A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO POR RENATA TAVARES DA COSTA BESSA Tese a ser apresentada no Concurso de Teses do VIII Congresso Nacional de Defensores Públicos. Para meu amigo Carlos “Careca”, na esperança de que se convença que podemos mais. 2009 1 INTRODUÇÃO: Defensoria Pública, num Estado como o brasileiro, para além de assegurar o acesso à justiça aos que dela necessitarem, é instrumento de transformação social ao incluir as camadas menos favorecidas da sociedade num processo de construção de cidadania. O Estado Brasileiro foi fruto da criação de uma classe branca minoritária que detinha os meios de produção e controlava os políticos e sociais1. Essa classe sempre optou por excluir as massas trabalhadoras dos processos de construção da cidadania. Em breve síntese, pode-se dizer que dos negros escravos dos ciclos da monocultura (cana, borracha, tabaco, café) no período colonial até as grandes plantações de soja e das fazendas de criação de gado dos dias atuais, muito pouco mudou. O índio continua sem terra, expulso pelos mesmos bandeirantes que agora plantam arroz; o negro “livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela” e o operário ainda se sujeitando ao patrão- que agora se chama Mercado, ou seja, o velho Brasil ainda sob as ordens do Pacto Colonial caracterizado pelo latifúndio escravocrata monocultor e de exportação! Isto tudo mesmo após a Constituição de 1988- Carta Política que inaugurou a redemocratização deste país2 1 Neste sentido, ver Bernardes, Marcia Nina. Construindo uma nova Defensoria Pública. In A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, onde se lê:”...Sergio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro, dois dos principais intérpretes-criadores da identidade brasileira, através de analises diferentes, ressaltam que a formação social brasileira foi marcada pelo personalismo e pelo patrimonialismo” 2 Nesta conjuntura, aparece a Defensoria com a missão constitucional de defender os juridicamente necessitados. E quem são eles? A maioria da população! Ao oferecer assistência jurídica integral e gratuita, sem os entraves econômicos que o contrato de mandato poderia gerar, está o defensor educando em direitos, ajudando a reforçar a idéia de cidadania que, em breve síntese, pode-se dizer que é o reconhecimento da pessoa como sujeito de um processo3. No sistema peniteciário a questão fica um pouco mais delicada. Muito já se teorizou sobre o cárcere. De como é um lugar ruim, de como as pessoas conseguem viver em condições insalubres ou cruéis... O que se tem de fato é que a pessoa sob custódia do Estado está em absurda situação de desvantagem. Para além da questão político-filosófico de ser a massa carcerária uma minoria que ataca do Estado de Direito ao descumprir a lei, e o faz muitas vezes, com violência, despertando sentimento de ódio e segregação por parte do resto da população, nasce a diferença entre o “nós” e os “outros”- resumindo a idéia defendida de Jackob do inimigo4. 2 Defende-se aqui que o conceito de democracia, muito mais do que liberdade de expressão ou da representatividade, deve envolver a libertação do homem de todas as formas de opressão. Assim, não há democracia quando não existe saúde, habitação lazer, educação, trabalho digno e etc... Ao mesmo tempo, falar em democracia é falar em processo de construção de caminhos a serem seguidos contrapondo-se a idéia de uma solução-algo pronto e imediato. È a utopia de Galeano. 3 O conceito de cidadania parte na inexorável igualdade característica de todo o ser humano. Desta forma, cidadão não seria o conceito negativo do art.15da CRFB. Ele é construído a partir do paradigma da racionalidade intersubjetiva de Habermas, que revigora a noção republicana de espaço público fundada nas relações comunicacionais entre os homens. Neste sentido, ver Habermas, Jurgen, “A inclusão do Outro” e Calazans, Paulo Murillo, Participação e Deliberação Democrática: Acomodando Diferenças e Superando as Dificuladades de efetivação dos Princípios Fundamentais, IN Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. 4 Segundo Eugenio Raul Zafaroni, em palestra proferida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 18/05/2006, Jackobs ao perceber que a idéia de inimigo avançava no mundo teria, ao formular a 3 Em razão da negação do direito ao cometer o crime, o Estado, durante quase todo o tempo de execução da pena, nega ao apenado o Estado de Direito. O Poder Judiciário, cada vez mais preocupado em acabar com a criminalidade evitando a impunidade, afasta a aplicação da lei, negando ao apenado seus direitos- principalmente o de ter um tempo razoável de processo. O Ministério Público, que na execução penal não é parte, se comporta como representante de uma camada da população, geralmente dona dos meios de produção, gerando demoras absurdas nos processos que beiram a litigância de máfé5. A Administração Penitenciária fica com a parte mais tortuosa do conflito: o fechar e abrir cadeados, a proximidade e, ao mesmo tempo, o insistente conflito entre as oposições externamente construídas (bem x mal; moçinho x bandido), acaba criando um ambiente tenso, onde o preso fica refém desta relação, sujeitando-se a uma convivência desigual e sem limites, transformando a execução penal num segredo entre preso e seu carcereiro. Neste ambiente, além de outras instituições que atuam dentro das prisões e representam uma tentativa de construir alguma transparência abrindo simbolicamente as “portas das cadeias”, pode estar a Defensoria Pública. teoria, a intenção de limitar o avanço desta legislação. Com efeito, afirma o Ministro da Suprema Corte Argentina, o inimigo sempre existiu- os estrangeiros na antiguidade clássica, as bruxas na idade média e acrescentaaíamos agora o terrorista oriental. 5 Por exemplo: ao juntar pedido de livramento condicional nos autos, o cartório abre vista ao MP que deve se manifestar sobre o pedido de liberdade. Mas, em muitos processos, quase a maioria, ao invés de fazer uma listagem única com todas as pendências, vai pedindo uma de cada veze muitas delas o cartória faz sem nem mesmo ter ordem do juiz. Interpretam a lei contra a pessoa presa e ferindo a Constituição como é o caso do polêmico caso de cálculo de 1/6 do remanescente da pena após a evasão ou a falta grave para fins de progressão de regime. 4 Partindo da experiência desenvolvida no Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, pretende-se defender que a atuação da Defensoria no Sistema Penitenciário deve ser feita através de núcleos especializados em atendimento nas unidades prisionais, com regularidade e atuação coletiva sem que isto signifique infringir a prerrogativa de independência funcional. Os defensores dentro das unidades prisionais poderão ser a ponte de ligação entre apenado e juiz e a segurança dos presos tão oprimidos pelo ambiente hostil, formado não só pela prisão, mas pela sociedade- representada pelos grupos sociais opressores. A CRIAÇÃO DO NÚCLEO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO No Estado do Rio de Janeiro, até 1999, a participação da Defensoria Pública no Sistema Penitenciário resumia-se na atuação dos Defensores Públicos junto à Vara de Execução Penal. Assim, como em qualquer outro órgão da Defensoria, os processos aguardavam abertura de vista e os defensores atendiam somente as famílias dos internos. O atendimento dentro das unidades não era regular, limitando-se à atividades esporádicas onde os defensores atendiam uma só vez, priorizando os casos mais urgentes. Eram os chamados mutirões de atendimento- que iam desde delegacias concentradoras até as unidades prisionais. 5 Nas unidades prisionais, os internos eram assistidos juridicamente por agentes de segurança penitenciária desviados de função. Em 1999, através de um convênio firmado entre o Governo do Estado e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, foi criado o Núcleo do Sistema Penitenciário, formado por sete Defensores Públicos que atenderiam dentro do Complexo Frei Caneca6. Hoje, são 38 defensores atuando em praticamente todas as unidades prisionais do Estado. Com o atendimento pessoal ao encarcerado, a formulação dos pedidos e o acompanhamento de seu processamento até a decisão final deixou de depender do impulso oficial (abertura de vista) ou do comparecimento da família do preso, passando a ser elaborado diretamente pelo Defensor, atendendo aos interesses do apenado, dentro de uma visão ampla de toda a sua situação jurídica e não só do processo que já se encontra em execução. Além do que, na entrevista pessoal, o Defensor obtêm informações de forma direta, o que agiliza o andamento do processo. Por outro lado, deixou o Defensor de ficar aguardando as diligências do Juízo, passando ele próprio a requisitar a documentação e a informação necessária à instrução do pedido a ser formulado. O contato direto com o apenado criou um vínculo maior entre o Defensor e seu Assistido. O apenado passou a ter para quem reclamar os seus direitos e o Defensor passou a trabalhar no sentido não só de obter o deferimento de seus pedidos, como a obtê-los no menor espaço de tempo possível. 6 O Núcleo foi criado dentro da estrutura organizacional da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro por intermédio do Decreto Estadual n. 25.535, de 06.11.1999 e regulamentado pela Resolução Conjunta n. 01, de 01.08.1999, da Secretaria de Estado de Justiça e a Defensoria Pública 6 Ocorre que isso só não basta mais. A experiência obtida nestes anos, na defesa das pessoas privadas de liberdade fez com que os defensores acumulassem conhecimento suficiente para não só atuar de forma individual nos processos. Transcendeu-se a atuação liberal na defesa de direitos individuais para uma atuação republicana no sentido de não só atuar na defesa, mas também na formulação de políticas públicas penitenciárias e na criação de espaços públicos de deliberação democrática sobre a questão penitenciária.7 A questão agora é saber para onde seguir e isso depende de como os defensores vêem sua própria função: se é mera reprodução do mandato ou, para além da relação privada de defesa, a de agente fomentador de cidadania através da criação de espaços públicos de deliberação entre os vários grupos sociais oprimidos pelo poder estatal. DA ATUAÇÃO DO DEFENSOR PÚBLICO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO No Estado do Rio de Janeiro, junto com a criação dos Núcleos especializados, veio a discussão sobre a questão da titularidade destes órgãos. Para os que defendiam sua não titularidade, o argumento era de que tais órgãos eram políticos e que isto significava que deveriam ser o braço político de negociação com 7 Quando a sociedade discute a questão penitenciária, o faz com base em dados fornecidos pela imprensa nacional- jornais revistas e televisão. Ocorre que nem sempre existe um cobertura imparcial. Por um lado, os jornais e revistas cobrem o tempo todo crimes bárbaros e as invasões policiais. Há programas de televisão especializados na caça a estes criminosos desrespeitando os direitos e garantias constitucionais. Por outro lado, não há nenhum programa sério para discutir a criminalidade e suas causas. E assim, uma autora de telenovelas consegue aprovar uma lei de iniciativa popular para incluir o homicídio qualificado no rol do crimes hediondos, vingando assim a morte de sua filha. Um deputado estadual, ex-policial e apresentador de um programa na TV é preso acusado de encomendar os assassinatos que mostra. 7 o Governador do Estado. Partiam da premissa de que sem assistência jurídica nas unidades prisionais não haveria paz. Os presos, insatisfeitos, se rebelariam causando enormes problemas para a governabilidade. Para os partidários da “outra corrente”, toda vez que o Defensor age numa atividade fim, qual seja, defesa dos direitos e garantias das pessoas, não se pode falar no político e, assim, os órgãos deveriam ser titularizados. Mas o importante aqui é estabelecer o conceito de órgão político. Partindo da premissa de que político se refere ao processo decisório ou de criação de leis, numa sociedade de bases democráticas, a atuação de um órgão não pode existir para exigir este ou aquele direito de uma determinada categoria. Assim, uma coisa é ter a denuncia, como tem o Ministério Público ou a sentença, como tem a Magistratura. Outra coisa é usar estes instrumentos como troca ou barganha. Da mesma forma e muito mais, a Defensoria, pois, não pode barganhar com o direito daqueles que nem a liberdade de ir e vir têm! Isto é chatagem, incompatível não só com todo o arcabouço axiológico da sociedade contemporânea, mas que envolve, principalmente, uma questão ética. Por outro lado, não se pode também negar ao Núcleo sua vocação política. A experiência do Rio de Janeiro nos últimos cinco anos reflete este paradigma. A questão é saber o que é vocação política. Ao contrário de ser massa de manobra contra o governo, o Núcleo deve ser instância de discussão deliberativa sobre as políticas de execução penal com efetiva participação do apenado e instância de resistência ao poder punitivo quando enxerga a defesa fora da concepção liberal do direito no sentido de que a “a ordem 8 jurídica consiste em que ela (ordem jurídica) possa constatar em cada caso individual quais são so direitos cabíveis a que indivíduos”.8 Para além de assegurar juridicamente os direitos da pessoa presa, os defensores devem participar de todos os espaços de discussão e construção da política penitenciária. Veja que esta participação tem como escopo a defesa da pessoa presa e não a defesa corporativa de prerrogativas e funções desgarrados do fim institucional. No Estado do Rio de Janeiro, há representantes da defensoria em todos os ógãos consultivos da política penitenciária, tais quais: o Conselho Penitenciário, o Conselho da Comunidade, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Do diálogo com os presos, que participam na confecção do atendimento dos defensores, até ação mediadora com a sociedade como as atividades desenvolvidas no Forum Social Mundial-2009, a participação efetiva de seus membros em todas as instâncias da Conferência Nacional de Segurança Pública- tudo para incluir a discussão da questão penitenciária numa pauta mais democrática envolvendo cada dias mais atores.9 Por fim, a atuação junto ao Poder Judiciário. Com efeito, na defesa dos direitos de primeira geração, os defensores do Núcle debatem-se em torno de uma grande questão: ou cumprem tudo o que o juiz 8 Habermas, Jurgen. “A inclusão do outro”, pag. 273 Aqui necessário uma importante observação. È verdade que os ilministas eram abolicionaistas mas na tentativa de humanizar a pena, criou o mais poderoso instrumento de negação da humanidade- o instituto da ressocialização. Com ele, fica o estado com o dever de, negando a diferença e vontade, impor ao cidadão um modo de viver e de pensar. Assim, a pessoa presa deixa de ser participante ativo 9 9 condiciona a liberdade do indivíduo e a decisão é mais rápida ou , diante de uma exigência fora no âmbito da legalidade, recorre para restabelecer o Estado de Direito, correndo o risco de fazer o preso aguardar mais tempo. Esta dicussão teve os primeiros apontamentos quando o juiz da Vara de Execuções Penais condicionava sua decisão sobre pedido de “benefícios” da VEP ao esclarecimento da Folha de Antecedentes Criminais, mas ela tomou fôlego a partir da edição da Lei 10792/2003, com a questão dos exames criminológicos. A nova redação dada ao art. 112 da LEP pôs fim às dúvidas a cerca da obrigatoriedade da confecção do exame criminológico para a concessão do benefício. A realização do laudo era prevista na LEP em seu art. 8º para os presos em regime fechado dirigido à classificação do condenado e à individualização da execução. No art. 112, a Lei previa a feitura para fins de Progressão, juntamente com o parecer da Comissão Técnica de Classificação (CTC), quando necessário. No caso do Livramento Condicional, o § único do art.83 do CP exigia, para crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa que consistia na comprovação de condições que façam presumir que o condenado não voltaria a delinqüir, criando a brecha necessária para sua realização. Ocorre que, com o advento da L. 10792, o mérito do condenado restringe-se à comprovação do bom comportamento carcerário, atestado pelo diretor do estabelecimento, excluindo a necessidade do exame e o parecer da CTC. desta sociedade para ser praticamente objeto de estudo dos “doutores” da sabedoria. Para maiores informações ver del Olmo, Rosa, A América Latina e sua criminologia. 10 Pode-se afirmar então que, no que toca ao benefício em questão, o parágrafo único e o inciso segundo deste mesmo artigo, foram derrogados por esta lei. Mas não é assim que entendem os Juízes da Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro que, ao alvedrio da lei, insistem em condicionar a liberdade do apenado à vinda dos exames criminológicos. A maioria dos Defensores do Núcleo, então, pede o exame criminológico enquanto o Tribunal de Justiça entender cabível, pois de nada adiantaria para a liberdade do indivíduo um recurso. Outros entendem que , além da legalidade, o exame criminológico fere direitos e garantias fundamentais do cidadão e não podem ser exigidos em hipótese alguma10. 10 A ideologia da LEP, adotando os postulados na Nova Defesa Social, assenta sobre o paradigma disciplinar de tratamento que versa sobre dois postulado básicos: a avaliação da personalidade do preso e a análise de seu comportamento.Diga-se que alguns doutrinadores na época de sua promulgação defendiam a tese de que o que a LEP queria não era a intervenção do estado na consciência do apenado por via da análise de sua personalidade, mas sim apenas torná-lo capaz de não cometer mais crimes. Mesmo que a intenção fosse esta, foi sendo sistematicamente desrespeitada com a introdução no corpo legislativo de requisitos subjetivos para o julgamento do benefício, materializando-se na obrigatoriedade do laudo criminológico. Tal prática afronta diretamente postulados relativos ao direito penal e ao processo penal, no que tange às garantias do cidadão.Num processo penal de bases democráticas, o contraditório não pode significar apenas a formalidade de abrir vista às partes a fm de que estas se manifestem. Ele transcende e deve significar não só a possibilidade de refutar tudo o que a outra parte traz aos autos, como também a possibilidade de influir na decisão final. Assim, qualquer juízo sobre a consciência do agente retira do juiz o poder de decisão, entregando-o aos peritos (médicos, psiquiatras, assistentes sociais), e do apenado a possibilidade de refutar tais argumentos, transformando o juiz da execução em mero “homologador” de laudos. Por outro lado, a interferência na consciência do cidadão infringe alguns direitos básicos previstos na Carta Magna. As informações contidas nos laudos expõem a vida do condenado numa afronta direta ao seu direito à intimidade. “Psiquiatrizando” a decisão judicial, estes laudos delegam a tal decisão a julgamentos morais, rompendo com o princípio da secularização.Assim, apesar da fase cognitiva ser baseada num direito penal do fato, toda a execução penal é lastreada num juízo sobre a personalidade, instituindo o direito penal do autor, refutando todas as garantias do 11 Para eles, uma atuação coletiva encerraria o problema. Neste sentido, partem da premissa de que Defensor Público não é juiz e por isso não pode decidir se vai perdir ou não com base no que quer o magistrado, mas sim no que diz o ordenamento jurídico. A demora da liberdade seria resolvida se todos os defensores recorressem conjuntamente o que impossibilitaria o funcionamento normal do Poder Judiciário. Aí ter-se-ia uma possibilidade de negociação e a abertura de mais um espaço de deliberação fora do contexto dos tribunais. Entendido desta maneira, o atuar conjunto não feriria a independência funcional que deve ser entendida, em ultima instância, como garantia do assistido. O defensor a tem para que não sofra pressões externas no sentido do “não atuar” a favor do assistido. Se a imposição de uma linha de atuação tem como escopo mudar a direção do atuar dos órgãos do Poder Judiciário em favor de assistido, a exceção da independência funcional seria afronta direta a todo o arcabouço político e filosófico da Defensoria Pública como Instituição. Por fim, é preciso lembrar que foi um Habeas Corpus feito à mão, de caneta vermelha, num papel de pão, que mudou o entendimento do Supremo cidadão. Por tanto, qualquer juízo sobre a personalidade do agente no ordenamento jurídico brasileiro está em completa dissonância, devendo imediatamente ser excluído. 12 Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da vedação da progressão em crimes hediondos11. Alguém não desistiu e não foi a Defensoria! CONCLUSÃO Partindo de uma premissa republicana, as sociedades democráticas pós-modernas não podem mais se limitar à defesa dos direitos individuais no sentido de serem compreendidos como as liberdades negativas. Direitos são assegurados e também podem ser instrumentos para a construção de uma sociedade democrática no sentido de assegurar a participação efetiva de todos. Ocorre que a sociedade brasileira tem uma pespectiva diferente, pois a história de sua formação é a história da exclusão das classes desprovidas dos meios de produção. Neste momento, vem a Defensoria com a missão de tentar limitar ou rever este processo ao abrir espaços públicos de discussão e assegurar a participação destas classes em várias instancias de deliberação. No sistema penitenciário, a questão fica mais evidente, pois a pessoa presa é aquela que nega o Estado de Direito, muitas vezes com violência, gerando uma distância muito grande entre pessoas da mesma comunidade, praticamente inviabilizando a deliberação. 11 HC 82.959 de São Paulo feito pelo próprio preso, Oseas de Campos. 13 Os defensores que atuam dentro das unidades prisionais têm, num primeiro momento, a função de humanizar o conflito, relativizando as posições maniqueístas de bem e mal, reconhecendo os direitos das minorias, buscando soluções consensuais. Depois, em razão da experiência obtida neste dia-a-dia, têm a responsabilidade de atuar em todas as esferas decisionais ou consultivas da política penitenciária nacional, sempre sob a ótica do assistido. Por fim, em relação ao Poder Judiciário, limitar sua atuação fora do Estado de Direito, numa atividade conjunta que não pode ser limitada pela exceção da independência funcional, que deve ser sempre garantia do assistido. Muito se construiu, muito ainda será. O que importa é que a Defensoria se transforme numa Instituição total e tenha sempre como objetivo principal a libertação do homem de toda e qualquer forma de opressão. 14 BIBLIOGRAFIA: BERNARDES, Marcia Nina e CASTRO, André Luís Machado. Construindo uma nova Defensoria. IN A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, Ed. Lumen Iuris CALAZANS, Paulo Murillo. Participação e deliberação democrática:Acomodando Diferenças e superando as dificuladades de efetivação dos Princípios Fundamentais. In Perspectivas atuais da Filosofia do Direito, Ed. Lumen Iuris FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Ed. Revista dos Tribunais GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública, 3ª ed. Rio de Janeiro:Lumen Iuris GARCIA, José Augusto Garcia. Solidarismo Jurídico, Acesso à justiça e Funções Atípicas da Defensoria Pública. In Revista de Direito da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro. HABERMAS, Jurguen. A Inclusão do outro. Ed. Humanística OLMO, Rosa del. A América Latina e sua Criminologia, Coleção Pensamento Criminológico, Ed. Renvan. PRADO, Geraldo. O Sistema Acusatório. Ed. Lumen Iuris ZAFARONI, Eugenio Raul. Aula Proferida na Univerdade Estadual do Rio de Janeiro em 18/05/2006. 15