse corpo de fato tem cheiro de mato Saudade, tristeza, essa simples beleza Esse corpo moreno, morena enlouquece Eu não sei bem porque Só sinto na vida o que vem de você A canção ―Da cor do pecado‖ apresenta uma mulher capaz de desestabilizar, de enlouquecer por sua sensualidade: a mulher do beijo molhado e escandaloso. A música também nos fala de uma suposta ―maldade da raça‖, entendendo essa maldade como a capacidade de seduzir e de perverter a ordem. Outra associação comum ao negro, reiterada na letra, diz respeito ao cheiro da pele negra, como algo distintivo e muitas vezes negativo. (FARIA E FERNANDES, 2007, p.7) Ainda de acordo com as autoras, a canção e as cenas sugerem a noção de sensualidade da mulher negra e associa ao pecado carnal. O Fórum Permanente de Mulheres Negras Cristãs do Rio de Janeiro não aceitou e repudiou argumentando que estaria reforçando o estereótipo da negra sensual, erótica e vulgar. Como vimos no primeiro capítulo, de acordo com Gomes (2002) a televisão utiliza imagens que é tomada como valores inquestionáveis pela sociedade. 44 Os discursos racistas são vistos desde o primeiro capítulo da novela, com a forma que a protagonista Preta é retratada, uma feirante, pobre, que fala de forma errada e que tem um jeito sensual, porém traz em seu nome o orgulho da sua raça. No primeiro capítulo vimos que o estereótipo é uma idéia sustentada pelo senso comum, que não pode ser contestada, que a sociedade se submete a uma aceitação inconsciente do lugar-comum (BORDIEU, 1998). Outro personagem negro da novela é Felipe (Rocco Pitanga) um negro bem sucedido, que trabalha para Afonso e durante a novela protege Preta. Felipe representa uma saída liberal do preconceito, porém ele também aceita ser subalterno tanto na empresa como na vida de Preta, já que a personagem não consegue esquecer o seu amor por Paco. O personagem também sofre com a questão do racismo, apesar de Afonso admirar o trabalho de Felipe, não o promove na empresa pelo fato de ser negro e afirma isso na cena do dia 20/02/2004, quando está conversando com a governanta Germana (Aracy Balabanian), na reapresentação da novela essa cena não foi ao ar. Segundo Couceiro (1983), como vimos no segundo capítulo o negro é aproveitado na teledramaturgia de forma condicionada e em situações já definidas e apesar do personagem Felipe pertencer a uma classe social mais alta e ter boa índole, acaba sofrendo os mesmo preconceitos por conta de sua cor. Sodré (1999), já destaca o racismo midiático, onde a mídia atua como uma propagadora de modelos. 4.3.1 Capítulo exibido em 19/10/12 A protagonista Preta nas cenas desse capítulo é acusada de roubo em um supermercado. Bárbara arma com um morador de rua e com Kaike (Cuca Andrada), seu amante com quem tem um filho e que diz ser do Paco, para colocar uma carteira na bolsa de Preta sem que ela perceba. Ao sair do supermercado é surpreendida com o alarme e sem poder dar explicações é levada para a delegacia pelos seguranças. O fato de Preta ser negra e por se vestir de forma humilde foi o motivo de não poder dar explicações ao ser abordada no supermercado. Carlos Hasenbalg (2005) relata que o preconceito e a discriminação racial são consequências do escravismo. Outra cena também exibida neste dia é quando Preta descobre que Kaike trabalha para Bárbara e é tratada pela vilã de forma preconceituosa sendo chamada de negra e ladra. E ressalta o seu nome fazendo comparação a sua cor. Segundo Leslie Zebrowits (1996) as pessoas costumam julgar pela primeira impressão, porém podem criar uma boa ou má impressão, dependendo dos conhecimentos anteriores que cada um tem. E o que é visto 45 constantemente na sociedade é a discriminação do negro pela sociedade e sempre criam uma má impressão por conta da cor. 4.3.2 Capítulo exibido em 24/10/12 Neste capítulo Afonso fala para Preta que precisa que seja feito um teste de DNA para saber se Raí é realmente filho de Paco, porém Preta se sente constrangida com a desconfiança e não quer aceitar, porém Afonso também fica desconfiado pelo fato dela não querer fazer o teste. Afonso tenta se explicar e diz que não quis ofender, que é só para que o menino tenha direito como neto. Na cena deste capítulo é notável a questão do preconceito por parte do avô da criança, pois Bárbara não precisou provar que Otávio (Felipe Latgé) era neto de Afonso e fica claro que é pelo fato de ser branco. Segundo Sodré (1999), como vimos no segundo capítulo, há um manifestação do racismo midiático que é a negação da existência do racismo, há a negação do preconceito. Podemos notar que Afonso não quis assumir que estava fazendo o teste pelo fato de Raí ser negro, negando a existência do preconceito pela cor do menino. 4.3.3 Capítulo 25 exibido em 26/10/2012 Bárbara depois de humilhar Preta derramando torta de morango em seu vestido, insiste para que seu filho Otávio durma na casa do avô Afonso, explicando de forma grosseira o porquê que o garoto deve dormir lá – Você quer que o seu avô goste mais do ―mulatinho‖ do que de você é isso? - diz ela mostrando sua posição racista quanto ao garoto. No mesmo capítulo ocorrem mais cenas de descriminação, em uma delas está Afonso, Raí e Otávio no café da manhã e ocorre o seguinte diálogo: Afonso - Não está comendo porque Otávio? Otávio - Estou enjoado. Afonso - Exagerou na sobremesa ontem a noite não é? Raí - Quando eu estou enjoado minha mãe me dá um chazinho de ervas e passa logo. Afonso - Pede pra Germana um remédio que ela te dá. Otávio - Não é de comida que eu to enjoado, é que eu não gosto de comer na mesa com gente preta. (Descrição da cena exibida em 26/10/12) 46 Figura 1 – Cena do café da manhã entre os personagens Afonso, Raí e Otávio Otávio mesmo sendo uma criança mostra a sua posição racista, julgando Raí mesmo sem conhecê-lo somente por ser negro. Logo após essa cena ainda diz que Raí é um menino de rua e que Preta, por ser negra, é uma mulher suja. Araújo (2000) diz que a televisão por ser um meio assistido por milhões de pessoas deveria ter uma realidade diferente, pois a influência da TV na vida da sociedade é vista como um agravante no preconceito das pessoas. 4.3.4 Capítulo exibido em 31/10/12 Na cena exibida o garçom, que também é negro, destrata Preta e zomba dela quando diz que é hóspede do hotel. Preta fica constrangida e pergunta se é por canta da cor dela que ele não acredita, se o fato dela ser negra não permite que ela possa comer no restaurante do hotel, ou mesmo se hospedar lá. Lívio Sansone (2003), como podemos ver no segundo capítulo, fala que a identidade negra depende do contexto cultural e social , não é uma representação genética, mas passa a ser interpretada pelo contexto social. O que foi visto na cena exibida é a não aceitamento do garçom, que é negro, da sua própria cor e não aceitando que alguém de cor negra possa usufruir de melhores benefícios do que ele. A sociedade vive em preconceito constante, podemos retratar o fato de representação social, visto no primeiro capítulo, que para Moscovici (1978) fazem com que o mundo seja o que pensamos que ele é, que nós fazemos e vemos o mundo como queremos. 47 4.3.5 Capítulo exibido em 02/11/12 A cena em que mostra Tony (Guilherme Weber), um chantagista que quer vingar a falência de seu pai destruindo a vida de Afonso, indo atrás de Dodô, um ex-namorado da Preta, vemos como é retratado o negro cabelo trançado, bêbado, malandro que faz de tudo pra se dar bem na vida, mesmo tendo que decepcionar e enganar Preta. Dodô é estereotipado na novela e como diz Solange Coureiro (1983) os atores negros na maioria das vezes são retratados de forma grotesca, numa posição subalterna, visto como um marginal na sociedade. Figura 2 – Cena em que o personagem Dodô é convidado para chantagear Preta Sodré (1980) reforça a idéia de que constantemente os negros têm suas representações de subalternos e serviçais e reforça a idéia de inferioridade intelectual, passando a não ter posições de poder dentro da sociedade, sendo submetidos a marginalidade, reforçando também a ideologia do embranquecimento, colocando o branco como bem sucedido, herói ou patrão, deixando nas mãos dos negros o trabalho ―sujo‖. 4.3.6 Capítulo exibido em 07/11/12 Neste capítulo observamos a conversa entre Tony e Bárbara, onde discutem o plano armado contra Preta para forjar que Dodô é o pai biológico de Raí. Os vilões da novela após trocarem o sangue de Raí pelo de Tony, no laboratório onde foi realizado o procedimento, querem fazer com que Afonso acredite que o verdadeiro pai de Raí é Dodô. A linguagem utilizada por Bárbara para descrever Raí é preconceituosa, ela o chama de 48 ―Mulatinho‖. Ainda neste capítulo os pais de Bárbara, Eduardo (Ney Latorraca) e Verinha (Maitê Proença) se referem a Raí com a mesma expressão e o ignoram pelo fato de ser negro e ainda o chamam de menos favorecido. Após o resultado do exame de DNA, Bárbara zomba de Raí e diz para não chamar Otávio de irmão comparando a cor da pele dos dois. Depois o destrata e chama Preta de mentirosa e marginal. Germana retorna a mansão e Bárbara repete para a governanta as mesmas ofensas na frente de Raí. O fato de ser influenciado pelos vilões da novela Dodô passa para o telespectador uma imagem negativa do indivíduo que mora na favela, do negro. E como vimos no primeiro capítulo à representação social de um indivíduo de determinada sociedade, se torna uma forma de conhecimento social elaborado e compartilhado, o que contribui para a construção da realidade comum a um conjunto social (JODELET, 2002). 4.4 Resultados da Análise No período analisado é notório que a quantidade de personagens afrosdescendentes, se comparado aos brancos, é muito pequena. Somente 6 (seis) personagens negros participaram desta período: Preta, Raí, Dodô, Felipe, Ítalo (motorista de Afonso) e um garçom que trabalha para Afonso Lambertini. É válido ressaltar que o autor da novela não está alheio as influências históricas e culturais do meio em que vive, como podemos ver na trama representado muito bem, através das falas e diálogos dos personagens, comportamentos de sentimentos racistas e branquitude. O autor junta as situações do mundo real e passa a representá-las através da ficção. Embora possamos ter notado que outros personagens tenham expressado sentimentos racistas, como Afonso Lambertini, a forma mais agressiva do racismo é vista através das ações da personagem Bárbara, a vilã da história. Percebemos que a prática racista está relacionada ao mau caráter, aquilo que representa o mal, como se estivesse ligeiramente ligado a pessoas de prática duvidosa. Já Afonso Lambertini mostra um racismo menos agressivo, mostrando através de suas atitudes como tentando uma aproximação com Preta, pois tem um grande carinho por Raí, porém podemos encontrar a representação do racismo, pois, pelas diferenças biológicas e as características físicas, faz com que ele tenha um julgamento ético e moral sobre todos os negros que estão a sua volta. Preta em todas as situações é sempre vista como suspeita, apesar de sempre estar sendo vítima das situações de Tony e Bárbara e os dois sempre saem ilesos das situações. 49 Kabengele Munanga (2003) relata em seu artigo ―Uma abordagem conceitual das noções de Raça, Racismo, Identidade e Etnia‖ características que regem a sociedade sobre o racismo e que é explícito em algumas cenas da novela. O autor comenta sobre o surgimento dessa teoria: Insisto sobre o fato de que o racismo nasce quando faz intervir caracteres biológicos e qualidades morais, psicológicas, intelectuais e culturais, que desemboca na hierarquização das chamadas raças em superiores e inferiores. Carl Von Linné, o Lineu, naturalista sueco, fez a primeira classificação da diversidade humana em quatro raças. - Americano: que o próprio classificador comenta como moreno, colérico, cabeçudo, amante da liberdade, governado pelo hábito, tem corpo pintado. - Asiático: amarelo, melancólico, governado pela opinião e pelos preconceitos, usa roupas largas. - Africano: negro, flegmático, astucioso, preguiçoso, negligente, governado pela vontade de seus chefes (despotismo), unta o corpo com óleo ou gordura, sua mulher tem vulva pendente e quando amamenta seus seios se tornam moles e alongados. - Europeu: branco, sanguíneo, musculoso, engenhoso, inventivo, governado pelas leis, usa roupas apertadas características físicas, ele faz o julgamento de valores éticos e morais dos negros que estão a sua volta. (MUNANGA, 2003 p.8) Esta classificação nos remete a uma hierarquia entre as denominadas raças humanas e vemos na trama de João Emanuel Carneiro que esta ideia é representada nos personagens de Bárbara e Afonso. Nas cenas analisadas Bárbara ocupa um lugar privilegiado e Afonso nem desconfia do que ela faz. Já Preta é sempre apontada como culpada. Por ser branca Bárbara é colocada numa situação superior. Mesmo a vilã passando por situações de necessidade no início da trama fez com que Afonso desconfiasse de sua índole. O empresário não tem dúvidas de que Otávio é seu neto, já Raí, seu verdadeiro neto, ele tem dúvidas. O racismo visto na postura dos personagens é uma questão vista também na realidade. A realidade é bem parecida com o que vemos na ficção, em relação a crimes, na maioria das vezes, o branco é inocente até que se prove o contrário, já o negro é culpado até que se prove o contrário. Afonso nas cenas da novela faz uma relação direta de Preta com os estereótipos negativos, justificando o comportamento dela fazendo ponderações como ―o que se pode esperar de uma pessoa como ela? Eles são assim mesmo‖. E quando Afonso coloca Tony em um cargo que era pra ter sido ocupado por Felipe, mostra mais uma vez o modo racista com que o empresário age, pois o rapaz é negro e Tony é branco. Analisando a telenovela percebemos que Bárbara e Afonso representam bem o racismo e a branquitude. Ambos utilizam a hierarquização racial para justificar seus 50 comportamentos em relação à Preta. A uma distinta relação entre ficção e realidade e nos faz pensar na seguinte pergunta ―o que significa ser negro no Brasil e o que o branco representa na sociedade?‖. Apesar de ter em seu elenco uma protagonista negra Joel Zito Araújo ainda comenta negativamente sobre a intenção do autor: A trama "Da Cor do Pecado" é um marco pela escalação da primeira protagonista negra em novelas da TV Globo. Peca, no entanto, por ter poucos negros no elenco e pelo fato de, na maior parte do tempo, inserir a personagem Preta (Taís Araújo) em um núcleo majoritariamente branco. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2004). 51 5. CONSI DERAÇÕES FINAIS A partir da análise das cenas da novela Da Cor do Pecado, podemos afirmar que a personagem de Taís Araújo apesar de ser a protagonista, sofreu com o fato de ser negra. Isso só reforçou os estereótipos atribuídos à imagem da mulher negra. Não foi protagonizada como uma doméstica ou uma escrava, mas não teve o espaço merecido. Apesar de tentar mostrar que uma negra pode protagonizar uma novela, Preta sofre com as humilhações dos personagens brancos da trama. Porém um fato que chama a atenção no papel da personagem é a dignidade que ela tem. Vimos também o drama sofrido pelo personagem Felipe, que sofre com as humilhações na empresa por ser negro e por não sendo promovido. O que fica perceptível é o fato de só vermos ações ruins por parte dos personagens brancos e apesar de Dodô agir de forma errada ainda é por influência de Bárbara e Tony. O drama vivido por Preta, por não conseguir provar que Raí é filho de Paco, e por sofrer com as humilhações, sendo xingada de suja, ladra e vigarista. Apesar de tudo isso, mostrou que tem dignidade, que não precisa do dinheiro da família do pai de seu filho para ser feliz. No elenco de uma telenovela, vemos que ao ator negro sempre será destinado um personagem para o qual esteja prevista a característica étnica. Ou seja, se um personagem tem que ser indiscriminadamente representado ou por negro ou por branco, será por um branco. O ator negro, quase sempre, terá personagens secundários, interpretando papéis sociais subalternos dentro da estrutura social brasileira. A discriminação sofrida por um ator negro é sempre nivelada e vai depender da intensidade do seu grau de mestiçagem. Quanto mais traços brancos tiverem, mais facilmente serão aceitos pela sociedade. Ou seja, traços negros significam necessariamente a associação do artista a personagens secundários e estereotipados na trama. Todos eles, portanto, são obrigados a incorporar na televisão a humilhação social que sofrem os mestiços em uma sociedade norteada pela ideologia do branqueamento, em que a acentuação de traços negros ou indígenas significa a possibilidade de viver um terno sentimento racial de inferioridade, e uma consciência difusa e contraditória de ser uma casta inferior que deve aceitar os lugares subalternos intermediários do mundo social. (ARAÚJO, 2006, p.77) Vimos no primeiro capítulo que a representação social do negro é revelada através das experiências culturais, o negro é um ser histórico, político e social quando analisamos a 52 sua relação com o mundo, mas com isso é válido ressaltar que a imagem foi construída de uma forma estereotipada e desigual. Vimos também um pouco de como foi a história do negro no Brasil e como tiveram o seu avanço na sociedade. Apesar de fazer parte da metade da população brasileira e também do avanço que teve, o negro continua sofrendo com a questão da discriminação racial. Relatamos também sobre o conceito de identidade, como o negro se vê, pois a questão da identidade depende da relação que cada um tem com o seu passado, pois identidade tem uma relação com a autoafirmação. No segundo capítulo podemos conhecer um pouco da história da televisão no Brasil, as primeiras telenovelas transmitidas e as primeiras participações dos negros. Como vimos, a televisão tem o poder de influenciar e manipular as pessoas pelo que se é transmitido, o que acaba afetando na realidade do telespectador. Sobre as primeiras participações dos negros na telenovela vimos que não foi bem aceito a questão de um afrodescendente fazer um personagem principal, colocando um ator branco para protagonizar a novela. A representação do negro nas telenovelas, em alguns momentos, reforça os preconceitos difundidos no sendo comum, pois na maioria das vezes atuam como motoristas, empregadas, escravos, reforçando cada vez mais essas características atribuídas aos negros. De acordo com o que foi apresentado é fácil afirmar que a presença dos personagens negros na teledramaturgia vem se fortalecendo e se intensificando se formos comparar com as épocas anteriores, e o telespectador já passa a ver com bons olhos os relacionamentos inter-raciais, o fato de o negro ser bem sucedido. Muitos ficaram orgulhosos com o fato de se ter uma protagonista negra em uma novela de horário nobre, mas o fato de ser sempre discriminada e humilhada não foi visto com bons olhos. Os autores devem se conscientizar de que se deve haver uma mudança na imagem estereotipada do negro, que ainda está prevalecendo na mídia televisiva. O que se deve ser levado em consideração é que na sociedade existem muitos negros bem sucedidos, que convivem normalmente na sociedade, que a realidade de racismo não é vivida por todos. Os personagens da novela analisada sofreram com a discriminação racial, com o fato de serem de famílias humildes e de quererem provar sua honestidade e inocência. A representação das situações de racismo na telenovela não torna possível a construção de um espaço de democracia racial. É necessário que façamos uma reflexão sobre como formulamos as imagens que temos uns dos outros e também de nós mesmos, para que possamos lidar com as situações do nosso cotidiano, não só observando o lado de quando somos discriminados, mas também quando passamos a ser os discriminadores da situação. 53 6. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil. O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002. BARTH, Frederick. 2000. 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