[re] nas fábulas de fedro e de monteiro lobato

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A GRAMATICALIZAÇÃO DO PREFIXO [RE] NAS FÁBULAS DE FEDRO E
DE MONTEIRO LOBATO
MARIA APARECIDA SOUZA GUIMARÃES(UNEB)
[email protected]
VALÉRIA VIANA SOUSA (DELL/UESB)
[email protected]
INTRODUÇÃO
O crucial em um estudo funcionalista, então, é verificar como acontece a
comunicação em uma língua, reconhecendo que há uma estrutura pertencente à língua e
que essa sofre pressões de uso, de ordem cognitiva, por parte dos falantes. Essas
pressõesfazem com que determinados itens usados antes com a função A passem a ser
usados e rotinizados, além dessa, para outras funções, como A’, B’ etc.
A partir da linha de pensamento estabelecida por essa perspectiva teórica,
neste estudo temos como objetivo investigar o sentido primeiro do prefixo [re] e quais
foram as motivações internas e externas que o fizeram sofrer uma expansão semântica
passando a ser dotado de seis (6) acepções, segundo Carlos Gois (1945), no Dicionário
de Afixos e Desinências. A saber: a) de novo; b) aumento, intensidade; c) oposição; d)
reciprocidade; e) negação; f) lugar interior.
Para a realização desse estudo, analisamos o uso conferido a expressões que
trazem o prefixo [re] em corpora formados pelo corpus (1)quinze (15) fábulas de Esopo
eFedro e pelo corpus (2) quinze (15) Fábulas de Monteiro Lobato. Realizamos a leitura
desse material e selecionamos as fábulas que continham os vocábulos prefixados em re .
Após essa primeira triagem, o nosso corpora reduziu para cinco (05) fábulas no corpus
(1) e três (03) fábulas no corpus.
O presente artigo é composto por essa introdução, seguida de uma reflexão sobre
a Teoria Funcionalista eum estudo acerca do prefixo re a partir de dicionários,
gramáticas históricas e normativas; e, por fim, a análise dos vocábulos encontrados no
nosso corpora e as conclusões ainda parciais desse estudo.
1.
O funcionalismo e o item linguístico
A história do funcionalismo sempre foi pautada a partir da instabilidade entre a
relação de estrutura e função. Os funcionalistas têm, então, como princípio chave da sua
teoria, a noção de que o sistema funcional das línguas é determinado para uma
finalidade e pela natureza das suas funções características. A língua, assim, é um
sistema de meios de expressão apropriados a um objetivo, a um propósito; as estruturas
linguísticas não são autônomas e estão imbricadas às circunstâncias discursivas e
entrelaçadas aos aspectos cognitivos da produção, nos quais se encontram envolvidas a
informação pragmática do falante (crenças, valores, práticas sociais) e a informação
pragmática do destinatário (práticas sociais).
Duas tendências, segundo Salomão (1994), emergem no funcionalismo à
procura de justificativas para a estrutura linguística: a externalista, que se apoia no
contexto de uso discursivo, e a internalista, nos quais os processos mentais é que são os
responsáveis pela origem de tais estruturas.
Givón (1971)articula as duas tendências e afirma que a mente é a razão de ser da língua,
mas só é passível de observação no discurso. Dessa forma, associa o funcionamento do
que é externo como uma evidência do funcionamento do que é interno.
Na teoria funcional,há o reconhecimento da aridez presente na tentativa
deestabelecer limítrofes para um item linguístico. Nessa seção, pretendemos, a partir do
suporte da gramaticalização, apresentar os quatro parâmetros postulados por Heine
(2003), a saber:
extensão, que quer dizer o uso de terminado item em novos contextos e
implica uma ampliação semântica;
adessemantização, que quer dizer a perda de conteúdo semântico,
havendo uma redução de significado de um item, o desbotamento
semântico;
adecategorização, que quer dizer a perda de características
morfossintáticas da forma original;
a erosão, que quer dizer a perda de massa fônica de um item
E,a partir disso, abrir a discussão , tentando compreender o que houve com o
prefixo re. Inicialmente, podemos postular que esse prefixo surge na língua com o valor
de repetição da ação postulada no verbo base ao qual esse prefixo é agregado
Analisando o prefixo re,percebemos que esse prefixo traz de forma acentuada o sentido
da repetição de alguma ação.A rigor, os falantes quando desejam manifestar o ato de
fazer novamente e manisfestam esse desejo através do uso de um prefixo o fazem com o
re.Assim, é comum vermos expressões como refazer,reler, recomeçar nos diálogos,
assim como , ao abrirmos um dicionário, somos invadidos por expressões como
reabastecer, reabilitar, reabitar ,reabotoar e assim por diante.
Seria esse ,então, o uso prototípico desse prefixo? O que dizem os gramáticos
históricos , os gramáticos normativos e os etimologistas sobre o prefixo? Ele era usado
apenas com esse sentido? Na atualidade, ele permanece com esse sentido? Houve
ampliação semântica? Se houve, quais são os outros valores agregados ao prefixo re?
Essas questões nos guiarão na próxima seção.
2.
O prefixo re, a sua história e o seu uso
Na língua portuguesa, os afixos se dividem em prefixos e sufixos de acordo com
a posição a que se agregam ao radical para a formação de palavras. Se, por um lado, os
sufixos constituem o afixo que possui uma grande valorização do ponto de vista
morfológico,como um elemento de elevado potencial na formação de novas palavras
pertencentes a classes gramaticais distintas do termo primitivo; por outro lado, os
prefixos resguardam uma independência, tendo em vista que muitos deles são, em geral,
originados de advérbios ou de preposições; são responsáveis, por sua vez, por uma
maior força do ponto de vista semântico e,assim, são estes que possuem maior
encargopela ressignificação dos vocábulos já existentes.Basílio(1999,p.9) afirma que:
[...]a prefixação é utilizada para a formação de palavras quando queremos , a partir do
significado de uma palavra, formar outra semanticamente relacionada, que apresente
uma diferença semântica específica em relação à palavra-base.
Os prefixos, que, na língua portuguesa são de origem latina ou grega, possuem,
nas palavras de Bechara (2006), uma “natureza de elemento mórfico de significação
externa subsidiária.”(p.509).É sobre eles que, nesse estudo, lançaremos o nossa
focalização e, mais especificamente, sobre o prefixo re.
De forma geral, o prefixo re , originado do latim re (red –antes de vogais), aos
olhos de qualquer falante do português brasileiro, remete ao significado de repetição, de
fazer novamente. Serafim da Silva Neto registrou vocábulos e expressões que já no
século XVI,re-não e re–si ,traziam o prefixo em estudo com um significado diferenciado
da repetição. Aqui, há para o re um valor de partícula reforçativa. Outras acepções, no
entanto, são também apresentadas por filólogos, etimologistas e dicionaristas.
Firmino ([s.d.],p. 436), no Dicionário Latino-Português, traz que o prefixo re é uma
“[...]partícula inseparável que , junta às palavras, designa: retrocesso, para trás
[...];reciprocidade,resposta [...];renovação,reduplicação [...]”.
Michaelis (2001), no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, reconhece os
valores de repetição, de reciprocidade, de mutuação e troca, postulados por Firmino
([s.d.]), e acrescenta ao prefixo re o valor de intensificação da ação.
Cunha (1997), no Dicionário etimológico Nova Fronteira da Língua
Portuguesa, afirma que o prefixo retraz noções básicas de volta, retorno, regresso; de
repetição, reiteração, conforme vistos nos autores anteriores, e adiciona o valor de
oposição ao item.
Caldas Aulete (1980,p.3086) , ao propor a discussão sobre o prefixo re,
argumenta que , algumas vezes, serve para indicar a repetição do ato, como: redizer
(dizer novavente), recomeçar (começar de novo) ou para indicar uma ação retroativa :
reagir, repelir.Outras vezes, o prefixo re configura o valor de reciprocidade, de
mutuação, uma espécie de troca, como em :réplica (responder a alguém a partir de uma
fala desse alguém), restituir (substituir um elemento que foi tirado), redar (um ato de dar
a alguém que já fez esse ato antes). Outras vezes, o mesmo prefixo serve para dar mais
força, ênfase à palavra primitiva. Para esse caso, Caldas Aulete (1980) cita exemplos
extraídos de Castilho : “Quem assim resiste à morte é são, ressão e arqui-são” ou “Você
lá, meu neto, é tolo e retolo”. Algumas vezes, ainda, o prefixo re, acresce o autor,
aparece com um valor sensível, no caso particular de palavras como reluzir.
No Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Ferreira (1986) segue a linha deste
dicionarista, reconhecendo, no prefixo em análise, o movimento para trás
(regredir,ressaca),a repetição (recomeçar,relâmpago), a intensidade (reavivar,
rebrilhar,revezar), a reciprocidade e indica a “mudança de estado (refrescar)”.
Said Ali (2001) assevera que o prefixo reune-se a verbos e tem o valor adverbial
das expressões outra vez, de novo. O gramático reitera que “ a ideia que prevalece no
espírito [ao se criarem neologismos verbais] é a de volta, com vigor novo, ao ponto
inicial de ações que com o tempo se enfraqueceram, alteraram ou
desfizeram.Acrescenta ainda que o re , por vezes, pode também indicar ocontramovimento “quando acompanhado de esforço com o fim de paralisar ou inutilizar
alguma energia (refluir, reagir, repugnar)”;pode aparecer como partícula contraditória
ou negativa (reprovar) ou ainda como tendo o sentido dominante do ato repetido
(recortar,retalhar)
Em sucintas palavras, Sousa da Silveira (1983) atribui a designação do prefixo
re à repetição, volta, movimento reflexo, corroboração, intensidade e, mais uma vez, um
exemplo de Castilho é posto “ Será ou não verdade que...? Verdade e reverdade ”
Na perspectiva da tradição gramatical, esse prefixo está vinculado, a rigor, à
ideia de repetição (reler, refazer,reformar); de reforço (rebramar, recolher, reluzir,
rebuscar), de retrogradação (repelir, reagir, reverter, refluxo) (ALMEIDA,2005,p.389);
de “outra vez”,de novo” (reassumir, reatar, recomeçar, recompor).É posto , a rigor,
como o prefixo responsável pela expressão aumentativa do verbo, como em: mexer-
remexer, pousar-repousar, queimar-requeimar, soar-ressoar, talhar-retalhar, torcerretorcer.(ALMEIDA,2005,P.305).
De
movimento
para
trás
(regredir,
refluir,refrear,recorrer),
de
repetição
(refazer,reatar,reaver,reconstruir,redizer,
renascer,recordação), de reciprocidade (saudar mutuamente), de intensidade (ressaltar,
rescaldar –escaldar muito)(BECHARA,2006,p.512;ROCHA LIMA,1998,p.204;
CUNHA & CINTRA,1985,p.85;AZEREDO,2008,p.452).
Em outras línguas românicas, o valor do prefixo repermanece tal qual esboçado
na Língua Portuguesa. No italiano, Cusatelli (1978,p.460), no DizionarioGarzanti Della
Lingua Italiana, apresenta sucintamente que se trata de um “[...]prefissousato per
indicareilripetersidiun’azione, anche in senso contrario (reagire)”2 e, na língua francesa,
Dauzat ;Dubois;Mitterand (1993,p.650), no DictionnaireÉtymologique et
HistoriqueduFrançais, afirmam que “[...] exprimantleretour em arrière, larépétition,
l’approfondissement. [...]”3. Vale ressaltar que,no português de Portugal, em linguagem
cômica, segundo Said Ali (2001), o re com valor de reforço é uma partícula aglutinada
a classes morfológicas menos convencionais como em advérbios “rebem” ou “renão”,
em adjetivos “recontente” e em pronome “resenhor”,
Neves (2003) observa que esse prefixo latino pode ser acoplado ao elemento seguinte
sem o uso do hífen e que indica movimento para trás,como em regredir , ou uma
repetição, como em rever.
É interessante ainda registrar que, no Dicionário histórico das palavras
portuguesas de origem tupi, Cunha (1998) traz o verbeteressoca .Vocábulo constituído
pelo prefixo re adjungido à soca, cujo significado é “terceira produção da cana-deaçúcar”.
Traremos,a seguir, duas estudos sobre o afixo redesenvolvidas de formabastante
acurada e que, para a nossa pesquisa, merecem ser aqui apresentadas quase que na
íntegra.
No Dicionário de Afixos e Desinências, temos:
RE- prefixo latino, exprime:
a)
De novo: refazer, reconstruir, recomeçar;
b)
Aumento,intensidade:
resplender;refulgir;recomeçar;recontente;rebaixar;realçar;recru (muito cru);recontente
(muito contente);
c)
Oposição: reagir;repelir;refrear;
d)
Reciprocidade: restituir;
e)
Negação: reprovar;recusar; refutar;réprobo;
f)
Lugar interior;recâmara (câmara interior e recôndito).
Precedendo palavra, que comece com e, em alguns casos deixa de haver a contração; em
outros, porém, observa-se a contração. Como exemplos do primeiro caso,
temos:reerguer;reembolso;reeleito [...]Como exemplos do segundo caso, temos :
remigrar ;rescrever;restabelecer [...]Podem outrossim coincidir as duas formas em um
mesmo vocábulo, ex: reenvidar=revidar. (GÓIS, 1945,P.176)
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, encontramos
2
“[...]prefixo usado para indicar a repetição de uma ação, mesmo na direção/sentido
oposta(o).
3
“ [...}expressando o retorno, a repetição e o aprofundamento [...]”
Pefixo do latim, re-, português re-(vulgar e culto), antes depalavras iniciadas por
consoante, inclusive -i- e -u- consonânticos (mais tarde grafadas -j- e -v-); do latim red>port.red- em cultismos , só antes de palavras latinas iniciadas por vogal ou h-, que no
aportuguesamento não é grafado; em vernáculo reveste as acepções de: 1) ‘retrocesso,
retorno, recuo’ [...];2) ‘repetição, iteração’ [...];‘reforço, intensificação’[...];4)
‘oposição,rejeição, repulsa’[...];quanto a re- ,o V.O.consigna copiosíssimo número de
palavras com este prefixo (dos mais prolíficos da língua [...] (HOUAISS;
VILLAR;FRANCO,p.2389)
Na perspectivaestilística, ao analisar os prefixos, Martins (1997) associa a
partícula rea outros prefixos como bis-, tri-, tres- e atribui a esses a indicação de
repetição,de multiplicação e de intensificação.Lapa (1982), por sua vez, traz a curiosa
afirmação de que o prefixo re só aparece em palavras do fundo antigo da língua e,
continuando a discussão, menciona que alguns escritores como Eça de Queiroz ousaram
equivocadamente tentar com o re alguns neologismos, mas foram mal sucedidos, tendo
em vista que, utilizando-nos das suas próprias palavras, “ a língua veio a repudiar”
(p.93) expressões como repenetrar, remergulhar, reenfiar, repercorrer.
Através desse diálogo estabelecido com as gramáticas históricas, as gramáticas
normativas e os dicionários etimológicos, constatamos que o prefixo re, mesmo que
possuindo ,a prioristicamente, o valor de repetição, pode ser categorizado com uma
gama de valores outros que se sistematizam , segundo a nossa óptica, assim :
1.sentido de repetição (reinteração, iteração,reduplicação);
2.sentido de intensidade (reforço,intensificação da ação,expressão aumentativa);
3.sentido de retrocesso (movimento para trás, volta , retorno, regresso, recuo);
4.sentido de reciprocidade (resposta,mutuação e troca, movimento reflexo,
corroboração;
5.sentido de mudança de estado (renovação);
6.sentido de oposição (contra-movimento, retroação,rejeição);
7.sentido de negação (.partícula contraditória ou negativa,reprovação);
8. sentido de lugar interior.
Na próxima seção, buscaremos responder se há umarelação entre esses valores
elencados e os vocábulos formados com o prefixo re selecionados nas fábulas de Fedro,
Esopo, textos antigos, e em Monteiro Lobato, textos contemporâneos
3. A análise das fábulas
As fábulas são pequenas narrativas que servem para ilustrar vícios e virtudes
através de personagens representados , em sua maioria, como animais ou criatura
imaginárias. Ao final da fábula, a rigor, há a ilustração de uma moral que objetiva
induzir o leitor a uma conduta adequada de valores considerados bons.
Escolhemos, para a realização da nossa análise, um corpora formado por:
corpus (1) : quinze Fábulas de Esopo e Fedro
corpus (2) : quinze Fábulas de Monteiro Lobato
Encontramos ,em apenas três (03) fábulas do corpus (1) e em cinco (05) fábulas do
corpus (2), vocábulos formados com o prefixo re.
No corpus (1), analisaremos as Fábulas “ O rato , a rã e o minhoto”, “O vilão
que recolhe a serpente” ,narrativas esopianas, e “O irmão e a irmã”, narrativa de Fedro.
Esopo, em “O rato, a rã e o minhoto”, narra que um rato precisava de ajuda para
atravessar um lago e que a rã o ofereceu gentilmente auxílio. O rato,na condição de
necessitado, logo aceitou a ajuda. A rã propôs, então, que amarrassem uma linha no pé
de ambos e que ele subisse em suas costas para atravessarem. E,assim, o rato o fez.No
decorrer do percurso, a rã,aproveitando-se da linha, atirou o rato em direção ao fundo e
o rato, aproveitando-se da linha também, novamente subia. Nesse clima de batalha entre
o rato e a rã, um minhoto que voava pelo ar, tomou os dois com as unhas e comeu-os.
Na moral da história,Esopo diz que todo homem que usa boas e doces palavras em prol
do seu próximo, mas que, na verdade, quer enganá-lo , praticando más ações deve ser
repreendido.
Nesse vocábulo,rreprehemde>repreender, o sentido que o prefixo re manifesta
é o sentido de oposição. O vocábulo ,então, traz a ideia de uma ação que deve ser
contida, semelhante aos vocábulos repelir,rejeitar.
Na fábula “ O vilão que recolhe a serpente”, o narrador nos conta a história de
uma cobra resfriada que foi encontrada por um camponês.Ele a acolheu em sua casa e a
aqueceu.Mas ela, assim que se percebeu em uma melhor condição, tentou mordê-lo.
Ele, com grande trabalho, conseguiu arremessá-la para fora de sua casa.
A lição que ficou é a de que não se deve ajudar aos homens de má índole ainda que eles
estejam em situações perigosas,pois se algum bem o fizermos sempre teremos dele um
mau agradecimento.
Em “ O vilão que recolhe a serpente”, Esopo traz dois vocábulos formados com
o prefixo re , a saber:recolhe e rregelado. O primeiro vocábulo, recolhe, formado pelo
prefixo re +colhe (r), traz em si o valor de lugar interior. A ação não perpassa pelo valor
de uma colhida a algo novamente (repetição), mas sim de uma recolhida, no sentido de
guardar algo. Imaginemos o uso desse prefixo, por exemplo, para um enunciado no qual
se afirme que alguém se recolhe. Não significa dizer que houve a prática repetida da
ação de recolher,mas, antes, a ação de guardar. Dessa forma, o recolher apresenta o
sentido de lugar interior.
No segundo vocábulo, o valor presente em rregelado>resfriado é osentido de
intensidade, ressignificando um frio acima do normal. Assim, como recontentee
rebaixado significam mais contente e mais baixo respectivamente.
Na fábula “ O irmão e a irmã”, Fedro narra a história de uma família constituída por
um filho muito bonito e uma filha muito feia. Um dia, os dois irmãos brincando
pegaram o espelho da mãe deles que estava sobre a cadeira.
O filho se gabava por ser bonito e a filha não suportava tanta zombaria. O pai
abraçou os dois e dando beijos e repartindo com ambos a sua ternura, disse-lhes que o
espelho deveria, para o filho,servir para que não estragasse a beleza com a nódoa dos
vícios e , para a filha, para que a feiura do rosto fosse vencida com os bons costumes.
No vocábulo repartir, o prefixoreagrega-sea uma base que remete ao ato de
partilhar. Dessa forma, a nossa inferência é a de que o prefixo re ,nessa palavra, tenha o
sentido de intensidade , como regelado da fábula anterior. Dessa forma, há uma certa
ênfase à ideia de partilha.
No corpus (2), analisaremos as FábulasPau de dois bicos, Formiga Má, O
cavalo e o burro,Oorgulhoso,Os dois burrinhos.
Na fábula “ Pau de dois bicos”, Monteiro Lobato narra a história de um morcego
que, pousa no ninho de um coruja e , quando a coruja , regressa e investe contra ele ,
este argumenta que também é uma ave como ela .Dias depois, ao planta-se no casebre
de um gato do mato e se questionado pelo gato que era uma ave, o morcego retruca
dizendo que é um bicho de pelo. Agindo assim nos dois lugares, o morcego conseguiu
retirar-se são e salvo.
Nessa fábula, três são os vocábulos prefixados com o afixo re: regressar,
retruca e retirar-se. No primeiro vocábulo,o prefixore imprime um sentido de
retrocesso. Na fábula, mais especificamente, regressar expressa o retorno da coruja ao
seu ninho. No segundo vocábulo,retruca, o prefixo remarca o sentido de
reciprocidade, pois o morcego responde , contra-argumenta as falas do gato do mato.
No terceiro vocábulo, o prefixo retraz o sentido de intensidade, ao retirar-se o gato
não apenas se desloca do lugar, mas o faz com reforço, assim como o rebaixar.
Monteiro Lobato, na fábula “Formiga Má”,traz a conhecida história da formiga que
trabalha e da cigarra que apenas se divertia. Nessa concepção lobatiana, a formiga é
considerada usurária e tem muita inveja da popularidade da cigarra. A cigarra cantou e
encantou a todos durante o clima quente e , agora, no inverno ,quando a neve recobria o
mundo, ela foi até a formiga e pediu emprestado um pouco de comida. A formiga negou
e,assim, a cigarra morreu e, assim, quando a primavera chegou, o mundo apresentou um
aspecto triste.
Nessa fábula, há o vocábulo recobria. O prefixo re, no verbo recobrir, traz o
sentido de repetição, a neve cobre novamente a terra no inverno. Mas ,
simultaneamente, é possível também percebero sentido de intensidadeexposto no
contexto da fábula.
Em “ O cavalo e o burro”, há a narração de uma história na qual o burro, carregando um
peso excessivo de 8 arrobas,pede ao cavalo para repartirem a carga e, assim, cada um
carregaria 6 arrobas.O cavalo desdenha e questiona o porquê de ele aceitar carregar6
arrobas se poderia continuar carregando 4 e o burro, sabiamente, argumenta que se ele
não fizer isso correrá o risco de ter que carregar toda a carga. Dito e feito. O burro
morreu e os tropeiros colocaram toda a carga sobre o cavalo egoísta que, ainda refugou
e por isso levou chicotadas. Ao final da fábula , o papagaio diz : Bem feito! Gema
dobrado agora...
Nesta fábula, há dois vocábulos: repartirem e refuga. No repartirem, o re
impõe o sentido de intensidade ao ato de dividir, tal qual afirmamos na fábula “ O
irmão e a irmã”. É interessante perceber que o vocábulo refuga, que já teve (ou também
tem) o sentido relacionado a fugir novamente,traz o sentido de negação na fábula, pois
refere-se ao ato do cavalo reclamar da quantidade de carga que teria após a morte do
burro.
Na fábula “ O orgulhoso”, Monteiro Lobato apresenta a figura de um jequitibá
enorme e orgulhoso por considerado o mais importante da floresta.Com essa
qualificação , o jequitibá ostenta arrogância no decorrer da fábula, ao dialogar com uma
tábua. A tábua, sentindo-se humilhada, o questiona se houver um grande vendaval se o
jequitibá revirará. A tempestade acontece, a tábua permanece como sempre foi e o
jequitibá orgulhoso se mistura às outras árvores despedaçadas da floresta.
No vocábulo revirará, o prefixo re apresenta o valor considerado como mais
próximo à prototipicidade, o sentido da repetição. Nesse contexto, o de virar
novamente.
Por fim, na fábula “ Os dois burrinhos”, Lobato conta a história de dois
burrinhos que seguiam trotando pela estrada. Um carregava bruacas com ouro e o outro
carregava bruacas com sacos de farelo. Em função da carga, o primeiro não queria que o
segundo caminhasse ao seu lado, pois dizia que quem carregava ouro não era do mesmo
naipe de que conduzia feno. No percurso, apareceram ladrões da montanhas. Estes,
primeiramente, observaram a carga do burrinho humilde e viram farelo, não o quiseram.
Depois, observaram a carga do burrinho arrogante e ,quando perceberam que era
valiosa, tentaram pegar. O burrinho resistiu, desferiu coices e disparou pelo campo. Os
ladrões o pegaram e o machucaram com pau e pedra e, então, saquearam a mercadoria.
O burrinho surrado ,ao ver o burrinho humilde caminhando tranquilamente , pediu
ajuda, e este ironicamente perguntou se ele poderia aproximar-se de um burro tão
importante. O burrinho o ajudou e eles regressaram para casa com a lição de que “certos
homens do mundo só valem pelo cargo que ocupam. No fundo, simples bestas de
carga...”
Nessa fábula, dois vocábulos com o afixo em estudo: resiste,regressar. No primeiro
vocábulo, o re tem o sentido de oposição, tal qual o vocábulo reagir.E,no segundo
vocábulo, conforme visto em “O pau de dois bicos”, o re tem o sentido de
retrocesso.No enunciado em particular, de retorno à casa.
Os sentidos do prefixo re,além do sentido da repetição, apareceram nos corpora. No
corpus (1), encontramos os sentidos de intensidade, de oposição, de negação e de lugar
interior e, no corpus (2), apareceram os sentidos da intensidade, de retrocesso, de
reciprocidade e de oposição.
CONCLUSÃO
Nessa discussão apresentada, algumas certezas nos são notórias: o prefixo re é
bastante produtivo na língua; a sua prototipicidade está mais próxima ao sentido da
repetição, contudo o seu sentido tem migrado para os sentidos da intensidade, de
retrocesso, de reciprocidade, de mudança de estado, de oposição, de negação e de lugar
interior. Em nosso corpora, o sentido de mudança de estado não foi registrado nas
fábulas, mas é válido ressaltar que, em um mesmo vocábulo, dois sentidos foram
percebido.
Diante disso, há um processo de ampliação semântica no prefixo re.
Algumas inquietações surgem , como :o que seria o valor sensível atribuído ao prefixo
re por Caldas Aulete? Que sentido poderíamos atribuir a um vocábulo como reunir? Ou
mesmo reunião?
Questões como essa e uma investigação maior do presente objeto de estudo estão sendo
realizadas pelo Grupo de Pesquisa em Estudos Sociofuncionalistas/Cnpq.
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