Nº - Uesb

Propaganda
APRENDER
Caderno de Filosofia
e Psicologia da Educação
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
REITOR
Prof. Abel Rebouças São José
VICE-REITOR
Prof. Rui Macêdo
PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS
Prof. Paulo Sérgio Cavalcanti Costa
DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
João Diógenes Ferreira dos Santos
DIRETOR – EDIÇÕES UESB
Jacinto Braz David Filho
COMITÊ EDITORIAL: Profª Ms. Andréa Braz da Costa, Prof. Ms. Braulino Pereira de
Santana, Prof. Esp. Hugo Andrade Costa, Prof. Ms. Marcos Lopes de Souza, Profª Ms.
Marilza Ferreira do Nascimento, Prof. Ms. Rosalve Lucas Marcelino, Prof. Ms. Paulo
Sérgio Cavalcanti Costa, Profª Drª Tânia Cristina R. Silva Gusmão e Profª Drª Zenilda
Nogueira Sales.
A revista Aprender é indexada nas seguintes bases de dados:
1. Index Psi Periódicos (BVS-Psi) - http://www.bvs-psi.org.br
2. Clase, Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades, Universidad Nacional
Autónoma de México - http://www.dgb.unam.mx/
3. Sumários de Revistas Brasileiras-Funpec/RP - http://sumarios.org/
4. Latindex - http://www.latindex.unam.mx/
5. EDUBASE/Faculdade de Educação/UNICAMP - http://www.bibli.fae.unicamp.br/catal.html
Catalogação na publicação: Biblioteca Central da Uesb
100
A661a
Aprender – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação. Ano 5, n. 9,
jul./dez. 2007. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2007.
Início da publicação: dezembro de 2003. Periodicidade: semestral.
ISSN 1678-7846
1. Filosofia – Periódicos. 2. Psicologia. I. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. II. Título.
Pede-se permuta
We ask for exchange
On demande 1’ échange Se pide intercambio
Campus Universitário – Caixa Postal 95
Estrada do Bem-Querer, Km 4 – 45083-900 – Vitória da Conquista – BA
Fone: 77 3424-8716 – E-mail: [email protected] ou [email protected]
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
APRENDER
Caderno de Filosofia
e Psicologia da Educação
NÚMERO ESPECIAL:
Dificuldades de Aprendizagem
ISSN 1678-7846
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9
p. 1-280
2007
Copyright © 2007 by Edições Uesb
APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação
Departamento de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Ano V - n. 9, jul./dez. 2007
EDITORES RESPONSÁVEIS
Prof. Ms. Leonardo Maia Bastos Machado - UESB
Profª Ms. Zamara Araújo dos Santos - UESB
EDITORIA CIENTÍFICA
Profª Ms. Ana Lucia Castilhano de Araújo - UESB
Profª Ms. Caroline Vasconcellos Ribeiro - UESB
Prof. Ms. Gilson Teixeira - UESB
Prof. Ms. José Luís Caetano - UESB
Prof. Ms. Ruben de Oliveira Nascimento - UFU
CONSELHO EDITORIAL
Profª Drª Ana Elizabeth Santos Alves - UESB
Prof. Dr. Dante Galeffi - UFBA
Prof. Dr. Danilo Streck - UNISINOS
Profª Drª Delba Teixeira Rodrigues Barros - UFMG
Prof. Dr. Diógenes Cândido de Lima - UESB
Profª Drª Eliane Giachetto Saravali - UNESP
Prof. Dr. Filipe Ceppas - UGF/PUC-Rio
Prof. Dr. João Carlos Salles - UFBA
Prof. Dr. José Carlos Araújo - UNITRI
Prof. Dr. José Carlos Libâneo - UCG
Prof. Dr. Marcelo Ricardo Pereira - UFMG
Profª Drª Maria Iza Pinto Amorim Leite - UESB
Profª Drª Maria Luiza Camargos Torres - UNIVALE
Profª Drª Milenna Brun - UEFS
Profª Drª Marilena Ristum - UFBA
Profª Drª Norma Vídero - UESC
Prof. Dr. Paulo Cezar Borges Martins - UESB
Prof. Dr. Paulo Gurgel - UFBA
Profª Ms. Rosane Lopes Araújo Magalhães - UESC
Prof. Dr. Silvio Gallo - UNICAMP
Profª Drª Tania Beatriz Iwasko Marques - UFRGS
Prof. Dr. Walter Matias Lima - UFAL
NÚMERO ESPECIAL:
Dificuldades de Aprendizagem
Sumário
Apresentação – Por que falar em dificuldades de aprendizagem?
Eliane Giachetto Saravali e Leonardo Maia Bastos Machado ..................... 7
ARTIGOS
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
Lia Leme Zaia ............................................................................................. 17
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em
escolares com dislexia e distúrbio de aprendizagem
Simone Aparecida Capellini, Percília Toyota, Lara Cristina Antunes dos Santos,
Maria Dalva Lourencetti, Niura Aparecida de Moura Ribeiro Padula .... 37
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a Teoria
da Evolução das Espécies: uma perspectiva Vygotskiana
Douglas Verrangia Correa da Silva ........................................................... 71
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de
literatura em Psicologia
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto ........... 101
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens
cognitivas
Tania Scuro Mendes ...................................................................................127
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico
do processo de aquisição da leitura
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira ............................. 143
Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva
Rosimar Bortolini Poker ........................................................................... 169
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos em língua
inglesa
Renata Maria Moschen Nascente ............................................................. 181
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
Maria Aparecida Mello ............................................................................ 203
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho
escolar
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis ..................... 219
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali ................................ 247
RESENHA
Afetividade e dificuldades de aprendizagem: uma abordagem
psicopedagógica
Elaine Cristina Cabral Tassinari............................................................. 269
Periódicos permutados ......................................................................... 275
Normas para publicação de trabalhos ............................................... 276
Apresentação
Por que falar em dificuldades de aprendizagem?
Responder a essa pergunta parece-nos tarefa simples: é
absolutamente necessário falar de dificuldades de aprendizagem em
razão do que vem ocorrendo em nossas escolas atualmente. Necessário
para quem? Para os alunos e os professores, sobretudo e em princípio.
Sobretudo porque quem mais sofre são os alunos, são nossas
crianças que, por inúmeras razões, estão, paradoxalmente, passando
pela escola sem viver plenamente o maior sentido de estar ali:
APRENDER. Em princípio porque não deveríamos pensar em
aprendizagem sem pensar em ensino e, portanto, na ação docente.
A pedagogia moderna nasce a partir de uma alteração
fundamental na economia (da idéia e da ação) pedagógica que consiste,
em especial, em um deslocamento de papéis educacionais.
Assim, rompendo-se com a imobilidade da configuração
anterior, modernamente, por princípio, aquele que aprende também tem
algo a ensinar àquele que ensina. E como não seria aquele que mais
profundamente experimenta a dificuldade da aprendizagem quem mais
teria a ensinar sobre o ato e a atividade do aprender?
Nesse sentido, cabem-nos outras perguntas: será que ao
falarmos de dificuldades de aprendizagem devemos pensar somente
em alunos? Quem, efetivamente, aprende ou não? Docentes não
8
Eliane Giachetto Saravali e Leonardo Maia
aprendem? Esse é o cerne do que gostaríamos de trazer para a discussão
e que pretendemos ser a contribuição desse número especial.
Atualmente, vivemos um “apogeu diagnóstico” caracterizado
pela multiplicação das terminologias e das inúmeras avaliações e
definições para múltiplas doenças e distúrbios relacionados às nossas
ações, reações e comportamentos. Quem não sofre no mundo de hoje
de algum tipo de problema facilmente nomeado, tratável ou
remediável? Como ou quanto isso realmente interfere em nossas
capacidades vitais e porque não dizer cognitivas, afetivas e sociais?
Mas, em especial, no que nos concerne mais especificamente, como
essa aparente tendência a uma crescente medicalização de nosso
quotidiano, ou de nosso discurso quotidiano, se transfere até nossas
escolas? Pois também uma determinada medicalização da relação
professor-aluno parece hoje tomar as salas de aula, toda uma nova
semântica paulatinamente tem se incorporado e se disseminado no
discurso dos professores, generalizando situações, processos, casos,
alunos e ... alunos que não aprendem, e suas implicações, nos diversos
níveis em que ela interfere, está ainda longe de ser inteiramente
compreendida.
Em outras palavras, e pensando na realidade escolar,
deveríamos atentar para uma questão ora recorrente, – “o que vem
acontecendo com nossos alunos?” – e refletir sobre a resposta que ela
realmente mereceria. Que justificativas e razões são essas que
encontram explicações em distúrbios, atrasos, desordens,
incapacidades? Em que medida somos (docentes, pesquisadores, pais)
responsáveis por isso? Que estratégias temos utilizado para
compreender estas questões e em que elas se mostram bem sucedidas?
O que de fato nós docentes temos aprendido com a não aprendizagem
dos discentes?
E essa seria uma primeira questão a cingir o universo das
dificuldades de aprendizagem. Pois seria interessante, de início, considerar
até que ponto esse quadro “convém” ao ambiente da sala de aula, ou
mesmo em que ele convém ao próprio docente, seja em relação às
Apresentação
9
suas atribuições fundamentais, seja em relação à sua própria
capacitação.
Por outro lado, com isso, nossa concepção do que é,
efetivamente, “dificuldade de aprendizagem”, reveste-se de uma
importância fundamental e nosso maior cuidado deveria ser,
inicialmente, o de que essa concepção não se transforme ela mesma
em uma dificuldade a mais: pois seria preciso avaliar até que ponto é
ou não invasiva, é ou não benéfica essa contaminação da pedagogia
por um discurso médico e, mais ainda, até que ponto o
acompanhamento das dificuldades de aprendizagem não interfere ou
altera substancialmente a relação professor-aluno. Ou seja,
inicialmente, tratar-se-ia, em especial, de evitar a simples assimilação
de um discurso medicalizado dentro da pedagogia, discurso este que,
de certa maneira, reinveste, a seu modo, a própria relação pedagógica.
Um primeiro desafio pedagógico ao lidar com as dificuldades
de aprendizagem estaria então em se compreender a natureza mesma
do funcionamento ou do exercício pedagógico que estas requerem.
Pois, uma vez que a condição de aprendizagem se encontra suspensa,
se encontra, num certo sentido, “negada”, qual, efetivamente, seria
ainda a natureza pedagógica da relação professor-aluno? Isto é, qual
a relação pedagógica, estritamente falando, entre um professor que
não pode ensinar e um aluno que não consegue aprender? Desse modo,
a partir da especificidade da situação gerada, e para se vencer a
dificuldade constatada, seria preciso, que a própria relação de ensinoaprendizagem se transfigurasse ou em parte se obliterasse?
De toda sorte se trata, muitas vezes, de uma certa redefinição
da relação professor-aluno que nem sempre é acompanhada,
confirmada, ou que não tem todos os seus desdobramentos avaliados
junto aos profissionais da área da saúde. E, com isso, se a tarefa de
acompanhamento de uma dificuldade de aprendizagem recai, então,
em especial sobre os docentes, não deveríamos inicialmente considerar
como e em que ela transformaria nossos mestres ou suas funções? O
professor, para além de sua responsabilidade ou prerrogativa de
10
Eliane Giachetto Saravali e Leonardo Maia
ensinar, deveria também poder diagnosticar ou pré-diagnosticar? Em
que consiste ou em que deve consistir, afinal, sua capacidade de
intervenção?
Como se vê, o estudo das dificuldades de aprendizagem não
pode se apoiar na unidade de um discurso único de fundo, pois elas
emergem nessa zona mista, nesse lugar de interseção entre várias
áreas, e entre múltiplos discursos. Sua conceituação depende dessa
configuração plural que liga, que corta e recorta, umas pelas outras,
a Educação, a Psicologia e mesmo a Medicina. Em que momento
esses discursos são convergentes, e em que hora divergem? Em que
lugar exatamente todos esses discursos, práticas e procedimentos
de teorização e de intervenção fazem síntese? E essa síntese,
possível mas talvez por demais fugaz, aponta ainda para dentro da
pedagogia, ou acaba inevitavelmente por ultrapassá-la? Em suma,
o que, e a partir de que campo se define uma dificuldade de
aprendizagem, mas ainda, o que ela mesma define, que região uma
dificuldade de aprendizagem demarca? E seria uma região ainda
dentro da pedagogia, ou já “fora” dela?
Em primeiro lugar, vale a pena aqui considerar que o
aprendizado na verdade jamais precedeu a dificuldade, e sim foi fruto
dela, impondo-se a ela. Pois aprender não foi jamais algo fácil, mas,
ao contrário, foi a dificuldade que o tornou possível. Aprender é
sempre difícil... Fato é que temos uma compreensão distorcida do
significado da aprendizagem enquanto consideramos que as
dificuldades são obstáculos que apenas lhe sobrevêm de fato, “na
prática”. Nesse caso, é somente no contato ou no encontro inesperado
com uma barreira que aprender revela-se difícil ou que, de fato, se
torna uma experiência impossível, quando então se verifica e se mede
a sua dificuldade. No entanto, a dificuldade é anterior a isso, ela se
inscreve de direito no aprendizado, é intrínseca ao exercício de aprender,
e não simplesmente eventual, ou “exterior” a ele, algo que pode ou
não se verificar. Quem aprende deve sempre enfrentar sua dificuldade,
dificuldade que, em realidade, permanece após o “aprendizado”: o
Apresentação
11
que afinal terei realmente “aprendido”?... E por quê, para quê? É na
verdade, em relação a essa dificuldade, lutando contra ela, que se
produz, a cada vez, o verdadeiro aprendizado.
Com isso, considerando que todos aprendemos, é então
importante considerar também quais as ferramentas de que os
docentes se valem nessa luta, em relação à própria aprendizagem e às
dificuldades apresentadas por seus alunos. Podemos, por que não,
passar a pensar então em dificuldades dos professores em relação à
compreensão sobre seus alunos, suas diferenças, suas peculiaridades,
seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, suas questões
pessoais e singulares. Há dificuldades em aprender e apreender tais
questões e há uma grande dificuldade e resistência institucional,
curricular e pedagógica em se adaptar às diferenças individuais dos
alunos, o que se busca é uma homogeneização inexistente,
principalmente quando falamos de aprendizagem. Dessa forma,
ressaltar a dificuldade do outro pode ser muitas vezes apenas uma
forma de negar a própria dificuldade.
Qual seria então a aprendizagem necessária para aqueles
que lidam com os que, teoricamente, (também) não aprendem?
Antes de buscarmos uma resposta consideremos o quadro existente
em nossas escolas.
Buscar e criar encaminhamentos, laudos, nomes, rótulos tem
se constituído uma prática recorrente, mas para aqueles que já se
aperceberam isso não tem contribuído de fato para a melhoria da
situação vivida por nossas crianças, nem para a reflexão e discussão
das ações docentes ou mesmo para mudanças nas condições
institucionais.
Não podemos permitir, portanto, que as dificuldades de
aprendizagem se desvinculem ou se esvaziem dentro do campo
pedagógico.
Mas, nesse caso, retomando a pergunta colocada anteriormente,
afinal qual a aprendizagem necessária aos professores? Ou melhor
dizendo, qual o horizonte pedagógico daquele que lida com as
12
Eliane Giachetto Saravali e Leonardo Maia
dificuldades de aprendizagem? Não a superação da dificuldade, mas
mais propriamente poder aprender em meio à dificuldade...
Permanecer nela para dela fazer, de início, um primeiro aprendizado.
Da dificuldade, criar uma aprendizagem. Esse deveria ser, talvez, o
horizonte pedagógico daquele que lida com as dificuldades de
aprendizagem. Quando o pedagogo se depara com uma situação de
dificuldade de aprendizagem, ou seja, uma circunstância em que a
possibilidade de formação ou de aprendizado encontra-se interrompida
ou barrada, é preciso que ele redefina sua própria função pedagógica.
Neste momento, sem que seja preciso, evidentemente, abandonar a
pedagogia ou as atribuições pedagógicas, é esta que se apresenta e
deve se reinventar segundo uma nova função, uma nova práxis. Isso
implicaria, necessariamente, poder rever nossas próprias concepções
de ensino, de desenvolvimento, de aprendizagem, de didática, de
metodologia e à luz dessa avaliação poder acompanhar e compreender
plenamente uma dificuldade de aprendizagem.
Pois as dificuldades de aprendizagem, em último caso, não
dizem respeito jamais apenas a um caso particular, mas à própria
pedagogia. É a pedagogia mesma que se altera e se transforma no seu
encontro com as dificuldades que, a rigor, são sempre dela mesma (do
contrário, deveríamos considerar a estranha situação em que o aluno
seria um corpo estranho ao universo educacional...). As dificuldades
de aprendizagem têm sempre muito a dizer, então, sobre o estado
atual da pedagogia, sobre as nossas próprias concepções pedagógicas
correntes. Pois a dificuldade de aprendizagem revela não apenas o
momento, particular, em que um aluno se encontra impossibilitado
de prosseguir, mas também o momento mais geral e mais significativo
em que a pedagogia mesma se vê suspensa, em que o circuito e a
circulação pedagógica se encontram interrompidos. E é isso o que
nos deveria levar à reflexão quando nos vemos diante de cada caso
de dificuldade no aprendizado.
Mas com isso, deve-se entender que a dificuldade de
aprendizagem não é um obstáculo que se coloca entre aquele que
Apresentação
13
ensina e o que aprende, ou mesmo entre aquele que quer aprender e
a possibilidade do aprendizado. Ela não é uma distância que se
interpõe e que abre uma radical separação entre esses dois sujeitos
que se reúnem em torno da experiência educacional, mas algo que
pertence ao ato mesmo de ensino-aprendizagem. Essa condição
permitiria ao menos superar de imediato uma “culpabilização”, do
professor que não ensina ou do aluno que não aprende. Mesmo porque,
insistamos, em si mesmo, por sua própria dificuldade, o ato de ensinar
conspira para sua própria frustração: ele teria como resultado
esperado, como seu resultado “natural”, precisamente por essa
dificuldade intrínseca, o não ensinar, o não aprender, e não se deveria
jamais descartar que seja sempre esse, com efeito, o resultado de
nossas aulas (e, seja na condição de aluno ou de professor, quantas
vezes não se sai de uma sala de aula com essa certeza, precisamente?)...
Uma dificuldade, então, não representa um retrocesso, nem
mesmo uma “parada” no ato pedagógico, mas, ao contrário, esse ato
complexifica-se a partir da dificuldade experimentada. E, com isso,
como se fora uma jurisprudência no seio da pedagogia, ele estende
também a própria pedagogia nesse momento em que aprender se revela
difícil. Pois é a dificuldade que obriga um exercício padronizado a
redefinir-se, que exige novos parâmetros, que estende a pedagogia,
enfim, para novos territórios. A ausência de dificuldade cria todo um
habitus, um uso regular, e uma habituação a este uso, ou seja, uma
simples continuidade de reprodução (quanto aos conteúdos
escolhidos, aos objetivos pressupostos, aos métodos utilizados, etc...).
A pedagogia, como aliás toda atividade, só se pode medir, então,
pelas dificuldades que encontra, e vai adiante no enfrentamento destas.
Uma nova teoria se impõe, portanto, como uma teoria do
acompanhamento e da intervenção, ampliando e desenvolvendo a
própria pedagogia. A cada aluno que não aprende corresponde um
aspecto de ordem familiar, um aspecto social, a possibilidade de uma
questão orgânica, enfim, uma rede complexa a ser avaliada e
compreendida, e SEMPRE uma ação pedagógica. Essa última é de
14
Eliane Giachetto Saravali e Leonardo Maia
domínio do docente; significa estar apto para atuar, interferir, solicitar
e favorecer os processos de desenvolvimento e aprendizagem. Não
se pode esperar que ninguém faça isso melhor do que o próprio
professor. Isso corresponderia ao fazer autônomo da pedagogia em
relação às dificuldades de aprendizagem.
Nesse sentido, diante de um aluno que não aprende, vale a
pena perguntar: quais as chances meu aluno já teve para superação
real desse quadro? Quando a resposta é nenhuma ou poucas, é preciso
rever as próprias ações, o planejamento, os objetivos, as atividades.
Fica, portanto, a idéia de que do problema é preciso gerar ação,
ação fundamentada consciente, deliberada e interventiva. A ação
pedagógica deve ser subsidiada por pesquisas e estudos e nós, docentes
universitários, necessitamos urgentemente fazer com que nossos
estudos e pesquisas contribuam de fato para a prática pedagógica.
Precisamos auxiliar nossos docentes que encontram-se, muitas vezes,
tão despreparados e desamparados.
Sabemos que essa ação também requer formação e
conhecimento, o papel da universidade também é o de fazer chegar
esse conhecimento até a sala de aula, auxiliar na instrumentalização
do docente. Longe queremos estar do fogo cruzado das atribuições
de culpas pelos fracassos de nossos alunos.
Evidentemente, não pretendemos romantizar uma situação que
para muitos docentes e discentes é, sem dúvida, extremamente
desconfortável, mas sim evidenciar que a nossa percepção sobre essa
questão deve ser redimensionada, não só sobre o real alcance e a
verdadeira posição das dificuldades de aprendizagem na situação de
ensino, mas sobre a própria aprendizagem enquanto tal.
Em outras palavras, não será somente o aprendizado que
atestará o bem sucedido de uma atuação pedagógica, mas, ao
contrário, uma intervenção adequada deverá capacitar o aluno a
experimentar amplamente uma nova dificuldade: a dificuldade de
seu próprio aprender...
Apresentação
15
É nesse sentido que a organização desse número especial
pretende contribuir. Há uma grande diversidade institucional dos
autores que nos auxiliaram na realização desse trabalho, demonstrando
que tratar das dificuldades de aprendizagem é algo que vem ocorrendo
em todo território nacional. Não podemos fechar os olhos para o
problema e realmente não estamos fechando. Os artigos aqui
publicados são compostos por trabalhos realizados em diferentes
âmbitos: pesquisas, reflexões teóricas, atividades de extensão,
diagnósticos e intervenções. Cada um a seu modo, enfocando uma
ou outra perspectiva, traz significativa contribuição para a temática.
Agradecemos a todos que contribuíram e desejamos uma boa
leitura, pois dela certamente novas questões surgirão, novas ações,
outras transformações e das dificuldades, novas aprendizagens...
Eliane Giachetto Saravali
Conselho Editorial (UNESP-Marília, SP)
Leonardo Maia Bastos Machado
Editor Responsável (UESB)
Aprendizagem e Desenvolvimento – superando
dificuldades
Lia Leme Zaia *
Resumo: Compreendendo o papel da ação educativa como o de propiciar o
desenvolvimento e a aprendizagem, o texto explora os fatores e as condições
necessárias para que ambos os processos ocorram. Descreve as causas das
dificuldades para aprender, agrupando-as em fatores próprios do sujeito e fatores
circunstanciais, analisando a influência recíproca entre eles. Destaca o atraso
na construção das estruturas cognitivas ou do real como um dos fatores do
sujeito e que sofre influência do ambiente familiar, escolar ou da comunidade.
Descreve os processos de intervenção para criar as condições necessárias à
manutenção e à recuperação das possibilidades de aprender.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Equilibração. Aprendizagem. Dificuldades.
Intervenção.
Learning and development – overcoming difficulties
Abstract: Understanding the role of educative action as to provide the
development and learning, the text explores the factors and conditions necessary
for both processes. Describes the causes of learning difficulties, and grouping
* Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente e
coordenadora do curso de Psicopedagogia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
São José do Rio Pardo-SP. E-mail: [email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9
p. 17-36
2007
18
Lia Leme Zaia
then in subject self factors and circumstantial factors, analyzing the reciprocal
influence between then. Emphasizes the delay to build structures or reality as
one of the subject’s factors that is influenced by family environment, school or
community, and describes the processes of intervention to create necessary
conditions of maintaining and recover the possibilities of learning.
Key words: Development. Equilibrium. Learning. Difficulties. Intervention.
A ação educativa desempenha o importante papel de solicitar
o pensamento e a atividade da criança, organizando situações
estimulantes que propiciam o desenvolvimento e a aprendizagem.
Nesse contexto, além das aquisições em função da experiência, o
processo de aprender abrange a construção das estruturas cognitivas
e a reorganização dos conhecimentos, nas interações do sujeito com
o objeto. Referimo-nos, pois, à aprendizagem em sentido amplo.
Nesse processo, os desafios, as situações-problema a serem
solucionadas, os questionamentos e os trabalhos em pequenos grupos,
as trocas de pontos de vista entre parceiros, podem propiciar o
aparecimento de perturbações que provocam o desequilíbrio cognitivo,
desencadeando o processo de equilibração.
Piaget denominou processo de equilibração às reações ativas
do sujeito diante das perturbações do meio; à busca de um novo
equilíbrio quando é perturbado o equilíbrio entre os processos de
assimilação e acomodação.
Assimilação e acomodação são os dois pólos do processo de
adaptação. O primeiro constitui a aplicação do esquema ou estrutura
ao objeto, conferindo-lhe significado e o segundo refere-se à
modificação do esquema ou estrutura para poder assimilar.
Explicando melhor, se nenhum esquema ou estrutura já
existente consegue assimilar um novo objeto e o processo de
acomodação é insuficiente para atender às características daquele,
ocorre um desequilíbrio entre esses dois processos, desencadeando a
equilibração. A equilibração provoca a reestruturação cognitiva
individual, transformando os esquemas e estruturas até ser possível
assimilar o objeto novo e integrar os novos instrumentos à estrutura
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
19
total. A superação das perturbações pela equilibração tem, por
conseqüência, a abertura de novas possibilidades, o aperfeiçoamento
e a construção de esquemas e estruturas mais complexos e com
maiores possibilidades de adaptação.
A perturbação também pode surgir da constatação de que uma
determinada ação provoca, no objeto, reações diferentes daquela que
o sujeito imaginava anteriormente. Assim, verificamos a importância
de provocar antecipações na criança, principalmente em relação ao
conhecimento físico, tornado possível a situação em que a reação do
objeto venha a contrariá-las.
Outras fontes de perturbação podem ser a resistência à
assimilação recíproca por parte de dois esquemas aplicados aos mesmos
objetos e a resistência à assimilação recíproca entre a estrutura total e
uma subestrutura a ser integrada a ela. Desta forma, tanto o incentivo
à experimentação ativa, aplicando vários instrumentos de pensamento
a um objeto ou a um mesmo conjunto de objetos, como a aplicação de
um esquema, estrutura, ou conhecimento recém adquirido, a uma
diversidade de situações, além de facilitar a consolidação, extensão e
generalização daqueles, ainda pode provocar o desequilíbrio,
desencadeando o processo de equilibração.
Consideramos ainda como fonte de perturbação as lacunas no
sentido piagetiano (a ausência de conhecimentos ou objetos necessários
para que uma ação já desencadeada se complete). Por este motivo, não
é necessário levar o aluno, rapidamente, à resposta ou às noções
consideradas certas. É muito mais importante deixá-lo errar por não
poder ainda considerar alguns aspectos importantes da situação, sem
corrigi-lo diretamente. Em outro momento oportuno, a partir da análise
de seus procedimentos e explicações, podem ser propostas outras
situações-problema que solicitem a aplicação dos mesmos
conhecimentos. Se estes permanecem inalterados, a situação não será
resolvida, provocando a tomada de consciência da lacuna pelo aluno,
desencadeando o processo de reestruturação dos conhecimentos
anteriores ou a busca de novos conhecimentos para solucioná-la.
20
Lia Leme Zaia
Falta considerar a tomada de consciência de opiniões e pontos
de vista diferentes do próprio, provocando o conflito cognitivo e
desencadeando o processo de equilibração. Esta fonte de
perturbação nos faz considerar a necessidade do trabalho em
pequenos grupos, especialmente com propostas de atividades que
exijam discussão, argumentação e contra-argumentação na tentativa
de convencer o outro, para realizar um trabalho comum.
Principalmente porque exige a consideração e a análise das idéias
dos parceiros, para poder aceitá-las ou refutá-las e para poder
construir uma contra-argumentação pertinente.
É importante lembrar que o desequilíbrio provoca sempre a
busca de um novo equilíbrio mais estável, complexo e duradouro,
por um mecanismo auto-regulador de compensações ativas às
perturbações; que os estados de equilíbrio são sempre ultrapassados
porque novos problemas que vão sendo levantados à medida que se
soluciona os precedentes e que uma estrutura acabada dá lugar à
exigência de nova diferenciação ou nova integração em estruturas
mais amplas.
Esses melhoramentos podem alargar, em extensão, o campo
do sistema, isto é, ampliar o número de situações ou objetos a que o
esquema ou estrutura se aplicam; podem relativizar as noções por
diferenciação em sub-esquemas que passam a assimilar os elementos
anteriormente não assimiláveis. Com o rompimento do ciclo, o próprio
sub-esquema torna-se um novo tipo de perturbação e a diferenciação
é, necessariamente, compensada pela integração do sub-esquema ao
novo esquema total.
Em outras palavras, a equilibração cognitiva, enquanto marcha
para um equilíbrio mais estável, implica na construção e reorganização
das estruturas cognitivas e deve ser levada em conta para propiciar o
desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Entretanto, na maioria das escolas, aprender se limita às
aquisições externas em função da experiência e das transmissões
educativas. Consideramos restrita essa concepção de aprendizagem
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
21
que não satisfaz as necessidades da criança em desenvolvimento, razão
pela qual muitas parecem não aprender os conteúdos escolares, apesar
de aprenderem outras tantas coisas em suas casas, na rua, no trabalho.
Compreendemos como dificuldades para aprender tudo o que
dificulta, emperra, desvia, defor ma a reorganização dos
conhecimentos. Esta reorganização relaciona-se com a construção
das estruturas no interior do sujeito e com as características do objeto
e suas relações. Assim, os fatores que prejudicam a reorganização
dos conhecimentos podem ser agrupados em dificuldades próprias
do sujeito que aprende e dificuldades provocadas pelas circunstâncias
familiares, escolares, sociais, que o envolvem.
É preciso, entretanto, compreender que os fatores do sujeito e
os fatores circunstanciais não atuam separadamente, pois
encontraremos no meio em que a criança vive diversos motivos para
se instalarem dificuldades que, a primeira vista, parecem próprias do
sujeito e encontraremos no sujeito diversas características que
propiciam a influência desta ou daquela circunstância de seu meio.
Assim, se as condições físicas, neurológicas, cognitivas ou
afetivas podem dificultar a aprendizagem, não podemos esquecer que
elas também podem ser provocadas ou acentuadas pelo ambiente da
criança. E o meio não compreende apenas a família, mas também a
escola, a comunidade, os costumes, as características culturais que
lhe propiciam, ou não, pensar e agir por si mesma, experimentar,
arriscar-se a errar, corrigir, voltar a errar, sem medos e sem culpas.
Entre os fatores próprios do sujeito, mas que sofrem grande
influência do meio em que se encontra, colocaríamos o atraso geral
no desenvolvimento cognitivo, isto é, um atraso na construção de
sua estrutura de conjunto, o que provocaria atraso na construção
de todas as estruturas. A falta das estruturas necessárias à
compreensão e ao estabelecimento de relações dificulta a
aprendizagem em sentido amplo.
Outro fator de dificuldades, ligado ao processo de
desenvolvimento cognitivo, pode ser encontrado em crianças com
22
Lia Leme Zaia
bom nível geral de desenvolvimento, mas com defasagem na
construção de uma determinada estrutura, de uma operação
específica, ou na construção do real. Ora, o atraso na construção de
uma estrutura ou de uma operação, enquanto as outras se desenvolvem
normalmente, pode dificultar a aprendizagem nas áreas de
conhecimento mais relacionadas a ela; enquanto o atraso na
construção do real, dificultando o estabelecimento de relações espaçotemporais e causais, nos casos mais graves prejudica a aquisição da
fala, em outros, a organização do discurso, a localização no espaço e
no tempo, o estabelecimento de relações de causa e efeito.
O processo de construção do real inicia-se precocemente,
prolongando-se em fases distintas que passam pela organização do
real, sua representação e, finalmente, pela estruturação dessas
representações. Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984), quanto mais
cedo se instala a falha, maiores serão os comprometimentos para a
aprendizagem.
Para organizar o real é necessário que as crianças apliquem
seus esquemas de ação aos objetos do ambiente físico. Assim, se forem
impedidas de agir, não chegarão a construir todos os seus esquemas
motores, prejudicando o estabelecimento de relações espaço-temporais
e causais. Desconhecendo as regularidades da natureza e sem
possuírem noção de tempo, espaço e causalidade, não conhecem os
limites de suas ações. Em conseqüência, constroem uma representação
caótica do mundo, o que retarda a aquisição da linguagem. A falha na
compreensão e produção da língua materna, por sua vez, impede a
comunicação, agravando o problema.
Para superar este ciclo crescente de dificuldades e para a criança
construir e coordenar seus esquemas motores, algumas condições se
tornam necessárias, como a organização do ambiente, a diversidade
de materiais disponíveis e a criação de situações interessantes para
provocar a sua ação efetiva. É preciso provocar a interação da criança
com o meio, propiciando a compreensão dos limites de suas próprias
ações, diferenciando as propriedades dos objetos e percebendo as
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
23
regularidades da natureza. Deste modo, ela poderia organizar a
experiência em termos de espaço, tempo e causalidade, preenchendo
uma importante condição para aprender a falar.
Algumas crianças organizam o real, tornando-se capazes de
falar, representar e estabelecer relações. Mas, sendo muito estimuladas
para o conhecimento figurativo1, constroem uma representação do
mundo sem apoio em suas próprias ações, confundindo significado e
significante, realidade e fantasia.
Para superar este problema, seria importante criar situações
em que possam observar e agir sobre a natureza para entender as
relações repetitivas que nela ocorrem; agir sobre os objetos,
experimentar, observar o resultado de suas ações, relatar o que fizeram
e o que aconteceu. Assim, poderiam organizar a experiência vivida,
representá-la adequadamente e perceber as relações entre suas ações
e o que acontece no mundo físico. Após a conquista do real, quando
distinguirem significado e significante, poderão dedicar-se ao jogo
simbólico e à fantasia, sem confundi-los com a realidade.
Ainda, outras crianças, tendo organizado e representado o real,
não estruturaram suas representações em relação ao espaço, ao tempo
e a causalidade, utilizando apenas imagens para representar a situação
atual. Sem poder evocar o passado, seu discurso fica restrito ao
presente, não tomando consciência de suas realizações. Por não
organizarem adequadamente suas representações, não chegam a
construir a identidade e, assim, não estabelecem classes e séries que
propiciariam a construção dos conceitos. Por falta de conceitos, não
estruturam o discurso e apenas emitem raciocínios transdutivos, isto
é, vão do particular para o particular, sem possibilidade de generalizar,
confundindo o indivíduo com a classe e vice-versa.
Para Dolle (1996), as crianças que não organizam
adequadamente suas representações centram-se nos estados em
Os aspectos figurativos se baseiam nas constatações perceptivas, isto é, na simples leitura
da experiência, percepção e a imagem mental; enquanto os aspectos operativos, se
relacionam às transformações produzidas pelas ações físicas e mentais (DOLLE; BELLANO,
1989, 1996, p. 74)
1
24
Lia Leme Zaia
detrimento das transformações, presas às particularidades e à
singularidade de cada configuração. Por não haverem construído
convenientemente a representação, sem retroagir e antecipar, não
dominam o passado nem o futuro.
A superação destas dificuldades, segundo o pesquisador, exige
que seja solicitada a evocação de suas ações passadas para trazê-las
ao presente, onde possam ser estruturadas pelo estabelecimento de
relações. A reconstituição possibilita a tomada de consciência daquilo
que foi realizado, condição para operar, adquirir um conceito e
expressar-se verbalmente.
Para a criança passar do nível da ação ao da compreensão,
ainda é necessário que estruture o real no nível das representações,
propiciando-se a organização de objetos para chegar às operações de
classificação e seriação e à busca de explicações para o mundo físico,
sendo necessário voltar ao real e dar-lhe significado. Neste processo,
a criança supera a comunicação atual e concreta e chega à outra forma
de comunicação, que implica a distinção entre significante e
significado, passando do mundo real ao possível.
Durante o período operatório, encontramos outras causas para o
estabelecimento de dificuldades para aprender, dentre as quais podemos
destacar a predominância da figuratividade. Para Dolle e Bellano (1989),
tanto os aspectos figurativos como os operativos estão sempre presentes
em todos os níveis do desenvolvimento, mas as suas predominâncias
se alternam durante o processo. Assim, se no início do período operatório
a figuratividade predomina sobre a operatividade, aos poucos a
operatividade supera a figuratividade até tornar-se dominante.
Entretanto, esta inversão de predominâncias pode não ocorrer
e o processo de construção das estruturas pode ter continuidade sob
a dominância da modalidade funcional figurativa do pensamento, em
detrimento da modalidade operativa e, consequentemente, de suas
possibilidades de aprender. É possível reconhecer estas crianças por
sua centração nos estados sem levarem em conta as transformações.
Ficam presas às particularidades e à singularidade de cada configuração
sem possibilidade de retroagir e antecipar, não dominando o passado
nem o futuro e não construindo a reversibilidade do pensamento.
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
25
Na mesma obra, Dolle e Bellano propõem uma adaptação do
método clínico-crítico de Piaget às especificidades da elaboração
de um diagnóstico, denominando-o “exame operatório”. Este exame
permitiria buscar, no sujeito psicológico concretizado no paciente,
tanto o nível de construção das estruturas operatórias e de
elaboração de espaço, tempo, acaso e causalidade, como o próprio
funcionamento dos processos de pensamento, como veremos a
seguir em suas próprias palavras:
Se agora nos preocupamos em proceder ao diagnóstico do
sujeito concreto, em relação àquilo que sabemos do sujeito
epistêmico, procedemos metodologicamente da mesma forma
que em situação experimental. Mas as observações que
recolhemos sobre as modalidades estruturais e funcionais da
criança, servem tanto para compreendê-la e para revelar setores
de sua atividade onde se manifestam alguns retardos, ausências
estruturais ou déficits, etc., [...] quanto para recolher indicações
indispensáveis para proceder às terapias posteriores [...] (DOLLE;
BELLANO, 1989, p. 115-116).
Para superar as dificuldades, Dolle e Bellano propuseram
diversos exercícios terapêuticos, cujo objetivo seria ajudar as crianças
ancoradas na figuratividade a buscarem a superação de suas
dificuldades, pelo confronto com as insuficiências dos procedimentos
que utilizam. Os primeiros exercícios terapêuticos seriam escolhidos
em função das lacunas encontradas no funcionamento das estruturas
cognitivas da criança. Os seguintes, em função dos progressos, da
estagnação ou das incertezas, observados ao longo da própria terapia.
Os autores propõem a criação de situações-problema que
propiciem o conhecimento físico dos objetos, mostrando a importância
de colocar questões que orientem indiretamente a atenção da criança
para aspectos mais delimitados dessa situação. Assim, as questões
podem levá-la a tomar consciência do próprio desafio, de sua
dificuldade para resolvê-lo, do que lhe falta, das características do
objeto que impedem a sua ação e do que pode fazer.
Lia Leme Zaia
26
Explicam que essas questões e a possibilidade de experimentar
permitem a descentração do pensamento, o estabelecimento do
conflito cognitivo, a tomada de consciência da pertinência ou da
incoerência das suas próprias idéias, provocando a busca de novas
maneiras de resolver a situação-problema.
Penetrando mais na análise das circunstâncias escolares, embora
sem desconsiderar o sujeito, Vinh-Bang (1990) analisou as
insuficiências, indicadas pelos erros nas produções de muitas crianças.
Propondo a utilização de um processo de intervenção psicopedagógica
adaptado às dificuldades e às suas possíveis causas, enfatizou a
necessidade de analisar cuidadosamente os erros para conhecê-los
melhor, determinando as circunstâncias que possam tê-los produzido.
Desta forma, seria possível não apenas compreender o insucesso como
propiciar a sua superação.
Para tanto, propôs um quadro de dupla entrada, a partir das
diferentes possibilidades das insuficiências observadas em classe
(individuais ou coletivas, relacionadas a um conteúdo específico ou
a vários conteúdos) e, cruzando-as, levantou as suas possíveis causas,
como veremos a seguir:
CONTEÚDO A. ESPECÍFICOS
POPULAÇÃO
A. Individual
B. Coletivo
A.A
B.A
B. CONJUNTO DE
VÁRIOS CONTEÚDOS
A.B
B.B
Considerou que as insuficiências individuais nas produções
escolares relacionadas a um conteúdo específico (A.A) poderiam ser
provocadas tanto por lacunas2 nos conhecimentos anteriores, como
por dificuldades do professor no que diz respeito à disciplina em
questão; enquanto as dificuldades individuais relacionadas a vários
conteúdos (A.B) poderiam ser resultantes da acumulação de erros
2
Segundo Vinh-Bang (1990), lacuna “não deve ser interpretada como uma falha, um
defeito, um elo ausente: é ao contrário presença perturbadora, trata-se de uma falsa
aquisição” (p. 133).
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
27
que provocam lacunas na aquisição desses conhecimentos, ou de atraso
no desenvolvimento cognitivo.
Quanto às insuficiências coletivas relacionadas a um
conhecimento específico (B.A) poderiam estar relacionadas tanto ao
lugar em que o conteúdo é tratado no programa, como à didática do
docente, sendo necessário analisar a ordem das noções no programa
desenvolvido. Explicando melhor, é preciso verificar se foram
propiciadas as construções anteriores necessárias, além de considerar
o objetivo das atividades propostas e a própria formulação do problema.
Finalmente, as insuficiências coletivas relacionadas a vários
conteúdos provavelmente seriam resultantes de uma conjunção de
falhas relacionadas ao sistema escolar, ao método de ensino, ao
programa de estudos e à formação do professor. Entre estes casos, é
preciso considerar a inadaptação escolar em geral, cujas causas, a
serem pesquisadas, estariam tanto no aluno que se adapta mal às
exigências escolares, como na escola e no ensino que não se adaptam
ao estudante.
Vinh Bang (1990) propõe o preenchimento das lacunas nos
conhecimentos anteriores ou a recuperação do atraso no
desenvolvimento cognitivo do aluno, quando as insuficiências forem
individuais. No caso de erro coletivo, de uma classe, por exemplo, seria
necessário apreender o sentido e o alcance dos insucessos para o
professor poder reajustar sua prática pedagógica e adaptar o conteúdo
aos seus alunos. A intervenção deveria propiciar o desenvolvimento
dos instrumentos de pensamento, para superar um atraso geral no
desenvolvimento do sujeito, ou um atraso restrito a um aspecto do
conhecimento. Propõe, ainda, a construção dos conhecimentos
lacunares3 que dificultam ou impedem outras aquisições.
Assim, a intervenção psicopedagógica na instituição e a
orientação ao professor teriam como objetivo propiciar a reflexão, a
tomada de consciência das circunstâncias que dificultam a
Conhecimentos lacunares são aqueles “cuja estruturação é incompleta e parcial, e que não
podem, por isso, servir para a construção de aquisições de nível superior”.
3
28
Lia Leme Zaia
aprendizagem, a transformação do ambiente escolar e da prática
pedagógica, além da adaptação dos conteúdos às necessidades e
possibilidades dos alunos.
Uma forma interessante de atendimento às necessidades do
aluno e do professor é desenvolvida pelo Laboratório de
Psicopedagogia (LAPp), do Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo (USP), que atende tanto aos alunos do ensino
fundamental, como aos professores e psicopedagogos, desenvolvendo
atividades e utilizando jogos de regras como material de trabalho e
instrumento desencadeador de tematizações e análises em duas áreas:
psicopedagogia e aprendizagem escolar.4
Nesse trabalho, o jogo e as intervenções adequadas convidam
a criança e o adolescente a refletir sobre o material, suas próprias
estratégias, as possibilidades abertas por elas, os erros e suas
conseqüências. No que diz respeito ao professor e ao psicopedagogo,
propiciam a reflexão, a análise, a reavaliação da postura profissional,
abrindo-lhe a possibilidade de utilizar jogos como instrumento de
trabalho.
Para Petty (1995, p. 124) o jogo de regras assume seu lugar na
pedagogia e na psicopedagogia, com a vantagem de atuar “no âmbito
das atitudes (organização, atenção, auto-estima, disciplina, etc.,) e
do desenvolvimento do raciocínio (interpretação de informações,
busca de soluções, levantamento de hipóteses, análise e superação
de erros etc.)”.
Macedo (1996, p. 180), referindo-se ao trabalho desenvolvido
no LaPp, descreve as mudanças de atitude decorrentes do
desenvolvimento do trabalho com jogos. Inicialmente, as crianças
apresentam condutas inadequadas em relação à atividade proposta
“[...] um comportamento duvidoso, errático, desesperançado, sem
projeto, o qual indica um presente que apenas conhece a atenção
4
Para elaboração desta síntese, utilizamos os dados fornecidos por Petty, em sua dissertação
de mestrado (1995), que relata o trabalho desenvolvido no LaPp, sob orientação e
coordenação do Prof. Dr. Lino de Macedo.
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
29
fugidia e o gozo imediato, sem muito trabalho ou empenho”. Quando
jogam, tomam decisões precipitadas, sem articular as jogadas, sem
obedecer as regras, sem considerar as possibilidades do adversário.
Aos poucos, vão apresentando maior concentração, diminuem as
conversas sobre assuntos alheios ao jogo, as brigas, as saídas da
sala etc., conseguindo maior concentração, possibilidade de
antecipar situações e planejar estratégias.
Atribuindo aos jogos o papel de desencadear os mecanismos
de regulações compensatórias, que propiciam a construção de novas
estruturas e novos procedimentos, Brenelli (1993) desenvolveu uma
pesquisa para verificar a influência de atividades realizadas com os
jogos Quilles e Cilada, sobre o desenvolvimento operatório e sobre a
compreensão de noções aritméticas por crianças, de 8 a 10 anos, com
dificuldades de aprendizagem.
Segundo a autora, as modificações das ações nos jogos de regras
dependem da compreensão. Assim, o papel da intervenção seria
propiciar a passagem do fazer para o compreender, possibilitando
lidar operatoriamente com as transformações, retroações e
antecipações, auxiliando a criança a superar suas limitações nos
aspectos figurativos do julgamento. Introduzindo perturbações que
desencadeavam o processo de equilibração e a abstração reflexiva, o
trabalho por ela realizado propiciou a tomada de consciência das
estratégias utilizadas pelos sujeitos, tanto no decorrer das partidas,
como nas atividades lúdicas desenvolvidas a partir dos mesmos jogos.
Analisando os processos de reflexão, generalização,
contradição e tomada de consciência, subjacentes ao ato de aprender,
bem como a construção das relações de possibilidade e necessidade,
Brenelli (1993) demonstrou que a causa dos progressos não foi o
jogo, mas a ação de jogar em interação com a própria pesquisadora.
Além do jogo, foram propiciadas outras atividades relacionadas ao
contexto lúdico do mesmo, solicitando a descrição, a antecipação, a
explicação e a representação das estratégias e do resultado de
determinadas jogadas.
30
Lia Leme Zaia
Nesta mesma direção, Macedo, Petty e Passos (2000, p. 21)
além de analisar as situações-problema colocadas pela própria situação
de jogar, sugerem a proposta de outras situações-problema
relacionadas, explicando:
As situações-problema permeiam todo o trabalho na medida
em que o sujeito é constantemente desafiado a observar e analisar
aspectos considerados importantes pelo profissional. Existem
muitas maneiras de elaborá-las; podem ser uma intervenção oral,
questionamentos ou pedidos de justificativas de uma jogada que
está acontecendo; uma remontagem de um momento do jogo;
ou ainda, uma situação gráfica.
Os autores ainda propõem a diferenciação das possibilidades
de análise com a apresentação de novos obstáculos e questionamentos
e explicam que as situações-problema são criadas a partir das situações
significativas vividas durante a atividade de jogar. Trata-se de retomar
situações de impasse ou que tenham exigido a tomada de decisões,
favorecendo assim a análise dos procedimentos do sujeito e o
levantamento de outras possibilidades.
Zaia (1996) trabalhou com oito crianças de 11 a 13 anos que
freqüentavam o Prodecad5 pela manhã e classes de 2ª a 4ª séries na
escola regular, no outro período. Em seu cotidiano escolar e fora dele,
estas crianças apresentavam procedimentos próprios dos níveis préoperatórios ou do início da transição para o período operatório
concreto e, a maioria, não havia estruturado convenientemente suas
representações em ter mos de espaço, tempo e causalidade,
prejudicando a organização do discurso e a aprendizagem escolar.
Tais crianças haviam também desenvolvido sentimentos negativos
em relação à escola que não atendia suas necessidades, colocando
5
O Programa de Integração e Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (PRODECAD), da
Pró-Reitoria de Extensão da U NICAMP , atende aos filhos de funcionários da Instituição,
especialmente os de baixa renda, com dois programas distintos: Pré-Escola e Apoio à
Escolaridade. O Serviço de Apoio à Escolaridade, destinado aos alunos de 1ª a 4ª séries do
Ensino Fundamental, oferece, em salas de aula, uma diversidade de atividades, além de
Teatro, Educação Artística, Educação Física em outros locais. As crianças são distribuídas
por idade e gozam de relativa liberdade dentro do programa.
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
31
exigências muito acima de suas possibilidades e sem lhes proporcionar
as condições necessárias para satisfazê-las.
Essa situação era agravada por serem alvo constante de
caçoadas e discriminação. Um forte sentimento de fracasso e
inadequação às exigências institucionais parecia influenciar
negativamente o conceito que possuíam de si mesmos e de suas
próprias possibilidades.
Para superar esta situação, foi preciso trabalhar a qualidade
das interações estabelecidas entre os parceiros e com o adulto,
incentivando-se o respeito mútuo para que as crianças se sentissem
seguras e pudessem expor suas idéias, realizar ações, fazer tentativas,
errar – importantes condições para aprender.
Para propiciar o desenvolvimento cognitivo, a estruturação do
real e resgatar as possibilidades de aprender, desenvolveu-se um
processo de intervenção em grupo, adaptando-se o Processo de
Solicitação do Meio6 às possibilidades, necessidades e interesses das
crianças de onze a treze anos, bem como às dificuldades que podíamos
observar durante as sessões de intervenção.
Dentre as características que diferenciam este processo de
intervenção psicopedagógica, podemos apontar a predominância do
trabalho em pequenos grupos, com atividades diversificadas;
mantendo a possibilidade de a criança freqüentar ou não as sessões,
escolher entre o trabalho individual e o trabalho em grupo e realizar
escolhas entre as atividades e os jogos disponíveis em cada sessão.
Inicialmente predominavam as atividades, mas no decorrer das
sessões o jogo foi ganhando terreno, começaram a ser mais escolhidos
e as próprias crianças transformavam em jogo algumas situações
apresentadas inicialmente como atividades. Entretanto, também
O Processo de Solicitação do Meio, desenvolvido por Assis (1976) para favorecer a construção
das estruturas operatórias concretas em alunos pré-escolares, “foi orientado no sentido de
despertar a curiosidade e a atividade espontânea da criança, a partir da qual a inteligência se
desenvolve”. Colocando à disposição das crianças uma grande variedade de materiais, este
processo, introduzindo questionamentos, problemas e desafios, cria “oportunidades para a
criança explorar e manipular objetos ou idéias [...] observar e, depois, tentar explicar o que
estava fazendo” (ASSIS, 1977, p. 26).
6
32
Lia Leme Zaia
ocorreu a transformação inversa como, por exemplo, o jogo “torre de
papel” assumiu as características desafiadoras de uma atividade de
conhecimento físico, quando crianças deixaram de competir e se
preocupar com os pontos ganhos para coordenar suas ações e cooperar,
procurando manter a torre equilibrada.
Ao longo do processo de intervenção, foi possível acompanhar
o desenvolvimento cognitivo e social das crianças e as transformações
na relação estabelecida com a instituição, com as professoras e os
colegas no Prodecad. Conforme relato das professoras, estas crianças
começaram a estabelecer relações menos agressivas com as outras, a
ser respeitadas pelos colegas, integrando-se um pouco melhor ao
grupo-classe. No final do ano letivo, além de serem promovidas na
escola regular, as crianças ou se tornaram operatórias ou atingiram
níveis mais avançados no processo de transição.
A partir desta pesquisa, foi possível aprimorar o processo de
solicitação em intervenções clínicas posteriores, com outras crianças
e adolescentes que apresentavam dificuldades para aprender. O
contato com escolas e professores das crianças atendidas possibilitou
a compreensão de algumas das circunstâncias escolares que
dificultavam a superação de suas dificuldades. Na medida em que
novas escolas solicitavam assessoria, ampliamos nossas constatações,
além de transformá-las em orientações sobre como atender às
necessidades cognitivas das crianças e sobre as formas de prevenir
ou superar as dificuldades para aprender.
Dentre as circunstâncias escolares que provocam a instalação
das dificuldades ou impedem sua superação, podemos lembrar a forma
de tratamento dada pela escola a todos os conhecimentos, a
transmissão social desvinculada da experiência da criança; a ênfase
nos exercícios repetitivos para a fixação de procedimentos, trocando
a compreensão e a construção de operações pela formação de hábitos,
evitando o erro e, ainda, para evitar as conversas paralelas e os
conflitos, o fato das carteiras serem mantidas enfileiradas impedindo
a interação social entre as crianças, a troca de idéias, a argumentação.
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
33
Saravali (2005, p. 140-141) relata suas observações neste
mesmo sentido, afirmando que as dificuldades da criança podem estar
relacionadas “a uma série de fatores combinados, inclusive referentes
ao trabalho docente, que acabam por ampliar e agravar o quadro” e
descreve as conseqüências decorrentes do sentimento de incapacidade:
As inúmeras experiências de fracasso podem levar o aluno a
formar uma imagem negativa de si mesmo, a ter medo do desafio,
a se desinteressar pelas atividades escolares, entre outros aspectos
indesejáveis. Diante deste quadro, suas relações com os colegas
podem vir a ser prejudicadas, acentuando-se ainda mais o
problema (SARAVALI, 2005, p.141).
Tendo aplicado o teste sociométrico em uma classe de quarta
série da rede pública de uma cidade do interior de São Paulo, Saravali
pode observar que as crianças com dificuldades para aprender eram,
em geral, rejeitadas pelo grupo, o que mantinha ou aumentava as
dificuldades, formando-se o ciclo vicioso descrito a seguir
Assim, as crianças têm dificuldades, o professor lança sobre
elas um olhar diferente, tal olhar influencia os colegas que
acabam por excluí-las, tal exclusão impede trocas e melhores
relações sociais, que por sua vez acabam agravando o
desempenho acadêmico reforçando o olhar do professor, o
professor continua tendo um olhar negativo sobre a criança,
este olhar continua influenciando a turma e assim por diante
[...] (SARAVALI, 2005, p. 141).
Considerando que a influência do olhar do professor não se
restringe apenas a sala de aula, mas pode prejudicar todas as relações
sociais da criança e, em decorrência, a própria formação de sua
personalidade, torna-se urgente modificar o quadro. Nesse sentido, é
importante que os profissionais da educação sejam preparados para
aceitar as diferenças e para criar as condições para todos serem
igualmente aceitos por seus pares.
34
Lia Leme Zaia
Concordamos com Saravali (2005) sobre a necessidade dessa
preparação ter início nos anos de formação do professor, ou, para
aqueles que não tiveram essa sorte, nos cursos e encontros de formação
continuada ou nas especializações. Entretanto, para criar e manter
um ambiente de aceitação, respeito mútuo e cooperação, em que sejam
valorizados os sentimentos de cada um, é necessário mais que o acesso
ao conhecimento pedagógico, psicológico e psicopedagógico. Mais
do que modificar a própria fundamentação teórica, trata-se de
transformar atitudes e valores muito arraigados na vida da escola e
de cada um; assim, é importante serem acompanhados de perto,
receberem orientações, apoio e feed back constante sobre sua forma
de atuar. Daí considerarmos premente a necessidade de se implantar
a assessoria psicopedagógica ou, melhor, das escolas poderem contar
com as contribuições da psicopedagogia e, especialmente, com a
supervisão de um bom psicopedagogo institucional.
Referências bibliográficas
ASSIS, O. Z. Mantovani de. A solicitação do meio e a construção
das estruturas lógicas elementares da criança. 1976. Tese
(Doutorado em Educação) -– Universidade Estadual de Campinas/
FE, Campinas, 1976.
______. Estudo sobre a Relação entre a Solicitação do Meio e a
Formação da Estrutura Lógica no Comportamento da Criança.
Relatório Final apresentado ao INEP, 1977.
BRENELLI, R. Intervenção pedagógica, via jogos Quilles e
Cilada, para favorecer a construção das estruturas operatórias
e noções aritméticas em crianças com dificuldades de
aprendizagem. 1993. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993.
DOLLE, J. M. Estudos sobre a figuratividade do funcionamento
cognitivo das crianças que não aprendem. In: SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E XIII
ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DO PROEPRE:
Aprendizagem e desenvolvimento – superando dificuldades
35
PIAGET, TEORIA E PRÁTICA, 4., 1996. Águas de Lindóia-SP.
Anais... Águas de Lindóia-SP, 1996. p. 227-237.
DOLLE, J. M.; BELLANO, D. Ces enfants qui n’apprenent pas –
diagnostic et remediations cognitifs. Paris: Edictions Centurion, 1989.
MACEDO, L. de. O lugar dos erros nas leis ou nas regras. In: ______.
(Org.). Cinco estudos de Educação Moral. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1996.
MACEDO, Lino de; PETTY, Ana L. S.; PASSOS, Norimar C.
Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artmed,
2000.
PIAGET, J. A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar;
Brasília: INL, 1975. (Ed. Original 1927).
______. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
(Ed. original: 1964).
______. Os procedimentos da educação moral. In: MACEDO, L.
(Org.). Cinco estudos de Educação Moral. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1996. p.1-36. (V Congresso Internacional de Educação
Moral, Paris, 1930).
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Em busca do sentido na obra
de Jean Piaget. São Paulo: Ática, 1984.
PETTY, A. L. Ensaio sobre o valor pedagógico dos jogos de
regras: uma perspectiva construtivista. 1995. 133f. Dissertação
(Mestrado) – USP-FE, São Paulo, 1995.
SARAVALI, E. G. Dificuldades de aprendizagem e interação
social – implicações para a docência. Taubaté: Cabral Editora e
Livraria Universitária, 2005.
VINH-BANG. Textes Choisis. Genève: Université de Genève, 1988.
VINH-BANG. L’Intervention Psychopédagogique. Archives de
Psychologie, v. 58, p. 123-135, 1990.
36
Lia Leme Zaia
ZAIA, L. L. A solicitação do meio e a construção das estruturas
operatórias em crianças com dificuldades de aprendizagem.
1995. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1995.
Recebido em: 07 agosto de 2007
Aprovado em: 31 de agosto de 2007
Caracterização do desempenho fonológico, da
leitura e da escrita em escolares com dislexia e
distúrbio de aprendizagem
Simone Aparecida Capellini 1
Percília Toyota 2
Lara Cristina Antunes dos Santos 3
Maria Dalva Lourencetti 4
Niura Aparecida de Moura Ribeiro Padula 5
Resumo: Este estudo teve por objetivo caracterizar e comparar o desempenho
fonológico, da leitura e da escrita em escolares com dislexia, distúrbio de
aprendizagem e escolares que lêem conforme o esperado para idade e
escolaridade. O diagnóstico da dislexia e distúrbio de aprendizagem foi realizado
1
Doutora e Pós-Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Docente do Departamento de Fonoaudiologia da FFC/Unesp – Marília-SP. Email: [email protected].
2
Bolsista de Treinamento Técnico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp). Departamento de Fonoaudiologia da FFC/U NESP – Marília-SP. E-mail:
[email protected]
3
Mestranda em Patologia – FM/UNESP – Botucatu – SP. Responsável pelo Ambulatório de
Desvios da Aprendizagem do Hospital das Clínicas da FM/UNESP – Botucatu – SP. E-mail:
[email protected]
4
Neuropsicóloga do Ambulatório de Desvios da Aprendizagem do Hospital das Clínicas da
FM/UNESP – Botucatu – SP. E-mail: [email protected]
5
Doutora em Ciências Médicas – FCM/UNICAMP – Campinas – SP. Docente do Departamento
de Neurologia e Psiquiatria da FM/UNESP – Botucatu – SP. E-mail: [email protected]
Pesquisa realizada com auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9
p. 37-70
2007
38
Simone Aparecida Capellini et al.
por equipe interdisciplinar do Ambulatório de Desvios da Aprendizagem da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Botucatu - SP em escolares
com queixas de dificuldades de aprendizagem encaminhados pelos professores.
Os resultados revelaram a necessidade de continuidade de estudo nesta temática
para podermos compreender seu impacto na problemática da aprendizagem
escolar desta população no contexto de sala de aula.
Palavras-chave: Dislexia. Distúrbio de aprendizagem. Aprendizagem.
Characterization of phonological, reading and writing performance
in students with dyslexia and learning disabilities
Abstract: This study aimed to characterize and compare the phonological,
reading and writing performance in students with dyslexia, learning disabilities,
and good readers. The dyslexia and learning disability diagnoses were realized
by the interdisciplinary team of the Ambulatory of Learning Difficulties of
Unesp of Botucatu - SP in students with learning difficulties sent by teachers.
The results revealed the necessity of other studies in this subject to allow the
understanding of the impact of this problematic situation in school learning of
this population in classroom context.
Key-words: Dyslexia. Learning disabilities. Learning.
Introdução
Em nossa realidade educacional, há grande número de crianças
que apresentam dificuldades de aprendizagem e que não conseguem
acompanhar as atividades de leitura e escrita em contexto escolar.
No âmbito das dificuldades de aprendizagem é comum a
ocorrência de confusão terminológica devido ao grande número de
nomenclaturas que as designam. Em relação a isto, Capellini e Ciasca
(2000) e Capellini e Salgado (2003) afirmaram que a falta de consenso
entre as terminologias e definições diagnósticas dos problemas
escolares está relacionada à dificuldade de se diferenciar os indivíduos
que apresentam dificuldades escolares de origem cognitiva, sócioeconômica-cultural e afetiva daqueles que apresentam alterações nas
habilidades cognitivo-lingüísticas de origem genético-neurológica,
como a dislexia do desenvolvimento e o distúrbio de aprendizagem.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
39
A World Federation of Neurology em 1968 definiu dislexia como
sendo
[...] transtorno de aprendizagem da leitura que ocorre apesar de
inteligência normal, de ausência de problemas sensoriais ou
neurológicos, de instrução escolar adequada, de oportunidades
sócio-culturais suficientes, além disso, depende da existência de
perturbação de aptidões cognitivas fundamentais, freqüentemente
de origem constitucional (CRITCHLEY, 1975).
O distúrbio de aprendizagem é uma expressão genérica que se
refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestadas por
dificuldades significativas na aquisição e no uso da audição, fala,
leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Essas alterações
são intrínsecas ao indivíduo e presumivelmente devidas à disfunção
do SNC. Apesar de um distúrbio de aprendizagem poder ocorrer
concomitantemente com outras situações desfavoráveis (alteração
sensorial, retardo mental, distúrbio emocional, distúrbio emocional
ou social) ou influências ambientais (diferenças culturais, instrução
insuficiente ou inadequada, fatores psicogênicos), não é resultado
direto destas condições ou influências (HAMMILL et al., 1987).
A definição descrita acima aborda o distúrbio de aprendizagem
de forma ampla, tornando necessária uma reflexão sobre o fato de
não ser possível inserirmos todas as crianças com distúrbio de
aprendizagem num mesmo grupo. Para melhor distinção entre os
distúrbios de aprendizagem, devemos tomar como base as
manifestações mais evidentes que produzem impacto no desempenho
da criança. Assim, crianças que apresentam deficiência mental,
sensorial (visual, auditiva) ou motora revelam distúrbio de
aprendizagem como um quadro resultante de retardo mental, afecções
neurológicas e sensoriais. Entretanto, existe, ainda, um grupo de
crianças que apresentam como manifestação os problemas escolares
decorrentes de alterações de linguagem e cuja inteligência, audição,
visão e capacidade motora estão adequadas, sendo, então, o quadro
40
Simone Aparecida Capellini et al.
de distúrbio de aprendizagem decorrente de disfunções
neuropsicológicas que acometem o processamento da informação,
resultando em problemas de percepção, processamento, recepção,
organização e execução da linguagem oral e escrita (CAPELLINI, 2004).
Desta forma, a dislexia é um termo que se refere à defasagem
entre o desempenho esperado de uma criança nas habilidades de leitura
e escrita e o desempenho efetivamente observado, ou seja, o processo
de desenvolvimento e aprendizagem da criança aparece comprometido
somente em fase escolar, enquanto que o distúrbio de aprendizagem
é caracterizado quando o processo de desenvolvimento e
aprendizagem da criança está comprometido desde os primeiros anos
de vida (CAPELLINI; CIASCA, 2000).
Existe um consenso entre os pesquisadores de que a habilidade
fonológica seja importante para a aquisição da leitura, sendo que a
maioria dos indivíduos com atraso em leitura ou dislexia apresentam
alterações nessa habilidade. A hipótese do déficit fonológico tem sido
sustentada por inúmeros trabalhos que têm identificado atrasos quanto
à sensibilidade à rima, aliteração e segmentação fonêmica durante o
desenvolvimento da leitura (WOLF et al., 2002; BOWERS, NEWBY-CLARK,
2002; VUCKOVIC, WILSON, NASH, 2004; SAVAGE et al., 2005; SWANSON,
HOWARD, SAEZ, 2006). No Brasil, os estudos com dislexia e distúrbio de
aprendizagem têm apontado atrasos quanto à rima, aliteração,
manipulação e segmentação fonêmica (CAPELLINI; CIASCA, 2000; CAPELLINI,
2001; BARROS; CAPELLINI, 2003; CAPELLINI; PADULA; CIASCA, 2004).
Capellini (2004) descreveu as manifestações do distúrbio de
aprendizagem e da dislexia, com o objetivo de diferenciar os dois
quadros diagnósticos. Desta forma, foi relatado que, no distúrbio de
aprendizagem, o indivíduo apresenta inteligência normal ou alterada,
distúrbio fonológico, falha nas habilidades sintáticas, semânticas e
pragmáticas, histórico/quadro de distúrbio de linguagem anterior,
habilidade narrativa comprometida para contagem e recontagem de
estórias, déficits nas funções receptivas, expressiva e de processamento
e alteração no processamento de informações auditivas e visuais. Por
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
41
outro lado, na dislexia, o indivíduo apresenta inteligência normal,
distúrbio fonológico, falha nas habilidades sintáticas, semânticas e
pragmáticas, dificuldade na linguagem em sua modalidade escrita no
período escolar, habilidade narrativa comprometida para recontagem
de estórias, déficits na função expressiva e alteração no
processamento de informações auditivas e visuais.
Com base no exposto acima este estudo tem por objetivo
caracterizar e comparar o desempenho fonológico, da leitura e da
escrita em escolares com dislexia, distúrbio de aprendizagem e
escolares que lêem conforme o esperado para idade e escolaridade.
Material e método
Este estudo foi realizado após aprovação do Comitê de Ética
em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista (FFC/Unesp) sob o protocolo número 0332/2004.
Participaram deste estudo 85 escolares de 2ª a 4ª série do ensino
básico do município de Marília-SP, distribuídos em 3 grupos, sendo:
- Grupo I (GI): composto por 45 escolares, sendo 74% do
gênero feminino e 26% do gênero masculino, com média etária de 09
anos de idade, sem queixa de dificuldades de aprendizagem.
- Grupo II (GII) – composto por 20 escolares, sendo 30% do
gênero feminino e 70% do gênero masculino, com média etária de 09
anos de idade, com diagnóstico de dislexia;
- Grupo III (GIII) – composto por 20 escolares, sendo 30%
do gênero feminino e 70% do gênero masculino, com média etária de
10 anos de idade, com diagnóstico de distúrbio de aprendizagem.
Os gr upos de escolares com dislexia e distúrbio de
aprendizagem foi composto por crianças com queixa de dificuldades
de aprendizagem previamente avaliadas no Centro de Estudos da
Educação e da Saúde (CEES/Unesp-Marília - SP) para levantamento
dos sinais dos transtornos de aprendizagem e encaminhadas ao
Ambulatório de Desvios da Aprendizagem no Hospital das Clínicas
42
Simone Aparecida Capellini et al.
da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista – HC/
FM/Unesp – Botucatu – SP. Após a realização das avaliações
neurológica, neuropsicológica, pedagógica e fonoaudiológica os
diagnósticos de dislexia e distúrbio de aprendizagem foram
confirmados.
Os escolares do grupo controle deste estudo foram indicados
pelos professores de escola pública municipal. Os professores
selecionaram os escolares que apresentaram conceito suficiente em
pelo menos 2 bimestres consecutivos. Esses escolares não
apresentaram histórico de queixa auditiva ou visual.
Os escolares, após assinatura do Termo de Consentimento pelos
pais ou responsáveis autorizando a realização da pesquisa, foram
submetidos à aplicação dos seguintes procedimentos de avaliação:
a) Aplicação Lista de Verificação de Sintomas para
Deficiência no Processamento da Linguagem (SMITH; STRICK,
2001): Este procedimento tem como objetivo realizar levantamento
de informações sobre a compreensão da fala e da linguagem, leitura,
escrita, matemática e problemas relacionados à linguagem que ocorrem
em situação de sala de aula.
b) Prova de Nível de Leitura: Realizada conforme protocolo
elaborado por Capellini (2001). O protocolo é composto por 19 itens
referentes à decodificação de grafemas e palavras; erros ortográficos
(substituição, omissão, transposição de grafemas, erros de pontuação
e acentuação), tipo de leitura, velocidade de leitura, tempo e nível de
leitura e fluência.
c) Redação Temática: Realizada para coleta de amostra de
escrita, a partir do tema “O passeio no Parque”. A análise da redação
temática foi baseada nos critérios de análise de produção da escrita
propostos por Abaurre (1987), que inclui a análise e interpretação
dos aspectos formais e convencionais da escrita e os aspectos
referentes à elaboração do texto.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
43
d) Avaliação Fonológica da Criança (ACF): O instrumento
tem por objetivo elicitar a amostra representativa da fala da criança
por meio da nomeação espontânea (YAVAS, HERNANDORENA, LAMPRECHT,
1992). É composto por 5 desenhos temáticos (veículos, sala, banheiro,
cozinha e zoológico) para estimulação de 125 itens que formam a
lista de palavras.
e) Prova de Leitura e Escrita: O procedimento consistiu na
leitura oral e escrita sob ditado de 2 sublistas de 48 palavras reais
(PR) e 48 palavras inventadas (PIN), totalizando 96 palavras em cada
categoria (PINHEIRO, 1994). As listas foram as mesmas para a tarefa de
leitura oral e escrita sob ditado.
f) Prova de Consciência Fonológica: O procedimento
utilizado foi a Prova de Consciência Fonológica desenvolvida por
(CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C., 1998). A prova de Consciência
Fonológica (PCF) é composta de 10 subtestes, cada um deles
composto de 4 itens.
g) Avaliação da Velocidade de Leitura Oral e Silenciosa: o
procedimento utilizado para avaliação da velocidade de leitura oral e
silenciosa foi baseado em Capellini e Cavalheiro (2000). A avaliação
consistiu na medição do número de palavras lidas por minuto e tempo
total de leitura.
h) Avaliação de desempenho escolar quanto à aritmética:
Realizada a partir da aplicação do subteste de aritmética do Teste de
Desempenho Escolar (TDE) – (S TEIN, 1994) com o objetivo de
verificar o desempenho aritmético dos escolares conforme o esperado
para idade e escolaridade.
Os resultados foram analisados estatisticamente por meio de
análise de variância – ANOVA (com valor de p < 0,001) para
44
Simone Aparecida Capellini et al.
comparação das médias entre os GI, GII, GIII quanto aos resultados
referentes à prova de leitura e escrita, prova de consciência fonológica,
subteste de aritmética do teste de desempenho escolar. Os resultados
estatisticamente significantes estão assinalados por asterisco (*).
Resultados
Por meio da lista de verificação preenchida pelos professores
quanto aos aspectos referentes ao comportamento e à identificação
das dificuldades relacionadas ao desempenho acadêmico dos grupos,
verificamos que os professores referiram que de 10% a 20% dos
escolares do GI apresentavam alguma alteração quanto ao
desempenho em leitura e escrita, enquanto que de 20% a 60% dos
escolares do GII e de 10% a 90% dos escolares do GIII apresentavam
problemas referentes à compreensão da fala e linguagem, leitura,
escrita e problemas relacionados à aprendizagem, evidenciando que
os professores observaram maior porcentagem de alterações referentes
ao processamento da linguagem nos escolares do GIII se comparados
ao GII e ao GI (Quadro 1).
GII
10%
60%
60%
20%
60%
60%
60%
GI
-
70%
80%
80%
60%
30%
20%
40%
40%
60%
60%
60%
10%
40%
40%
60%
GIII
Quadro 1 – Distribuição em porcentagem do desempenho dos escolares do GI, GII e GIII em relação ao levantamento de
informações referentes à Lista de Verificação de Sintomas para Deficiência de Processamento da Linguagem.
COMPREENSÃO DA FALA E DA LINGUAGEM
Atraso para aprender a falar
Não modula o tom de voz apropriadamente; fala em tom monótono ou muito alto
Tem problemas para citar nomes de objetos ou de pessoas
Utiliza uma linguagem vaga e imprecisa, possui vocabulário pequeno
A fala é lenta ou sofre interrupções, usa mecanismos de “adiamento” verbal (ah, hum, né..)
Usa uma gramática pobre
Com freqüência pronuncia mal as palavras
Confunde palavras com sons similares (troca de sons)
Com freqüência usa gestos com as mãos ou a linguagem corporal para ajudar a transmitir a mensagem
Evita falar (especialmente na frente de estranhos, grupos ou figuras representativas de autoridade)
É sensível a rimas
Demonstra pouco interesse por livros ou histórias
Não responde apropriadamente a questões
Com freqüência não compreende ou não recorda instruções
LEITURA
Atraso significativo para aprender a ler
Dificuldade na citação de nomes de letras
Problemas para associar letras aos sons, discriminar os sons nas palavras, misturar sons para formar palavras
(continua)
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
45
80%
40%
60%
80%
80%
30%
80%
80%
70%
80%
90%
70%
10%
80%
80%
60%
40%
60%
60%
60%
10%
70%
60%
60%
60%
60%
10%
20%
10%
-
-
(continuação)
60%
50%
20%
60%
20%
10%
Quadro 1 – Distribuição em porcentagem do desempenho dos escolares do GI, GII e GIII em relação ao levantamento de
informações referentes à Lista de Verificação de Sintomas para Deficiência de Processamento da Linguagem.
Dificuldade para analisar seqüência de sons, erros freqüentes de seqüência (ler “sabe” como “base”)
Tenta “adivinhar” palavras estranhas, ao invés de usar habilidades de análise da palavra
Lê muito lentamente. A leitura oral deteriora-se após algumas sentenças
A compreensão para o que está sendo lido é consistentemente fraca ou deteriora-se, quando as sentenças se tornam
mais longas e mais complexas
Fraca retenção de novas palavras no vocabulário
Antipatiza com a leitura, evitando-a
ESCRITA
As tarefas são curtas ou incompletas, freqüentemente, caracterizadas por sentenças breves, vocabulário limitado
Persistem problemas com a gramática
Erros de ortografia, não consegue decifrar sua própria escrita
Idéias nas tarefas escritas são mal-organizadas, não-logicamente apresentadas
Pouco desenvolvimento do tema
Escrita em forma de lista e não encadeamento de idéias
Em testes é mais bem sucedido em questões de múltipla escolha do que em ensaios ou preenchimento de espaços
em branco
MATEMÁTICA
Resposta lenta durante exercícios de matemática devido a problemas com recuperação de números da memória
Dificuldade com problemas por extenso devido à fraca compreensão da linguagem
46
Simone Aparecida Capellini et al.
90%
80%
80%
80%
80%
80%
80%
20%
60%
-
-
Quadro 1 – Distribuição em porcentagem do desempenho dos escolares do GI, GII e GIII em relação ao levantamento de
informações referentes à Lista de Verificação de Sintomas para Deficiência de Processamento da Linguagem.
Problemas com matemática de nível superior, devido a dificuldades com análises e raciocínio lógico
PROBLEMAS RELACIONADOS
Entende mal o que é ouvido no rádio e na televisão
Dificuldade com raciocínio verbal, pode entender palavras em provérbios, mas tem dificuldade em explicar o que
significa, considera difícil extrair conclusões lógicas
Problemas para entender trocadilhos e piadas
Dificuldade para estabelecer compreensões e classificar objetos ou idéias
Dificuldade para recordar informações ou produzir fatos ou idéias quando solicitado
Dificuldade para apresentar uma história ou instruções em uma ordem lógica
Tipos de problemas encontrados na aprendizagem da língua materna tendem a ser repetidos ao estudar uma
língua estrangeira
Dificuldade para iniciar ou manter uma conversa.
(conclusão)
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
47
48
Simone Aparecida Capellini et al.
Quanto à comparação do desempenho dos grupos nas
avaliações realizadas verificamos que na prova de nível de leitura,
100% dos escolares do GI apresentaram nível de leitura ortográfico,
enquanto que os 100% dos escolares do GII apresentaram nível de
leitura alfabético e 100% dos escolares do GIII apresentaram nível
de leitura logográfico.
Conforme descrito no quadro 2, os escolares do GI
apresentaram tanto na leitura oral como silenciosa menor média de
leitura de palavras por minuto se comparado ao GII e GIII, isto porque
os escolares do GIII apresentaram maior média de palavras lidas por
minuto se comparado aos escolares do GII e GI, o mesmo sendo
evidenciado quanto ao tempo de leitura. Entretanto, ressaltamos que
para todos os grupos a média de palavras lidas por minuto foi menor
para leitura silenciosa do que para leitura oral.
Grupos
GI
GII
GIII
Nº de palavras por minuto
Silenciosa
Oral
40,20
44,58
70,10
71,06
100,10
114,10
Tempo (minutos)
Oral
Silenciosa
10,8
10,8
20,10
20,10
30,8
30,10
Quadro 2 – Distribuição das médias das palavras lidas por minuto e do tempo
de leitura dos escolares do GI, GII e GIII em relação à prova de velocidade de
leitura oral e silenciosa.
Quanto aos aspectos formais e convencionais do texto
verificamos que tanto os escolares do GI e do GII apresentaram uso
diferenciado de letra de forma e cursiva e maiúscula e minúscula,
traçado de letra cursiva, o uso de sinais de pontuação, a ocorrência
de hiposegmentação/hipersegmentação e o uso da ortografia correta.
Quanto aos aspectos referentes à elaboração do texto, observamos
presença de transposição da oralidade para a escrita nos escolares do
GII, a manutenção do tema para os escolares do GI e GII.
Entretanto, como os escolares do GIII apresentaram uma
escrita baseada no uso de léxico de “input” visual, ou seja, apenas
49
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
escrita de palavras pertencentes ao seu vocabulário visual, foi
evidenciado apenas alguns aspectos formais e convencionais e de
elaboração de texto, naqueles escolares que construíram um texto
(Quadro 3).
Aspectos referentes à
elaboração do texto
Aspectos formais e
convencionais
Critérios de Análise
Uso diferenciado de letra de forma/letra cursiva
Traçado da cursiva sem alteração
Disgrafia funcional
Uso de maiúsculas e minúsculas
Uso de sinais de pontuação
Hiposegmentação (junção de palavras)
Hipersegmentação (separação de partes da palavra)
Ortografia correta
Transposição direta de estruturas da linguagem oral
para a linguagem escrita
Tema
Tipo de texto descritivo
Tipo de texto narrativo
Coerência
Coesão textual*
Estilo
GI
GII
GIII
100% 100% 100%
75% 20% 10%
25% 65% 90%
100% 100% 100%
100% 30% 10%
10% 40% 70%
20%
80% 10%
80% 100%
100% 100% 100%
90% 10% 05%
100% 100%
100% 10%
100% 10%
Quadro 3 – Distribuição das porcentagens do desempenho de escolares do GI,
GII e GIII quanto aos aspectos formais e convencionais e aspectos referentes à
elaboração do texto.
* Presença de coesão da oralidade.
Na avaliação do subteste de aritmética do Teste de
Desempenho Escolar, verificamos diferença estatisticamente
significante entre os grupos, com melhor desempenho entre os
escolares do GI em relação ao GII e GIII e melhor desempenho do
GII em relação ao GIII (Tabela 1).
50
Simone Aparecida Capellini et al.
Tabela 1 – Distribuição das médias (X) dos escolares do GI, GII e GIII
referente ao desempenho no subteste de aritmética do Teste de Desempenho
Escolar (TDE)
GRUPOS
GI
GII
GIII
ARITMÉTICA
13,73*
9,95*
4,20*
Quanto ao desempenho dos escolares na prova de leitura oral,
verificamos que os escolares do GI apresentaram menor média de
erros para a leitura de palavras reais regras de alta freqüência (PRRg
AF) e a maior média de erros na leitura de palavras inventadas
irregulares (PIIr).
Entre os escolares do GII e GIII, a menor média de erros
ocorreu para a leitura de palavras reais regulares de alta freqüência
(PRRAF) e a maior média de erros para leitura de palavras
inventadas irregulares (PIIr).
Os resultados analisados estatisticamente (p < 0,001)
evidenciaram diferença significante para o desempenho dos escolares
do GI, GII e GIII na leitura oral de todas as categorias de palavras
(Tabela 2).
0,82*
10,80*
14,25*
0,93*
10,6*
14,15*
GI
GII
GIII
15,05*
12,45*
1,71*
PRIr AF
15,55*
12,70*
2,08*
PRR BF
15,80*
12,30*
1,97*
PRg BF
16,00*
13,65*
1,64*
PRIr BF
PIRg
2,66*
22,15*
30,85*
PIR
2,40*
20,90*
31,20*
31,90*
25,85*
3,42*
PIIr
Legenda: PRR AF: Palavras reais regulares de alta freqüência; PRg AF : Palavras reais regra de alta freqüência; PRIr AF: Palavras
reais irregulares de alta freqüência; PRR BF: Palavras reais regulares de baixa freqüência; PRg BF : Palavras reais regra de baixa
freqüência; PRIr BF: Palavras reais irregulares de baixa freqüência; PIR: Palavras inventadas regulares; PIRg: Palavras inventadas
regra; PIIr: Palavras inventadas irregulares.
PRg AF
PRR AF
Tabela 2 – Distribuição das médias (X) do desempenho dos escolares do GI, GII e GIII quanto a leitura de
palavras reais e inventadas de baixa e alta freqüência na Prova de Leitura Oral.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
51
52
Simone Aparecida Capellini et al.
Na prova de escrita sob ditado verificamos que os escolares do
GI, GII e GIII apresentaram menor média de erros para escrita de
palavras reais regras de alta freqüência (PRRg AF) e a maior média
de erros para a escrita de palavras inventadas irregulares (PIIr).
Os resultados analisados estatisticamente (p < 0,001)
evidenciaram diferença significante para o desempenho dos escolares
do GI, GII e GIII na escrita sob ditado de todas as categorias de
palavras (Tabela 3).
1,35*
10,80*
14,25*
1,82*
11,20*
15,05*
GI
GII
GIII
15,05*
12,35*
1,73*
PRIr AF
15,55*
12,70*
2,02*
PRR BF
15,80*
12,00*
1,77*
PRg BF
16,00*
13,60*
2,02*
PRIr BF
PIRg
2,33*
21,95*
30,85*
PIR
2,53*
20,80*
31,20*
31,90*
25,85*
2,55*
PIIr
Legenda: PRR AF: Palavras reais regulares de alta freqüência; PRg AF : Palavras reais regra de alta freqüência; PRIr AF: Palavras
reais irregulares de alta freqüência; PRR BF: Palavras reais regulares de baixa freqüência; PRg BF : Palavras reais regra de baixa
freqüência; PRIr BF: Palavras reais irregulares de baixa freqüência; PIR : Palavras inventadas regulares; PIRg: Palavras inventadas
regra; PIIr: Palavras inventadas irregulares.
PRg AF
PRR AF
Tabela 3 – Distribuição das médias (X) do desempenho dos escolares do GI, GII e GIII quanto a escrita de
palavras reais e inventadas de alta e baixa freqüência na Prova de Escrita sob Ditado.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
53
54
Simone Aparecida Capellini et al.
Foi realizada a comparação intra-grupo das médias referente ao
desempenho dos escolares do GI, GII e GIII quanto à leitura oral e
escrita sob ditado para a mesma categoria de palavras, ou seja, quanto
a categoria de palavras reais e inventadas em relação à freqüência de
ocorrência alta e baixa. Com a realização de análise de variância
verificamos que o GI apresentou diferença estatisticamente
significante para leitura oral e escrita sob ditado de palavras regra de
alta freqüência e palavras inventadas irregulares, enquanto que para
o GI e o GII foi evidenciado diferença estatisticamente significante
para palavras reais regulares de alta freqüência (Tabela 4).
Tabela 4 – Distribuição das médias (X) e desvio padrão (DP) do
desempenho dos escolares do GI, GII e GIII quanto a leitura e escrita de
palavras reais e inventadas de alta e baixa freqüência na Prova de Leitura
Oral e Escrita sob ditado.
(continua)
Variáveis
EPRR AF
X
L PRR AF
EPRRg AF
X
LPRRg AF
EPRIr AF
X
L PRIr AF
EPRR BF
X
LPRR BF
EPRRg BF
X
L PRRg BF
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
GI
GII
GIII
1,82*
1,13
0,93*
1,09
1,35*
1,22
0,82*
1,11
1,73
1,33
1,71
1,17
2,02
1,35
2,08
1,04
1,77
1,55
1,97
11,20*
2,16
10,60*
2,75
10,80
2,33
10,80
2,33
12,35
2,81
12,45
2,87
12,70
1,75
12,70
1,75
12,00
2,10
12,30
15,05
1,50
14,15
1,87
14,25
2,26
14,25
2,26
15,05
1,66
15,05
1,66
15,55
0,99
15,55
0,99
15,80
0,69
15,80
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
55
Tabela 4 – Distribuição das médias (X) e desvio padrão (DP) do desempenho
dos escolares do GI, GII e GIII quanto a leitura e escrita de palavras reais e
inventadas de alta e baixa freqüência na Prova de Leitura Oral e Escrita sob ditado.
(conclusão)
EPRIr BF
X
LPRIr BF
EPIR
X
LPIR
EPIRg
X
LPIRg
EPIIr
X
LPIIr
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
X
DP
1,15
2,02
1,71
1,64
1,38
2,53
1,82
2,40
1,73
2,33
1,56
2,66
1,52
2,55*
1,80
3,42*
2,01
2,22
13,60
3,96
13,65
3,97
20,80
3,76
20,90
3,62
21,95
4,88
22,15
4,65
25,85
4,84
25,85
4,84
0,69
16,00
0
16,00
0
31,20
1,28
31,20
1,28
30,85
2,30
30,85
2,30
31,90
0,44
31,90
0,44
Legenda: EPRR AF: Escrita palavras reais regulares de alta freqüência; EPRg AF:
Escrita palavras reais regra de alta freqüência; EPRIr AF: Escrita palavras reais irregulares
de alta freqüência; EPRR BF: Escrita palavras reais regulares de baixa freqüência; EPRg
BF: Escrita palavras reais regra de baixa freqüência; EPRIr BF: Escrita palavras reais
irregulares de baixa freqüência; EPIR: Escrita palavras inventadas regulares; EPIRg:
Escrita palavras inventadas regra; EPIIr: Escrita Palavras inventadas irregulares. LPRR
AF: Leitura palavras reais regulares de alta freqüência; LPRg AF: Leitura palavras reais
regra de alta freqüência; LPRIr AF: Leitura palavras reais irregulares de alta freqüência;
LPRR BF: Leitura palavras reais regulares de baixa freqüência; LPRg BF : Leitura
palavras reais regra de baixa freqüência; LPRIr BF: Leitura palavras reais irregulares de
baixa freqüência; LPIR : Leitura palavras inventadas regulares; LPIRg: Leitura palavras
inventadas regra; LPIIr: Leitura Palavras inventadas irregulares.
Quanto à avaliação fonológica não verificamos, na população
deste estudo, alterações no processo de estruturação silábica, porém
quanto aos processos de substituição, evidenciamos que 80% dos
escolares do GII e 40% dos escolares do GIII apresentaram
dessonorização de obstruintes para sons plosivos, fricativos ou
africados (Quadro 4).
Processos de
estrutura silábica
Redução de encontro Consonantal
Apagamento de sílaba átona
Apagamento fricativa FSDP
Apagamento líquida não lateral (FSDP)
Apagamento líquida não lateral
Apagamento líquida intervocálica lateral
Apagamento líquida intervocálica não lateral
Apagamento líquida inicial lateral
Metátese
Epêntese
Dessonorização de obstruintes (plosiva, fricativa ou africada)
Anteriorização
Substituição líquida lateral
Semivocalização líquida lateral
Plosivação
Posteriorização fricativa
Assimilação
GI
Incidência
< 25%
> 25%
GII
Incidência
> 25%
< 25%
80%
20
-
GIII
Incidência
> 25% < 25%
40%
60
-
Quadro 4 – Distribuição em porcentagem do desempenho dos escolares do GI, GII e GIII quanto à incidência de alterações nos
processos fonológicos de estrutura silábica e substituição na Avaliação Fonológica da Criança (AFC).
Processos de
substituição
56
Simone Aparecida Capellini et al.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
57
Na tabela 5 descrevemos o desempenho dos escolares do GI,
GII e GIII na prova de consciência fonológica – PCF, e verificamos
que os escolares do GI apresentaram menor média (1.20) no subteste
de transposição fonêmica (TrF) e maior média (4.00 ) no subtestes
de síntese silábica (SiS) e segmentação silábica (SeS). Entre os
escolares do GII, observamos que os escolares apresentaram menor
média (0) no subteste de transposição fonêmica (TrF) e maior média
(3,80) no subteste de síntese silábica (SiS). Nos escolares do GIII
verificamos que os escolares apresentaram menor média (0) no
subteste de transposição fonêmica (TrF), Segmentação fonêmica (SeF),
Manipulação fonêmica (ManF) e maior média (2,60 ) no subtestes de
segmentação silábica (SeS).
Com a realização da análise de variância (p < 0,001) para
comparação das médias entre os grupos verificamos que não ocorreu
diferença estatisticamente significante apenas no subteste de síntese
silábica (SiS).
3,64*
1,75*
0,85*
1,62*
1,00*
0,60*
4,00
3,80
3,65
3,40*
1,90*
0,65*
Alit
4,00*
2,80*
2,60*
SeS
0,71*
0,30*
0*
SeF
3,80*
0,95*
0,15*
ManS
2,37*
0,35*
0*
ManF
3,42*
1,15*
0,65*
TrS
1,20*
0*
0*
TrF
27,88*
14,15*
9,35*
ET
Legenda: SiS: Síntese Silábica; SiF: Síntese Fonêmica; Rim: Rima ; Alit: Aliteração; SeS: Segmentação Silábica; SeF:
Segmentação Fonêmica; ManS: Manipulação Silábica; ManF: Manipulação Fonêmica; TrS: Transposição Silábica; TrF:
Transposição Fonêmica; ET: Escore Total.
GI
GII
GIII
Rim
SiF
SiS
Tabela 5 – Distribuição das médias (X) do desempenho dos escolares dos GI e GII nos subtestes da
Prova de Consciência Fonológica (PCF).
58
Simone Aparecida Capellini et al.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
59
Discussão
A dislexia e o distúrbio de aprendizagem são condições
genético-neurológicas que freqüentemente acometem mais o sexo
masculino do que feminino, conforme descrito por Berger, Yule e
Rutter (1975), Selikowitz (2001), Fisher et al. (2002) e Kovel et al.
(2004) e evidenciado neste estudo. Estes autores afirmaram que os
meninos têm probabilidade de serem afetados por qualquer forma
de dificuldade específica de leitura aproximadamente três vezes mais
do que as meninas.
Os problemas de aprendizagem relacionados às alterações de
linguagem acometem crianças com dificuldade de leitura e escrita e
geralmente apresentam como manifestações déficits fonológicos, que
estão relacionados com a dificuldade em acessar e reter informações
fonológicas necessárias para o ato de ler e escrever, como descrito
por Catts e Kamhi (1986) e Gerber (1996). Entretanto, devemos
considerar que esses déficits na habilidade fonológica podem ser de
origem genética conforme proposto por estudos realizados por
Samples e Lane (1985) Gallager, Frith, Snowling (2000), NopolaHemmi et al. (2002), Lyytinen, P., Eklund, Lyytinen, H. (2005) e
Capellini et al. (2006).
A alta porcentagem da presença do déficit fonológico na
população de escolares com dificuldade na aprendizagem da leitura
e escrita, evidenciada nos achados deste estudo, em parte pode ser
explicada pelo fato do transtorno fonológico presente na oralidade
influenciar de forma direta a aquisição da leitura em um sistema de
escrita com base alfabética, conforme descrito por Snowling (1995),
Navas e Santos (2002), Salgado e Capellini (2004) e Ávila e
Capellini (2007).
As alterações de fala juntamente com as alterações da
linguagem, leitura, escrita, matemática e problemas comportamentais
foram descritas pelos professores dos escolares do GII e GIII. Este
achado corrobora com estudo realizado por Capellini, Tonelotto,
60
Simone Aparecida Capellini et al.
Ciasca (2004) que referiram que entre as dificuldades apresentadas por
crianças em fase de escolarização, encontram-se os problemas de
decodificação de letras, leitura e compreensão da leitura, entre aqueles
mais identificados pelos professores da sala de aula. As crianças com
problemas de aprendizagem apresentam dificuldade em leitura que
são detectadas primeiramente pelos professores em situação de sala
de aula e se manifestam quanto à capacidade das mesmas em perceber
os mecanismos gerativos implícitos na leitura, o que dificulta a leitura
e a escrita de novas palavras e a compreensão textual (CAPELLINI;
SALGADO, 2003).
Neste estudo observamos que, de acordo com as respostas
dos professores, a maioria dos escolares do GII e GIII apresentou
troca ou omissão de letras na leitura e escrita, além da disgrafia,
corroborando a afirmação de Ellis (1995) e Capellini (2004) que
atribuem estas alterações ao fracasso no domínio da habilidade
alfabética das crianças com alterações de leitura, resultando em
disfunção básica do sistema fonológico, que acarreta sérias
implicações para escrita e para qualquer tipo de leitura que requeira
decodificação e análise e síntese de letras.
Outro sinal presente nos escolares com dislexia e com distúrbio
de aprendizagem deste estudo e evidenciado pelos professores foi à
dificuldade quanto ao aprendizado do cálculo aritmético.
A resolução de cálculo matemático está diretamente relacionada
com a emissão e o entendimento da linguagem. Assim, indivíduos
com problemas de linguagem podem apresentar dificuldade para
associar noções básicas de números com as situações vivenciadas no
dia-a-dia ou no contexto de um problema com enunciado.
Conforme descrito por Espin et al. (2001) e Geary (2004),
indivíduos com dificuldade de leitura apresentam alterações no
processamento da informação e, como esse processamento é baseado
em aspectos cognitivos e lingüísticos, a compreensão de problemas
com enunciados e cálculos matemáticos, os quais necessitam de
correspondência léxico-mental e representação numérica,
comprometem a realização da atividade matemática.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
61
Além da descrição do comportamento dos escolares quanto à
fala, linguagem e comportamento realizados pelos professores, neste
estudo, os dados referentes ao nível e à velocidade de leitura oral
baseados no desempenho dos escolares do GI, GII, GIII, auxiliaram
a caracterizar os quadros de dislexia e distúrbio de aprendizagem.
Desta forma, percebemos que, nos escolares com dislexia, o
princípio alfabético da leitura encontrou-se comprometido e a
velocidade de leitura apresentou tendência a lentificação, enquanto
que nos escolares com distúrbio de aprendizagem verificamos que o
princípio logográfico é o que predomina com velocidade de leitura
também lentificada. Além disto, os escolares do GII apresentaram
manifestações como substituições de grafemas consonantais surdos
por sonoros, falta de entonação e fluência durante a leitura e tiveram
compreensão parcial do texto lido, enquanto que os escolares do GIII
apresentaram além destas características ausência de compreensão
textual na leitura de texto.
Os dados deste estudo referente às manifestações de nível e
velocidade de leitura oral reforçam os achados de Capellini e Ciasca
(1999), Capellini e Cavalheiro (2000), Capellini (2001) que
evidenciaram que o tipo, a velocidade e o nível de leitura em escolares
com dificuldade na leitura decorrentes de alterações de linguagem,
como a dislexia e o distúrbio de aprendizagem, encontram-se abaixo
do esperado para idade e escolarização.
No presente estudo, verificamos que os escolares do GII e GIII
apresentaram maior dificuldade na compreensão da leitura silenciosa
e oral do que os escolares sem dificuldade (GI), e de acordo com as
pesquisas realizadas por Rubbo, Capp e Ramos (1998), o
conhecimento do vocabulário, a taxa de velocidade articulatória e o
uso diferenciado entre as séries das estratégias logográfica, alfabética
e ortográfica, influenciam quantitativamente a velocidade de leitura.
Quanto à avaliação fonológica dos escolares verificamos que
os resultados foram ao encontro com os achados de Bergamo, Scrochio
e Avila (1999), Joanisse et al. (2000), Capellini (2001) e Barros e
62
Simone Aparecida Capellini et al.
Capellini (2003), que evidenciaram que crianças com dislexia e distúrbio
de aprendizagem apresentam alterações na produção da fala, além de
habilidade de leitura e linguagem rebaixada se comparada aos bons
leitores, sugerindo alterações no processo fonológico.
Quanto ao desempenho dos escolares em consciência
fonológica, verificamos que os alunos, independentemente dos grupos,
apresentaram melhor desempenho nas habilidades silábicas se
comparadas às fonêmicas.
Os achados referentes ao desempenho silábico e fonêmico dos
escolares deste estudo corroboraram os resultados descritos por
Capellini e Ciasca (1999), Capellini et al. (2004). As crianças com
transtornos da aprendizagem, conforme descrito por Catts e Kamhi
(1986) e Barros e Capellini (2003) freqüentemente apresentam
dificuldades em consciência fonológica, tendo problemas para
representar estímulos verbais fonologicamente e dificuldades para
recordar informação fonológica armazenada na memória de trabalho.
No que concerne às habilidades de síntese fonêmica,
segmentação e transposição fonêmica, verificamos neste estudo que
tanto os escolares do GI como os escolares do GII e GIII apresentaram
dificuldades quanto à percepção dos sons que compõem as palavras
e sua ordem, demonstrando haver alteração na habilidade fonológica.
As dificuldades de rima e alteração presentes no GII e GIII em
fase de aquisição da linguagem escrita corroborou conclusão de Morais
(1997), que identificou que o grupo de leitores não proficientes teve
pior desempenho em relação ao grupo de leitores proficientes, tanto
nas atividades de aliteração como na rima.
Bradley e Bryant (1983) referiram que a experiência das crianças
com jogos seria responsável pelos resultados nos testes de rima e na
leitura e, desta forma, a habilidade para categorizar sons seria
decorrente de experiências anteriores ao aprendizado da leitura.
Assim, atribuímos à metodologia de alfabetização da língua
materna em nosso país, o fato dos escolares não vivenciarem jogos
de categorização de palavras na oralidade, ocasionando problemas
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
63
de percepção ou processamento fonológico, que dificulta a rapidez
no acesso ao léxico mental, à análise fonológica das partes
constituintes da palavra ou da palavra inserida no texto, dificultando
a identificação das partes da palavra conhecida em outra palavra não
presente no léxico de input visual ou vocabulário do escolar. Isto pode
explicar o alto índice de crianças com dificuldades de aprendizagem
existentes no contexto escolar que não apresentam nenhuma alteração
neuropsicológica significativa, como foi possível evidenciar nos 54,5%
de escolares deste estudo.
Quanto às atividades que envolveram a leitura oral e escrita
sob ditado de palavras reais e inventadas, verificamos neste estudo
que, independentemente dos grupos, os escolares apresentaram, em
grande maioria, melhor desempenho em leitura oral e escrita sob ditado
de palavras reais e inventadas de alta freqüência do que de baixa
freqüência e palavras inventadas, corroborando o citado por Frith
(1985), de que os escolares lêem mais rápida e corretamente palavras
familiares do que palavras inventadas, lêem melhor palavras de alta
freqüência do que de baixa freqüência.
Os resultados deste estudo quanto à leitura oral e sob ditado
de palavras reais e inventadas foram ao encontro dos achados de
Pinheiro (1995), que relatou que tanto as crianças do grupo competente
como as do grupo com dificuldade em leitura lêem as palavras de alta
freqüência com maior rapidez e com índice de acertos maior do que
as de baixa freqüência. Entretanto, essa diferença - efeito de freqüência
- foi maior para os GII e GIII, o que mostra que essas crianças têm
dificuldades com as palavras de baixa freqüência em comparação ao
grupo competente.
O fato dos escolares do GII e GIII apresentarem maior
dificuldade para realizar leitura de palavras inventadas sugere a
hipótese de que esses escolares possuam maior clareza na percepção
da estrutura fonológica das palavras quando as ouvem ou falam, o
que favorece que os escolares possuem melhor reconhecimento de
palavras reais familiares pertencentes ao seu léxico de “input” visual,
64
Simone Aparecida Capellini et al.
favorecendo o reconhecimento global da palavra e apresentando
dificuldade de analisar a palavra durante a leitura ou escrita (NUNES,
1992; ELLIS, 1995).
Conforme descrito por Mann (1984) e Share (1995), como a
leitura ocorre a partir de um processo indireto, envolvendo mediação
fonológica (processos fonológicos) e um processo direto, envolvendo
mediação lexical (visual), alterações que envolvem a mediação
fonológica da leitura geram dissociação no modelo de duplo processo,
acarretando dificuldades no reconhecimento e leitura de palavras
inventadas, o que poderia justificar a dificuldade dos escolares com
distúrbio específico de leitura, que apresentam desvios fonológicos,
referentes à leitura de palavras inventadas.
Neste estudo, evidenciamos que os escolares do GIII
apresentaram desempenho inferior quanto à leitura, escrita e raciocínio
lógico-matemático se comparado ao desempenho dos escolares do
GII, isto devido ao fato dos escolares com distúrbio de aprendizagem
apresentarem maior comprometimento no uso de habilidades
cognitivo-linguísticas (atenção, percepção, memória, aspectos
fonológicos, lexicais e semânticos de linguagem) que comprometem
o desenvolvimento da leitura e escrita no contexto escolar. Estas
características foram evidenciadas anteriormente por Ciasca (2003)
e Barros e Capellini (2003).
Os achados deste estudo evidenciaram que no contexto
escolar há crianças que apresentam dificuldades intrínsecas
decorrentes de disfunções neuropsicológicas que prejudicam o
desenvolvimento da linguagem oral e escrita, conforme descrito por
Castaño (2002) e Ciasca (2000) e que são agravadas pelo contexto
da sala de aula que não enfatizam o uso de funções gnósicasinterpretativas, conforme proposto por Rotta (1988). As evidências
deste estudo nos leva a refletir sobre como os déficits cognitivoslingüísticos presentes nos escolares com distúrbio específico de
leitura e distúrbio de aprendizagem prejudicam a compreensão e
uso das regras de conversão fonografêmicas e grafofonêmicas
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
65
necessárias para aprendizagem da leitura e escrita e conseqüente
acompanhamento das atividades escolares.
Conclusão
Os achados deste estudo nos permitiram concluir que o
desempenho fonológico, de leitura e escrita de escolares com distúrbio
de aprendizagem foi inferior ao desempenho de escolares com dislexia
e este foi inferior ao desempenho de escolares que lêem conforme o
esperado para idade e escolaridade, o que pode ser explicado devido
ao fato dos escolares com distúrbio de aprendizagem apresentarem
dificuldades relacionadas a um maior número de habilidades de
linguagem comprometidas, ou seja, além da dificuldade na percepção
e produção da habilidade fonológica, dificuldade quanto ao uso das
habilidades sintática e semântica da linguagem.
Os dados deste estudo nos fazem refletir sobre as características
fonológicas de leitura e escrita nos transtornos de aprendizagem,
evidenciando a necessidade de continuidade de estudo nesta temática
para podermos compreender melhor o impacto desta problemática
na aprendizagem da leitura, escrita e cálculo-matemático desta
população no contexto de sala de aula.
Referências bibliográficas
ABAURRE, M. B. M. Lingüística e psicopedagogia. In: SCOZ, R. M.
(Org.). Psicopedagogia, o caráter interdisciplinar na formação e
atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. p. 25-40.
ÁVILA, C. R. B.; CAPELLINI, S. A. Relation between Oral and Written
Language. In: CAPELLINI, S. A. (Org.). Neuropsycholinguistic
Perspectives on Dyslexia and other Learning Disabilities. New
York: Nova Science Publisher, 2007. p. 15-21.
BARROS, A. F. F., CAPELLINI, S. A. Avaliação fonológica, de leitura
e escrita em crianças com distúrbio específico de leitura. Jornal
Brasileiro de Fonoaudiologia, Curitiba, n. 14, p. 11-19, 2003.
66
Simone Aparecida Capellini et al.
BERGAMO, P. S.; SCOCHIO, E. F.; AVILA, C. R. B. Caracterização
das alterações encontradas em histórias do desenvolvimento de
escolares com queixa de dificuldades no aprendizado. Pró-Fono, São
Paulo: Unesp, v. 11, n. 1, p. 90-93, 1999.
BERGER, M.; YULE, W.; RUTTER, M. Attainment and adjustment
in two geographical areas: The prevalence of specific reading
retardation. Br. Psychiatry, v. 126, p. 510-519, 1975.
BOWERS, P.G.; NEWBY-CLARK, E. The role of naming speed
within a model of reading acquisition. Read Writ: Interd J., v. 15, p.
109-126, 2002.
BRADLEY, L.; BRYANT, P. E. Categorising sounds and learning to
read a causal connection. Nature, v. 301, p. 419-421, 1983.
CAPELLINI, S. A.; CIASCA, S. M. Comparação do nível de leitura
entre escolares sem e com queixa de dificuldade de leitura. Rev. Soc.
Bras. Fonoaudiol., n. 5, p. 32-36, jun. 1999.
CAPELLINI, S. A.; CIASCA, S. M. Avaliação da consciência
fonológica em crianças com distúrbio específico de leitura e escrita e
distúrbio de aprendizagem. Temas Desenvolv., v. 8, n. 48, p. 17-23,
2000.
CAPELLINI, S. A.; CAVALHEIRO, L. G. Avaliação do nível e da
velocidade de leitura em escolares com e sem dificuldade na leitura.
Temas Desenvolv., v. 9, n.51, p.5-12, 2000.
CAPELLINI, S. A. Eficácia do programa de remediação
fonológica em escolares com distúrbio específico de leitura e
distúrbio de aprendizagem. 2001. 242f. Tese (Doutorado em
Ciências Médicas/Biomédicas) – Faculdade de Ciências Médicas,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
CAPELLINI, S. A.; SALGADO, C. A. Avaliação fonoaudiólogica do
distúrbio específico de leitura e distúrbio de aprendizagem: critérios
diagnósticos, diagnóstico diferencial e manifestações clínicas. In:
CIASCA, S. M. Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação
multidisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 141-164.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
67
CAPELLINI, S. A. Distúrbios de Aprendizagem versus dislexia. In:
FERREIRA, L. P.; BEFI-LOPES, D.; LIMONGI, S. C. O. Tratado
de fonoaudiologia. São Paulo: Editora Roca, 2004. p. 862-876.
CAPELLINI, S. A.; TONELOTTO, J. M. F.; CIASCA, S. M. Medidas
de desempenho escolar: avaliação formal e opinião de professores.
Estudos de Psicologia, Campinas, v. 21, n. 2, p. 79-90, 2004.
CAPELLINI, S. A.; PADULA, N. A. M. R.; CIASCA, S. M.
Desempenho de escolares com distúrbio específico de leitura em
programa de remediação. Pró-Fono, São Paulo: Unesp, v. 16, n. 3, p.
261-274, 2004.
CAPELLINI, S. A. et al. Familial Dyslexia: Characterization of
Phonological, working memory, reading and writing findings. In:
LETTERMAN, J. Dyslexia in children: new developments. New
York: Nova Sciense Publisher, 2006. p. 89-110.
CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C. Prova de consciência
fonológica: desenvolvimento de dez habilidades da pré-escola à
segunda série. Temas Desenvolv., v. 7, p. 14-20, 1998.
CASTAÑO, J. Aportes de la neuropsicología al diagnóstico y
tratamiento de los transtornos de aprendizaje. Revista de
Neurología, v. 34, supl. 1, p. 1-6, 2002.
CATTS, H.; KAMHI, A. The linguistic basis of reading disorders:
implications for the speech-language pathologist. Lang. Speeech and
Hear. Serv. Sch., v. 17, n. 4, p. 329-341, 1986.
CIASCA, S. M. Avaliação neuropsicológica e neuroimagem nos distúrbios
de aprendizagem – leitura e escrita. In: ______. Dislexia: Cérebro,
cognição e aprendizagem. São Paulo: Frontis, 2000. p. 127-133.
______. Distúrbios e dificuldades de aprendizagem: questão de
nomenclatura. In: ______. (Org). Distúrbio de aprendizagem:
proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
CRITCHLEY, M. Specific developmental dyslexia. In:
LENNENBERG, E. H.; LENNEBERG, E. Foundations of
language development, New York: Academic Press, v. 2, 1975.
68
Simone Aparecida Capellini et al.
ELLIS, A. W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
ESPIN, C. A. et al. Curriculum-based measures in the contents areas:
validity of vocabulary-matching measures as indicators of
performance in social studies. Learning Disabilities Research &
Practice, v. 16, p. 142-151, 2001.
FISHER, S. E. et al. Independent genome-wide scans identify a
chromosome 18 quantitative-trait locus influencing dyslexia. Nature
Genet, v. 30, p. 86-91, 2002.
FRITH, U. Beneath the surface of developmental dyslexia. In:
PATTERSON, K. E.; MARSHALL, J. C.; COLTHEART, M. Surface
Dyslexia: Neuropsychological and Cognitive Analyses of
Phonological Reading. London: Lawrence Erlbaum Associates, 1985.
GALLAGER, A.; FRITH, U.; SNOWLING, M. J. Percursors of
literacy delay among children at genetic risk of dyslexia. J. Child.
Psychol. Psychiat., v. 41, p. 203-213, 2000.
GEARY, D. C. Mathematics and learning disabilities. J. Learn. Disab.
v. 37, p. 4-15, 2004.
GERBER, A. Problemas de aprendizagem relacionados à
linguagem: natureza e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
HAMMILL, D. D. et al. A new definition of learning disabilities. J.
Learn. Disab., v. 20, p. 109-113, 1987.
JOANISSE, M. F. et al. Language deficits in dyslexic children: speech
perception, phonology, and morphology. J. Exp. Child Psychol., v.
77, n. 1, p. 30-60, 2000
KOVEL, C. G. et al. Genomewide scan identifies susceptibility locus
for dyslexia on Xq27 in an extended Dutch family. J. Med. Genet., v.
41, p. 652-657, 2004.
LYYTINEN, P.; EKLUND, K.; LYYTINEN, H. Late-talking with
and without familial risk for dyslexia. Annals of Dyslexia, v. 55, n.
2, p. 166-192, 2005.
Caracterização do desempenho fonológico, da leitura e da escrita em escolares...
69
MANN, V. A. Longitudinal prediction and prevention of early reading
difficulty. Ann. Dysl., v. 34, p. 117-135, 1984.
MORAIS, A. M. P. A relação entre a consciência fonológica e as
dificuldades de leitura. São Paulo: Vetor, 1997.
NAVAS, A. L. G. P.; SANTOS, M. T. M. Distúrbios de leitura e
escrita. São Paulo: Manole, 2002.
NOPOLA-HEMMI, J. et al. Familial dyslexia: neurocognitive and
genetic correlation in a large Finnish family. Dev. Méd. Child Neurol.
v. 44,.n. 9, p.580-586, 2002.
NUNES, T. Leitura e escrita: processos e desenvolvimento. In:
ALENCAR, E. M. S. S. Novas contribuições da psicologia aos
processos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 1992. p.
14-50.
PINHEIRO, A. M. V. Leitura e escrita: uma abordagem cognitiva.
Campinas: Editorial Psy II, 1994, p. 69-8.
______. Dificuldades específicas de leitura: a identificação de déficits
cognitivos e a abordagem do processamento de informação.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília: UnB, v. 11, n. 2, p. 107115, 1995.
ROTTA, N. T.; GUARDIOLA, A. Estudo das funções corticais
superiores em escolares da 1a a 4a série da cidade de Porto Alegre –
R.S. Arquivos de Neuropsiquiatr., São Paulo, v. 56, n. 2, p. 282288, 1998.
RUBBO, R.; CAPP, E.; RAMOS, A. P .F. Teste de velocidade de
leitura: validade e variáveis intervenientes. Rev. Soc. Bras.
Fonoaudiol., São Paulo, n .3, p. 51-55, 1998.
SALGADO, C. A.; CAPELLINI, S. A. Desempenho em leitura e
escrita de escolares com transtorno fonológico. Psicologia Escolar
e Educacional, Campinas, v. 8, n. 2, p. 179-188, 2004.
SAMPLES, J. M.; LANE, V. W. Genetic possibilities in six siblings
with specific language learning disorders, ASHA, v. 27, p. 27-32, 1985.
70
Simone Aparecida Capellini et al.
SAVAGE, R. S. et al. Relationship among rapid digit naming,
phonological processing, motor automaticity, and speech perception
in poor, average, and good readers and spellers. J. Learn. Disab., v.
38, p. 12-28, 2005.
SELIKOWITZ, M. Dislexia e outras dificuldades de
aprendizagem. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.
SMITH, C.; STRICK, L. Dificuldades de Aprendizagem de A a
Z: um guia completo para pais e educadores. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2001.
SHARE, D. Phonological recoding and self-teaching: sine qua non
of reading acquisition. Cognition, v. 55, n. 2, p. 151-218, 1995.
SNOWLING, M. J. Phonological processing and developmental
dyslexia. J. Res. Read., v. 18, p. 132-138, 1995.
STEIN, L. M. Teste de desempenho escolar: manual para aplicação
e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
SWANSON, H. L.; HOWARD, C. B.; SAEZ, L. Do different
components of working memory underlie different subgroups of
reading disabilities? J. Learn. Disab. v. 39, n.3, p. 252-269, 2006.
VUCKOVIC, R. K.; WILSON, A. M.; NASH, K. K. Naming speed
deficits in adults with reading disabilities: a test of the double-deficit
hypothesis. J. Learn. Disab., v. 37, p. 440-450, 2004.
WOLF, M. et al. The second deficit: an investigation of the
independence of phonological and naming-speed deficits in
developmental dyslexia. Read Writ: Interd J., v. 15, p. 43-72, 2002.
YAVAS, M. S; HERNANDORENA, C. L. M.; LAMPRECHT, R. R.
Avaliação fonológica da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
Recebido em: 09 de setembro de 2007
Aprovado em: 01 de outuro de 2007
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos
sobre a Teoria da Evolução das Espécies: uma
perspectiva Vygotskiana 1
Douglas Verrangia Correa da Silva *
Resumo: Este artigo descreve uma investigação finalizada, em nível de
mestrado, em que foi analisado o desenvolvimento de conceitos científicos de
alunos participantes de uma intervenção de ensino sobre a temática “Evolução
das Espécies”, que, de forma articulada, visou estimular o raciocínio dos alunos
e interferir em suas idéias, além de ser apoiada por um instrumento de ensino.
Baseando-nos na perspectiva de Vygotski sobre o desenvolvimento dos
conceitos científicos e cotidianos pelo indivíduo, pudemos caracterizar o
desenvolvimento conceitual dos participantes durante a intervenção. Foi possível
concluir que a aprendizagem de conceitos científicos pode ser analisada do
ponto de vista do desenvolvimento conceitual, com contribuições importantes
para a prática docente relacionada ao ensino de Ciências, no sentido de favorecer
de forma significativa a aprendizagem dos estudantes. Essa análise também
fornece subsídios para a compreensão das dificuldades de aprendizagem de
conceitos científicos apresentadas por estudantes.
Palavras-chave: Ensino de Ciências. Vygotski. Conceitos científicos. Evolução
das espécies.
Esta pesquisa de mestrado foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de São Carlos, sob orientação das professoras Dra. Itacy Salgado
Basso e Dra. Ana Luiza R. V. Perdigão, defendida em março de 2004 e disponível para
download em: <http://www.bdtd.ufscar.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=297>.
* Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação, área de Metodologia de Ensino,
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: [email protected]
1
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9
p. 71-100
2007
72
Douglas Verrangia Correa da Silva
Analysis of the development of scientific concepts related to the
evolution of species theory: A vygotskian perspective
Abstract: In this article is described a finished investigation, a Master in
Education, in which it was analyzed the development of scientific concepts of
students engaged in a teaching intervention about the “Evolution of the species”.
The activity had as main characteristics its structure, formulated in a way that
aimed on stimulating students reasoning and interfering in one’s conception
and it was also supported by a teaching instrument. In agree with the of Vygotski’s
theory, we characterized the student’s conceptual development. We were able
to conclude that the consideration of Vygotski’s theory on the teaching practice
related to science concepts can offer a huge advancement, offering teaching
procedures favorable to a significant learning. This analysis also supplies subsidies
to understand the difficulties on scientific concepts learning presented by
students.
Key words: Science teaching. Vygotski. Scientific concepts. Evolution of the
species.
Introdução
O estudo aqui descrito teve como objetivo analisar o
desenvolvimento conceitual de alunos/as, relacionado à temática
“evolução das espécies”, a partir da interação com condições de ensino
especialmente planejadas para esta finalidade e com as variáveis
surgidas na dinâmica do processo, relacionadas às compreensões do
professor sobre o mesmo e às suas conseqüentes intervenções.
Desta for ma, dedicamo-nos a pesquisar o ensino e a
aprendizagem da teoria da evolução das espécies no contexto de uma
intervenção, preocupados com um aspecto muito relevante da
problemática relacionada a este conjunto de conhecimentos: as
dificuldades, apresentadas por estudantes, de aprendizagem dos
conceitos centrais dessa temática e formas de superação destas
dificuldades. Trabalhos de pesquisa, como os de Ault Jr. et al. (1984),
Brumby (1984), Lawson e Thompson (1988), Bishop e Anderson
(1985, 1990), Lawson e Weser (1990), Demastes et al. (1995, 1996),
Bizzo (1996), Ferrari e Chi (1998), entre outros, têm demonstrado
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
73
que estudantes, mesmo tendo se submetido por vários meses (e anos)
ao ensino formal desse conteúdo, mantêm ou desenvolvem idéias
divergentes do conhecimento científico.
Bishop e Anderson (1990) desenvolveram uma extensa pesquisa
que se tornou referência (como afirmam Ferrari e Chi, 1998) para muitos
trabalhos dedicados ao estudo da aprendizagem de estudantes sobre
a teoria da evolução das espécies. Os autores tiveram como objetivos:
a) descrever as concepções de estudantes de nível superior sobre o
mecanismo da seleção natural e os fatores responsáveis pela mudança
evolutiva; b) avaliar os efeitos da instrução nas concepções dos
estudantes (instrução desenvolvida no curso secundário e em aulas
de biologia cursadas na faculdade); e c) determinar se as concepções
sobre a seleção natural estão associadas com o fato de esses estudantes
acreditarem na teoria da evolução como um fato histórico (BISHOP;
ANDERSON, 1990, p. 416). Após uma análise que envolveu a relação
entre procedimentos qualitativos e quantitativos, os autores chegaram
à conclusão de que a maioria dos estudantes que iniciava o curso
acreditava possuir um entendimento básico (p. 420) sobre o processo
evolutivo por meio da seleção natural. Mas, este entendimento
mostrou-se significativamente diferente do conhecimento aceito como
científico. Após uma identificação inicial das idéias dos/as estudantes,
foram desenvolvidos materiais específicos, palestras, atividades de
laboratório e conjuntos de situações-problema que os estudantes
resolviam em discussões em pequenos grupos. Após o curso, os autores
chegaram às seguintes conclusões:
a) os conceitos envolvidos no processo de evolução são muito
mais difíceis de compreender do que a maioria dos biólogos
imagina; b) é possível alterar as concepções dos estudantes,
contanto que elas sejam levadas em consideração no
planejamento do trabalho pedagógico (p. 431).
Mesmo os métodos e materiais utilizados, revistos e aprimorados
especificamente para o grupo de estudantes considerados, não foram
74
Douglas Verrangia Correa da Silva
suficientes para ajudar um número considerável de estudantes (50 a
60%) a modificar suas idéias.
No Brasil, Bizzo (1996) desenvolveu uma pesquisa também
extensa na qual analisa o ensino e a aprendizagem da teoria da
evolução das espécies. Foram estudadas as propostas curriculares de
18 estados brasileiros e do Distrito Federal, livros didáticos utilizados
pelas escolas participantes da pesquisa e recomendados por professores
destas, entrevistas e questionários que visaram levantar as concepções
de estudantes sobre o processo evolutivo e sobre a figura de Charles
Darwin. Foram entrevistados e responderam um questionário alunos
de “uma escola particular de elite e duas escolas públicas” (p. 195)
que já haviam se submetido ao ensino formal da teoria da evolução
das espécies. Após as entrevistas, o pesquisador constata que “apesar
de sua diversidade de formação, perfil socioeconômico, cultural,
religioso, etc. [os alunos] apresentaram algumas concepções muito
parecidas” (p. 195) e “O que há de surpreendente é a eqüidistância
que guardam das concepções consideradas válidas no contexto
científico da atualidade” (p. 195). Analisando as respostas ao
questionário, que foi respondido por 192 estudantes, foi constatado
em “um conjunto ampliado de estudantes” (p. 216), que as conclusões
a que tinham chegado a partir das entrevistas se mantinham válidas.
Os resultados da pesquisa citada, apresentados aqui de forma muito
sucinta, são convergentes com os encontrados por Bishop e Anderson
(1990) no que concerne às idéias dos estudantes, majoritariamente
divergentes do conhecimento científico. Bizzo (1996) aponta para falhas
nos materiais didáticos e nos parâmetros curriculares, que, segundo o
autor, podem favorecer a manutenção das divergências entre o
conhecimento dos alunos e o científico. Há outros trabalhos dedicados
à mesma temática dos citados anteriormente, dos quais gostaríamos de
destacar: Demastes et al. (1996) e Lawson e Thompson (1988).
É importante apontar, então, que este estudo encontra-se
inserido na temática da aprendizagem de conceitos científicos e que
a análise desenvolvida está baseada em concepções teóricas, ligadas
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
75
basicamente à teoria do desenvolvimento dos conceitos de Vygotski,
abordagem na qual poucos trabalhos sobre o ensino de ciências têm
se amparado.
Referências teóricas
Apresentamos aqui parte das referencias teóricas em que
nos pautamos, a fim de possibilitar uma melhor compreensão da
reflexão exposta.
A partir dos resultados de uma série de pesquisas, Vygotski
(1993) categoriza os conceitos como cotidianos e científicos. Segundo
o autor, a formação de conceitos pelas crianças está relacionada
diretamente à natureza destes, sendo o processo de formação diferente
em função da natureza do conceito. Com relação aos conceitos
cotidianos (“espontâneos”), o autor explica que:
A aparição inicial do conceito espontâneo está ligada ao
enfrentamento da criança com uma ou outras coisas, em verdade,
com coisas que explicam ao mesmo tempo os adultos, mas que,
entretanto, são coisas vivas e reais. E somente através de um
prolongado desenvolvimento a criança chega a tomar consciência
do objeto, a tomar consciência do conceito e das operações
abstratas que realiza com ele (p. 252-253).
Vemos, então, que Vygotski relaciona os conceitos cotidianos
às coisas “vivas” e “reais”, às quais a criança se relaciona e com as
quais tem experiências empíricas, sensoriais. Essas experiências
empíricas proporcionam uma visão sobre os fenômenos, que, segundo
o autor, pode se desenvolver, pois:
O desenvolvimento dos conceitos espontâneos começa na
esfera do concreto e do empírico e se move em direção às
propriedades superiores dos conceitos: o caráter consciente e
a voluntariedade (p. 254).
Os conceitos cotidianos podem se desenvolver e passar a ter
um caráter mais voluntário e consciente, deixando de estar
76
Douglas Verrangia Correa da Silva
relacionados tão estreitamente “à coisa”, “ao objeto” e passando a
um conhecimento mais abstrato, mais geral. Esses conceitos
desenvolvem-se por meio de um processo indutivo, pela generalização
a partir do conhecimento sensorial de objetos particulares.
Com relação aos conceitos científicos, o autor afirma que “o
nascimento do conceito científico não se inicia com o enfrentamento
direto com as coisas, senão com a atitude mediatizada até o objeto”
(p. 253). Desta maneira, os conceitos científicos têm desenvolvimento
diferente dos cotidianos. Eles nascem de um plano abstrato,
mediatizado por outros conceitos, até o objeto do conhecimento. Os
conceitos científicos apresentam um desenvolvimento no sentido
inverso dos espontâneos:
Podemos dizer que a força dos conceitos científicos se manifesta
em uma esfera que está por completo determinada pelas
propriedades superiores dos conceitos: o carácter consciente e a
voluntariedade (p. 254).
Segundo Vygotski (1993, p. 259), o desenvolvimento dos
conceitos científicos está mediado por outros conceitos, formados
com anterioridade e, diferentemente dos cotidianos, não vinculados
ao seu objeto diretamente. Para o autor: “o problema do sistema é o
ponto central de toda a história do desenvolvimento dos conceitos
genuínos na infância” (p. 259). Um sistema de significados surge junto
com o desenvolvimento dos conceitos científicos e exerce uma ação
transformadora nos conceitos cotidianos. O sistema de significados
formado por conceitos científicos genuínos – de elevado grau de
consciência e voluntariedade – é a estrutura cognitiva que permite
aplicabilidade destes conceitos científicos e elevação a um nível
superior daqueles conceitos cotidianos já existentes.
Referindo-se à questão do “sistema”, o autor apresenta o que
denominou “tecido conceitual”. Este “tecido conceitual” seria uma
rede de conceitos que estão em conexão e que, graças a isto, em fases
superiores do desenvolvimento “[...] qualquer conceito pode ser
designado com ajuda de outros conceitos mediante uma quantidade
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
77
inumerável de procedimentos” (p. 262). A rede descrita pelo autor
poderia ser explicada por uma analogia com a esfera terrestre. Cada
intersecção entre meridianos e paralelos, cada ponto, representaria
um conceito. Podemos compreender a longitude do conceito como
“[...] o lugar que ocupa entre os pólos extremos do pensamento visual
e abstrato” (p. 264). Já a latitude do conceito caracterizará “o lugar
ocupado por este entre outros conceitos de igual longitude, mas que
se referem a outros pontos da realidade”.
Neste contexto teórico, entende-se que as relações estabelecidas
entre conceitos – formados, por sua vez, por outros conceitos
subordinados – estão intimamente vinculadas com o desenvolvimento
desses. Se admitirmos que o sujeito encontra-se, segundo a
caracterização de Vygotski, na fase conceitual, parte das relações será
refletida no que o autor denominou “medida de comunalidade”. A
medida de comunalidade seria o “[...] lugar do conceito dentro do
sistema de todos os conceitos, determinado pela sua longitude e
latitude, [...] este núcleo contido na interpretação de suas relações
com outros conceitos”. Então, entendemos que a aprendizagem de
conceitos, à qual aqui nos referimos somente como aprendizagem,
como o estabelecimento de relações entre novas informações e aquele
conjunto de noções, idéias e conceitos já estabelecidos. Também o
estabelecimento de novas relações entre informações já disponíveis
no tecido conceitual, formando novas possibilidades de pensamento
(PETROVSKI, 1980). Esse autor, cujas bases teórico-metodológicas
dialogam com as de Vygotski, considera o pensamento como o produto
superior do cérebro, conceituado como:
El pensamiento es el proceso psíquico socialmente condicionado
de búsqueda y descubrimientos de lo esencialmente nuevo y
está indisolublemente ligado al lenguaje. El pensamiento surge
del conocimiento sensorial sobre la base de la actividad práctica
y lo excede ampliamente (p. 292).
Petrovski (1980) afirma também que o pensamento é um
processo ativo de reflexão do mundo objetivo em conceitos, juízos,
78
Douglas Verrangia Correa da Silva
teorias etc. Para o autor o processo de pensamento “es ante todo
análisis, síntesis y generalización” (p. 302), conceitos que não
aprofundaremos neste referencial, mas que discutimos detidamente
em Silva (2004).
Em consonância com o referencial adotado, entendemos que
as aprendizagens possibilitam o processo ativo de reflexão sobre o
mundo. Referindo-nos especificamente à aprendizagem de conceitos
na teoria de Vygotski, cada nova aprendizagem: pode reforçar o
sentido de um conjunto de relações já estabelecidas; pode não
interferir em um conjunto significativo de relações que formam um
sentido; e, por fim, pode transformar totalmente o sentido de relações
já estabelecidas. Desta forma, a aprendizagem refere-se, em muitos
casos, a transformações na “medida de comunalidade” de conceitos
já estabelecidos, assim como a criação de novas relações e, portanto,
uma nova medida de comunalidade. Desta forma, a aprendizagem de
novos conceitos requer reorganização do tecido conceitual.
Isto é, a aprendizagem concreta de determinado conceito é
gerada no estabelecimento de relações entre este e outros conceitos ou
idéias pré-existentes, transformando-os. Sendo assim, o processo de
desenvolvimento conceitual supõe transformações nas relações
estabelecidas entre conceitos e idéias novos e pré-existentes. O estágio
deste processo pode ser identificado pela análise da interação entre a
estrutura de generalização do conceito (consciência sobre sua definição)
e a conexão com a realidade, o grau de aplicabilidade do conceito.
Procuramos, de forma mais sintética possível, apresentar
elementos centrais das referências teórico-metodológicas adotadas
no estudo, e, a seguir, apresentamos os procedimentos metodológicos
da pesquisa e os resultados e discussões a que chegamos com ela.
Procedimentos metodológicos
De forma geral, a metodologia adotada nesta pesquisa foi
pautada no objetivo de analisar o desenvolvimento conceitual de
alunos a partir da interação com condições de ensino especialmente
planejadas para esta finalidade e com as variáveis surgidas na dinâmica
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
79
do processo. Para tanto, optamos por desenvolver a pesquisa sobre
uma intervenção de ensino, na qual foram obtidos os dados analisados.
Descrevemos essa intervenção de forma sucinta a seguir.
A intervenção
Participaram da intervenção de ensino analisada neste estudo,
além do pesquisador, que atuou como professor, 16 estudantes que
ou cursavam o 3º ano do ensino médio ou haviam completado o
mesmo, sendo todos/as alunos/as de um curso pré-vestibular popular,
o projeto de extensão Curso Pré-Vestibular da UFSCar.2
O curso teve um total de 15 aulas, distribuídas em três etapas,
nas quais tentamos garantir a realização de uma variedade de
atividades, por meio da combinação entre diferentes conteúdos
conceituais e tipos de atividades que procuraram propiciar operações
de pensamento (R ATHS et al., 1977). Os conteúdos conceituais
abordados foram variação intra-específica; hereditariedade de certas
características; taxa diferencial de sobrevivência (adaptação local);
taxa diferencial de reprodução; acumulação de variações através das
gerações. Já as atividades, relacionadas às operações de pensamento,
envolveram: observação/descrição; comparação; classificação;
codificação; realização de resumo; aplicação de fatos e princípios a
novas situações; interpretação; formulação de suposições; criação de
hipóteses; conceituação/definição e planejamento de pequenos
projetos ou pesquisas.
Na etapa Avaliação Diagnóstica, objetivamos conhecer as idéias
dos participantes sobre a temática abordada no curso. Portanto, foram
realizadas atividades nas quais os alunos tiveram de explicitar suas
idéias e realizar operações de pensamento, de forma articulada. Já na
etapa Desenvolvimento realizaram-se atividades nas quais, de forma
integrada, foram efetivamente abordados os conteúdos conceituais
O Curso Pré-Vestibular da UFSCar (CPV UFSCar) é um projeto de extensão da
Universidade Federal de São Carlos do qual participam um grande número de membros
da comunidade acadêmica e da comunidade da cidade de São Carlos - SP e região,
incluindo o pesquisador que, a época da pesquisa, atuava como professor do mesmo.
2
80
Douglas Verrangia Correa da Silva
mencionados anteriormente por meio de atividades que visavam
propiciar operações de pensamento. As atividades desenvolvidas
foram diversificadas e envolveram aulas expositivo-participativas,
assistir vídeo, visitar um museu de paleontologia, resolução de questões
em grupo e individualmente, e, principalmente, atividades com um
instrumento de ensino, detalhadamente descrito em Silva (2004) e
Silva e Ribeiro (2001). A sistemática de elaboração das atividades
pode ser descrita, de forma geral, da seguinte maneira: consideração
da análise prévia (realizada na Avaliação Diagnóstica) sobre as idéias
dos alunos a respeito de cada um dos conteúdos conceituais
mencionados; articulação das atividades envolvendo operações de
pensamento pré-definidas e dos conteúdos sobre a temática abordada
na proposição de procedimentos a serem realizados pelos alunos;
utilização do instrumento como um dos elementos centrais das
atividades propostas. Na etapa final, Avaliação da Aprendizagem,
procuramos conhecer a aprendizagem conceitual dos participantes
ao final da intervenção, o estágio de desenvolvimento dos conceitos.
Para tanto, foram desenvolvidas, como na etapa inicial, atividades
dirigidas a explicitar tais conceitos, por meio de situações que
solicitavam estabelecimento de relações entre conceitos em uma série
de contextos, envolvendo o instrumento de ensino, respostas a um
questionário, discussões e outros trabalhos em grupo.
A Pesquisa
Foram considerados participantes da pesquisa dois estudantes
que participaram da intervenção de ensino mencionada, Fábio e
Vanessa.3 A decisão de analisar os dados destes dois estudantes
Os nomes dos/as participantes são fictícios. Ambos os participantes da pesquisa
apresentavam características socioeconômicas muito parecidas com a média dos alunos
ingressantes no CPV UFSCar no ano de 2002, classe média baixa (D). Os dois realizaram
toda sua escolarização em escolas públicas da cidade de São Carlos. Fábio, 22 anos, havia
completado o ensino médio três anos antes e auto declarou-se branco em questionário
socioeconômico e Vanessa, 16 anos, cursava o ensino médio juntamente às atividades do
CPV UFSCar, e declarou-se parda.
3
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
81
baseou-se no critério de freqüência ao curso, ambos foram os que
tiveram maior freqüência, o que possibilitou uma análise processual
mais completa, com poucas lacunas de registros. A pesquisa foi
realizada na perspectiva de compreender os processos e produtos da
aprendizagem desses participantes ao longo das três etapas da
intervenção. Para tanto, foram definidas categorias de análise relativas
ao desenvolvimento conceitual dos participantes da pesquisa sobre
um aspecto central da teoria evolutiva: a variabilidade intra-específica.
A essas categorias de análise procuramos relacionar dados sobre as
condições oferecidas pelas intervenções do professor/pesquisador e
a participação de um instrumento de ensino no processo de
aprendizagem.4
A coleta de dados foi distribuída durante as três etapas da
intervenção: início do curso, antes do desenvolvimento de atividades
de ensino (etapa de Avaliação Diagnóstica), durante o curso (etapa
de Desenvolvimento) e ao seu final (etapa de Avaliação de
Aprendizagem). Foram utilizados os seguintes instrumentos de coleta:
anotações de observações durante as aulas (e após o término das
mesmas); produtos escritos pelos/as alunos/as, gerados em atividades
realizadas em aula; gravações em vídeo de aulas.
Os dados sofreram uma sistematização inicial após o final da
intervenção, que consistiu em uma organização geral por etapa do
processo de ensino a que estavam relacionados (Diagnóstico Inicial,
Desenvolvimento e Diagnóstico Final) e reunião/agrupamento dos
registros escritos pelos alunos e gravações de aula, realizados em cada
uma destas etapas.
Após esta primeira organização, realizamos a efetiva
sistematização dos dados, em categorias relacionadas aos conceitos
Trabalhos como Ferreira et al. (2000) e França e Martins (2000) apontam para a importância
da utilização de jogos no ensino de conceitos das Ciências Biológicas e, inclusive, na formação
de professores, principalmente por sua relação com o estabelecimento e cumprimento de
regras. Em nossa pesquisa essa importância se concretizou, mas, devido às limitações de
espaço, decidimos sintetizar as relações entre desenvolvimento conceitual e o instrumento
de ensino em outro texto, em produção
4
82
Douglas Verrangia Correa da Silva
analisados. Assim, para os dados obtidos em cada uma das etapas,
foram destacados e agrupados todos os registros que continham
elementos considerados como indicadores da categoria principal de
análise: as idéias dos/as participantes sobre a variabilidade intraespecífica e seu papel no processo evolutivo, cujas categorias
encontradas foram: presença de diferenças entre indivíduos de um
mesmo grupo (espécie); conceito de espécie; geração da variação é
aleatória; relação entre variação e mutação; princípio da herança dos
caracteres; relação entre variação e adaptação; relação entre variação
e ambiente e relação entre variação e processo evolutivo. Também
foram destacados dados sobre as condições criadas pelas intervenções
do professor e sobre a participação do instrumento de ensino no
desenvolvimento da estratégia.
Finalmente, estabelecemos relações entre as análises realizadas
em cada etapa para cada uma das categorias citadas para cada
participante, procurando apontar possíveis indicadores de
desenvolvimento conceitual ocorrido e relacioná-los às condições de
ensino propiciadas, em base ao referencial teórico adotado.
Para facilitar a compreensão dos resultados e discussões a que
chegamos, apresentamos um quadro com exemplos de análises
empreendidas durante a pesquisa. São excertos relativos a algumas
das categorias estudadas, de dois dos participantes da intervenção e
pesquisa. Apresentamos exemplos de análises sobre três tipos distintos
de desenvolvimento estudados: de idéias ou noções (ex.: diferenças
entre indivíduos de um grupo); de conceitos (ex.: espécie) e de relações
entre conceitos (ex.: variação e adaptação), que foram analisados
também de forma independente. A análise minuciosa de todos os
aspectos considerados na pesquisa, aqui apenas mencionados, pode
ser encontrada em Silva (2004).
“Espécie é um grupo de indivíduos cujas
características são semelhantes entre eles
e que quando se cruzam na natureza
produzem descendentes férteis”.
“Mesmo tendo características diferentes
o Tupec e o Iscam Nam não deixam de
serem o que é, pois somente algumas
‘coisas’ são mudadas para que suas
sobrevivência possam ser garantidas e
eles consigam adaptar-se ao meio em
que vivem, conseguindo assim algumas
melhorias”.
Possível desenvolvimento de idéias
convergentes com o conhecimento
científico a partir da idéia de
diferenças entre indivíduos e sua
natureza para o conceito de
variabilidade intra-específica e seu
papel no processo evolutivo.
Etapa Final – Avaliação da
aprendizagem
Quadro 1 – Exemplo de dados e análises sobre o desenvolvimento das idéias da participante Vanessa sobre as diferenças entre
indivíduos de um grupo e do conceito de espécie.
Exemplo
de dados
Análise
Identificava a existência de diferenças
físicas entre os indivíduos de um grupo,
entretanto, apresenta diferenças com
relação à etapa anterior, em relação ao
surgimento das características, sua
determinação e transmissão. Início da
utilização do conceito de espécie e variação
intra-específica.
Etapa 2 - Desenvolvimento
Identificava a existência de diferenças
físicas entre indivíduos de um mesmo
grupo, como tamanho, cor de olhos,
diferenças com relação à pelagem, etc.
IDÉIA: Diferenças entre indivíduos de um grupo
Etapa 1 - Avaliação Diagnóstica
(continua)
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
83
“Espécie é um grupo de indivíduos cujas
características são semelhantes entre eles
e que quando se cruzam na natureza
produzem descendentes férteis”. “A
grande variedade de espécies foi
importante porque cada espécie possuía
características específicas para a sua
sobrevivência”. “[...] as mutações
ocorridas em cada uma das populações
acabam dando origem a organismos tão
diferentes, que surgem novas espécies.
Isso ocorre devido ao fato dessas
populações não se cruzarem e logicamente
não originarem descendentes”.
“Como o fato de seguirem em direção a
cidades iluminadas ao invés do mar é algo
prejudicial à espécie, pois vários indivíduos
acabam morrendo, talvez daqui a alguns
anos elas desenvolvam uma outra maneira
de orientação”.
“A seleção natural é o processo pelo
qual a espécie se adapta ao ambiente
garantindo assim sua sobrevivência”. “No instrumento isto é
mostrado através da diminuição ou
desaparecimento de uma espécie
anterior a uma outra, cuja a adaptação
tornou-se difícil devido as mudanças
ambientais”. Em que as chamadas
espécies são subpopulação utilizadas
no instru-mento de ensino. “Mesmo
que essas plantas mudem de ambiente
com muitos parasitas elas não
evoluíram, pois todas elas são idênticas.
Não há diversidade de espécies [...]”
Aumento do uso da palavra espécie
de forma convergente ao conceito
científico, mas ainda com estreita
relação ao conceito de subpopulação.
Quadro 1 – Exemplo de dados e análises sobre o desenvolvimento das idéias da participante Vanessa sobre as diferenças entre
indivíduos de um grupo e do conceito de espécie.
Exemplo
de dados
Análise
Utilização mais freqüente da palavra
espécie, algumas vezes de forma
convergente com o conceito científico e
em outras não, relacionando-o a
indivíduos de uma espécie que se
diferenciam por algumas características
(subpopulações).
A palavra “espécie” foi utilizada em
apenas uma situação, estimulada, de forma
não convergente ao conceito científico, o
que corroborou a análise de que esta não
tinha um conceito científico de espécie
desenvolvido.
CONCEITO: Espécie
(conclusão)
84
Douglas Verrangia Correa da Silva
Etapa 2 - Desenvolvimento
“Quanto mais diferenças [entre os indivíduos
de uma população] melhor para
sobreviverem, para alguns poderem se
adaptar”. “[...] Aleatoriamente foram
surgindo mutações que favoreceram sua
adaptação e sobrevivência ao ambi-ente”.
“Com a diversidade da espécie, as
características são diversas, o que possibilita
a adaptação de alguns indivíduos que possam
sobreviver às mudanças ambientais”.
“Quando a população era +++++ as
chances de sobreviventes foram maiores,
já que a população também é grande
houve uma maior adaptação no
ambiente”. “Antes dos mamíferos, o
domínio terrestre pertencia aos
dinossauros. Após sua extinção houve
um aumento populacional dos
mamíferos que se adaptaram e
conseguiram seu domínio”.
“[...] os espinhos tornaram-se pêlos e para
Exemplo conseguir mais alimento as patas desenvolveram
nadadeiras”. “[...] elas então serão ‘obrigadas’ a
de dados
tornarem-se adaptadas ao meio para garantir sua
sobrevivência”.
Quadro 2 - Exemplo de dados e análises sobre o desenvolvimento das relações estabelecidas pela participante Vanessa entre os
conceitos de variação e adaptação.
Análise
Estabelecimento de relação direta entre a
diversidade de características e adaptação, em
que a diversidade indica possibilidade de
adaptação. Forte convergência entre as idéias
da participante e o conhecimento científico.
Diminuição no uso da palavra
adaptação e estabelecimento de relação
entre adaptação e tamanho populacional, além de identificação de que em
grandes populações há maior
possibilidade de surgimento de
características, isto é, de variação, que
possibilitariam adaptação.
Etapa Final – Avaliação da
aprendizagem
Relacionava diferenças entre indivíduos de
determinado grupo e sua adaptação, relação permeada
pela idéia de que as diferentes características são
adquiridas para possibilitar sobrevivência e adaptação.
Caráter de intencionalidade no surgimento das
características, convergente com uma visão lamarckista
do processo. Entendimento de adaptação como uma
transformação, de características já existentes em
outras “melhores” para o ambiente.
RELAÇÕES entre os conceitos de Variação e Adaptação
Etapa 1 - Avaliação Diagnóstica
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
85
“Através da reprodução, surgiam
indivíduos com características diferentes,
selecionados pelo ambiente resultando
em várias e diferentes espécies”.
“Provavelmente porque eles
descenderam de um mesmo
indivíduo e com o passar do tempo
foram adquirindo características
diferentes. Elas podem surgir para
uma melhor adaptação em diferentes
ambientes ou por acaso”.
Identificava a existência de diferenças
entre indivíduos de uma espécie e foi
possível confirmar suas idéias a respeito
da importância das diferenças na formação
de novas espécies e na sobrevivência e
adaptação em determinado ambiente.
Etapa Final – Avaliação da
aprendizagem
Quadro 3 - Exemplo de dados e análises sobre o desenvolvimento das idéias do participante Fábio sobre as diferenças entre
indivíduos de um grupo e do conceito de espécie.
Exemplo
de dados
Análise
Identificava a presença de diferenças
entre indivíduos de uma espécie, como
tamanho, cor dos olhos, da pelagem etc.,
passando a relacionar estas diferenças ao
conceito de espécie, entre outros.
Etapa 2 - Desenvolvimento
Identificava diferenças entre
indivíduos de um mesmo grupo e
relacionava características comuns à
ancestralidade e diferentes à
aquisição ao longo do tempo.
IDÉIA: Diferenças entre indivíduos de um grupo
Etapa 1 - Avaliação Diagnóstica
(continua)
86
Douglas Verrangia Correa da Silva
“Seleção natural são as características
novas que surgem em uma determinada
espécie fazendo com que ela se adapte ou
não ao ambiente e, sendo assim,
selecionado.” “surgirem características
novas na espécie e depois de um longo
período poderão surgir espécies
diferentes”.
“Espécie: é um grupo de indivíduos com
características e hábitos semelhantes
capazes de produzirem descendentes
férteis e que interagem em um
determinado ambiente”. “Especiação é
a divisão de uma população em duas ou
mais que, vivendo em ambientes
diferentes, darão origem a indivíduos com
características novas até um momento em
que se tornarão espécies totalmente
diferentes que não cruzarão ou cruzarão
dando origem a descendentes estéreis”.
“As chitas evoluíram cada vez mais
com o passar do tempo para se
adaptar ao ambiente, para se
alimentar e perpetuar a espécie”.
“Sim, pois ao longo de milhares de
anos as tartarugas poderão nascer
sem o gene desta doença,
constituindo uma evolução na
espécie”.
Quadro 3 - Exemplo de dados e análises sobre o desenvolvimento das idéias do participante Fábio sobre as diferenças entre
indivíduos de um grupo e do conceito de espécie.
Exemplo
de dados
Análise
Espécie é um grupo de indivíduos com
características semelhantes e que,
adquirindo características diferentes, pode
dar origem a outro grupo, uma nova
espécie. Nesse grupo podem surgir
diferentes características e isto modifica a
possibilidade de sobrevivência dos
indivíduos.
Utilizou a palavra “espécie” em três
situações requeridas pelas atividades,
sendo que todas as utilizações foram
convergentes com o conceito científico.
Mas, com ênfase às grandes diferenças,
que possibilitariam formação de novas
espécies.
Utilizou a palavra “espécie” em duas
situações, com sentido de grupos e
relacionada à produção de
descendentes férteis.
CONCEITO: Espécie
(conclusão)
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
87
Etapa 2 - Desenvolvimento
“Adquirindo características em sua
evolução cujo seus antepassados não
possuíam, que os ajudam a se adaptar
ao ambiente, viver por um tempo maior
e produzir descendentes férteis. Ex.:
Chita, o Bagre-cego”. “Essa capacidade
de manter-se sem subir para pegar ar
aumentará até chegar um momento em
que a tartaruga não precise de oxigênio,
por adaptação ao ambiente marinho”.
A diversidade (variação) possibilita
adaptação e também pode dar origem
a novas espécies. Relaciona o papel da
variação intra-específica no processo
evolutivo, sendo que diferentes
características possibilitam adaptação
em dado ambiente.
Sobre a importância da variabilidade
intra-específica, afirmou: “Uma maior
chance de adaptação em um ambiente,
se reproduzir e a cada reprodução a
probabilidade de surgirem características novas na espécie e depois de um
longo período poderão surgir espécies
diferentes”. “Quanto mais características novas mais chance de se adaptar
ao ambiente”.
Presença de certas características possibilita
chance de adaptação dos indivíduos em dado
ambiente. A diversidade de características é vista
como possibilidade de adaptação e não como
mudanças para a adaptação, visão expressa pelo
participante no início da intervenção.
“Sucesso: Os indivíduos nasceram com
características que permitiram sua adaptação ao
ambiente aquático. Fracasso: Devido a mudança
do ambiente terrestre para o aquático, os
indivíduos que possuíam características terrestres
acabaram se extinguindo por não conseguirem
se adaptar”.Sobre a importância da variedade de
espécies de dinossauros expressou: “Uma maior
chance de adaptação e reprodução no
ambiente”..E sobre a relação entre a variedade
de mamíferos e o domínio, atual, por estes de
quase todos os ambientes escreveu: “A propícia
adaptação dos mamíferos nos respectivos
ambientes”.
Etapa Final – Avaliação da
aprendizagem
Quadro 4 - Exemplos de dados e análises sobre o desenvolvimento das relações estabelecidas pelo participante Fábio entre os
conceitos de variação e adaptação.
Exemplo
de dados
Análise
Expressou muitas vezes, de forma
espontânea, a palavra “adaptação”,
relacionando-a a diversidade de
características. Surgimento das características que favoreceriam a adaptação está
ligado a um certo direcionamento pelo
ambiente, para possibilitar adaptação.
Convivência de idéias lamarckistas e
outras mais convergentes com conceitos
científicos, em desenvolvimento iniciado
anteriormente à intervenção.
RELAÇÕES entre os conceitos de Variação e Adaptação
Etapa 1 - Avaliação Diagnóstica
88
Douglas Verrangia Correa da Silva
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
89
Resultados e discussão
A partir das análises empreendidas, foi possível identificar que,
durante a intervenção de ensino, houve desenvolvimento conceitual
tanto de Vanessa quanto de Fábio. É necessário destacar, entretanto,
que em algumas situações apenas pudemos formular hipóteses sobre
as relações estabelecidas pelos estudantes, devido ao fato de que os
dados coletados eram insuficientes para um esclarecimento pleno das
idéias dos participantes. Mesmo assim, foi possível estabelecer muitas
relações entre os dados coletados e as referências teóricometodológicas adotadas, relações que apresentamos a seguir.
Vygotski (1993) escreveu que os conceitos científicos, em
oposição aos cotidianos, manifestam sua força em uma esfera
determinada pelas propriedades superiores dos conceitos:
voluntariedade e consciência. Segundo o autor, conceitos científicos
se desenvolvem, então, a partir dessas propriedades superiores até as
outras, como a aplicabilidade e conexão com a realidade. A
aplicabilidade de um conceito científico decorre, então, do
desenvolvimento de um sistema de significados5, no qual encontramos
a medida de comunalidade do conceito científico desenvolvido. Nesse
sistema, as relações que formam o tecido conceitual (rede de relações
estabelecidas) estão conectadas e, de forma coerente, permitem
diferentes possibilidades de relações entre conceitos conectados e de
formulação de idéias e explicações.
Foi possível, no caso dos dois participantes, encontrar dados
que indicam, em momentos distintos do processo de ensino,
desenvolvimento conceitual. Identificamos mudanças na
Estamos utilizando os termos sistema de significados e comunalidade, baseados em Vygotski
(1993, p. 259) segundo o qual “el problema del sistema es el punto central de toda historia
del desarrollo de los conceitos genuínos en la infância [...]”. Um sistema de significados surge
junto com o desenvolvimento dos conceitos científicos e exerce uma ação transformadora
nos conceitos cotidianos. Este sistema, formado por conceitos, científicos genuínos – de
elevado grau de consciência e voluntariedade – é a estrutura cognitiva que permite
aplicabilidade dos conceitos científicos e elevação do nível de consciência sobre aqueles
conceitos cotidianos existentes. Assim, quando utilizamos o termo “sistema completo”,
estamos nos referindo a um sistema de relações entre conceitos científicos genuínos,
convergentes com o conhecimento científico.
5
90
Douglas Verrangia Correa da Silva
voluntariedade e na consciência com que os participantes utilizaram
conceitos científicos abordados na intervenção. Também foi possível
perceber alterações relativas à aplicabilidade e conexão destes
conceitos com a realidade. Neste sentido, procuramos identificar e
analisar as relações estabelecidas pelos participantes ao longo de toda
a intervenção, a fim de lograr conhecer os sistemas de significados
desenvolvidos pelos mesmos.
O participante Fábio parecia demonstrar, ao fim da intervenção,
desenvolvimento conceitual convergente ao conhecimento científico
(como pode ser observado nos Quadros 3 e 4) em relação a alguns
conceitos abordados na intervenção, como adaptação. Mas, em relação
a outros, como mutação, em várias situações ele, consciente e
voluntariamente, refere-se ao conceito, mas não consegue aplicá-lo
ao contexto requisitado, conectá-lo à realidade, indicando
desenvolvimento a ser trilhado. É muito interessante que Fábio –
como outros participantes – desde o início da intervenção
desaprovava a idéia de simular a geração de variações em indivíduos
de um grupo hipotético, em um instrumento de ensino, por meio de
uma roleta (que simulava a aleatoriedade do processo). Em uma
ocasião, no início do curso, o participante disse que aceitava aquela
simulação, mas que “[...] no jogo é assim, mas na vida é diferente”,
revelando que, naquele momento, não relacionava aleatoriedade e
surgimento da variação intra-específica.
Ao final do curso, em uma discussão elaborada para explicitar
as idéias dos participantes sobre a origem da variação intra-específica,
Fábio deu-se conta de que fez uma afirmação em que relacionava
“necessidade ambiental” e surgimento de novas características. Após
refletir e fazer perguntas sobre o processo de mutação, ele afirmou
“Hoje foram apagados os resquícios de que o ambiente causa a
mutação”. Mas, analisando todas as suas respostas a questionários e
discussões em grupo, percebemos que ele era capaz de identificar,
entre alternativas fornecidas, a mais convergente ao conceito
científico de mutação. Mas, suas justificativas e falas demonstravam
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
91
que ele mantinha idéias divergentes convivendo (o caráter aleatório
da mutação, sua determinação genética e a possibilidade de necessidades
ambientais favorecerem a geração de variação). Como ele utilizou várias
vezes o conceito, o que demonstra voluntariedade, foi possível
identificar que um sistema de significados completo, convergente ao
conhecimento científico, ainda não havia sido desenvolvido.
Os dados de Vanessa também corroboram a análise
anteriormente realizada. Percebemos que ela, com relação ao mesmo
conceito – mutação – passa a identificar, em questionários com
alternativas, elementos estudados (determinação e herança genética
das características e aleatoriedade) durante a etapa de
Desenvolvimento do curso. Mas, quando era solicitado que aplicasse
o conceito em situações de contexto, não explícitas, ela não era capaz
de fazê-lo. No início do curso, Vanessa compreendia o surgimento de
novas características relacionando-as à aquisição de “melhorias” e
mudanças em características “prejudiciais” em grupos biológicos
(como pode ser analisado no Quadro 1). Ao longo da intervenção,
identificamos que ela era capaz não só de identificar as idéias de
determinação e herança genética das características e aleatoriedade,
mas aplicar o conceito de mutação em situações concretas em que
este era requisitado. Em nosso entendimento, essa capacidade de
aplicação está relacionada, principalmente, ao grau de
desenvolvimento conceitual atingido, que possibilitava aplicabilidade
em determinadas situações.
Ao fim da intervenção, Vanessa relacionava variação intraespecífica e o ambiente de forma convergente ao conhecimento
científico. Expressava a idéia de que a diversidade indica a
possibilidade de que alguns indivíduos possam sobreviver às
transformações ambientais (como pode ser visto no Quadro 2). Estas
idéias parecem estar conectadas de forma estruturada, formando uma
visão mais aplicável, de forma convergente ao conhecimento
científico, em determinados contextos. Mas, quando analisamos outros
conceitos centrais da teoria evolutiva, como o de espécie, verificamos
92
Douglas Verrangia Correa da Silva
(ver Quadro 1) que a participante não diferenciava de forma clara
espécie de subpopulações, ou de alguns indivíduos de uma
determinada população que compartilham característica diferenciada.
Desta forma, a participante também mantinha idéias divergentes ao
conhecimento científico, no que se refere ao gradualismo do processo
evolutivo e na geração da variação intra-específica. Nesse contexto,
é possível inferir que o desenvolvimento conceitual desenvolvido por
ambos participantes permitiu a ampliação e estruturação do chamado
“tecido conceitual”, referente à teoria da evolução. Essa estruturação
não pode ser considerada completa, no sentido de uma convergência
total ao conhecimento científico, mas demonstra um caminho trilhado
neste sentido.
O desenvolvimento apresentado pelos participantes não foi
igual, nem pode ser considerado totalmente convergente ao
conhecimento científico, pois percebemos diferenças em relação ao
conteúdo de conceitos desenvolvidos e ao grau desse
desenvolvimento. O desenvolvimento parcial apresentado pelos
participantes, indicado, por exemplo, pela presença de idéias
divergentes e convergentes ao conhecimento científico – às vezes,
contrárias a este – relaciona-se, ao nosso entender, ao caráter
processual do desenvolvimento conceitual. Esse processo,
implementado mas não terminado no curso, está relacionado à
formação de um sistema de significados incompleto do ponto de vista
da interação entre conceitos científicos. Esta incompletude pode estar
relacionada à formação de estruturas parciais de organização
conceitual, formando idéias convergentes ao conhecimento científico
que, por não estarem de fato conectadas a outras relações do tecido
conceitual, convivem com idéias antagônicas mantidas ou
desenvolvidas ao longo do processo de ensino.
As dificuldades de aprendizagem – e, consequentemente, do
ensino proporcionado – não parecem estar relacionadas a diferenças
significativas na visão dos participantes sobre o processo evolutivo
antes da intervenção. Ambos apresentavam idéias fortemente
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
93
divergentes do conhecimento científico sobre o processo evolutivo e
que encontram caracterização na literatura, por exemplo no trabalho
de Bizzo (1996). Ao início da intervenção, as respostas indicavam
claramente que Fábio tinha idéias convergentes às que Bizzo (1996)
caracteriza como lamarckismo, principalmente pelas de uso e desuso.
Vanessa também apresenta dados que corroboram essa análise. Ela
compreendia o surgimento de novas características como aquisição
de “melhorias” e transformação de características “prejudiciais”.
Assim, os estudantes demonstraram idéias semelhantes às que o
pesquisador encontrou em seu estudo com alunos já submetidos ao
ensino formal desse conhecimento. Essas idéias estavam
caracterizadas: pela possibilidade de herança dos caracteres adquiridos
– “Os principais mecanismos hereditários admitidos nas entrevistas
restringiram-se quase que somente à herança das características
adquiridas” (p. 205); pelo surgimento de mudanças (variação) através
do uso e desuso:
Existe a crença geral de que certas modificações provocadas
pelos próprios indivíduos sejam, de alguma forma, hereditárias.
O exemplo principal é, sem dúvida, a questão do uso e desuso
dos órgãos (p. 207);
e, pelo aparente desconhecimento de conceitos de genética
relacionados ao processo evolutivo:
A transmissão das características hereditárias – independente de
como elas tenham surgido – é outro aspecto absolutamente
nebuloso nas concepções dos alunos. Apesar de terem estudado
Genética regularmente e, em alguns casos isso ficou claro,
possuírem vocabulário bastante razoável, não existem evidências
seguras de que o aprendizado tenha contribuído para a
compreensão dos processos evolutivos (p. 214, grifo nosso).
Em relação, principalmente, à afirmação final de Bizzo (1996),
acreditamos que o aprendizado não tenha ocorrido de fato ou tenha
94
Douglas Verrangia Correa da Silva
sido apenas parcial – como parece mostrar os dados que analisamos
nesta pesquisa. Desta forma, esse desenvolvimento conceitual
incompleto pode explicar parte significativa da não compreensão dos
processos evolutivos pelos estudantes. A formação de estruturas
parciais, em que não há conexão efetiva e coerente entre todos os
elementos (científicos e não) que formam a visão do sujeito sobre o
processo evolutivo, pode ser uma das explicações para a convivência
de noções aparentemente contrárias. Algumas destas noções seriam
aplicadas em determinados contextos e outras em outros, em função
das relações requisitadas nestes. Isto é, alguns contextos favorecem a
utilização de estruturas conceituais menos sólidas (parciais ou em
desenvolvimento), pois requerem menor grau de conectividade
(como, em alguns casos, responder a questões com alternativas). Por
outro lado, alguns contextos – por exemplo, a aplicação de conceitos
em situações concretas e totalmente novas – requerem a utilização
de relações mais consistentes, mais coerentes, o que pode ter papel
importante na recorrência de idéias prévias, divergentes do
conhecimento científico que está sendo aprendido.
Quanto à formação de vocabulários desprovidos de significado,
Vygotski teoriza que se o desenvolvimento de conceitos científicos
percorresse o mesmo caminho dos conceitos cotidianos, isso resultaria
apenas em aumento do vocabulário dos sujeitos, pela falta de
desenvolvimento de um sistema, no sentido já apresentado.
Acreditamos que a não aprendizagem significativa pelos estudantes,
referente a desenvolvimento conceitual e formação de um sistema
de significados mais estruturado e formado por conceitos genuínos,
pode estar na base de produção de vocabulários desprovidos de
significados. Esse vocabulário, cujas palavras carecem do significado
científico, é identificado em outros trabalhos, como em Bishop e
Anderson (1990), por exemplo.
Finalmente, nossos dados parecem indicar que houve, durante
a intervenção, o início da estruturação – ou reestruturação – de um
sistema de significados convergente ao conhecimento científico sobre
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
95
a teoria da evolução das espécies, mas que não foi totalmente
desenvolvido. Neste sentido, procuramos relacionar as dificuldades
de aprendizagem dos estudantes às condições de ensino
proporcionadas na intervenção. Nas considerações finais procuramos
discutir os principais aspectos dessa interação entre aprendizagem e
ensino.
Considerações finais
Com a realização desta investigação e seus resultados, juntamonos a outros trabalhos que afirmam ser a teoria de Vygotski uma
ferramenta importante para a compreensão da aprendizagem de
conceitos científicos e problemas de aprendizagem. Da mesma forma,
pode contribuir para a análise de procedimentos de ensino a fim de
superar essas dificuldades (por exemplo, TUDGE, 1996).
Por meio da análise em base a aspectos da teoria vygotskiana,
foi possível compreender dificuldades de aprendizagem sobre
conceitos relativos à teoria evolutiva, dentro do contexto da
intervenção realizada. Os principais entendimentos utilizados como
referências teóricas foram: desenvolvimento conceitual e sistemas
de significados. Eles foram o foco da análise sobre a aprendizagem e
sobre as dificuldades apresentadas pelos participantes na intervenção
realizada, assim como o papel desta no desenvolvimento conceitual.
Por meio das análises empreendidas, percebemos que houve
desenvolvimento conceitual dos estudantes dentro da referida
intervenção de ensino, assim como a formação de sistemas de
significados convergentes ao conhecimento científico.
Mas, como mencionamos anteriormente, não foi possível,
dentro das condições de ensino proporcionadas na intervenção, que
os participantes formassem sistemas de significados completos,
totalmente convergentes ao conhecimento científico abordado. Isto
é, houve aspectos dos procedimentos de ensino que, em nossa análise,
foram centrais na não superação de algumas das dificuldades de
96
Douglas Verrangia Correa da Silva
aprendizagem, amplamente apontadas pela bibliografia, sobre a teoria
da evolução das espécies. Nesse sentido, os aspectos que consideramos
mais relevantes são:
- Necessidade de realizar muitas atividades de diagnóstico das
idéias dos estudantes sobre os conceitos científicos abordados. Essa
identificação é central para a elaboração de atividades a fim de abordar
conceitos ou idéias, de novas maneiras e dando ênfase a aspectos
didáticos que pareceram falhos. Nesse sentido, houve momentos em
que a identificação do desenvolvimento parcial de determinados
conceitos foi realizada muito ao fim do processo de ensino. Um
diagnóstico mais precoce poderia ter colaborado para o
direcionamento da atuação docente a fim de elaborar novas
possibilidades de sistematização e aplicação desses conceitos e mais
informações, desconhecidas pelos participantes, o que poderia gerar
novas relações e favorecer o desenvolvimento conceitual e,
concomitantemente, um sistema de significados mais convergente
com o conhecimento científico.
- Necessidade de sistematizar de forma clara e ampla os
conceitos abordados no curso. Durante a intervenção, priorizamos
atividades nas quais os participantes realizaram trabalhos de
aplicação de suas idéias, e de conceitos abordados, com o
instrumento de ensino. Ao fim da análise percebemos que um fator
potencializador da aprendizagem dos participantes poderia ser o
maior equilíbrio entre atividades de aplicação e de sistematização
(generalização, conceituação). Nestas atividades seria importante
enfatizar tanto a conexão dos conceitos e idéias à realidade quanto
à consciência dos estudantes sobre esses conceitos, procurando
estimular sua generalização e abstração.
- Necessidade de avaliar de forma muito cuidadosa o papel de
instrumentos de ensino na aprendizagem de conceitos científicos.
Como analisamos em Silva (2004), algumas características do
instrumento de ensino foram muito importantes para o
desenvolvimento conceitual dos estudantes. Mas, também foi possível
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
97
perceber que outras podem ter favorecido a formação de visões
reducionistas e simplificadas do processo evolutivo, principalmente
a respeito do surgimento da variação intra-específica. No instrumento
utilizado não era possível simular o caráter gradual e cumulativo das
mutações, noções que não foram aprendidas pelos participantes,
mesmo com a realização de explicações sobre esse aspecto da teoria
da evolução. Assim, ressaltamos a importância de identificar
previamente, ou mesmo durante o processo de ensino, as
potencialidades e limitações dos instrumentos de ensino que
utilizamos, a fim de compensar estas limitações com outras
atividades.
- Avaliação constante sobre a duração da intervenção de ensino.
Analisamos que as nove aulas de duas horas que caracterizaram o
processo de ensino não foram suficientes para abordar os
conhecimentos objetivados da forma necessária para sua aprendizagem
pelos estudantes. Em certas ocasiões a aplicação de atividades
dirigidas a novas informações foram priorizadas em relação à
realização de outras atividades sobre conceitos já abordados e que
identificamos não apropriadamente compreendidos. Esse dilema não
é exclusivo da intervenção realizada nesta pesquisa e está intimamente
ligado ao fato de que a aprendizagem significativa de uma temática
complexa como a teoria da evolução das espécies demanda grande
quantidade de tempo. Essa é uma questão central para o planejamento
de ensino e para a seleção de conteúdos, problemáticas
importantíssimas para pensar mos sobre as dificuldades de
aprendizagem e sua superação.
Por fim, destacamos que análises do desenvolvimento
conceitual – e da formação de sistema de significados – em pesquisas
que visem compreender as idéias de estudantes de Ciências podem
contribuir muito para a ampliação do conhecimento sobre
aprendizagem de conceitos científicos. No caso daqueles relacionados
à teoria da evolução das espécies, central dentro das Ciências Naturais,
essa análise parece ser particularmente relevante. Principalmente, pela
98
Douglas Verrangia Correa da Silva
constatação em tantos trabalhos, inclusive neste, da complexidade
da elaboração de procedimentos de ensino capazes de superar
dificuldades de aprendizagem apresentadas por estudantes sobre
essa teoria.
Referências bibliográficas
AULT JÚNIOR., C.; NOVAK, J. D.; GOWIN, B. Constructing vee
mapsfor clinical interviews on molecular concepts. Science
Education, v. 68, n. 4, p. 441-462, 1984.
BISHOP, B. A.; ANDERSON, C. W. Evolution by natural selection:
A teaching module. Ocasional paper. East Lansing, MI: Institute
for Research on Teaching, n. 91, Michigan State University, 1985.
______. Studentes conceptions of natural selection and its role in
evolution. Journal of Research in Science Teaching, v. 27, n. 5,
p. 415-427, 1990.
BIZZO, Nélio. O ensino de evolução. 1996. Tese (Doutorado em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1996.
BRUMBY, M. N. Misconceptions about the concept of natural
selection by medical biology students. Science Education, v. 68, n.
4, p. 493-503, 1984.
DEADMAN, J. A.; KELLY, P. J. What do secundary school boys
understand about evolution and heredity before they are taught the
topics? Journal of biological education, 12, p. 7-15, 1978.
DEMASTES, S. S.; SETTLAGE JÚNIOR, J.; GOOD, R. G. Student’s
conceptions of natural selection and it’s role in Evolution: cases of
replication and comparison. Journal of research in science
teaching, v. 32, n. 5, p. 535-550, 1995.
DEMASTES, S. S.; GOOD, R. G.; PEEBLES, P. Patterns of
conceptual change in evolution. Journal of research in science
teaching, v. 33, n. 4, p. 407-431, 1996.
Análise do desenvolvimento de conceitos científicos sobre a teoria da evolução...
99
FERRARI, M.; CHI, T. H. The nature of naive explanation of natural
selection. International Journal of Science Education, v. 20, n.
10, p. 1231-1256, 1998.
FERREIRA, M. A. et. al. O jogo didático como potencializador da
formação dos professores de ciências biológicas. In: ENCONTRO
PERSPECTIVAS DO ENSINO DE BIOLOGIA, 6., 2000, São
Paulo. Coletânea de trabalhos do..., São Paulo: Instituto de
Biociências, USP, 2000.
FRANÇA, G. S.; MARTINS, C. M. C. O jogo como recurso na
compreensão dos termos botânicos e das relações do vegetal com o
ambiente. In: ENCONTRO PERSPECTIVAS DO ENSINO DE
BIOLOGIA, 6., 2000, São Paulo. Coletânea de trabalhos do..., São
Paulo: Instituto de Biociências, USP, 2000.
GIORDAN, A.; VECCHI, G. de. As origens do saber: das
concepções dos aprendentes aos conceitos científicos. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996.
LAWSON, A. E.; THOMPSON, L. D. Formal reasoning ability and
misconceptions concerning genetics and natural selection. Journal
of research in science teaching, v. 25, n. 9, p. 733-743, 1988.
LAWSON, A., E.; WESER, J. The rejection of nonbeliefs about life:
effects of instruction and reasoning skills. Journal of research in
science teaching, v. 27, n. 6, p. 589-606, 1990.
MAZZEU, F. J. C. A produção e o uso de materiais didáticos:
algumas considerações, [19—?]. Não publicado.
PETROVSKI, A. Psicologia general. Madri: Editorial Progresso,
1980.
RATHS, L. E. et al. Ensinar a pensar. São Paulo: EPU, 1977.
ROGAN, J. M. Development of a conceptual framework of heat.
Science Education, v. 72, n. 1, p. 103-113, 1988.
SILVA, D. V. C. da; RIBEIRO, José Pedro Nepomuceno. Elaboração
de um instrumento de ensino de evolução: Tupec e Iscam Nam. In:
100
Douglas Verrangia Correa da Silva
CONGRESSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UFSCAR, 2001, São
Carlos, Anais... São Carlos: UFSCar, 2001. p. 20-24.
SILVA, D. V. C. da. Análise do desenvolvimento de conceitos
científicos sobre a teoria da evolução das espécies em alunos
do ensino médio. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2004.
SILVA, D. V. C. da. Desenvolvimento de conceitos científicos: uma
reflexão sobre teoria, aprendizagem e prática docente na perspectiva
vygotskiana. In: ENCONTRO REGIONAL DO ICET –
INTERNATIONAL COUNCIL ON EDUCATION FOR
TEACHING, 2005, São Carlos. Anais…São Carlos: EDUFScar,
2005. 1 CD-ROM.
TUDGE, J. Vygotsky, a zona de desenvolvimento proximal e a
colaboração entre pares: implicações para a prática em sala de aula.
IN: MOLL, L. C. Vygotsky e a Educação: implicações pedagógicas
da psicologia sócio-histórica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
VLAARDINGERBROEK, B.; ROEDERER, C. J. Evolution
Education in Papua New Guinea: trainee teachers’ views.
Educational Studies, v. 23, n. 3, p. 363-375, 1997.
VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas: Tomo II. Madri: Visor e MEC,
1993.
ZOUBEIDA, R. D.; BOUJAOUDE, S. Scientific views and religious
beliefs of college students: the case of biological evolution. Journal
of Research in Science Teaching, v. 34, n. 5, p. 429-445, 1997.
Recebido em: 04 de junho de 2007 (1ª versão)
Aprovado em: 13 de setembro de 2007 (2ª versão)
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma
breve revisão de literatura em psicologia
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro *
Débora Cristina Piotto **
Resumo: Partindo de pesquisas que mostram como muitas das dificuldades
atribuídas às crianças pobres são produtos do sistema de ensino, buscou-se
verificar quais as concepções de dificuldades de aprendizagem presentes em
pesquisas sobre o tema, discutindo suas implicações para a área educacional.
Selecionamos e analisamos dezesseis artigos, publicados entre os anos 2000 e
2004 por um programa de pós-graduação em Psicologia, organizando-os em
cinco categorias. Doze artigos mostraram conceber as dificuldades de
aprendizagem como um problema individual, propondo para seu enfrentamento
programas de assistência psicológica. Apenas uma categoria apresentou uma
visão de dificuldades de aprendizagem focalizada no contexto de aprendizagem.
Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Aluno. Escola.
* Graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto/Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected]
** Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de
Psicologia da USP. Educadora do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto/Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 101-126
2007
102
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
Learning or teaching difficulties? A brief review of psychology studies
Abstract: Starting of researches that showed how many of difficulties lays for
the poor children are products of education system, this research looked to
check what the conceptions of difficulties of learning present in researches
that deal with the subject, discussing their implications for the area of the
education. We selected sixteen articles about the subject publicized between
2000 and 2004 in one program of pos-graduation in Psychology and organized
them in five categories. Twelve articles think the difficulties of learning as one
individual problem, suggesting programs of psychology assistance for the
diagnosis and the facing of theses difficulties. Only one category has one view
about difficulties of learning focused in context of learning.
Key-words: Difficulties of learning. Student. School.
Introdução
Várias pesquisas em Psicologia e em Educação vêm estudando
as chamadas dificuldades de aprendizagem, como, na verdade,
problemas de escolarização. Esses estudos discutem os chamados
problemas de aprendizagem e as questões relacionadas ao tema,
contextualizando o papel do sistema escolar na produção de tais
problemas, questionando concepções e teorias que atribuem à criança
pobre e à sua família a responsabilidade por dificuldades enfrentadas
no processo de ensino-aprendizagem.
No início do século XX, nas décadas de vinte e trinta, o
pensamento predominante em relação aos chamados problemas de
aprendizagem era baseado em um discurso preconceituoso, sobretudo
em relação aos negros e aos pobres, ao afirmar que esses não
aprendiam devido a fatores como raça e classe social (PATTO, 1990).
Essas idéias, presentes ainda hoje em discursos de alguns profissionais
tanto dentro da escola quanto em consultórios psicológicos, tiveram
origem em meio a teorias de grande prestígio na Europa no século
XIX, como o darwinismo social, o evolucionismo e o positivismo.
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
103
As idéias de ordem social e neutralidade científica provenientes
dessas teorias foram transpostas para a Psicologia, surgindo, assim, a
Psicologia Científica, e mais especificamente a Psicometria, que
buscava analisar as “aptidões naturais” dos indivíduos e seus padrões
de normalidade. Pretendia-se conhecer a natureza humana, medindo,
diagnosticando e rotulando para identificar e controlar os indivíduos
que fugiriam à “normalidade” psíquica.
Em outro momento, no Brasil, após os anos cinqüenta do século
XX, as explicações para as dificuldades de aprendizagem, baseadas
nas teorias de raça e de hereditariedade, perderam espaço, surgindo
teorias que passaram a focalizar a origem de tais dificuldades nos
fatores ambientais, de acordo com o meio em que a criança vivia.
Nesse sentido, a criança com dificuldades de aprendizagem deixou
de ser vista, através das teorias raciais, como possuidora de
deficiências em sua condição natural, passando a ser compreendida a
partir de influências ambientais que repercutiriam não só em seu
desenvolvimento, mas também em sua personalidade.
Surge, assim, uma tendência à psicologização das dificuldades
de aprendizagem e os testes psicométricos foram apresentando-se
com mais peso, à medida que diagnosticavam as crianças com
dificuldades a partir de características pessoais, psicológicas e do
ambiente familiar (PATTO, 2000). Essas idéias, que explicavam as
chamadas dificuldades de aprendizagem em virtude de deficiências
culturais, atingiram seu ápice na Psicologia a partir da elaboração,
nos anos sessenta do século XX, da “Teoria da Carência Cultural”,
que chegou ao Brasil um pouco depois, em meados dos anos setenta.
Essa teoria, baseada em princípios ambientalistas de desenvolvimento
humano, explica as dificuldades das crianças pobres em função de
uma carência ou uma deficiência de cultura. Sendo assim, as crianças
teriam mais dificuldades em seu desenvolvimento físico, psicológico
e cognitivo, devido a uma “falta” de cultura.
A partir dos anos de 1980, começam a surgir várias pesquisas
que propõem mudar o eixo da discussão, e que, partindo de uma visão
104
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
crítica de sociedade, passam a questionar essas explicações e a apontar
e discutir a participação da escola na produção das chamadas
dificuldades de aprendizagem, nomeadas, mais genericamente, de
fracasso escolar.
Pesquisas como as de Patto (1990, 1997, 2005), Souza (1997,
2002), Collares e Moysés (1992, 1996) são alguns exemplos de estudos
que discutem a influência das instituições escolares na produção do
fracasso escolar, e ao discutirem tal influência, mostram, partindo
das reais condições das escolas públicas brasileiras, como muitas das
dificuldades atribuídas às crianças são, na verdade, produto do sistema
de ensino.
Objetivos
Partindo desses estudos, das questões anteriormente expostas
e do entendimento de que muitas das dificuldades atribuídas às
crianças são produzidas no interior do sistema de ensino, o presente
artigo tem como objetivo discutir as concepções de dificuldades de
aprendizagem presentes em pesquisas realizadas por profissionais da
área de Psicologia. Mais especificamente, o objetivo da pesquisa é
analisar tais concepções e discutir suas implicações para a área
educacional.
Metodologia
A realização do presente trabalho baseou-se em uma análise
documental. Foi feito levantamento bibliográfico de artigos que
tratassem do tema das dificuldades de aprendizagem publicados em
anais de um programa de pós-graduação em Psicologia de uma
universidade pública, entre os anos de 2000 e 2004. Escolhemos
analisar pesquisas publicadas por mestrandos e doutorandos na área
da Psicologia para termos exemplos de como os psicólogos têm
produzido conhecimento na sua interface com a Educação.
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
105
A escolha dos artigos ocorreu através da seleção de palavraschaves relacionadas ao assunto em questão. A partir disso, foram lidos
os resumos dos artigos disponíveis e selecionados os que tratavam,
de alguma forma, do tema dificuldades de aprendizagem. Foram
encontrados dezesseis artigos. Posteriormente, realizamos leituras e
re-leituras dos artigos, bem como a análise de cada um deles. Feito
isso, organizamos os dezesseis artigos em cinco categorias, agrupandoos de acordo com assuntos específicos abordados em cada um deles.
As categorias organizadas foram: Avaliação Assistida, Auto-conceito
e Aspectos Motivacionais, Aspectos Emocionais e Comportamentais,
Comportamento e Ambiente Familiar e Família. A divisão dos artigos
analisados nessas categorias pretendeu facilitar ao leitor o
acompanhamento da discussão empreendida.
A seguir, apresentaremos resumidamente cada pesquisa bem
como algumas reflexões para cada categoria.
RESULTADOS
A avaliação das dificuldades de aprendizagem
Na primeira categoria – Avaliação Assistida – temos três
artigos que trataram desse tipo de avaliação. O primeiro artigo teve
como objetivo a verificação da relação dos aspectos do funcionamento
cognitivo (que foi avaliado com a combinação da avaliação
psicométrica tradicional e da avaliação cognitiva assistida) com o
desempenho escolar em leitura e escrita de crianças na 1ª série.
Os sujeitos da pesquisa foram 56 crianças (29 meninas e 27
meninos) ingressantes na 1ª série do ensino fundamental, com idade
média de sete anos, de uma escola pública estadual de uma cidade do
interior de São Paulo. O artigo não mencionou se as crianças possuíam
ou não dificuldades de aprendizagem. A pesquisa buscou a
compreensão do desempenho acadêmico dos alunos através da
aplicação das avaliações assistida e psicométrica.
106
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
A pesquisa concluiu que a avaliação assistida pareceu não ter
poder de predição na amostra de escolares com bom desempenho
acadêmico, mas se mostrou sensível em detectar as crianças que
apresentam desempenho acadêmico insatisfatório. Tentou-se
estabelecer no artigo uma causalidade para o fato das crianças irem
mal na escola em função de possuírem problemas cognitivos,
detectados através da avaliação assistida.
O segundo artigo da mesma categoria apresentou uma pesquisa
que objetivou, através de procedimentos de avaliações combinados,
identificar indicadores de potencial cognitivo em um grupo de crianças
que foram encaminhadas para atendimento psicológico, devido a
queixas de dificuldades de aprendizagem escolar. As crianças
participantes da pesquisa foram 20 alunos de 1ª a 4ª série de uma escola
pública de uma cidade no interior de São Paulo, com idade entre oito e
onze anos, sendo a maioria meninos (doze meninos e oito meninas).
A pesquisa concluiu que a avaliação assistida melhora o
desempenho das crianças devido à assistência presente nesse tipo de
procedimento. Além disso, a pesquisa afirmou também que, mesmo
depois da suspensão da assistência, muitas crianças continuaram com
o mesmo bom desempenho de antes da suspensão da ajuda.
O terceiro e último artigo da categoria Avaliação Assistida
teve como objetivo avaliar os aspectos do funcionamento cognitivo
de crianças que foram encaminhadas para atendimento psicológico a
unidades de saúde, apresentando queixas de dificuldades de
aprendizagem.
Da amostra participaram 34 crianças entre oito e onze anos,
encaminhadas para atendimento psicológico a um ambulatório de
saúde mental, com queixa de dificuldades de aprendizagem, e sem
problemas neurológico, psiquiátrico ou genético. Essas crianças
cursavam de 1ª a 4ª série e 82% eram alunos de escolas públicas.
A avaliação assistida se mostrou, segundo os autores, um
procedimento de avaliação cognitiva bastante eficiente, dinâmico e
interativo, pois ao “otimizar” a situação de avaliação, acredita-se que
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
107
as crianças possam evoluir em suas estratégias de resolução de
problemas. Nesse sentido, concluiu-se que a presença de assistência
pode auxiliar a revelar recursos potenciais de aprendizagem da criança.
Os resultados apontaram que o grupo de crianças pesquisado era
bastante heterogêneo do ponto de vista cognitivo.
Na categoria Avaliação Assistida, os artigos, ao discutirem
sobre as dificuldades de aprendizagem, a definiram como um problema
individual, quando afirmaram, por exemplo, que a partir da avaliação
assistida pode-se detectar o nível intelectual das crianças. Em
contrapartida à localização das dificuldades no âmbito individual, as
pesquisas analisadas, ao proporem um meio de avaliar as crianças
com tais queixas, ressaltam a importância da avaliação assistida –
que conta com a assistência do examinador. Analisando os artigos
dessa categoria, percebemos que a concepção de dificuldades de
aprendizagem tem como foco a criança. De um modo geral, as
pesquisas apresentadas procuraram estabelecer uma relação entre
desempenho escolar ruim e problemas cognitivos.
Consideramos importante refletir sobre o significado da
centralidade que a assistência assumiu nas pesquisas apresentadas,
sobretudo quando se trata de pensar a relação da psicologia com a
área educacional. A necessidade de ajuda para realizar os testes e a
melhora no desempenho, por parte das crianças quando auxiliadas,
problematizam o entendimento das dificuldades de aprendizagem
como algo individual, sem levar em conta o contexto do processo
ensino-aprendizagem, no caso, sem considerar o que se passa na escola
e que poderia, pelo menos, estar contribuindo para essas dificuldades.
Auto-Conceituação e Dificuldades de Aprendizagem
A segunda categoria definida para análise dos artigos foi AutoConceito e Aspectos Motivacionais, com quatro artigos.
O primeiro artigo dessa categoria objetivou avaliar o autoconceito de crianças que possuíam e que não possuíam dificuldades
108
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
escolares no momento em que estavam cursando as séries iniciais da
escolarização formal. Os participantes da pesquisa foram 60 crianças
(30 meninas e 30 meninos), dos sete aos dez anos, alunos de 1ª a 4ª
série de uma escola pública do interior de Minas Gerais. As crianças
foram divididas em três grupos: G1 – 20 crianças com dificuldades
escolares que freqüentavam, além do ensino regular, o programa de
Ensino Alternativo1; G2 – 20 crianças com dificuldades escolares
que freqüentavam apenas o ensino regular e G3 – 20 crianças sem
dificuldades escolares que freqüentavam o ensino regular com bom
rendimento.
Como resultados observou-se que as crianças com dificuldades
escolares que freqüentavam, além do ensino regular, o programa de
Ensino Alternativo, não apresentaram escore de auto-conceito
diferente das crianças com dificuldades de aprendizagem que não
freqüentavam esse programa.
O segundo artigo que integra essa mesma categoria teve como
objetivo investigar as atribuições de causalidade de alunos do ensino
fundamental para situações de fracasso escolar. Os participantes dessa
pesquisa foram 40 crianças entre oito e treze anos, alunos da 3ª série
de escolas públicas de uma cidade no interior de São Paulo, de ambos
os sexos. Metade desses alunos foi classificada, segundo avaliação
dos professores, como apresentando alto desempenho acadêmico e a
outra metade com baixo desempenho acadêmico.
Foi realizada uma Entrevista de Atribuição de Causalidade com
cada criança. Nessa entrevista foram apresentadas três histórias
cotidianas da escola sobre fracasso em atividades acadêmicas e os
alunos deveriam imaginar que essas histórias eram referentes a si
mesmos, analisando as possíveis causas responsáveis pelo mau
desempenho.
1
Programa implantado na cidade de Uberaba-MG para alunos com problemas de
aprendizagem já constatados e selecionados através de um diagnóstico psicopedagógico,
cujos resultados determinam a prioridade com que as vagas disponíveis serão preenchidas.
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
109
Foi apontada nos resultados a predominância da explicação “falta
de esforço” para o fracasso escolar; as atribuições “não sei” e “não prestar
atenção” ficaram em segundo lugar. Os resultados apontaram uma
tendência à internalização do sucesso e do fracasso, visto que as crianças
atribuíram a si mesmas a responsabilidade pelo desempenho acadêmico.
O terceiro artigo da categoria Auto-conceito e Aspectos
Motivacionais teve como objetivo caracterizar a maneira como as
crianças com dificuldades de aprendizagem se comportam em relação
à produtividade, recursos, manifestações afetivas e comportamento,
diante de uma situação de observação orientada para aprendizagem.
Para tanto, comparou-se dois grupos de crianças – com e sem
dificuldades de aprendizagem – analisando se com o auxílio de um
programa de suporte psicopedagógico as crianças com dificuldades
escolares alteravam seu perfil de produção e comportamento.
Os participantes foram 50 crianças, de ambos os sexos, de oito
a doze anos, alunos de 1ª a 4ª série de 20 escolas da rede pública de
uma cidade no interior de São Paulo, com nível intelectual médio
inferior, distribuídas em dois grupos: G1 – 24 crianças encaminhadas
a um ambulatório de saúde mental com queixa de dificuldades de
aprendizagem e atendidas em programa de suporte psicopedagógico
de curta duração; G2 – 26 crianças com bom desempenho acadêmico
que freqüentavam um Centro de Atendimento Integral a crianças e
adolescentes. Foram realizadas avaliações de diversas categorias e
testes de desempenho escolar.
Como resultados, o artigo apontou que as crianças com queixa
de dificuldades de aprendizagem apresentaram desempenho menos
favorável do que as crianças com bom rendimento escolar, em todas
as categorias, com exceção da categoria Produtividade, na qual as
crianças do G1 (com queixas de dificuldades de aprendizagem)
apresentaram rendimento equivalente às crianças com bom
rendimento. Esse dado, apesar de contrário às expectativas dos
pesquisadores, demonstrou que mesmo com menos disponibilidade
de recursos, e estando mais suscetíveis a influências emocionais
110
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
negativas, as crianças com queixa de dificuldades de aprendizagem
produziram e se comportaram de forma equivalente às outras crianças,
demonstrando esforço para realizar as atividades.
Com relação ao suporte psicopedagógico, os resultados
apontaram que ele não produziu mudanças no padrão de produção e
comportamento das crianças que compunham o G1; no entanto,
auxiliou como um “catalisador” da possibilidade de aprendizagem,
mantendo a motivação e favorecendo a produtividade escolar futura
para as crianças com dificuldades de aprendizagem.
O quarto e último artigo da categoria Auto-Conceito e Aspectos
Motivacionais buscou investigar em crianças atendidas em uma clínica
psicológica, em razão de dificuldades escolares, associações entre os
recursos de sociabilidade, averiguados a partir de relatos das mães na
época do atendimento, e características de comportamento, desempenho
escolar e auto-percepções, avaliadas pelo menos um ano após a alta
clínica, dados esses obtidos a partir de um estudo de seguimento.
Os participantes da pesquisa foram 48 crianças, todas
encaminhadas a um ambulatório de saúde mental por queixa de
dificuldades de aprendizagem, com idade entre dez e quinze anos (o
estudo foi realizado um a dois anos após a alta). Foram realizadas
também entrevistas com a mãe ou responsável, avaliações de autoconceito e testes de desempenho escolar.
Analisou-se os resultados de acordo com os indicadores de
recursos (obediência a regras e normas, fácil relacionamento com
adultos, fácil relacionamento com crianças) e dificuldades
(desobediência a regras e normas, dificuldade para relacionamento,
tendência a agressividade) relativos à sociabilidade. Foram formados
três grupos, a partir de relatos das mães das crianças: G1 – 17 crianças
com recursos de sociabilidade (apresentaram todos os indicadores de
recursos e nenhum de dificuldade); G2 – 15 crianças com dificuldades
nas relações interpessoais (apresentaram todos os indicadores de
dificuldade e nenhum de recurso) e G3 – 16 crianças que não
alcançaram os critérios de inclusão nos grupos 1 e 2.
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
111
O trabalho mostrou que as crianças do G1 demonstraram
melhor adaptação psicossocial nos aspectos comportamentais e nas
auto-percepções em comparação com as crianças com dificuldades
nas relações interpessoais. Concluiu-se, a partir disso, que a percepção
das mães em relação aos filhos (sobre ter dificuldades ou recursos
para sociabilidade) interferia em como a criança se percebia
posteriormente. Desse modo, quanto mais positivos eram os
sentimentos ou as crenças dos pais em relação aos filhos, melhores as
auto-percepções desses.
A concepção de dificuldades de aprendizagem presente na
categoria Auto-Conceito e Aspectos Motivacionais esteve ligada
ao auto-conceito, ou seja, as crianças com auto-conceito positivo
foram apontadas como tendo melhor motivação, o que, por sua vez,
favoreceu o desempenho acadêmico, enquanto as crianças com autoestima baixa foram descritas como podendo desenvolver dificuldades
na aprendizagem, principalmente no início do ensino fundamental.
O primeiro artigo dessa categoria afirmou que a família e a
escola contribuem para a formação das auto-percepções, no entanto
não há referências a quais seriam tais influências nem como elas se
dariam. A pesquisa também ressaltou a importância de programas
especiais de ensino, como “classes especiais” (Programa de Ensino
Alternativo), que algumas crianças com dificuldades de aprendizagem
freqüentavam paralelamente ao ensino regular. No entanto, essa
afirmação não encontra respaldo nos resultados do artigo, visto que
as crianças que não freqüentavam essas classes, obtiveram escores
de auto-percepções parecidos com as crianças que estavam inseridas
naquele programa.
Partindo dessas considerações, parece-nos possível afirmar
que nos artigos que compõem a categoria Auto-Conceito e
Aspectos Motivacionais as dificuldades de aprendizagem são
concebidas como um problema individual da criança, já que tais
dificuldades são entendidas como relacionadas com o auto-conceito
que as crianças possuem.
112
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
Aspectos emocionais e comportamentais das dificuldades de
aprendizagem
Na categoria 3 – Aspectos Emocionais e Comportamentais
– foram analisados três artigos que relacionaram problemas
comportamentais e emocionais ao rendimento escolar.
O primeiro artigo teve como objetivo o estabelecimento de
comparações quanto à existência de problemas de comportamento e
emocionais, entre dois grupos de crianças: um com alto rendimento
acadêmico e outro com baixo rendimento. Os alunos foram avaliados
pelos seus professores quanto ao rendimento acadêmico, em uma
escala de 1 (baixo rendimento) a 10 (alto rendimento). A partir dessa
escala foram sorteadas 20 crianças classificadas entre um e dois, para
comporem o grupo com baixo rendimento, e 20 crianças classificadas
entre nove e dez para o grupo de alto rendimento. Além dessa
avaliação realizada pelo professor, foram aplicados testes e avaliações
com os alunos referentes a rendimento escolar e comportamento.
A pesquisa concluiu que as crianças com baixo rendimento
escolar têm grande tendência a problemas emocionais/
comportamentais (como problemas de externalização, de atenção,
concentração e dificuldades de fala) em comparação com as crianças
com alto rendimento escolar. A partir disso, afirmou-se que as
dificuldades de aprendizagem estão relacionadas a problemas
emocionais/comportamentais.
Os autores apontaram, ainda, que o professor é uma importante
fonte de informação sobre o comportamento e o desempenho escolar
das crianças, mas enfatizaram também que existe uma grande
necessidade de implementações de programas de assistência externas/
extra-escolares às crianças com dificuldades de aprendizagem.
O segundo artigo da mesma categoria teve como objetivo
caracterizar crianças com baixo rendimento escolar quanto ao nível
intelectual, desempenho em leitura e escrita e problemas sócioemocionais.
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
113
Para isso, foi realizado um estudo do qual participaram 91
crianças (73 meninos e 18 meninas) de 1ª a 4ª série, entre sete e onze
anos, de escolas públicas, que foram encaminhadas para o serviço de
psicopedagogia de um ambulatório de saúde mental. Foram realizadas
duas sessões individuais de testes com as crianças para avaliar o nível
intelectual e os problemas comportamentais.
Os resultados indicaram que: 72% das crianças avaliadas
apresentaram capacidade intelectual média ou acima da média, 84%
apresentaram desempenho no teste de desempenho escolar
classificado como inferior em relação à série, 75% apresentaram
dificuldades relacionadas a não tomar iniciativa e a não conseguir
realizar tarefa sem ajuda e 68% apresentaram problemas de
comportamento que foram julgados como problemas
comportamentais clínicos.
Esses resultados levaram os autores a concluírem que a
capacidade cognitiva pareceu não predispor a um desempenho escolar
adequado e que o desempenho acadêmico não satisfatório esteve mais
associado a dificuldades comportamentais.
O terceiro e último artigo da categoria Aspectos Emocionais
e Comportamentais objetivou comparar o desempenho escolar e o
comportamento de crianças com diferentes níveis intelectuais, que
estavam cursando as três primeiras séries do ensino fundamental. A
pesquisa contou com 40 crianças entre seis e sete anos, de uma escola
da rede estadual de uma cidade no interior de São Paulo. Foram
formados dois grupos, um com baixo e outro com alto percentil nos
Testes de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. Foram utilizados
como procedimentos de coleta de dados, avaliações individuais com
as crianças e questionários com professores e pais.
Os resultados apontaram que, em todas as modalidades de
testes aplicados, as crianças que faziam parte do grupo com baixo
percentil no Raven, ou seja, com menor nível intelectual,
demonstraram menor rendimento e também mais problemas
comportamentais. Para os autores, o desempenho escolar ruim é um
fator de risco para o desenvolvimento da criança.
114
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
Tanto os pais quanto os professores relataram poucos problemas
de comportamento em relação a ambos os grupos; todavia o grupo
de crianças com baixo rendimento escolar apresentou mais problemas
desse tipo.
Um ponto a ser destacado na categoria Aspectos Emocionais
e Comportamentais é a afirmação de que crianças com baixo
rendimento escolar possuem tendência a desenvolverem problemas
comportamentais, associando dificuldades de aprendizagem a esses
problemas. Assim, novamente, as dificuldades de aprendizagem são
consideradas como dificuldades individuais, na medida em que se
consideram essas dificuldades associadas a problemas
comportamentais e emocionais apresentados pelo aluno.
Os problemas comportamentais são concebidos, nas pesquisas
que integram essa categoria, como possíveis conseqüências do baixo
rendimento escolar, já que a maior parte delas compartilha o
entendimento de que as dificuldades de aprendizagem são produtoras
de comportamentos não adequados.
A relação entre comportamento e dificuldades de aprendizagem
A categoria 4 – Comportamento e Ambiente Familiar – é
composta por três artigos. O primeiro teve como objetivo a
investigação da associação entre problemas comportamentais e
ambiente familiar, em crianças com queixas de baixo desempenho
escolar. Participaram da pesquisa 67 crianças entre oito e doze anos
que freqüentavam a 1ª, a 2ª e a 3ª séries do ensino fundamental e que
foram encaminhadas por escolas públicas a um ambulatório de saúde
mental, em virtude de dificuldades de aprendizagem.
Foram utilizados procedimentos de avaliações e entrevistas
sobre o ambiente familiar e o comportamento das crianças e, a partir
dos resultados, foram formados dois grupos, um composto por 30
crianças (19 meninos e 11 meninas) com dificuldades de aprendizagem
e sem problemas comportamentais e outro grupo com 37 crianças
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
115
(29 meninos e 8 meninas) com dificuldades de aprendizagem e com
problemas de comportamento.
Os problemas comportamentais foram apontados no artigo
como fatores de risco pessoal e as características do ambiente
familiar, como possíveis recursos, fatores de proteção ou de risco
para o desenvolvimento da criança. As dificuldades de aprendizagem
foram apresentadas como condição de vulnerabilidade psicossocial
da criança ao longo de seu desenvolvimento, ocorrendo em
decorrência de características individuais da criança, fatores
familiares, escolares ou sociais.
De acordo com os resultados da pesquisa, as crianças do
primeiro grupo (com dificuldades de aprendizagem e sem problemas
comportamentais) dispunham em seus ambientes familiares de maior
variedade de materiais educacionais e de pais mais presentes nos
momentos das brincadeiras e estudos, do que o outro grupo. Os autores
concluíram, assim, que as crianças do primeiro grupo viviam em um
lar mais “coeso e harmonioso”, o que constituiu, segundo eles, um
fator de proteção que favoreceu a adaptação das crianças.
O segundo artigo da mesma categoria objetivou comparar as
habilidades sociais e educativas de diferentes grupos de pais. Foram
comparados dois grupos: um com pais e mães de crianças com
problemas de comportamento e outro com pais e mães de crianças
com indicativos escolares de comportamento socialmente habilidosos.
Com isso, pretendeu-se melhor compreender as relações entre as
práticas educativas dos pais e o comportamento dos filhos.
Participaram da pesquisa 96 pais de crianças com idade entre
cinco e sete anos, que freqüentavam 13 escolas de educação infantil
da rede municipal de uma cidade no interior de São Paulo. Os
professores das crianças também participaram da pesquisa ao
indicarem as crianças com problemas de comportamento e as com
comportamento socialmente adequado. Os dados foram coletados
nas residências das famílias, e as variáveis consideradas foram
habilidades sociais educativas parentais, variáveis de contexto e
repertório comportamental de crianças.
116
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
O artigo apontou que os pais de crianças sem problemas
comportamentais possuíam habilidades sociais, educativas, parentais
e conjugais em maior proporção que o grupo de pais de filhos com
problemas de comportamento. Nesse sentido, a pesquisa afirmou que
as crianças com indicativos de problemas comportamentais
(apontados pelas avaliações realizadas) corresponderam às indicações
escolares no que diz respeito à existência de maiores indicativos de
problemas de comportamento, problemas esses relacionados com as
habilidades parentais.
O terceiro e último artigo da categoria Comportamento e
Ambiente Familiar teve como objetivo investigar influências de
características pessoais das crianças e do ambiente familiar no
momento de transição (início da 1ª série) da criança para o ensino
fundamental. A pesquisa foi realizada em duas escolas municipais de
ensino fundamental de uma cidade no interior de São Paulo e
participaram 70 crianças com idade entre seis e oito anos. Essas
crianças estavam freqüentando pela primeira vez a 1ª série do ensino
fundamental.
As crianças avaliadas pelas professoras como competentes
socialmente obtiveram melhores resultados na prova de desempenho
escolar e menos índices de stress. De acordo com o artigo, esses
resultados apontaram para o fato de que crianças vistas como
competentes possuem melhores condições de enfrentamento dos
desafios durante o período de transição para o ensino fundamental.
Os resultados indicaram que as características de
vulnerabilidade pessoal e as adversidades do ambiente familiar
influenciaram no desenvolvimento da criança, assim como no
momento de enfrentamento de desafios, como a entrada no ensino
fundamental. Assim, tais características e adversidades estão, de
acordo com a pesquisa, diretamente relacionadas com problemas
comportamentais e acadêmicos e com a competência social da criança.
Nesse sentido, as crianças que tinham, em seu ambiente familiar e
em suas características pessoais, recursos para o ajustamento escolar,
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
117
competência social e consciência fonológica ao ingressarem na 1ª série,
apresentaram melhores resultados no período da transição.
Os artigos da categoria Comportamento e Ambiente Familiar
destacaram o desempenho escolar e os problemas comportamentais/
emocionais como dependentes das características do ambiente familiar,
argumentando que as dificuldades de aprendizagem podem ser evitadas
ou amenizadas a partir de recursos do ambiente familiar, escolar e social.
Foi consenso nos artigos a afirmação de que o ambiente familiar,
além das características individuais, influencia o desenvolvimento
infantil, assim como seu desempenho acadêmico e comportamento.
Dessa forma, pode-se afirmar, de forma geral, que os artigos
integrantes dessa categoria associaram as dificuldades de
aprendizagem às influências que o ambiente familiar exerce na criança.
As dificuldades de aprendizagem e a família
Na última categoria, de número 5 – Família – foram analisados
três artigos que trataram da influência da família no desenvolvimento
da criança, relacionando-o com o contexto escolar.
O primeiro artigo teve como objetivo a compreensão da
dinâmica das práticas educativas desenvolvidas nas famílias de
camadas populares e na escola, buscando perceber a influência
dessas práticas no desempenho escolar de crianças do ensino
fundamental. Os participantes foram alunos de três quarta séries.
A pesquisa ressaltou que essas classes foram formadas pela escola,
de acordo com o desempenho dos alunos. Na 4ª série S estavam
os melhores alunos (27), na 4ª série I estavam os alunos com
dificuldades de aprendizagem e problemas de disciplina (20) e na
4ª série F os alunos “fracassados”, que tinham histórico de
reprovação escolar (18).
O artigo destacou o grande número de pesquisas que culpabiliza
as famílias e os alunos pelos resultados escolares negativos, com
argumentos deterministas que atribuem o fracasso escolar às famílias
118
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
e às crianças de camadas populares. Em contrapartida, os autores
argumentaram que existem vários fatores que interferem no processo
de ensino aprendizagem, não sendo a família um fator central, como
muitas vezes é indicada.
A pesquisa realizada conclui que as práticas educativas
desenvolvidas na família e na escola influenciam o desempenho do
educando. Portanto, acreditam os autores que a família, a escola e o
educando devem investir no processo de escolarização para que
existam maiores chances de sucesso escolar.
O segundo artigo da categoria Família teve como objetivo
conhecer como pais percebem a escola e o desempenho escolar dos
filhos, investigando as diferenças nas representações de dois grupos
de pais de alunos, sendo um grupo de filhos com bom rendimento e
outro com rendimento ruim. A partir disso, pretendeu-se também
investigar até que ponto o sucesso e o insucesso escolares são fatores
que influenciam as representações dos pais sobre a escola, buscando
entender como a condição de fracasso contribui para a percepção
geral da escola e do filho.
Os participantes da pesquisa foram pais de “classe média baixa”
residentes em um bairro de periferia de um município no interior de
São Paulo com nível escolar diversificado (a maioria possuía o ensino
fundamental incompleto). Os critérios utilizados para a escolha dos
pais foram análises do histórico escolar dos alunos de cada série do
ano anterior ao do início da pesquisa, do 1º bimestre do referido ano
e classificação dos alunos pelo professor de cada série. Foram
selecionados 32 pais, sendo 16 pais de alunos com desempenho escolar
classificado como sucesso e 16 pais de alunos com insucesso escolar.
Os pais de alunos com sucesso escolar relataram que os filhos
tiveram uma trajetória de escolarização bem sucedida e se disseram
presentes com relação ao auxílio nas tarefas. No caso dos alunos com
insucesso escolar, seus pais relataram situações insatisfatórias na
história escolar dos filhos, como, por exemplo, um início de experiência
escolar marcado por dificuldades acadêmicas. As queixas desses pais
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
119
foram desde problemas com a adaptação dos filhos até o fato de eles
não conseguirem aprender. Apesar do interesse dos pais pela vida
escolar dos filhos, foi apontado pelos autores que isso não garante
que os filhos apresentem bom rendimento acadêmico. Dessa forma,
os pais de alunos com insucesso sabiam que o filho não possuía bom
rendimento escolar e gostariam de mudar algo na instituição; todavia,
esses mesmos pais afirmaram que a causa dos problemas enfrentados
está na criança e não na escola. Foi observado pelos autores que
esses pais pareciam se sentir discriminados pela escola pelo fato de
seus filhos apresentarem insucesso acadêmico. A partir desses
resultados, os autores concluíram que a percepção da escola para os
pais de alunos com sucesso e insucesso difere em função do
desempenho escolar dos filhos.
O terceiro e último artigo da categoria Família buscou
investigar a relação família-escola a partir das representações e
vivências de pais de alunos, tentando conhecer o contexto escolar,
os agentes escolares, além de compreender o contexto social e
histórico das famílias participantes, para assim compreender como se
dava a relação família-escola para esses pais. Os participantes foram
agentes escolares de uma escola pública estadual de uma cidade no
interior de São Paulo e pais de alunos de 3ª e 4ª séries, selecionados a
partir de um questionário respondido pelos professores (que indicava
quais pais cumprem ou não o que deles é esperado pela escola).
O artigo relatou que existe por parte da escola uma grande
responsabilização das famílias pelas dificuldades do aluno, e que os
discursos escolares sobre a família são embutidos de pensamentos
estereotipados e preconceituosos, o que gera certa exclusão dessa
pela escola, contribuindo para uma comunicação ineficaz entre ambas.
A partir da análise dos documentos da escola, os autores
perceberam que a relação com a família está baseada nos deveres dos
pais e nos discursos de famílias deficitárias, com ênfase nos pais que
não cumprem o que lhes é designado. Já em relação aos pais, a pesquisa
apontou que a maioria deles acredita que os professores e a escola são
os responsáveis pelas dificuldades escolares apresentadas pelos filhos.
120
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
De forma geral, os autores concluíram que uma parcela
significativa de pais teve uma postura crítica perante a escola, enquanto
outros se mostraram acríticos ou defensivos.
Na última categoria – Família – estão reunidos artigos que,
embora tenham focalizado suas análises na família, contextualizaram
além do papel delas também o da escola no processo educativo, a
partir de uma visão mais crítica sobre as dificuldades de aprendizagem.
O primeiro artigo ressaltou que na instituição escolar onde
ocorreu a pesquisa são utilizados meios de classificação e divisão de
salas de acordo com o desempenho dos alunos, ou seja, formação de
classes “fortes” e “fracas”, o que para os autores não é positivo, visto
que provoca uma determinação das representações dos alunos, das
posturas das professoras, do conteúdo das aulas e também das
expectativas em relação à aprendizagem das crianças, possibilitando
que a escola deixe de assumir eventuais falhas em suas práticas
pedagógicas, culpabilizando o aluno pelo fracasso escolar.
Essa pesquisa, assim como a apresentada no segundo artigo
dessa mesma categoria, destacou que as práticas educativas
desenvolvidas na família e na escola influenciam no desempenho do
educando, devendo a escola e a família colaborar para um equilíbrio
no desempenho escolar da criança. Foi consenso entre os três artigos
integrantes da categoria Família a idéia de que a participação e o
interesse da família pela vida escolar dos filhos favorece o aprendizado,
mas não garante bom rendimento escolar.
Essa categoria, diferentemente das categorias anteriores, está
composta por artigos que possuem uma visão de dificuldade de
aprendizagem focalizada no contexto da aprendizagem, retirando do
âmbito individual e contextualizando a família e a escola como
possuindo influências no desempenho escolar.
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
121
Considerações finais
Os artigos das quatro primeiras categorias analisadas concebem
as dificuldades de aprendizagem como um problema individual,
propondo para seu diagnóstico e enfrentamento, programas de
assistência psicológica ou outra forma de apoio extra-escolar, não
considerando as condições de produção das referidas dificuldades.
Souza et al., (1993, p. 27) colocam uma pergunta bastante pertinente
em relação a essa questão: “[...] que problemas a criança apresenta na
escola que o simples fato de estar num espaço de uma hora uma vez
por semana com um psicólogo, duas ou três vezes, traga tamanha
mudança em sua atuação escolar ou em seu comportamento?”
Relacionado a essa concepção, está o fato de as pesquisas
apresentadas apoiarem-se, grandemente, em metodologias que têm
como principais instrumentos os testes psicológicos, que avaliam
características individuais da criança. Os testes de inteligência
(conhecidos como testes de QI), através de um suposto conceito de
normalidade psíquica, definem parâmetros aos quais os avaliados,
que nos casos das pesquisas aqui analisadas são crianças, devem se
adequar, avaliando a partir disso o desempenho intelectual delas e
definindo o nível de sua inteligência, de forma a classificá-las com
base nos resultados obtidos. Como salienta Patto (2000, p. 71): “Este
é o ponto da crítica às técnicas de exame psicológico: elas não erram
quando buscam tipos psíquicos; erram quando consideram alguns deles
[...] como paradigmáticos da saúde mental”. Tais testes, baseados em
uma concepção inatista que afirma ser a inteligência um potencial
herdado e imutável perante o ambiente, são utilizados para investigar
se a criança está dentro dos parâmetros que são definidos de acordo
com a idade que ela possui. Assim, como se sabe, esses instrumentos
medem se uma criança possui “inteligência” compatível com o que é
esperado em sua faixa etária, e caso o resultado seja negativo, isso
poderá afetar grandemente sua vida escolar, na medida em que ao se
detectar um “déficit de inteligência”, aquela criança estará sujeita a
122
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
receber um rótulo de “incapaz” ou “incompetente”. Nesse sentido,
Davis e Oliveira (1994, p. 65) afirmam que:
Na escola equiparar a inteligência a uma propriedade inata
significa rotular algumas crianças de “incompetentes” sem
nenhuma base para tal. As conseqüências [...] são desastrosas,
na medida em que se supõe que pouco resta para a escola fazer,
pois, quando se supõe que o desempenho insatisfatório é culpa
das próprias crianças, não se avalia – por não se considerar ser
o foco do problema – a atuação dos professores.
A partir dessas reflexões, pode-se dizer que os testes
psicológicos, muitas vezes, “selam” o destino educacional de crianças
e, ao invés de promoverem melhoras, “rotulam”, de forma
preconceituosa e imprecisa, alunos que não estão obtendo êxito na
aprendizagem (PATTO, 1990). Esse tipo de avaliação deixa de lado
um ponto imprescindível para a compreensão das dificuldades de
aprendizagem, que é a escola, pois ao acreditar que a inteligência é
uma capacidade inata que acompanha os indivíduos desde o
nascimento, exclui-se a contribuição da escola para o desenvolvimento
(ou não) dessa capacidade.
Além da concepção de inteligência em que os testes estão
baseados, é importante refletir também acerca dos procedimentos e
das situações de testagem a que as crianças são submetidas quando
avaliadas, assim como os conteúdos desses instrumentos. Diversos
são os fatores que podem favorecer resultados negativos nas avaliações
que foram utilizadas em grande parte dos artigos aqui analisados,
pois o próprio procedimento de avaliação pode inibir ou atrapalhar o
desempenho da criança avaliada.
A “avaliação científica da atividade intelectual”, como Patto
(2000) chama os testes de inteligência, tem suas bases na concepção
positivista de ciência. Tal concepção, apoiada nos princípios de
neutralidade, objetividade, generalização, racionalidade, fidedignidade
e replicabilidade, defende um modelo único de metodologia de
pesquisa para todos os campos da ciência, incluindo as ciências
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
123
humanas. No entanto, em áreas de pesquisas humanas, como a
Sociologia, a História e a Psicologia, o objeto de análise é o homem,
o que traz certa especificidade para área. Pesquisas na área das ciências
humanas, ao se adequarem aos moldes positivistas, acabam, segundo
(SILVA, 2000) por negar o sujeito da pesquisa enquanto sujeito que é,
fazendo dele um objeto.
As pesquisas realizadas e relatadas nos artigos analisados aqui,
ao estudarem as dificuldades de aprendizagem, cumprem exatamente
aos objetivos aos quais se propuseram. A discussão empreendida no
presente trabalho buscou refletir acerca das repercussões de pesquisas
como essas para a área da Educação em sua interface com a
Psicologia. Assim, por exemplo, ao focalizarem as dificuldades
escolares em questões individuais e familiares da criança, as
pesquisas contribuem para a crença de que a escola pouco pode
fazer para lidar com as dificuldades apresentadas pelas crianças
dentro do ambiente escolar.
É certo que a escola ao encaminhar alunos para avaliações
psicológicas compartilha, muitas vezes, de tais concepções, visto que
ao encaminhar alunos para exames de ordem psicológica a escola
está legitimando tais atitudes e contribuindo para que os
encaminhamentos continuem a ocorrer. Esses encaminhamentos a
consultórios psicológicos e/ou unidades de saúde, por parte da escola,
estão relacionados às fragilidades institucionais do sistema educacional
como um todo, pois muitas vezes buscando saídas para as diversas
dificuldades encontradas no dia-dia da instituição, professores e
demais profissionais escolares buscam nos encaminhamentos “bodes
expiatórios” para a má qualidade do ensino e para as condições de
trabalho que possuem.
A última categoria, diferentemente das quatro demais, está
composta por artigos que possuem uma visão de dificuldade de
aprendizagem focalizada no contexto da aprendizagem, retirando do
âmbito individual e contextualizando a família e a escola como
possuindo influências no desempenho escolar. Diferentemente do que
foi analisado nas anteriores, as pesquisas analisadas nessa categoria
124
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
expõem uma concepção crítica de escola e de sociedade. A metodologia
utilizada nelas constitui-se de procedimentos que propiciaram uma
análise mais ampla de todo o contexto escolar e familiar nos quais a
criança está inserida. Notou-se que os artigos que compuseram a
categoria Família trataram as dificuldades de aprendizagem a partir
do processo de escolarização, ou seja, a partir das relações que se
estabelecem dentro do contexto escolar, considerando que a família
possui grande influência, no entanto não determina, sozinha, o
desempenho escolar de um aluno.
Nesse sentido, concordamos com Souza (2002, p. 192) quando
essa autora afirma que:
A concepção teórica que nos permite analisar o processo de
escolarização e não os problemas de aprendizagem desloca o
eixo das análises do indivíduo para a escola e o conjunto de
relações institucionais, históricas, psicológicas, pedagógicas que
se fazem presentes e constituem o dia-dia escolar. Ou seja, os
aspectos psicológicos são parte do complexo universo da escola,
encontrando-se imbricados nas múltiplas relações que se
estabelecem no processo pedagógico e institucional nele presentes.
Tal concepção rompe com as explicações tradicionais sobre o
fracasso escolar, mudando o foco do olhar de aspectos apenas
psicológicos para a análise do indivíduo e suas relações
institucionais.
No entanto, diferentemente dessa visão e do que os artigos da
categoria Família trouxeram, a maioria das pesquisas analisadas aqui
localizam a causa das chamadas dificuldades de aprendizagem em
características individuais, deixando de lado diversas questões que
são de fundamental importância para a análise dessas dificuldades.
Entres essas questões encontra-se o fato de que existe, e praticamente
sempre existiu, uma política educacional marcada por descasos que
proporciona grandes dificuldades em se garantir qualidade para as
escolas da rede pública, assim como a política salarial que desestimula
os professores. Partindo disso, não se pode deixar de dizer, ao se tratar
de dificuldades de aprendizagem, que na vida diária escolar as
Dificuldades de aprendizagem ou de ensino? Uma breve revisão de literatura...
125
dificuldades encontradas estão relacionadas a práticas e processos
pedagógicos e administrativos que acabam por produzir maiores
dificuldades e que terão reflexos diretos na aprendizagem e no ensino
dos bens culturais que cabe à escola transmitir.
Não obstante, o presente estudo, ao analisar pesquisas recentes
realizadas por psicólogos, indica que tais questões parecem ainda
distantes de serem consideradas por esse profissional na sua prática
investigativa junto à área educacional.
Referências bibliográficas
DAVIS, C; OLIVEIRA, Z. M. R. Psicologia na educação. São Paulo:
Cortez, 1994.
MOYSÉS, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. A história ao contada dos
distúrbios de aprendizagem. Cadernos CEDES, Campinas, n. 28;
São Paulo: Cortez, 1992.
______. Preconceitos no cotidiano escolar: ensino e medicalização.
São Paulo: Cortez; Campinas: Unicamp, 1996.
PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: estórias de
submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
______. Da psicologia do “desprivilegiado” à psicologia do oprimido.
In: ______. Introdução à psicologia escolar. 3. ed. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 1997.
______. Para uma crítica da razão psicométrica. In: ______.
Mutações do cativeiro: escritos de Psicologia e política. São Paulo:
Hacker; Edusp, 2000.
______. Sobre a formação das explicações hegemônicas do fracasso
escolar: o lugar das teorias raciais. In: ______. Exercícios de
indignação: escritos de educação e psicologia. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2005.
SILVA, F. L. Conhecimento e razão instrumental. Psicologia USP,
São Paulo, v. 8, n. 1, 1997.
126
Letícia Fonseca Reis Ferreira de Castro e Débora Cristina Piotto
SOUZA, M. P. R. Problemas de aprendizagem ou problemas de
escolarização? Repensando o cotidiano escolar à luz da perspectiva
histórico-crítica em Psicologia. In: OLIVEIRA, M. K.; SOUZA, D.
T. R.; REGO, T. C. (Org.). Psicologia, educação e as temáticas
da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002.
______. A queixa escolar e o predomínio de uma visão de mundo. In:
MACHADO, A. M.; SOUZA, M. P. R. (Org.). Psicologia Escolar
em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
SOUZA, M. P. R. et al. Psicólogos na saúde e na educação: A busca
de novos caminhos na compreensão da queixa escolar. Insight
Psicoterapia, São Paulo, v. 3, n. 33, p. 25-29, 1993.
Recebido em: 01 de agosto de 2007
Aprovado em: 01 de setembro de 2007
Dificuldades de aprendizagem em adultos:
a teoria das defasagens cognitivas
Tania Scuro Mendes *
Resumo: O adulto, como sujeito cognitivo, exercendo determinadas estruturas
cognitivas em campos específicos, relacionadas às áreas de estudo e de atuação
profissional, pode não generalizar algumas dessas estruturas de modo a aplicálas formalmente a todas as situações-problema com as quais se depara, não
conseguindo ultrapassar limites de condutas operatórias concretas, segundo a
teoria psicogenética de Piaget. Desse modo, o adulto pode evidenciar defasagens
cognitivas que se refletem nas formas de inserção social, nos interesses,
significados sociais das atividades, especializações profissionais. São analisadas
as implicações dessas defasagens em contextos de EJA e como as interações
educativas podem auxiliá-lo na superação das mesmas.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Teoria piagetiana. Defasagens
cognitivas.
Learning difficulty in adult: The cognitive discrepancy theory
Abstract: The adult, as cognitive individual, exercising determinate cognitive
structures in specific areas, related to his study area and professional activity,
he may not generalize some of these structures to adapt them formally to all
* Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Docente da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – Canoas) e Faculdade Anglo-Americano
de Caxias do Sul. E-mail: [email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 127-142
2007
128
Tania Scuro Mendes
problematic situations he encounters, not being able to surpass limits of concrete
operative proceedings, according to the psychogenetic theory of Piaget. So, the
adult may evidence discrepancies which reflect in the shape of social insertion, in
the interests, social significance of the activities, professional specializations. Are
analyzed implications of the cognitive discrepancies in the context of Adult and
Youth Education and how educational interactions can help to surmount them.
Key-words: Adult and Youth Education. Piagetian theory. Cognitive
discrepancy.
Natália, professora de uma turma de Educação de Jovens
e Adultos, solicita, em uma de suas intervenções educativas que
se constituiu na elaboração de uma linha de tempo histórico
pessoal, que um de seus alunos calcule a diferença entre a sua
idade e a idade que sua mãe tinha quando ela lhe gerou.
F., um aluno com 37 anos, olha e analisa a linha de tempo
por ele construída; retira do bolso uma caixa de fósforos e começa a
calcular: escreve sua idade atual e “desconta” isso da idade atual
de sua mãe, utilizando, para cada um dos momentos da operação
matemática, as unidades de palitos de fósforo. Depois de fazer
esse cálculo, dá a tarefa por encerrada e a entrega à professora.
Contextos educativos similares ao descrito, envolvendo
diferentes áreas de conhecimento e distintos modos e necessidades
de interação do adulto com materiais concretos ou semiconcretos
(exemplos, metáforas...), são comuns de serem encontrados em turmas
de educação de jovens e adultos. Embora adultos, “parecem” funcionar
cognitivamente como crianças.
A revisão de literatura, acerca do desempenho operatório de
adultos, permite-nos dizer que, a partir da década de 70, vêm se
desenvolvendo pesquisas inter-culturais, com sujeitos de diferentes
nacionalidades e ambientes sociais, enfocando-se especialmente a
passagem da adolescência à adultez. Estudos etnográficos e pesquisas
na perspectiva piagetiana, inclusive brasileiras 1, têm evidenciado
que, em numerosas culturas, há adultos que não ultrapassam as
operações concretas.2
1
2
Ver Piaget (1972) e Mendes (1993), conforme referências bibliográficas.
A propósito dos períodos e estágios cognitivos, ver Piaget (1982).
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas
129
Amparados no pressuposto de que as trocas interativas do
sujeito com o meio – o que implica interações sujeito-objeto e sujeitosujeito – coadunam-se ao tipo de tarefa, interesses, motivações,
significados práticos e sociais das atividades, hábitos, especializações
profissionais, é plausível dizermos que o meio cultural, no qual o
sujeito interage, influi, do ponto de vista do desenvolvimento
cognitivo, nas manifestações das estruturas cognitivas, podendo
relacionar-se ao maior ou menor desenvolvimento cognitivo do sujeito
e, como diz Piaget (1983), adiantá-lo, retardá-lo ou impedi-lo.
De modo a fundamentar e a alargar a abordagem apontada,
este texto visa enriquecer a análise acerca de uma problemática que
tange nossa realidade social e que diz respeito, portanto, à necessidade
de aprofundamento neste campo teórico.
Na tentativa de elucidarmos essa questão, nortearemos nossa
análise por uma opção epistemológica: a Epistemologia Genética de
Jean Piaget, revisitando algumas definições e procedendo a um recorte
dessa teoria quanto ao tema em pauta, à luz dos significados aludidos
nesse aporte. Para tanto, ajustaremos o foco para os períodos de
desenvolvimento cognitivo no adulto e para suas relações com
possíveis defasagens intra e inter períodos.
A dialética da estruturação: os períodos de desenvolvimento
cognitivo no adulto
Os períodos de desenvolvimento cognitivo designam, segundo
Piaget (1982), grandes unidades que são subdivididas em estágios. O
desenvolvimento cognitivo implica um processo que segue uma ordem
de sucessão, que não se orienta pela determinação de datas
cronológicas constantes.
Relembrando a posição desse epistemólogo, podemos conferir
que cada período de desenvolvimento envolve um estágio de instalação
(gênese) e outro de consolidação, sendo que o que efetivamente
caracteriza um estágio é a mudança qualitativa das estruturas
130
Tania Scuro Mendes
cognitivas. A inauguração de cada período cognitivo não é relativa à
idade cronológica, devido à impossibilidade de se estabelecer uma
homogeneidade nos desempenhos cognitivos dentro de faixas etárias.
Por isso, os estágios e períodos precisam ser tomados no sentido amplo.
Assim, cada período comporta caráter integrativo, ou seja, absorve
o(s) anterior(es), reorganizando-o(s). Além disso, possui um nível de
preparação e outro de acabamento (equilíbrio), bem como um processo
de formação ou gênese que se refere à diferenciação da estrutura
anterior e, ainda, um processo de equilíbrio final. Piaget (1983, p.
292) sublinha: “toda gênese atinge uma estrutura e toda estrutura é
uma forma de equilíbrio terminal, comportando uma gênese.
Um enfoque teórico dessa natureza requer a explicitação de,
pelo menos, algumas características dos períodos de desenvolvimento
cognitivo comumente demonstrados por adultos: período das operações
concretas e período das operações formais, que correspondem ao
terceiro e quarto períodos do desenvolvimento cognitivo.3
Por não pretendermos abarcar a extensão de cada uma das
caracterizações que se constituem em objeto de análise, e pelo fato
desses períodos não poderem ser considerados isoladamente, importa
dialetizá-los, integrando-os em um conjunto coerente de significações.
Ao questionamento sobre as reais fronteiras que demarcam os
dois períodos mencionados, especialmente quanto às lógicas cognitivas
que os engendram, cabe-nos expressar, como síntese, o que segue.
No período das operações concretas, o sujeito lida, diretamente,
com o real, estando colado à experiência e, através dela, desenvolve
abstrações e reflexões. Coordena e aprimora estruturas de classes e
relações, concebendo a classe somente se pertence diretamente a
outras e compondo e recompondo as classes e relações envolvidas na
proposição. Liga uma proposição à outra pelo seu conteúdo lógico,
3
Para uma análise pormenorizada de cada um dos períodos de desenvolvimento cognitivo,
sugerimos a consulta aos seguintes livros, os quais abarcam uma trilogia fundamental à
compreensão da vastíssima obra piagetiana: O Nascimento da Inteligência na Criança; A
Construção do Real na Criança; A Formação do Símbolo na Criança, conforme referências
bibliográficas.
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas
131
constituído de classes e relações que se relacionam a objetos. Classifica
por inclusão simples (ex. gato, mamífero, vertebrados) e por vicariância
de classes complementares (ex: margarida + flores). Opera a negação
de uma combinação por aproximações sucessivas e por classes que
complementam classes mais amplas e mais próximas. Concebe as
inversões e reciprocidades como constituídas por agrupamentos
distintos. Encara a reunião como adição de casos reais. Pensa sobre o
real, sendo o possível um prolongamento deste, pois carece de
instrumentos cognitivos para coordenar os agrupamentos operatórios.
Apesar de expressar pensamentos sedimentados em base conceitual,
não abdica do processo que transita no sentido da ação à representação.
Já no período das operações formais, o sujeito desprende-se
do real e desapega-se das ações, lidando com reuniões complexas e
transformações. O pensamento torna-se enunciativo e independente
dos conteúdos. Subordina o real ao possível, devido aos agrupamentos
operatórios coordenados num sistema. Assume a conjunção como
operação fundamental. Desenvolve a estrutura do reticulado,
baseando-se no conjunto das partes. Constrói a classe com duas
proposições que se associam. Compõe e recompõe as proposições,
segundo os valores de verdade e falsidade das combinações. Deduz a
proposição, que não é diretamente ligada à realidade, segundo as
conseqüências necessárias. Classifica por generalização de vicariância
que constitui uma combinatória (elemento por elemento), e por
combinações de proposições de todos os modos possíveis. Opera a
negação de uma combinatória pelo conjunto de todas as outras.
Concebe as inversões e reciprocidades como constituintes do novo
sistema que envolve o grupo das quatro transformações (I.N.R.C. –
Identidade; Negação. Reciprocidade; Correlatividade). Esse conjunto
de características propicia que o sujeito desenvolva a aptidão para
deduzir hipotética-dedutivamente.
Podemos constatar que ambos os períodos tem o ponto central
de seus processos dialéticos, com caráter evolutivo, na reversibilidade.
Não obstante, entre os dois períodos podem ocorrer defasagens e,
132
Tania Scuro Mendes
mesmo no transcorrer de cada período, elas também podem evidenciarse. Por isso, é possível que o sujeito, antes de atingir as operações
formais, experimente caminhos repletos de mesclas entre noções e
estruturas de ambos os períodos, conjugadas as reconstruções de
patamares antecessores. É comum encontrarmos sujeitos que não
possuem formas de compreensão que se generalizam segundo as
características de apenas um dos períodos descritos. Importa, a
propósito disto, dizermos que as estruturas cognitivas nunca estão
integralmente formadas; orientam-se às possibilidades que se abrem
em processo espiral de desenvolvimento, o qual se alarga
continuamente, tendo indefinidos seu começo e seu fim.
Por esse motivo, “no adulto, cada um dos estágios passados
corresponde a um nível mais ou menos elementar ou elevado da
hierarquia das condutas. Mas a cada estágio correspondem também
características momentâneas e secundárias, que são modificadas pelo
desenvolvimento ulterior em função da necessidade de melhor
organização. Cada estágio constitui, então, uma forma particular de
equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de uma
equilibração sempre mais completa” (PIAGET, 1985, p. 13-14)
Desse modo, o desenvolvimento pode acarretar a repetição ou
reprodução de um processo em idades diferentes, o que, por sua vez,
pode provocar defasagens cognitivas.que podem levar a dificuldades
de aprendizagens.
Na acepção genérica, defasagem é entendida como a diferença
de fase entre dois fenômenos ou estados. Trata-se de precisarmos
quais são esses fenômenos e estados e qual a denotação de defasagem
no processo cognitivo. Para enveredarmos a essas explicações,
faremos referências a outras interpretações tecidas no estatuto teórico
de Piaget. Umas poucas citações são suficientes para configurá-las.
Segundo Piaget (1976), o processo de construção do
conhecimento transita da ação à operação, orientando-se em uma
espiral dialética engendrada por (des)equilibrações. Explicando que
o processo de estruturação cognitiva não é linear, Piaget (1978) diz
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas
133
que o plano de representação, por exemplo, requer um trabalho de
reconstrução do que o sujeito dominava no nível de ação para um
equilíbrio qualitativamente melhorado em termos de estruturação e
de campos de aplicação. Desse modo, novas coordenações são
elaboradas a cada dificuldade surgida, ocasionando a necessidade de
refazer o trabalho cognitivo já efetuado no nível anterior através de
interrelações e adaptações.
Inhelder (1977), colaboradora direta de Piaget, explica que os
aperfeiçoamentos cognitivos levam a sucessivos estados de equilíbrio
parcial. A autora sublinha que toda construção cognitiva resulta de
compensações relativas a perturbações que lhe originaram. Dessa
forma, é nos desequilíbrios que se situa a fonte de progressos
cognitivos, pois esses incitam o sujeito a ultrapassar as perturbações
de um estado atual para que construa novas soluções.
Ainda Piaget (1976) distingue dois tipos principais de
perturbações. Um primeiro tipo refere-se àquelas que se opõem à
acomodação e a uma realização, pois sua intensidade faz com que o
sujeito não construa a necessidade de superá-las e, conseqüentemente,
não apresente reação ao obstáculo que resiste. Afluindo a causas de
erros e de fracassos, quando ocorre tomada de consciência das
perturbações, evocam aspectos negativos para a conquista de novas
construções. O segundo tipo, por sua vez, resulta da insuficiente
alimentação de um esquema de assimilação já ativado. Ainda que
ocasione lacunas surgidas pela insatisfação de necessidades, assume
um caráter de positividade.
Através dessa abordagem, chegamos ao conceito de defasagem
cognitiva. Esta pode resultar de perturbações no processo de
estruturação cognitiva e, se relacionada a cada um dos tipos de
perturbações descritas por Piaget, pode verter para enfoques distintos.
Em um primeiro caso, converge a deficiências em elementos
ou momentos do processo endógeno da construção do conhecimento.
É endógeno porque as possibilidades de recombinação e de
reorganização têm caráter interno, orgânico e implicam uma atividade
134
Tania Scuro Mendes
alicerçada em um funcionamento lógico-matemático nascido da
coordenação de ações do sujeito. Entendemos que, nesse prisma, as
defasagens cognitivas podem repercutir em diferentes velocidades
no desenvolvimento, compatíveis a uma lentidão ou até mesmo a um
bloqueio na estruturação porque se traduzem, a nossos olhos, em
obstáculos epistemológicos. Por razões sociais, econômicas,
nutricionais, afetivas, etc., muitos sujeitos não percorrem todo o
caminho cognitivo que poderiam percorrer.
Sob o outro prisma, em cada passagem de estágio e de nível de
desenvolvimento cognitivo ocorre uma mudança de estruturação.
Porém, quando as passagens desses patamares não assumem caráter
de necessidade e não se generalizam, isto é, não se difundem
completamente, podem manifestar-se lacunas cognitivas ou comporse mesclas de noções de dois ou mais estágios de desenvolvimento.
A reelaboração de estruturas que se equilibram sucessivamente faz
com que a cada patamar de uma construção cognitiva progressiva
manifeste-se lacunas, uma vez que não há generalização automática
de conhecimentos adquiridos anteriormente, mas sim reconstruções
sobre novos planos. Por isso, essas lacunas ou defasagens são
momentos naturais ao longo do desenvolvimento cognitivo, cujo motor
é a equilibração progressiva. Daí o cunho positivo da perturbação e
da lacuna causada.. Exemplo disso é a incapacidade de representar
simbolicamente a realidade construída adequadamente ao nível da
ação; nesse caso, ocorre uma defasagem ação-representação,
acarretando uma deficiência na capacidade de operar e,
consequentemente, um atraso cognitivo.
As defasagens cognitivas, conforme Piaget (1983), denunciam
um deslocamento temporal no decurso do desenvolvimento,
possuindo um aspecto intensivo, relativo à compreensão, e outro
extensivo, relacionado à abrangência. A passagem vertical do
pensamento de um patamar inferior a um superior, quando um
conteúdo é aplicado a estruturas mentais diferentes, suscita defasagens
em compreensão. Um exemplo pertinente a esse tipo de defasagem é
a noção de espaço, a qual diferencia-se de um nível a outro.
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas
135
De modo distinto, quando problemas seguem uma ordem de
sucessão e apresentam complexidade progressiva em um plano
horizontal de construção, por aparecerem em um mesmo período
de desenvolvimento, manifestam-se defasagens em extensão. Neste
caso, a mesma operação desdobra-se em domínios qualitativamente
diferentes, sendo uma estrutura aplicada a diferentes conteúdos,
tal como ocorre com a noção de conservação (de massa, de peso,
de volume). As defasagens horizontais, nesse âmbito de análise,
revelam uma real limitação na possibilidade de aplicação de uma
estrutura operatória.
Apontando essa relação, a revisão teórica autoriza-nos a dizer
que as defasagens horizontais são produzidas em todos os níveis de
desenvolvimento, enquanto que as defasagens verticais ocorrem por
reprodução de formas ou momentos distintos de evolução e incorrem
na necessidade de mudança de estrutura mediante uma diferenciação
das categorias mentais.
Em síntese, e sem esgotarmos as possibilidades de apreciação,
podemos deduzir que as defasagens, com seus aspectos positivos,
explicam o desenvolvimento e, com seus aspectos negativos, podem
delimitá-lo sob forma de perturbação da gênese ou de atraso.
Essa definição de defasagem cognitiva contrapõe-se ao
conceito de “déficit”, considerado, geralmente, como sinônimo de
deficiência, carência, insuficiência, falta intelectual, saldo-devedor...
Esta conceituação tem sido, historicamente, eivada de conotação
ideológica porque a construção social do seu significado evoca uma
tendência à estabilidade e, portanto, à sua não superação.
Se, contudo, buscarmos as origens das dificuldades cognitivas,
podemos nos defrontar com um sujeito que apresenta defasagens
cognitivas em certas compreensões e isso não significa,
necessariamente, que seja um defasado cognitivo. RamozziChiarottino (1987) expõe que o sujeito pode estar funcionando a
nível deficiente sem ser cognitivamente deficiente, ou seja, pode
“estar” e não “ser” um defasado cognitivo.
136
Tania Scuro Mendes
Diante dessas considerações, importa a análise dos mecanismos
do desenvolvimento cognitivo não só quanto à estruturação, mas
também na perspectiva do funcionamento, uma vez que esse é o meio
para a compreensão mais exata das competências operatórias de um
sujeito.
Daí a necessidade da recorrência à Epistemologia Genética
que prescreve a matriz interacionista sujeito-objeto, sujeito-sujeito
no processo de construção do conhecimento. Com base nesse
enfoque, podemos considerar que as deficiências não residem no
sujeito e nem se situam no meio, mas nas trocas interativas entre
ambos. Se efetuado o enriquecimento dessas trocas - ainda que
admitamos a importância das diferenças culturais, econômicas,
políticas, bem como das diferenças individuais (sexo, idade,
escolaridade, nível sócio-econômico...) – a superação e a
ultrapassagem de defasagens cognitivas, encaradas como um
descompasso que pode ser reparado, torna-se possível. Isso é viável
porque tais diferenças, especialmente o contexto sócio-econômico,
não são fortes o suficiente para bloquear ou impedir, contínua e
permanentemente, o processo psicogenético.
Cabe esclarecermos, porém, que o enriquecimento das
interações, quando alimentam os esquemas cognitivos do sujeito,
podem até mesmo apressar a construção operatória, via reorganizações
internas, desde que respeite a seqüência de ordem de aquisições
psicogenéticas, pois a sucessão de etapas (creodos), como
demonstraram numerosas pesquisas desenvolvidas por Piaget e pela
Escola de Genebra, mantém-se constante.
Outro aspecto relativo a como as estruturas se põem em
funcionamento refere-se à abordagem das operações, as quais não se
constituem isoladamente, mas na agregação em sínteses de processos
de abstração e de generalização. Sobre tal interpretação, Piaget (1976)
fundamenta que uma estrutura “acabada” pode sempre dar lugar a
exigências de diferenciações em novas subestruturas ou a integrações
em estruturas mais amplas.
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas
137
Composto, concisamente, o estatuto epistemológico concebido
por Piaget, façamos referências ao adulto.
O adulto como sujeito cognitivo
Configurando as formas de inserção social do adulto, podemos
traduzir algumas de suas ações para suas práticas cotidianas e
profissionais, as quais propiciam construções cognitivas à medida
em que ele se apropria dos mecanismos de suas ações significadas no
transcorrer de um processo de experiências. Diante dessa realidade,
consideremos o seguinte comentário de Piaget (1983, p. 275): “[...]
operando sobre os objetos, o sujeito elabora, por sua ação mesma,
estruturas e não é somente o teatro de uma reestruturação ou de uma
reequilibração [...] Na realidade, o sujeito [...] testemunha de uma
atividade que é solidária de sua própria história”.
Tendo em vista os períodos de desenvolvimento cognitivo em
que o adulto geralmente se encontra: operacional concreto e
operacional formal, esse não se serve somente de ações, mas de
representações de ações. Porém, exercendo determinadas estruturas
cognitivas em campos específicos, não raro relacionadas às suas áreas
de estudo e de atuação profissional, o adulto pode não conseguir
ultrapassar os limites de condutas cognitivas operatórias concretas,
quando solicitado a resolver certos problemas. Para ele, o “fazer” no
plano representativo e o “saber” como fez requer a parada da ação
para refleti-la. Não significa esse processo apenas uma forma de
adaptação dialética – com uma suspensão para conseqüente superação
– senão uma real dificuldade do sujeito para se desvencilhar da ação
assimiladora colada à experiência ao testar suas hipóteses e convicções.
Entretanto, a utilização de condutas operatórias concretas não
atesta que um adulto apresente déficits cognitivos, pois, como
enfatizamos, as ações sobre o real não são abandonadas nos patamares
superiores. O que alegamos é que, mesmo que o meio social cobre
certos tipos de estruturação mental, muitos adultos não pensam
operatória ou formalmente em determinados campos do conhecimento.
138
Tania Scuro Mendes
Embora não possamos, ainda, produzir mapeamentos
cognitivos – a neurologia não avançou a esse nível – Piaget vislumbra,
na sua concepção teórica, paisagens epigenéticas constituídas por
“picos” para determinadas noções e “depressões” para outras. Vista
sob esse ângulo, a interpretação acerca da existência de adultos que
não generalizam algumas estruturas cognitivas, de modo a aplicá-las
formalmente a todas as situações-problema com as quais se deparam
(mesmo na vida cotidiana), ganha respaldo.
Pelo motivo das estruturas cognitivas permanecerem muito
tempo inconscientes, tais sujeitos, por vezes, além de desconhecerem
as razões de certos saberes, não compreendem a amplitude de
aplicação de seus conhecimentos. Circunstanciados à realidade social,
há adultos que não rompem com a rigidez de pensamentos no sentido
de sua mobilidade (reversibilidade operatória) para a saída de
determinada perspectiva. Piaget (1983), apesar de não ter se detido
nesta questão, expressa, exemplificando, que muitos adultos assimilam
a justiça à regra, pois não colocam a autonomia da consciência
sobreposta a preceitos sociais, a preconceitos e a leis escritas. Com
isso, articula o desenvolvimento moral à evolução intelectual. Piaget
(1977, p. 344-345) adverte:
Todos notaram o parentesco que existe entre as normas morais
e as normas lógicas: a lógica é uma moral do pensamento, como
a moral, uma lógica da ação. Do apriorismo, para o qual é a
razão pura que comanda, ao mesmo tempo, a reflexão teórica e
a vida prática, à teoria sociológica dos valores morais e do
conhecimento, quase todas as doutrinas contemporâneas
concordam em reconhecer a existência desse paralelismo.
Em função dos aspectos delineados, ainda que muitos outros
possam ser sinalizados, é essencial a abordagem de como as defasagens
cognitivas do adulto situam-se em relação ao contexto de interações
educativas, e como essas interações podem auxiliá-lo na superação
das mesmas. Emerge, então, a necessidade de especificarmos quem
são os interagentes nessas condições, focos de nosso interesse.
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas
139
Os sujeitos que tais interações nos revelam são: o aluno adulto
e o professor, também adulto. Ambos possuem suas histórias de
construções cognitivas. O que os diferencia em relação a esse fato é
que o aluno, geralmente, está em processo de construção cognitiva
em certas áreas e o professor, tendo experimentado muitas situações
a que aquele é encorajado a experimentar, usufrui de um referencial
cognitivo que o permite assumir uma postura de educador.
Contudo, resta questionarmos: o professor tem consciência do
seu próprio processo de desenvolvimento cognitivo? Quais as
implicações educativas dessa possível inconsciência? Ele realmente
considera, conhece e compreende os períodos e os estágios de
desenvolvimento cognitivo do aluno adulto? O docente que atua em
Educação de Jovens e Adultos enfoca suas ações educativas como
possibilidades para seus alunos desencadearem construções
cognitivas?
Longe de esgotarmos possíveis respostas, teceremos, nos
contornos deste artigo, apenas um breve comentário que objetiva
contribuir na busca por explicações plausíveis a esses questionamentos.
Presos ao pretenso compromisso de construir conhecimentos
e obstaculizados pelo “como” operacionalizá-lo, não raro, os
professores despedem atenção à periferia das interações, ou seja, aos
procedimentos de ensino. Desse modo, propiciam enriquecimentos
nos processos educativos mediante o incremento no uso de técnicas
e de materiais e negligenciam o processo de construção do
conhecimento do aluno. A análise desse processo ter mina
restringindo-se, comumente, à observação do “erro construtivo”,
entendido como um estágio pré-lógico na construção cognitiva. Este
tem justificado, como conseqüência de interpretações equivocadas,
atitudes de tolerância relativas a certa passividade de alguns
professores frente ao respeito pelas defasagens cognitivas dos alunos.
Dito isto, de modo tão incisivo, compete-nos admitir que as
relações entre as práticas pedagógicas e os referenciais teóricos são
demasiadamente intrincadas para se reduzirem a simples etiquetas.
140
Tania Scuro Mendes
Embora reconheçamos esse limite, destacamos que é fundamental
um posicionamento epistemológico para a orientação da ação docente.
Compreender a produção e as formas de superação de defasagens
cognitivas em adultos, com uma postura epistemológica consciente,
pode ser um meio eficaz para um trabalho educativo mais promissor
nesse contexto educativo. A educação de jovens e “adultos” implica
a necessidade de se atentar à especificidade desses alunos e, conforme
destaca o Parecer 009/2001 do Conselho Nacional de Educação, de
superar a prática de trabalhar com os adultos da mesma forma que se
trabalha com alunos de ensino fundamental e médio regular. Prossegue
a argumentação no parecer, expressando que, apesar de poderem estar
nas mesmas etapas de escolaridade, mas por estarem em outros
estágios da vida, os adultos têm experiências, condições sociais e
psicológicas, expectativas que os distinguem do mundo infantil e
adolescente. Essa condição solicita que os professores dedicados a
essa modalidade educativa desenvolvam condições didáticas
significativas aos adultos, o que requer compreensão desse universo,
das causas e dos contextos sociais e institucionais que configuram as
situações de aprendizagem desses alunos, o que, como reiteramos
neste excerto, podem evidenciar a necessidade de superação de
defasagens cognitivas.
Mapeamos alguns caminhos em vias de se confirmarem em
visões precisas no que respeita as defasagens cognitivas. Por isso, as
conclusões apontadas neste texto são possíveis e parciais. Constituemse como pretexto a diferentes contextos de discussão e seu escopo é,
como alertamos inicialmente, atualizar o debate sobre defasagens
cognitivas em adultos. Por isso, está aberto o debate!
Dificuldades de aprendizagem em adultos: a teoria das defasagens cognitivas
141
Referências bibliográficas
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Ministério da Educação.
Parecer 009/2001. Brasília: MEC, 2001.
INHELDER, B.; BOVET, M.; SINCLAIR, H. Aprendizagem e
estruturas do conhecimento. São Paulo: Saraiva, 1977.
MENDES, T. M. S. Defasagens cognitivas em adultos: a ideologia
do “déficit” X superação pela interdisciplinaridade. 1993. 242 f.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 1993.
PIAGET, J. Intellectual evolution from adolescense to adulthood.
Human Developmental, v. 15, p. 1-12, 1972.
______. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1976.
______. O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou,
1977.
______. Fazer e compreender. São Paulo: Melhoramentos; EDUSP,
1978a.
______. A formação do símbolo na criança. 3. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978b.
______. A construção do real na criança. 3. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1979.
______. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1982.
______. Problemas de psicologia genética. 2. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).
______. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1985.
142
Tania Scuro Mendes
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. O déficit pode ser real. Revista
Psicologia, Ciência e Profissão, v. 7, n. 1, p. 21-24, 1987a.
______. Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget. São
Paulo: EPU, 1987b.
Recebido em: 13 de julho de 2007.
Aprovado em: 30 de agosto de 2007.
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo
fenomenológico do processo de aquisição da leitura
Divaneide Lira Lima Paixão *
Ondina Pena Pereira **
Resumo: O estudo apresenta a discussão dos resultados de uma pesquisa
realizada com 06 crianças e 02 professoras responsáveis pela alfabetização
dessas crianças, com o objetivo de investigar os deslocamentos que a aquisição
da leitura possibilita ao sujeito aprendente no que concerne às posições que
ocupa em relação a seus pares e professores. A fenomenologia, aliada ao
pensamento trágico, foi o método escolhido para orientar a coleta e o tratamento
dos dados, assim como o poder disciplinar, em Foucault. Os resultados sugerem
uma reflexão sobre as relações de poder que acontecem em sala de aula como
efeito dos sentidos atribuídos ao saber/não-saber.
Palavras-chave: Alfabetização. Leitura. Perspectiva trágica. Relações de poder.
Fenomenologia.
* Mestre e doutoranda em Psicologia. Professora dos Cursos de Graduação em Pedagogia e
dos Cursos de Pós-Graduação em Educação Infantil e Psicopedagogia da Universidade
Católica de Brasília. E-mail: [email protected]
** Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (UNB). Professora do Mestrado
em Psicologia da Universidade Católica de Brasília. E-mail: [email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 143-167
2007
144
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
The meaning of the knowledge to the expansion of the life: A study
phenomenological of the process of acquisition of reading
Abstract: The study it presents the quarrel of the results of a research carried
through with 06 children and 02 responsible teachers for the literacy of these
children, whose objective was to investigate the displacements that the acquisition
of the reading makes possible to the citizen aprendente in that it concerns to
the positions that it occupies in relation its pairs and teachers. The
phenomenology, allied to the tragic thought, was the chosen method to guide
the collection and the treatment of the data. The results suggest a reflection
on the relations of being able that they happen in classroom as effect of the
directions attributed when knowing and not-knowing.
Key-words: Literacy. Reading. Tragic perspective. Relations of power.
Phenomenology.
Introdução
O ato de ler é considerado um facilitador para o acesso a bens
culturais escritos e estes, por sua vez, essenciais ao engajamento
favorável do sujeito no mundo moderno, o que acaba intensificando
o interesse de muitos pesquisadores e pensadores pelo campo da
linguagem tanto oral quanto escrita.
Conforme observam Gnerre (1994), Kleiman (1995), Scribner
apud (TOBACH et al., 1997), Melo (1997), Kramer (2001), Bosco (2002)
e Belintane (2006) existe uma extrema valorização da leitura em nossa
sociedade, porque esta favorece o pensamento descontextualizado e
independente da experiência do sujeito. Além do mais, a leitura, bem
como a escrita, favorece a consciência meta-cognitiva, isto é, as
operações deliberadas do sujeito sobre suas próprias ações intelectuais.
A reflexão sobre o impacto da escrita nas sociedades humanas,
no que respeita seu desenvolvimento econômico e social e aos efeitos
provocados no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos, constituise, atualmente, em um objeto de interesse de muitos estudiosos.
Dominar a leitura e a escrita significa, para um grande número de
pessoas, estar preparado para engajar-se no processo de expansão da
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
145
modernidade social, na medida em que essa aquisição pode se
constituir em via de acesso aos bens culturais acumulados pela
humanidade, possibilitando também o exercício da participação social.
Um estudo desenvolvido por Melo (1997) com um grupo de
trabalhadores adultos em processo de alfabetização colheu vários
depoimentos através dos quais esses trabalhadores relataram a
importância que essa aprendizagem representa para suas vidas. “Tudo
hoje em dia depende do saber”, disse um dos entrevistados. Outro
trabalhador relatou que “a pessoa analfabeta é sempre marginalizada,
não sabe das coisas, não faz o trabalho dentro dos conformes”.
Segundo a mesma autora, para esse grupo de trabalhadores, tornar-se
alfabetizado é se livrar dos estigmas de burro, cego, incapacitado e
outros tantos, e mais, é ter a possibilidade de “conseguir um bom
emprego”. Eles reconhecem de tal forma o valor que a alfabetização
tem para a sociedade e que se esforçam para garantir estudo aos seus
filhos para que suas vidas sejam menos árduas. Esses trabalhadores
querem ver seus filhos compartilharem os direitos sociais que a vida
lhes negou.
Melo (1997) observou que o sentimento de inferioridade, de
marginalização, de culpa e de incapacidade é visivelmente presente
na postura desses trabalhadores quando estão nas classes de
alfabetização. É como se eles estivessem perdidos no mundo da escrita
e todos esses sentimentos se tornam cada vez mais fortes. Essas
pessoas, que antes falavam, pensavam, produziam o seu trabalho e a
sua língua, passam a ter, após ingressarem nessas turmas, a obrigação
de se tornarem conscientes de sua inferioridade lingüística e cultural.
De fato, o modo de inserção de indivíduos “pouco letrados”
na sociedade tem um caráter de exclusão, em um sistema em que o
pleno domínio da leitura e da escrita e de outras práticas letradas é
um pressuposto da constituição das competências individuais
valorizadas nessa sociedade. Desse modo, a visão hegemônica de
nossa sociedade acredita que a escrita fornece ao seu usuário
instrumentos simbólicos que facilitam a utilização de alguns materiais
146
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
de controle cognitivo como: listas, tabelas, calendários, manuais
informativos, livros, revistas, computador e o próprio recurso do
registro gráfico que pode dar suporte a esses procedimentos.
É papel da instituição escolar tornar “letrados” os membros da
sociedade, fornecendo-lhes instrumental para interagir ativamente
com o sistema de leitura e de escrita. Essa instituição vem a ser um
lugar social onde o contato com esses códigos e com a ciência
enquanto modalidade de construção de conhecimento se dá de forma
sistemática e intensa, potencializando os efeitos desses outros aspectos
culturais sobre os modos de pensamento. Além disso, na escola o
conhecimento em si mesmo é o objetivo mais importante da ação
dos sujeitos envolvidos, independentemente das ligações desse
conhecimento com a vida imediata e com a experiência concreta dos
sujeitos Oliveira (apud KLEIMAN, 1995).
É por tudo isso que a escola se constitui em um espaço
privilegiado para investigar as transformações que a aquisição da
leitura traz ao sujeito aprendente, transformações essas que podem
ser percebidas a partir dos seus relacionamentos em sala de aula. Nesse
ambiente se revelam, mais claramente, as relações de poder nas quais
os sujeitos se encontram inseridos, mostrando as diferenças
psicossociais apresentadas por alunos leitores e não leitores.
A concepção de poder à qual nos referimos é aquela definida
por Foucault (1989), isto é, algo que se exerce, um dispositivo que
atravessa o sujeito, nas suas inúmeras relações. É o poder entendido
como conjunto de estratégias, que forma, cria, individualiza, disciplina
e, também, proíbe e delimita o campo de ação do sujeito. Além do
conceito de poder, outros conceitos usados nesse trabalho assumiram
um significado muito particular e acabaram influenciando, de modo
geral, não apenas a forma como nosso olhar foi conduzido para o
desvelamento do fenômeno que nos propomos investigar, mas
também a própria maneira de interpretar o fenômeno descrito.
O termo leitura, por exemplo, foi adotado a partir do sentido
atribuído pelo educador Paulo Freire (1985, p. 11), que envolve mais
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
147
do que a decifração de códigos escritos. Para ele, “a leitura do mundo
precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não
possa prescindir da continuidade da leitura daquele”. Ou seja, ler
não é apenas estabelecer relações entre o gráfico e o sonoro. Ler
envolve um duplo desafio: decifrar e descobrir o significado
simultaneamente.
A leitura é, portanto, aqui entendida como parte de um amplo
processo de letramento. O termo letramento indica, por sua vez,
segundo Soares (1998) e Scribner apud (TOBACH et al., 1997), a
condição que um grupo social ou indivíduo adquire em decorrência
da apropriação da escrita. É o estado ou condição de quem se cerca
das várias práticas sociais de leitura e de escrita. Como em nossa
sociedade há uma crescente necessidade em se definir melhor o que é
ser alfabetizado, o termo letramento tem sido usado para significar
um processo cujas dimensões vão além do que é compreendido hoje
como alfabetização, já que o conteúdo significado por esta palavra
extrapola a simples aquisição de códigos e envolve também
capacidade de reflexões acerca do mundo.
O presente estudo foi ancorado na importância da atribuição
de sentidos ao ato de ler e mostrou-se capaz de contribuir para a
construção de um saber sobre as relações entre a dimensão psíquica
da criança e a cultura na qual se inscreve, especialmente aquela de
sala de aula, e as conseqüências da aquisição da leitura nessas relações
no que concerne à sua condição e posição de sujeito. Alguns
deslocamentos foram percebidos nas relações dos alunos com seus
colegas e professores à medida que os alunos foram se mostrando
mais capazes de ler. Porém, mais do que os deslocamentos que
procurávamos, encontramos especificidades na relação de poder entre
professores e alunos e na forma como estes últimos lidam com as
exigências do processo educativo. Por fim, fomos levados a discutir
as formas pelas quais os saberes proporcionados pela competência
na leitura e na escrita podem servir de molas propulsoras para a
expansão da vida, isto é, para a alegria e ocupação de espaços
privilegiados nas relações que os sujeitos estabelecem no dia a dia.
148
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
O método fenomenológico
Adotou-se neste estudo o método fenomenológico e a opção
por esse método teve como origem a busca de um caminho de
investigação que conduzisse a um olhar mais aberto e abrangente
sobre o tema a ser investigado. Criado por Edmund Husserl, o método
fenomenológico foi muito utilizado pelas várias abordagens das
ciências humanas, mas também revisitado por vários filósofos, entre
eles, Merleau-Ponty. Na releitura do método, a idéia husserliana de
um “sujeito transcendental”, capaz de ver o mundo e os sujeitos
psicológicos, empíricos, a partir de uma posição privilegiada – o que
tornou a fenomenologia de Husserl passível de ser considerada
idealista – foi recusada por Merleau-Ponty, que rompeu com a posição
idealista, apontando a existência de uma posição transcendental
ocupada não por um sujeito idealizado, mas pelo que ele chama de
“corpo-próprio”. O sentido atribuído a esta idéia indica que “o sujeito
é seu corpo, seu mundo e sua situação, e de certa forma estabelece
com estes uma permuta” (ZUBEN, 1982, p. 59).
Essa articulação consciência-mundo, tal como a noção de
corpo-próprio, está na base da perspectiva fenomenológica de
Merleau-Ponty e se faz necessária quando se deseja compreender a
existência concreta. É a experiência da percepção que ensina a
passagem de um momento a outro (da percepção a idéia) e busca a
unidade do tempo que, no ato de perceber, expõe um horizonte de
possibilidades e vivências sobre o objeto percebido. Além disso, essa
relação encerra uma possibilidade de compreensão do espaço, do
tempo e do “mundo vivido”. Esse mundo vivido diz respeito às
experiências do sujeito. Só é possível compreender um determinado
fenômeno através de um retorno a esse mundo, às experiências vividas
que se constituem como base de todo conhecimento.
A descrição das experiências vividas pelos alunos em processo
de aquisição da leitura permite ver a configuração do sentido que
essa aquisição tem para a vida dos jovens estudantes no que diz
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
149
respeito aos deslocamentos ocorridos nos relacionamentos com seus
pares e professoras. Nas descrições, as crianças se revelam, através
de seu corpo, sua linguagem e atos, seres atuantes e protagonistas de
sua relação com o mundo.
Uma atitude é descrita de maneira fenomenológica quando
apresenta o fenômeno precisamente como ele se dá, sem adicionar
ou subtrair nada. Levando adiante a interrogação desse trabalho, foi
delimitado um campo de observação que privilegiava as experiências
vividas pelos alunos em sala de aula, cujo foco de observação eram
os relacionamentos e o processo de aquisição da leitura. O resultado
de uma descrição é a definição de um sentido, de uma intencionalidade.
A maneira como cada um dos alunos observados articulou e
significou sua vivência em sala de aula foi captada através desse olhar
fenomenológico que permite o conhecimento do significado inerente
a cada ato do sujeito. Esse olhar remete a própria experiência à relação
da consciência com o mundo. Mesmo a significação não sendo
imediatamente articulada pelos próprios alunos e expressada através
de um diálogo, ela existe e se revela por intermédio dos atos do corpo,
através de um retorno às experiências vividas pelos sujeitos.
Segundo Merleau-Ponty (1994), o retorno às coisas mesmas só
é possível quando se opera a “redução fenomenológica”, conceito
considerado como o ponto crítico da fenomenologia de Husserl e
que sofreu várias mudanças ao longo da vida. Para Husserl (2000), as
reduções visavam basicamente uma mudança de atitude. A atitude
natural, onde vivemos espontaneamente e consideramos os objetos
como exteriores à consciência, existentes em si, deve se transformar,
através das reduções, em uma atitude transcendental.
A abordagem fenomenológica permite estudar o que nas
ciências naturais é negligenciado em função de um entendimento da
realidade como composta por fatos objetivos que podem ser definidos
e quantificados. Ou seja, na perspectiva das ciências naturais, os
fenômenos da consciência, vistos como expressões da
intencionalidade da vida psíquica, não podem ser conhecidos. Mas a
150
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
fenomenologia se propõe a compreender esse fenômeno, definido
como tudo aquilo que se mostra. As questões referentes à vida psíquica
do sujeito se tornam, portanto, objeto de seu conhecimento.
O processo de aquisição da leitura é focalizado, geralmente,
sob o ponto de vista pedagógico, em termos de técnicas para se fazer
ler, mas o sentido desse ato para os sujeitos é algo que, apesar de ser
importante para se compreender a motivação dos alunos para adquirir
este ato, ganhou pouca atenção no meio acadêmico. O método
fenomenológico oferece essa possibilidade de elucidação do sentido
do fenômeno leitura e indica uma nova forma de olhar para ele, onde
o foco passa a ser o sujeito que percebe e o que ele percebe.
Isto significa que, ao fazer uma descrição fenomenológica do
processo de aquisição da capacidade de leitura pelos alunos, é
possível intuir o sentido da leitura, como potência adquirida, para a
vida dos jovens estudantes, o que pode indicar como os sujeitos
recolocam suas posições em relação aos colegas e professor e de
como se abrem os horizontes simbólicos, já que a leitura é, no nosso
mundo, uma habilidade cujo valor é imprescindível a um
posicionamento de prestígio.
Participantes
O estudo foi realizado em uma escola pública da Ceilândia,
cidade satélite do Distrito Federal. A princípio, uma turma de 1ª série
do Ensino Fundamental1, a turma da sala 01, regida pela professora
Eva, havia sido selecionada e nela 04 alunos se constituíram
participantes deste estudo: Camila e Jaqueline, com oito anos de idade
cada uma, que apresentavam um bom desempenho nas atividades de
leitura e escrita e Diego e Íris, ele com nove e ela com oito anos de
idade, que eram avaliados como os alunos cujo desempenho nas tarefas
de ler e escrever era inferior ao esperado.
1
Tendo a duração do Ensino Fundamental passado de 08 para 09 anos, a turma, hoje,
corresponderia a uma 2ª série.
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
151
Duas semanas após o início das observações, houve um
remanejamento entre os alunos da turma da sala 01 e os alunos da
turma da sala 03, ambas turmas de 1ª série do Ensino Fundamental.
Anne e Biel, ambos também com oito anos de idade, eram alunos da
turma da sala 03 e foram remanejados, juntamente com outros dois
colegas para a turma da sala 01, onde um número maior de alunos
estava em um nível de desenvolvimento aquém daquele esperado pelas
professoras. Enquanto Camila e Jaqueline, cujo desempenho escolar
era satisfatório, passaram a freqüentar a turma da sala 03, cujos alunos
eram avaliados como mais competentes que aqueles matriculados na
sala 01. Ou seja, as duas alunas, cujo nível de aprendizagem era
considerado adequado para a idade e a série, foram transferidas para
uma turma “mais adiantada”.
O remanejamento dos alunos ocorreu, portanto, como estratégia
para homogeneizar ao máximo as turmas e, segundo o próprio relato
de uma das professoras da pesquisa, ao mudarem de turma esses
alunos teriam melhores condições de desenvolvimento. Por força
desse remanejamento, a turma da sala 03 passou a ser observada, já
que Camila e Jaqueline agora freqüentavam essa turma. A professora
Flora, de 25 anos de idade, regente da turma 03, também passou a
ser participante da pesquisa, assim como os alunos Anne e Biel,
considerados por ela como alunos com muitas dificuldades de
aprendizagem nas tarefas de leitura e escrita. Por fim, então, a pesquisa
contou com participação de 06 alunos e duas professoras.2
Assim, a escolha dos alunos e das turmas foi determinada por
fatores que surgiram ao longo das observações e que estiveram
relacionados ao nível de aprendizagem de leitura e escrita das crianças:
quatro crianças estavam aquém do esperado pela escola e duas
estavam, segundo as professoras, em um nível mais avançado que o
da turma em que estavam inseridas. A escola localiza-se em uma
comunidade desfavorecida em termos sócio-econômicos. Os alunos
selecionados advêm, portanto, de famílias com baixos salários.
2
Por questões éticas os verdadeiros nomes dos alunos e das professoras foram preservados,
bem como a denominação das turmas selecionadas para este estudo.
152
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
Instrumentos
Para as descrições fenomenológicas foi utilizado um diário de
campo, no qual o pesquisador anotava tudo aquilo que acontecia e
tinha alguma relação com o fenômeno investigado. Já para as
conversas/entrevistas semi-estruturadas foi utilizado um gravador
de áudio.
Procedimentos
Os procedimentos metodológicos para coleta e análise dos
dados foram definidos com base no método fenomenológico de
Merleau-Ponty e estão descritos a seguir:
Redução fenomenológica: Foram feitas descrições das
dezoito observações realizadas e por meio das quais se
procurou ter fidelidade para com a experiência ocorrida.
Durante toda a coleta de dados, a atenção esteve voltada
para aspectos pertinentes, significativos e relevantes sobre
o fenômeno leitura e sua relação com a posição de poder,
ou potência, na relação dos aprendizes com o mundo.
Entrevistas ou conversas semi-estruturadas: Estas conversas
foram gravadas em fitas de áudio e transcritas
posteriormente. O objetivo das conversas foi ouvir das
próprias crianças o que elas pensam em relação à
aprendizagem de leitura e, na medida do possível, colher
infor mações adicionais que pudessem ajudar no
desvelamento do fenômeno investigado.
Elaboração de um relatório etnográfico: Nesse relatório
foi descrito de forma geral tudo que se observou em
relação às crianças e que diziam respeito, de alguma
for ma, a aprendizagem de leitura e a seus
relacionamentos em sala de aula. Ou seja, foi descrito
como as crianças agiram em relação aos exercícios
propostos em sala e como agiram nas interações com
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
153
colegas e professores. Também foram incluídas no
relatório as informações dadas pelos pais e professores
das crianças. Para a elaboração desse relatório foram usados
os dados colhidos nas duas etapas anteriores.
Identificação/descrição de temas: Após a elaboração do
relatório exposto no item anterior, ao se fazer um paralelo
entre as descrições das crianças, foi possível identificar temas
tanto comuns como divergentes em seus relacionamentos.
Considerou-se importante descrever os temas invariáveis que
puderam ser indicativos do sentido que a aprendizagem da
leitura encerrou na consciência dos aprendentes, durante o
período observado. Ao descrevermos os temas, procedemos
também com a discussão sobre o material exposto, tendo
como suporte as teorias adotadas na pesquisa.
O Fenômeno e seu sentido
As descrições elaboradas a partir de observações, que tiveram
como foco os modos de relacionamentos em sala de aula e o processo
de aquisição da leitura, possibilitaram a identificação de categorias
que se mostraram invariáveis e de alguns aspectos muito particulares,
que divergiram daqueles percebidos na maioria dos alunos. Portanto,
um olhar global sobre as descrições permitiu a identificação de temas
convergentes e divergentes.
As categorias chamadas aqui de invariáveis tiveram como
objetivo mostrar aquilo que se repetiu nas duas turmas observadas,
levando-se em consideração especificidades dos dois grupos de alunos:
a dupla que demonstrou boa capacidade de leitura e os quatro alunos
que apresentaram dificuldades em desenvolver tal capacidade. No que
se refere às relações sociais, estivemos em alerta quanto aos dispositivos
de poder presentes nelas e aos seus determinantes histórico-culturais.
Já as atividades relacionadas com a aquisição da leitura foram
observadas como movimento de expansão da vida, da potência, e
também como seu contrário, ou seja, como submissão ao adestramento.
154
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
Das descrições sobre os alunos em um nível mais avançado:
Camila e Jaqueline apresentavam claramente um elevado nível
de auto-estima evidenciado nos seus comentários em relação ao grau
de dificuldade presente nas atividades. Exemplificando, podemos citar
frases do tipo: “Ah! Essa atividade eu faço rapidinho” ou “Ah não tia,
esse dever é fácil demais!”.
Toda auto-estima, demonstrada não só por Camila e Jaqueline,
mas também pelos outros dois alunos que foram remanejados da sala
01 para a sala 03, despertava nos alunos um grande sentimento de
confiança. Elas não tinham medo de errar. Costumavam ir ao quadro
quase todos os dias responder a questões propostas pela professora
no momento da correção de atividades. Estavam habituadas a acertar,
mas, quando acontecia algum erro, elas não se frustravam e agiam
com naturalidade, mesmo porque não eram repreendidas por isso.
As experiências que essas alunas tiveram nas duas turmas foram
avaliadas como positivas. Elas diziam gostar tanto da professora Eva
quanto da professora Flora. Camila e Jaqueline tinham muitos amigos
em sala de aula, tendo relatado, portanto, raros casos de problemas
isolados com um ou outro colega. As professoras também
demonstravam carinho quando falavam dessas alunas, não
costumavam chamar a atenção delas e elogiavam seus desempenhos
sempre que podiam.
A relação afetiva entre os atores que participam da dinâmica
escolar é um dos fatores positivos para promover o desenvolvimento
cognitivo, que não se dissocia jamais do afetivo. O aprendizado vai
se estabelecendo através das relações afetivas que ocorrem pela
vivência individual e coletiva. É, pois, função da escola realizar a
mediação entre os sistemas afetivos e cognitivos (VYGOTSKY, 1993).
É importante pontuar aqui que, segundo Merleau-Ponty (1994),
o sujeito engajado no mundo, ao estabelecer relações, acaba sentindo
e se fazendo sentir, vendo e sendo visto, tocando e sendo tocado,
porque ele não é apenas sujeito nem apenas objeto, ele está entre os
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
155
dois e é assim que deve ser compreendido. Isto significa que há entre
os sujeitos que se relacionam uma troca intersubjetiva, onde todos
constituem sentidos e sofrem esse mesmo processo de constituição.
Observa ainda que os sujeitos se expressam através de seu corpo.
Assim, o corpo está associado à percepção, à linguagem, ao mito,
enfim, a toda experiência vivida pelos sujeitos. Portanto, ao descrever
essas experiências do corpo em movimento, é possível captar os
sentidos construídos através da cultura em que o sujeito está inserido.
Durante as observações, podia-se ver com freqüência que
Camila e Jaqueline viviam rodeadas de colegas mesmo durante as
aulas, porque a professora permitia que tais alunos fizessem o papel
de monitores em atividades de matemática e língua portuguesa, já
que não demonstravam dificuldades em realizar suas tarefas e
terminavam muito antes do tempo previsto.
O fato de os alunos mais competentes terem um número muito
grande de amizades em sala, em relação aos alunos com mais
dificuldades, pode ser indicativo de uma vantagem dos primeiros sobre
os segundos. Camila e Jaqueline foram colocadas em um lugar
importante dentro da sala de aula. Fazer amizade com essas alunas
pode ter se configurado em algo muito oportuno para os demais,
porque essa amizade poderia garantir até mesmo a realização de suas
próprias atividades.
Além de se colocarem na posição de colaboradoras dos demais
alunos, Camila e Jaqueline tinham direito a voz e a participação nas
correções de atividades que a professora realizava diariamente. Os
convites freqüentes que a professora fazia a essas alunas acabavam
dando um destaque muito grande às suas habilidades e competências
em desenvolver as tarefas. Tal destaque era responsável pelo “lugar
superior” que a professora lhes havia concedido naquela turma e que
parecia ter sido ocupado também na turma anterior.
Elas eram sempre tomadas como exemplo quando o assunto
era inteligência, organização e esperteza. Todos esses atributos
tornavam essas alunas seres superiores aos demais, pelo menos no
156
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
processo de alfabetização que ocorria naquele cenário, o que pode
realmente ter facilitado a aproximação dos outros alunos. Por estarem
tão bem posicionadas dentro das normas da escola – sempre faziam
os deveres de casa, eram asseadas, prestavam atenção às explicações
dadas pela professora, realizavam com rapidez e competência suas
atividades em sala, mantinham o material sempre organizado – elas
até tinham direito a certas regalias: podiam conversar após realizarem
suas tarefas, podiam caminhar um pouco dentro de sala e sempre
eram autorizadas a ir ao banheiro, o que não acontecia com os demais,
que só podiam fazê-lo no momento determinado para isso ou quando
houvessem terminado suas atividades.
Com base em Foucault (1989), é possível entender tais
concessões como estratégias do poder disciplinar para consolidar a
normatização escolar desses alunos. Nessa perspectiva, uma das
características do poder é agir justamente sobre a ação dos outros,
com a intenção de reforçar o pressuposto de que as pessoas são livres.
Essa aparente liberdade dentro da qual Camila e Jaqueline se moviam
não teria lugar, como não havia no caso dos outros alunos, se elas
deixassem de agir dentro das normas estabelecidas pela instituição
escolar. É, portanto, uma falsa liberdade.
É esse poder que atravessa as relações que determina os limites
dentro dos quais uma ação é possível por ser normativa. O poder
disciplinar, sem nem mesmo usar o mecanismo da repressão, incide
nas relações concedendo aos alunos mais obedientes, dóceis, aqueles
que não rompem com as normas escolares, que aprendem com
facilidade, lugar de prestígio e aptidão para exercer certas ações.
Conforme verificamos, essas capacidades podem surgir desde
cedo no ambiente escolar, ambiente este que é concebido como o
lugar onde ocorre, ou pelo menos deveria ocorrer, a apropriação e a
sistematização do conhecimento e onde a aprendizagem da leitura e
da escrita deveria estar sempre presente. Porém, um olhar mais atento
revela surpresas muito sutis. Aos “bons alunos”, aqueles que
demonstram uma capacidade de assimilação maior, a escola reserva
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
157
um lugar especial, mas o lugar que confere sucesso tem o seu reverso
simultâneo, o da submissão à disciplina, à norma.
Das descrições sobre os alunos em um nível menos avançado:
Dos quatro alunos que apresentavam dificuldades para ler e
escrever, e que foram obser vados mais atentamente, todos
apresentaram um número restrito de amizades em comparação com
as amizades firmadas pelos alunos “mais adiantados”. Anne e Biel,
por exemplo, quando estudavam na sala 03, mantiveram
relacionamentos de amizade quase que unicamente com outros dois
colegas. Quando passaram a fazer parte da sala 01, os relacionamentos
desses alunos não se expandiram. Íris e Diego se relacionavam
amigavelmente com uma quantidade maior de colegas. Mesmo assim,
em número de amigos eles não conseguiam superar os alunos em
nível mais avançado.
Diversos estudiosos chamam a atenção para a importância das
relações estabelecidas pelas crianças, apoiados na idéia de que tais
relações favorecem a aprendizagem. O fato de alunos não se
relacionarem amigavelmente com muitos colegas em sala de aula não
significa que eles não estejam constantemente inseridos em relações
sociais e, conseqüentemente, aprendendo. Mesmo não havendo entre
os alunos um relacionamento de amizade, as interações acontecem.
No entanto, devemos lembrar que, de acordo com a perspectiva
que adotamos para esse estudo, a separação sujeito-objeto do
conhecimento não deve ser considerada. Conforme a fenomenologia
de Merleau-Ponty (1994), o sujeito é seu mundo e é no mundo que
ele se constrói. Isto significa que o aluno não pode ser distanciado
daquilo que ele intenciona conhecer. No próprio momento em que o
fenômeno é visado pelo aluno, o fenômeno torna-se constituinte do
próprio aluno, ao mesmo tempo em que é constituído por ele.
Relacionamentos positivos têm um caráter de confiabilidade
muito presente e esse sentimento é também importante para as formas
158
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
de relacionamento em sala de aula porque acaba influenciando
diretamente a aprendizagem dos alunos, já que é determinante do
nível de participação deles nas tarefas de sala de aula, como observou
McDermott (1977).
A falta de confiança que existia nas relações estabelecidas entre
os alunos que apresentavam mais dificuldades na aprendizagem parecia
mesmo ser responsável pela não-participação dos alunos nas atividades
propostas pelas professoras. Muito raramente esses alunos eram
convidados a participar ativamente das correções de atividades
realizadas pelas professoras, e quando eles tinham oportunidade de
participação, ou seja, quando as professoras faziam uma pergunta para
todo o grupo, esses alunos não se sentiam à vontade para participar.
A participação dos alunos que apresentavam dificuldades de
aprendizagem era muito mais restrita que a dos alunos que
demonstravam mais facilidades para aprender. Eles até tentavam
responder alguma coisa, sentados em seus próprios lugares, mas ir
até a frente da sala para realizar alguma tarefa era um ato que esses
alunos não se arriscavam a pôr em prática, possivelmente em
decorrência da pouca confiança que tinham em si mesmos e nos outros
também. Esse ato poderia se tornar em algo constrangedor para eles,
já que tinham que expor perante todo o grupo suas limitações.
Esses alunos procuravam negar suas dificuldades de todas as
maneiras possíveis. Muitas vezes eles preferiam deixar suas tarefas
em branco, alegando que não estavam com vontade de realizá-las a
ter que expor perante professoras e colegas suas incapacidades em
relação à leitura e à escrita.
As ações realizadas pelos alunos para tentar esconder dos outros
e, às vezes, de si mesmos, suas incapacidades, levam a crer que é
doloroso para os alunos vivenciarem essa situação de insucesso nas
atividades escolares. Eles acabam sofrendo para aprender porque há
toda uma expectativa em torno dessa aprendizagem, construída por
familiares, professores e pelos próprios colegas, e eles não conseguem
responder a ela de forma positiva.
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
159
É interessante notar que as características presentes no
comportamento dos alunos em relação à aprendizagem das formas
tradicionais de alfabetização parecem estar todas interligadas.
Confiança determina participação, que por sua vez possibilita a
superação das dificuldades, que acaba concedendo aos alunos um
lugar de prestígio nas relações entre pares e professores.
Quando as características de auto-estima/confiança não estão
presentes, as outras ficam também prejudicadas e o resultado final
do processo que acaba sendo desencadeado, em função dessas
ausências, caminha em direção ao fracasso desses alunos na escola e
provavelmente na vida.
Essa dificuldade em assumir posições de não-subalternidade
está relacionada com a não participação dos alunos nas atividades e
com as relações de poder que se estabelecem no cenário educativo.
Normalmente o que acontece é que os alunos não estão nem um
pouco seguros em relação a seus conhecimentos a ponto de arriscar
uma participação, já que o próprio grupo não oferece confiança
suficiente a eles.
Em face de tantas dificuldades, muitos alunos conseguem
surpreender os outros e a si próprios. Esses alunos são capazes de
recriar sua força e potência. Diante do sofrimento provocado pelas
dificuldades que têm de enfrentar, eles conseguem descobrir meios
de expandir sua existência, de se alegrar. Assim, vários alunos
considerados “fracos” pelas professoras roubavam a cena de variadas
formas durante a realização de alguma tarefa, obtendo algum tipo
de reconhecimento.
Dos alunos observados, Biel, Anne e Íris foram capazes de,
ainda que momentaneamente, assumir posições prestigiadas nos
grupos sociais dos quais fizeram parte. Anne, por exemplo, encontrava
essa possibilidade nas tarefas de produção de texto e leitura, ao criar
textos oralmente, no espaço do imaginário; Biel fazia os colegas rirem,
ou dava um jeito de parecer tão capaz quanto os outros na tarefa de
formação de palavras. Além disso, se ele não tinha nada mais
160
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
interessante para fazer, escolhia algo na sala que considerava “bonito”
e lançava a este algo toda sua atenção, tentando, talvez, reinventar a
realidade; já Íris, tal como Diego, buscava estratégias para realizar
suas atividades e, aos olhos de muitos colegas e das professoras, parecer
mais capaz.
Existia entre os alunos outra prática capaz de amenizar o
sofrimento e as angústias, eram as expressões artísticas. Diego, por
exemplo, encontrava alegria nos desenhos e na pintura que ele
realizava com freqüência. Por inúmeras vezes, esse aluno foi visto
desenhando e colorindo. Às vezes, seus desenhos mereciam elogios
dos colegas e das professoras e ele se alegrava ainda mais com isso.
Era através do desenho que esse aluno dava sentido à sua existência.
As observações em relação a Biel, Anne, Íris e Diego levam a
crer que eles necessitam criar formas diferenciadas para reagir à
situação de exclusão e serem reconhecidos dentro do cenário de sala
de aula. Os alunos que apresentam facilidades para aprender os
códigos da escrita já conseguem esse destaque sem que precisem
mover esforços para isso. São, portanto, normatizados, submissos.
Os outros alunos, justamente por suas dificuldades, resistem a
normatização. São capazes eles mesmos de criar oportunidades e,
sem submissão, sentem-se vitoriosos ao experimentar o lugar de
destaque obtido por seu esforço criativo, o que os faz sentir uma
alegria intensa, capaz de gerar risos inexplicáveis, e outros tipos de
manifestações exercidas através do corpo.
Aos alunos que apresentam dificuldades no processo de
alfabetização, ou que se mostram mais resistentes a eles, a escola reserva
um lugar comum ou lugar nenhum. As surpresas destinadas a esses
alunos não amenizam o aspecto doloroso do processo de alfabetização,
ao contrário, o ressaltam. E é justamente aí, diante desses obstáculos,
que os alunos se superam, criam seus espaços e inscrevem sua forma
própria de ver o mundo, expandindo sua linguagem e, portanto, a vida.
É essa capacidade de expansão da vida, de potencialização de
suas qualidades, que os alunos excluídos, marginalizados, considerados
incapazes ou mesmo deficientes mentais, deixam transparecer através
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
161
de suas ações, suas palavras, seu corpo. São essas capacidades que
fazem alunos como Anne e Biel encontrarem, em meio aos seus
insucessos, possibilidades outras de vitória e de alegria.
Temas divergentes:
Foram identificadas algumas atitudes diferenciadas entre os
alunos com dificuldades de aprendizagem, mas isso não quer dizer
que todos os alunos que mostram competências em relação às
habilidades de leitura e escrita não apresentem alguns
comportamentos peculiares, próprios de sua constituição subjetiva.
A primeira característica que se fez notar, justamente por não
condizer com a maioria das características percebidas, foi o isolamento
dos alunos Anne e Biel. Quando estudavam na sala 03, estes alunos
faziam questão de sentar sempre nas últimas carteiras. Ao serem
transferidos para a sala 01, Biel aceitou o lugar destinado para ele
naquela turma, mas Anne continuou demonstrando essa necessidade
de isolamento. Em nenhum momento ela aceitou sentar no lugar em
que a professora lhe havia reservado: a primeira carteira da fila. Mesmo
apresentando problemas visuais, a menina preferia não sentar próxima
ao quadro.
Esses mesmos alunos citados no parágrafo anterior tinham
dificuldades de expressar seus sentimentos em relação às professoras
de ambas as turmas que freqüentaram. Mesmo reconhecendo que
gostavam das professoras, esses alunos não costumavam demonstrar
diretamente às professoras seus sentimentos conforme faziam os
outros alunos.
Além disso, Anne demonstrava claramente, em seu
comportamento, formas de resistência ao poder disciplinar. Na sala
03, ela costumava se opor, por exemplo, à correção das atividades de
autoditado. Mesmo quando a professora considerava que havia muitos
erros e afirmava categoricamente que ela deveria apagar as palavras
e refazê-las, a menina simplesmente não respondia à exigência. Ficava
calada em seu lugar.
162
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
Biel e Diego usavam algumas estratégias que demonstravam
alguma resistência ao poder, como, por exemplo, fazer caretas, deixar
de cumprir a atividade para desenhar e até mesmo se recusar a
desenvolver alguma atividade, mas era Anne que se opunha sempre
às exigências. Além de se afastar do grupo, de não realizar as atividades
sugeridas pelas professoras e de não participar da correção das
atividades, ela ainda costumava bater nos colegas que lhe agrediam.
Por ser estrábica, as agressões não eram muito raras e ela respondia a
todas da mesma forma. Nas duas turmas, as professoras pediam que
os alunos falassem diretamente com elas quando algum colega os
agredisse, mas Anne não respeitava esse pedido e respondia
diretamente às agressões a ela dirigidas.
Mais do que oposição, Diego manifestou um comportamento
de indiferença. Mostrava-se muitas vezes apático, sem ânimo para
realizar as tarefas. Embora estivesse sempre com um sorriso no rosto,
o menino deixava passar um ar de tristeza e, às vezes, de pura
distração. As demonstrações de indiferença de Diego em relação ao
desempenho nas atividades – às vezes, ele realizava as atividades,
outras vezes, não – são reveladoras de uma série de sentimentos. Ora
pode indicar oposição ao poder, ora pode indicar submissão a ele. O
fato é que a escola não parecia se configurar para ele como algo
agradável a não ser no que se refere aos relacionamentos de amizade,
que não eram muitos, mas que pareciam ser muito importantes para
ele naquele cenário.
De todas as divergências que surgiram ao longo das
observações, talvez a que tenha nos chamado mais a atenção esteja
relacionada ao comportamento de aceitação e submissão assumido por
Íris. Essa aluna demonstrou o tempo todo um comportamento
diferenciado daquele apresentado pelos colegas pertencentes ao grupo
dos “fracos”. Ela se comportava como se pertencesse ao outro grupo.
Realizava suas atividades, sentava exatamente onde a professora a
colocava. Não costumava levantar do seu lugar e nem conversar com
os colegas. Estava sempre sorrindo, como se tudo estivesse muito bem.
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
163
Não reclamava das atividades, mesmo se fosse algo que ela não fosse
capaz de realizar.
Todos os temas que surgiram ao longo da investigação e que se
mostraram divergentes, por não serem identificados em todos os
alunos do gr upo observado, acabam por indicar diferenças
propriamente humanas que se constituem ao longo da vida dos
sujeitos, a partir da interpretação pessoal e dos significados que eles
atribuem a todos os conhecimentos que lhes chegam à consciência,
isto é, a partir de sua subjetividade.
A subjetividade é entendida aqui como “a qualidade subjetivomental ou privada de algo, ou seja, refere-se a eventos, estados,
processos e disposições mentais ou privadas que, por causa dessas
qualidades, só podem ser de, ou pertencer a, ou estar em um sujeito”
(ABID, 1999, p. 55). Nesse sentido, no ato de esclarecer as exigências
do papel, está impressa a subjetividade do sujeito, que se constitui,
simultaneamente, em um ato de modificação de papel (RATNER, 1996).
Por uma conclusão fenomenológico-trágica
Ao buscar o sentido do ato de ler, esse estudo elevou o
fenômeno leitura a um patamar onde o domínio dessa habilidade
extrapola o simples processo de apropriação de conhecimentos e
significados, tornando-se algo de maior valor para a existência
humana. Entendemos a leitura a partir da visão de Paulo Freire,
que a concebe em um sentido mais amplo, onde a principal função
dessa habilidade não é de ordem pragmática, mas de ordem social.
Ou seja, para esse educador, a prática da leitura é importante
também e, sobretudo, por servir de poderoso instrumento para o
exercício da participação social.
Estar preparado para ingressar no projeto de expansão da
modernidade social não é simplesmente saber ler e escrever. É preciso,
antes de tudo, saber o que pode ser feito com essas habilidades e ter
conhecimento das funções que a alfabetização assume em uma
164
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
sociedade complexa como a nossa. É saber usar essas habilidades em
função do crescimento pessoal e social. Nossa sociedade se
modernizou rapidamente e para acompanhar tal progresso é preciso
que as pessoas se tornem, de fato, letradas. Conforme já havia sido
constatado por Scribner apud (TOBACH et al., 1997), quanto mais
complexa é uma sociedade, e mais desenvolvidas são as tecnologias
para reproduzir as formas de escrita, mais diversas são as práticas de
alfabetização dentro dela, ou mais variados são os usos que se faz
dessa aprendizagem.
Ao que parece, as pessoas que são capazes de fazer uso dessas
práticas de alfabetização e que compreendem bem as funções da leitura
e da escrita acabam por ocupar os lugares de maior prestígio nos seus
grupos sociais mais próximos e, conseqüentemente, na sociedade onde
vivem. Por estarmos cientes da importância que as habilidades de
leitura e escrita têm em sociedades como a nossa, chegando a despertar
em vários pesquisadores a necessidade de compreender mais
profundamente essa importância, procuramos investigar se era possível
perceber desde cedo algumas mudanças nas formas de relacionamento
entre os alunos e entre eles e o professor a partir do momento em que
esses alunos passassem a fazer parte do mundo de leitores.
Essas mudanças de posição só puderam ser percebidas nos
relacionamentos desses alunos, quando eles conseguiam expandir e
potencializar suas vidas através de situações positivas vividas em
sala de aula. Quando olhamos para o fenômeno da leitura como algo
maior do que decifrar códigos escritos ou quando percebemos a leitura
como leitura de mundo, e quando os alunos mostram as capacidades
que têm em relação a esse tipo de leitura, aí conseguimos observar
que acontecem alguns deslocamentos nos relacionamentos que eles
estabelecem em sala de aula.
Pudemos também indicar possíveis mudanças de posição ao
compararmos os relacionamentos de alunos que já estavam em uma
fase mais avançada desse aprendizado com o relacionamento de alunos
que ainda estavam iniciando tal aprendizado. Com base nessa
comparação, foi possível apreender que a habilidade de leitura, tanto
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
165
quanto a habilidade de escrita, é capaz de fornecer elementos para que
os sujeitos ocupem posições privilegiadas no ambiente de sala de aula.
A possibilidade de melhoria de vida, ligada diretamente ao
desejo e necessidade de aprender a ler, acaba suscitando nos educandos
uma enorme responsabilidade que não lhes cabe assumir sozinhos. O
caráter doloroso desse aprendizado que, na maioria das vezes, é
proporcional às dificuldades encontradas no caminho, pode estar
vinculado também a essa responsabilidade que lhes é atribuída.
O aprendizado da alfabetização exige esforço, provoca
sofrimento. Mas, é esse aprendizado, cujos determinantes históricoculturais tornam algo tão valorizado na sociedade moderna, que se
configura para os alunos como aquilo que pode trazer alegria não apenas
para eles, mas também para as pessoas significativas que os cercam.
De todo o sofrimento provocado pelo processo de
alfabetização, podem surgir aptidões que ajudam o aluno a extrapolar
esse processo, alcançando algo muito maior, a capacidade de
letramento. É essa capacidade que se torna importante na tarefa de
expansão e potencialização da vida. Talvez seja correto afirmar que
mesmo os alunos que já estão em processo avançado de alfabetização
não vão conseguir expandir sua existência sem lançarem mão das
capacidades de letramento.
Aos alunos alfabetizados que não conseguem por si só uma
potencialização de suas capacidades, resta, ao que parece, submissão,
obediência. A esses a sociedade provavelmente já reservou um lugar
e eles não precisam de muitos esforços para ocupá-los, basta
continuarem agindo com a mesma obediência, dentro dos mesmos
princípios que lhes foram determinados.
A grande maioria das pessoas, no entanto, precisa mover muitos
esforços para poder alcançar posições de prestígio na sociedade em
que vivem. Essas posições quando alcançadas tornam-se muito
especiais, representando alegria e vitória. As pessoas que alcançam
tais situações de prestígio, com a superação de suas próprias
dificuldades, são aquelas que aprenderam a fazer a “leitura de mundo”,
tal como desejada por Paulo Freire, são aquelas que aprenderam a
166
Divaneide Lira Lima Paixão e Ondina Pena Pereira
colocar em prática as habilidades de letramento, cujo sentido,
significado e alcance são mais amplos do que se pode imaginar.
Referências bibliográficas
ABID, J. A. D. Empirismo radical e subjetividade. Psicologia: Teoria
e Pesquisa, Brasília, v. 15, n. 1, p. 55-63, 1999.
BELINTANE, C. Reading and literacy in Brazil: a search beyond
polarization. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 32, n. 2, 2006. Disponível
em: <http://www.scielo.br/<http://www.scielo.br/cielo.php?script=sci
_arttext&pid=S151797022006000200004&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 09 jun. 2007.
BOSCO, Z. R. No jogo dos significantes: a infância da letra.
Campinas: Pontes, 2002.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1989. Tradução de R. Machado.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se
complementam. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1985. (Coleção Polêmicas
do Nosso Tempo).
GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins
Fontes, 1994.
HUSSERL, E. Investigações lógicas. Tradução de Zeljko Loparic
e Andréia M. Altino de Campos Loparic. São Paulo: Nova Cultural,
2000. (Coleção Os Pensadores).
KLEIMAN, A. B. Os significados do letramento: uma nova
perspectiva sobre a prática social da escrita. São Paulo: Mercado de
Letras, 1995.
KRAMER, S. Alfabetização, leitura e escrita: formação de
professores em curso. São Paulo: Ática, 2001.
MELO, O. C. de. Alfabetização e trabalhadores: o contraponto do
discurso oficial. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1997.
O sentido do saber à expansão da vida: um estudo fenomenológico do processo ...
167
McDERMOTT, R. P. As relações sociais como contexto para a
aprendizagem na escola. Tradução de L. Uchoa. Harvard
Educational Review, v. 47, n. 2, p. 198-213, 1977.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Tradução
de Carlos Alberto R. de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia no espírito da música.
Tradução de R. R. T. Filho. São Paulo: Nova Cultural, 2002. p. 2744. (Coleção Os Pensadores).
RATNER, C. A psicologia sócio-histórica de Vygotsky. Tradução
de Lólio Lourenço de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo
Horizonte: Autêntica, 1998.
TOBACH, E. et al. The practice of literacy: where mind and society
meet. In: SCRIBNER, S. Mind and social practice: selective writing
of Sylvia Scribner. Lexington, KY, USA: Bigger Books, 1997.
Tradução livre.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Tradução de
Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
ZUBEN, N. A. V. Fenomenologia e existência: uma leitura de MerleauPonty. In: MARTINS, J. (Org.). Temas fundamentais de
fenomenologia. São Paulo: Editora Moraes, 1982. p. 55-68.
Recebido em: 06 de junho de 2007
Aprovado em: 15 de outubro de 2007
Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva
Rosimar Bortolini Poker *
Resumo: A cada ano mais e mais crianças não atingem os objetivos curriculares
da série em que se encontram e, por isso, passam a compor a categoria dos
alunos com Dificuldades de Aprendizagem. Esse é um dos maiores desafios da
escola denominada inclusiva que se instaurou no Brasil a partir de 1990.
Entretanto, o estudo demonstra que essa mudança de paradigma deu-se em
termos conceituais, com o uso da terminologia necessidades educacionais especiais,
mas não repercutiu na prática pedagógica. A escola inclusiva passou a ser
obrigada a aceitar esse alunado mas não assumiu efetivamente a sua educação.
Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Inclusão educacional. Fracasso
escolar.
Learning disabilities and inclusive education.
Abstract: Each year many more children don’t reach the school goals of the
grades they are taking, then they take part f the group of the students with
learning disabilities. This is one of the greatest challenges of the “inclusive
school” which was stablished in Brazil in the 90’s. However, this essay shows
that this paradigm change was due to some conceituals therms, with the use of
the therminology of special educational needs, but it didn’t reverberate in the
pedagogycal practice. The inclusive school became obliged to accept these
students but it didn’t assume effectively their formal education.
Key-words: Learning disabilities. Educational inclusion. School failuse.
* Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP) – Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Campus de Marília. Professora da
UNESP/FFC/Marília. E-mail:[email protected].
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 169-180
2007
170
Rosimar Bortolini Poker
A exclusão de crianças e jovens com Dificuldades de
Aprendizagem do sistema educacional é uma realidade. A cada ano
mais e mais crianças não conseguem atingir nem minimamente os
objetivos curriculares esperados para a série em que se encontram e,
por isso, passam a compor a categoria dos alunos com Dificuldades
de Aprendizagem.
Esse problema constitui, em termos pedagógicos, um dos
maiores desafios da escola. Tais alunos são uma ameaça para o sistema
público financeiro pois multiplicam os gastos planejados para a sua
educação. A maioria deles passa por uma ou mais retenções e precisa
de apoio pedagógico adicional.
O número de alunos que apresenta fracasso escolar está
aumentando sensivelmente, atingindo muitos países e regiões do
mundo. Tal fato incomoda os gestores responsáveis pela organização
das políticas públicas e preocupa diretores, coordenadores
pedagógicos, professores, familiares, ou seja, constitui-se em um
problema a ser enfrentado por toda a sociedade.
Mas, apesar da gravidade da situação, no Brasil, as causas e o
levantamento do número preciso de alunos com Dificuldades de
Aprendizagem, ainda são desconhecidos. Isso porque não há consenso
quanto à elegibilidade ou mesmo a identificação dessa clientela. Não
há preocupação pelos sistemas de ensino em realizar um diagnóstico
mais detalhado sobre as condições psicológicas, orgânicas, sociais,
intelectuais desse alunado, e nem sobre as condições de ensino que
lhe são proporcionadas pela escola.
O que é sabido é que uma grande porcentagem de alunos das
escolas brasileiras apresenta insucesso escolar, e que a característica
comum desse grupo é o fato de não aprenderem os conteúdos mínimos
previstos para a série compatível com a sua faixa etária.
Diante desse quadro incerto, os alunos com Dificuldades de
Aprendizagem ficam vagando entre a educação especial e a educação
regular. Alguns chegam a freqüentar salas de recursos para deficientes
mentais, programas compensatórios no período oposto ao da aula e
até mesmo salas especiais com professores especializados.
Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva
171
Os professores ao se depararem com esses alunos muitas vezes
não se sentem preparados para atuarem. Normalmente, encaminham
tais alunos para avaliação e para atendimentos de especialistas da
área da saúde. De certa forma, por desconfiarem da presença de algum
distúrbio neurológico ou cognitivo, os professores não se sentem
responsáveis pela sua aprendizagem. Acreditam que o problema
decorre de distúrbios do aluno e, por isso mesmo, não questionam a
eficácia de suas práticas ou métodos de ensino.
De acordo com Senf (1981) as Dificuldades de Aprendizagem
têm sido uma área obscura que fica entre a normalidade e a
defectologia. O autor afirma que os professores que ensinam tais
alunos não raramente sugerem o encaminhamento para a educação
especial sem, contudo, pensarem em modelos dinâmicos e
diferenciados de avaliação e de intervenção.
Mas, afinal, o que é uma criança com Dificuldade de
Aprendizagem?
Segundo a definição do National Joint Committee of Learning
Disabilities (NJCLD) de 1988, que reúne internacionalmente o maior
consenso, Dificuldades de Aprendizagem
[...] é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de
desordens manifestadas por dificuldades significativas na
aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura,
da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens,
consideradas intrínsecas ao indivíduo, presumindo-se que sejam
devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podem
ocorrer durante toda a vida. Problemas na auto-regulação do
comportamento, na percepção social, na interação social podem
existir com as Dificuldades de Aprendizagem. Apesar das DA
ocorrerem com outras deficiências (por exemplo, deficiência
sensorial, deficiência mental, distúrbios sócio-emocionais) ou com
problemas extrínsecos (por exemplo, diferenças culturais,
insuficiente ou inapropriada instrução, etc.), elas não são o
resultado dessas condições.
172
Rosimar Bortolini Poker
De acordo com a definição é possível verificar que a Dificuldade
de Aprendizagem é um fenômeno extremamente complexo que abarca
uma diversidade de conceitos, critérios e teorias.
Para Senf (1990), a Dificuldade de Aprendizagem tornou-se
uma “esponja sociológica” que cresceu muito rápido exatamente
porque foi utilizada para absorver uma diversidade de problemas
educacionais acrescidos de uma gama de fenômenos a eles inerentes.
A ausência de uma teoria sólida e coesa baseada em estudos
científicos explica a ambigüidade e a falta de legitimidade e
fidedignidade da definição das Dificuldades de Aprendizagem.
Conseqüentemente, os ser viços utilizados para atender as
necessidades educacionais de tais alunos são ineficientes. Muitas vezes
repetem as estratégias e atividades já desenvolvidas pelos professores
nas salas de aula.
É importante ressaltar também que a identificação das
Dificuldades de Aprendizagem ocorre com base em critérios
arbitrários sustentados em laudos ou avaliações de diferentes áreas
não tratadas de forma interdisciplinar. Ora a identificação é feita com
base em critérios pedagógicos, ora em critérios médicos, ora em
critérios neurológicos, psicológicos, emocionais, motores, sociais ou
mesmo culturais. Em muitas ocasiões o diagnóstico clínico é super
valorizado e tratado isoladamente e, seus resultados apontam para
alterações que não se convertem em uma proposta de ensino ou de
re-educação a ser elaborada para o aluno com Dificuldades de
Aprendizagem.
Isso acontece porque ainda não há uma identificação científica
comum sobre Dificuldades de Aprendizagem que seja concordante
entre diferentes áreas de conhecimento, e nem critérios legítimos para
a sua definição e caracterização (que podem ser intrínsecos ou
extrínsecos aos sujeitos).
A classificação imprecisa e às vezes inconseqüente, leva alunos
que, de fato, apresentam tais dificuldades, a não serem atendidos pelos
serviços de apoio escolar e, em outras ocasiões, alunos que têm
problemas de comportamento, problemas emocionais ou mesmo
carência sócio-econômica passam a usufruir desses serviços.
Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva
173
Diante desse contexto confuso, pensou-se em modificar a
maneira de se classificar os alunos indicados para o atendimento da
educação especial. Pesquisas constataram que muitos alunos com
Dificuldades de Aprendizagem que poderiam se beneficiar do apoio
especializado da educação especial eram excluídos desse serviço
porque, só eram elegíveis para tal serviço, os que apresentavam alguma
deficiência sensorial, motora, física ou cognitiva. E, nem sempre esses
alunos precisavam, de fato, desse suporte.
Foi no Relatório Warnock, documento publicado em 1978,
resultado do trabalho coordenado por Mary Warnock, do
Departamento de Educação e Ciência da Inglaterra, que modificouse as concepções e terminologias referentes aos alunos com
insucesso escolar. Tal relatório foi resultado de uma investigação
que durou quatro anos sobre as condições da educação especial da
Inglaterra, na década de 70.
De uma visão de deficiência, dificuldade ou desajuste mais
determinista, centrada no sujeito, começam a ser considerados também
fatores ambientais como sendo causadores dos problemas de
aprendizagem. Substitui-se a nomenclatura referente às categorias de
deficiência ou desajustamento social e educacional pela expressão
necessidades educacionais especiais.
Pretendeu-se com essa mudança desvincular a questão da
dificuldade de aprendizagem à presença da deficiência, uma vez que
muitos alunos que apresentam distúrbios de aprendizagem não têm
necessariamente uma deficiência física, mental, sensorial ou múltipla.
Entretanto, ambos os grupos têm necessidades educacionais especiais
que exigem recursos educacionais não utilizados na educação escolar
regular, para alunos com a mesma faixa etária.
Essa mudança de enfoque tenta deslocar a ênfase do “aluno
com deficiência” para situar-se na resposta educativa da escola, sem
negar a condição vivida pelo aluno. Demonstra que apontar a
deficiência, como atributo isolado do sujeito, pouco contribui para o
seu desenvolvimento. Mesmo porque, a condição do sujeito depende
da ação do meio que pode ou não suprir as suas necessidades.
174
Rosimar Bortolini Poker
O Relatório sugere que a expressão necessidades educacionais especiais
seja aplicada não para rotular o aluno, mas sim, para traduzir todas as
exigências para seu progresso escolar. Inclui-se aí a eliminação de
barreiras arquitetônicas; formação e competência dos educadores;
adaptação de material didático; utilização de recursos especiais
(material para alunos com cegueira, surdez, paralisia cerebral, etc.);
sistema de suporte; orientação à família; etc. Nesse sentido, são
considerados meios e recursos especiais de acesso ao currículo,
adequações curriculares e intervenções no âmbito familiar e escolar
no qual a criança está inserida.
Vê-se então que o foco de atenção se deslocou da deficiência
para o meio, no caso, as respostas educativas da escola que devem
ser organizadas para suprir as necessidades de cada aluno para que
ele venha a aprender.
Para Marchesi e Martín (1995, p. 11) o termo necessidades
educacionais especiais refere-se ao sujeito que:
[...] apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de
sua escolarização, que exige uma atenção mais específica e
maiores recursos educacionais do que os necessários para os
colegas de sua idade. Aparecem, portanto, nesta definição, duas
noções extremamente relacionadas: os problemas de
aprendizagem e os recursos educacionais. Ao falar de
problemas de aprendizagem e evitar a terminologia da
deficiência, a ênfase situa-se na escola, na resposta educacional.
Sem dúvida, esta nova concepção não nega que os alunos
tenham problemas especificamente vinculados a seu próprio
desenvolvimento. Uma criança cega ou com paralisia cerebral
apresenta inicialmente algumas dificuldades que seus colegas
não têm. No entanto, a ênfase consiste agora na capacidade
do centro educacional oferecer uma resposta a suas demandas.
Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica de 2001, são considerados alunos com necessidades
educacionais especiais:
Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva
175
Educandos que durante o seu processo educacional
apresentarem:
I- dificuldades acentuadas de aprendizagem, compreendidas em
dois grupos:
a) Aquelas vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) Aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências.
A alteração da definição do aluno com Dificuldades de
Aprendizagem para aluno com necessidades educacionais especiais, aponta
assim, para uma expectativa positiva. Entretanto, não suficiente. Isto
porque não atingiu uma uniformidade em termos de discussão de
estratégias de diagnóstico, de procedimentos de intervenção
pedagógica e muito menos em termos da formação do professor para
atuar com esses alunos.
No Brasil, a terminologia necessidades educacionais especiais apareceu
na década de 90, quando o modelo da educação inclusiva se disseminou.
A partir daí o fenômeno da deficiência e/ou desajuste passou a ser
concebido não mais em função da limitação que o sujeito porta, mas
sim, em função da resposta educacional e das possibilidades de
aprendizagem do educando, configurando-se uma perspectiva interativa.
Mas, apesar da perspectiva inclusiva basear-se na visão
interativa da deficiência ou mesmo da dificuldade de aprendizagem,
observa-se que têm ocorrido muitos equívocos na implementação
desse modelo de escola.
Escola, inclusão e o aluno com necessidades educacionais especiais
De acordo com os princípios da educação inclusiva o aluno
com Dificuldades de Aprendizagem deve ser considerado um desafio,
visto que, a escola, precisa se adaptar às suas necessidades,
organizando-se para atendê-lo da melhor forma possível
proporcionando-lhe seu pleno desenvolvimento.
Estes alunos passaram a fazer parte da categoria de alunos
com necessidades educacionais especiais e, por isso mesmo, receberam o
176
Rosimar Bortolini Poker
rótulo de alunos “da inclusão”. Precisam ser “aceitos” pela escola, o
que subentende, como acontece de forma equivocada com os alunos
com deficiência, que passam a ser considerados alunos - problemas
ou mesmo alunos incapazes.
Dissemina-se a idéia deturpada de que a escola, ao ser
acolhedora, deve respeitar o ritmo de cada aluno e sua condição social,
cultural e econômica, sem se mobilizar para oferecer, de fato, a
possibilidade de uma aprendizagem significativa para esses alunos,
de forma a provocar a sua transformação. Os aspectos didáticos pedagógicos propriamente ditos, ou seja, que se referem a intervenção
proporcionada pela escola e pelo professor são, de certa forma,
negligenciados. Além disso, não são consideradas as especificidades
da aprendizagem de alunos que têm comprometimentos orgânicos e/
ou neurológicos.
Outro aspecto a ser ressaltado é que, a partir do paradigma da
educação inclusiva, a educação especial assume também o alunado
que apresenta Dificuldades de Aprendizagem, além de atuar com os
alunos com deficiência.
Carvalho (2004, p. 76) afirma que encaminhar alunos com
Dificuldades de Aprendizagem para classes especiais:
É criticável na medida em que, historicamente, a educação
especial se originou e se organizou para o atendimento
educacional escolar de alunos com deficiência como sistema
paralelo à educação comum, ou ensino regular. Alunos com
distúrbios de aprendizagem não são, conceitualmente, portadores
de deficiência, não devendo ser segregados.
Isso é extremamente perigoso porque como não existe um teste
ou método de avaliação que seja capaz de diagnosticar ou identificar
de forma objetiva um aluno com Dificuldades de Aprendizagem ou
os problemas de leitura ou escrita que ele apresenta, uma grande
porcentagem de alunos está sendo encaminhada de forma errônea
para os serviços especializados. Na verdade, muitos desses alunos
apresentam dificuldades decorrentes de problemas relacionados a uma
Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva
177
concepção de ensino e de aprendizagem tradicionais que não considera
a ação transformadora do professor no sentido de proporcionar as
melhores condições para o aluno se desenvolver.
Diferentemente das deficiências sensoriais, físicas ou motoras,
as Dificuldades de Aprendizagem não podem ser tratadas como
decorrentes de apenas uma causa. É um conjunto de condições
extrínsecas e intrínsecas ao sujeito que podem provocar tal problema
que exige procedimentos psicopedagógicos diferenciados e
individualizados.
Segundo Carvalho (2004, p. 71)
Parece impossível, pois, compreender ou explicar as dificuldades
de aprendizagem sem levar em conta os aspectos orgânicos,
psicológicos ou sociais, banalizando a importância de cada um,
isoladamente ou desconsiderando suas intrincadas inter-relações.
Na verdade, há que examinar o dinamismo existente entre todos
os fatores, sem atribuir unicamente a um deles a responsabilidade
pelo sucesso ou fracasso escolar do aluno.
Por conta disso, torna-se fundamental rever o processo de
avaliação desses alunos. Só a partir de uma avaliação detalhada e
interdisciplinar do potencial de aprendizagem, capaz de coletar dados
sobre as dificuldades do aluno no que tange aos processos cognitivos
subjacentes aos diferentes conteúdos, bem como aos aspectos sociais,
familiares, emocionais e escolares é que será possível, de fato, planejar
estratégias pedagógicas individualizadas que promovam o seu
desenvolvimento. Avaliação e intervenção passam a se relacionar
diretamente.
Interessante notar o que vem acontecendo atualmente. Em
nome da escola denominada “inclusiva”, o aluno com Dificuldades
de Aprendizagem segue sua trajetória escolar sem ter a possibilidade
de se desenvolver em sua plenitude. As limitações do nosso sistema
educacional tradicional não são reconhecidas e muito menos reveladas
ou enfrentadas. Dessa forma tais alunos são aceitos de maneira passiva
pelo sistema educacional e pelo professor em sala de aula que não se
178
Rosimar Bortolini Poker
preocupa em identificar os fatores que levaram a essas dificuldades e
muito menos em organizar um currículo diferenciado de tal forma a
atender às necessidades educacionais específicas dos educandos.
A escola, como não se sente responsável pelo problema, não
revê seus princípios, e nem suas práticas. Conseqüentemente, não
realiza avaliação diferenciada e, conseqüentemente, não planeja
estratégias pedagógicas que viabilizem e respeitem o estilo e as
condições de aprendizagem do educando.
Ao fazer uma análise da definição a respeito do conceito de
necessidades educacionais especiais, percebe-se que, a expressão conforme
foi definida, não conseguiu, de fato, deslocar o foco do problema do
aluno, direcionando para as respostas educacionais específicas e
adequadas exigidas para sua aprendizagem. Observa-se claramente
que houve um desvirtuamento desse objetivo.
A expressão ao evitar enfatizar os atributos ou condições
pessoais (orgânicas ou não) que podem interferir na escolarização do
aluno, permitiu aos sistemas educacionais transferirem o foco para as
causas externas que provocam a condição da não aprendizagem. E,
como essas condições (sociais, familiares, econômicas), não podem
ser modificadas pela escola, foram tratadas como simples diferenças
do alunado que a escola, denominada inclusiva, precisa lidar. Ou seja,
ao enfatizar e culpabilizar as condições limitadoras do meio de onde
a criança provém, como causadoras dos problemas de aprendizagem,
isenta-se de certa maneira, o sistema educacional, da responsabilidade
pelo fracasso escolar desse alunado que compõe a maioria das crianças
da escola pública brasileira.
Essa maneira de compreender e enfrentar a questão do fracasso
escolar é muito diferente do que propõe, de fato, uma educação
inclusiva, uma educação de qualidade para todos.
Uma educação verdadeiramente inclusiva reconhece a diversidade
do seu alunado e, por isso mesmo, adapta-se às suas características de
aprendizagem. Oferece respostas específicas adequadas e diversificadas,
que proporcionam para o aluno condições de superar ou compensar as
suas dificuldades de aprendizagem, independentemente das causas que
provocaram tal problema em seu processo de escolarização.
Dificuldades de aprendizagem e educação inclusiva
179
Por conta disso, quando surge a discussão sobre a inclusão, a
primeira questão que deveria ser tratada é a exclusão social e econômica.
Até 1990, só os alunos com deficiência eram explicitamente excluídos
do sistema regular de ensino. Depois, constatou-se que a escola utilizava
também de forma implícita o mecanismo de exclusão com todos
aqueles que não se enquadravam no modelo de aluno idealizado por
ela, ou seja, excluía o alunado das classes sociais menos favorecidas.
Daí emergem indagações como: a quem a escola pública presta
serviço? À classe média?
Nesse sentido, duas reflexões precisam ser feitas:
– O aluno que não aprende porque vive em condição de
pobreza extrema que provoca limitações de ordem emocional,
lingüística e até mesmo intelectual, não deve ser considerado,
simplesmente, como um aluno com necessidades educacionais especiais
que aprende com instrumentos e recursos pedagógicos diferentes.
Essa é uma questão social muito mais ampla e complexa! A escola,
por isso mesmo, não pode se responsabilizar sozinha por esse
problema. Afinal, não podemos naturalizar a miséria e muito menos
camuflar o problema. Não adianta criar uma escola de pobres para
pobres. É preciso oferecer condições de vida adequadas para que
todos, de fato, tenham as mesmas possibilidades de aprender. Não
é desqualificando o ensino que se garante a igualdade de
oportunidades. Isso constitui um grande engodo.
– Se as dificuldades de aprendizagem decorrerem da
inabilidade da escola em lidar com a sua clientela, ou seja, se a
escola continua a trabalhar dentro de um modelo tradicional e
homogeneizador de ensino, que impede o desenvolvimento do aluno
das classes populares, a dificuldade não é de aprendizagem e sim de
“ensinagem”, devendo, o sistema educacional, rever suas concepções
de ensino e de aprendizagem.
Quando se instaura uma nova lógica para tratar da questão do
papel da escola no processo de construção de uma sociedade inclusiva,
fala-se justamente que todos devem ter igualdade de direitos e que a
180
Rosimar Bortolini Poker
escola constitui-se na instância privilegiada ao favorecer a convivência
com a diversidade, principalmente num país como o Brasil, com alto
índice de pobreza e miséria social, desemprego e trabalho infantil.
Nesse sentido, cabe à escola organizar-se para proporcionar as
melhores condições possíveis de aprendizagem ao aluno, uma escola
baseada na teoria construtivista. Para tanto, é necessário mudar os
pressupostos epistemológicos que a sustentam. Isso quer dizer rever
a atuação da escola, sua metodologia de ensino, os recursos utilizados,
sua estrutura e sua organização, seu currículo, o número de alunos da
classe, a formação dos professores, o salário dos profissionais da
educação, etc.
Conclui-se então que é preciso não só resignificar o conceito
de Dificuldades de Aprendizagem como também rever o papel da
escola em uma sociedade que assume o paradigma da inclusão.
Referências bibliográficas
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. CEB. Parecer n.17, de
03 de julho de 2001. Estabelece diretrizes nacionais para a educação
especial na educação básica. Brasília: MEC, 1990.
CARVALHO, R. E. Removendo barreiras para a aprendizagem:
educação inclusiva. Porto Alegre: Mediação, 2000.
COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento
psicológico e educação: necessidades educativas especiais e a
aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
SENF, G. M. Issues surrounding the diagnosis of LD. In:
KRATOCHWILL, T. (Ed.). Advances School Psychology. New
Jersey: Ed. Hillsdale, 1981.
______. LD as sociologic sponge: wiping up life´s spills. In: VAUGHN,
S.; BOS , C. (Ed.). Research in LD. Boston: College-Hill Publication,
1990.
Recebido em: 04 de maio de 2007.
Aprovado em: 03 de agosto de 2007.
Estilos de aprendizagem e rendimento de
estudantes adultos em língua inglesa
Renata Maria Moschen Nascente *
Resumo: Este artigo objetiva apresentar parte de uma pesquisa na qual foi
investigado o relacionamento entre os estilos de aprendizagem global/analítico
e extrovertido/ introvertido de um grupo de estudantes brasileiros adultos de
Língua Inglesa e seus níveis de rendimento. Partimos do pressuposto de que o
conhecimento dos estilos de aprendizagem e de como eles influem na
aprendizagem de Língua Estrangeira (LE) pode subsidiar tanto novas pesquisas
quanto o trabalho docente voltado ao ensino e à formação de professores, pois
permite compreender algumas das possíveis razões do surgimento de
dificuldades de aprendizagem nesse campo.
Palavras-chave: Estilos de aprendizagem. Dificuldades. Língua Estrangeira.
Adult english language students’ learning styles and achievement rates
Abstract: This article is aimed at presenting part of an investigation which
studied how the relationship between the learning styles global/analytical and
introvert/extrovert of a group of adult Brazilian students of English influenced
their achievement rates. We departed from the presumption that the knowledge
* Doutora em Educação Escolar. Docente do Centro Universitário Central Paulista (UNICEP),
São Carlos – São Paulo – Brasil. E-mail: [email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 181-202
2007
182
Renata Maria Moschen Nascente
about learning styles and how they influence foreign language learning might
subsidize new investigations as well as teaching methodologies aimed at both:
regular classrooms and teachers’ education processes, because it enhances the
comprehension of the possible reasons of the arising of learning difficulties in
this field.
Key-words: Learning styles. Difficulties. Foreign language.
Introdução
Este estudo objetiva introduzir uma discussão sobre a influência
de alguns estilos de aprendizagem nos níveis de rendimento e no
surgimento de dificuldades de estudantes adultos de Língua Inglesa.
Partimos do pressuposto de que a compreensão desse relacionamento
tem o potencial de subsidiar adequações pedagógicas direcionadas à
amenização dessas dificuldades. Decidimos assim, na primeira parte
do trabalho, fazer uma revisão sobre as origens e desdobramentos
das pesquisas sobre os estilos de aprendizagem. Em seguida,
estabelecemos uma ligação entre essas investigações e a área de ensino
de Língua Estrangeira (LE). Finalmente, apresentamos um trabalho
de pesquisa (NASCENTE, 2004) que investigou esse relacionamento
em um grupo de estudantes brasileiros adultos de Língua Inglesa.
Percorremos esse caminho baseados na premissa de que o
conhecimento dos estilos e de como eles influem na aprendizagem
de LE pode subsidiar tanto novas pesquisas como o trabalho docente
e a formação de professores nesse campo.
Origens e desdobramentos dos estudos sobre os estilos de
aprendizagem
Reportamos-nos aos trabalhos de Claxton e Ralston (1978) e
Lemes (1998) nos quais foram inventariados os primórdios dos
estudos sobre estilos de aprendizagem.
Lemes (1998) demarcou que a necessidade de estabelecer as
maneiras pelas quais os seres humanos constituem a sua
individualidade remonta ao final do século XVII. Entretanto, o
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
183
surgimento dos estudos específicos sobre os estilos de aprendizagem
como os conhecemos hoje ocorreu na década de quarenta do último
século. O autor explica ainda que, durante a década de cinqüenta,
essa área da psicologia se expandiu, com a proliferação de estudos
bastante diversificados sobre os estilos de aprendizagem. Houve assim
o desenvolvimento de uma grande variedade de conceitos nesse
campo, que se deveu às diferentes escolas de pensamento psicológico
que influenciaram os estudos sobre os estilos de aprendizagem. Essas
influências foram: a psicanálise e as psicologias da gestalt, cognitiva e
comportamental.
Esclarecedora da diversidade das investigações desenvolvidas
sobre os estilos a partir desses trabalhos iniciais é a obra de Claxton e
Ralston (1978), na qual os autores elaboraram um estado da arte sobre
as pesquisas concluídas até então sobre estilos cognitivos, de
personalidade e de aprendizagem. Eles fizeram também um
mapeamento integrando os diversos estilos. O quadro a seguir
apresenta uma síntese do trabalho dos autores.
(continua)
MODELO
DESCRIÇÃO
REFERÊNCIAS
1.Dependência A dependência de campo se caracteriza pelos Witkin et al (1954);
ou independên- modos globais de percepção. Os independentes
Witkin (1976)
cia de campo
de campo, pelos modos analíticos de percepção.
2. Conceituação O estilo analítico inclui a diferenciação entre
analítica ou não atributos e qualidades. O estilo não analítico
analítica
pode responder de maneira mais relacional
ou temática.
A impulsividade é caracterizada por respostas
3. Impulsividade rápidas, a reflexão por respostas mais lentas
e reflexão
e deliberadas. A pessoa impulsiva é mais
rápida, mas erra mais.
4. Capacidade de
correr riscos ou
medo de correr
riscos
O indivíduo capaz de correr riscos o faz
mesmo quando as chances de sucesso são
muito pequenas. O outro tipo, que tem
medo de correr riscos, é caracterizado pela
relutância de correr riscos a menos que a
possibilidade de sucesso seja muito grande.
Kagan et al
(1960);Mesick e
Kogan (1963)
Kagan (1965)
Kogan; Wallach
(1964)
184
Renata Maria Moschen Nascente
(conclusão)
5. Sistemático ou
intuitivo
6. Nivelador ou
agudo
O sistemático demonstra inclinação para
transformar dados em conceitos
relacionados a outros retidos previamente.
Ele inclina-se a desenvolver seqüências. Já McKenney; Keen
(1965)
o intuitivo tende a absorver dados de
maneira bruta, desenvolvendo livremente
as suas idéias dos dados propostos e ainda
separa as partes do todo.
Esses tipos demonstram variações no que
se refere à assimilação e à memória. O
nivelador tende a assimilar novos estímulos
dentro de categorias previamente
estabelecidas, enquanto o agudo tende a
diferenciar novas informações das que
tinham sido previamente estabelecidas.
7.Cognitivo
complexo ou
simples
Apresentam diferenças na tendência de ver
o mundo de maneira multidimensional. Os
complexos se caracterizam pelo uso de
integração hierárquica, enquanto os simples
mostram-se no uso de dimensões e
diferenças.
8. Detalhista e
focado
Envolvem a identificação de informação
relevante e irrelevante nas tentativas de
resolver um problema.
9. Controle flexível e restrito
O tipo controle restrito demonstra maior
suscetibilidade a distrações, o tipo controle
flexível demonstra resistência a
interferências.
10. Tolerância ou
intolerância à
incongruência
Indivíduos tolerantes à incongruência
demonstram facilidade para perceber dados
e situações não convencionais. A tolerância
é caracterizada por uma grande capacidade
de adaptação a percepções não usuais. Os
intolerantes revelam-se pela demanda de
mais dados e explicações antes que algo não
usual seja aceito.
Gardner (1959)
Harvey et al
(1961);Kelly
(1955)
Schlesinger
(1954)
Klein (1954)
Klein; Gardner;
Schelsinger
(1962)
Como se pode observar, em um período de mais ou menos
vinte anos de pesquisas sobre os estilos cognitivos e de aprendizagem
institui-se uma diversidade muito grande de conceitos e paradigmas.
Deve-se levar em conta ainda o fato de que existe um certo nível de
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
185
sobreposição entre esses conceitos, o que interferiu também nos
instrumentos de investigação. Essa é uma situação que perdura até
os nossos dias. Assim, uma das maiores dificuldades de um
pesquisador que queira trabalhar com os estilos de aprendizagem é
decidir quais deles são mais adequados aos seus objetos de estudo.
Uma compreensão sobre como os estilos de aprendizagem
influenciam os processos de ensino e aprendizagem de LE só pode
ser adquirida se entendermos como esses estilos têm sido agregados
pelo campo da educação. Por isso, decidimos rever alguns dos principais
trabalhos e paradigmas sobre eles, para só posteriormente integrá-los
à área de Língua Estrangeira, em estudos que propuseram
relacionamentos entre as duas áreas.
Estilos e estratégias de aprendizagem
Tanto Claxton e Ralston (1978) quanto Lemes (1998)
definiram os estilos como uma maneira consistente pela qual um
aluno responde a um determinado estímulo e como ele o utiliza
no contexto de aprendizagem. Esse pressuposto nos leva a crer
que se fosse possível combinar determinados estilos de aprender
com certas formas de ensinar seriam facilitadas as interações em
sala de aula, o que, a princípio, consideramos uma vantagem para
a eficiência dos processos de ensino e aprendizagem.
Sternberg e Grigorenko (2001), por sua vez, preocuparamse com o maior problema teórico no que concerne aos estilos, e um
dos que mais interessam aos professores de LE, que seria a
diferenciação entre estilos e estratégias de aprendizagem. Para os
autores, os estilos entram em ação de maneira inconsciente, enquanto
as estratégias se constituem em escolhas conscientes de alternativas.
Eles ordenam esses processos da seguinte forma: primeiramente vêm
os estilos, como preferências, e, posteriormente, as estratégias, que
seriam uma concretização dos estilos.
Complementa essa perspectiva o trabalho de Renzulli e Dai
(2001). Nele os autores explicam que os estilos de aprendizagem
186
Renata Maria Moschen Nascente
seriam influenciados tanto por características inatas dos indivíduos
quanto pelo meio social e educacional no qual se inserem. De acordo
com o retorno recebido pelo indivíduo no que tange os seus estilos,
ele pode modificá-los, se perceber alguma necessidade de adaptação,
ou reforçá-los, transformando-os em atitudes intencionais, o que
estenderia o estilo à categoria de estratégia de aprendizagem. Eles
explicam que do ponto de vista do desenvolvimento, o indivíduo
interage com o meio como uma pessoa total, com competências
adquiridas ou a adquirir, que são tanto os pressupostos como os
resultados dessa interação.
Concordamos também com Watkins (2001) em sua premissa
de que não deve existir uma divisão rígida entre os estilos e as
estratégias de aprendizagem. Talvez a estratégia possa ser
considerada uma concretização do estilo, que, por sua vez, se
reestrutura a partir do retorno fornecido pela própria prática de uma
estratégia. Essa visão dinâmica do processo de aprendizagem deve
nos ajudar a descobrir quais os tipos de conflitos que devem aparecer
nas interações ocorridas em contextos de ensino e aprendizagem de
LE, guiando-nos na compreensão das dificuldades de aprendizagem
surgidas nesse processo.
Também nos alinhamos com Riding (2001) e Biggs (2001) e
Nascente (2004) quando eles levantam a importância dos professores
conhecerem seus próprios estilos de aprendizagem, que influenciam
diretamente suas práticas pedagógicas. A identificação dos estilos de
seus alunos pelos professores deve propiciar a elaboração de
estratégias de ensino que levem em consideração as maneiras pelas
quais os alunos abordam as atividades de aprendizagem propostas, o
que deve diminuir conflitos e dificuldades e fomentar a aprendizagem.
Implicações pedagógicas dos estilos de ensinar e aprender
Entwistle, McCune e Walker (2001) situam três instâncias que
compõem o trabalho do professor em sala de aula: suas concepções
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
187
sobre o ensino, que ele forma ao longo da vida; os estilos de ensino,
diretamente derivados dos estilos de aprendizagem e de sua
personalidade, e as abordagens de ensino, baseadas em sua formação
profissional, das quais derivam os métodos e técnicas de ensino que
promovem determinadas atividades em sala de aula em detrimento
de outras. Para os autores existe uma interação dinâmica entre essas
instâncias que são influenciadas e influenciam o contexto sócioeducacional no qual se inserem e apresentam tanto características
mutáveis quanto estáveis. Portanto, podemos dizer que os estilos pelos
quais os professores aprendem e, consequentemente, ensinam,
constitui-se em uma influência básica nas formas pelas quais eles
administram as situações de aprendizagem sob sua responsabilidade.
Sternberg e Zhang (2001) e Nascente (2004) concordam em
duas implicações pedagógicas do conhecimento sobre os estilos para
o trabalho pedagógico dos professores. A primeira é que os professores
devem perceber as razões pelas quais alguns alunos têm baixo
rendimento, que não deve ser a falta de habilidades acadêmicas, mas
um desencontro entre seus estilos e a maneira em que a aprendizagem
lhes é proposta. A segunda é que os professores devem ficar atentos
aos estilos de seus alunos, aos estilos que promovem e aos estilos
que punem em sala de aula.
Sternberg e Zhang (2001) e Nascente (2004) propõem
exemplos de trabalhos com os estilos a serem realizados com os
alunos em sala de aula. Dessa forma, os professores podem encorajar
estilos de aprendizagem que sejam efetivos permitindo que os alunos
dêem a sua própria opinião sobre os assuntos que estão aprendendo
e que possam escolher seus materiais de estudo e projetos. Os
professores podem ainda incentivar uma abordagem aprofundada
da aprendizagem, promovendo um entendimento dos materiais de
ensino. Nesse contexto, os alunos devem se tornar mais
independentes e mais autônomos no que concerne às suas escolhas
de estilos de aprendizagem. Portanto, os autores assumem uma visão
dinâmica dos estilos, acreditando que além de influenciados por
188
Renata Maria Moschen Nascente
características individuais, eles têm muito a ver com as vivências de
cada um. Assim, consideram que os estilos são moldados pelas
experiências do indivíduo na sociedade.
As conseqüências dessas concepções para a educação são muito
profundas. Se os estilos também são concebidos na sociedade, eles
são, conseqüentemente, mutáveis. Portanto, os professores podem
fomentar estilos que sejam apropriados a determinados conteúdos,
ou adaptar esses conteúdos aos estilos dos alunos. Nesse caminho, os
professores podem variar bastante suas metodologias de ensino,
utilizando diversos instrumentos de avaliação e trabalhar com os
alunos para que eles conheçam seus próprios estilos para que possam
maximizar suas chances de aprender.
Estilos de aprendizagem em Língua Estrangeira (LE)
Talvez uma das maiores estudiosas do relacionamento entre
estilos de aprendizagem e processos de ensino de aprendizagem de
LE, Ehrman (1996) coloca que os estilos de aprendizagem são
preferências demonstradas por indivíduos quando eles se propõem a
aprender algo. Essas preferências são algumas características gerais,
mais do que comportamentos específicos. Tais preferências se
concretizam por intermédio de estilos peculiares de aprendizagem.
Para a autora, poucos alunos conhecem a maneira pela qual aprendem.
Esporadicamente, eles podem classificar-se como aprendizes “visuais”
ou dizerem-se propícios a aprender gramática, por exemplo, por
intermédio de regras claramente estabelecidas. Por outro lado, o
professor geralmente acessa superficialmente o estilo de aprendizagem
dos alunos fazendo inferências e observando-os em sala de aula. Para
Ehrman, esse tipo de conhecimento não é suficiente para que o
professor compreenda as dificuldades de aprendizagem dos alunos e
os auxilie a superá-las.
A autora explica que existe uma polaridade entre os estilos de
aprendizagem dentro de um determinado contínuo. Dessa forma o
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
189
grau de preferência por um estilo, por exemplo, analítico, não implica
necessariamente que uma pessoa aprenda cem por cento de maneira
analítica e zero por cento de maneira global. A proporção pode ser
oitenta por vinte por cento ou setenta por trinta. Para uma minoria,
entretanto, os estilos de aprendizagem se estabelecem de maneira
rígida e ultrapassam a barreira da preferência. Nesses casos, o efeito
do desajuste entre o estilo do aluno e o currículo e metodologia de
ensino a ele oferecido é mais do que apenas um problema de
desconforto ou perda de eficácia. Pode haver uma grande perda de
eficiência de aprendizagem ou ainda uma total inabilidade de aprender
dentro daquele determinado contexto.
Se o programa for metodologicamente muito rígido e o aluno
também, em relação aos seus estilos de aprendizagem, ele pode ser
rotulado como incapaz de aprender línguas, passando acreditar nisso
como se fosse realmente verdade. Baseados em Nascente (2004)
podemos afirmar que o aprendiz mais flexível no que se refere aos
seus estilos de aprendizagem é aquele que terá mais facilidade de
aprender, independente do contexto ou da área do conhecimento.
Entretanto, acreditamos que poucas pessoas sejam completamente
flexíveis. Para a maioria dos indivíduos, principalmente para os
adultos, que costumam ter estilos relativamente consolidados, a
aprendizagem eficaz depende de um determinado nível de coerência
entre seus estilos, os programas nos quais estão inseridos e o trabalho
que seus professores realizam em sala de aula.
Talvez do trabalho com os estilos de aprendizagem surja uma
possibilidade de se estruturar uma discussão sobre o conceito de
aptidão para a aprendizagem de línguas. Como sabemos que na
aprendizagem de LE o aluno tem que lidar com diversos sistemas na
hora de utilizá-la como meio de comunicação, os estilos de
aprendizagem que favoreçam essa capacidade de lidar com diferentes
sistemas ao mesmo tempo devem propiciar uma produção lingüística
mais apurada e, portanto, mais efetiva do ponto de vista comunicativo.
190
Renata Maria Moschen Nascente
Ehrman (1996) também alerta para o fato de que a categorização
dos estilos de aprendizagem não deixa de ser uma simplificação, para
que se dê conta de sua complexidade. Geralmente, as dimensões de
um determinado estilo podem ser analisadas de maneira simples ou
composta, ou seja, associadas a outros estilos ou isoladamente. Essas
dimensões são ainda bipolares, atuando em um determinado ponto
de um contínuo, como já foi explicado.
Finalmente, Ehrman (1996) explica que existem publicadas
diversas categorias de estilos de aprendizagem e também numerosos
instrumentos de aferição deles no campo do ensino e da aprendizagem
de LE, assim como caminhos para analisá-los. Baseados em Nascente
(2004), pensamos que cabe ao pesquisador e/ou professor se debruçar
sobre a questão do levantamento dos estilos de aprendizagem, decidir
quais as categorias de análise utilizar e, conseqüentemente, adequar
os instrumentos de pesquisa aos seus objetivos.
Reid (1998) explica em seu trabalho como os professores de
LE podem acessar os estilos para lidar com eles em sala de aula. O
autor toma por base o pressuposto de que alunos e professores são
companheiros na tarefa de ensinar e aprender e que o conhecimento
dos estilos de ensino e aprendizagem é essencial para que os alunos
tenham oportunidades de avantajar-se de seus pontos fortes nessa
tarefa. Já as estratégias de aprendizagem em contextos de ensino de
LE se agrupam em três categorias: meta-cognitivas: auto-observação
e auto-avaliação; estratégias cognitivas: tomar notas e fazer
inferências; estratégias sociais e afetivas: fazer perguntas para obter
esclarecimentos e trabalho cooperativo.
Para Nascente (2004) o conhecimento dos estilos dos alunos
por parte de seus professores de LE pode ser acessado de diversas
maneiras, tais como questionários, escalas, diários, entrevistas e
dinâmicas. Os dados levantados devem elevar o nível de consciência
tanto do professor quanto dos alunos sobre seus respectivos estilos,
fazendo com que compreendam como ocorre a aprendizagem, quais
as escolhas que eles têm nesses processos e como podem identificar
seus pontos fortes e fracos.
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
191
No que diz respeito a trabalhos de pesquisa nessa área,
consideramos que seja necessário ao investigador adaptar ou criar
um instrumento que realmente “meça” o que ele se propõe a medir e
que seja adequado do ponto de vista social, cultural e lingüístico à
população com a qual deseja trabalhar. As possibilidades de
reaplicação do instrumento, tanto previamente quanto posteriormente
à pesquisa proposta, também devem ser levadas em consideração. Se
essas condições não são atendidas, a validade do trabalho acaba
tornando-se um tanto quanto duvidosa, não sendo, portanto, possível
a generalização dos resultados. Resultados duvidosos podem depreciar
tanto esse campo de investigação como fornecer contribuições
imprecisas, que podem prejudicar o trabalho pedagógico de
professores que neles se baseiem.
Trabalhos sérios que focalizem a relação entre estilos de ensinar
e aprender, por outro lado, devem ter o potencial de proporcionar aos
professores uma ampliação de seus conhecimentos sobre o assunto,
o que deve propiciar ações intencionais por parte deles e também dos
alunos, notadamente se forem adultos, com a intenção de maximizar
potencialidades individuais de aprendizagem. Um professor que
realmente entende os estilos de aprendizagem de seus alunos e que
acredita incondicionalmente que eles possam aprender dará
oportunidades de sucesso a todos eles.
Tyacke (1998) descreve um projeto que identificou alguns
grupos de estilos em estudantes adultos de inglês como segunda
língua. Seu propósito foi o de demonstrar que as diferenças de estilos
devem ser levadas em consideração na elaboração de currículos,
programas e avaliações. A autora sugere algumas estratégias de
trabalho em sala de aula. A primeira delas é que o contexto de
aprendizagem deve ser flexível, permitindo diferentes disposições de
lugares na sala e o exercício de diferentes papéis por parte de alunos
e professores, como por exemplo, terapeuta e paciente, especialista e
aluno, consultor e cliente e facilitador e companheiro. Deve-se ainda
promover a autonomia dos alunos com opções e oportunidades de
variação, elaborando atividades que atendam aos diferentes estilos
192
Renata Maria Moschen Nascente
de aprendizagem. A segunda é que as avaliações também devem ser
flexíveis. Por exemplo, pode-se incluir no programa uma variedade de
procedimentos de avaliação que devem permitir aos alunos escolher
diferentes maneiras de demonstrar que eles alcançaram os objetivos
propostos. Os alunos devem receber retorno sobre sua aprendizagem
de forma regular e sistemática para que o curso do processo possa ser
mudado de acordo com suas dificuldades. As tarefas contidas nas
avaliações devem atender a diferentes estilos.
A autora finaliza seu trabalho afirmando que os professores
são os indivíduos que têm a maior oportunidade possível de
observação e experimentação em sala de aula e que, por causa disso,
eles são as pessoas mais indicadas para investigar os efeitos de um
determinado programa sobre um aluno. Esse tipo de pesquisa não
precisa ser intrusivo, e deve permitir aos alunos participar de maneira
ativa na investigação de forma que eles desenvolvam sua própria
percepção no projeto, que pode, em última instância, melhorar o
trabalho docente como um todo.
Portanto, de acordo com Reid (1998), Tyacke (1998) e Nascente
(2004), os problemas relacionados aos estilos e estratégias de
aprendizagem são elementos que influenciam a geração de baixo
rendimento de aprendizagem de LE de alunos adultos. Entretanto,
os autores alertam para a existência de outros fatores, que escapam à
área educacional, na geração das dificuldades e que o trabalho com
estilos e estratégias não é uma panacéia capaz de solucionar todos os
problemas vivenciados pelos alunos.
Para Brown (1994), aprendizes de línguas bem sucedidos são
aqueles que sabem como manejar seus próprios estilos e adequar as
suas estratégias com o objetivo de aprender a língua-alvo. Isso inclui,
ainda, ser capaz de superar possíveis deficiências inerentes a um
determinado estilo. Por exemplo, uma pessoa que se entende como
sendo excessivamente global, pode, desde que consciente de que isso
deve dificultar sua aprendizagem, tentar superar esse estado,
esforçando-se para adquirir algumas estratégias ligadas ao estilo
analítico. Esse processo só ocorrerá se alunos e professores estiverem
conscientes da importância dos estilos no processo de aprendizagem.
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
193
O papel dos estilos na aprendizagem de estudantes brasileiros
de Língua Inglesa
No que diz respeito a trabalhos realizados no Brasil relacionando
o corpo teórico apresentado sobre estilos e processos de ensino e
aprendizagem de LE, nos reportamos ao trabalho de Nascente (2004)
que buscou compreender as dificuldades de aprendizagem de um grupo
de estudantes adultos de Língua Inglesa dentro de uma perspectiva
multifatorial, na qual se destacaram os estilos de aprendizagem: global/
analítico e introvertido/extrovertido, considerados pela autora como
os mais relevantes na realidade educacional estudada.
Metodologia da investigação
A metodologia utilizada nessa investigação foi descritiva
(SELIGER; SHOHAMY, 1990), pela necessidade de compreender fenômenos
que ocorrem naturalmente e que estão conectados com o
processamento e o desenvolvimento dos estudantes de LE. A pesquisa
descritiva não utiliza procedimentos que possam de alguma forma
manipular a situação de aprendizagem, sendo geralmente motivada
por questões específicas ou hipóteses derivadas de teorias oriundas
da área de aquisição de segunda língua ou de campos correlatos. A
pesquisa descritiva é útil, dessa forma, para caracterizações dos fatores
ligados à aprendizagem de LE.
Podemos dizer que a pesquisa de Nascente (2004) se adequou
ao paradigma descritivo por ter surgido a partir de um problema
heurístico, que foi o baixo rendimento de aprendizagem em um grupo
de estudantes de Língua Inglesa. Visando o estudo desse problema,
foi elaborada uma hipótese principal, norteadora do trabalho, que foi
a de que um dos elementos causadores do baixo rendimento seriam
os conflitos entre estilos de ensino e aprendizagem. Finalmente, foram
levantados dados que tiveram como objetivo captar informações sobre
os estilos de aprendizagem dos alunos e de seus professores como
eles se apresentam na realidade de aprendizagem estudada, sem
nenhum tipo de manipulação.
194
Renata Maria Moschen Nascente
Dentro do paradigma descritivo, a abordagem analítica foi
escolhida devido à proposta de estudar os estilos de aprendizagem
como uma chave para a compreensão de um problema bastante geral,
que seria o baixo nível de aprendizagem apresentado por alguns
estudantes brasileiros adultos de Língua Inglesa. Nesse processo foram
utilizados procedimentos analíticos, cada estilo foi estudado da forma
mais aprofundada possível. Deve-se ressaltar, entretanto, que esse
detalhamento não teve como objetivo o conhecimento de cada fator
isoladamente, ao contrário, buscou-se no trabalho entender como os
estilos interagem favorecendo ou dificultando a aprendizagem de LE.
Dessa maneira, Nascente (2004) realizou uma investigação
descritiva, analítica e dedutiva. A preferência pela dedução ocorreu
pelo fato dos alunos pesquisados pertencerem a um grupo social e
etário relativamente uniforme, adultos de nível sócio-econômico
médio/alto e educacional médio e/ou superior. Ao estudar um grupo
que não apresentava variações etárias, socioculturais e econômicas
que poderiam justificar o surgimento de baixos rendimentos de
aprendizagem, a autora considerou relativamente seguro partir da
hipótese de que as diferenças nas maneiras de ensinar dos professores
e de aprender dos alunos poderiam ser consideradas como elementos
na geração de suas dificuldades.
Ao traçar seus objetivos de pesquisa mais para o pólo dedutivo,
Nascente (2004) utilizou alguns conceitos oriundos da psicologia
cognitivista, já trabalhados na área de lingüística aplicada, mais
precisamente na área de aprendizagem de LE, e, a partir deles, gerou
hipóteses de trabalho a serem testadas por intermédio de instrumentos
especialmente elaborados para essa pesquisa, que foram: livros didáticos
utilizados pelos alunos-sujeitos, suas provas orais e escritas e suas autoavaliações.
Foram ainda elaborados e aplicados dois questionários. O
primeiro deles baseado em um instrumento de Oxford (1998) – SAS
–Style Analysis Survey, tratou-se de uma escala de afirmações, dez para
cada estilo estudado, com diferentes níveis de concordância a serem
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
195
assinalados pelos alunos: nunca, algumas vezes, freqüentemente, sempre.
Esse instrumento também possuía duas questões qualitativas, que tinham
como objetivo aferir as razões pelas quais os alunos estavam estudando
inglês e dar a eles a chance de fazer quaisquer observações sobre o
instrumento no seu final.
Os próprios professores pesquisados aplicaram o questionário
em seus grupos. Ao receberem de volta os questionários, eles foram
instruídos a marcar com um asterisco, no canto superior direito da
primeira folha do questionário, se o aluno que o respondeu apresentava
algum tipo de dificuldade de aprendizagem. Foi explicado a eles que
dificuldade de aprendizagem poderia ser considerada como qualquer
área na qual o aluno tinha um desempenho abaixo da média do esperado
para o seu nível. Foi solicitado ainda que eles escrevessem abaixo do
asterisco as áreas nas quais os alunos apresentavam dificuldades, por
exemplo, escrita, produção oral ou gramática. Responderam a esse
questionário 183 alunos adultos de nível intermediário e doze de seus
professores. Aferir os estilos dos professores foi essencial na medida
em que um dos nossos pressupostos é que os estilos de ensinar estão
diretamente relacionados aos estilos de aprendizagem.
O segundo questionário foi montado para complementar as
informações levantadas pelo primeiro. Sua natureza era qualitativa,
contendo questões relacionadas às experiências de aprendizagem de
inglês anteriores dos pesquisados, além de aferir quais as maneiras de
ensinar dos professores que mais favoreciam ou desfavoreciam suas
aprendizagens. Esse questionário foi respondido por cerca de 30%
dos alunos.
Discussão dos resultados
Para que compreendamos os resultados da pesquisa de Nascente
(2004), é necessária uma descrição das dimensões global e analítica,
que têm sua origem nos estilos dependente e independente de campo,
como dimensões que influenciam estruturalmente as maneiras pelas
196
Renata Maria Moschen Nascente
quais os indivíduos pensam, vêem e respondem a informações. Isso
afeta a forma pela qual eles organizam os insumos recebidos, percebem
suas situações de trabalho e se relacionam com outras pessoas. Os
globais vêem as situações como um todo e são capazes de obter uma
perspectiva geral e apreciá-la dentro de um contexto mais amplo. Em
contraste, os analíticos vêem uma situação como uma coleção de
partes e, freqüentemente, focalizam um ou dois aspectos da situação
de cada vez, excluindo os outros. Existem os tipos intermediários
entre os dois que conseguem permanecer no meio dos dois extremos,
o que deve dar a esses indivíduos as vantagens dos dois estilos.
De acordo com os resultados de Nascente (2004) podemos
afirmar que ambas as dimensões podem facilitar ou dificultar
processos de aprendizagem de LE. A desvantagem dos globais é que
eles têm dificuldades em enxergar as partes, tais como diferenças
ortográficas, que podem causar dificuldades de comunicação tanto
originadas em aspectos semânticos como sintáticos. Mesmo quando
eles conseguem fazer essas diferenciações, elas podem não ser nítidas
o suficiente. Para a autora, por outro lado, os analíticos focalizam
apenas um aspecto de cada vez, podendo distorcer e /ou exagerar
uma parte do todo. Assim, um aprendiz que tende para o pólo analítico
pode se ater a detalhes, por exemplo, de pronúncia, que diminuam
sua fluência, o que deve dificultar suas tentativas de comunicação
como um todo.
Nascente (2004) afirma, baseada em seus resultados, que a
vantagem dos globais é exatamente a sua visão de todo, que deve
levá-los a conseguir se comunicar na língua alvo, apesar de cometerem
erros nesse processo. Já a vantagem dos analíticos seria justamente a
sua capacidade de análise, que faz com que consigam fazer distinções
e estabelecer analogias bastante finas, o que de acordo com sua
investigação contribuiu para que o nível de precisão de suas produções
orais e escritas fosse bastante alto.
Já introversão e extroversão, de acordo com Nascente (2004),
são estilos de grande relevância em contextos nos quais os aprendizes
são adultos porque, como já dissemos antes, esses estilos já devem
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
197
estar relativamente consolidados na vida adulta. Os extrovertidos
precisam se sentir ativos, pelo menos verbalmente, eles sentem-se
ainda melhor se puderem estar ativos também fisicamente. Portanto,
os resultados aferidos pela autora apontam para a variedade e a
interação como elementos-chave para que os extrovertidos aprendam
de maneira eficiente.
Algumas outras características dos extrovertidos são que,
quando contrastados com os introvertidos, eles preferem estratégias
visuais de aprendizagem. Para Nascente (2004) essa preferência pode
estar relacionada à própria definição do que é ser extrovertido, que
seria a de alguém orientado para o mundo exterior. A visualização
seria uma maneira de fazer conexões entre elementos do mundo
exterior e os símbolos que compõem a língua alvo. Outra característica
marcante dos extrovertidos é que eles utilizam-se mais de estratégias
afetivas, tais como diminuição da própria ansiedade, autoencorajamento e aferição dos próprios estados emocionais, como
maneiras de facilitar sua própria aprendizagem.
Por outro lado, para os introvertidos (NASCENTE, 2004), a sala
de aula é fundamental mais pela possibilidade de sistematização do
insumo recebido do que pela interação que ela oferece. Eles preferem
estudar sozinhos, em casa, processando o material de forma cuidadosa,
sem a interferência dos outros. Portanto, para eles, nada melhor do
que tarefas bem planejadas, que aprofundem o conteúdo dado durante
as aulas. Isso ocorre porque os introvertidos precisam processar o
insumo recebido mentalmente antes de utilizá-lo em atividades
presenciais, notadamente nas de fala. Portanto, eles se benefi-ciam
de ambientes de ensino nos quais o clima seja de segurança no que
concerne à prática da LE, ao engajamento em novos comportamentos
e ao surgimento e correção de erros. Apesar desse tipo de clima
beneficiar todos os tipos de aprendizes, ele deve ser particularmente
benéficos aos introvertidos. Atividades em pequenos grupos e
individuais, as quais levem, por exemplo, a elaboração e ensaio de um
diálogo para ser apresentado no final da atividade, também devem ser
de muita valia para os introvertidos, que, como já foi dito anteriormente,
precisam processar primeiro o insumo para depois colocá-lo em prática.
198
Renata Maria Moschen Nascente
O estudo de Nascente (2004) demonstrou que quando um
professor que tende, por exemplo, aos pólos da globalidade e
extroversão interage com um aluno que tende aos pólos da
analiticidade e introversão, pode ocorrer um conflito cognitivo, pois,
como já foi dito antes, os professores tendem a ensinar de acordo
com seus estilos de aprendizagem. Nesse caso, o rendimento do aluno
pode cair, pois esse conflito faz com que ele tenha mais dificuldade
em apreender, processar, reestruturar e produzir os insumos oferecidos
pelo professor.
Assim, a autora confirmou a hipótese de que algumas das
dificuldades de aprendizagem do grupo de estudantes adultos de
Língua Inglesa que estudou relacionavam-se a discrepâncias entre os
estilos de aprendizagem dos alunos e os estilos de ensino dos
professores, que se relacionam tanto aos seus próprios estilos de
aprendizagem quanto às metodologias e abordagem de ensino que
utilizavam, que nem sempre são por eles livremente escolhidas.
Seus resultados sugeriram também que a analiticidade e a
extroversão podem ser características facilitadoras da aprendizagem
de Língua Inglesa. Uma tendência moderada em direção a esses pólos
pode ser vista como um elemento de previsão de um desempenho
capaz de conduzir a resultados satisfatórios de aprendizagem. Essas
inclinações devem ser moderadas na medida em que, se elas forem
muito radicais, podem entrar em conflito com os estilos dos
professores, geralmente mais equilibrados justamente por sua
experiência como aprendizes avançados da língua-alvo.
Nascente (2004) aferiu ainda que os conflitos estilísticos entre
professores e alunos são particularmente prejudiciais quando
conjugados com outras dificuldades de aprendizagem. Em outras
palavras, para um aluno que, por diversas razões, inclusive as
relacionadas a alguns estilos, tem facilidade para aprender uma LE
não importa muito o estilo do professor, ele vai conseguir se sair bem
de qualquer maneira. Entretanto, para o aluno que já traz consigo
algum tipo de problema de aprendizagem, o conflito de estilos pode
ser um forte elemento no fomento de suas dificuldades. Explicando
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
199
melhor, o professor deve procurar descobrir os estilos dos alunos que
apresentam dificuldades, tanto para ensiná-los dentro desses
parâmetros como para ampliar as possibilidades desses alunos, por
intermédio de estilos diferentes dos que eles possuem.
Nascente (2004) alinha-se com Ehrman (1998), Tyacke (1998)
em relação à premissa de que o professor deve tentar amenizar os
extremismos estilísticos de seus alunos, mas também trabalhá-los
como eles se apresentam, para fomentar o conforto emocional e
cognitivo do qual eles tanto precisam para aprender. Para os autores
essa variação pode ser extremamente benéfica, uma vez que
trabalhando harmonicamente com os estilos dos alunos, o professor
propicia uma situação de conforto cognitivo e, conseqüentemente,
emocional muito favorável à aprendizagem. Por outro lado,
trabalhando com atividades que forcem os alunos em direção oposta
das suas, deve fazer com que eles se tornem mais flexíveis em relação
aos seus estilos, situação propiciadora de aprendizagem de LE.
Considerações finais
Concluímos assim, que as pesquisas que relacionam estilos e
aprendizagem de LE comprovam a importância da compreensão
por parte dos professores das principais tendências de seus alunos
nesse campo para uma possível reflexão sobre seus procedimentos
de ensino. Também acreditamos na necessidade de variação na
utilização dos estilos para o melhor aproveitamento dos alunos,
notadamente daqueles que apresentam dificuldades de
aprendizagem. Recomendamos ainda que se continue estudando a
hipótese de que as diferenças entre estilos de professores e alunos
devem afetar seus níveis de aprendizagem. Essa recomendação
deve ser encarada como particularmente válida para o Brasil na
medida em que poucos têm sido os trabalhos dedicados à questão
do relacionamento entre estilos de aprendizagem e o aproveitamento
de nossos aprendizes adultos de LE.
200
Renata Maria Moschen Nascente
Referências bibliográficas
BIGGS, J. Enhancing Learning: A Matter of Style or Approach? In:
STERNBERG, R. J; ZHANG, Z. (Org.). Perspectives on thinking,
learning, and cognitive Styles. Londres: Lawrence Erlbaum
Associates Publishers, 2001. p. 73-102.
BROWN, Douglas H. Teaching by principles: an Interactive
Approach to Language Pedagogy. New Jersey: Prentice Hall Regents,
1994.
CLAXTON, C.; RALSTON Y. Learning styles: their impact on
teaching and administration. Higher Education Research Report,
Washington D. C.: AAHE-ERIC, n. 10, 1978.
EHRMAN, M. E. Understanding second language learning
difficulties. Thousand Oaks: Sage Publications, 1996.
______. Field independence, field dependence, and field sensitivity
in another light. In: REID, J. M. (Org.). Understanding learning
styles in the second language classroom. New Jersey: Prenctice
Hall Regents, 1998. p. 62-70.
ENTWISTLE, N.; McCUNE, V.; WALKER, P Conceptions, styles,
and approaches within higher education: analytic abstractions and
everyday experience. In: STERNBERG, R. J.; ZHANG, L. F. (Org.).
Perspectives on thinking, learning, and cognitive styles. Londres:
Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 2001. p. 103-136.
GARDNER, R. W. Cognitive control: a study of individual
consistencies in cognitive behavior. Psychological Issues. [S.l.: s.n],
1959, 1 v.
HARVEY, O. J.; HUNT, D. E.; SCHRODER, H. M. Conceptual
Systems and Personality Organization. New York: John Wiley
and Sons, 1961.
KAGAN, J. Reflection impulsivity and reading ability in primary grade
children. Child development, [S.l.: s.n], v. 36, p. 609-628, 1965.
______ et al. Conceptual style and the use of affect labels. MerrilPalmer Quaterly. [S.l.: s.n], v. 6, p. 261-278, 1960.
Estilos de aprendizagem e rendimento de estudantes adultos de língua inglesa
201
KELLY, G. A. The psychology of personal constructs. New York:
W. W. Nortan and Company, 1955.
KLEIN, G. S. Need and regulation. In: ______. Nebraska
symposium on motivation. Nebraska: University of Nebraska Press,
1954.
______ et al. Tolerance for unrealistic experience: a study of the
generality of cognitive control. British journal of psychology, [S.l.:
s.n], v. 54., p. 41-55, 1962.
KOGAN, N.; WALLACH, M. A. Risk taking. New York: Holt,
Rinehart, and Winston, 1964.
LEMES, S. S. Os estilos cognitivos: dependência e independência
de campo na formação e no desempenho acadêmico em duas
diferentes áreas do conhecimento: exatas e humanas. 1998. 132 f.
Tese (Doutorado em Psicologia) – USP, São Paulo, 1998.
McKENNEY, J. L.; KEEN, P. G. W. How managers’ minds work.
Harvard Business Review, [S.l.: s.n], v. 52, p. 79-90, May-June 1965.
MESSICK,
S.;
KOGAN,
N.
Differentiation
and
Compartmentalization in object-sorting measures of categorizing style.
Perceptual and Motor Skills. [S.l.: s.n],v. 16, p. 47-51, 1963.
NASCENTE, R. M. M. Canais de percepção, estilos de
aprendizagem e variáveis afetivas: um estudo sobre baixo rendimento
de aprendizagem de estudantes de língua inglesa. 2004. 241 f Tese
(Doutorado em Educação Escolar) – UNESP, Araraquara, 2004.
REID, J. M. (Org.). Understanding learning styles in the second
language classroom. New Jersey: Prenctice Hall Regents, 1998.
RENZULLI, J. S.; DAI, D. Y. Abilities, interests and styles as aptitudes
for learning: a person-situation interaction perspective. In:
STERNBERG, R. J.; ZHANG, L. F. (Org.). Perspectives on
thinking, learning, and cognitive styles. Londres: Lawrence
Erlbaum Associates Publishers, 2001. p. 23-46.
202
Renata Maria Moschen Nascente
RIDING, R. The nature and effects of cognitive style. In:
STERNBERG, R. J.; ZHANG, L. F. (Org). Perspectives on
thinking, learning, and cognitive styles. Londres: Lawrence
Erlbaum Associates Publishers, 2001. p. 47-72.
SCHLESINGER, H. J. Cognitive attitudes in relation to susceptibility
to interference. Journal of Personality. [S.l.: s.n], v. 22, p. 354-374,
1954
SELIGER, H. W.; SHOHAMY, E. Second language research
methods. Oxford: OUP, 1990.
STERNBERG, R. Epilogue: another mysterious affair at styles. In:
STERNBERG, R. J.; ZHANG, L. F.(Org). Perspectives on
thinking, learning, and cognitive styles. Londres: Lawrence
Erlbaum Associates Publishers, 2001. p. 249-252.
STERNBERG, R. J.; GRIGORENKO, E. L. A capsule history of
theory and research on styles. In: STERNBERG, R. J.; ZHANG, L.
F. (Org). Perspectives on thinking, learning, and cognitive styles.
Londres: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 2001. p. 1-21.
TYACKE, M. Learning diversity and the reading class: curriculum
design and assessment. In: REID, J. M. (Org.). Understanding
learning styles in the second language classroom. New Jersey:
Prenctice Hall Regents, 1998. p. 34-45.
WATKINS, D. Correlates of approaches to learning: a cross-cultural
meta-analysis. In: STERNBERG, R. J.; ZHANG, L. F. (Org.).
Perspectives on thinking, learning, and cognitive styles. Londres:
Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 2001. p. 165-195.
WITKIN, H. A. Cognitive Style in Academic Performance and in
Teacher-Student Relations. In: MESSICK, S. et al. Individuality in
learning. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1976.
______ et al. Personality Through Perception: an experimental
and Clinical Study. Westport: Greenwood Press, 1954.
Recebido em: 30 de julho de 2007
Aprovado em: 15 de outubro de 2007
Aprendizagens sem dificuldades:
a perspectiva histórico-cultural
Maria Aparecida Mello *
Resumo: O objetivo desse artigo é discutir a aprendizagem escolar com base
nos pressupostos do enfoque histórico-cultural, desvinculando-a do termo
“dificuldades” e da perspectiva de “produto”, analisando o desenvolvimento
dos processos de aprendizagens por intermédio da criação de zonas de
desenvolvimento proximal. A intenção é fomentar e incrementar as reflexões e
pesquisas cujos objetivos desviem o foco do problema como sendo
necessariamente da criança, para a discussão sobre as concepções e metodologias
de ensino adotadas pelos profissionais que atuam na Escola, as quais
estigmatizam e definem as trajetórias de vida das crianças rotuladas com
“dificuldades de aprendizagem”.
Palavras-chave: Aprendizagem sem dificuldades. Zona de desenvolvimento
proximal. Teoria Histórico-Cultural. Concepções sobre aprendizagem.
Metodologias de ensino.
Learning without difficulties: The cultural-historical perspective.
Abstract: This article discuss the scholar learning with support in the HistoricalCultural Theory, disconnecting its of the term “difficulties” and of the “product”
* Professora Doutora do Departamento de Metodologia de Ensino e do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos. Coordenadora do Núcleo
de Estudos, Pesquisas e Extensão sobre a Escola de Vigotsky (NEEVY). E-mail:
[email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 203-218
2007
204
Maria Aparecida Mello
perspective, analyising the development of the learning process interposed by
the creation of the proximal development zone. The intention is to foment
and to develop the reflections and researchs whose goals put out of the way
the focus of the problem as being own of the child to the discussion about the
conceptions and the teaching methodologies adopted by the diferents persons
who act in the school, which lable and defining the trajectories of the children´s
life rotulared with “learning dificulties”.
Key words: Learning without difficulties. Proximal development zone.
Historical-Cultural Theory. Conceptions about learn. Teaching methodologies.
A questão sobre as dificuldades de aprendizagens de crianças,
adolescentes e jovens é um assunto que perpassa gerações de estudos
na área da Educação em todos os níveis de ensino, com diferentes
tipos de argumentações e possíveis alternativas de soluções.
Na Educação Básica, as crianças que não apresentam o
desempenho esperado são rotuladas como portadoras de dificuldades
de aprendizagem, cujas denominações nas discussões entre
professores, coordenadores, supervisores e gestores no cotidiano
escolar variam: hiperativo, disléxico, disgráfico, etc., cujas explicações
e causas são atribuídas à própria criança, às suas condições de vida e
de família, culminando em encaminhamentos médicos e terapêuticos.
Esses procedimentos adotados pelos profissionais que atuam
na Escola geram, por um lado, a exclusão dessas crianças de relações
sociais imprescindíveis para o desenvolvimento de aprendizagens e,
por outro, definem trajetórias de fracasso para as suas vidas.
A questão da aprendizagem na Escola
As dificuldades de aprendizagem na escola têm se configurado
em um problema para os seus profissionais, tanto no ensino público
como privado. A insatisfação dos docentes, gestores e familiares em
relação ao desempenho escolar de crianças e adolescentes vem
aumentando e transformando a vida de todos os envolvidos,
principalmente os estudantes.
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
205
Apesar de a Escola buscar acompanhar e inserir algumas
tecnologias como recursos didáticos para possibilitar as aprendizagens
dos conteúdos escolares, o pressuposto metodológico e a concepção
educacional que ainda persiste é a de que a criança ou adolescente
traz ou não consigo uma carga genética para a aprendizagem. Nessa
concepção, aqueles que não são privilegiados geneticamente são os
que apresentam dificuldades de aprendizagem e são encaminhados
para terapias e consultas médicas que possam resolver o problema
para a Escola.
A partir dessa concepção biologicista de desenvolvimento
humano, na qual estão subjacentes as concepções dos professores e
gestores sobre criança, adolescente, ensino, aprendizagem, etc.,
alicerçam-se as metodologias de ensino que irão contribuir para que
as aprendizagens dos educandos se tornem “dificuldades de
aprendizagem” e um problema intransponível para a Escola,
justificando os encaminhamentos médicos e terapêuticos junto às
famílias.
Se mudarmos a direção de nossa análise, da criança para as
metodologias de ensino utilizadas por professores, corroboradas por
supervisores, coordenadores e gestores na Educação Básica,
observaremos que elas, ainda, estão muito pautadas no produto que
a criança ou adolescente apresenta, ao invés do seu processo de
aprendizagem. Tais metodologias de ensino ainda são muito
direcionadas para o individual, uma vez que as atividades são
realizadas com a classe toda, da mesma forma e ao mesmo tempo.
Os conteúdos, por sua vez, são fixos e com prazos
determinados para serem “ensinados”, retirando do educando a
motivação em aprender, pois não há tempo de se apropriar do sentido
deles para a sua vida e, limitando ao professor a flexibilidade de
escolha de conteúdos mais interessantes para a vida dos educandos.
Portanto, mudando nosso foco, mudamos o problema. Ele deixa
de ser “dificuldades de aprendizagem” para ser “dificuldades de
ensino”, decorrentes de vários problemas que envolvem a organização
206
Maria Aparecida Mello
escolar e curricular, formação do professor, condições de trabalho,
entre outras, já amplamente discutidas na literatura da área de
Educação.
A aprendizagem e o ensino na perspectiva Histórico-Cultural
Vigotsky (1993, Tomo II) discute a aprendizagem e o ensino
escolares por intermédio de dois conceitos: zona de desenvolvimento
proximal – relacionada ao processo da aprendizagem; o que a criança
pode fazer hoje em colaboração, com a ajuda de outra pessoa, poderá
fazê-lo autonomamente amanhã – e desenvolvimento atual –
relacionado ao produto da aprendizagem, ou seja, o que ela já aprendeu
e domina.
Nessa perspectiva teórica, a aprendizagem e o ensino sempre
estão à frente do desenvolvimento, pois a criança assimila aspectos da
matéria estudada antes de aprender a utilizá-los conscientemente e
voluntariamente, nesse processo são desencadeadas diferentes funções
psíquicas que estão em processo de maturação e encontram-se na zona
de desenvolvimento proximal, as quais devidamente exploradas e
potencializadas pelo ensino poderão se tornar parte do desenvolvimento
atual.
As investigações de Vigotsky (1993, p. 235, Tomo II)
demonstraram que sempre há “divergencias y que nunca se manifiesta
paralelismo entre el curso de la instrucción escolar y el desarrollo de
las correspondientes funciones”. Os processos didáticos seguem linhas
de continuidade de complexa organização e se desenvolvem no
formato de aulas ou lições, as quais hoje são umas, amanhã poderão
ser outras, ou ainda, no primeiro semestre seguem determinados
conteúdos ou disciplinas, diferentes do segundo semestre,
dependendo do tipo de currículo, nível de ensino, proposta pedagógica
da escola, etc., mas todos regulados por horários, dias, ou programas.
Vigotsky (1993, Tomo II, p. 235) argumenta que:
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
207
[…] sería un gran error suponer que estas leyes externas de la
estructuración del proceso didáctico coinciden por completo con
las leyes internas de estructuración de los procesos de desarrollo
que provoca la instrucción. Sería errôneo pensar que si este
semestre el alumno há estudiado en aritmética algo, por
conseguiente, también en el semestre (interno) de su desarrollo
ha conseguido los mismos éxitos. Si intentamos reflejar
simbólicamente en forma de una curva la línea de continuidad
del proceso didáctico y hacemos lo mismo respecto a la curva
de desarrollo de las funciones psíquicas que intervienen
directamente en la instrucción, como lo hemos tratado de llevar
a cabo en nuestros experimentos, observaremos que estas dos
cur vas no van a coincidir nunca, aunque descubrirán
correlaciones muy complejas.
Nos processos de ensino e de desenvolvimento humano existem
momentos cruciais próprios de cada um que estão relacionados a
uma série de outros momentos anteriores e posteriores. Apesar de
apresentarem complexas relações internas, eles não coincidem
necessariamente, da maneira que a Escola é estruturada. Tomemos
por exemplo, os problemas relacionados à não alfabetização de
crianças. O prazo do domínio da aprendizagem desses conteúdos,
estipulados pelos currículos escolares, não é o mesmo que, geralmente,
as crianças necessitam para a tomada de consciência interna da
linguagem e o domínio da leitura escrita. Os objetivos usualmente
colocados por professores, gestores, coordenadores, supervisores e
famílias para a alfabetização das crianças é o final da primeira série
do Ensino Fundamental e com a implantação do Ensino de 9 anos,
corremos o risco de diminuir esse prazo para as crianças de 6 anos.
Como disse Vigotsky (1993, Tomo II, p. 236): “el desarrollo
no se subordina al programa escolar, tiene su lógica interna”. Se a
lógica na qual a Escola estrutura seus currículos, conteúdos e
metodologias de ensino não alcança a lógica de aprendizagem e
desenvolvimento das crianças, certamente haverá um descompasso
entre as aprendizagens e o ensino, gerando para a Escola as
“dificuldades de aprendizagem” e para a criança uma trajetória de fracasso
que contribuirá para o não desenvolvimento de novas aprendizagens.
208
Maria Aparecida Mello
Em contrapartida, se a concepção na Escola sobre ensino e
aprendizagem considerar os momentos de assimilação da
aprendizagem de um determinado conteúdo como apenas o início
para o domínio dele, os progressos das crianças serão mais evidentes.
O foco do ensino e da avaliação passará a ser a criança, no seu
processo de aprender os conteúdos e não apenas no conteúdo e no
produto já estabelecido a priori.
Quando nos atemos apenas ao produto final, deixamos de
compreender o processo pelo qual a criança está desenvolvendo a
aprendizagem daquele conhecimento. Portanto, o problema de
dificuldades de aprendizagem desloca-se da criança para o ensino e
as metodologias utilizadas pelo professor para alcançar os processos
desenvolvidos pelas crianças para conseguirem aprender um
determinado conteúdo.
Vigotsky (1993) investigou a relação entre as matérias escolares
e as funções psíquicas superiores, utilizando a matemática e a leitura
e escrita. Os resultados demonstraram que o desenvolvimento mental
da criança não se realiza de acordo com o sistema das matérias
escolares, ou seja, a matemática não desenvolve funções de forma
isolada e independente, assim como a linguagem escrita e outras tantas
funções. As diferentes matérias têm um certo grau de base psíquica
comum. Tanto na matemática como na leitura e escrita, a tomada de
consciência e o domínio de cada um dos conteúdos estão igualmente
no primeiro plano de desenvolvimento da aprendizagem de ambos.
O pensamento da criança se processa em todas as matérias e seu
desenvolvimento não se decompõe em trajetórias separadas em função
das diferentes disciplinas escolares.
Se a concepção de aprendizagem que está subjacente ao ensino
for aquela de que todo indivíduo é capaz de aprender e que cada um
tem trajetórias e tempos diferentes, então o problema de dificuldades
de aprendizagem deixa de ser um problema. Os desafios do professor
e da Escola modificam-se para a investigação dos sentidos de
determinados conteúdos para a aprendizagem das crianças, os quais
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
209
exigirão metodologias de ensino apoiadas nas habilidades que as crianças
precisam desenvolver ou que caracterizam o processo de
desenvolvimento para a aprendizagem desses conteúdos.
Essa concepção educativa torna os processos de aprendizagem
mais prazerosos e adequados ao desenvolvimento psíquico das
crianças, uma vez que instiga a curiosidade e a necessidade de
conhecer, próprias dos seres humanos; e ainda, modifica os processos
de ensino, já que não parte do pressuposto de que existe um problema,
mas sim, possibilidades, deixando os professores mais seguros e
motivados para irem em busca constante de outros conteúdos e
metodologias de ensino mais interessantes.
Da mesma forma que no processo de ensino existe uma
estrutura interna com sucessão dos níveis de dificuldades do conteúdo
e com uma lógica de desenvolvimento; na cabeça dos estudantes existe
uma rede interna de processos ativos durante o ensino escolar, que
possui sua própria lógica de desenvolvimento.
Vigotsky (1993) preconizava que uma das tarefas fundamentais
da psicologia escolar consiste precisamente em descobrir essa lógica
interna, esse desenvolvimento interno do pensamento das crianças
que tem uma trajetória diferente do ensino. Seus experimentos
estabeleceram três fatos na relação entre o ensino das matérias
escolares e a aprendizagem das crianças:
1) no ensino de diferentes matérias escolares há enorme
possibilidade de que a aprendizagem de algumas matérias influencie
em outras;
2) existe também uma influência recíproca do ensino no
desenvolvimento das funções psíquicas superiores, que supera os
limites do conteúdo específico de cada disciplina escolar, como se
houvesse uma disciplina que agregasse e fosse inerente a todas as
disciplinas escolares. Quando a criança toma consciência dos
conteúdos de uma disciplina, passa a dominar uma estrutura que se
transfere a outros campos de seu pensamento não relacionados
diretamente com aqueles conteúdos;
210
Maria Aparecida Mello
3) ocorrem igualmente a interdependência e a inter-relação entre
as diferentes funções mentais que compõem a aprendizagem de uma
determinada disciplina. Assim, por exemplo, os desenvolvimentos
da atenção voluntária e da memória lógica, do pensamento abstrato e
da imaginação científica produzem-se como um processo complexo
único, graças à base comum de todas as funções psíquicas superiores;
tal base comum, cujo desenvolvimento constitui o principal foco da
educação escolar, compõe a tomada de consciência e o domínio do
conhecimento.
Nas pesquisas que temos realizado no âmbito do Núcleo de
Estudos, Pesquisas e Extensão sobre a Escola de Vigotsky (NEEVY)
com formação continuada de professores e professoras na área de
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, os
resultados têm demonstrado que as amarras de tempo, conteúdos,
metodologias e outras dinâmicas que envolvem a comunidade escolar
geram angústias nos professores sobre as aprendizagens das crianças,
tornando-os mais desmotivados na busca de melhoria de suas práticas
pedagógicas.
Os prazos de aprendizagem das crianças estipulados nos
currículos escolares, normalmente, referem-se ao período letivo de
10 meses, com um número limitado de conteúdos pré-determinados
a serem ensinados, que não oferecem aos professores mais experientes
o tempo necessário para que possam aprofundar suas reflexões acerca
dos processos de ensino e de aprendizagem e assimilar os avanços
acadêmicos oriundos de pesquisas e concepções alternativas que
possam auxiliá-los na reformulação de suas próprias concepções
educativas e, ainda, limitam também o tempo necessário aos
professores iniciantes para que possam compreender a complexidade
que envolve os processos de ensino e de aprendizagem.
O problema, portanto, não está na existência de dificuldades
de aprendizagem das crianças, mas no descompasso entre as
concepções de aprendizagem que estão presentes na comunidade
escolar, no tempo necessário à investigação, produção e
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
211
implementação de conteúdos e metodologias de ensino adequadas às
realidades das escolas e o tempo exigido das crianças para o domínio
dessas aprendizagens.
Em um projeto desenvolvido no ano de 2006, com 300
docentes que atuam na Educação Infantil municipal de São Carlos/
SP, denominado: “As atividades de Brincadeiras: significado e sentido
para professores de Educação Infantil”, pudemos discutir com os
participantes sobre as concepções que estão subjacentes às suas
práticas educativas e aprofundarmos as reflexões sobre as alternativas
metodológicas possíveis no cotidiano, para potencializar as
aprendizagens das crianças. Uma das estratégias que utilizamos para
potencializar o diálogo sobre essas práticas educativas foi a solicitação
ao professores e professoras que observassem algumas brincadeiras
livres das crianças e registrassem suas impressões. O exemplo a seguir,
ilustra o descompasso entre o que a professora espera de desempenho
das crianças e a sua dificuldade de interpretação sobre esse
desempenho.
Era uma turma de crianças de 3 anos de idade, estavam brincando
de casinha duas meninas. Uma delas representava o papel de
mãe e a outra de filha. A filha chamava a mãe que respondia:
“Não posso, estou lavando roupa”.
A professora que realizou essa observação verbalizou, em
primeiro lugar, que a tarefa de observar as crianças brincando lhe deu
uma outra visão sobre as crianças para as quais ela ensinava, e em
segundo lugar, que ficou muito surpresa com o tema da brincadeira
dessas crianças, pois esperava que ao deixá-las brincar livremente,
fossem dramatizar a história de príncipes e princesas que ela havia
lhes contado minutos antes. Não imaginava que as crianças pudessem
brincar com temas reais e, não compreendia o fato de não
dramatizarem a história de conto de fadas, já que as crianças haviam
gostado muito da história contada.
212
Maria Aparecida Mello
A partir desse relato pudemos dialogar e analisar com os docentes
as concepções romantizadas de criança que estão direcionando as
práticas educativas e as conseqüências dessas práticas para o
desenvolvimento das aprendizagens das crianças, aprofundando juntos
a reflexão sobre as imitações das crianças a respeito das ações cotidianas
dos adultos que as auxiliam a compreender as relações entre elas e a
desenvolverem aprendizagens importantes para a convivência com os
outros.
Quando nos colocamos a observar essas representações das
crianças sobre o mundo em que vivem, temos a oportunidade de rever
nossas concepções, identificar em que bases estão se fundamentando
os processos de aprendizagens das crianças, selecionar conteúdos com
sentido para elas, os quais possam potencializar e instigar essas e
novas aprendizagens.
O confronto de nossas concepções com o resultado das
observações que realizamos enquanto as crianças desenvolvem
atividades nem sempre é fácil de ser aceito e leva tempo para podermos
nos convencer de que a criança que temos em mãos para ensinar é
bem diferente daquela que imaginávamos. Esse processo não é
tranqüilo e nem pode ser realizado solitariamente. É preciso uma
parceria entre a universidade e a escola que se possa compartilhar os
saberes produzidos em ambas instituições, produzir e implementar
juntos metodologias de ensino que auxiliem os docentes a
compreender os processos de aprendizagem das crianças e adequar
as atividades a elas, desenvolvendo os motivos para a criança aprender
e os motivos para o professor ensinar.
Leontiev (1978) argumenta que a relação entre os motivos e a
evolução das necessidades humanas não é constituída apenas pela
consciência dos motivos relacionados às necessidades naturais, mas
consiste no deslocamento dos motivos de uma ação para fins mais
amplos, que não correspondam diretamente à satisfação dessas
necessidades, mas para a criação de novas necessidades. Esse processo
é extremamente complexo, pois é produzido no deslocamento dos
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
213
motivos para os fins e pela sua conscientização. O homem passa a
direcionar os motivos de suas ações a um fim, intencional,
transformando suas ações em atividades. Essas atividades são
especiais, pois exigem atos que reflitam a relação entre o motivo de
uma atividade concreta e o de uma atividade muito mais ampla, a
qual gera uma relação vital, maior e mais geral do que aquela atividade
concreta em questão.
A “brincadeira” é um tipo de atividade em que o motivo está
no próprio processo e é característica do período pré-escolar. Ela é o
tipo principal de atividade na infância. É caracterizada por seu
objetivo residir no próprio processo e não no produto da ação. Por
exemplo: para uma criança pequena que brinca com areia ou blocos
de madeira, o alvo da brincadeira não está na construção de castelos
ou estruturas, nem em contar ou anotar a quantidade de blocos
vermelhos utilizados na sua construção, mas em fazer, ou seja, na
própria ação, no processo de montar e desmontar, de deixar cair, etc.
Quando a professora de Educação Infantil imprime a sua visão
de jogo, com suas regras e tempos determinados, à brincadeira da
criança, tornando o produto mais importante do que o processo de
participação, a atividade deixa de ser uma brincadeira para a criança
e torna-se apenas uma tarefa escolar a ser cumprida, sem compreender
de fato o sentido dela. Com esse procedimento, a professora perde a
oportunidade de aprender sobre os processos de aprendizagem que a
criança está desenvolvendo enquanto brinca, pois sua atenção está
focada no desempenho final, naquilo que ela aprendeu ou deveria
aprender. Se adotasse o procedimento de observação da brincadeira,
sem limites fixos de regras e tempos, poderia talvez chegar à conclusão
de que mesmo a criança não apresentando o produto esperado, não
significa que ela esteja com dificuldades. Talvez, apenas tenha utilizado
processos de pensamento diferentes daqueles que a professora
utilizaria, gerando um outro produto, que não é melhor ou pior, mas
diferente e que produziu outras aprendizagens.
214
Maria Aparecida Mello
A Zona de Desenvolvimento Proximal
O estágio do desenvolvimento da criança não pode ser
determinado apenas por meio daquilo que a criança já aprendeu. [...]
“el horticultor, que deseando determinar el estado de su huerto, no
tendrá razón si se limita a valorar los manzanos que ya han madurado
y han dado fruto, sino que debe tener también en cuenta los árboles
en maduración” (VIGOTSKI, 1993, p. 238, Tomo II). Assim, não apenas
o nível atual é importante para o professor diagnosticar o
desenvolvimento das aprendizagens da criança, mas principalmente,
a zona de desenvolvimento próximo, ou seja, investigar aquelas
aprendizagens que estão em processo.
O conhecimento que a criança já adquiriu deve se configurar no
nível inferior do ensino, uma vez que o processo de aprendizagem não
está terminado. É fundamental o estabelecimento do nível superior de
ensino – o que a criança precisa adquirir para a aprendizagem desse
conhecimento se efetivar, ou seja, dominar o conhecimento. “Solo
dentro de los limites existentes entre estos dos umbrales puede resultar
fructífera la instrucción. [...] La enseñanza deve orientarse no al ayer,
sino al mañana del desarrollo infantil” (VIGOTSKI, 1993, p. 242).
Se as atividades individuais são importantes para uma avaliação
diagnóstica das aprendizagens das crianças, em contrapartida, as
atividades que envolvem colaboração entre as crianças são
fundamentais para desencadear novas aprendizagens. Todavia, a
metodologia de ensino para ambas atividades não pode permanecer
sob a concepção de constatação, mas sim, de investigação.
As atividades individuais oferecem aos professores a
possibilidade de poder decidir os pontos de partida do ensino. As
atividades colaborativas vão direcionando o professor sobre as
possibilidades de ensino e as adequações metodológicas necessárias
de ser implementadas durante o processo de ensino e de aprendizagem.
Cada criança tem seu tempo e uma forma de aprender, mas,
isso não significa, necessariamente, dificuldades em aprender. Todo
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
215
ser humano é capaz de aprender. Na perspectiva histórico-cultural a
atividade que possibilita aprendizagens e o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores é uma atividade mediatizada por signos,
objetos, outras pessoas, outros conteúdos, que têm história, tempos
e estão inseridos na cultura.
As funções psíquicas superiores são o produto da complexa
interação do homem com o mundo, interação mediatizada pelos
objetos criados pela sociedade. A diferença entre a psique “natural”
dos animais e dos processos psíquicos superiores do homem é
justamente os “instrumentos” especiais, denominados por Vigotsky
(1995, Tomo III) de signos – os quais se colocam entre a função natural
e seu objeto, mudando a raiz das propriedades dessa função. O conceito
de signo refere-se a todo estímulo criado artificialmente pelo homem e
que constitui um meio para dominar o comportamento alheio ou próprio.
Os instrumentos e os signos não esgotam todo o conteúdo da
categoria da atividade mediatizadora. A diferença entre eles se
configura no fato de que o instrumento provoca modificações no
objeto da atividade, configurando-se como meio da atividade externa
do homem na transformação da natureza. O signo, não modifica nada
no objeto da operação psicológica, ele é o meio da ação psicológica
sobre o comportamento humano, portanto, dirigido para dentro do
homem. Ambos estão unidos na filo e ontogênese, uma vez que o
domínio da natureza está entrelaçado ao domínio de si mesmo. Daí a
transformação da natureza realizada pelo homem produzir a
modificação de sua própria natureza, pois o homem, ao empregar os
instrumentos, marcou o início do gênero humano. Na ontogênese, o
uso do primeiro signo assinalou que o ser humano saiu dos limites do
sistema orgânico da atividade.
No desenvolvimento das funções psíquicas superiores,
Vigotsky (1995) afirma que a função, no desenvolvimento cultural
da criança, aparece duas vezes: a primeira no plano social, como
função interpsicológica, compartilhada entre duas pessoas (a criança
e o outro) e a segunda, no plano psicológico, como função
intrapsicológica, no próprio indivíduo.
216
Maria Aparecida Mello
Nas palavras do próprio Vigotsky (1993, Tomo III, p. 146):
Toda la historia del desarollo psíquico del niño nos enseña que
desde los primeros días de vida, su adaptación se logra por medios
sociales, a través de las personas circundantes. El camino que va
de la cosa al niño y del niño a la cosa pasa a través de otra
persona. El tránsito de la via biológica de desarollo a la social es
el eslabón central en el proceso de desarollo, el punto de viraje
radical de la historia del comportamiento del nino [...]. El lenguaje
juega aqui un papel de primer orden.
O desenvolvimento cultural da criança não é conseqüência e
nem continuação direta do desenvolvimento orgânico, nem ocorre
de maneira uniforme, como se concebia antigamente, por exemplo: a
passagem das percepções de figuras numéricas ao sistema decimal, o
balbucio às primeiras palavras, etc. As investigações de Vigotsky
(1993) demonstraram que antes o que se pensava que era um caminho
reto, contínuo, apresenta de fato uma ruptura e avanços por saltos e
que os processos culturais concebidos apenas como assimilação de
hábitos sociais, são considerados hoje como processos de
desenvolvimento humano. Na perspectiva histórico-cultural, o
desenvolvimento cultural da criança só pode ser concebido como um
processo vivo de desenvolvimento, de formação, de luta, em
contraposição aos modelos estereotipados e padronizados de
desenvolvimento. O processo de desenvolvimento vivo ocorre em
constantes contradições entre as formas primitivas e culturais,
comparados à evolução dos organismos na história da humanidade
(Vigostky, 1995, Tomo III).
Ao superar a concepção biologicista de desenvolvimento e de
aprendizagem humanas, o docente passa a compreender que à medida
que a criança adentra na cultura, não apenas assimila e se enriquece
com diferentes aprendizagens e conhecimentos, mas a própria cultura
modifica profundamente a composição natural da conduta da criança
e fornece uma orientação completamente nova ao seu
desenvolvimento.
Aprendizagens sem dificuldades: a perspectiva histórico-cultural
217
Portanto, a compreensão das necessidades de aprendizagens das
crianças, tendo como foco a cultura e, não as “dificuldades”, envolve
conceber a si próprio como um agente mediador de aprendizagens e de
novas trajetórias de desenvolvimento das crianças, assim como as outras
crianças, os signos, objetos, ferramentas que também compõem essa
cultura agem como mediadores de aprendizagem.
A mudança radical na concepção transforma, também,
radicalmente, o ensino e as questões relacionadas às aprendizagens.
As implicações educativas decorrentes da mudança de
concepção de ensino e aprendizagem apontam na direção da superação
da ênfase de ensino no nível de desenvolvimento efetivo, ou seja,
daquilo em que a criança já aprendeu, cabendo, geralmente, à Escola
apenas aprofundá-lo em seus diferentes níveis de Educação Básica;
da superação da demarcação de limites de desenvolvimentos para
determinadas crianças, faixas etárias, nível social, etc.
Essas e outras concepções oriundas da perspectiva tradicional
de educação escolar eram admissíveis em uma época em que o ensino
deveria ir a reboque do desenvolvimento e servir para reforçá-lo, pois
parecia impossível que ele pudesse preceder o desenvolvimento
biológico da criança, uma vez que não se podia ensinar aquilo para o
qual não havia bases maturativas na própria criança.
Vigotski (1993, p. 245) critica o ensino que se limita ao nível
de desenvolvimento efetivo ou atual da criança, afirmando que o
bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento efetivo, ou
seja, aquele que atua na zona de desenvolvimento próximo.
“Ensinar a uma criança aquilo que é incapaz de aprender é
tão inútil como ensinar-lhe a fazer o que é capaz de realizar por si
mesma.” Assim, na escola as atividades devem ser desafiantes, de
forma a levá-la a ultrapassar o nível de desenvolvimento efetivo,
problematizando o que ela já sabe, de maneira a gerar novas
aprendizagens.
Petrovski (1980) explica que não há nada melhor que a prática
cotidiana de superação de problemas para desenvolver uma
218
Maria Aparecida Mello
qualidade volitiva tão valiosa para o homem, como o domínio sobre
si mesmo. O papel do coletivo nesse processo de formação é
importantíssimo, pois é nele que o homem contrapõe sua visão e
tem a opinião do outro.
Nesse processo, à medida que o professor percebe as
necessidades de aprendizagem das crianças, também visualiza as suas
próprias necessidades e, no esforço de criar nas crianças novas
necessidades, gera nele também outras tantas, e assim, juntos vão se
distanciando de visões que admitem a dificuldade na aprendizagem.
A prática educativa é por natureza intencional, vinculada à
formulação de fins e subjacente a valores produzidos pela sociedade.
Não basta aos homens terem acesso e se apropriarem das tecnologias
produzidas na sociedade atual. É preciso ir além, interiorizá-las,
desenvolver as habilidades necessárias para dominá-las e ao mesmo
tempo, captar a sociedade em seu conjunto, percebendo a alienação
produzida nela e pela própria tecnologia. O homem precisa conhecer
a sociedade em que vive, a ponto de poder movê-la e mover-se nela.
Referências bibliográficas
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros
Horizonte, 1978.
PETROVSKI, A. Psicologia general. Manual didáctico para los
institutos de pedagogía. Moscú: Editorial Progreso, 1980.
VIGOTSKY, Liev S. Obras Escogidas. Tomo II. Pensamiento y
Lenguaje. Madrid: Visor Distribuciones, 1993.
______. Obras Escogidas. Tomo III. Problemas Del desarrollo de
la psique. Madrid: Visor Distribuciones, 1995.
Recebido em: 01 de agosto de 2007.
Aprovado em: 10 de setembro de 2007.
Avaliação cognitiva: contribuições
para um melhor desempenho escolar
Roberta Rocha Borges *
Orly Zucatto Mantovani de Assis **
Resumo: Este artigo apresenta as experiências de avaliação cognitiva realizadas
pelo Serviço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP), serviço de
extensão comunitária realizado pelo Laboratório de Psicologia Genética da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). As crianças atendidas, na faixa
etária de 7 a 10 anos, e com dificuldades na escola, cursam o ensino fundamental
público ou particular de Campinas-SP e região, sendo avaliadas quanto ao
aspecto cognitivo, enfocando-se suas estruturas intelectuais. Os resultados
encontrados revelam que 94% das crianças avaliadas não possuem as estruturas
cognitivas esperadas. Assim, o objetivo do SAIP é sugerir maneiras mais eficazes
de intervenção pedagógica para auxiliar essas crianças na escola.
Palavras-chave: Dificuldade de aprendizagem. Piaget. Cognição. Desempenho
escolar. Diagnóstico operatório.
* Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pedagoga
e pesquisadora do Laboratório de Psicologia Genética (LPG). E-mail:
[email protected]
** Doutora em Educação. Fundadora e responsável pelo Laboratório de Psicologia Genética
(LPG) da Unicamp. Docente da Universidade Estadual de Campinas. E-mail:
[email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 219-245
2007
220
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Cognitive avaliation: Contributions for a better school performance
Abstract: This paper presents the experiences with cognitive evaluation made
by Serviço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP), communitary
extension service provided by Laboratório de Psicologia Genética da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). The children assisted, from
7 to 10 years old, with school problems, attend Campinas’ public or private
elementary schools, being evaluated in their cognitive aspect, focusing their
intellectual structures. The obtained results show that 94% of the evaluated
children don’t have the intellectual structures expected. Considering that,
SAIP’s objective is to suggest more efficient ways of pedagogical approach to
help those children at school.
Key words: Learning problems. Piaget. Cognition. School performance.
Diagnosis school problems.
O Serviço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP)
O Laboratório de Psicologia Genética (LPG) da Faculdade de
Educação da UNICAMP oferece à comunidade um serviço de extensão
universitária que presta atendimento às crianças que apresentam
dificuldades de aprendizagem escolar. Esse serviço é denominado
Serviço de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica (SAIP) e tem por
objetivo atender crianças e adolescentes provenientes de escolas
públicas e particulares que apresentam dificuldades de aprendizagem.
Tais dificuldades são apontadas, inicialmente, em virtude de os alunos
apresentarem baixo desempenho acadêmico, ou seja, problemas em
acompanhar os conteúdos escolares. Tais situações levam pais e
professores a encaminharem essas crianças ao SAIP para que sejam
avaliadas e, se necessário, a participarem do programa de intervenção
psicopedagógica, oferecido pelo serviço.
O SAIP atende em média 30 crianças por ano na faixa etária de
7 a 10 anos de escolas públicas e particulares de Campinas-SP e região.
Essas crianças, inicialmente, passam por uma série de avaliações
cognitivas. Os resultados obtidos com tais avaliações permitem que
a equipe de profissionais do LPG intervenha adequadamente a partir
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
221
de um trabalho pedagógico e psicopedaógico, ou seja, tal equipe traça
um plano de trabalho específico para cada criança.
O SAIP se propõe a realizar uma avaliação através da qual é
feita uma análise estrutural do desempenho intelectual da criança,
ou seja, quando tal criança apresenta qualquer queixa de dificuldades
escolares, aplica-se, a princípio, as provas diagnósticas do pensamento
operatório que permitem diagnosticar o tipo de raciocínio que essa
criança utiliza para resolver os problemas escolares com lógica, ou
seja, se possuem as estruturas de classificação, seriação e conservação.
Tais estruturas são extremamente importantes para a interpretação
do mundo físico ou social, que permitem a todo indivíduo assimilar
as próprias ações e as dos seus semelhantes. Portanto, estas estruturas
cognitivas constituem uma forma de compreender e transformar a
realidade (MACEDO, 1994).
Dessa forma, o que se busca na avaliação realizada pelo SAIP
é conhecer quais são os instrumentos intelectuais de que o indivíduo
utiliza-se para interagir com a realidade ou, em outras palavras,
conhecer bem o momento de construção em que sua inteligência
encontra-se.
Diferentemente da abordagem psicométrica, que procura aferir
o grau de desenvolvimento dos esquemas mentais, ou seja, medir o
quanto se é inteligente, a avaliação utilizada pelo SAIP propõe-se a
realizar uma análise qualitativa da inteligência. O que importa nesse
tipo de avaliação não são as respostas certas da criança, mas,
principalmente, os argumentos utilizados em suas respostas. O que
interessa é conhecer por que a criança faz isto ou aquilo, ou seja,
porque ela pensa dessa ou daquela forma.
Para a equipe do SAIP, adotar essa forma de avaliação justificase por permitir a apreensão de como a criança estrutura o seu
conhecimento. Trata-se de um processo diagnóstico ainda pouco
conhecido e valorizado nos meios escolares, por envolver o trabalho
com os aspectos endógenos que fazem parte dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem. Sabe-se que, apesar de complexa,
222
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
a avaliação estrutural pode trazer uma grande contribuição para o
entendimento de muitas das dificuldades de aprendizagem
apresentadas pelas crianças.
Segundo a Epistemologia Genética de Jean Piaget (1896-1980),
muitas dessas dificuldades podem estar relacionadas ao fato de as
crianças em idade escolar não possuírem as estruturas lógicas
elementares. E para resolver os problemas que os conteúdos escolares
oferecem, é importante a construção dessas estruturas. Isso porque
tais estruturas favorecerão o pensamento lógico da criança na idade
em que freqüenta o ensino fundamental.
É necessário também mencionar o fato de que alguns conteúdos
da escola necessitam de técnicas de aprendizagem e memorização e,
dessa forma, devem ser ensinados para as crianças. O exercício de
memorização dos conteúdos demanda um certo tempo para ser
assimilado e acomodado às estruturas de pensamento da criança; por
isso, necessita da sua ação repetida. E ainda não se pode, nesse
processo, esquecer o aspecto afetivo; a escola deve levar em conta os
interesses, a necessidade e a motivação de cada criança. Caso isso
não seja levado em conta, tal processo torna-se extremamente
cansativo e desinteressante para a criança. E, ao avaliá-las quanto a
esses conteúdos que demandam memorização, pode-se cair no erro
de mencionar que elas apresentam dificuldades na escola. E isso não
é verdade, já que é necessário saber distinguir se a criança precisa
somente assimilar e acomodar aquele conteúdo novo às suas
estruturas ou se a criança não tem as estruturas para entendê-los.
Vale destacar que, comprometido com uma concepção
construtivista de desenvolvimento, o trabalho proposto pelo SAIP parte
do pressuposto que a evolução cognitiva não está desvinculada dos
processos relacionados aos aspectos afetivo, social e físico, visto
compreendê-los como dimensões fundamentais e indissociáveis do
processo de constituição do indivíduo. Muito pelo contrário, valorizase bastante a importância do aspecto afetivo para a construção das
estruturas lógicas.
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
223
O aspecto afetivo, muitas vezes, é esquecido nos processos de
ensino e aprendizagem, pois acredita-se que aprender representa
somente absorver os conteúdos escolares contidos nos livros
didáticos, ou seja, os conhecimentos que a criança traz para a escola
acabam sendo descartados.
No entanto, neste artigo, serão apresentados os aspectos
realizados quanto à natureza cognitiva da avaliação, visto que estes
ajudam os educadores a melhorarem a compreensão da forma de
raciocínio da criança e, com isso, obter situações de ensino e de
aprendizagem mais coerentes com as necessidades e possibilidades
de cada aluno.
Os fundamentos teóricos
O S AIP tem por fundamento a teoria piagetiana; caberia,
portanto, explicar como ocorre o processo de construção do
conhecimento para que se possa entender o porquê das dificuldades
escolares em crianças que não apresentam o desempenho escolar
exigido pela escola.
Jean Piaget, biólogo, nasceu na cidade suíça de Neuchâtel, a 9
de agosto de 1896, tendo formulado a teoria da psicologia e da
epistemologia genética, cuja preocupação era estudar como o
conhecimento é possível. Para ele, o conhecimento que se constrói é
fruto de uma interação entre o indivíduo e o meio que o cerca, cujas
propriedades vão se estruturando à medida que a criança estrutura
seus próprios conhecimentos.
Tendo em vista que a escola tem como objetivo principal fazer
com que as crianças aprendam os conteúdos ensinados por ela, caberia
iniciar essa fundamentação teórica respondendo a esta pergunta: como
a criança aprende?
Em primeira instância, a criança aprende como indivíduo
ativo do processo de construção do conhecimento. O foco do
aprendizado deve estar nela; o conteúdo existe, mas é preciso uma
224
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
interação entre este e a criança, uma vez que ela é quem deveria pensar
sobre o conteúdo.
Nesse sentido, Piaget (1973, p. 39-40) ressalta que:
Os conhecimentos não partem, com efeito, nem do sujeito
(conhecimento somático ou introspecção) nem do objeto (porque
a própria percepção contém uma parte considerável de
organização), mas das interações entre sujeito e objeto, e de
interações inicialmente provocadas pelas atividades espontâneas
do organismo tanto quanto pelos estímulos externos. A partir
destas interações primitivas, onde os fatores internos e externos
colaboram de maneira indissociável (e são subjetivamente
confundidos), os conhecimentos orientam-se em duas direções
complementares, apoiando-se constantemente nas ações e nos
esquemas de ação, fora dos quais não têm nenhum poder nem
sobre o real nem sobre a análise interior.
Em muitas escolas, acredita-se ainda que o conhecimento
dá-se dessa forma, que a mente da criança, ao nascer, é uma tábula
rasa; destituída de qualquer conteúdo. O conhecimento dá-se à
medida que as percepções sensoriais vão captando as informações
da realidade. Segundo tais concepções escolares, o conhecimento é
adquirido de fora para dentro, preenchendo o vazio inicial da mente
com as cópias tiradas da realidade que irão formar o conteúdo mental.
É por isso que a criança passa horas escutando as explicações dos
professores para aprender. Mas, isoladamente, tal fato não basta
para a criança aprender. É preciso que haja interação entre a criança
e o conteúdo explicado uma vez que é a criança quem precisa
organizar tal conteúdo.
Piaget adota uma posição construtivista; uma vez que, para
ele, o conhecimento não provém só do meio, como explicam os
empiristas, ou só do indivíduo, como admitem os racionalistas, mas
sim, da interação entre ambos. Para conhecer, o sujeito atua sobre o
meio, transformando-o. “O conhecimento é sempre um vir a ser e
consiste em passar de um conhecimento menor para um estado mais
completo e mais eficaz” (PIAGET, 1973, p. 12).
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
225
Nesse sentido, Piaget (1988, p. 32) ressalta que:
A faculdade de pensar logicamente nem é congênita nem está
pré-formada no psiquismo humano. O pensamento lógico é o
coroamento do desenvolvimento psíquico e constitui o término
de uma construção ativa e de um compromisso com o exterior,
os quais ocupam toda a infância. A construção psíquica que
desemboca nas operações lógicas depende primeiro das ações
sensoriomotoras, depois das representações simbólicas e
finalmente das funções lógicas do pensamento. O
desenvolvimento intelectual é uma cadeia ininterrupta de ações,
simultaneamente de caráter íntimo e coordenador, e o
pensamento lógico é um instrumento essencial da adaptação
psíquica ao mundo exterior.
Piaget (1973) traz uma outra visão de aluno, que seria a de um
ser que nasce com a capacidade de vir a ser inteligente e que quanto
mais age sobre o objeto de conhecimento, que podem ser os seus
conteúdos, mais essa criança aprende. Além disso, muitas vezes faltam
as estruturas intelectuais para que essa criança aprenda um
determinado conteúdo, e esse é memorizado sem entendimento algum,
sendo logo esquecido. Tal fato não é levado em conta pelas escolas e,
assim, muitas vezes, a criança obtém uma aprendizagem irreal, pois
não foi possível assimilar e acomodar os conteúdos
A teoria piagetiana tem por objetivo central explicar a
construção das estruturas de conhecimento que surgem no decorrer
do funcionamento adaptativo do ser humano. A construção dessas
estruturas específicas para o ato de conhecer ocorre à medida que o
sujeito interage com o meio. “[...] A originalidade das estruturas
biológicas reside em serem dinâmicas, isto é, admitem um
funcionamento” (PIAGET, 1973, p. 169) Logo, é preciso que as crianças
pensem sobre os conteúdos escolares.
Piaget (1973) acredita que todos os seres humanos nascem
com a capacidade de vir a ser inteligentes, uma vez que herdam de
seus ancestrais a possibilidade orgânica de construir a inteligência.
226
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
[...] o conhecimento não poderia ser concebido como algo
predeterminado nas estruturas internas do indivíduo, pois que
estas resultam de uma construção efetiva e contínua, nem nos
caracteres preexistentes do objeto, pois que estes só são
conhecidos graças à mediação necessária dessas estruturas; e
estas estruturas os enriquecem e enquadram (pelo menos os
situando no conjunto dos possíveis) (PIAGET, 1971, p. 7).
A construção das estruturas da inteligência não pode ser
explicada apenas pelo processo de aprendizagem. “A aprendizagem
com reforço externo produz muito pouca mudança no pensamento
lógico ou então uma extraordinária mudança momentânea, sem
compreensão real” (PIAGET, 1978, p. 89).
As estruturas cognitivas possuem um caráter integrador, visto
que são preparadas por aquelas que as precedem, integrando-se
àquelas que as sucedem. Para que ocorra a construção das estruturas
da inteligência, o sujeito precisa adaptar-se ao meio, e tal adaptação
dá-se através de dois processos fundamentais e indissociáveis:
assimilação ou incorporação de um elemento do meio exterior e
acomodação, que seria um processo complementar ao da assimilação,
e que implica na modificação do esquema ou estrutura em função
das particularidades do objeto a ser assimilado. A adaptação supõe
sempre um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.
[...] uma acomodação só pode ser a acomodação de uma estrutura
organizada e, por conseguinte, não se produz sob a influência de
um fator ou de um elemento exterior senão na medida em que há
mais assimilação momentânea ou durável deste elemento ou de
seu prolongamento à estrutura que modifica (PIAGET, 1973, p. 200).
Para Piaget, assimilação e acomodação são duas funções
complementares, constituindo os dois pólos funcionais de toda
adaptação, opostos um ao outro. “[...] O caráter indissociável da
assimilação e da acomodação, condições constitutivas, são ao mesmo
tempo inseparáveis e necessárias [...] “ (PIAGET, 1973, p. 200).
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
227
É através dos processos de assimilação e acomodação que as
estruturas se transformam, dando origem umas às outras. O fato
essencial, do qual se deve partir, é o de que nenhum conhecimento,
mesmo que perceptivo, constitui uma simples cópia do real, uma
vez que supõe um processo de assimilação às estruturas anteriores.
Assim:
[...] Assimilação é realmente a integração a estruturas prévias,
que podem permanecer invariáveis ou são mais ou menos
modificadas por esta própria integração, mas sem
descontinuidade com o estado precedente, isto é, sem serem
destruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação
(PIAGET, 1973, p. 13).
É necessário que haja um equilíbrio entre a assimilação e
acomodação para que o sujeito possa adaptar-se ao meio; tal equilíbrio
implica uma modificação das estruturas e, ao mesmo tempo, sua
conservação.
Pode-se afirmar, a partir dessa teoria, que o meio exerce um
papel fundamental na construção das estruturas cognitivas. É a partir
das solicitações do meio que ocorre a construção do conhecimento,
uma vez que ele oferece estímulos aos quais o indivíduo reage.
A solicitação do meio deve ser entendida como um processo
sistemático que consiste em colocar a criança em situaçõesproblema que a conduzem a manipular um conjunto de objetos
que, pela sua natureza (forma-cor e tamanho), deverão
determinar a sua capacidade crescente de: a) conhecer suas
propriedades físicas; b) estabelecer relações entre esses objetos
reuni-los em classes, dissociá-los (concluir, por exemplo, que uma
bola amarela pertence ao mesmo tempo ao conjunto de objetos
amarelos e ao conjunto das bolas); c) ordená-los, entendendo
que se um elemento “A” de uma série é maior do que “B” de
uma mesma série e “B” é maior do que “C”, logo, “A” é maior
do que “C”. Essas noções implicam a conservação da substância,
a classificação e a seriação operatória (ASSIS, 1976, p. 52)
228
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Nesse sentido, Assis (1976) enfatiza, em seus estudos, o quanto
o papel do meio influencia na construção das estruturas de inteligência.
Só esses estímulos do meio fazem com que a criança reaja à construção
do conhecimento. Dessa forma, o ritmo do processo de construção
das estruturas da inteligência depende das solicitações do meio e das
respostas do sujeito a essas solicitações; por conseguinte, poderá haver
acelerações ou atrasos devido às experiências adquiridas e às
transmissões sociais. Como afirma o próprio Piaget (1973, p. 102):
Sabemos que hoje esta organização consiste na construção de
estruturas operatórias, a partir da coordenação geral das ações,
e que esta construção se efetua graças a uma série de abstrações
reflexivas (ou diferenciações) e de reorganizações (ou interações).
Julgamos saber, além disso, que estes processos são dirigidos
por uma auto-regulação ou equilibração progressiva e que
supõem claramente a interação contínua entre o sujeito e os
objetos, isto é, o duplo movimento de assimilação às estruturas
de acomodação destas ao real.
O desenvolvimento da inteligência da criança surge como
sucessão de quatro grandes construções, em que cada uma delas
prolonga a anterior, reconstruindo-a; primeiro, num plano novo, para
ultrapassá-la e, em seguida, de forma cada vez mais ampla. São estes
os estágios da inteligência estudados por Piaget: o da inteligência
sensório-motora ou prática, que constitui o período que vai da
lactência até por volta de 1 ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao
desenvolvimento da linguagem e do pensamento; o estágio da
inteligência intuitiva, ou pré-operatório, que se inicia,
aproximadamente, aos 2 anos e termina por volta dos 7/8 anos; o
estágio das operações intelectuais concretas, ou seja, operatório
concreto (começo da lógica) e que se inicia por volta dos 7/8 anos e
termina, aproximadamente, aos 11/12 anos e, por último, o estágio
das operações intelectuais abstratas, que se inicia por volta dos 11/
12 anos e se estende até os 15/16 anos. Piaget (1975, p. 14) explica,
em relação aos estágios, que:
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
229
Cada estágio é caracterizado pela aparição de estruturas originais,
cuja construção o distingue dos estágios anteriores. O essencial
dessas construções permanece no decorrer dos estágios ulteriores,
como sub-estruturas, sobre as quais se edificam as novas
características. Segue-se que, no adulto, cada um dos estágios
passados corresponde a um nível mais ou menos elementar ou
elevado da hierarquia das condutas. Mas a cada estágio
correspondem também características momentâneas e
secundárias, que são modificadas pelo desenvolvimento ulterior,
em função da necessidade de melhor organização. Cada estágio
constitui, então, pelas estruturas que o definem, uma forma
particular de equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido
de uma equilibração sempre mais completa.
O período sensório-motor vai do nascimento até a aquisição
da linguagem, sendo de extrema importância para o desenvolvimento
mental, uma vez que é decisivo para todo o curso da evolução
psíquica, representando a conquista da percepção e dos movimentos
de todo o universo prático que cerca a criança.
Esse período constitui o ponto de partida do desenvolvimento,
uma vez que, quando o recém-nascido vem ao mundo, este possui
um conjunto de reflexos (como, por exemplo, o de sugar ou o de
pegar) que entram em ação desde o nascimento. As repetições das
ações ajudarão na consolidação da conduta, fazendo com que o bebê
domine determinada ação.
Piaget denomina esse período de sensório-motor, pois há falta
de função simbólica; o bebê não apresenta pensamento nem
afetividade ligados às representações que permitam evocar pessoas
ou objetos na ausência deles.
A inteligência, nesse período, é essencialmente prática, ou seja,
tende a resultados favoráveis, e não ao enunciado de verdades. Essa
inteligência resolve um conjunto de problemas por meio da ação, como
por exemplo: alcançar objetos afastados ou escondidos, construindo,
para isso, um sistema complexo de esquemas de assimilação e de
organização do real de acordo com um conjunto de estruturas espaçotemporais e causais.
230
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Para Piaget e Inhelder (1988, p. 31), os esquemas sensóriomotores constituem o alicerce sobre o qual todos os conhecimentos
ulteriores serão construídos. Suas palavras são esclarecedoras quando
eles afirmam:
Se as crianças dos sete aos doze anos, e mais tarde os adultos,
são capazes de adquirir conhecimentos geométricos e físicos é
porque já durante os primeiros anos da vida conquistaram o
espaço graças aos seus movimentos e percepções. A coordenação
dos movimentos do próprio corpo e dos objetos leva ao
conhecimento sensório-motor do espaço sobre o que se
estruturam mais tarde as representações espaciais concretas e,
sobre estas, as operações geométricas do pensamento. Pela
coordenação dos movimentos e das percepções a criança constrói
o esquema de sua conduta frente aos objetos constantes.
Descobre que também os objetos, total ou parcialmente ocultos,
têm uma forma e um tamanho permanentes. Este esquema
sensório-motor dos objetos constitui por sua vez o fundamento
de todos os princípios de invariação físico-matemática adquiríveis
posteriormente, os quais dão segurança ao nosso pensamento e
nos permitem orientar-nos no acontecer tempo-espacial.
É a partir de um conjunto de reflexos que o bebê traz consigo
ao nascer que este vai se relacionar com o meio exterior e adaptar-se.
Esses reflexos vão perdendo sua rigidez inicial e vão adaptando-se a
situações externas, transformando-se em esquemas de ação os quais
permitem ampliar, consideravelmente, as possibilidades de contatos
da criança com o mundo. Dessa maneira, nesse período, o sujeito
inicia o processo de construção do conhecimento, ou seja, a
construção de esquemas sensório-motores que se integrarão às
estruturas do pensamento pré-operatório.
Ao final de dois anos, a criança do período sensório-motor
construiu o conhecimento prático da realidade e de si própria, bem
como seus esquemas sensório-motores.
O período pré-operatório ou da inteligência intuitiva ou prélógica tem o seu início a partir dos 2 anos, estendendo-se até por
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
231
volta dos 7 anos. Tal período é marcado pela capacidade de
representação, que consiste na função simbólica ou semiótica, a qual
possibilita a evocação de alguma coisa: um significado qualquer, um
objeto ou um acontecimento por meio de um significante diferenciado
e específico para esse fim.
A criança, no segundo ano de vida, torna-se capaz de representar
o passado e antecipar o futuro por meio da imitação, do jogo simbólico,
do desenho, da linguagem e da imagem mental.
A imitação diferida consiste na capacidade de a criança
reproduzir um modelo na ausência dele, após um intervalo mais ou
menos longo, enquanto que, no período sensório-motor, o bebê realiza
imitações somente dos modelos que percebe.
O jogo simbólico consiste na assimilação egocêntrica do real
pela própria criança, uma vez que transforma o real ao sabor de suas
fantasias e de seus desejos. O jogo simbólico é importante para a
criança, tendo em vista que serve para a resolução de conflitos, para
a compensação de necessidades não satisfeitas, para a inversão de
papéis, para a extensão do eu etc.:
[...] Tal é o jogo que transforma o real por assimilação mais ou
menos pura às necessidades do eu, ao passo que a imitação
(quando constitui um fim em si mesma) é a acomodação mais
ou menos pura aos modelos exteriores e a inteligência é equilíbrio
entre a assimilação e acomodação (PIAGET, 1995, p. 52).
Por sua vez, a imagem mental resulta de uma interiorização da
imitação, permitindo à criança a evocação representativa de um objeto
ou acontecimento ausente e, por conseguinte, a diferenciação entre
significantes e significados.
O desenho se inscreve a meio caminho entre o jogo simbólico
e a imagem mental, que representa o esforço de imitação do real.
Quanto à linguagem, ao final do período sensório-motor, surgem
as “palavras-frases” por meio das quais a criança exprime seus desejos,
emoções, bem como os acontecimentos passados e futuros.
232
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Piaget afirma, em relação à função simbólica, que:
A despeito da espantosa diversidade das suas manifestações, a
função semiótica apresenta notável unidade. Quer se trate de
imitações diferidas, de jogo simbólico, de desenho, de imagens
mentais e de lembranças-imagens ou de linguagem, consiste
sempre em permitir a evocação representativa de objetos ou
acontecimentos não percebidos atualmente. Mas, reciprocamente,
se possibilita, dessa maneira, o pensamento, fornecendo-lhe
ilimitado campo de ação sensório-motora e de percepção, que
só progride sob a direção e graças às contribuições desse
pensamento ou inteligência representativa. Nem a imitação, nem
o jogo, nem o desenho, nem a imagem, nem a linguagem, nem
mesmo a memória (à qual se teria podido atribuir uma capacidade
de registro espontâneo comparável ao da percepção) se
desenvolvem ou organizam sem socorro constante da
estruturação própria da inteligência (PIAGET, 1995 p. 79).
O pensamento da criança pré-operatória é intuitivo, ou seja,
até os sete anos ela permanece “pré-lógica e substitui a lógica pelo
mecanismo da intuição” (PIAGET, 1991, p. 35). Piaget define a intuição
como uma simples interiorização das percepções e dos movimentos
sob a forma de imagens representativas e de “experiências mentais”,
que prolongam, assim, os esquemas sensório-motores, sem uma
coordenação propriamente mental.
Portanto, a criança, diante de alguns problemas práticos,
apresenta respostas que se apóiam nas aparências dos fatos, o que
ocorre porque a criança pequena não infere de um modo dedutivo,
nem indutivo, dependendo seus pensamentos quase sempre de
deduções por analogia. Piaget e Inhelder (1988, p. 47) exemplificam:
Uma menina quisera comer laranjas. Explica-se-lhe: as laranjas
não têm ainda sua cor dourada, estão verdes, não estão maduras
e, portanto, não se pode comê-las. Dá-se-lhe para beber
camomila. Então ela observa: “a camomila já está amarela, as
laranjas estão também amarelas; dê-me laranjas”. Da cor
amarela da camomila deduz por analogia que as laranjas estarão
já amarelas, isto é maduras.
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
233
Pode-se afirmar que as crianças dessa idade deduzem um caso
particular de outro caso particular, sem referir-se a uma lei comum
que os ligue, o que acontece porque o pensamento delas é caracterizado
pela falta de reversibilidade1 e pela ausência de conservação. A criança
pequena ainda não é capaz de realizar “inclusões de classes”
(implicações de classe), ou seja, incluir, no total, os elementos parciais
(e, inversamente, desagregar o total em elementos parciais), nem
coordenar entre eles relações simétricas e assimétricas.
Uma outra característica importante, que marca também o
período pré-operatório, é o egocentrismo intelectual. Piaget (1993, p.
61) explica:
É uma atitude espontânea que comanda a atividade psíquica da
criança nos seus primeiros tempos de vida e subsiste por toda a
vida nos estados de inércia mental. Do ponto de vista negativo,
esta atitude opõe-se à comparação do universo e à coordenação
das perspectivas, isto é, à atividade impessoal da razão. Do ponto
de vista positivo, esta atitude consiste num envolvimento do eu
nas coisas e no grupo social, a tal ponto de o indivíduo imaginar
conhecer as coisas e as pessoas por elas mesmas, enquanto na
realidade lhes atribui, além das suas características objetivas,
qualidades provenientes do seu próprio eu ou da perspectiva
particular em que está envolvido. Sair do seu egocentrismo
consistirá, portanto, para esse indivíduo, não tanto em adquirir
conhecimentos novos sobre as coisas ou o grupo social, nem
mesmo em aproximar-se mais do objeto, mas em descentralizarse e dissociar o sujeito ou o objeto: em tomar consciência do
que é subjetivo nele, em situar-se entre o conjunto de perspectivas
possíveis, e por aí estabelecer entre as coisas, as pessoas e seu
próprio eu, um sistema de relações comuns e recíprocas. O
egocentrismo opõe-se, pois, à objetividade, na medida em que
objetividade significa relatividade no plano físico e reciprocidade
no plano social.
“Ora, do ponto de vista estrutural, a reversibilidade, que é a possibilidade permanente de
uma volta ao ponto de partida, se apresenta sob duas formas distintas e complementares.
Podemos voltar ao ponto de partida anulando a operação efetuada, o que constitui uma
inversão ou negação: o produto da operação direta e de seu inverso é, então, a operação nula
ou idêntica. Mas podemos voltar ao ponto de partida anulando uma diferença (no sentido
lógico do termo), o que constitui uma reciprocidade: o produto de duas operações recíprocas
é, então, não uma operação nula mas uma equivalência” (PIAGET, 1976, p. 205).
1
234
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Somente por volta dos sete anos ou oito anos, a criança libertase do pensamento egocêntrico; assim, já é capaz de relacionar e
coordenar pontos de vista diferentes e o seu pensamento torna-se
reversível. “A criança é capaz então de operações lógicas concretas,
pode formar com os objetos concretos tanto classes como relações”
(PIAGET, 1988, p. 38).
Piaget e Inhelder (1988) afirmam que a criança desse período
só pode construir as noções de classes e relações lógicas com a ajuda
de objetos concretos.
A criança operatória concreta ainda não é capaz de resolver
problemas puramente verbais como, por exemplo: Edite tem cabelo
mais escuro que Lili; Edite é mais loira que Suzana; qual das três tem
o cabelo mais escuro? Em geral, respondem: Edite e Lili são morenas;
Edite e Suzana são loiras; Lili é mais morena etc. “As crianças
retrocedem assim a um tipo de conduta anterior, e formam uma série
incoordenada de pares” (PIAGET; INHELDER, 1988 p. 39) .
Isso ocorre porque só depois dos doze anos, comumente aos quinze,
os jovens são capazes de substituir conceitos verbais por objetos concretos
e uni-los num sistema reversível ao raciocinar, chegando à lógica formal.
A lógica formal tem seu início por volta dos 11 anos, atingindo
seu patamar de equilíbrio por volta de 14-15 anos. Piaget e Inhelder
(1976) explicam o pensamento formal:
Do ponto de vista das estruturas lógicas, os resultados parecem
comportar uma conclusão que distingue claramente o adolescente
da criança. Esta chega apenas a lidar com operações concretas
de classe, de relações e números, cuja estrutura não ultrapassa o
nível dos “agrupamentos” lógicos elementares ou dos grupos
numéricos aditivos e multiplicativos. A criança chega, assim, a
utilizar as duas formas complementares da reversibilidade
(inversão para as classes e os números, reciprocidade para as
relações), mas sem fundi-las nesse sistema único e total que
caracteriza a lógica formal. O adolescente, ao contrário, superpõe
a lógica das proposições à das classes e das relações, e assim
desenvolve pouco a pouco (atingindo o seu patamar de equilíbrio
por volta de 14-15 anos), um mecanismo formal fundamentado
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
235
simultaneamente nas estruturas do reticulado e do grupo das 4
transformações; estas lhe permitirão reunir num mesmo todo,
além do raciocínio hipotético dedutivo e da prova experimental
baseada na variação de um único fator (desde que as outras
coisas permaneçam iguais), certo número de esquemas
operatórios que utilizará continuamente em seu pensamento
experimental. (p. 249, grifo nosso).
O período operatório formal é marcado pelas operações
proposicionais e a conquista da capacidade de raciocinar a partir de
proposições verbais, e não somente sobre objetos concretos.
Em resumo, o SAIP , valoriza todas estas características do
pensamento da criança, ou seja, nas suas avaliações faz diagnósticos
do nível de desenvolvimento de cada sujeito participante para poder
orientar pais e escolas quanto ao trabalho que devem realizar com as
crianças que não apresentam o desempenho escolar exigido e esperado.
Portanto, caberia neste momento explicar como se realizam as
avaliações das estruturas intelectuais.
O Processo de Avaliação proposto pelo SAIP
Coerentemente com o propósito deste artigo, nesta seção serão
descritos os processos envolvidos na fase de avaliação cognitiva.
A avaliação realizada pelo S AIP ocorre de acordo com as
seguintes etapas: entrevista de anamnese inicial com os pais com o
objetivo de investigar a trajetória familiar e escolar da criança;
avaliação da criança por meio de entrevista clínica, referente aos
diferentes aspectos do desenvolvimento infantil: afetivo, cognitivo e
social (PIAGET, 1979); por último, a entrevista devolutiva de retorno
aos pais e/ou profissionais que fizeram o encaminhamento.
Para diagnosticar a etapa de estruturação cognitiva das crianças
entre 7-10 anos que são atendidas pelo SAIP são utilizadas as provas
piagetianas que permitem diagnosticar a natureza das estruturas de
pensamento operatório, as quais se manifestam pela presença de
noções de conservação, classificação e seriação.
236
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Essas provas são aplicadas uma vez que conseguem diagnosticar
o tipo de raciocínio que as crianças dessa faixa etária possuem, ou
seja, se operam logicamente, pois ao construírem as estruturas de
classificação, seriação e conservação, já conseguem operar
concretamente. Dessa forma, é apresentado à criança um conjunto
de situações específicas a partir da exposição de materiais diversos:
duas coleções de fichas com duas cores para a conservação das
quantidades discretas; massa de modelar com cor única e copos
diferenciados em largura e altura para a conservação das quantidades
contínuas; flores e frutas diferenciadas em subclasses, além de
bastonetes de madeira, diferenciados pela altura para compor uma
série crescente ou decrescente. A criança irá agir sobre esse material,
formulando hipóteses e com isso explicitar sua forma de raciocínio.
As figuras a seguir ilustram os materiais utilizados na aplicação
das provas operatórias:
Conservação das
quantidades discretasFICHAS
Seriação
operatória
BASTONETES
Conservação das
quantidades
Contínuas-LÍQUIDO
Conservação das
quantidades
Contínuas-MASSA
Classificação operatória de inclusão de classes
FRUTAS e FLORES
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
237
Por meio dessas situações é possível conhecer em que etapa da
construção cognitiva a criança se encontra e, desse modo, melhor
compreender como ela se relaciona com os conteúdos escolares, uma
vez que, segundo a teoria piagetiana, para se compreender é preciso
que o dado exterior seja assimilado às estruturas intelectuais do sujeito,
o que só é possível se tais instrumentos de pensamento já existirem
anteriormente (BORGES et al., 2006)
No diagnóstico do pensamento operatório, considera-se que a
criança possui a noção de conservação de quantidades discretas –
fichas – quando faz a correspondência termo a termo e afirma a
igualdade das quantidades, mesmo quando a correspondência ótica
deixa de existir, isto é, ela compreende que dois conjuntos são
equivalentes, mesmo que a disposição de seus elementos seja
modificada, apresentando os argumentos de identidade, reversibilidade
simples e/ou por reciprocidade. A criança possui a noção de
conservação do líquido quando afirma que, nos copos A e B e A e C,
há a mesma quantidade de água. Com relação à massa, quando afirma
que as bolinhas transformadas continuam tendo a mesma quantidade
de massa. Possui a noção de inclusão de classes ou de classificação
operatória quando responder que “há mais frutas”, porque bananas e
maçãs são frutas e “mais flores”, porque rosas e margaridas são flores.
Possui a noção de seriação quando compreende que qualquer um dos
elementos medianos da série é, ao mesmo tempo, maior dos que o
antecedem e menor dos que o sucedem (BORGES et al., 2006).
Participantes do processo de avaliação realizado pelo SAIP
No ano de 2007, o SAIP avaliou cerca de 30 crianças entre sete
e dez anos de idade, provindas de escolas particulares e públicas de
Campinas e região, encaminhadas pela família ou pela escola, com
queixas de dificuldades de aprendizagem, ou suspeita de atraso no
processo de desenvolvimento.
238
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Nessas avaliações constatou-se que 94% das crianças possuíam
um atraso no processo de construção das estruturas operatórias. Ou
seja, eram crianças que, de um modo geral, participavam de uma
aprendizagem que privilegiava a ação do professor e não a do aluno,
centrada no cumprimento de instrução e na memorização. Portanto,
quando os conteúdos escolares requeriam pensar-se sobre eles e
relacioná-los, essas crianças apresentavam dificuldades de
entendimento e resolução dos exercícios. Dessa forma, há necessidade
de um trabalho de intervenção pedagógica para que essas crianças
construam tais estruturas que minimizem as dificuldades de
aprendizagem, uma vez que os estudos fundamentados na teoria
piagetiana têm dado provas de que o predomínio desse modelo escolar
dificulta o desenvolvimento da capacidade de pensar por parte do
aluno e representa um entrave para o processo de estruturação
cognitiva (BORGES et al., 2006).
Esse atraso pode ser explicado, principalmente, devido a um
ambiente escolar empobrecido de situações desafiadoras ao
pensamento e à ação da criança. Como já foi mencionado
anteriormente, a criança é quem deve ser agente construtor do seu
próprio conhecimento. Tomando por referência os pressupostos
piagetianos, essas crianças avaliadas que não apresentaram as
estruturas lógicas foram encaminhadas ao programa de intervenção
do SAIP, com vistas a participarem de atividades desafiadoras, capazes
de mobilizar seus esquemas de modo a fazê-las progredirem e terem
um desempenho apropriado na escola.
Pode-se afirmar que existe uma interdependência entre as
estruturas intelectuais e a aprendizagem escolar, visto que 94% das
crianças que foram encaminhadas pela escola ou por suas famílias,
em função de não apresentarem um bom desempenho nas tarefas
acadêmicas, não possuíam as estruturas cognitivas.
Mas, por um outro lado, 6 % das crianças, ou seja, duas crianças
cuja faixa etária estava entre 8 e 9 anos apresentavam dificuldades
escolares, mas já haviam construído as estruturas operatórias quando
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
239
foram aplicadas as provas para o diagnóstico do pensamento
operatório. Tal resultado levou-nos a avaliar o processo de leitura e
escrita (por meio de ditados, leitura de textos e redação) e analisar
as provas escolares. O que foi constatado é que tais crianças
encontravam-se em um processo de construção da leitura e escrita
que a escola valoriza como única forma de avaliação dos alunos. E
essas duas crianças que possuíam a inteligência preservada e
raciocínio para entender os conteúdos da escola estavam sendo
tratadas por essa instituição como “seres incapazes”, que não
apresentavam bom desempenho nas provas escolares porque ainda
estavam em fase de construção do sistema escrito e também porque
erravam os exercícios que exigiam memorização e técnicas para
assimilação de alguns conteúdos.
Quanto aos procedimentos pedagógicos, tais crianças não
necessitaram de intervenção pedagógica enquanto construção das
estruturas cognitivas, mas foram apresentadas aos pais, bem como à
escola, orientações quanto a um plano de estudo para elas; o retorno
obtido de pais e escola foi a melhora significativa no desempenho
escolar quando foi oferecida uma forma de trabalho pedagógico para
essas crianças.
Nesse sentido, as orientações que são transmitidas aos pais
consistem em organizar um horário fixo de estudo, bem como um
local apropriado para isso. Quanto ao plano de estudo, este consiste
em refazer as atividades propostas pela escola para que tais
conteúdos sejam realmente assimilados, acomodados e equilibrados
pela criança, tendo-se em vista que, muitas vezes, o conteúdo é
exposto uma única vez.
No entanto, uma das crianças que foi avaliada não teve
necessidade de acompanhamento pedagógico por parte do SAIP, pois
só o que faltava era o seguimento de um adulto, ou melhor, da família
na orientação de seus estudos: checar as lições feitas, apontar as
dificuldades percebidas no desenvolvimento escolar, solicitar à criança
que revise o conteúdo na época de provas etc.
240
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
Já quanto à outra criança, foi necessário um acompanhamento
no processo de leitura e escrita, uma vez que esta apresentava um
pequeno atraso. A pedagoga do SAIP também orientou a forma como
a criança deveria estudar para realizar as provas bimestrais. Acreditase que até o final do presente ano de 2007, essa criança já consiga
acompanhar a escola sem o auxílio de um profissional.
Considerações finais
Por meio dos resultados obtidos a partir do trabalho de avaliação
desenvolvido pelo SAIP , podem-se classificar as crianças em dois
grupos: o primeiro composto pelas crianças que possuem as estruturas
intelectuais próprias da sua idade e o segundo grupo formado pelas
crianças que não possuem as estruturas intelectuais.
O primeiro grupo, que representa 6% das crianças que foram
diagnosticadas pelo SAIP, apresenta as estruturas operatórias para o
entendimento dos conteúdos escolares. Essas crianças apresentam
baixo desempenho escolar; falta ensinar-lhes como dominar técnicas
de resolução das operações de somar subtrair, dividir e multiplicar,
bem como informar às crianças de que alguns conteúdos escolares
exigem memorização, como por exemplo os estados de seu país e
suas capitais, datas, ortografia de algumas palavras etc. Não se pode
esquecer também que elas estão em processo de construção da
linguagem escrita. Todavia, já construíram o principal instrumento
para acompanhar os conteúdos escolares que são as estruturas lógicas
elementares.
É preciso lembrar que os conteúdos que exigem memorização
devem ser assimilados e acomodados pelas crianças, o que demanda
certa repetição para que ocorra o aprendizado. Mas todo conteúdo
que exige memorização e técnica para ser aprendido é extremamente
cansativo para o aluno. Por isso é importante que se planejem
atividades como, por exemplo, as que envolvam os jogos com regras,
para que tais exercícios fiquem prazerosos para as crianças. Só assim
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
241
elas realmente irão aprender e vir a ter um melhor desempenho escolar.
Como ressalta Zaia (2006, p. 55): “Neste contexto os jogos e situaçõesproblemas se destacam pelo seu poder desafiador e pelas
possibilidades de adaptação aos interesses, necessidades e
possibilidades específicas das crianças”.
Essas crianças não podem ser tratadas pelas escolas como seres
incapazes, uma vez que apresentam as estruturas lógicas operatórias
que permitem relacionar os conteúdos, interpretá-los e levantar
soluções para os problemas a serem resolvidos. No momento em que
dominarem a técnica de resolução de alguns exercícios, a memorização
de alguns dados que necessitam realmente ser decorados e quando
dominarem a leitura e a escrita, tais dificuldades desaparecerão.
Nesses casos em que as escolas enviam tais crianças para a
avaliação cognitiva e estas apresentam as estruturas lógicas é preciso
cuidado ao lidar com esses alunos, pois são indivíduos pensantes e
capazes. No entanto, estão sendo tratados por essas instituições
como crianças sem condições de aprender, mencionando-se até
mesmo a possibilidade da reprovação dessas crianças ou deixandoas com um sentimento de incapacidade, criando, assim, um
desinteresse pela escola.
Portanto, destaca-se a importância da avaliação das estruturas
operatórias para identificar os reais problemas que estão dificultando
o desempenho escolar da criança: para que se possa saber interferir e
ajudar na superação das dificuldades presentes. No caso dessas
crianças, ao final do processo de avaliação, o SAIP orienta os pais e a
escola quanto à forma de estudo de alguns conteúdos escolares, não
havendo necessidade de um trabalho específico de acompanhamento
e intervenção.
Quanto ao segundo grupo, composto por 94% das crianças
que não possuem as estruturas cognitivas, há a necessidade de um
trabalho de intervenção para que se possa dar a oportunidade de
participarem de um processo em que as estruturas cognitivas possam
ser construídas e as crianças tenham condições de realmente
242
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
entenderem os conteúdos que a escola lhes apresenta. Caberia ressaltar
que tal processo é longo e os resultados das construções das estruturas,
muitas vezes, demoram por aparecer, tendo-se em vista que essas
crianças participam desse trabalho de intervenção uma vez por
semana, devido ao tempo disponível dos pais e dos próprios educandos.
Mesmo assim, essas atividades de avaliação e de intervenção
realizadas junto às crianças têm fornecido dados empíricos que
comprovam que a construção do conhecimento é resultado de um
processo interno de pensamento em que o sujeito coordena diferentes
noções entre si, atribui-lhes um significado, organizando-as e
relacionando-as àquelas que já possuía anteriormente por meio dos
processos cognitivos dos quais dispõe. A construção desses
instrumentos de pensamento é fruto de um processo inalienável e
intransferível decorrente das trocas as quais se estabelecem entre o
indivíduo e o meio físico e/ou social (BORGES et al., 2006).
Nesse sentido, o papel do profissional do SAIP, que atua com a
criança com dificuldade de aprendizagem, consiste em criar condições
favoráveis para a construção de suas estruturas cognitivas, e não em
transmitir o conhecimento, sob a forma de soluções prontas, na
tentativa de inculcar conteúdos na cabeça dos alunos, ignorando seus
processos construtivos ao supor que os mesmos possam aprender
por meio de atividades desprovidas de sentido.
O S AIP leva em conta algumas condições que considera
necessárias para aprender, tais como: a possibilidade de organizar
dados; coordenar ações observáveis; solucionar problemas; levantar
hipóteses; construir e experimentar estratégias de verificação;
considerar situações passadas e antecipar possibilidades; tomar
consciência das ações e operações realizadas, compreender e seguir
regras de ação e de convivência social, além de descentração do
próprio ponto de vista e da possibilidade de colocar-se no lugar do
outro (BORGES et al., 2006).
Assim, o trabalho de inter venção psicopedagógica,
desenvolvido pelo SAIP consiste em criar situações que geram conflitos
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
243
cognitivos os quais, por sua vez, desencadeiam o processo de
equilibração, responsável pela construção do conhecimento. São
situações durante as quais as crianças têm a oportunidade de construir
conceitos e noções a partir da exploração ativa dos objetos que o
meio lhes oferece.
As crianças do SAIP vêm apresentando avanços e conquistas
escolares como ressalta Mantovani de Assis (2004): “ [...] à medida
que a criança se desenvolve, sua capacidade de aprender também
aumenta”. Em outras palavras, os resultados encontrados mostram
que os procedimentos utilizados têm, satisfatoriamente, desencadeado
mudanças nas condutas dos sujeitos, contribuindo para o avanço na
construção das estruturas lógicas elementares e, conseqüentemente,
para a melhora do desempenho escolar.
Assim, o trabalho do SAIP está comprometido com uma forma
complexa de avaliar as crianças, em que os resultados apresentam
maneiras para saber intervir com cada uma delas. Como ressaltam
Dolle e Bellano (1995, p. 32), “o sujeito não pode ser apreendido
senão em sua própria complexidade. Daí vem a necessidade de apurar
os métodos destinados a observá-lo, avaliá-lo, a educá-lo, a conhecêlo”. É justamente por isso que o SAIP acredita no trabalho de avaliação
para diagnosticar a dificuldade escolar de cada criança e, assim, traçar
um plano de trabalho específico para cada caso. Só assim será
garantido à criança o direito de freqüentar a escola e aprender os
conteúdos que lhes são ensinados.
Referências bibliográficas
ASSIS, O. Z. M. Uma nova metodologia de educação pré-escolar.
7. ed. São Paulo: Pioneira, 1976.
______. (Org.). Provas para diagnóstico do comportamento
operatório concreto e formal. São Paulo: Ed. da UNICAMP, 2004.
______; ASSIS, M. C. (Org). PROEPRE: prática pedagógica. São
Paulo: Ed. da UNICAMP, 2004.
244
Roberta Rocha Borges e Orly Zucatto Mantovani de Assis
BORGES, R. R. A construção da noção de família em crianças
pré-escolares. 2001. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de
Educação da UNICAMP, Campinas, 2001.
BORGES, R. et al. A contribuição da avaliação cognitiva para a
inclusão social: o trabalho de Avaliação e Intervenção Psicopedagógica
– SAIP. In: ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE
PROEPRE: EDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL, 23., 2006,
Campinas. Anais... Campinas: LPG/FE/UNICAMP, 2006.
DOLLE, J. M.; BELLANO, D. Essas crianças que não aprendem:
diagnósticos e terapias cognitivas. Traduzido por Cláudio João Paulo
Saltini. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
MACEDO, L. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1994.
PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara, 1966.
______. Biologia e conhecimento. Tradução de Francisco M.
Guimarães. Petrópolis: Vozes, 1973. Edição original: 1967.
______. Gênese das estruturas lógicas elementares. Tradução
de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
______. A Teoria de Piaget. In: CARMICHAEL, L. Manual de
psicologia da criança. Tradução de Zélia Ramozzi-Chiarottino. São
Paulo: EPU, 1978. p. 71-117. v. 10.
______. A representação do mundo na criança. Traduzido por
Rubens Fiúza. Rio de Janeiro: Record, 1979. Edição original: 1926.
______. Seis estudos de psicologia. 18. ed. Tradução de Maria Alice
Magalhães D’ Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1991.
______. A linguagem e o pensamento da criança. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1993. Edição original: 1923.
Avaliação cognitiva: contribuições para um melhor desempenho escolar
245
______; INHELDER, B. Da lógica da criança à lógica do
adolescente. São Paulo: Pioneira, 1976.
______; INHELDER, B. Psicologia da primeira infância:
desenvolvimento psíquico desde o nascimento até os 7 anos. In:
KATZ, David. Psicologia das idades. São Paulo: Manole, 1988. p.
31-64. Edição original: 1936.
______; INHELDER, B. A psicologia da criança. 14. ed. Tradução
de Octavio Mendes Cajado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
Edição original: 1966.
ZAIA. L. L. Jogos de regras na escola. In: ENCONTRO NACIONAL
DE PROFESSORES DE PROEPRE: EDUCAÇÃO E INCLUSÃO
SOCIAL, 23., 2006, Campinas. Anais... Campinas: LPG/FE/UNICAMP,
2006.
Recebido em: 10 de agosto de 2007.
Aprovado em: 27 de setembro de 2007.
Formação psicopedagógica e
dificuldades de aprendizagem
Karina Perez Guimarães *
Eliane Giachetto Saravali **
Resumo: O artigo apresenta um recorte de uma pesquisa que investiga as
idéias e concepções de psicopedagogos em relação às dificuldades de
aprendizagem. Os sujeitos participantes são 52 estudantes dos cursos de
Psicopedagogia de instituições particulares do interior do estado de São Paulo
e Minas Gerais. Todos responderam a um questionário contendo nove questões
discursivas. Apresentaremos aqui os dados referentes a três delas: 1) Como
você se sente em relação ao aluno com dificuldade de aprendizagem? Que
sentimentos ele desperta em você? 2) Na sua opinião, o que é imprescindível
para que um aluno aprenda? 3) Que outros fatores você considera importante
para o sucesso da aprendizagem? Os dados obtidos a partir das respostas foram
categorizados segundo a análise de conteúdo e análise estatística simples. Os
principais resultados indicam que os futuros psicopedagogos demonstram
dificuldade em considerar os inúmeros aspectos envolvidos na situação de
ensino e aprendizagem, culpando ou os alunos ou os próprios docentes. Há
também, em grande parte dos sujeitos, um sentimento de impotência e
* Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP ). Docente e
Coordenadora dos Cursos de Pedagogia e Psicopedagogia da UNIFAIMI, Mirassol-SP. E-mail:
[email protected]; [email protected]
** Doutora em Educação pela UNICAMP. Docente do Departamento de Psicologia da Educação
da Universidade Estadual Paulista (U N E S P ), campus de Marília-SP. E-mail:
[email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 247-268
2007
248
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
incapacidade de ação diante de um aluno que não aprende. Estes dados iniciais
apresentam as idéias e concepções que futuros profissionais têm e chamam a
atenção para a importância da discussão destes temas nos cursos de formação
de psicopedagogos.
Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Psicopedagogia.
Psychopedagogical formation and learning difficulties
Abstract: This article presents a cutout made from a research that investigates
ideas and conceptions of psychopedagogues about learning difficulties. The
participants are 52 students of Psychopedagogy course in private institutions
of the interior do São Paulo state and Minas Gerais. All of them have answered
a questionnaire composed of nine discursive questions. We will present the
results referring to three of them: 1) How do you feel about students with
learning difficulties? What feelings does s/he rise in you? 2) In your opinion,
what is indispensable for a student to learn? 3) What other factors do you
consider important for the success of learning? Data raised from the answers
to these questions were categorized according to the analysis of content and
simple statistic analysis. The main results indicate that future psychopedagogues
demonstrate difficulties in considering the innumerous aspects involved in the
teaching and learning situation, blaming either the students or the teachers. It
could also be noticed a feeling of impotence and incapacity of action when
dealing with a student who does not learn among the majority of the participants.
These initial data present ideas and conceptions that future professionals have
and call our attention to the importance of discussion of these topics in the
courses of formation of psychopedagogues.
Key words: Learning difficulties. Psychopedagogy.
Introdução
Dificuldades de aprendizagem, distúrbios de aprendizagem,
problemas específicos para aprender, déficits cognitivos, entre tantos
outros, são termos bastante utilizados em nossas escolas e por nossos
docentes, na atualidade. Ao mesmo tempo e, de forma relacionada,
cresce a fila de encaminhamentos para atendimento especializado de
nossas crianças; tais atendimentos enquadram-se em diferentes áreas
como a neurologia, a psicopedagogia, a fonoaudiologia e a psicologia.
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
249
Embora esse quadro sugira uma epidemia escolar, diante da
(nova) incapacidade de aprender de nossas crianças, e uma idéia
equivocada de que os procedimentos adotados estão resolvendo os
problemas dos alunos, ao se pesquisar a definição dos termos mais
utilizados em diagnósticos e avaliações, não se observa consenso entre
os pesquisadores e autores da área. Talvez, seja essa amplitude e
confusão terminológica que permita tantos rótulos prévios e poucas
reflexões sobre as ações pedagógicas (SARAVALI, 2005).
Um profissional que vem sendo muito procurado nesses
encaminhamentos feitos pelas escolas é o psicopedagogo. Ainda que
não seja uma profissão legalmente regulamentada a Psicopedagogia
tem um reconhecimento social importante e isso tem se mostrado
nas intervenções e ações que muitos psicopedagogos, seja num âmbito
clínico ou institucional, têm conseguido realizar junto a escolas e a
alunos que não aprendem.
Pensando nessas questões, o objetivo desse artigo é discutir
dados parciais de uma pesquisa que investiga as concepções que
futuros psicopedagogos têm acerca do termo “dificuldades de
aprendizagem”. Como esses futuros profissionais avaliam e percebem
essas questões? Como interpretam o ter mo dificuldades de
aprendizagem? Quais atribuições e quais processos são considerados
quando pensam numa criança que não aprende?
Nosso objetivo é discutir, a partir das concepções apresentadas,
a importância do conhecimento e da investigação de questões
relacionadas ao não aprender, sobretudo, por parte dos profissionais
que vão lidar, ao menos em tese, diretamente com essas crianças.
Alunos que não aprendem: desafios e perspectivas
O termo dificuldade de aprendizagem não é recente e há uma
evolução histórica que caracteriza múltiplas influências que os estudos
e pesquisas nessa área sofrem. Conforme apresentado em Saravali
(2005), essas diferentes perspectivas ora apontam para tendências
250
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
médicas e orgânicas, ora para tendências psicológicas e pedagógicas
sem, no entanto, haver consenso sobre o que caracteriza uma
dificuldade de aprendizagem.
[...] as teorias das dificuldades de aprendizagem são controversas,
conceitualmente confusas e raramente apresentam dados de
aplicação educacional imediata. Mesmo com uma grande
panorâmica e com um grande potencial de investigação, as teorias
das DA continuam a ser muito complexas e muito pouco
consistentes (FONSECA, 1995, p. 57-58).
Dentro dessa variedade terminológica, há autores que buscam
uma separação entre o que seria denominado problema, dificuldade
ou distúrbio de aprendizagem. É o caso, por exemplo, dos trabalhos
de Passeri (2003) e Osti (2004). Neles, as autoras apontam que o
termo distúrbio de aprendizagem refere-se mais a comprometimentos
neurológicos e que o termo dificuldade de aprendizagem trataria mais
de problemas na área acadêmica, decorrentes de fatores internos ou
externos ao indivíduo. Segundo Passeri (2003, p. 29) “este segundo
termo é mais genérico, portanto, e envolve os termos ‘dificuldade
escolar’ e ‘problemas de aprendizagem’”.
No entanto, essa perspectiva não se confirma em várias outras
obras nas quais, muitas vezes, estes termos são tratados como
sinônimos, é o caso, por exemplo, do trabalho de Smith e Strick (2001).
Uma das poucas certezas que podemos ter em relação a estas
definições é que as crianças com dificuldades de aprendizagem não
apresentam baixa inteligência, mas sim problemas específicos para
aprender. Essa caracterização foi apresentada à comunidade científica
por Samuel Kirk considerado, atualmente, o pai dos estudos nesse
campo. Todavia, cumpre destacar que ao definir o termo, o autor
apontava que tais problemas eram provocados, especialmente, por
desordens internas ou fatores intrínsecos aos indivíduos.
Na atualidade, esse panorama não sofreu grandes
transformações, mas podemos considerar uma definição bastante
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
251
aceita datada de 1988 pelo National Joint Committee on Learning
Disabilities, qual seja, dificuldades de aprendizagem engloba um grupo
heterogêneo de transtornos, manifestando-se por meio de atrasos ou
dificuldades em leitura, escrita, soletração e cálculo, em pessoas com
inteligência potencialmente normal ou superior e sem deficiências
visuais, auditivas, motoras ou desvantagens culturais. Geralmente,
não ocorre em todas essas áreas de uma só vez e pode estar relacionada
a problemas de comunicação, atenção, memória, raciocínio,
coordenação, adaptação social e problemas emocionais (SISTO, 2001).
O indivíduo com DA não possui rebaixamento de QI, indicando aquilo
que muitos autores chamam de conduta discrepante acentuada entre
o potencial para a aprendizagem e o desempenho acadêmico.
Dessa forma, podemos dizer, de modo simplificado, que são
sujeitos que não aprendem por questões próprias, ou seja, intrínsecas,
mas, ao mesmo tempo, são sujeitos com grande potencial para
aprendizagem.
Embora muitos autores considerem essa definição como a
mais completa, não acreditamos que o uso abundante do termo
em escolas e por docentes, pelo menos não de forma consciente,
esteja enquadrado nos aspectos previstos pelo Comitê
Internacional em questão, fato esse que, se assim o fosse,
significaria o caos em relação à possibilidade de aprender dos
nossos estudantes, dada a enorme quantidade de queixas em
relação às dificuldades de aprendizagem discentes.
Nesse sentido, entendemos que ao se assumir que nossos alunos
com queixas de dificuldades de aprendizagem, que estão às margens
de nosso sistema de ensino ou de nossas salas de aula, estão
enquadrados nessa definição, estamos assumindo também que há uma
espécie de epidemia escolar e de um grande número de desordens
sofridas pelos estudantes. Essa postura desconsidera, ao menos em
princípio, a coordenação de múltiplos fatores envolvidos no processo
de aprendizagem, inclusive as questões pedagógicas.
Fonseca (1995, p. 12) adverte que para definirmos ou mesmo
pensarmos em dificuldades de aprendizagem devemos adotar uma
252
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
postura interacional e dialética, ou seja, procurar integrar os déficits no
indivíduo, na escola, na família e outros pois “[...] as condições internas
(neurobiológicas) e as condições externas (sócio-culturais)
desempenham funções dialéticas (psicoemocionais) que estão em jogo
na aprendizagem humana”. Dessa forma, o ambiente escolar também
pode ser ou não estimulante, oferecendo ou não as oportunidades
apropriadas para a aprendizagem.
A fim de obterem progresso intelectual, as crianças devem
não apenas estarem prontas e serem capazes de aprender, mas
também devem ter oportunidades apropriadas de
aprendizagem. Se o sistema educacional não oferece isso, os
alunos talvez nunca possam desenvolver sua faixa plena de
capacidades, tornando-se efetivamente ‘deficientes’, embora
nada haja de fisicamente errado com eles [...] A verdade é que
muitos alunos fracos são vítimas da incapacidade de suas escolas
para ajustarem-se às diferenças individuais e culturais (SMITH;
STRICK, 2001, p. 33-34, grifo nosso).
Um aspecto interessante de se considerar e que, talvez, fosse a
primeira questão a ser colocada quando estamos diante de uma criança
que não aprende é: quais foram as reais chances que essa criança,
esse aluno teve de aprender esse ou aquele conteúdo? Ou, dito de
outra forma: esse aluno teve, durante seu processo de escolarização,
as solicitações adequadas para que seu desenvolvimento ocorresse
de maneira plena em seus aspectos social, afetivo, cognitivo e motor,
de tal forma a favorecer a construção do conhecimento e a
aprendizagem dos conteúdos escolares? A resposta, afirmativa ou
negativa, muda ou deveria mudar radicalmente as condutas seguintes.
Devemos evitar aqui ao máximo o processo de culpabilização,
já existente, que ora atribui a responsabilidade da não aprendizagem ao
aluno e sua família e ora, somente, ao docente e sua prática cotidiana.
Todavia, é sempre bom destacar que é a criança que sofrerá as maiores
conseqüências de uma rotulação prévia, excludente e definitiva, tendo
em vista que essa questão a acompanhará em toda sua trajetória escolar
e em todas as situações de aprendizagem de sua vida.
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
253
Collares e Moysés (1996) ao discutirem o fracasso escolar
produzido no interior da escola usam o termo “patologização do
processo de ensino-aprendizagem”, apontando o significado que uma
doença, que um diagnóstico ou que a interferência de um outro
profissional, principalmente da área da saúde, tem sobre a atuação
docente. Muitas vezes, os professores esperam por isso para justificar,
de uma forma praticamente definitiva, os maus resultados obtidos
por seus alunos. Segundo essas autoras:
A explicação para o fracasso escolar recai sempre sobre o aluno
e os seus pais: crianças não aprendem porque são pobres, porque
são negras, porque são nordestinas, ou provenientes de zona
rural; são imaturas, são preguiçosas; não aprendem porque seus
pais são analfabetos, são alcoólatras, as mães trabalham fora,
não ensinam aos filhos... Pelo discurso dos professores e diretores,
a sensação é de que estamos diante de um sistema educacional
perfeito, desde que as crianças vivam uma vida artificial, sem
nenhum tipo de problemas, enfim, crianças que provavelmente
não precisariam da escola para aprender. Para a criança concreta,
que vive neste mundo real, os professores parecem considerar
muito difícil, se não impossível, ensinar (COLLARES; MOYSÉS,
1996, p. 26, grifo nosso).
O uso recorrente de termos como dificuldades de
aprendizagem, distúrbios, dislexia, discalculia, hiperatividade e a
confusão terminológica existente, a nosso ver, permitem o grande
número de encaminhamentos, gerando nas escolas e por parte dos
docentes a necessidade de explicações provenientes de outras áreas e
de outros profissionais, sobretudo da área da saúde.
Entretanto, o que se observa é que a situação é caótica. As
escolas encaminham, as crianças e suas famílias formam percepções
sobre esses encaminhamentos e posteriores atendimentos, os
diagnósticos são feitos e os alunos continuam não aprendendo na
escola. Portanto, precisamos ao menos ter grande cautela e desconfiar
do que vem ocorrendo. A respeito do diagnóstico, gostaríamos de
comentar que diante dos inúmeros novos transtornos e problemas
que existem ou que estão sendo descobertos, quase sempre são
254
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
encontrados problemas em nossos alunos seja um transtorno disso ou
daquilo, uma disfunção aqui ou ali. Mas, esse diagnóstico tem realmente
alterado ou mudado ou, ainda, melhorado a vida das crianças nas
carteiras escolares? Para quem ele serve? Retira o peso dos ombros dos
pais? Dos professores? E os alunos? Como se relacionam com ele?
Nesse contexto, um profissional que vem sendo bastante
procurado e para o qual inúmeros alunos são encaminhados é o
psicopedagogo. Os psicopedagogos são profissionais que lidarão com
o processo de aprendizagem, objeto de estudo da Psicopedagogia.
Segundo Macedo (1992, p. 123): “a psicopedagogia é necessária
sempre que se puder, se quiser e se precisar considerar características
psicológicas do sujeito que aprende, além de outras especificamente
pedagógicas ou educacionais”.
A formação do psicopedagogo em nosso país tem sido feita,
em sua maioria, em cursos de especialização de 360 horas. Essa
formação não pode prescindir de estudo teórico e prático que
fundamente as ações deste profissional ao lidar com a aprendizagem
seja na escola, na clínica ou em hospitais, tanto num nível remediativo
como preventivo. Como hoje percebemos esse grande aumento no
número de encaminhamentos oriundos da escola e dos docentes, é
de se esperar que o psicopedagogo, pela própria especificidade da
formação, tenha uma visão e postura diferentes, a começar, por
exemplo, pela avaliação de um aluno que não aprende. O próprio
código de ética da Psicopedagogia ressalta em seu artigo quinto que é
dever do psicopedagogo “promover a aprendizagem, garantindo o
bem-estar das pessoas [...]”. Dessa forma, cabe a esse profissional a
investigação e busca constantes sobre razões e intervenções possíveis
quando a aprendizagem não caminha bem e isso necessariamente
implica em uma formação diferenciada. Fica, portanto, uma reflexão:
será que nossos cursos de Psicopedagogia estão preparados para
qualificarem seus alunos? Será que os futuros psicopedagogos estão
sendo preparados no intuito de realmente intervirem nessas questões
envolvendo a aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem, tão
disseminadas e incompreendidas no meio escolar?
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
255
Nesse sentido, os dados que apresentaremos a seguir procuram
clarificar as idéias que estes profissionais, futuros psicopedagogos,
têm a respeito das dificuldades de aprendizagem e consequentemente
das crianças que não aprendem. Entendemos que essa compreensão
é importante na medida em que suas concepções influenciarão as
decisões que tomarão em suas atividades profissionais. Essas decisões
não deverão ocorrer somente no nível remediativo, ou seja, quando
os problemas já estiverem instalados, mas também no nível
preventivo, papel esse, principalmente, do psicopedagogo
institucional.
A visão dos futuros psicopedagogos
A pesquisa que passaremos a apresentar baseia-se no trabalho
de Osti (2004) que caracterizou o termo dificuldade de aprendizagem
na concepção de 30 professores do ensino fundamental da rede pública
do interior do estado de São Paulo.
A autora se valeu de uma entrevista semi estruturada e da
análise estatística das respostas. Os resultados obtidos demonstraram
que os professores apresentam uma visão parcial do que seja a
dificuldade de aprendizagem, atribuindo a responsabilidade ou a causa
do problema em questão à família ou ao próprio aluno. Segundo Osti
(2004), os sujeitos não foram capazes de considerar a correspondência
entre a metodologia, a relação do professor e sua prática com a
dificuldade do aluno.
Tomando por referência o instrumento utilizado por Osti,
trabalhamos com 52 alunos de cursos de Psicopedagogia em nível de
especialização lato sensu de cidades do interior dos estados de São
Paulo e Minas Gerais. Destes 52 alunos, 14 eram ingressantes, 20
estavam exatamente no meio do curso de especialização e 18 eram
concluintes. Como não foram encontradas diferenças significativas
nas respostas dos sujeitos em relação ao tempo que tinham de curso,
os dados serão apresentados conjuntamente.
256
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
Os alunos foram convidados a responder, por escrito, a um
questionário que continha 9 questões referentes à aprendizagem e à
dificuldade de aprendizagem, além de dados sobre a formação
profissional, tempo de experiência etc. A graduação destes estudantes
concentrava-se no curso de Pedagogia, conforme pode ser visto na
tabela I a seguir:
Tabela I – Graduação dos sujeitos
CURSO
Pedagogia
Outras Licenciaturas
Psicologia
QUANTIDADE1
31
15
2
Outros Cursos
5
Nossos resultados foram, em alguns aspectos, semelhantes aos
obtidos por Osti (2004). No entanto, como nosso estudo foi realizado
com psicopedagogos, algumas diferenças foram observadas, sobretudo
em relação às categorias das respostas obtidas, razão pela qual
apresentaremos nossos dados sem compará-los diretamente com
aqueles obtidos no trabalho de referência de Osti. A análise das
respostas foi realizada conforme a metodologia da Análise de
Conteúdo proposta e sistematizada por Bardin (1977); a quantificação
destas respostas sofreu análise estatística simples.
Em outra ocasião, já apresentamos dados referentes a três
questões (GUIMARÃES; SARAVALI, 2006), são elas: 1) O que é dificuldade
de aprendizagem?; 2) Em que momento você julga necessário
encaminhar um aluno para atendimento especializado? e 3) Você já
encontrou em sua prática alunos com dificuldade de aprendizagem?
Se sim, emita um parecer sobre uma criança que apresentou
dificuldade. Se não, explique hipoteticamente.
Resumidamente, os dados obtidos a partir dessas três questões
apontaram que 56% dos sujeitos classificam as dificuldades de
1
Um aluno tem formação em dois cursos diferentes.
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
257
aprendizagem como problemas específicos e inerentes aos alunos,
caracterizados como uma incapacidade do próprio sujeito que não
aprende; 46% sentem-se incapazes diante do quadro de um aluno
que não aprende e não sabem intervir, necessitando recorrer a
atendimentos especializados e 33% descrevem alunos com
dificuldades de aprendizagem como aqueles que possuem problemas
relacionados aos conteúdos abordados em sala de aula, principalmente
matemática e leitura e escrita. Esses dados iniciais apontaram para a
existência de preconceitos e de rotulação prévia, principalmente na
terminologia utilizada pelos futuros psicopedagogos.
No presente artigo, analisamos outras três perguntas do
instrumento aplicado.
A primeira pergunta analisada foi formulada da seguinte
maneira: Como você se sente em relação ao aluno com dificuldade
de aprendizagem? Que sentimentos ele desperta em você?
Na categoria I, observam-se sentimentos diversos como
impotência, culpa, preocupação, mas que geram alguma mobilização,
nesses casos os sujeitos se sentem desafiados, com vontade de ajudar,
de solucionar o problema, indicando a presença de uma ação. Alguns
exemplos: “Preocupada em detectar a fonte do problema e encontrar
soluções para ajudá-lo a superar suas dificuldades”. “O sentimento
às vezes é de angústia, impotência, necessidade de estudar mais etc.”.
“São crianças que despertam em minha pessoa o desejo de poder
ajudá-las e ampará-las, pois a visão que tenho dessas nas salas de
aula, é que elas realmente ficam em condição de desamparo”.
“Desperta às vezes um sentimento de insegurança, pois sabemos que
teremos uma grande luta pela frente.” “Me dá forças para tentar
descobrir como fazer com que ele aprenda”.2
Na categoria II, aparecem ainda os mesmos sentimentos
diversos, porém, diferentemente da categoria anterior, não há
referências a mobilizações ou a ações. Nas respostas observadas nessa
categoria, é possível perceber certa inércia. Vejamos alguns exemplos:
2
Todas as respostas foram transcritas aqui exatamente como escritas pelos sujeitos.
258
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
“Me sinto impotente, inapta”. “Sentimento de impotência”.
“Incapacidade do professor para motivá-lo a aprender”. “Sentimento
de insegurança”. “Não poder desenvolver um trabalho para que atinja
o seu objetivo”. “Eu sinto um desejo enorme de ajudá-lo, mas me
vejo impotente às vezes, sem nenhuma condição para isso. O
sentimento que ele desperta em mim é de pena e compaixão”. “Me
sinto um pouco angustiada por não poder ajudá-lo tanto quanto ele
precisa, tendo em vista que muitos alunos apresentam dificuldades
avançadas isto faz com que seja despertado sentimentos de
frustração”. “Ao deparar-me com algum aluno com dificuldade de
aprendizagem, além de ficar preocupado, fico inseguro, sem saber ao
certo quais decisões tomar. O aluno com dificuldade de aprendizagem
desperta em mim um profundo sentimento de impotência [...]”.
Três respostas compõem a categoria III. Tais respostas indicam
questionamentos, inclusive em relação ao próprio trabalho, todavia,
consideramos esses questionamentos diferentemente da situação de
inércia da categoria II e da situação de mobilização da categoria I.
Denominamo-os aqui de reflexões processuais. Exemplos: “Antes de
afirmar tal condição: ‘dificuldade de aprendizagem’ procuro em mim
uma possibilidade de ‘dificuldade de ensinagem’”. “Diante de um
aluno com dificuldade de aprendizagem me sinto intrigada, pois quem
atribui essa dificuldade a ele, pois muitas vezes essa dificuldade é
rotulada, isso é, os professores passam de ano para ano”. “Eu me
sinto incomodada, preocupada pensando se o problema está no meu
modo de ensinar ou lidar com o aluno ou se a dificuldade está mesmo
no desenvolvimento de aprendizagem dele”.
Na categoria IV, consideramos aquelas respostas em branco,
as que dizem “não sabem” ou que são consideradas tautológicas. Às
vezes são respostas sem sentido e que retratam sentimentos do aluno
e não do docente, conforme indicado na pergunta. É o caso de: “Ao
me defrontar com um aluno que possua alguma dificuldade de
aprendizagem, o sentimento dispertado é profissional, pois acredito
que, como sendo uma educadora, não posso deixar passar
desapercebido tal fato”.
259
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
A tabela a seguir mostra os resultados referentes à questão 1.
Tabela II – Respostas referentes à questão 1
Categorias
I
II
III
IV
Soma
Quantidade de Respostas
33
19
3
4
59
Percentual (%)
63
37
6
8
**
Os sentimentos de incapacidade, de impotência, de
preocupação e até de estagnação podem encontrar suas origens na
própria formação desse aluno que já se encontra numa pós-graduação.
Notamos, (G UIMARÃES ; S ARAVALI , 2006), que ao analisarmos
anteriormente a questão “Em que momento você julga necessário
encaminhar um aluno para atendimento especializado?”, 46% dos
nossos sujeitos responderam quando esgoto todas as possibilidades. Agora,
diante da pergunta “Como você se sente em relação ao aluno com
dificuldade de aprendizagem”? 63% respondem que se sentem
angustiados, embora impelidos a resolver o problema. Portanto,
gostaríamos de pontuar: se o encaminhamento ocorre quando acredito
que minhas possibilidades se acabaram e se tenho sentimentos diversos
como angústia, culpa, frustração entre outros, será que minha
formação está adequada para lidar com estas questões? Será que
justamente os psicopedagogos, profissionais que devem ser preparados
para estas situações, deveriam não sentir-se tão reféns e inaptos diante
de um aluno que não aprende?
Vale dizer que podemos pensar com quais crianças ou alunos
nossos sujeitos gostariam de lidar. Será que ter momentos de não
aprendizagem ou dificuldades no processo não deveriam ser encarados
com mais naturalidade por esses profissionais?
* O valor percentual resultante é maior que 100%, assim como o número de respostas é
superior a 52 porque há sujeitos que emitem respostas cujo conteúdo concentra-se em várias
categorias simultaneamente.
260
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
As respostas dadas na categoria III nos parecem bem mais
interessantes do ponto de vista da reflexão, da coordenação de
diferentes fatores numa análise de situação de não-aprendizagem. Mas,
somente 3 sujeitos deram respostas com essas características. É
interessante trazer aqui uma passagem de Collares e Moysés (1996,
p. 61) salientando a importância de se pensar no processo de ensinoaprendizagem como algo que tem dois pólos. “A impressão é de que
na escola ocorre um processo exclusivamente de aprendizagem. A
criança aprende ou não aprende. Simplesmente”. Os sentimentos de
impotência, incapacidade, inércia, frustração não estão relacionados
somente à incapacidade da criança em executar sua tarefa? E a ação
docente? No caso dos nossos sujeitos, o que dizer da intervenção
psicopedagógica institucional?
Nesse sentido, o que difere a categoria I da categoria II também
precisa ser considerado com cautela, afinal, vontade de fazer algo
pela criança, vontade de ajudar, coragem para encarar uma luta que
se inicia são ações que precisam estar em comunhão com as ações
pedagógicas, revistas, reorganizadas, pensadas, elaboradas,
fundamentadas etc. É preciso estar atento ao significado dessa ação/
inter venção a ser executada. Se essa ajuda se referir a
encaminhamentos e/ou avaliações de outros profissionais, então, o
quadro existente e que já discutimos aqui somente se perpetuará. O
que poderíamos esperar de um aluno que já realiza um curso de pósgraduação é a busca pelo conhecimento, mas essa resposta só podemos
observar em dois sujeitos.
Podemos inferir aqui que um dos fatores que poderia gerar esse
quadro de propostas de encaminhamentos e intervenções de outros
profissionais está relacionado à visão que os sujeitos da pesquisa
possuem a respeito da sala de aula. A maioria deles é formada em
Pedagogia tendo enquanto educadores a visão de sua prática
pedagógica a respeito da dificuldade de aprendizagem. Talvez, faltalhes ainda um olhar da prática clínica, enquanto psicopedagogo, uma
vez que a experiência em estágios ao longo do curso de Especialização
pode ter sido insuficiente ou ainda não ter ocorrido. No entanto, cumpre
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
261
destacar que a atuação do psicopedagogo também poderá/deverá
ocorrer no plano institucional e nesse aspecto o trabalho terá que se
aproximar muito dos docentes, de suas relações com toda a instituição
escolar e, sobretudo, das questões pedagógicas referentes a ensino e
a aprendizagem.
A segunda pergunta que discutiremos aqui foi apresentada aos
sujeitos dessa forma: “Na sua opinião, o que é imprescindível para
que um aluno aprenda?”
Compondo a categoria I estão as respostas que identificam
características do professor como imprescindíveis para a
aprendizagem, tais como fornecer conteúdos significativos,
promover a aprendizagem prazerosa, ser capaz de prender a atenção
dos alunos, dedicação etc. Vejamos alguns exemplos: “[...] o professor
seja determinado e objetivo”. “[...] um bom corpo docente[...]”.
“[...] a dinâmica do educador”. “Dedicação do professor e além
disso um olhar para perceber onde este aluno está com dificuldade”.
“[...] que o professor explore todas as formas de explicar e
demonstrar determinado assunto”.
Na categoria II, estão as respostas que remetem a características
do aluno, como ter vontade, desejo, interesse, capacidade individual.
“Que esse aluno mostra interesse, vontade de aprender [...]”. “Estar
interessado na aula, desperto e alimentado”. “Atenção” “Desejo, sentirse capaz e responsável pelo próprio aprendizado”.
Na categoria III foram agrupadas as respostas que consideram
a interação docente/discente como aspecto fundamental para a
aprendizagem, tais como respeito e admiração pelo professor. Exemplos:
“Para que o aluno aprenda é importante que haja uma boa relação
entre professor e aluno”. “[...] a relação afetiva de professor-aluno”.
Para a categoria IV foram agrupadas as respostas que apontam
para questões familiares. É o caso de: “Amor por parte da família e
incentivo”. “A aprendizagem está relacionada à questão muitas vezes
da família, equilíbrio familiar, amor, essas crianças geralmente são
adotadas, rejeitadas e etc.”. “[...] a participação da própria família na
educação de seu filho”.
262
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
Na categoria V estão as questões relacionadas à estrutura escolar.
Exemplo: “[...] um bom espaço físico, ou seja, que a instituição ofereça
um espaço organizado”.
Assim como na categoria IV da pergunta anterior, na categoria
VI foram agrupadas outras respostas isoladas, consideradas
incompreensíveis. São os casos de: “Encontrar significados e sentidos
que justifiquem a sua aprendizagem”. “Acredito ser imprescindível
que um aluno aprenda a ler e escrever de forma autônoma,
conseguindo fazer uso dessa competência para atender às solicitações
do meio, usufruir os bens culturais produzidos, atender as suas
necessidades pessoais, dentre outras”.
A tabela III a seguir mostra os resultados referentes à questão 2.
Tabela III - Respostas referentes à questão 2
Categorias
I
II
III
IV
V
VI
SOMA
Quantidade de Respostas
31
26
8
7
2
4
78
Percentual (%)
60
50
15
13
4
8
*
Na verdade, a resposta que culpabiliza os alunos era por
nós esperada considerando-se as respostas já analisadas de outras
questões (GUIMARÃES; SARAVALI, 2006), mas a ênfase no trabalho do
professor nos trouxe certa surpresa e contentamento, pois indicou a
existência de uma reflexão maior. Todavia, precisamos pensar qual o
real significado desse discurso e aqui apresentamos nossas hipóteses
sobre esses aspectos.
A diferença entre a categoria I que atribui ao docente a
responsabilidade pela aprendizagem e a categoria II que atribui essa
responsabilidade ao aluno é de apenas 5 respostas. Percebe-se,
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
263
novamente, uma dificuldade em se refletir sobre os processos e fatores
que envolvem a aprendizagem e uma tendência a culpabilização: do
aluno ou do docente.
Simultaneamente, é incoerente perceber que o mesmo sujeito
que responde que as dificuldades de aprendizagem são problemas
apenas dos alunos, responde também que para aprender é preciso um
bom professor. Será que podemos desvincular as dificuldades de
aprendizagem das questões relacionadas ao ensino e a aprendizagem?
Aqui cabe uma reflexão, encontrada também no trabalho de
Collares e Moysés (1996). Ao se dizer que é preciso um bom professor
para aprender, será que os sujeitos se consideraram enquanto docentes
de alunos que não aprendem? De que professor falam então? É preciso
tomar cuidado com a dissociação entre discurso e a prática,
principalmente quando esse aluno assumir a função de psicopedagogo,
seja numa escola ou numa clínica. “Um discurso genérico, sobre um
professor abstrato, não guarda qualquer relação com a atuação concreta
de cada um deles. E de todos eles” (COLLARES; MOYSÉS, 1996, p. 209).
Ou será que estamos diante de uma nova postura assumida agora por
um novo profissional que passa a avaliar o trabalho docente de outra
forma? Novamente Collares e Moysés (1996) encontraram algo
semelhante em suas pesquisas. Ao entrevistarem diretores (que haviam
sido professores) estes culpam os docentes pelo mau desempenho
dos alunos.
Não se pode perder de vista a compreensão destas questões
todas na formação do psicopedagogo. No âmbito institucional esse
profissional deverá lidar com o movimento de todos os elementos
que compõem a escola, com suas múltiplas interações e com o fluxo
contínuo e recíproco de energia e material. Dessa forma sua função
será potencializar ao máximo a capacidade de ensinar dos profissionais
e a capacidade de aprender dos alunos (GASPARIAN, 1997).
Nesse sentido, o papel desse profissional é cuidar da prevenção
e do enfrentamento de conflitos envolvendo a escolarização (NOFFS,
2003). Portanto, sua postura não pode ser rotulante e nem
264
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
culpabilizadora, uma postura diferente não se enquadraria nem nas
repostas que compõem a categoria I, nem na II. Talvez, os dois
sujeitos que apresentam as respostas da categoria V já estejam
conseguindo direcionar suas reflexões nessa direção.
A terceira pergunta e última a ser apresentada no presente
trabalho foi assim formulada: “Que outros fatores você considera
importante para o sucesso da aprendizagem?”
Novamente na categoria I encontram-se aquelas características
relacionadas ao professor, tais como a didática, a forma de organização
das aulas. Alguns exemplos: “Para que o aluno aprenda também é
preciso que o professor saiba ensinar”. “Considero importante a
criatividade docente”. “Acho que quando o professor possui uma boa
formação pedagógica, dispõe de diferentes recursos didáticopedagógico e conta com atendimento especializado, o campo se abre
para que o aprendizado aconteça”.
Na categoria II, estão as respostas que elencam questões
familiares. É o caso de: “Diálogo dos pais com a criança, brincadeiras
e programas de televisão saudáveis histórias de livros que transmite
lições de vida para os mesmos”. “Presença da família”. “[...] a
participação da própria família na educação de seu filho”. “[...] haver
uma sintonia entre pais e escola, ou seja, cada um fazer a sua parte,
os pais ensinar o que é certo e o que é errado (‘da educação’ para seu
filho) e a escola ensinar valores culturais para seus alunos”. “Temos
visto que a presença da família é de extrema importância. Muitas
vezes, o que se vê, é que a família delega para escola aquilo que é de
sua responsabilidade: educar, transmitir valores. Sem esse apoio
familiar fica muito difícil”. “Incentivo, apoio e ajuda da família”.
As respostas da categoria III apontam para características
inerentes aos alunos. Vejamos alguns exemplos: “[...] o compromisso
do aluno com a aprendizagem”. “O desejo de aprender, a vontade”.
“Interesse do aluno”.
Compõem a categoria IV respostas que mencionam a
importância da interação entre professor e aluno. Exemplos: “[...] a
265
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
relação afetiva de professor-aluno”. “Interação de alunos e
professores”. “Uma boa relação entre a professora e os seus alunos”.
Para a categoria V encontram-se as respostas que abordam
aspectos referentes à estrutura escolar e ao apoio institucional. É o
caso de: “Apoio institucional, reciclagem dos professores, orientação
profissional para pais e professores”. “[...] escolas com mais infraestruturas”.
Na categoria VI, agrupamos outras respostas isoladas, respostas
consideradas tautológicas bem como aquelas em branco. Por exemplo:
“A equivalência entre teoria e prática é sumariamente importante,
são fatores paralelos. Os sentimentos positivos em relação à tal
situação é fundamental”.
A tabela IV a seguir mostra os resultados referentes à questão 3.
Tabela IV – Respostas referentes à questão 3
Categorias
I
II
III
IV
V
VI
SOMA
Quantidade de Respostas
24
17
13
9
5
3
71
Percentual (%)
46
36
25
17
10
6
*
A respeito das respostas que se concentram na primeira categoria,
valemo-nos dos mesmos comentários apresentados anteriormente.
Importante observar que somando o número de respostas que
aparecem na categoria II com aquelas da categoria III temos 30 respostas
apontando para a família ou para o próprio aluno as condições de
sucesso na aprendizagem. Assim, podemos pensar que basta uma família
presente ou um aluno interessado e os problemas se resolveriam.
Observa-se também, na análise dessa pergunta, o aumento do
número de respostas que compõem a categoria V, que é a mesma
encontrada na pergunta anterior, apontando para a coordenação de
outros fatores já realizada por esses 5 sujeitos.
266
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
Considerações Finais
Apresentamos aqui alguns dados que complementam uma
análise já iniciada a respeito das concepções que estudantes do curso
de Psicopedagogia têm a respeito das dificuldades de aprendizagem.
A formação do psicopedagogo em nível teórico e prático, essa
última principalmente em relação aos estágios, para atuação tanto na
clínica como na instituição, requer responsabilidade, grande
sustentação teórica e rigor científico e profissional. Isso se faz
necessário para que aos alunos que não aprendem seja dada sempre a
chance da investigação continuada, do trabalho de intervenção
fundamentado e da não rotulação prévia excludente e
responsabilizante.
Acreditamos que as reflexões que propusemos, bem como outras
que possam surgir, a partir das respostas emitidas ao questionário,
necessitam ocorrer por parte daqueles que atuam na formação dos
psicopedagogos. Na medida em que estas respostas caracterizam
decisões e julgamentos que já são e/ou que poderão ser norteadores
do trabalho destes profissionais, não podemos ignorá-las.
Estamos diante de uma epidemiologia escolar vigente e
percebemos que as questões pedagógicas perdem espaço, isto é, os
professores e pedagogos são absorvidos, voluntariamente ou não, pela
amplitude de focos, termos, explicações encontradas, sobretudo, na
área da saúde. Longe de querermos romper com um processo de
interdisciplinaridade positivo, queremos chamar atenção que para os
procedimentos da sala de aula, para as intervenções pedagógicas, para
entender e saber sobre o desenvolvimento, sobre a aprendizagem,
não deveríamos necessitar recorrer a ninguém, ou no caso do que
vem ocorrendo em nossas escolas, não deveríamos acreditar que esses
outros profissionais e seus inúmeros diagnósticos e rótulos,
necessariamente, melhorariam nosso trabalho junto a uma criança
que não aprende. Sobre o rótulo e seu peso sempre vale observar as
palavras de Collares e Moysés (1996, p. 217):
Formação psicopedagógica e dificuldades de aprendizagem
267
[...] leva à estigmatização de crianças inicialmente sadias, que
incorporam o rótulo, sentem-se doentes, agem como doentes.
Tornam-se doentes. Compromete-se sua auto-estima, seu
autoconceito e aí, sim, reduzem-se suas chances de aprender.
A esse respeito, os psicopedagogos, principalmente os que vão
atuar no campo institucional escolar, precisam ser bem formados. Se
o olhar não for diferenciado, preparado para refletir e, se necessário,
romper com essas questões, esse profissional será mais um número, e
pouca transformação ocorrerá.
Centrar as causas do fracasso escolar em qualquer segmento
que, na verdade, é vítima, seja a criança, a família, ou o professor,
nada constrói, nada muda. Imobilizante, constitui um empecilho
ao avanço das discussões, da busca de propostas possíveis,
imediatas e a longo prazo, de transformações da instituição
escolar e do fazer pedagógico (COLLARES; MOYSÉS, 1996, p. 217).
Apenas completando a fala das autoras e enfatizando aquilo
que dissemos no início desse texto, quem mais sofre enquanto todos
nós estamos falhando são os alunos. São eles que carregam os rótulos
ou que se arrastam pelos anos de escolarização sem poder usufruir
daquilo que realmente a escola deveria promover.
Ressaltamos, mais uma vez, que a formação teórica e prática
dos futuros psicopedagogos necessita fundamentá-los, habilitá-los e
ajudá-los a tornarem-se atuantes responsáveis na realidade que
precisamos transformar. Apostar numa formação diferenciada desse
profissional com a qualidade necessária para a questão é pensar em
conhecimentos científicos e teóricos, formação prática e interventiva
que permitam a reflexão/ação/reflexão e o rompimento com os
inúmeros preconceitos já existentes.
Referências bibliográficas
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
COLLARES, C.; MOYSÉS, M. A. Preconceitos no cotidiano
escolar – ensino e medicalização. Campinas: Cortez, 1996.
268
Karina Perez Guimarães e Eliane Giachetto Saravali
FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2.
ed. rev. e aum. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
GASPARIAN, M. C. C. Psicopedagogia institucional sistêmica.
Contribuições do modelo relacional sistêmico para a psicopedagogia
institucional. São Paulo: Lemos Editorial, 1997.
GUIMARÃES, K. P.; SARAVALI, E. G. Concepções dos alunos
do curso de psicopedagogia a respeito das dificuldades de
aprendizagem. Educação Temática Digital, Campinas, v. 8, n.
1, dez. 2006. p. 187-207.
MACEDO, L. Para uma psicopedagogia construtivista. In:
ALENCAR, E. S. (Org.). Novas contribuições da psicologia aos
processos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 1992. p.
121-140.
OSTI, A. As dificuldades de aprendizagem na concepção do
professor. 2004. 149 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Faculdade de Educação, UNICAMP, Campinas, 2004.
PASSERI, S. M. R. R. O autoconceito e as dificuldades de
aprendizagem no regime de progressão continuada. 2003. 179f.
Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
NOFFS, N. Psicopedagogo na rede de ensino – a trajetória
institucional de seus atores-autores. São Paulo: Elevação, 2003.
SARAVALI, E. G. Dificuldades de aprendizagem e interação
social – implicações para a docência. Taubaté: Cabral, 2005.
SISTO, F. Dificuldades de aprendizagem. In: SISTO, F. et al.
Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico.
2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 19-39.
SMITH, C.; STRICK, L. Dificuldades de aprendizagem de A a Z
– um guia completo para pais e educadores. Tradução: Dayse Batista.
Porto Alegre: Artmed, 2001.
Recebido em: 20 de junho de 2007.
Aprovado em: 01 de agosto de 2007.
RESENHA
SISTO, Fermino Fernandes; MARTINELLI, Selma de Cássia. (Org.).
Afetividade e dificuldades de aprendizagem: uma abordagem
psicopedagógica. São Paulo: Vetor Editora, 2006. 208 p.
Elaine Cristina Cabral Tassinari *
O livro Afetividade e Dificuldades de Aprendizagem: uma abordagem
psicopedagógica é uma coletânea de onze estudos, na forma de capítulos,
que visam investigar a relação entre fatores emocionais e as dificuldades
de aprendizagem; como nos diz os organizadores, seu objetivo é
responder a pergunta: “como se encontra o sistema emocional das
crianças que estão passando por dificuldades de aprendizagem?” (p. 9).
O fracasso escolar é algo freqüente nas escolas e a análise de
seus porquês é algo que passa e já passou por diversas fases. Por
exemplo, já se apontou como causas do fracasso: a falta de incentivo
por parte dos professores, o uso de cartilhas para a alfabetização, as
condições sócio econômica, etc.
O livro, então, busca um outro enfoque: o de olhar como está
a criança envolvida nesse processo, como ela o encara, qual o reflexo
desse problema na sua vida emocional e, também, quanto esse
emocional influencia nas questões de dificuldades de aprendizagem.
Na apresentação do livro os organizadores dão um panorama
geral das teorias e hipóteses levantadas sobre o tema, além de
destacarem os pontos importantes apresentados em cada capítulo do
livro, assim como, os principais resultados chegados por cada autor.
* Discente do curso de Pedagogia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de
Marília-SP. E-mail: [email protected]
APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação
Vitória da Conquista
Ano V
n. 9 p. 269-274
2007
270
Elaine Cristina Cabral Tassinari
Os textos são breves e mostram pesquisas psicopedagógicas, muitas
por questionários e testes psicológicos.
Um dos méritos da obra é proporcionar ao leitor uma visão
diversa dos fatores emocionais envolvidos no processo de
aprendizagem, além de mostrar a multiplicidade de relações
estabelecidas entre esses fatores, tendo como ponto comum, a
perspectiva psicopedagógica.
No capítulo O papel das relações sociais na compreensão do fracasso
escolar e das dificuldades de aprendizagem de Fermino Fernandes Sisto e
Selma de Cássia Martinelli, o fracasso escolar é abordado tendo como
enfoque as relações sociais, mostrando a sua importância para o
desenvolvimento cognitivo. Vários estudos e teorias são citados. Um
resultado importante que se pode inferir a partir do texto é que: quanto
mais a criança é aceita pelo seu meio, menor será a sua dificuldade de
aprendizagem e, quanto maior a rejeição, menor é seu desempenho
acadêmico.
O capítulo A afetividade no jogo de regras de Betânia Alves Veiga
Dell’Agli e Rosely Palermo Brenelli mostra-nos a estreita ligação
entre a cognição e a afetividade tendo como base a teoria de Jean
Piaget sobre a afetividade e sobre o uso dos jogos. As autoras
mostram, por meio de estudo de caso, a importância dos jogos para
o desenvolvimento das crianças nas diversas fases de seu
desenvolvimento.
A interação professor-aluno, fator importante para o
desenvolvimento afetivo e cognitivo das crianças, é analisada no texto
Fracasso escolar: um olhar sobre a relação professor-aluno, de Selma de Cássia
Martinelli, e, principalmente, essa interação é discutida nos casos de
fracasso escolar. No capítulo, são levantados dados sobre o
comportamento dos professores em relação a alunos que aprendem
com facilidade e a alunos que apresentam dificuldades. Um dos pontos
a que chega o estudo apresentado é que “é importante ao professor
tanto o autoconhecimento quanto o conhecimento da importância e
as conseqüências de seu comportamento no de seus alunos,
Resenha
271
capacitando-os, dessa forma, para alterar a dinâmica das relações
estabelecidas em sala de aula” (p. 53).
Algumas relações entre aprendizagem e sentimentos, como
alegria, tristeza, medo e coragem, são estabelecidas no quarto capítulo
Alegria, tristeza, medo e coragem em crianças com dificuldades de aprendizagem
de Gisele A. Patrocino Bazi e Fermino Fernandes Sisto. Nesse
trabalho, os autores procuram, por meio de testes psicológicos em
crianças de séries iniciais, elementos que permitem estabelecer as
relações entre aprendizagem e os sentimentos citados. Dentre outros
resultados, as pesquisas indicam que crianças com dificuldades de
aprendizagem apresentam um quadro de maior tristeza, angústia e
medo e que, para os autores, o sentimento de alegria mostrou-se
propício para a aprendizagem.
No texto A transmissão dos sinais emocionais pelas crianças de
Gislene de Campos Oliveira, a autora analisa alguns aspectos afetivos
que podem interferir na aprendizagem escolar e o papel do corpo
como veículo para expressar essas emoções. Dentre as emoções
analisadas estão a raiva, a agressividade, o medo, a inibição e a timidez,
o stress infantil, a ansiedade, a baixa auto-estima. Ao final do capítulo,
a autora discute o papel da psicomotricidade como instrumento que
permite à criança aprender a lidar com suas emoções.
Em Avaliação dos aspectos afetivos envolvidos nas dificuldades de
aprendizagem, Acácia Aparecida Angeli dos Santos, Fábian Javier
Marín Rueda e Daniel Bartholomeu buscam diferenciar problemas
emocionais em crianças com e sem dificuldade de leitura, bem como
eventuais diferenças vinculadas ao gênero. Através de suas pesquisas,
com testes psicológicos, os autores detectaram que, nos meninos, é
estatisticamente significativa a relação entre os problemas
emocionais (tais como insegurança, retraimento, timidez,
sentimentos de inadequação e preocupação com o ambiente) e os
erros de leitura, inferindo que quanto mais problemas emocionais,
mais problemas na leitura; no caso das meninas, não se constatou
ser estatiscamente significativa essa relação.
272
Elaine Cristina Cabral Tassinari
Fábian Javier Marín Rueda, Daniel Bartholomeu e Fermino
Fernandes Sisto, no capítulo Emotividade e aprendizagem da escrita,
destacam a relevância de uma disposição positiva para o aprendizado;
além disso, os autores expõem diversas teorias que têm como foco a
relação de variáveis emocionais (como, por exemplo, a ansiedade) e a
aprendizagem. O estudo realizado pelos autores apresenta relações
entre problemas emocionais (tais como, instabilidade emocional,
imaturidade, ansiedade, impulsividade, agressividade, maiores
necessidade de realização e baixo conceito) e o baixo desempenho
acadêmico. Constatam, ainda, que erros de escrita estão associados a
problemas emocionais de forma que, quanto mais dificuldades de
aprendizagem da escrita, mais se agravam os problemas emocionais.
Um dos aspectos importantes a se ressaltar, nesse estudo, é a
identificação, somente em meninos e não em meninas, de que há
uma correlação entre problemas na aprendizagem da escrita e
problemas emocionais; fato que, segundo eles, demandam mais
pesquisas para sua averiguação.
Edna Rosa Correia Neves e Evely Boruchovitch, em seu texto
As orientações motivacionais do aluno: um olhar do ponto de vista das emoções,
objetivam investigar, através de testes e entrevista, “as orientações
motivacionais intrínsecas e extrínsecas dos estudantes e as emoções
positivas e negativas relacionadas à aprendizagem escolar” (p. 123).
No decorrer do trabalho, as autoras apresentam também pesquisas e
resultados já obtidos sobre o tema que revelam a importância das
emoções positivas na relação ensino-aprendizagem. No final do
capítulo, as autoras chegam à conclusão que, de modo geral, os
resultados confirmam o importante papel das emoções na motivação
e no desempenho dos estudantes em situações acadêmicas, e sugerem
que os educadores devem ficar atentos às influências que as
orientações motivacionais e as emoções têm sobre o desenvolvimento
e aprendizagem dos alunos.
Em seu texto Percepção de autocontrole e desempenho acadêmico de
adolescentes, Selma Martinelli, Aleksandro Barbosa e Fermino Fernandes
Resenha
273
Sisto, definem autocontrole como sendo “uma variável que pode ser
vista como uma forma de controlar o próprio comportamento em
situação de conflito, de acordo com padrões definidos pela sociedade”
(p. 145), e, a partir daí, procuram verificar a importância desse fator
para o processo de aprendizagem. Esses estudos levaram os autores
a constatar a presença e a influência do autocontrole em várias esferas
da vida do estudante, e em diversos contextos como, por exemplo, o
autocontrole pessoal, ligado ao desempenho matemático, o
autocontrole familiar, que se mostrou ligado ao aprendizado de
português, e o autocontrole social, que mostrou não influenciar no
contexto escolar.
Lucila Diehl Tolaine Fini e Geiva Carolina Calsa tratam da
motivação para o aprendizado em seu trabalho intitulado Matemática
e afetividade: aluno desinteressado no ensino fundamental? Uma das idéias
defendidas pelas autoras é a de que uma disposição favorável ao
aprender é um fator determinante para se obter sucesso na
aprendizagem. Nesse texto, as autoras procuram desvendar a relação
entre a dificuldade de aprender matemática e as relações afetivas,
além de mostrarem como o aluno motivado pode mudar a sua situação
e a sua visão sobre a matemática, superando assim, suas dificuldades.
Relatam, ainda, que através de intervenção psicopedagógica, crianças
com dificuldades de aprender matemática superam suas dificuldades;
nessa intervenção são utilizadas histórias em quadrinhos, com o
intuito de envolver as crianças nos problemas matemáticos e, assim,
ensiná-las a resolvê-los; como resultado, as crianças resolveram seus
conflitos cognitivos e passaram a gostar de matemática.
No último capítulo do livro Sintomas depressivos e as estratégias de
aprendizagem em alunos de ensino fundamental: uma análise qualitativa, de
Miriam Cruvinel e Evely Boruchovitch, as autoras procuram
estabelecer e identificar estratégias de aprendizagem utilizadas por
alunos com dificuldades de aprender e com problemas emocionais,
como, por exemplo, depressão. Entre outras questões, perguntam-se
até que ponto fatores emocionais podem interferir no uso e escolha
274
Elaine Cristina Cabral Tassinari
dessas estratégias. Sugerem que, através dessa determinação de
estratégias, faz-se possível uma intervenção, a fim de melhorar o
desempenho acadêmico dos alunos e interferir também nos seus
sintomas emocionais.
O livro, como podemos ver, faz uma cobertura ampla do tema,
por abordar vários aspectos da relação entre os fatores emocionais e
as dificuldades de aprendizagem; mas, ao mesmo tempo, é
suficientemente profundo e nos fornece dados importantes para a
compreensão dessa relação, além de expor diversas reflexões,
pesquisas e sugerir algumas formas de intervenção junto ao problema.
Fornece, ainda, aos profissionais da área, uma abordagem das novas
perspectivas dos estudos sobre dificuldades de aprendizagem e, ao
leitor não especializado, que se interessa pelo tema, um panorama de
fácil compreensão das pesquisas atuais.
Periódicos permutados
Cadernos de Educação (UFPel/Pelotas-RS)
Análogos (PUC-RJ)
Análise & Síntese (Faculdade São Bento/Salvador-BA)
Educação em Revista (UFMG/B. Horizonte-MG)
Revista Comunicações (UNIMEP/Piracicaba-SP)
Ethica – Cadernos Acadêmicos (UGF/Rio de Janeiro-RJ)
Ícone Educação (UNITRI/Uberlândia-MG)
Proposições (UNICAMP/Campinas-SP)
Hispeci & Lema (FAFIBE/Bebedouro-SP)
BIOETHIKOS (Centro Universitário São Camilo/São Paulo-SP)
Práxis Educativa (UEPG/Ponta Grossa-PR)
Revista Educação (PUC/Porto Alegre-RS)
EccoS – Revista Científica (UNINOVE/São Paulo-SP)
Educação em Questão (UFRN/Natal-RN)
BOLEMA – Boletim de Educação Matemática (UNESP/Rio Claro-SP)
Educação e Pesquisa (USP/São Paulo-SP)
Dialogia (UNINOVE/São Paulo-SP)
Educere – Revista da Educação (UNIPAR/Umuarama-PR)
Revista de Educação Pública (UFMT/Cuiabá-MT)
Revista Diálogo Educacional (PUC/Curitiba-PR)
Ciência & Educação (UNESP/Bauru-SP)
Comunicação & Educação (USP/São Paulo-SP)
SIGNOS (UNIVATES/Lajeado-RS)
Estudos em Avaliação Educacional (Fundação Carlos Chagas/São Paulo-SP)
Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais (UFSJ/São João del-Rei-MG)
Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas/São Paulo-SP)
Estudos de Psicologia (PUC/Campinas-SP)
Revista da SPAGESP (SPAGESP/Ribeirão Preto-SP)
Revista Educação (UFSM/Santa Maria-RS)
Normas para publicação de trabalhos
O APRENDER é uma publicação que pretende divulgar trabalhos
sobre o processo educacional em suas variáveis filosóficas e psicológicas ou
contribuições de outras áreas do saber.
Por abranger diversas áreas de conhecimento, esta revista define alguns
enfoques temáticos para melhor orientar o conteúdo dos trabalhos candidatos
à publicação.
Filosofia da Educação:
• A aprendizagem como problema filosófico: como e em que condições
se dão a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.
• A Filosofia e a instituição escolar.
• Abordagem teórica das diferentes escolas pedagógicas.
• Diferentes conceitos e concepções de educação.
• Educação e Filosofia: as correntes filosóficas e sua relação com a idéia
de formação e os processos educacionais.
• Ética e Educação: a ética como fundamento para a formação e a
aprendizagem, a ética profissional do educador, entre outras abordagens.
• Teorias da Pesquisa em Educação.
• Educação e Política: o caráter formador e transformador da educação
em seus aspectos político e filosófico.
• O papel da Filosofia nas transformações da educação contemporânea.
• Novas tendências e tecnologias de ensino: aspectos filosóficos.
Psicologia da Educação:
• A aprendizagem como problema psicológico: como e em que condições
se dão a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.
• Aspectos psicológicos voltados para o estudo do campo das necessidades
educativas especiais: dificuldades de aprendizagem, educação especial,
preparo e formação de professores, entre outros pontos de vista.
• As escolas psicológicas e sua relação com os processos educacionais.
• Novas tendências e tecnologias de ensino: aspectos psicopedagógicos.
• Psicanálise e Educação.
• Psicologia Escolar/Educacional: trabalho docente, processo ensinoaprendizagem, aquisição da leitura e da escrita, interação professor-aluno,
cultura escolar, atuação do psicólogo na escola, entre outros pontos.
• Psicologia do Desenvolvimento e Educação: aspectos psicomotores,
afetivos, cognitivos, lingüísticos, sociais, culturais e familiares.
• Relações humanas na escola.
• Sociedade e Educação: fatores psicossociais e de formação do sujeito.
• Trabalho e Educação.
Obs.: Somente são aceitos trabalhos que se enquadram em um ou mais dos
enfoques temáticos citados.
Envio dos Trabalhos
São recebidos para publicação artigos, ensaios, debates, resenhas,
traduções, entrevistas, relatos de caso, etc. Os textos enviados para análise
devem ser escritos em português, espanhol, inglês ou francês.
Os trabalhos candidatos à publicação devem ser enviados por e-mail,
com o texto anexo, para os seguintes endereços eletrônicos:
[email protected] e [email protected]; ou pelo correio, com uma
cópia impressa e uma cópia em disquete, para o endereço abaixo:
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)
Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH)
APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação
Estrada do Bem-Querer, km 4.
45083-900 – Vitória da Conquista – Bahia
Tanto no envio por endereço eletrônico como pelo correio, os trabalhos
devem ser acompanhados de uma folha à parte, em que constem os seguintes
dados de identificação:
• Título, resumo e palavras-chave no idioma do texto.
• Nome completo do(a)(s) autor(a)(es).
• Maior titulação (com indicação da área de conhecimento e nome da
instituição).
• Instituição de origem e função que está exercendo.
• Endereço eletrônico e telefone.
Formato dos Trabalhos
1. Os trabalhos devem ser digitados em Word for Windows e apresentados
segundo as especificações a seguir:
Artigos – 20 páginas, não incluídas as referências bibliográficas;
Resenhas – cinco páginas;
Entrevistas e debates – dez páginas;
Traduções – 20 páginas.
2. A configuração do texto deve ser conforme as seguintes especificações:
papel tamanho A4 (21 X 29,7), margens superior, inferior e laterais
de 2 centímetros, espaçamento entre as linhas de 1,5 centímetro e
alinhamento justificado.
3. O título do trabalho deve ser em fonte Times New Roman, tamanho 12,
negrito e caixa alta, centralizado no alto da página inicial.
4. Dois espaços abaixo do título do trabalho, deve vir o nome do(s) autor(es)
em fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico, alinhado à direita da
página, seguido de asterisco, e, em nota de rodapé, deve-se indicar a
maior titulação (com a área de conhecimento e a instituição na qual foi
obtida), a instituição a que o(s) autor(es) se encontra(m) vinculado(s) e
endereço eletrônico.
5. Para artigo, dois espaços abaixo da indicação do(s) autor(es), deve vir o
Resumo, no idioma da redação, acompanhado das palavras-chave (máximo
de cinco). O título, o resumo e as palavras-chave precisam ser traduzidos
para o inglês (Abstract e Key Words) ou francês (Résumé e Mots-clés).
6. O Resumo (bem como o respectivo Abstract ou Résumé ) deve ter no
mínimo 40 palavras e no máximo 100 palavras e ser redigido em um só
parágrafo.
7. Subtítulos devem vir em fonte Times New Roman, tamanho 12, em negrito,
somente com as primeiras letras maiúsculas e alinhados à esquerda da
página (não devem ser numerados).
8. As citações e referências bibliográficas devem seguir as normas da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
9. Figuras e fotos, se houver, devem vir no corpo do texto, no local desejado
pelo autor, em preto e branco.
10. Gráficos, se houver, devem ser apresentados no final do trabalho, em
preto e branco, de maneira legível e com indicações e/ou legendas por
extenso.
Avaliação dos trabalhos
Os trabalhos candidatos à publicação são avaliados quanto a sua
qualidade e originalidade, por especialistas do assunto abordado. A escolha dos
pareceristas é feita, preferencialmente, entre os membros que compõem o
Conselho Editorial da revista.
Revisão
Os trabalhos aceitos para publicação serão submetidos à revisão de
linguagem. O APRENDER reserva-se o direito de realizar alterações sugeridas
pela revisão que não impliquem alterações no conteúdo. Os casos especiais
serão comunicados ao(s) autor(es), para sua avaliação.
Direitos autorais
O APRENDER detém os direitos autorais dos trabalhos publicados,
que não poderão ser reproduzidos sem autorização expressa dos editores.
Responsabilidade
O conteúdo expresso nos textos publicados é de responsabilidade
exclusiva de seus autores.
Exemplares do autor
Cada autor terá direito a três exemplares do número correspondente à
publicação do seu texto.
Aquisição de exemplares
• Catálogo on line: www.uesb.br/editora
• E-mails: [email protected], [email protected] e [email protected]
Permutas
Aceitam-se permutas com periódicos nacionais e estrangeiros,
preferencialmente nas áreas de Educação, Filosofia e Psicologia.
Os contatos para esse fim podem ser feitos por meio dos endereços
eletrônicos: [email protected] e [email protected].
APRENDER - CADERNO DE FILOSOFIA E PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH)
Estrada do Bem-Querer, km 4
45083-900 - Vitória da Conquista – Bahia
EQUIPE TÉCNICA
COORDENAÇÃO EDITORIAL E NORMALIZAÇÃO TÉCNICA
Jacinto Braz David Filho
CAPA
Luiz Evandro de Souza Ribeiro
DRT - 2535
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E ACOMPANHAMENTO GRÁFICO
Ana Cristina Novais Menezes
DRT - 1613
REVISÃO DE LINGUAGEM (TEXTOS EM PORTUGUÊS)
Eliane Giachetto Saravali
Conselho Editorial (UNESP-Marília, SP)
Leonardo Maia Bastos Machado
Editor responsável
Na tipologia Garamond 11/15/papel offset 90g/m²
Em janeiro de 2008.
Download