terapia comunitária integrativa como cuidado de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
GRASIELE CRISTINA LUCIETTO
TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA COMO
CUIDADO DE ENFERMAGEM EM AMBULATÓRIO DE
NEFROLOGIA PEDIÁTRICA
CUIABÁ
2014
GRASIELE CRISTINA LUCIETTO
TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA COMO
CUIDADO DE ENFERMAGEM EM AMBULATÓRIO DE
NEFROLOGIA PEDIÁTRICA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem, da
UFMT, para obtenção do título de Mestre
em Enfermagem.
Área de concentração: Enfermagem e o
Cuidado à Saúde Regional
Linha de pesquisa: Estudos do Cuidado
em Enfermagem
Orientadora: Profª. Drª. Rosa Lúcia
Rocha Ribeiro
CUIABÁ- MT
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
L937t
Lucietto, Grasiele Cristina.
Terapia Comunitária Integrativa como cuidado de enfermagem em ambulatório de
nefrologia pediátrica / Grasiele Cristina Lucietto. -- 2014
104 f. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Rosa Lúcia Rocha Ribeiro.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de
Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Cuiabá, 2014.
Inclui bibliografia.
1. Terapias complementares.
2. Comunidade.
3. Enfermagem
Pediátrica.
4. pelo(a) autor(a).
Ficha catalográfica
elaborada automaticamente
de acordo
com os dados
fornecidos
Doença Crônica. 5. Nefrologia. I. Título.1. Terapias complementares. 2.
Comunidade. 3. Enfermagem Pediátrica. 4.
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
Doença Crônica. 5. Nefrologia. I. Título.
GRASIELE CRISTINA LUCIETTO
TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA COMO CUIDADO DE
ENFERMAGEM EM AMBULATÓRIO DE NEFROLOGIA PEDIÁTRICA
Esta dissertação foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora para
obtenção do título de:
Mestre em Enfermagem.
E aprovada na sua versão final em 25 de fevereiro de 2014, atendendo às normas da
legislação vigente da UFMT, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, área de
concentração Enfermagem e o Cuidado à Saúde Regional.
_________________________________
Drª Rosemeiry Capriata de Souza Azevedo
Coordenadora do Programa
BANCA EXAMINADORA:
________________________________
Drª Rosa Lúcia Rocha Ribeiro
Presidente (Orientador)
_______________________________
Drª Maria de Oliveira Ferreira Filha
Membro Efetivo Externo
_______________________________
Drª Sônia Ayako Tao Maruyama
Membro Efetivo Interno
_________________________________
Drª Aldenan Lima Ribeiro Corrêa da Costa
Membro Suplente Interno
________________________________
Drª Maria Djair Dias
Membro Suplente Externo
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a toda minha família, especialmente aos meus pais, Soeli T.
K. Lucietto e Leomar Lucietto, e ao meu esposo, Rondinele Amaral da Silva, por todo
amor, alegria e ensinamentos partilhados. Agradeço por me incentivarem e percorrerem
essa trajetória ao meu lado, fomentando minhas realizações pessoais e profissionais.
Obrigada por compreenderem minhas ausências e pelo apoio incondicional para que
meus objetivos fossem atingidos.
AGRADECIMETOS
Agradeço à Deus
Agradeço toda a sensibilidade e dedicação da minha orientadora Profª Drª Rosa
Lúcia Rocha Ribeiro, exemplo de profissional e pessoa, pelo apoio e orientação.
Agradeço imensamente todo o carinho e cuidado ofertado nesses dois anos de
convivência, que construíram um laço afetivo que permanecerá presente em minha vida.
Ao programa de Pós-Graduação em Enfermagem, em especial o corpo docente,
pelas contribuições essenciais no meu processo de formação durante o mestrado.
Ao corpo administrativo da Pós-Graduação da FAEN/UFMT, em especial ao
Rodrigo, Patrícia e Solange, pela disponibilidade e atenção em todos os momentos.
Aos integrantes do grupo de pesquisa GPESC, principalmente as professoras
Aldenan e Sonia, pelo imenso afeto e ensinamentos, presentes desde meu ingresso na
graduação, exemplos de enfermeiras amorosas e comprometidas com a profissão.
À turma de 2012 do mestrado, especialmente à Angélica, Eliziani, Heidy e
Jackeline que me apoiaram e tornaram essa jornada mais leve e alegre. Obrigada por
todos os momentos de descontração e amizade proporcionados. Agradeço a Ingrid,
Camila e Maria Cláudia, amigas e companheiras de trabalho, obrigada pela acolhida,
ensinamentos e trocas de experiências. Agradeço todos meus colegas de trabalho pela
compreensão e apoio.
À CAPES pelo apoio financeiro.
“Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram.
Desencaixotar emoções, recuperar sentidos.”
Rubem Alves
LUCIETTO, G.C. Terapia Comunitária Integrativa como cuidado de enfermagem
em ambulatório de nefrologia pediátrica. 2014. Dissertação. (Mestrado em
Enfermagem) – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Universidade Federal de
Mato Grosso, Faculdade de Enfermagem, Cuiabá, p. 104. Orientadora: Dr.ª Rosa Lúcia
Rocha Ribeiro.
RESUMO
Terapia Comunitária Integrativa (TCI) é um ambiente comunitário que visa a partilhar
experiências de vida e sabedorias de forma horizontal e circular. Cada participante se
torna seu próprio terapeuta através da escuta das histórias de vida relatadas neste
espaço. Todos são corresponsáveis na busca de soluções e superação dos desafios do
cotidiano, em um ambiente acolhedor e caloroso. A condição crônica na infância
interfere no funcionamento corporal da criança em longo prazo, demanda assistência e
acompanhamento por profissionais de saúde, limita as atividades diárias, origina
alterações no seu processo de crescimento e desenvolvimento, comprometendo o
cotidiano de todos os membros da família. Como na maioria das doenças crônicas na
infância, as doenças crônicas renais alteram as vidas das crianças em todos os níveis,
além de lhes restringir atividades rotineiras. Estudo descritivo, com enfoque qualitativo.
A intervenção foi feita no Ambulatório de Nefrologia Pediátrica de um Hospital
Universitário, no município de Cuiabá, Mato Grosso. Os sujeitos do estudo foram
crianças, adolescentes e suas famílias atendidas no ambulatório, que participaram ao
menos uma vez da roda de TCI. Também participaram duas acadêmicas de
enfermagem, uma funcionária do hospital e uma terapeuta, totalizando 32 pessoas. O
material empírico é composto da transcrição das rodas, que foram filmadas, e das
anotações da observação participante. Os resultados evidenciaram que as rodas de TCI
foram um instrumento de promoção da saúde, proporcionando um espaço comunitário
para que os participantes ressignifiquem suas vivências, partilhem sabedorias e
experiências, favorecendo desta forma a superação de dificuldades, a busca por
soluções, promovendo a autonomia dos indivíduos. É um meio de integração entre as
pessoas, que busca elevar a autoestima e descobrir potenciais, construir redes de apoio e
orientar quanto aos seus direitos e seu papel social. Ressalta-se a relevância da TCI
como espaço de partilha de experiências com outros familiares/cuidadores em situações
semelhantes, visto que os assuntos mais recorrentes nas rodas de TCI foram a
sobrecarga da família no cuidado, a responsabilização exacerbada/culpabilização pelo
estado de saúde/cuidado do filho e a abnegação por parte da família para uma melhor
assistência e acompanhamento do tratamento da criança/adolescente. Apesar das
adversidades, ficou evidente que o vínculo afetivo entre mãe/familiar e filho torna o
cuidado com a criança uma experiência gratificante. A TCI proporcionou o
compartilhamento de sentimentos e vivências, fornecendo segurança e auxiliando a lidar
com as incertezas geradas pela condição da criança. A análise dos resultados
encontrados neste estudo possibilitou a constatação de que a Terapia Comunitária
Integrativa prestada às crianças, adolescentes e suas famílias, em um Ambulatório de
Nefrologia Pediátrica no município de Cuiabá, foi uma tecnologia de cuidado
complementar, possibilitando uma assistência mais humanizada e acolhedora.
Palavras-chave: Terapias complementares. Comunidade. Enfermagem Pediátrica.
Doença Crônica. Nefrologia.
LUCIETTO, G.C. Integrative Community Therapy as nursing care in outpatient
pediatric nephrology. 2014. Dissertation. (Master's degree in nursing) - Postgraduate
Program in Nursing. Federal University of Mato Grosso, Nursing College, Cuiabá, p.
104. Advisor: Dr. Rosa Lúcia Rocha Ribeiro.
ABSTRACT
Community Integrative Therapy (TCI) is a community environment that aims to share
life experiences and wisdoms horizontally and circularly. Each participant becomes his
own therapist through listening to the life stories reported in this space. All share
responsibility in finding solutions and overcoming the challenges of everyday life in a
warm and friendly atmosphere. Chronic conditions in childhood interferes with the
functioning body of the child in long term, demand assistance and monitoring by health
professionals, limits daily activities, causes changes in its growth and development,
affecting the daily lives of all family members. As in most chronic childhood diseases,
chronic kidney diseases alter the lives of children at all levels, and restrict their routine
activities. This is a descriptive study with a qualitative approach. The action was taken
at an Ambulatory of Pediatric Nephrology of a University Hospital in the city of
Cuiabá, Mato Grosso. The study subjects were children, adolescents and their families
attended the clinic, who participated at least once in TCI circle. Two nursing students,
an employee of the hospital and a therapist also participated, totaling 32 people. The
empirical material consists of the transcript of the circles, which were videotaped, and
the notes of participant observation. The results showed that the circles of TCI were an
instrument for health promotion, providing a community space for participants resignify
their experiences, share wisdom and experiences, thus favoring the overcoming of
difficulties, the search for solutions, promoting the autonomy of the individuals. It is a
mean of integration between people, who seek to raise the self-esteem and discovering
potential, building networks of support and guidance about their rights and their social
role. We stress the importance of TCI as an space to share experiences with other
families / caregivers in similar situations , as the most recurrent issues on the TCI
circles were overloading the family in care , the heightened accountability / culpability
for health / child care and dedication by the family to better care and follow-up
treatment of children / adolescents . Despite the adversities, it became evident that the
emotional bond between parent / child and family makes child care a rewarding
experience. TCI provided the sharing of feelings and experiences, providing security
and helping to deal with the uncertainties generated by the child's condition. The results
found in this study enabled the realization that Community Integrative Therapy
provided to children , adolescents and their families in a Pediatric Nephrology Unit in
the city of Cuiabá, it was a technology of complementary care, enabling a more humane
and friendly assistance.
Descriptors: Complementary Therapies; Community; Pediatric Nursing; Chronic
Disease; Nephrology.
LUCIETTO, G.C. Terapia Comunitaria Integradora como cuidado de enfermería en
nefrología pediátrica ambulatoria. 2014. Tesis. (Maestría en Enfermería) - Programa de
Posgrado en enfermería. Universidad Federal de Mato Grosso, Facultad de Enfermería,
Cuiabá, p. 104. Asesora: Dr. Rosa Lúcia Rocha Ribeiro.
RESUMEN
Terapia Integradora de la Comunidad (TCI) es un entorno de comunidad que tiene como
objetivo compartir experiencias de vida y sabidurías de forma horizontal y circular.
Cada participante se convierte en su propio terapeuta a través de escuchar las historias
de vida reportados en este espacio. Todos comparten la responsabilidad en la búsqueda
de soluciones y la superación de los retos de la vida cotidiana en un ambiente cálido y
acogedor. Las condiciones crónicas en la infancia interfieren en el funcionamiento del
cuerpo del niño al largo plazo, demanda la asistencia y el seguimiento por profesionales
de la salud, limita las actividades diarias, causa cambios en su crecimiento y desarrollo,
lo que afecta la vida cotidiana de todos los miembros de la familia. Al igual que en la
mayoría de las enfermedades crónicas de la infancia, las enfermedades renales crónicas
alteran la vida de los niños en todos los niveles, y restringen sus actividades de rutina.
Estudio descriptivo con enfoque cualitativo. La intervención fue tomada en el
Ambulatorio de Nefrología Pediátrica de un Hospital Universitario en la ciudad de
Cuiabá, Mato Grosso. Los sujetos del estudio fueron niños, adolescentes y sus familias
asistidas en el ambulatorio, que participaron al menos una vez de la rueda de TCI. Dos
estudiantes de enfermería, una empleada del hospital y una terapeuta también
participaron, de un total de 32 personas. El material empírico consiste en la
transcripción de las ruedas, las cuales fueron grabadas en video, y las notas de la
observación participante. Los resultados mostraron que las ruedas de la TCI eran un
instrumento para la promoción de la salud, proporcionando un espacio comunitario para
que los participantes resignifican sus experiencias, compartir la sabiduría y
experiencias, favoreciendo la superación de las dificultades, la búsqueda de soluciones,
la promoción de la autonomía de los individuos. Es un medio de integración entre las
personas, que busca elevar la autoestima y descubrir el potencial, la construcción de
redes de apoyo y orientación sobre sus derechos y su papel social. Hacemos hincapié en
la importancia de las TCI como un espacio para compartir experiencias con otras
familias / cuidadores en situaciones similares, como los temas más recurrentes en las
ruedas de TCI fueron la sobrecarga de la familia en el cuidado, la responsabilidad
mayor / culpabilidad por la salud / cuidado de niños y la dedicación a la familia para
una mejor atención y tratamiento de seguimiento de los niños / adolescentes. A pesar de
las adversidades, se hizo evidente que el vínculo emocional entre padre / hijo y su
familia hace que el cuidado de niños sea una experiencia gratificante. La TCI
proporciona el intercambio de sentimientos y experiencias, proporcionan seguridad y
ayuda a hacer frente a las incertidumbres generadas por la condición del niño. Los
resultados encontrados en este estudio permitieron a la comprensión de que la Terapia
Comunitaria Integrativa proporcionada a niños, adolescentes y sus familias en una
Unidad de Nefrología Pediátrica en la ciudad de Cuiabá, era una tecnología de atención
complementaria, lo que permite una asistencia más humana y agradable.
Descriptores: Terapias Complementarias;
Enfermedades Crónicas; Nefrología.
Comunidad;
Enfermería
Pediátrica;
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABRATECOM – Associação Brasileira de Terapia Comunitária
DRC – Doença Renal Crônica
FAEN – Faculdade de Enfermagem
GPESC – Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania
HUJM – Hospital Universitário Julio Müller
OMS – Organização Mundial da Saúde
PPGENF – Programa de Pós Graduação em Enfermagem
SBN – Sociedade Brasileira de Nefrologia
SUS – Sistema Único de Saúde
TCI – Terapia Comunitária Integrativa
TRS – Terapia Renal Substitutiva
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 144
1.1 A aproximação com a temática do estudo .......................................................... 14
1.2 Considerações sobre a temática .......................................................................... 15
2.1 Objetivo Geral ................................................................................................... 18
2.2 Objetivos Específicos ........................................................................................ 18
3. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................ 19
3.1 A TCI: histórico de sua elaboração e prática, objetivos, técnica e pilares teóricos.
................................................................................................................................ 19
3.1.1 O Pensamento Sistêmico ............................................................................. 21
3.1.2 A Teoria da Comunicação ........................................................................... 24
3.1.3 A Antropologia Cultural .............................................................................. 25
3.1.4 A Resiliência ............................................................................................... 26
3.1.5 A Pedagogia de Paulo Freire ....................................................................... 28
3.2 A TCI como uma prática para a superação da hegemonia do modelo biomédico e
valorização do Cuidado em saúde ............................................................................ 30
3.3 Condição crônica na infância e suas repercussões para criança e família ............ 35
4. PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................ 38
4.1 Caracterização do estudo ................................................................................... 38
4.2 Local do estudo e inserção da pesquisadora no cenário ...................................... 39
4.3 Sujeitos do estudo .............................................................................................. 40
4.4 Coleta de dados ................................................................................................. 42
4.5 Análise dos dados .............................................................................................. 43
4.6 Aspectos éticos da pesquisa ............................................................................... 44
5. ANÁLISE ........................................................................................................... 45
5.1 Descrição da primeira roda de TCI: “Compartilhar a alegria pela saúde dos filhos”
................................................................................................................................ 45
5.3 Descrição da terceira roda de TCI: “Compartilhar a angústia por se sentir o esteio
da família e estar adoecida” ..................................................................................... 59
5.4 Descrição da quarta roda de TCI: “Celebrar a alegria pela saúde dos filhos” ...... 63
6 DISCUSSÃO DO MATERIAL EMPÍRICO ............................................................ 72
6.1 PRINCIPAIS INQUIETAÇÕES/TEMAS RELATADOS PELAS PESSOAS
COM DRC SEUS FAMILIARES NA CONVIVÊNCIA COM A DRC ................... 72
6.2 A ENFERMEIRA NA CONDIÇÃO DE TERAPEUTA COMUNITÁRIA E AS
PARTICULARIDADES DE SUA ATUAÇÃO NO GRUPO................................... 78
6.3 REFLETINDO SOBRE A TCI COMO INSTRUMENTO DE CUIDADO PARA
PESSOAS COM DRC E SEUS FAMILIARES ....................................................... 83
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 944
APÊNDICE ........................................................................................................... 1010
ANEXO .................................................................................................................. 1033
1 INTRODUÇÃO
1.1 A aproximação com a temática do estudo
Durante a graduação em Enfermagem, tive a oportunidade de me inserir na
pesquisa ao participar do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC). No período de 2008 a 2011, como membro do Grupo de Pesquisa em
Enfermagem e Saúde e Cidadania (GPESC), desenvolvi pesquisas que versavam sobre
experiências de adoecimento por condições crônicas, especificamente, relativas ao
câncer e a obesidade. A participação em diferentes pesquisas instigou a me inserir no
mestrado stricto sensu e contribuir na produção de conhecimento em enfermagem,
principalmente em pesquisas que contribuíssem para a visão macroscópica do ser
humano e suas múltiplas dimensões de cuidado/necessidade.
Em 2011, tive meu primeiro contato com a Terapia Comunitária Integrativa
(TCI). Nesse período, o GPESC deu início a pesquisas que investigavam a TCI como
uma prática de cuidado em diversos contextos, sendo as de maior destaque: as rodas
semanais realizadas no Ambulatório de Feridas de um Hospital Universitário (HU) em
Cuiabá com pacientes e acompanhantes; rodas semanais realizadas na brinquedoteca do
mesmo hospital, com pessoas internadas nas diversas clínicas e seus acompanhantes; e
a realização de rodas semanais na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com
discentes, funcionários e moradores da região.
Outro trabalho relevante acerca desta temática realizado pelo grupo foi a
dissertação intitulada “A Terapia Comunitária Integrativa como cuidado complementar
em uma unidade de hemodiálise”, de Mello (2013), que analisou o uso da TCI com
adultos em hemodiálise, funcionários e acompanhantes. Os resultados obtidos foram
satisfatórios ao evidenciar a TCI como um espaço de cuidado, que promoveu redução
do estresse e ampliação do apoio social àquelas pessoas que vivenciam uma condição
crônica, dependentes de tecnologias duras para manterem suas vidas.
Ao ter contato com os trabalhos de pesquisa e extensão realizados no
Ambulatório de Nefrologia Pediátrica do HU, pude conhecer um pouco a realidade das
crianças e adolescentes atendidas neste local. Eram centenas de crianças e familiares, de
diversas regiões do estado, de estados vizinhos e até de um país fronteiriço, que vinham
em busca de tratamento. Histórias imersas de dificuldades, superação e, sobretudo, de
amor. Aquele lugar, aquelas pessoas me instigaram a conhecer melhor cada caso, mas,
essencialmente, o que mais me inquietava era como poderia contribuir com aquelas
pessoas que passavam por essas situações com mais conforto, mais segurança.
Por conseguinte, ansiei desenvolver uma pesquisa que visasse a uma prática de
cuidado mais acolhedora naquele ambiente. Como já havia participado de algumas
rodas de TCI, instigou-me estudar as repercussões dessa prática naquele ambiente.
Esta dissertação é um desdobramento do projeto matricial “Formação de
terapeutas comunitários, assistência à saúde estudantil e pesquisa ação”, em
desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFMT.
1.2 Considerações sobre a temática
A infância é um período em que o esperado é que a criança vivencie situações de
saúde que proporcione seu crescimento e desenvolvimento dentro dos parâmetros da
normalidade. Contudo, no momento em que a criança se encontra na condição de
doente, é natural que modificações possam ocorrer no seu comportamento (HOLANDA,
2008).
A condição crônica na infância interfere no funcionamento corporal da criança e
a longo prazo demanda assistência e acompanhamento por profissionais de saúde. É
comum ocorrerem imitações nas atividades diárias, originando alterações no seu
processo de crescimento e desenvolvimento, comprometendo o cotidiano de todos os
membros da família. Como parte das doenças crônicas na infância, as doenças renais
crônicas (DRC) alteram as vidas das crianças em todos os níveis, restringindo atividades
rotineiras (RIBEIRO; ROCHA, 2007).
Apesar disso, ainda existem poucos estudos que apontam a incidência e a
prevalência de crianças com DRC no Brasil e no mundo, principalmente em relação aos
estágios menos avançados da doença, visto que os estudos existentes se concentram nos
estágios avançados ou terminais da doença (NOGUEIRA et al, 2011).
O estudo feito pelo autor supracitado, no estado de São Paulo, encontrou uma
prevalência de doença renal terminal na população de 0 a 18 anos, de 23,4 casos por
milhão da população com idade compatível (pmpic). O censo da Sociedade Brasileira
de Nefrologia (SBN) de 2012 revela que no Brasil 4,5% da população em diálise se
encontra nesta faixa etária, sendo 0,3% (112 pessoas), de 0 a 12 anos, e 4,2% (1610
pessoas) de 13 a 18 anos.
Conforme Zuntini (2008), os levantamentos epidemiológicos são de grande
relevância, visto que um dos maiores desafios da Nefrologia Pediátrica atual é assegurar
o diagnóstico precoce e oportunizar o atendimento interdisciplinar de crianças e
adolescentes portadores de DRC para prevenir ou protelar a progressão da doença renal,
evitando a necessidade de terapia de substituição renal (TSR).
Em Mato Grosso, um HU do município de Cuiabá tem um serviço de
referência regional, o Ambulatório de Nefrologia Pediátrica. Tal serviço se caracteriza
por atender crianças e adolescentes em tratamento clínico, sendo as patologias mais
frequentes a síndrome nefrótica e outras glomerulopatias, calculoses e malformações do
trato urinário. São crianças e adolescentes que vivem condições crônicas de difícil
manejo, cujo envolvimento familiar com a equipe multidisciplinar é fundamental para
um gerenciamento do cuidado de modo mais eficaz (RIBEIRO; ROCHA, 2007).
Considerando a importância de um cuidado diferenciado a essas crianças e
adolescentes e o quanto se torna essencial que ele seja prestado não só às crianças, mas
também à família, emerge nesse cenário a TCI como um instrumento facilitador para
promoção da saúde ao possibilitar um espaço coletivo de escuta, reflexão e troca de
aprendizagem, deslocando o foco da assistência individual para a coletiva pela
participação da comunidade (CARÍCIO et al., 2013).
Desta forma, este estudo foi motivado pelos seguintes questionamentos: Como se
conformaria a TCI no contexto de um ambulatório de Nefrologia Pediátrica? Como ela
poderia contribuir para o cuidado de crianças e suas famílias que convivem com DRC?
Quais as principais inquietações e sofrimentos dessas pessoas? Existiriam dificuldades
ou limitações na utilização da TCI? Se sim, como superá-las? Qual o potencial da TCI
para o aprimoramento da assistência de enfermagem para esse grupo?
Com base nos resultados obtidos em outros estudos relacionados à TCI em
diversos contextos (BUZZELI, 2012; MELLO, 2013; CARÍCIO et al., 2013; BRAGA
et al., 2013; BARRETO, 2008), pressupomos que o uso da TCI possa garantir meios de
alcançar um cuidado mais humanizado e integral às crianças e adolescentes com
condição crônica e a suas famílias, visando à promoção da autonomia desses
participantes.
A TCI apresenta características de tecnologia leve, que acredita na capacidade
do outro, no estabelecimento de vínculos, fortalecendo relações harmônicas que
potencializam a capacidade resiliente das pessoas (DIAS; FERREIRA FILHA;
ANDRADE, 2007).
A TCI promove a criação de um ambiente comunitário, cujo foco é a partilha de
experiências de vida e sabedorias de forma horizontal e circular. Cada participante se
torna seu próprio terapeuta pela escuta das histórias de vida relatadas neste espaço.
Todos são corresponsáveis na busca de soluções e superação dos desafios do cotidiano,
em um ambiente acolhedor e caloroso (BARRETO, 2008).
Nesse contexto, objetivamos compreender as rodas de TCI realizadas com
crianças e adolescentes que vivenciam uma DRC e suas famílias, confirmando-a como
uma prática de cuidado complementar.
Apesar do acentuado crescimento de pesquisas envolvendo a TCI, essa
tecnologia de cuidado ainda é relativamente nova, e a realização de pesquisas acerca
dessa temática permite que essa prática seja reconhecida pela comunidade científica
como uma possibilidade terapêutica eficiente em diversos contextos. Desta forma, nos
propomos a investigar como esse cuidado complementar se configura em um ambiente
ambulatorial que atende um grupo tão singular como o das crianças e adolescentes que
vivenciam uma doença renal crônica.
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Compreender as repercussões da TCI como estratégia de intervenção para o cuidado de
crianças e adolescentes com doença renal crônica e de seus familiares.
2.2 Objetivos Específicos
Descrever o processo de desenvolvimento das terapias realizadas no ambulatório de
nefrologia pediátrica do HUJM, considerando todas as etapas da TCI.
Revelar os temas escolhidos para aprofundamento nas rodas de TCI, com a finalidade
de dar conhecimento sobre as preocupações do dia a dia que envolvem as crianças e
adolescentes e seus familiares, no convívio com a doença renal crônica.
Destacar o papel do terapeuta comunitário na condução da terapia, ressaltando seu
desenvolvimento com o grupo bem como as particularidades desse trabalho terapêutico.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
No processo de construção de nosso projeto de pesquisa, nos deparamos com
uma citação de Martins (2011), que nos possibilitou reafirmar e assumir a simplicidade
como um valor. O autor cita um ditado popular que afirma que “as mais suntuosas
palavras se tornam inócuas quando deixam de se referir a uma experiência concreta,
servindo apenas como moldura para ilustração de velhos modos de agir e de pensar”.
Também, nesse sentido, Paulo Freire (2001) já nos ensinava a valorizar a
construção do conhecimento a partir da ação e reflexão sobre a realidade concreta e
sobre a necessidade de distanciamento e admiração sobre os objetos que nos causam
curiosidade.
Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-lo. Objetivando
ou admirando – admirar se toma aqui no sentido filosófico – os homens são
capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada. É precisamente
isto, a “práxis humana”, a unidade indissolúvel entre minha ação e minha
reflexão sobre o mundo (FREIRE, 2001, p.15).
Assim, neste estudo, propusemos um referencial teórico condizente com a
realidade, que permita servir de embasamento para uma prática cuidadora integral e
humanizada. Para isso, iniciaremos apresentando a TCI, o histórico de sua elaboração e
prática, seus objetivos, técnica e pilares teóricos. Na sequência, apresentamos uma
discussão acerca do modelo de saúde vigente, as mudanças que vêm ocorrendo nos
últimos anos com o intuito de superar esse paradigma e a posição demarcada pela TCI
como uma Prática Integrativa e Complementar de saúde. Também consideramos
importante trazer reflexões sobre ética, humanização, integralidade e cuidado.
3.1 A TCI: histórico de sua elaboração e prática, objetivos, técnica e pilares
teóricos.
A TCI foi desenvolvida em 1987 pelo professor Adalberto de Paula Barreto, da
Universidade Federal do Ceará, com base em conhecimentos acumulados em sua
formação. O professor Adalberto é médico, com doutorado em Psiquiatria e em
Antropologia, sendo, também, licenciado em Filosofia e em Teologia. Propõe, de uma
forma simples e eficiente, abordar e acolher o sofrimento humano gerado pela sociedade
moderna, estimulando o fortalecimento de redes sociais de forma a prevenir a evolução
de problemas familiares e sociais para doenças, como dependências químicas e
depressão.
De acordo com Carvalho et al. (2013, p.2030), a TCI permite “trabalhar com
grupos distintos e característicos de maneira dinâmica, participativa e reflexiva, que
oportuniza um espaço aberto para exposição de problemas e inquietações que
repercutirão no diálogo em favor da busca de soluções para os conflitos emanados”.
A TCI é um método simples, em que as pessoas se encontram, se sentam lado a
lado, compondo uma roda, com intuito de compartilhar inquietações, problemas ou
dificuldades do cotidiano (individuais e coletivas), bem como alegrias e histórias de
superação. Apresenta alta eficácia ao transformar esse compartilhamento de
informações/saberes/histórias
em
oportunidades
de
crescimento
pessoal
pela
valorização dos saberes de cada indivíduo e de sua competência para superação dos
desafios diários (BARRETO, LAZARTE, 2013).
A TCI se propõe a reforçar a importância da valorização da família e da rede de
apoio solidário, além de estimular que as pessoas cuidem mais de si e valorizem os
recursos culturais locais.
Esta estratégia de cuidado complementar vem sendo praticada em diversos
contextos e comunidades, sobretudo com os socialmente marginalizados e excluídos. Os
resultados dessa prática vêm demonstrando sua eficácia como instrumento de
intervenção social na atenção à saúde, enfatizando a prevenção de doenças, promoção
da saúde e qualidade de vida (BRASIL, 2008).
A roda de TCI parte de uma “situação problema” exposta por alguma pessoa da
comunidade. A partir dessa situação, a equipe terapêutica busca estimular o crescimento
do indivíduo e das pessoas com as quais se relaciona, na busca de autonomia e
liberdade. É realizada por meio de um processo de questionamentos em todos os níveis:
biológico, psicológico, social e político (BARRETO, 2008).
Com a TCI, “a saúde deixa de ser objeto de espaço privado, exclusivo da
intervenção de profissionais e instituições, para se tornar um espaço público, onde todos
os atores sociais são chamados a agir em diferentes níveis. Cada pessoa se torna
protagonista de sua saúde e da saúde coletiva” (BRASIL, 2008, p.62).
Na elaboração da metodologia da TCI, Adalberto Barreto se apoiou em,
basicamente, cinco pilares teóricos: o Pensamento Sistêmico, a Teoria da Comunicação,
a Antropologia Cultural, a Pedagogia de Paulo Freire e a Resiliência. O detalhamento
do método e das regras próprias para a sua condução serão mais bem discutidas na
metodologia deste trabalho.
3.1.1 O Pensamento Sistêmico
Em sua formulação sobre a TCI, Adalberto Barreto utiliza o Pensamento
Sistêmico como um dos seus pilares teóricos. Essa é uma teoria frequentemente
utilizada nas abordagens terapêuticas com famílias.
A ideia sistêmica foi formulada por Bertalanffy, na metade do século XX, na
Teoria Geral dos Sistemas, e parte do princípio de que grande parte dos objetos da
física, biologia, sociologia, organismos, sociedades, entre outros, constituem sistemas,
ou seja, são partes distintas que compõem um todo organizado. Desta forma, um sistema
pode ser
formado de subsistemas e estar
inserido em sistemas maiores
(BERTALANFFY, 1975).
O Pensamento Sistêmico relata que as crises e os problemas pessoais só podem
ser solucionados se percebidos como partes integradas de uma rede complexa que
inclui o biológico, o psicológico e a sociedade (BARRETO, 2008).
O pensamento sistêmico é pensamento de processo e, consecutivamente, a visão
sistêmica considera a saúde um processo contínuo. Enquanto a maioria das definições,
como da Organização Mundial da Saúde (OMS), refere saúde como um estado estático
de completo bem-estar físico, mental e social, o conceito sistêmico de saúde subentende
atividade e mudanças contínuas, refletindo a resposta criativa do organismo aos desafios
ambientais (CAPRA, 2012).
Capra (2012) ainda considera que a condição de uma pessoa depende do meio
ambiente natural e social em que está inserida, não havendo uma condição absoluta de
saúde que seja independente desse meio. As transformações contínuas do organismo de
uma pessoa em relação às variações ambientais incluem naturalmente fases efêmeras de
saúde precária, o que dificulta traçar uma linha divisória nítida entre saúde e doença.
Concordamos
com
Capra,
ao
afirmar
ser
a
saúde
um
fenômeno
multidimensional, que abarca aspectos físicos, psicológicos e sociais, todos
interdependentes. Considerar saúde e doença como extremos opostos de algo contínuo e
unidimensional é uma falácia. A doença física pode ser compensada por uma atitude
mental positiva, um apoio social, colaborando para que o estado geral seja de bem-estar.
Por outro lado, problemas emocionais, isolamento social podem implicar a pessoa
sentir-se doente, mesmo apresentando um bom estado físico. Essas múltiplas dimensões
da saúde se afetam mutuamente, de modo que a sensação de estar saudável ocorre
quando estas dimensões estão equilibradas e integradas.
Morin traz o ser humano como um ser único e múltiplo, influenciado pela
história, política, contexto social e cultural, um ser de múltiplas necessidades, portanto,
devemos trazer elementos e nos utilizarmos de estratégias para atendê-lo em suas
múltiplas dimensões de necessidade/cuidado (MORIN, 2000).
Do ponto de vista sistêmico, a experiência de adoecer deriva de modelos de
desordem capazes de se manifestar em diversos níveis do organismo, assim como nas
várias interações entre o organismo e os sistemas mais amplos em que ele está inserido.
Na abordagem sistêmica, podemos discernir três níveis interdependentes de saúde:
individual, social e ecológico. O que não é saudável para o indivíduo tampouco é
saudável, comumente, para a sociedade e para o ecossistema global (CAPRA, 2012).
Inerente ao conceito de pensamento sistêmico, está o de complexidade.
Complexus significa o que foi tecido junto. Assim sendo, quando elementos diferentes
são inseparáveis constitutivos do todo, como o econômico, o político, o sociológico, o
psicológico, o afetivo, o mitológico, há complexidade e existe um tecido
interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes,
as partes entre si. Logo, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade
(MORIN, 2000).
Morin e Capra discorrem sobre a existência de articulações nos diferentes meios,
distintos âmbitos de uma sociedade. Um exemplo dessa assertiva é o próprio ser
humano, que é ao mesmo tempo sistêmico e complexo, afirmando no pensamento
complexo e na teoria do sistema que a parte não é mais e nem menos que o todo, nem o
todo é mais que a soma das partes, que na visão moriniana é definido como princípio
hologramático. Uma representação prática disso é o sistema renal, que vai à falência se
o sistema renal ou cardiovascular não funcionar bem, mas não seria difícil entender isso
se não conhecermos adequadamente cada sistema e o conjunto deles, fazendo-se
necessário conhecer a parte e também o todo.
Seguindo esta linha de raciocínio, não se pode separar o sistema de saúde do
sistema político, econômico, cultural, entre outros, pois os problemas emergem desta
fragmentação dos sistemas em querer pensar os problemas de saúde sem refletir que
parte deles se refere ao contexto no qual o indivíduo está inserido. Esta fragmentação
tem origem no paradigma cartesiano de fragmentar para conhecer as partes, porém,
além de fragmentar, necessitamos reorganizar estas partes para conhecer o todo e
compreendermos a dimensão do ser humano e suas experiências/vivências.
A roda de TCI vai ao encontro desta perspectiva sistêmica e complexa, na qual
o tema a ser trabalhado não é destinado a uma ou outra organização e muito menos
estabelecido por alguém detentor do saber. Os temas emergem dos problemas
complexos, das experiências que são ao mesmo tempo individuais e coletivas:
individuais porque cada um está inserido em um contexto e coletivas porque eles têm
um motivo em comum para estarem ali. São a parte e o todo se articulando novamente.
A TCI possibilita, entre outras coisas, a interação entre diferentes indivíduos. No
ambiente estudado por nós, os indivíduos não estão inseridos em um mesmo contexto,
em uma mesma comunidade, são diferentes culturas, diferentes saberes e diferentes
modos de ser, estar e se posicionar no mundo. O grupo, sendo heterogêneo, permite a
construção da autonomia, colocado por Morin (2005) como algo construído a partir das
múltiplas dependências, não se pauta uma dependência pelo saber do outro, como ainda
acontece principalmente nos espaços de saúde, mas dependência por estar no mundo e
com tudo que há no mundo.
A dependência é do ambiente, das pessoas, das diferentes interações com o
mundo. Escutar o outro sobre suas angústias e sofrimentos bem como as estratégias
encontradas ou não para amenizar e/ou solucionar tal fato possibilita ao outro pensar,
refletir, emprestar estratégias para os problemas particulares e ser assim mais autônomo
no restabelecimento de sua saúde.
De acordo com Barreto (2008), as crises e os problemas só são compreendidos e
solucionados se forem entendidos como partes integradas de uma complexa rede,
conectando e relacionando as pessoas num todo que abrange o biológico (corpo), o
psicológico (a mente e as emoções) e a sociedade. Nesta rede, cada parte depende da
outra, interferindo e influenciando na outra.
Barreto também afirma que a abordagem sistêmica é um modo de ver, de
abordar, de situar, de pensar em um problema em relação ao seu contexto. Possibilita
aproximar-se de uma situação-problema pela visão e compreensão do contexto.
O pensamento sistêmico concede aos participantes da TCI apreender que
estamos inseridos em um conjunto de relações com família, comunidade, sociedade e
com valores e crenças intrínsecos a cada indivíduo (BARRETO, 2008).
3.1.2 A Teoria da Comunicação
Sabe-se que as ciências da comunicação em geral e a Teoria da Comunicação
em particular são disciplinas multiparadigmáticas, ou seja, podem ser desenvolvidas sob
as mais diversas naturezas ou perspectivas teóricas (SERRA, 2007).
Em sua elaboração, Adalberto Barreto não se delonga em explicitar ou justificar
qual perspectiva da Teoria da Comunicação elege para formular a TCI. De forma
simples e direta, Barreto relaciona a Teoria da Comunicação como um dos pilares
teóricos da TCI, apontando para o fato de que a comunicação é o elemento que une os
indivíduos, a família e a sociedade, podendo essa comunicação ser verbal ou não,
individual ou em grupo, indo além das palavras, estando ligada a todo comportamento
humano (BARRETO, 2008).
Na perspectiva dos estudos sobre Comunicação e Saúde, Araújo e Cardoso
(2010) afirmam que a comunicação é o processo de produzir, fazer circular e favorecer
a apropriação de bens simbólicos como opiniões, crenças, saberes, orientações, pontos
de vista, discursos, enfim. Por meio desse processo, são constituídos os sentidos sociais,
sentidos estes que organizam a percepção da realidade. Desta forma, a comunicação está
diretamente relacionada com a construção da realidade, sendo um campo de poder,
poder simbólico, o poder de fazer ver e fazer crer.
Para Araújo (2004), a comunicação produz, circula e consome certos sentidos
sociais, manifestados por meio dos discursos, de forma dinâmica, mediante a ação dos
envolvidos, dos interlocutores e dos contextos em que operam. Araújo e Cardoso (2007)
também demonstram, em seus estudos sobre Comunicação e Saúde, que, ao longo do
tempo, atravessando diferentes contextos históricos, políticos, epidemiológicos, teóricos
e metodológicos, os campos da comunicação e da saúde aproximaram seus vínculos e
agregaram novas faces, mantendo-se, porém, algumas características: forte acento no
indivíduo, como responsável por sua saúde; os determinantes sociais das doenças, assim
como os econômicos, os políticos e os ambientais são ignorados; privilégio das falas
autorizadas, particularmente as institucionais, que veiculam um saber médico-científico;
presença hegemônica dos discursos higienista e preventivista; comunicação vista como
transferência de informações de um polo detentor de conhecimentos para um polo
receptor e desautorizado; e abordagem campanhista, focada em investimentos sazonais
ou emergenciais.
Admitir a desigualdade dos interlocutores quanto às condições de produção,
circulação e consumo dos sentidos sociais é a grande contribuição de Araújo para a
compreensão dos processos comunicativos. É disso que a autora trata ao falar de lugar
de interlocução ou contexto situacional.
Em seus trabalhos, Araújo cria uma formulação que representa graficamente os
interlocutores no espaço comunicativo, que, a depender a situação, ocupam lugares mais
ou menos distantes do centro ou da periferia. Uma pessoa ocupa muitos lugares de fala,
dependendo do contexto situacional, mais imediato da interação/comunicação. Em cada
uma das situações, exerce um grau diferente de poder em relação aos seus
interlocutores, modificando-se, portanto, a natureza do texto que será produzido. O
lugar de fala determina, também, as vozes que serão acionadas na enunciação.
É relevante destacar que a TCI se apresenta como uma estratégia de
desconstrução desse paradigma ao permitir que o diálogo se estabeleça de forma
horizontal e circular, possibilitando aos interlocutores o mesmo poder de fala.
A TCI atua na saúde de modo integrativo, valorizando a compreensão da cultura,
história de vida, contextos sociais, políticos, familiares e comunitários. Um ditado
popular muito empregado na TCI enfatiza esta visão ao afirmar “quando a boca cala, os
órgãos falam e quando a boca fala, os órgãos saram”. O terapeuta comunitário encoraja
as pessoas a se expressar verbalmente, para que não adoeçam com depressão, gastrites,
insônias e outras doenças mais (BRASIL, 2008).
3.1.3 A Antropologia Cultural
A Antropologia Cultural dá ênfase para as diferentes culturas em que as pessoas
estão inseridas, sendo um elemento de referência essencial na identidade pessoal e
grupal, e é a partir dessa referência que os indivíduos se afirmam, se aceitam e assumem
sua identidade (BARRETO, 2008).
Boehs (2007) define cultura como “sistemas entrelaçados de símbolos
interpretáveis: um contexto dentro do qual os acontecimentos sociais, os
comportamentos, as instituições ou os processos podem ser descritos de forma
inteligível”.
Cultura pode ser definida como um conjunto de elementos que medeiam e
qualificam qualquer atividade física ou mental, que não seja determinada pela
biologia, e que seja compartilhada por diferentes membros de um grupo
social. Trata-se de elementos sobre os quais os atores sociais constroem
significados para as ações e interações sociais concretas e temporais, assim
como sustentam as formas sociais vigentes, as instituições e seus modelos
operativos. A cultura inclui valores, símbolos, normas e práticas
(LANGDON; WIIK, 2010, p.175).
Como afirma Paulo Freire (2001), cada indivíduo está inserido em um tempo e
espaço, ou seja, vive numa época, lugar, contexto social e cultural precisos. O homem
constitui um ser de raízes espaço-temporais.
A cultura – por oposição à natureza, que não é criação do homem – é a
contribuição que o homem faz ao dado, à natureza. Cultura é todo resultado
da atividade humana, do esforço criador e recria-dor do homem, de seu
trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros
homens [...] é também aquisição sistemática da experiência humana, mas
uma aquisição crítica e criadora, e não uma justaposição de informações
armazenadas na inteligência ou na memória e não "incorporadas" no ser total
e na vida plena do homem (FREIRE, 2001, p.21).
Freire afirma que o homem se cultiva e cria a cultura ao estabelecer relações, ao
responder aos desafios do cotidiano, ao criticar, moldar, incorporar a si próprio a
experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou que o antecederam.
Barreto (2008) reitera que no momento em que a cultura for reconhecida,
valorizada e articulada com os demais conhecimentos, entenderemos que este recurso
nos possibilita somar, multiplicar nossas competências e resoluções de problemas
sociais, permitindo a construção de uma sociedade mais justa e afetuosa.
3.1.4 A Resiliência
Outro pilar da TCI é a Resiliência, que significa o saber produzido através do
enfrentamento das dificuldades. Esse fenômeno humano se caracteriza pela capacidade
de transformar a dor em aprendizado, o trauma em crescimento, o sofrimento em
competência (CAMAROTTI, 2013).
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca para
sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem
quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito
a vida inteira (ALVES, 2003, p.54).
Resiliência é um termo originado da física e é definido, pelo dicionário Aurélio,
como “a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é
devolvida quando cessa a tensão causadora de tal deformação elástica” (FERREIRA,
1999, p.1.743).
Este termo foi apropriado pela psicologia para expressar “a capacidade que tem
um ser humano de se recuperar psicologicamente quando é submetido às adversidades,
violências e catástrofes na vida” (PINHEIRO, 2004, p. 67).
A resiliência é um alicerce significativo para a TCI, visto que emerge da história
de vida de cada participante. A matéria-prima de um trabalho de conscientização social
são as crises, os sofrimentos e as vitórias de cada pessoa, expostos ao grupo de forma
que se possam descobrir as implicações sociais de suas experiências, do sofrimento,
transformando seus sentimentos, possibilitando uma (re) significação dos fatos e
tecendo laços sociais (BARRETO, 2008).
Para o autor, o objetivo primordial da TCI é proporcionar, por essa prática, que
cada indivíduo, família e comunidade adquira competências para que sejam capazes de
solucionar e superar as dificuldades impostas pelo meio e pela sociedade (BARRETO,
2008).
Para Capra (2012), o organismo também pode atravessar um processo de
autotransformação e autotranscendência, abarcando estágios de crise e transição, que
resultam em um estado novo de equilíbrio. Mudanças bruscas no estilo de vida de uma
pessoa, induzidas por uma grave doença, são exemplos de respostas criativas que
frequentemente deixam a pessoa num nível de saúde superior àquele de que usufruía
antes do desafio. Isso sugere que períodos de saúde precária são estágios naturais na
interação contínua entre o indivíduo e o meio ambiente. Estar em equilíbrio dinâmico
significa passar por fases temporárias de doença, que permitem à pessoa aprender e
crescer.
Camarotti (2013) afirma que a doença oportuniza o aprendizado e o crescimento,
visto que o sofrimento provocado por ela se torna matéria-prima para a renovação da
vida, podendo ser geradora de saúde ao despertar a consciência do poder interno e da
superação.
A prática da TCI configura-se como uma estratégia de ampliação da consciência
crítica acerca dos dilemas existenciais e das condições e possibilidades da existência
nos moldes que Freire considera necessários para a transformação da história
(CAMAROTTI, 2007).
3.1.5 A Pedagogia de Paulo Freire
Por fim, como quinto pilar teórico, Adalberto Barreto se utiliza dos princípios da
Pedagogia de Paulo Freire para compor a metodologia da TCI (Quadro 1). O principal
fundamento utilizado refere-se à premissa de que ensinar é o exercício do diálogo, da
troca, da reciprocidade, ou seja, de um tempo para falar e de um tempo para ouvir, de
um tempo para aprender e de um tempo para ensinar (BARRETO, 2008).
Quadro 1: Comparativo entre a Pedagogia de Paulo Freire e a Metodologia da TCI
Pedagogia de Paulo Freire
Metodologia da TCI
Etapa da Investigação: busca conjunta Escolha do Tema: os participantes são
entre docente e discente das palavras e convidados a falar, brevemente, sobre suas
temas significativos na vida do discente, inquietações, preocupações ou alegrias.
considerando seu universo vocabular e a Após a exposição, o grupo elege um tema
comunidade em que está inserido.
para ser aprofundado naquele encontro.
Etapa da Tematização: por meio da Etapa da Contextualização: a pessoa que
análise das palavras e temas elencados na teve
o
tema
etapa anterior, ocorre a tomada de detalhadamente
consciência do mundo.
participantes
escolhido
a
relata
situação,
mais
e
os
podem
fazer
para
melhor
questionamentos
compreenderem o tema.
Etapa da Problematização: etapa em que Etapa da Problematização: o grupo é
o docente desafia e inspira o discente a convidado a partilhar suas experiências a
superar a visão acrítica do mundo, partir do Mote colocado: Quem já viveu
tomando uma postura mais consciente.
algo parecido e o que fez para superar?
Neste momento, a pessoa que teve seu
tema
escolhido
ouve
as
diversas
possibilidades de enfrentamento.
* Baseada em tabela apresentada por Reis e Salerno (2011) em Educação escolar e
Terapia Comunitária Integrativa: uma relação possível mediada pela Pedagogia de
Paulo Freire. p. 371.
Barreto, ao pensar a TC como uma estratégia de cuidado com grupos,
constituída por situações de ensino-aprendizagem, elegeu a Pedagogia de Paulo Freire
como um de seus eixos teóricos, por enfatizar a cultura popular, a horizontalidade do
saber entre educador e educandos e promover a libertação das pessoas. Seus ideais são
tão relevantes para a TCI que perpassam outros eixos teóricos.
Na pedagogia de Paulo Freire (2004, p. 47), “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção”. Ensinar é, sim, um exercício de diálogo, de troca, que demanda a relação
entre teoria e prática.
Freire afirma que não há docência sem discência, visto que quem ensina também
aprende. Seguindo o mesmo raciocínio, na TCI, Barreto diz que é cuidando dos outros
que cuidamos de nós mesmos, ouvimos e somos ouvidos, é curando o outro que somos
curados. “Passamos a rever nossos esquemas mentais, a relativizar nossas dificuldades,
a nos descobrirmos seres inacabados e, sobretudo, a nos curarmos de nossa alienação
universitária” (BARRETO, 2008, p. 281).
A TCI permite aos indivíduos compartilhar diferentes saberes, um saber
geralmente subestimado, desvalorizado por não ser de cunho científico, o que é
antagônico e ao mesmo tempo complementar, visto que o saber científico tende a se
opor ao saber popular, ao mesmo tempo em que depende dele para existir.
Como já discutido na Teoria da Comunicação, a TCI possibilita aos participantes
o mesmo poder de fala, sendo todos valorizados com suas singularidades. As regras
estabelecidas no início da roda servem para garantir que a comunicação seja circular e
horizontal.
O espaço de TC permite a promoção da saúde por ser um espaço de aprendizado.
O aprender torna-se significativo ao integrar atividades lúdicas como dançar, cantar,
brincar, por permitir o sentir, o transparecer das emoções, o ouvir, o falar, o tocar.
Possibilitar todas essas atividades e sensações em uma única roda de terapia aumenta as
oportunidades e as chances de tornar a informação significativa para o indivíduo que
está aprendendo.
Para sermos bons terapeutas comunitários, precisamos compreender esse
processo de aprendizagem que faz da TCI um espaço de aprendizagem
coletiva. Na escuta ativa, aprendo. Quando falo de mim, estou ensinando, e
quando ouço o outro, estou aprendendo. Somos todos coterapeutas –
terapeutas e terapeutizados, docentes e discentes (BARRETO, 2008, p. 281).
Podemos dizer que a TCI é a tradução dos ideais de Paulo Freire, ao se
configurar como uma prática de cuidado que possibilita o diálogo circular e horizontal,
que valoriza as raízes culturais e históricas dos sujeitos, seu saber popular, com intuito
de promover a autonomia e bem-estar de seus participantes.
3.2 A TCI como uma prática para a superação da hegemonia do modelo biomédico
e valorização do Cuidado em saúde
Na atualidade, o modelo de saúde hegemônico tem sido o modelo biomédico,
que enfatiza o estudo e tratamento das patologias, instituindo uma dicotomia entre corpo
e mente. Nessa perspectiva, valorizam-se mais os sintomas físicos do que as emoções,
como a dor e o sofrimento expressados pela subjetividade, ou seja, a dor da alma
(SARAIVA et al., 2011).
Sabe-se que esse modelo tem suas raízes históricas na construção do saber
médico ocidental, fruto da predominância do pensamento cartesiano, cuja prática estava
voltada para o conhecimento anátomo-clínico do corpo, das lesões e das doenças.
Nesse modelo, o corpo humano é dividido em sistemas, congregados segundo as
características isoladas por cada uma das disciplinas articuladas em seu discurso
(CAMARGO JR, 2012). Outra característica relevante nessa perspectiva de pensamento
é a dicotomia entre o “normal” e o “patológico”, divisão esta que é operativa e não
conceitual (CANGUILHEM, 2000).
Também,
segundo
Tesser
(2012),
a
hegemonia
da
biomedicina,
concomitantemente à globalização capitalista desregrada contemporânea, e o processo
de medicalização social progressivo
têm gerado uma relação profissional-usuário
prolixa, violenta e desequilibrada, em decorrência da demasiada centralidade de poder
nos profissionais de saúde, com maior relevo para os profissionais médicos e da
medicina especializada, sendo reflexo da vinculação desse modelo com o chamado
complexo médico-industrial.
O mesmo autor ainda avalia essas implicações no cuidado à saúde, afirmando
ser um evento delicado e problemático, visto que a relação de cura fundada quando uma
pessoa busca um curador para seus problemas de saúde depende de “pactos de ética e
confiança, compartilhamento simbólico e afetivo, projeção de poder por parte do
doente,
manejo
da
relação,
interpretação
e
orientação
terapêutica
e
preventiva/promocional por parte do especialista (curador)” (TESSER, 2012, p.257).
Para esse autor, e a TCI se realiza também com esse sentido,
a relação profissional-
usuário deve fomentar a autonomia do usuário e a liberdade
com responsabilidade e
corresponsabilização pelo cuidado, visando à promoção de saúde e não ao controle de
comportamentos, suscitando a dependência.
Nesse modelo hegemônico de saúde, o desenvolvimento tecnológico impôs ao
cuidado a prevalência de tecnologias duras, no sentido proposto por Merhy (2002),
instituindo uma dicotomia que, ao mesmo tempo em que agrega mais legitimidade e
poder simbólico, ocasionando mais dependência e consumo a essa prática, frustra os
usuários que perduram esperando uma experiência com um profissional que estabeleça
vínculos, laços afetivos, com um tanto de “coração” (TESSER, 2012).
Para Pires (2009, p.740), a sociedade atual é “fortemente dependente de
tecnologias materiais, influenciada pela comunicação global, centrada no consumo, nos
valores mercantis e na biomedicina”, sendo que “valores como solidariedade, direito
universal a vida digna e ao cuidado não são prioridade”.
Para Saraiva et al. (2011, p.156), a abordagem holística na saúde surgiu devido a
inúmeras deficiências nos padrões vigentes:
[...] a fragmentação do conhecimento levando à construção de modelos
explicativos e reducionistas sobre o processo saúde doenças reducionistas;
avanço e predominância do modelo tecnicista no tratamento e na recuperação
da saúde; a maior valorização do ter em relação ao ser; objetificação do ser
humano, nos aspectos econômicos, políticos e sociais, entre outras. Tudo isso
pode ter levado a humanidade a uma síndrome coletiva de mal-estar que
resulta na perda de valores essencialmente humanos.
Diante disso, são necessárias novas práticas em saúde com intuito de
desconstruir esse modelo que não atende a todos os anseios da população, alavancando
a construção de políticas e práticas que contemplem as necessidades do ser humano
como um ser dinâmico, capaz de participar ativamente na luta por seus direitos e no
exercício de sua autonomia (LOPES et al., 2009).
O conceito de saúde associado à qualidade de vida presente na Constituição
Federal (CF) também tem levado o Estado brasileiro a instituir novas políticas de
intervenção sobre os determinantes sociais da saúde, visando a agir sobre as causas dos
problemas de saúde da população e não somente sobre suas consequências (BRASIL,
2008).
A proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) foi estruturada com base em
princípios que devem organizar sua prática, entre os quais se destacam
a
universalidade (saúde como direito de todos); a equidade (consideração das diferenças,
estratégias redistributivas); a integralidade (consideração das múltiplas dimensões da
saúde); a descentralização (desconcentração dos recursos, da gestão e do poder); e a
participação social (a sociedade controlando o Estado). Em qualquer sistema, esses
princípios têm sido objeto de luta e perseguidos como ideal (ARAÚJO; CARDOSO;
MURTINHO, 2009).
Considerando o objeto deste estudo - a TCI como estratégia de cuidado à saúde
de crianças e adolescentes com doença renal e suas famílias – é importante uma reflexão
sobre o cuidado, a intersubjetividade e a integralidade.
O cuidado prevê intersubjetividade, que para ocorrer necessita do diálogo, que,
para Paulo Freire, é o encontro entre os seres humanos, mediatizados pelo mundo, para
designá-lo. É o caminho no qual a humanidade encontra seu significado na condição de
humanos, um ato de criação e recriação, uma necessidade existencial que não existe sem
o amor, humildade, fé, esperança e pensamento crítico (FREIRE, 2001, p. 42).
[...] O amor é ao mesmo tempo o fundamento do diálogo e o próprio diálogo.
Este deve necessariamente unir sujeitos responsáveis e não pode existir numa
relação de dominação [...] é um ato de valor, não de medo, ele é compromisso
para com os homens” (FREIRE, 2001, p. 42).
O diálogo efetivado por meio da linguagem é veículo para a relação
intersubjetiva e uma premissa para o cuidado em saúde. No caso deste estudo, o diálogo
possibilitado pela TCI com crianças e adolescentes com doença renal crônica e suas
famílias é um exercício de relação intersubjetiva, tal como compreende Ayres (2001):
meio de transformação dos sujeitos e de suas identidades, de construção de consciência
e de reconhecimento do outro. Para o autor, tais relações intersubjetivas, na condição
de encontros, nos remetem à dimensão dialética presente nas práticas de saúde, de
construção e reconstrução dos sujeitos envolvidos por meio do diálogo.
Também para Paulo Freire, o diálogo construído a partir da ação-reflexão é
capaz de gerar a conscientização, que implica que
[...] ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para
chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto
cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica. [...] a
conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma
posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da
“práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui,
de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que
caracteriza os homens (FREIRE, 2001, p. 15).
A reflexão na práxis, ou ato de conscientização do profissional, é apontada por
Ayres (2007) como uma necessidade para concretização do cuidado. Para o autor, é a
partir do ato reflexivo sobre determinada ação que se constrói a sabedoria prática.
[...] Ela diz respeito a uma capacidade mesma de saber guiar-se rumo às
melhores escolhas frente às contingências da vida [...] junto às finalidades e
meios científicos das práticas de saúde, mas transcendendo sua condição de
estrita produção de objetos e objetividades, há que buscar os bons critérios
relativos à antecipação, escolha e negociação de uma Vida Boa, ou o que
chamamos de projetos de felicidade, que justificam e realizam o Cuidado
(AYRES, 2007, p. 135)
Para Ayres (2007), a sabedoria prática é critério sine qua non para a realização
do cuidado em saúde e não pode ser construída sem a reflexão sobre a práxis, pois é
este conhecimento que vai impulsionar novas produções do trabalho, implicando novas
possibilidades de cuidados específicos, como as realidades dos contextos em que se
realizam.
Apoiadas no modo como propõe Ayres (2007), podemos dizer que seria na
aplicação do diálogo verdadeiro guiado pela sabedoria prática e pela distinção dos
lugares de interlocução que se permitirá concretizar o reconhecimento à criança e ao
adolescente com condição crônica, como
pessoas humanas, cidadãs de direitos,
portadoras de estima social.
O cuidado em saúde deve ser uma prática reflexiva e articulada, tendo como
exigências constantes a tomada de decisão e a escolha frente às ações e interações em
curso do viver cotidiano.
Para Merhy (2002), os serviços de saúde devem produzir cuidados, que
requerem uma intensa relação interpessoal e o estabelecimento de vínculo entre os
envolvidos. Vínculo e acolhimento se alimentam e concorrem à eficácia do ato e à
satisfação dos envolvidos.
O acolhimento é uma mudança de postura capaz de reverter a lógica no uso das
tecnologias, de modo que as ações sejam orientadas pelas tecnologias leves, relacionais
ou interativas (MERHY, 2002).
Almeida et al. (2009) consideram que as técnicas foram as primeiras expressões
do saber de enfermagem organizadas nas primeiras décadas do último século e com o
passar do tempo foram se estruturando para criar o corpo prático da enfermagem,
contudo, não é somente o êxito técnico que delimita a profissão.
Neste aspecto, Ayres reforça esta posição afirmando que somente a lógica da
racionalidade técnica não é suficiente para produzir o cuidado em saúde. Portanto, são
propostas outras lógicas e modos de produzir saúde. Daí a proposição de várias outras
estratégias como a Saúde da Família, Promoção da Saúde, Humanização da Saúde e
Integralidade da Atenção e as Práticas Integrativas e Complementares em saúde.
Medidas de prevenção e promoção da saúde têm sido o foco das ações do
Ministério da Saúde nos últimos anos, pois se entende que o sistema de atenção à saúde
deva passar por um processo estruturante para garantir a efetivação dos princípios
fundamentais de universalidade, descentralização, integralidade e participação
comunitária (GOMES; PINHEIRO, 2005).
Para Machado et al. (2007), a integralidade como um dos princípios do SUS é
entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos em todos os níveis de complexidade, permitindo uma
identificação dos sujeitos como totalidades.
Para Gomes e Pinheiro (2005), a integralidade é um conceito em construção,
entendido como um modo de atuar democrático, do saber fazer integrado, em um cuidar
mais alicerçado em uma relação de compromisso ético-político de sinceridade,
responsabilidade e confiança.
Neste contexto, surge então o campo das Práticas Integrativas e Complementares
(PIC), que compreende sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos da cultura
local, os quais são também denominados, pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
de medicina tradicional e complementar/alternativa. Tais sistemas, recursos culturais e
abordagens holísticas envolvem maneiras de estimular os mecanismos naturais de
prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e
seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e
na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade (BRASIL, 2008).
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) nasceu
como fruto de recomendações de várias Conferências Nacionais de Saúde e discussões
em instâncias do SUS, tendo obtido aprovação final pelo Conselho Nacional de Saúde
em dezembro de 2005. Nesta ocasião, foram incluídas na PNPIC várias práticas
existentes e legitimadas em diversos sistemas municipais de saúde do país como
Homeopatia, Acupuntura, Plantas Medicinais e Fitoterapia, Medicina Antroposófica e
Termalismo Social/Crenoterapia. A partir de então, foi criada uma coordenação
específica para as PICs no âmbito do Departamento de Atenção Básica do MS, que,
desde 2007, vem incluindo outras práticas complementares, entre as quais a TCI
(BRASIL, 2008).
3.3 Condição crônica na infância e suas repercussões para criança e família
Neste trabalho, buscamos compreender a TCI como um cuidado complementar à
saúde de crianças e adolescentes com doença renal crônica e suas famílias. Para isso,
precisamos conceituar também como é vivenciar uma condição renal crônica na
infância tanto para a criança como para seus familiares.
A Doença Renal Crônica (DRC) é definida como uma lesão a nível renal
seguida, em geral, de perda progressiva e irreversível da função dos rins, causando
comprometimento das atividades cotidianas do individuo ou alguma incapacidade. Não
obstante, a criança portadora de DRC apresenta as próprias limitações, sendo
indispensável um acompanhamento mais minucioso de sua saúde que possibilite um
crescimento e desenvolvimento satisfatório (VIEIRA et al., 2009).
A condição crônica pode ser controlada, porém, muitas vezes, devido às
restrições
impostas ao indivíduo, ela pode acarretar mudanças de estilo de vida,
demandando sobre as pessoas e suas famílias uma nova forma de encaminhar a vida
(OMS, 2003, MARTINS et al., 1996). Este acontecimento é designado de ajustamento
na enfermidade crônica. Refere-se ao que é feito pela pessoa frente à doença,
compreendendo a mobilização de recursos, manejos para atenuar os seus efeitos e a
mobilização de recursos do contexto cultural (CANESQUI, 2007).
Doença crônica na infância é aquela que interfere no funcionamento do corpo
da criança a longo prazo, requer assistência e seguimento por profissionais de
saúde, limita, de alguma forma, as suas atividades diárias, e causa
repercussões no seu processo de crescimento e desenvolvimento, afetando o
cotidiano de todos os membros da família (NASCIMENTO, 2003, p. 21).
Deste modo, as crianças com DRC demandam cuidado especial, visto que
apresentam uma acentuada vulnerabilidade. Nesses casos, o atendimento à saúde
estende-se à família, uma vez que geralmente são os cuidadores e precisam estar aptos
para promover o desenvolvimento saudável destas crianças. Tornam-se necessários o
acompanhamento por profissionais da área, redes de apoio e serviços de saúde que
integrem a família em todas as etapas do tratamento e vida da criança (DE PAULA et
al., 2008; FRÁGUAS et al., 2008; RIBEIRO et al., 2007).
Vista por esse vértice, a família representa a principal unidade de cuidado à
pessoa vivenciando uma condição crônica de saúde. Esse cuidado é influenciado pelo
meio cultural no qual ela está inserida, através das crenças, valores e significados
compartilhados, bem como pelas condições socioeconômicas e educacionais. Por essa
razão, no contexto dos cuidados em saúde, a família frequentemente toma decisões
baseadas em seus hábitos de vida, crenças e valores relacionados ao processo saúdedoença, que sejam compatíveis com sua condição financeira (ALTHOF et al., 1998).
A família deve ser vista como peça responsável pela saúde de seus membros,
devendo ser ouvida, valorizada e instigada a participar de todo o processo de cuidar
(CECAGNO, SOUZA, JARDIM, 2004).
A família pode ser considerada um contexto social nuclear no qual os
comportamentos, as ações e os hábitos de vida sofrem influência cíclica e multivetorial.
Desse modo, o contexto familiar influencia fortemente o estado de saúde de cada
indivíduo e este, por sua vez, influencia o modo pelo qual a unidade familiar funciona.
Nesse processo de influências recíprocas, a família é considerada o grupo primário de
relacionamento e articulação entre seus membros, seja por laços biológicos, legais ou
reais (POTTER, PERRY, 2004).
As pessoas adoecidas têm comportamentos e pensamentos únicos em relação à
experiência da doença, assim como conhecimentos particulares sobre saúde e
tratamento. Estas particularidades não ocorrem das diferenças biológicas, mas, sim, das
diferenças socioculturais. Por conseguinte, parte-se do pressuposto de que é a cultura
que determina essas particularidades. Do mesmo modo, acredita-se que as questões
intrínsecas à saúde e à doença devem ser pensadas a partir dos contextos socioculturais
específicos nos quais ocorrem (LANGDON; WIIK, 2010).
Parte-se do pressuposto de que a experiência do processo saúde-doença pelos
indivíduos inseridos em uma sociedade está arraigada nos valores, crenças, práticas,
representações, imaginários, significados, experiências individuais e coletivas,
reiterando o caráter sociocultural dos fenômenos que o compõe, além de fatores
psicobiológicos nele envolvidos (MELO, CABRAL, SANTOS JÚNIOR, 2009).
Canesqui (2007) ainda acrescenta que a vivência de certas condições crônicas pode
constituir uma experiência estigmatizante, promovendo mudanças na autoimagem e no
corpo e
na ruptura biográfica, gerando uma construção de identidade coletiva da
doença crônica.
O adoecido se apoia nas representações sociais, na própria experiência e de
outras pessoas enfermas para atribuir significado à situação vivida e para
gerenciar a doença. A vivência do adoecimento é sensível às necessidades
cotidianas e aos recursos (materiais, relacionais, simbólicos) disponíveis,
acessíveis e mobilizados pelo sujeito no seu contexto imediato; além de ser
intermediada por elementos da estrutura social, de gênero, da organização e
oferta de serviços de cura (oficiais e alternativos), e, ainda, pelos sistemas de
valores e as referências culturais que ganham sentido quando reportadas a
uma trajetória pessoal única (BARSAGLINI, 2008, p. 574).
Deste modo, para que a assistência à criança com DRC ultrapasse a ausência de
complicações ou limitações, faz-se necessário a compreensão de que a saúde está
interligada com a promoção em qualidade de vida, visando a alcançar bem-estar,
conforto e alívio do sofrimento (MOREIRA et al., 2010).
Durante o período de reorganização da dinâmica familiar, a família e a criança
carecem de um suporte especial, fornecido pela equipe de saúde. Nessa perspectiva de
cuidado, a equipe estará buscando a superação do cuidado tradicional para se libertar
do automatismo, de ações impessoais e sem envolvimento, para fazer
uma reflexão
crítica com responsabilidade e solidariedade, deixando emergir o cuidado humanizado e
centrado no ser humano, em suas diferentes dimensões (ALVES et al., 2006). Emerge,
nesse cenário, a TCI como uma possibilidade que contempla esse novo modo de
cuidado em saúde.
4 PERCURSO METODOLÓGICO
4.1 Caracterização do estudo
Este estudo é uma pesquisa aplicada, com enfoque qualitativo. Do ponto de vista
dos objetivos, trata-se de um estudo descritivo, cujo fenômeno observado foi o processo
de desenvolvimento das rodas de TCI que ocorreram em um Ambulatório de Nefrologia
Pediátrica. Quanto aos procedimentos técnicos, trata-se de uma pesquisa- ação, pois
tanto os pesquisadores como os participantes estavam envolvidos na ação. A TCI é uma
ferramenta de intervenção para grupos que vivenciam situações problemáticas e que
buscam apoio ou solução para os problemas do cotidiano.
A pesquisa qualitativa, ancorada pela abordagem compreensiva, tem sido
utilizada pelo Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania (GPESC) da
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (FAEN/UFMT). O
grupo vem desenvolvendo estudos com pessoas e famílias que vivenciam o
adoecimento crônico, buscando aproximar-se de suas experiências para apreender seus
afetamentos e os modos de cuidar.
A abordagem qualitativa refere-se a estudos de significados, significações,
ressignificações, simbolismos, percepções, pontos de vista, perspectivas, vivências,
experiências de vida, representações psíquicas, representações sociais, simbolizações,
simbolismos, percepções, pontos de vista, perspectivas, vivências, experiências de vida
e analogias (TURATO, 2003).
Para Minayo (2012), o verbo central da análise qualitativa é compreender.
Compreender é praticar o exercício de colocar-se no lugar do outro, é considerar a
singularidade do indivíduo, sua subjetividade. Faz-se necessário, além disso, ter ciência
de que a experiência e a vivência de uma pessoa sofrem influência do contexto
sociocultural do grupo no qual ela está inserida. Para a autora, toda compreensão é
parcial e inacabada, tanto a do nosso entrevistado, que tem uma percepção contingente e
incompleta de sua vida e de seu mundo, como a dos pesquisadores, visto que também
apresentam limitações na compreensão e interpretação das vivências.
Para Rocha e Aguiar (2003) a pesquisa intervenção:
É qualitativa no sentido de estar ligado à análise dos sentidos que vão
gradativamente ganhando consistência nas práticas, ou seja, a pesquisa
intervenção busca acompanhar o cotidiano das práticas, criando um campo de
problematização para que o sentido possa ser extraído das tradições e das
formas estabelecidas, instaurando tensão entre representação e expressão, o
que faculta novos modos de subjetivação (ROCHA E AGUIAR, 2003, p. 66)
Consideramos a realização das rodas de TCI uma prática de cuidado grupal feita
no contexto da prestação dos serviços de enfermagem de um ambulatório de nefrologia
pediátrica e, deste modo, se caracterizando uma intervenção como parte constituinte de
ato de pesquisar. Neste sentido, a oferta das rodas de TCI assume dupla finalidade: a de
oferecer um cuidado de enfermagem às famílias, adolescentes e crianças usuárias do
ambulatório e a de contribuir para o avanço do conhecimento científico sobre cuidados
à saúde dessa população.
A TCI é uma metodologia de intervenção para grupos, sejam eles específicos ou
não. É realizada a partir de encontros interpessoais. Tem o intuito de promover saúde
com a construção de vínculos solidários, valorização das experiências de vida, resgate
da identidade, restauração da autoestima, promoção da autonomia e resiliência
(BARRETO, 2008).
4.2 Local do estudo e inserção da pesquisadora no cenário
A pesquisa de campo foi realizada no Ambulatório de Nefrologia Pediátrica de
um Hospital Universitário, no município de Cuiabá – MT.
O Ambulatório de Nefrologia Pediátrica foi estruturado no ano de 1998 e é
referência no estado de Mato Grosso, atendendo também estados vizinhos.
No
ambulatório, são atendidas aproximadamente mil crianças e adolescentes para
tratamento clínico, que se encontram em condições crônicas de difícil manejo. O
envolvimento dos familiares cuidadores com a equipe multidisciplinar é fundamental
para o gerenciamento do cuidado de modo mais eficaz. Assim, este serviço se
caracteriza por atender crianças e adolescentes em tratamento clínico, cujas patologias
mais frequentes são síndrome nefrótica e outras glomerulopatias, calculoses e
malformações do trato urinário.
O ambulatório é composto por oito salas, situadas em um anexo do hospital
universitário, com ambulatórios de diversas especialidades. A sala de espera é única e
compartilhada com usuários com demandas para outras especialidades. As rodas de TCI
foram realizadas em uma sala de reunião próxima aos consultórios. O corpo clínico do
ambulatório era formado por quatro médicas, duas enfermeiras, uma assistente social,
uma fisioterapeuta e uma nutricionista.
Em março de 2012, após conhecer o Ambulatório de Nefrologia Pediátrica,
iniciei um trabalho voluntário auxiliando a enfermeira do ambulatório nas consultas de
Enfermagem, procedimentos e orientações, com intuito conhecer melhor aquela
realidade e me familiarizar com os sujeitos do estudo. Permaneci como voluntária até
fevereiro de 2013, quando o ambulatório encerrou suas atividades. Essa experiência me
enriqueceu profundamente como enfermeira, ao possibilitar vivências jamais tidas
anteriormente.
4.3 Sujeitos do estudo
Foram consideradas como sujeitos do estudo 32 pessoas, que participaram de ao
menos uma das quatro rodas de TCI realizadas no Ambulatório de Nefrologia
Pediátrica, sendo 12 crianças/adolescentes, 16 familiares, 2 acadêmicas de enfermagem,
uma funcionária do HU e uma terapeuta.
No Quadro 2 estão os sujeitos do estudo, com suas respectivas cidades de
origem e posição que ocupam na família. Vale ressaltar que a terapeuta e as acadêmicas
de enfermagem estavam presentes em todas as rodas de TCI. A funcionária do hospital
(Joana) participou apenas da quarta roda.
Quadro 2: Sujeitos de estudo, cidade de origem e posição que ocupam na família.
1
2
3
4
5
6
NOME
MARCELO
LÍVIA
MARIA
LUCAS
ANA
GABRIEL
PRIMEIRA RODA
CIDADE DE ORIGEM
Cuiabá – MT
Cuiabá – MT
União da Vitória – PR
Cuiabá – MT
Coxim – MS
Tangará da Serra – MT
PAI
MÃE
AVÓ
PACIENTE
MÃE
PACIENTE
7
8
9
NOME
JOÃO
ÍRIS
JOSÉ
SEGUNDA RODA
CIDADE DE ORIGEM
Várzea Grande – MT
Recife – PE
Cuiabá – MT
IRMÃO
MÃE
PACIENTE
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
Várzea Grande – MT
Severina – SP
Tangará da Serra – MT
Santa Isabel – GO
Várzea Grande – MT
Fortaleza – CE
Cuiabá – MT
Aquidauana – MS
Barra do Bugres – MT
Várzea Grande – MT
PACIENTE
MÃE
PACIENTE
MÃE
PACIENTE
MÃE
PACIENTE
MÃE
MÃE
PACIENTE
TERCEIRA RODA
CIDADE DE ORIGEM
Ortigueira – PR
Sorriso – MT
MÃE
PACIENTE
QUARTA RODA
CIDADE DE ORIGEM
Cáceres – MT
Cáceres – MT
Colíder – MT
Sinop – MT
Rosário Oeste – MT
Cuiabá-MT
Cuiabá-MT
PACIENTE
MÃE
MÃE
PACIENTE
PAI
IRMÃO
PACIENTE
FELIPE
CARLA
GUSTAVO
FABIANA
JORGE
LUZIA
JULIANA
FERNANDA
SÔNIA
RAFAELA
NOME
MÁRCIA
LARISSA
NOME
MATEUS
22
EDUARDA
23
CLÁUDIA
24
HELENA
25
MURILO
26
FELIPE
27
DANIEL
28
Fonte: Dados da pesquisa.
Apesar de o ambulatório atender pessoas de outros estados, todos os
participantes da pesquisa residem no Estado de Mato Grosso. As idades variaram de 3
meses a 54 anos. Entre as 12 crianças/adolescentes que participaram da TCI, 8 eram do
sexo masculino e 4 do sexo feminino. Já entre os familiares, dos 16, apenas 4 eram do
sexo masculino, sendo 2 pais e 2 irmãos. Os outros 12 eram do sexo feminino, sendo 11
mães e 01 avó.
Os critérios de elegibilidade dos sujeitos do estudo foram: ser criança ou
adolescente portador de doença renal crônica e estar em tratamento no ambulatório; ser
familiar cuidador de criança ou adolescente com DRC e ter participado ao menos de
uma roda de TCI no Ambulatório de Nefrologia Pediátrica.
As rodas de TCI geralmente ocorrem em ambientes que possam comportar
cadeiras removíveis para formar um círculo, onde as pessoas se sentam uma ao lado da
outra para garantir o contato face a face. Não há um número predeterminado de pessoas,
nem também de inclusão por idade, sexo, religião. Os grupos podem ser mistos ou
específicos. Nesse estudo, a característica das rodas foi a de ser um grupo específico, ou
seja, de pessoas com problemas específicos, ser criança ou adolescente portador de
DRC e familiar cuidador.
4.4 Coleta de dados
Antes da coleta de dados, a mestranda frequentou o local de estudo por alguns
meses para se familiarizar com o contexto da pesquisa, buscando maior compreensão da
realidade vivida por aquelas pessoas.
As quatro rodas de TCI ocorreram no período de dezembro de 2012 a fevereiro
de 2013, às quintas-feiras pela manhã, em uma sala de reunião do ambulatório,
enquanto as crianças, os adolescentes e seus familiares aguardavam suas consultas.
Antes do início da terapia, foi feita a leitura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) e elucidadas possíveis dúvidas relativas ao conteúdo do
documento.
Após isto, foi dado início à terapia, conduzida por uma terapeuta
comunitária com certificação reconhecida pela ABRATECOM, que conduziu as
terapias obedecendo ao protocolo da técnica desenvolvida pelo prof. Adalberto Barreto
(criador da técnica).
De acordo com Barreto (2008), a TCI compreende seis passos:
Passo 1 - Acolhimento: o terapeuta dá as boas-vindas aos participantes,
geralmente com música, e explica resumidamente o que é a TCI e suas
regras. O terapeuta convida as pessoas a celebrar alguma conquista ou
aniversário, canta músicas adequadas à celebração e finaliza com uma
dinâmica para interação entre as pessoas.
Passo 2 - Escolha do tema: o terapeuta convida os participantes a falar
resumidamente sobre suas preocupações, angústias ou aflições, que são
transformados em temas, para, em seguida, proceder à votação do grupo para
a escolha do tema a ser aprofundado no dia.
Passo 3 - Contextualização: o terapeuta convida o participante, cujo tema foi
escolhido, a falar mais detalhadamente sobre seu problema, ou inquietação e
explica aos outros participantes que, nesse momento, eles podem lançar
perguntas para melhor compreender o sofrimento da pessoa.
Passo 4 - Problematização: o terapeuta lança um mote, pergunta-chave, e
estimula o grupo a partilhar experiências e estratégias de enfrentamento de
situações similares à do protagonista, que foram vivenciadas pelos demais.
Passo 5 - Rituais de agregação e conotação positiva: o terapeuta convida os
participantes a ficar em pé e formar uma roda de apoio. Todos ficam ombro
a ombro, e o terapeuta estimula a valorização do esforço e da coragem das
pessoas que expuseram os temas durante a roda. Ele lança uma reflexão e
convida outros a fazerem o mesmo. Costuma-se incentivar a reflexão a partir
da seguinte indagação: o que é que aprendi hoje aqui e o que vou levando
para a minha vida?
Passo 6 - Avaliação: momento de analisar a condução da terapia pela equipe
que realizou para verificar os pontos positivos e negativos, bem como o
impacto da roda para cada pessoa.
As rodas de TCI foram registradas em forma de vídeo com áudio para garantir a
transcrição das falas dos participantes, além de possibilitar a observação de expressões
faciais dos participantes, gestos e/ou movimentos durante as rodas de TCI, para uma
interpretação através da meta comunicação. A gravação de voz possibilitou a transcrição
fiel das falas dos participantes no decorrer das terapias. As transcrições ocorreram logo
após a realização de cada roda de TCI.
4.5 Análise dos dados
Para o procedimento de análise, foi feita uma leitura criteriosa do material
empírico coletado, evidenciando as unidades de significado, destacando-as em
diferentes cores no próprio texto.
Da análise, emergiram as seguintes unidades:
repercussões da participação na TCI; o desabafo/alívio do sofrimento; sobrecarga do
cuidador/responsabilização pela doença do filho; superação das dificuldades/estratégias
de enfrentamento; identificação com a vivência do outro; e interação do terapeuta com
os participantes/ cuidados realizados para apoiar e confortar.
Na pesquisa qualitativa, não é plausível a afirmativa de neutralidade do
pesquisador, visto que se torna imprescindível um envolvimento entre entrevistador e
entrevistado para o aprofundamento de uma relação intersubjetiva. Essa inter-relação no
decorrer da entrevista, que abarca o afetivo, o existencial, o contexto do cotidiano, as
experiências e a linguagem do senso comum, é condição sine qua non para um resultado
satisfatório desta abordagem em pesquisa (MINAYO, 2010).
A técnica de análise temática, proposta por Minayo (2010), “consiste em descobrir
os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência
signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”.
Tais unidades foram reagrupadas no empenho de identificação dos elementos
internos e dos sentidos e coerência de cada uma. Assim, explicitamos três categorias
que discutimos na análise: (1) Principais inquietações/temas relatados pelas pessoas
com DRC seus familiares na convivência com a DRC; (2) A enfermeira na condição de
terapeuta comunitária e as particularidades de sua atuação no grupo; e (3) Refletindo
sobre a TCI como instrumento de cuidado para pessoas com DRC e seus familiares.
4.6 Aspectos éticos da pesquisa
Este estudo respeita as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos, contempladas na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de
2012 (BRASIL, 2012). Está inserido na pesquisa matricial intitulada “Projeto de
extensão em interface com a pesquisa: formação de terapeutas comunitários, assistência
à saúde estudantil e pesquisa-ação”, cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa sob o Nº
272/CAP/2010, e obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Júlio Müller (Nº 817/CEP-HUJM/2010).
A autorização dos sujeitos se deu por meio do TCLE (APÊNDICE I), como forma
de respeito aos princípios éticos e esclarecimento sobre o uso do material empírico. Os
TCLE das crianças e adolescentes participantes foram assinados pelos seus responsáveis
legais. Os participantes tiveram suas identidades preservadas, por meio do uso de nomes
fictícios, e as situações que poderiam expor suas identidades foram, igualmente,
mantidas em sigilo.
5 RESULTADOS
Para melhor compreensão do fenômeno estudado, optamos por descrever a
dinâmica, bem como a organização e o conteúdo de cada roda de terapia, visto não
haver continuidade e obrigatoriedade de relação ou continuidade entre uma roda e outra.
A descrição foi subsídio tanto para a análise quanto para o entendimento para a
discussão.
5.1 Descrição da primeira roda de TCI: “Compartilhar a alegria pela saúde dos
filhos”
No dia 22 de novembro de 2012, foi realizada, no Ambulatório de Nefrologia Pediátrica
de um Hospital Universitário no município de Cuiabá/MT, a primeira roda de Terapia
Comunitária. Chegamos às sete horas da manhã para organizar o espaço e eu e minha
orientadora escolhemos a sala de reuniões para a atividade. Após a organização, juntamente
com uma estudante graduanda de enfermagem, convidamos as crianças, adolescentes e
familiares que aguardavam na sala de espera suas consultas com as nefrologistas pediatras.
Explicamos sucintamente o que seria a atividade e seu objetivo. Algumas pessoas já me
conheciam, pois comecei a frequentar o ambulatório alguns meses antes para me familiarizar
com aquela realidade. Às 7 horas e 45 minutos, iniciamos a Terapia com o acolhimento.
A terapeuta, que também é minha orientadora, é enfermeira e trabalhou durante muitos
anos no ambulatório de Nefrologia Pediátrica com atividades de extensão, convidou os
participantes para uma rodada de apresentações. Faziam-se presentes, além de mim (Grasiele) e
da terapeuta (professora Rosa), quatro familiares (Marcelo, Lívia, Maria e Ana), duas crianças
pacientes (Lucas e Gabriel) e uma aluna de graduação (Laura).
A terapeuta fez sua apresentação, dando a todos boas-vindas e indagando se alguém
sabia o que era a TCI. Após ouvir algumas explicações dos participantes, ela expôs, de forma
concisa e clara, o significado e o objetivo da TCI: “A terapia comunitária é um espaço de trocas
de experiências do nosso dia a dia, ou seja, é um espaço para compartilhar nossas preocupações,
nossas angústias, aquilo que nos tira o sono e também nossas alegrias”.
A apresentação foi conduzida de forma que todos os integrantes informassem seus
nomes e a cidade de nascimento.
Após as apresentações, a terapeuta explicou as regras para a condução da roda: “Na
terapia comunitária, temos algumas regrinhas com as quais a gente costuma orientar para que a
roda caminhe bem. A primeira regra é o silêncio quando a outra pessoa está falando, para
podermos aprender com a experiência do outro. A segunda regra é falar sempre usando o eu,
então evitar falar a gente, nós, as pessoas. Falar sempre como eu, porque nós vamos falar aqui
da nossa experiência. A terceira regra, na verdade, é um conjunto de regras: aqui a gente não vai
julgar, não vamos dar conselhos, não vamos fazer sermão e nem discurso. E a quarta regra é que
a gente pode cantar. Vou explicar (risos). É assim: digamos que durante a nossa conversa
alguém fale alguma coisa que faça você lembrar uma música, ou uma piada, ou um ditado
popular. Você pode começar a cantar e a gente continua. Vamos então lembrar as regras?”.
Atentamente, todos repetiram as regras.
Em seguida, a terapeuta convidou todos para uma dinâmica de aquecimento, com o
intuito de “quebrar o gelo”, se aproximar dos participantes e deixá-los mais à vontade: “Vamos
levantar um pouquinho só pra gente aquecer o corpo? Nós vamos cantar uma música e no
decorrer dela eu vou dar uns comandos, como, por exemplo, apertar a mão de alguém. Vamos
lá? ‘Bater a mão, bater o pé pra entrar na casa do Zé! Bater a mão, bater o pé, pra entrar na
comunidade. Mas você tem que apertar a mão de alguém (bis)’. Bater a mão, bater o pé... (a
brincadeira foi feita com a participação de todos, sendo oferecidos os seguintes comandos:
puxar a orelha, puxar o cabelo, fazer coceguinhas e dar um abraço).” Ao final, a terapeuta
orientou que todos deveriam dar pelo menos cinco abraços.
Após essa dinâmica, a terapeuta Rosa propôs mais uma brincadeira: “Só mais uma pra
gente ficar bem aquecido, é uma brincadeira bobinha, mas ela é boa (risos). Eu vou fazer um
gesto e cantar a música. Depois, eu vou apontar pra outra pessoa e essa pessoa tem que inventar
outro gesto (risos). Se não quiser, não tem problema (risos). Por exemplo: (gesticulando) ‘faça
assim, faça assim, faça assim, como é bom fazer. Faça assim, faça assim e agora é você...”.
Todos participaram e riram muito.
Em seguida, a terapeuta convida todos a se sentar e diz: “Vamos então? Como a gente
disse, a terapia comunitária é um lugar pra gente trocar nossas experiências do dia a dia. Mas,
por que é importante falar? Tem um ditado popular que diz assim: quando a boca cala o corpo
fala, quando a boca fala o corpo sara! Então, muitas vezes, quando não falamos com a boca, o
nosso corpo fala com uma dor de cabeça, uma gastrite, uma dor de estômago, insônia! Tem
outro ditado que fala: quando guarda, azeda, quando azeda, estoura, quando estoura, fede. É
engraçado, mas é verdade. Muitas vezes a gente vai guardando as coisas dentro da gente e uma
hora a gente estoura! E muitas vezes estouramos no lugar errado, na hora errada, com pessoas
que não estão preparadas pra nos ouvir. Já aqui na terapia, aqui podemos falar, todo mundo está
preparado pra nos acolher, ninguém vai dar conselho ou julgar. E do que nós vamos falar na
terapia comunitária? Do que a gente quiser, das nossas preocupações do dia a dia, de uma
alegria. A única coisa que a gente não deve falar na terapia comunitária é segredo, tá? Porque a
gente não pode garantir que não vai sair daqui. Risos. E segredo faz parte da nossa riqueza
pessoal, então guardamos conosco!”
Na sequência, a terapeuta passou para o segundo momento da TCI, a escolha do tema:
“Bem, chegou a hora de falar. Nesse momento, quem quiser falar, peço que levante a mão, diga
seu nome e, em poucas palavras, conte o que você gostaria de compartilhar na roda. E vou pedir
licença pra anotar algumas coisas que é pra eu não esquecer, tudo bem?”.
A mãe de um paciente (Ana) então inicia: “Eu gostaria de falar. É que meu filho faz
tratamento há cinco anos e estou muito feliz porque ele está bem! Está praticamente curado!
Nunca mais foi pro hospital, uma coisa que me preocupava muito e hoje não me preocupa
mais”.
A terapeuta faz uma síntese do seu tema: “Então, o que você quer compartilhar é a
alegria da recuperação, da cura do seu filho, é isso?” Ela então confirma: “É! Porque eu já sofri
demais, eu achava que não ia ter jeito, parecia que ele piorava cada vez mais. Antes, para vir era
um sofrimento, hoje eu venho toda feliz, porque sei que cada dia ele está melhor!”
A terapeuta agradece e questiona se mais alguém gostaria de compartilhar alguma
experiência. O pai de uma criança sinaliza: “Eu gostaria! Meu nome é Marcelo e gostaria de
compartilhar também a felicidade, a alegria, porque nosso filho está bem visualmente, mas com
certeza sua saúde também, graças ao tratamento que está fazendo. Sofremos uma desilusão
quando ele nasceu, quando a médica nos disse seu diagnóstico. Tivemos fé em Deus e
procuramos outros caminhos, ajuda de outras pessoas, outros lugares.
Viemos para este
hospital, fomos super bem atendidos pela médica, pela equipe toda. Está fazendo o tratamento
direitinho, tudo o que é solicitado, nós estamos fazendo. Não tem como ficar triste com uma
coisa mais linda dessa! Então, meu motivo de felicidade é ele, tudo é pra ele e é isso que me faz
feliz!”.
A terapeuta faz uma síntese do seu tema: “Então você quer também celebrar a felicidade
por o seu filho estar bem?”. O participante confirma. A terapeuta indaga novamente se mais
alguém gostaria de compartilhar experiências.
A mãe da mesma criança diz: “Eu também. Meu nome é Lívia e estou feliz porque o
exame que eu fui pegar agora melhorou bastante. Isso quer dizer que ele vai tomar menos
remédio, tomar menos injeção, por isso eu estou feliz! A última vez que vim deu tudo alterado
e fiquei muito triste. Agora espero que melhore cada dia mais”.
A terapeuta conclui: “Então você quer compartilhar sua alegria? Todo mundo feliz!
Coisa boa! Mais alguém?”.
Um paciente, a criança Gabriel, então, diz: “Quando eu vejo alguma coisa na televisão
que é do mal, que dá medo em mim, quando fico com o olho fechado e vou sonhar, fico com
medo, levanto da cama e vou lá pra sala.” A terapeuta indaga: “Você tem medo então? Medo de
alguma coisa que passa na televisão?” Ele balança a cabeça em sinal positivo. A terapeuta
continua: “Você quer falar um pouquinho sobre isso?”. Gabriel balança a cabeça em sinal
negativo.
Inicia-se então o próximo momento da TCI, a contextualização e a problematização. A
terapeuta explica: “Hoje, três pessoas falaram, a Ana, o Marcelo e a Lívia. Todos quiseram
compartilhar a alegria pela cura ou pela saúde dos seus filhos. Como são três situações
parecidas, não precisaremos votar. Normalmente na TCI, quando saem assuntos muito
diferentes, elegemos uma situação, pois em uma roda não conseguimos falar de todos os casos.
Eu vou pedir então pra dona Ana contar um pouquinho sobre a história do Gabriel e que vocês,
Marcelo e Lívia, também contem a história do Lucas pra que possamos entender por que estão
felizes, pode ser? Enquanto eles estiverem contando a história, nós podemos perguntar para
entender melhor os casos, tudo bem?”.
Ana inicia: “O Gabriel nasceu uma criança perfeita, mas quando tinha um ano e seis
meses, começou a inchar. Levei ao médico e começou o tratamento aqui. A médica me disse
que ele era nefrótico. Eu não entendia nada, era crônico! Falavam crônico, eu já pensava: vai
morrer! Cada vez que inchava e internava ficava cada vez pior. Idas e vindas constantes ao
hospital por três anos, mas labutando mesmo. Eu entrava em desespero, era praticamente eu
sozinha pra correr atrás de tudo, foi muito difícil, nossa! Como foi difícil! Tinha hora que dava
vontade de falar assim: eu não vou dar mais medicação, vou largar, eu chegava a esse ponto,
entendeu? Porque já tinha a alimentação, que é a pior coisa. Eu já dava papinha pra ele, tinha
que fazer sem sal. Eu entrava em crise, ninguém podia olhar pra mim que eu queria derrubar
tudo. A medicação eu dava, eu cuidava tudo certinho. Eu chegava aqui a doutora olhava pra
mim e falava: mãe, o que você está fazendo? Entendeu? Eu falava: nada, doutora, nada. Você
não entende direito no começo, pensa que ela está te culpando, sabe? Em casa, eu dava alguma
coisa e falava pra minha mãe que ele estava inchando e ela falava: o que você deu pra ele? Tudo
caía sobre mim. Tinha dia que eu desanimava, ele estava bem e de repente descompensava,
tinha que vir pra cá novamente, internação longa. Mas graças a Deus, de dois anos pra cá ele
teve apenas uma internação, por decorrência do psicológico, estava abalado. Meu sonho era que
ele saísse do corticoide e ele saiu, já faz seis meses. Estou feliz demais! Ele continua em
tratamento, a dieta alimentar, faz muita diferença, muita mesmo. Faço uma coisinha errada, já
percebo. Eu faço aquele controle em casa com a urina, se dou um refrigerante no outro dia eu já
vejo a diferença, já sei que tá perdendo proteína. A boca é tudo, quando eu vejo mães falando
que as crianças não fazem dieta, parece bobeira, mas não é! É essencial.”
A terapeuta agradece e pergunta se o filho quer falar. Gabriel sinaliza negativamente.
Ela então solicita ao casal que fale um pouco mais sobre o segundo paciente. Marcelo diz:
“Lucas foi pra nós uma bênção.” Ele se emociona e permanece alguns segundos em silêncio.
“Na gravidez, já vinham constando as alterações no rim, o fêmur também era menor que o
normal, o fígado alterado. Ele tem alteração genética nos dedos, tem seis dedos nas duas mãos.
Minha esposa aqui gestante e eu estava trabalhando em uma usina hidrelétrica distante, pois
precisávamos de um financeiro pra dar um conforto melhor pra ele. Eu querendo participar da
gravidez, estar próximo dela, com tudo isso acontecendo, até que desisti de ficar lá e vim
embora uns meses antes de ele nascer. Nasceu com 41 semanas e dois dias. A médica disse: vai
ficar só um pouquinho na incubadora, isso foi passando, passaram-se quatro horas e nada. Eram
exames atrás de exames e eu sem ver meu filho. Os dias foram passando, todas as pessoas tendo
parto, saindo, e minha esposa lá. Eu podia vê-la só uma hora por dia. Nosso psicológico estava
abalado, até que uma dia me exaltei, comecei a falar muitas coisas, se devia ou não devia, falei.
A médica foi nos atender e falou coisas que, na minha opinião, por ser uma profissional, não
devia ter falado. Falar que ele não tinha mais jeito, que tínhamos que nos contentar com isso e
não caberia mais a ela fazer
nada. Acabou nosso chão! Como? Se minha criança está
mamando, fazendo tudo que é normal e a pessoa fala que não tem mais o que fazer, falando que
não teríamos mais filho. Tivemos alta e um funcionário onde trabalho disse: “Vai no HU, meus
filhos fazem tratamento lá, é bom, vão atender vocês bem, farão todo procedimento possível pro
seu filho”. Vim, fiz a ficha dele, fiz tudo que era pra ser feito, peguei o encaminhamento com a
medica de lá. A médica daqui já sabia de tudo. Eu me emociono um pouco... hoje ele está super
bem.”
A terapeuta então canta: “Pai, você foi meu herói, meu bandido... (música do Fábio
Júnior)” e complementa: “nunca vi um pai desse jeito! Muito bonita sua história”.
Marcelo diz: “Quando chega o dia da consulta dele, eu não vou ao meu serviço. Até me
acidentei, fraturei uma costela. Por sinal, fui fazer uma consulta e descobri que tenho uma
inflamação nos ossos da coluna”.
A terapeuta ressalta a importância dos cuidadores cuidarem de si.
Marcelo responde: “Com certeza! Mas o que acontece, foi encadeando várias outras
coisas. Estou cheio de dores, mas quando chega nesse dia, da consulta dele, esqueço de tudo!
Esqueço dor, esqueço firma, esqueço todo mundo pra vir consultar com ele. Meu maior
pensamento está aqui! Só tenho ouvidos pro que tem que fazer, o que precisa. Se não tiver
condição financeira, dou um jeito, faço de tudo por ele!”.
A terapeuta lembra outra música e convida todos para cantar: “Ei dor, eu não te escuto
mais você não me leva nada. Ei medo, eu não te escuto mais, você não me leva a nada. E se
quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol é pra lá que eu vou”.
Após a música, a terapeuta agradeceu os participantes por compartilhar suas histórias e
instigou os demais questionando se alguém se identificara com as experiências compartilhadas e
se tinha o desejo de falar: “Muito bom! Agora, já que o tema foi essa alegria e essa dedicação
de pai, de mãe, de avó, de todo mundo, quem ainda não falou e quiser falar alguma coisa, ou já
viveu uma situação assim, de muita felicidade pela recuperação e quiser compartilhar com a
gente... Quem já viveu uma outra experiência de felicidade parecida com essa e quer
compartilhar?”.
Todos permaneceram em silêncio, refletindo. Marcelo então diz: “Minha mãe está
emocionada ainda!”. Todos sorriem. Ele então continua: “Ela não fala. Mas quando eu nasci, na
verdade eu acho que não era nem pra eu ter nascido, não estava no planejamento. Naquele
tempo, não sei como era o tratamento, mas quando nasci o médico falou: seu filho vai ser
especial!”. Ao que a terapeuta complementa: “E é mesmo, né?”. Todos sorriem. Marcelo dá
seguimento: “Tive que fazer transfusão de sangue, foi aquela luta atrás de um doador de sangue.
O médico então disse: olha, seu filho não vai muito longe, está muito fraquinho! E agora olha o
tamanho do filho! Eu queria conhecer esse médico, pra ver por que ele falou isso”.
Ana complementa: “Ela fica emocionada porque praticamente está vivendo tudo de
novo!”. A terapeuta se levanta, se aproxima e se senta ao lado de Dona Maria e canta: “Encosta
sua cabecinha no meu ombro e chora, e conta logo suas mágoas todas para mim. Quem chora no
meu ombro eu juro que não vai embora. Que não vai embora, porque gosta de mim”. A
terapeuta, então, pergunta se Dona Maria gostaria de falar e elogia a história compartilhada.
Dona Maria gesticula negativamente.
A terapeuta então solicita que todos se levantem para a conclusão da roda: “Vamos
chegar bem pertinho e vamos dar as mãos? Bem pertinho, bem pertinho! Vamos dar a mão pro
Lucas (bebê) também. Todos sorriem. Tem uma música aqui na terapia comunitária que é
assim: tô balançando, mas não vou cair, mas não vou cair. Tô balançando, na terapia. Tô
balançando, mas não vou cair... E por que eu não caio?” Lívia responde: “Porque a gente está
bem apoiado um no outro”. Ainda em roda com todos os participantes de mãos dadas, também
mantendo um leve balanço de um lado para o outro, a terapeuta continua: “Eu quero agradecer
muito a Ana, Marcelo, Lívia, Dona Maria. A senhora pode não ter falado, mas seu choro
expressou o imenso amor de mãe e de avó. E todos vocês, o amor pelos filhos, pelos netos... e
dizer que eu me senti muito tocada com as histórias contadas hoje. E mais uma vez, vi que a
gente está no caminho certo. Ao cuidar de crianças, temos uma excelente recompensa! Também
porque me lembrou o meu papel de mãe. Muitas vezes, a gente esquece, deixa o filho meio
largado, e hoje eu vou cuidar melhor da minha filha!”. Todos sorriem. A terapeuta então
questiona: “Gostaria de perguntar pra cada um de vocês: o que eu estou levando daqui hoje?
Cada um de vocês. Pode ser uma palavra só! O que eu estou levando daqui hoje? Marcelo diz:
“Experiência”. Eu: “Dedicação”. Dona Maria: “Amor”. Ana: “Carinho”. Lívia: “Amor”.
Gabriel: “Amor”. Laura: “Atenção”.
A terapeuta convida todos para cantar outra música
para
reforçar os laços entre os
participantes, bem como alegrar o final do encontro: “Eu conheço uma música bem alegre. E a
da pipoca, vocês conhecem? É assim: uma pipoca estoura na panela, outra pipoca vem logo
responder. Começa então um tremendo falatório, e ninguém mais consegue se entender. É um
tal de ploc! Plopoc, ploc, ploc (bis)”. Foi muito divertido. Além da música, a dinâmica propunha
uma coreografia em grupo, que todos dançaram e riram muito.
A terapeuta finaliza e agradece a participação: “Bom, pessoal, obrigado por vocês terem
vindo. A terapia comunitária é isso. Quem gostou conta pros outros. Quem não gostou fala pra
gente! Temos terapia também toda quarta-feira à noite, com os pacientes e acompanhantes aqui
no hospital. Obrigada a todos e desejo um bom-dia pra vocês!”.
Após a roda, que durou cerca de 50 minutos, enquanto conversávamos (eu, a aluna da
graduação e a terapeuta) sobre as experiências compartilhadas, Dona Maria voltou para a sala. A
terapeuta inicia a conversa: “Vocês são daqui de Cuiabá mesmo, Dona Maria? Ela responde:
“Não, eu moro em Várzea Grande há 30 anos”. Terapeuta: “Está com dor de cabeça?”. Dona
Maria: “Não!” A terapeuta diz: “Parabéns pelo seu filho!”. Dona Maria: “Ele é o caçula”.
Terapeuta: “Que bênção, não”. Todos sorriem. Terapeuta: “A senhora tem quantos filhos?”.
Dona Maria: “Tenho quatro”. Dona Maria começou a chorar e disse: “Eu choro por causa dele”.
A terapeuta estende os braços e acolhe Dona Maria: “Vem cá, vem cá!”. Dona Maria continua:
“Eu tenho dó dele sofrer muito. Eu tenho tanto medo que ele sofra, por isso que eu choro”. A
terapeuta diz: “Vai ficar tudo bem, não está tudo bem?”. Dona Maria: “Agora que ele começou,
ainda tem muita coisa pela frente”. A terapeuta: “E a senhora tem medo dele sofrer...”. Dona
Maria: “Ele é louco por essa criança! Eu choro, choro todos os dias em casa!”. Ela silencia e
continua a chorar por instantes. A terapeuta diz: “No próximo dia que a senhora vier, vamos
falar mais então...”. Ela continua chorar. A terapeuta diz: “Sente-se um pouquinho”. Ela diz:
“Vou lá pra consulta”. A terapeuta então diz: “A senhora já ouviu a história da pérola?”. Dona
Maria diz que não. A terapeuta continua: “A senhora sabe como é formada a pérola? É assim:
cai dentro da ostra um grãozinho de areia. Esse grãozinho de areia machuca a ostra. E a ostra,
ela vai soltando uma gosma, que a gente chama de nácar. Essa ‘gosma’ vai envolvendo o
grãozinho de areia, vai envolvendo, envolvendo, e se forma a pérola. Então, a pérola é fruto do
sofrimento da ostra. O seu filho está se transformando em uma pérola, assim como a senhora se
transformou. Qual que é sua pérola hoje? É ser essa avó, essa mãe! Pense nessa história. Às
vezes, a gente quer proteger muito, e a gente deve proteger mesmo. Mas o sofrimento também
tem um componente importante, que é de deixar as pessoas crescer. Eu acho essa história uma
das mais lindas do mundo: um grãozinho de areia que machuca a ostra e a ostra vai envolvendo,
envolvendo, envolvendo, até formar uma coisa linda, nobre. Seu filho é a coisa mais linda do
mundo”. Elas sorriem. Dona Maria agradece e diz: “Obrigada, vou pensar na história. É difícil,
só Deus sabe”.
5.2 Descrição da segunda roda de TCI: “Compartilhar a alegria pela saúde dos
filhos”
A segunda roda de TCI no Ambulatório de Nefrologia Pediátrica ocorreu no dia 29 de
novembro de 2013, com início às oito horas da manhã. Participaram treze pessoas, sendo seis
mães (Íris, Carla, Fabiana, Luzia, Fernanda e Sônia ), um irmão (João) e seis
crianças/adolescentes (Rafaela, Juliana, Jorge, Gustavo, Felipe e José) pacientes do ambulatório.
A Genecília, estudante de licenciatura em Música e co-terapeuta, tocava violão, enquanto as
mães e os filhos aguardavam na sala.
A terapeuta Rosa sentou-se ao lado de Genecília e disse para uma mãe: “essa música é
bonita, né?” [é preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para poder sorrir, é preciso a chuva
para florir...] Enquanto isso, as pessoas
observam e se ajeitam. Eu, Grasiele, me sentei
conversando e sorrindo com a estudante Laura, as mães conversavam entre si e a Genecília
terminou de cantar. A terapeuta sorri. Genecília diz: “deu para aquecer, hein?!”
Grasiele: “Bom dia, como falei para vocês, meu nome é Grasiele, sou enfermeira do
ambulatório. Estou fazendo mestrado na UFMT e nossa proposta hoje é realizar uma roda de
terapia comunitária com vocês. Aponta para a professora Rosa e diz: “a professora Rosa é
minha orientadora e enfermeira. Ela vai explicar um pouquinho para vocês o que é terapia
comunitária.
A terapeuta Rosa diz: “Bom dia para todo mundo. Então, meu nome é Rosa, sou
enfermeira, trabalho na UFMT como professora também. Há algum tempo a gente vem fazendo
a terapia comunitária aqui no hospital, toda quarta-feira, das 19 às 20 horas.
Íris (mãe): “eu já fiz parte desse aí”, diz, toda alegre. Nesse momento, a porta se abre,
entra uma mãe com o filho. Terapeuta: “bom-dia, pode entrar! Tem um lugar ali. Sente-se você
aqui então (e troca de lugar). A terapeuta se senta ao lado de Grasiele e diz: “então a terapia
comunitária é um espaço de troca de experiência nossa do dia a
dia.” No momento da
explicação, ouvem-se pessoas conversando alto do outro lado da divisória da sala.
A terapeuta interrompe, bate na divisória e diz: “meninas, falem mais baixinho tá bom?
Obrigada!” e sorri. “Então, a terapia comunitária é um espaço de troca de experiências do dia a
dia, é um espaço pra gente falar do que nos tira o sono, das nossas angústias, também das
alegrias. É um espaço de partilha”.
Terapeuta: “Então, antes de a gente começar, vamos fazer as apresentações. Vamos
fazer assim, a gente fala o nome e onde foi que nasceu”. Todos se apresentam e sorriem.
Terapeuta: “Então tá bom! A terapia comunitária diz que pra gente conseguir falar é
bom aquecer o nosso corpo. Então, vamos levantar um pouquinho pra gente dar uma aquecida”
Todos sorriem. “Tem uma música da TCI que a gente usa para aquecer. Eu já estou aquecida
porque já passei um rodinho aqui e acena no piso da sala. As pessoas sorriem.
Terapeuta: “A música é assim [bater a mão bater o pé, pra entrar na casa do Zé. Bater a
mão, bater o pé, pra entrar na comunidade]. A segunda vez é comunidade. Daí eu vou falar
assim, por exemplo, apertar a mão de alguém. E todo mundo tem que apertar a mão de alguém.
E ai eu vou dando vários comandos e todos têm que repetir, ok?”
Começa a música, todos cantam e participam. Os comandos foram: apertar a mão, puxar
a orelha, fazer cócegas, puxar o cabelo e dar um abraço. O grupo se diverte e ri. Felipe fica todo
empolgado, diz para o Jorge: “fica em pé, cara”. Carla: “levanta, Jorge, fica em pé”. Jorge
levanta. Terapeuta: “isso Jorge! Só mais uma, só pra a gente dar uma aquecida, essa é bem
prática. As crianças gostam bastante”. Todos ainda em pé, a terapeuta demonstra, balançando as
mãos e cantando: “[faça assim, faça assim, faça assim, como é bom fazer. Faça assim, faça
assim e agora é você!”] A terapeuta aponta para a coterapeuta, que continua a brincadeira,
apontando para a criança Felipe, e assim por consecutivo, cada um fazendo um gesto diferente.
Nesse momento, entra na sala a mãe do João com seu irmãozinho.
Depois do aquecimento, todos se sentam. Terapeuta: “Bom, para quem chegou, a gente
está fazendo aqui uma roda de terapia comunitária. Estávamos no aquecimento. A TCI é um
espaço pra gente falar das coisas que acontecem no dia a dia, que nos tiram o sono, nossas
angústias, preocupações, alegrias. E para a terapia andar bem, temos quatro regras: “a primeira
regra é o silêncio quando a outra pessoa estiver falando. Silêncio para ouvir e para aprender com
a experiência do outro. A segunda regra é falar sempre usando o eu. Devemos evitar falar assim:
a gente, nós, as pessoas. Porque nós vamos falar da nossa experiência, então vou usar sempre o
eu. Por exemplo, podemos dizer: eu penso assim, aconteceu isso comigo. A terceira regra é que
não pode dar conselho, não pode julgar, também não pode fazer sermão, ficar falando até o
outro cansar, tipo um discurso (risos). A quarta regra é que a gente pode cantar. Como assim?
Vou explicar. A gente trouxe uma violeira (risos). Vamos dizer que, durante a conversa, surja
um assunto, alguém fale algo que você se lembre de alguma música. Daí você pode propor e a
gente ajuda você a cantar. Então vamos lembrar as regras?” Todos relembram as regras.
A terapeuta continua: “Por que é importante falar? Se vocês leram o cartaz que está ali
fora, está escrito assim: quando boca cala, o corpo fala. Quando a boca fala, o corpo sara.
Quando a gente não fala com a boca, fica guardando, o corpo da gente vai falar de outro jeito,
seja com uma dor no estômago, uma gastrite, uma dor de cabeça, depressão, insônia. Por isso é
importante a gente falar, e falar com a boca, para que o corpo da gente não fale de outro jeito.
Tem outro ditado que diz assim: quando guarda, azeda, quando azeda, estoura, quando estoura,
fede. Igual ao leite, se você deixa guardado tampado, uma hora estoura. Muitas vezes a gente
vai guardando, guardando, guardando... e uma hora a gente explode e às vezes num lugar onde
as pessoas não estão preparadas para nos acolher em nossas preocupações, nosso sofrimento.
Mas aqui a gente sabe que podemos falar, pois todo mundo já está orientado que não pode dar
conselho e nem julgar. E o que a gente vai falar na terapia comunitária? As coisas do nosso dia a
dia, o que nos preocupa, que tira nosso sono, ou algo que a gente quer celebrar. A única coisa
que a gente orienta que não fale são segredos. Por quê? Porque o segredo a gente não garante
que vai sair daqui (risos).” Terapeuta: “Então, chegou a hora de falar. Quem gostaria de
compartilhar, nessa roda de conversa, alguma preocupação, algo que está tirando o seu sono,
alguma alegria? Nesse momento, pode levantar a mão, dizer seu nome e, em poucas palavras,
dizer qual seu sofrimento ou o que mais quiser compartilhar. Eu vou anotar pra gente não
esquecer, tudo bem? Quem gostaria de compartilhar algo?” Oito minutos de silêncio.
Íris: “Tem que ser só preocupação? Pode ser alegria?” Terapeuta: “claro, algo que você
queira compartilhar.” Íris: “Pois é, então, lá vou eu! Eu tenho só alegria, tristeza já passou.
Porque meu filho continua sarando, se recuperando, então é só alegria!”
Terapeuta começa a cantar: “[tristeza, por favor vai embora...]”. Genecília continua...
“[por favor vai embora, minha alma que chora...]”. “Ih, eu esqueci a letra”, diz a terapeuta. Todo
mundo sorri. Genecília diz: “A tristeza já passou, foi, então tá bom!”
Terapeuta: “Então Íris, o que você quer compartilhar hoje é sua alegria, por que seu
filho está cada fez melhor, é isso?” Íris balança a cabeça positivamente, sorrindo e diz: “É
alegria, isso”. Terapeuta: “Obrigada, Íris! Mais alguém quer compartilhar?”
Fabiana: “Me chamo Fabiana. A minha também é alegria, porque esse aqui também está
cada vez só melhorando, não está mais usando medicamento”. Terapeuta: “alegria!! Uhul!”
Todos se alegram. Fabiana: “Isso é a maior alegria, nesse momento. Essa daí a gente sempre
tem que carregar dentro do coração”. Terapeuta: “Bom demais!”
Fernanda levanta a mão e diz: “Hoje eu também estou feliz, porque já tem um ano que
estou tentando uma vaga pra ela aqui, ela tem a bexiga reduzida”. Juliana (sua filha) deita para
trás, com vergonha. Fernanda continua: “A bexiga dela é de um bebê de nove meses. Fiquei um
ano tentando. Na quinta-feira passada, eu vim trazer minha cunhada, ela faz tratamento aqui e
consegui marcar uma consulta pra ela hoje e estou muito feliz”.
Terapeuta: “Que legal! Mais alguém quer compartilhar alguma preocupação, alegria,
algo que está tirando o sono?” Alguns minutos de silêncio.
Carla: “Eu sou a Carla. Também estou muito feliz porque o Felipe também vem só
progredindo, melhorando bastante. Só que eu tenho uma preocupação. Na escola, ele está
bagunçando demais, eu nunca tinha reclamação. Mas depois da enfermidade que ele teve, ele
vem ficando mais teimoso, e isso está me preocupando. Eu não sei se isso foi por causa da
enfermidade ele ficou ‘manhando’ demais. Ficou pouco tempo em casa e agora ele está assim,
meio rebeldinho na escola e tal. Isso está me preocupando muito”.
Terapeuta: “Então Carla, o que te preocupa é o fato de o Felipe ter ficado muito
teimoso, rebelde na escola?”
Carla: “Dei muita corda pra ele, meu esposo fala que eu dei corda pra ele, porque estava
doente. Mãe é assim, então eu mimei demais, minha preocupação é que eu mimei demais. Mas
ele vai melhorar com certeza”.
Terapeuta: “Então sua preocupação é se você está agindo bem com ele? É isso?”
Carla: “Isso. É porque quando ele ficou doente, eu tinha um cuidado muito grande com
ele. A pressão dele era para medir duas a três vezes, eu media cinco vezes a seis vezes. Ele
estava na escola, a preocupação foi muita, eu acho que sobrecarregou demais”.
Terapeuta: “Obrigada, então, Carla. Mais alguém? (cinco minutos de silêncio) Bom, a
gente tem quatro pessoas que falaram, três que querem celebrar a alegria. Então nós vamos fazer
uma votação. Mas antes eu queria saber das pessoas que não falaram, qual das situações faladas
aqui hoje tocou mais você e por quê.”
Sônia: “Dela ali (Carla), dela preocupar-se com o filho, chegando à adolescência, é
assim mesmo. Eu também tenho um filho chegando à adolescência. Teimosos, acham que são
donos da razão e me preocupa também.”
Luzia: “Eu também o dela, porque a gente muitas vezes nem pode falar. Ele acha que já
é dono do próprio nariz. Já demos muita ‘barda’ pra eles e quando você quer cortar o mal pela
raiz, já não consegue mais. Esse já está com quatorze anos (aponta para o filho), vai fazer no
mês que vem, e a gente já está aqui há um mês.”
João: “O dela (aponta para Íris), porque ele vem melhorando progressivamente, e isso é
muito importante.”
Terapeuta: “É bom comemorar, né?”
João: “É muito bom!” (risos).
Terapeuta: “Então, nós vamos votar. Como são três histórias semelhantes (de alegria) à
da Carla, vamos votar nessas duas opções”. Todos votam. “Então, hoje a alegria ganhou (risos).
Eu agradeço muito a Carla por ter trazido a sua situação. Vou pedir pra Íris pra Fabiana e pra
Fernanda falarem um pouquinho das suas histórias, porque essa alegria tão grande. Pode ser?”
Fernanda: “Ela passou por uma cirurgia do coração, tem cinco anos que ela fez essa
cirurgia. Depois dessa cirurgia, começou aparecer esse problema de bexiga. Eu sofri bastante
com ela, porque ela não conseguia fazer xixi, doía. Venho tentando consulta. Agora, daqui pra
frente, depois dessa consulta, quero ver o que vai acontecer”.
Terapeuta: “Legal! Íris, fala um pouquinho, por que tanta alegria?
Íris: “A alegria primeiro pela adaptação do Jorge. A alimentação sem sal foi uma
batalha enorme, mas venci. E a outra alegria é que nessa época nós estávamos internados, e hoje
nós estamos aqui só consultando, e isso pra mim é o suficiente”.
Terapeuta: “Legal! Fabiana, e você, por que tanta alegria?”
Fabiana: “A minha alegria é porque o Gustavo também, a alimentação dele era sem sal,
eu tive que sair do serviço pra cuidar dele... Saí, cuidei, e a minha maior alegria é dele poder
estar aqui! Você vê: ele, com três anos de tratamento, um ano sem medicação. Tirou toda
medicação dele, voltou a alimentação normal, que ele não podia. Agora, se alimenta
normalmente. Isso é a maior alegria da gente. Você vê: eu vim do interior. É sofrido sair duas
horas da manhã pra estar aqui. Eu cheguei a vir
duas vezes essa semana pra trazer ele, pra
gente ter um resultado desses é uma alegria muito grande!. Pra gente não tem como!”A
terapeuta celebra: “Gente, vamos bater palmas!” Todos batem
palmas e
Fabiana fica
emocionada. “Muito bom, obrigada meninas! Então, agora, eu pergunto a todos vocês que as
ouviram um pouquinho, o restante do grupo: qual é a sua alegria hoje? E por quê?”
Carla: “A minha alegria hoje é que, graças a Deus, estou viva. Hoje posso criar meus
filhos e ele, principalmente, porque ele sofreu bastante com essa enfermidade. A maior alegria
nossa hoje é por ele estar bem, estar cada vez melhor. Então já é uma alegria. Só de levantar e
respirar já uma dádiva de Deus, eu acho”.
João: “A minha alegria hoje é ver esse guri lindo aqui (aponta para Jorge e coloca o
irmão menor de Jorge no colo), e compartilhar com vocês esse carinho, que cada um tem pelos
seus entes queridos. Carinho da mãe e dos filhos. Esse valor precisa cada vez mais ser
repassado, porque está se perdendo. Quando a gente pensa que as coisas mais simples estão
sendo esquecidas e um lutando pela saúde do outro, é muito importante”. A mãe de João
começa a chorar. Todos se emocionam e alguns tentam conter as lágrimas. Fabiana também
chora e seu filho a abraça.
Genecília canta: [encosta sua cabeçinha no meu ombro e chora. E conta logo suas
mágoa todas para mim. Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora...por gosta de
mim...]
A terapeuta pergunta para a mãe do João: “Qual sua alegria hoje?”
Fabiana: “Desde que ele nasceu, tem sido uma alegria pra mim, ele tem melhorado
bastante”.
Terapeuta: “Sua alegria é ter ele com você hoje?”
Fabiana: “É. Tenho mais três filhos, só que eu nunca tive problema nenhum com os
outros. Ele nasceu com um problema gravíssimo e hoje ver ele assim está bem pra mim”.
Terapeuta: “Lindo, né? Muito bom! Uma música bem alegre aí, então!”.
Genecília: “Vamos ver...[viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e
cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz... Ah, meu Deus, eu sei! Mas isso não impede que eu
repita: é bonita, é bonita e é bonita...]”
Terapeuta: “Alguém mais gostaria de falar, qual é sua alegria hoje e por quê?”
Sônia: “A minha alegria hoje é ver meus filhos bem. Tenho a Rafaela de dez anos e meu
filho de doze. Também fiquei um ano e pouco tomando remédio para depressão e graças a Deus
não tomo mais. Todos batem palmas. Sônia se emociona.
Terapeuta: “Quem mais quer falar, qual sua alegria hoje e por quê?”
Fabiana fala para seu filho: “Você quer falar?” Ele balança a cabeça sinalizando
negativamente, olhando para baixo, envergonhado. Todos sorriem.
Íris: “Quer falar, Jorge?”
João: “Jorge, fala!”. Todos sorriem porque ele é o mais tímido. Jorge sinaliza que não
com a cabeça para baixo.
Carla, sorrindo, diz: “Jorge, fala!” É como se fosse difícil para ele.
Terapeuta: “Não é obrigado a falar, só fala se quiser, tá? Mais alguém quer falar sua
alegria de hoje e por quê?” Segue um minuto de silêncio. “Então tá bom. Vamos levantar um
pouquinho? Daqui a pouco a doutora começa a chamar!” A terapeuta coloca a criança menor
num banquinho, no centro da roda. A criança fica tranquila, observando. “Vamos dar as mãos.
Jorge, agora você vai ter que dar a mão, tá? Você consegue dar a mão aí? Nossa, a sala ficou
pequena hoje! Levanta um pouquinho, Jorge. Isso!”. Jorge se levanta e todos comemoram
sorrindo!
Terapeuta: “Olha só: hoje eu quero agradecer muito a Fabiana, a Fernanda, a Íris e a
Carla, por terem trazido suas histórias, e por meio das histórias vocês terem permitido que a
gente refletisse um pouco sobre nossas conquistas, alegrias... Nessa vida de batalha de saúde,
que não é fácil, mas que a gente consegue. Vocês conseguiram superar todas as adversidades. E
quem não superou, já está no caminho da superação. Agradeço muito a vocês e gostaria de
perguntar para o grupo: o que vocês estão levando dessa roda hoje? Eu estou levando daqui hoje
a mensagem de superação.”
Luzia: “Experiência, muito mais experiência. De um problema do outro que todo mundo
aprende. É experiência, no meu caso”.
Fabiana: “Eu estou levando muita alegria, de muitas crianças que só estão alcançando o
que querem. A vitória é o melhor. Lutando, sofrendo, a gente chega lá”.
Fernanda: “Eu estou levando a experiência da vitória!”.
Sônia: “Experiência!”.
Grasiele: “Dedicação!”.
Genecília: “Alegria também!” (sorri).
Laura: “O amor” (risos).
Terapeuta Rosa: “O que eu estou levando daqui hoje?”
Íris: “Força. A gente pensa que os nossos problemas são grandes, mas tem gente que
tem maiores”.
Terapeuta Rosa: “Tem uma música assim: [Tô balançando mas não vou cair, mas não
vou cair, mas não vou cair... Tô balançado na terapia...] E por que eu não caio?”
Fabiana: “Fé!”
Terapeuta: “Ah, estou segurando no outro...”
Carla: “Deus maior do nosso lado, nós não vamos cair nunca!”
Carla: “Eu estou levando esperança!”
Íris: “Quem tem fé, nunca cai!”
Carla: “Verdade!”
Terapeuta Rosa: “O que eu estou levando daqui hoje?”
Fernanda: “Alegria. Porque cada dia a gente vai tentando e vai conseguido. Cada dia
fica a gente fica mais feliz”
Carla: Eu estou levando esperança!” Felipe vai melhorar!” Diz isso olhando para ele,
que retribui sorrindo.
Terapeuta: “O que mais eu estou levando?”
Alguém diz: “Alegria!”
Terapeuta: “Rafaela, o que você está levando daqui hoje?”
Rafaela: “Alegria.”
Terapeuta: “Juliana, o que você está levando daqui hoje? Ah... ela não fala, só sorri...Tá
bom!”
Juliana: “Estou com vergonha.”
Todos sorriem.
A terapeuta Rosa se dirige à criança Felipe e pergunta: “O que você está levando daqui
hoje?”
Felipe, bem atento na roda, responde: “Alegria.”
Terapeuta: “E você, Jorge?” Ele responde: “Alegria”.
Terapeuta: “Gustavo, o que você esta levando daqui hoje?” A criança responde:
“Alegria”. Todos sorriem.
Terapeuta: “Que bom, gente! Parabéns para todo mundo!” Todos aplaudem, sorrindo.
“Só para finalizar, alguém propõe alguma música bem alegre pra gente dançar?”
Genecília: “Está todo mundo tímido”.
João: “Ninguém quer falar, né”?
Genecília: “Tem uma de alegria, mas acho que ninguém conhece. É um samba”.
Terapeuta: “Será?”
Genecília canta: “[...fez um zig-zag fascinante, num maior show da terra. Será? Que eu
serei o dono desta festa? No meio de uma gente tão bonita e tão modesta.. Eu fui descendo a
serra, cheia de euforia para desfilar... Diga, espelho meu, se há na avenida alguém mais feliz que
eu...]. Todos sorriem.
Terapeuta: “Legal! Então pessoal, a terapia comunitária é isso! Quem gostou conta pros
outros, e a gente está sempre aqui. Estamos querendo fazer pelo menos algumas vezes aqui no
ambulatório. Aqui no hospital fazemos toda quarta-feira das 19 às 20 horas. Quem quiser vir,
mesmo de fora, será bem-vindo. Obrigada, viu!”
Várias pessoas respondem: “Obrigada você!”
5.3 Descrição da terceira roda de TCI: “Compartilhar a angústia por se sentir o
esteio da família e estar adoecida”
No dia 06 de dezembro de 2012 foi realizada a terceira roda de TCI no Ambulatório de
Nefrologia Pediátrica. Teve início às 8 horas. Além da terapeuta e das alunas, participaram de
todas as etapas da roda uma mãe (Márcia) e uma criança (Larissa) paciente do ambulatório. A
terapeuta inicia o acolhimento solicitando que todos se apresentem, dizendo o seu nome, a
cidade natal e uma fruta preferida. Todos se apresentam e se divertem ao falar de suas frutas
preferidas.
Como nas outras rodas, a terapeuta Rosa apresenta a terapia comunitária aos
participantes e suas regras. Em seguida, solicita aos participantes repetir as regras, de modo que
todos possam fixá-las.
Como dinâmicas de aquecimento, a terapeuta Rosa propôs a música “Casa do Zé” e,
depois, “Faça assim”, do mesmo modo que na roda de TCI anterior. As pessoas participantes
logo se mostram soltas e sorriem. Terapeuta Rosa: “Deu para esquentar um pouquinho, foi?” A
terapeuta Rosa explica brevemente a importância de se falar, exemplificando com os ditados
populares e, em seguida, abre a palavra aos participantes: “Então, chegou a hora da gente falar.
E eu pergunto para todo mundo: quem gostaria de compartilhar uma preocupação, algum
sofrimento, ou alguma alegria?”
Grasiele: “Eu quero compartilhar uma alegria”.
Terapeuta Rosa: “Como que é seu nome?”
Grasiele: “Grasiele.”
Terapeuta Rosa: “Grasi, diga.”
Grasiele: “Eu estou feliz porque meus pais estão vindo me visitar esta semana. E eu
estou com muitas saudades deles. Por isso estou feliz.”
Terapeuta Rosa: “Obrigada por compartilhar, Grasi. Mais alguém
gostaria de
compartilhar?”
Márcia: “Bom, eu gostaria de compartilhar sim. É um sofrimento. É que há três anos
que eu venho de Sorriso pra cá, sempre por motivo de doença. E hoje eu estou aqui novamente.
Então, isso traz muito desgaste, isso me fez eu também ficar doente. Amanhã eu tenho uma
consulta e eu vou mostrar uma biópsia de medula óssea e estou muito preocupada.”
Terapeuta Rosa: “Você que fez o exame?”
Márcia acena positivamente com a cabeça e diz: “Foi assim, acho que foi consequência
de, de muita doença na família. E eu sempre fui o esteio. E este esteio agora caiu, né? Então,
está sendo difícil para eu me levantar, me colocar de pé novamente. Porque foram muitas coisas
em pouco tempo para mim. E está assim, isso está me deixando... Eu... hoje eu estou bem. Hoje
eu posso dizer que estou bem, mas eu já tive muito, muito, muito ruim. Tento me manter forte.
Tenho um marido alcoólatra, uma filha que faz faculdade, tem ela (aponta a criança) que tem
este problema. Então, assim, mesmo com o meu problema, eu tenho que ser forte.”
Terapeuta Rosa: e “Qual é o sentimento que vem quando você fala tudo isso? Como
você se sente?”
Márcia: “Assim, eu me sinto angustiada, uma angústia muito grande. Tanto que eu tomo
medicamento para tirar a ansiedade. Porque eu fico me perguntando a mim mesmo o porquê de
tudo isso. Então, isso me deixa muito angustiada.”
Terapeuta Rosa: “Márcia, veja s se eu entendi. Você se sente angustiada por se sentir o
esteio da família e por agora você estar vivendo a sua doença? É isso?”
Márcia: “Exatamente.”
(silêncio)
Terapeuta Rosa: “Obrigada, Márcia. Mais alguém gostaria de compartilhar
uma
preocupação, uma alegria? (...) Gostaria de falar alguma coisa? (...) Hoje não? Então tá certo.
Bem, na terapia comunitária a gente não consegue discutir todos os problemas que são
colocados. Então, normalmente, a gente faz uma votação”.
É feita a votação e a situação da Márcia é a escolhida.
Terapeuta Rosa: “Márcia, então conta um pouquinho mais pra gente sobre essa sua
angústia.
Márcia: “Então, tudo começou com este diagnóstico. Primeiro começou com meu pai.
Meu pai tem 83 anos. E ele entrou em coma e ficou 45 dias internado no hospital. Logo em
seguida, desses 45 dias, fazia uns 30 dias que eu estava internada, apareceu a doença, a
síndrome (refere-se à síndrome nefrótica da criança). A gente só tem que agradecer a Deus
porque os médicos mandaram ele ir para casa pra gente cuidar porque estava em estado
terminal. Mas hoje ele esta lá, forte! Isso é um motivo de alegria. Aí ela também é um motivo
de alegria, porque ela hoje não toma medicamento. Hoje ela está bem. Mas o ano passado,
acompanhei a outra mais velha, que faz faculdade. Ela ficou vinte dias internada entre Sinop,
Sorriso e Cuiabá. Os médicos até hoje não sabem o que aconteceu com ela. A princípio, foi
desmaio, depois o rim parou e logo em seguida deu derrame em todo o corpo. E nesse período
de tempo eu, sozinha, porque meu marido é alcoólatra. Eu sozinha pra fazer tudo. Eu tenho
anemia crônica e esqueci de mim, esqueci por completo. O que me dessem pra comer eu comia.
Se não dessem, eu não comia. Até que o ano passado, quando ela saiu do hospital voltando pra
casa, logo em seguida, eu achei agora estava todo mundo bem, me aparece uma hanseníase.”
Terapeuta Rosa: ”Você está com hanseníase?”
Márcia: “É, já passou. Já tratou. Pela segunda vez me aparece uma hanseníase e iniciei o
tratamento de hanseníase. Nisso já começou a anemia se agravar porque eu já estava com o
quadro anêmico e tomando o ácido fólico e tal, e começou a se agravar. Foi então que os
médicos de Sorriso me pediram para eu passar numa hematologista. Aí foi quando começou a
minha rotina. A primeira biópsia da medula óssea, veio a mielodisplasia. E aí meu mundo caiu.
E agora? Eu tenho um pai pra cuidar, um marido alcoólatra, duas filhas com problema e tem a
faculdade dela que a gente mantém ela lá. E eu fui ficando cada vez pior, só que nisso tudo, eu
sempre fui muito religiosa e isso fez com que eu descobrisse um Deus maior ainda do que eu já
tinha. Através da cura do meu pai, da cura da minha filha, até mesmo a dela (aponta a criança),
eu pude descobrir este Deus que é muito maior. Eu fiz a segunda biópsia, daí deu negativo.
Agora fiz a terceira, que vou consultar amanhã. Na terceira tem alguma anormalidade, mas
assim, pelo envolvimento da gente e o que ele pesquisou é alguma coisa mais simples, nada
muito grave. Então, isso fez com que eu desmoronasse. Estou em pé porque eu vou na
psicóloga, trato, tomo remédio antidepressivo, tomo remédio pra ansiedade. Então tudo isso fez
com que eu, até hoje, eu me mantenha em pé, com a ajuda de Deus. Deus em primeiro lugar,
que me fez estar aqui hoje, do jeito que eu estou. Porque há quatro e cinco meses
eu não
parava em pé...”
Terapeuta Rosa: “Quando não houver saída, quando não houver mais solução, ainda
haverá saída... enquanto houver sol, enquanto houver sol... Ainda haverá... Poxa... eu sou a
única que estou lembrando essa música! (Risos). Muito obrigada, Márcia, por você ter
compartilhado sua história com a gente. E agora, vou perguntar então pra todo mundo, ou seja,
para a Laura, para a Grasiele e para mim mesma: quem já viveu uma situação parecida com a da
Márcia, de sentir assim o mundo desabar? Como foi? E o que fez pra superar? Agora, Márcia,
eu queria que você ouvisse, tá bom? Alguém já viveu uma situação parecida? Não precisa ser
igual, por motivo de doença, pode ser outra coisa, por morte...”
Houve um momento de silêncio dos participantes e um barulho de vozes externas à sala.
Terapeuta Rosa: “Eu vivi uma situação parecida, que eu achei que o mundo ia acabar
mesmo, sabe? Eu perdi uma filha, ela tinha quatro anos. Foi um atropelamento dentro do
condomínio de casa, do meu prédio. E aí eu senti, achei que eu não ia dar conta não. A gente
não imagina. É o mesmo que dizer, assim, uma dor que não tem nome. Li um livro na época que
se chamava ‘A dor que não tem nome’, que era a história de uma mãe que tinha perdido um
filho. Porque, ela diz no livro, quando você perde uma mãe ou um pai, você fica órfão. Quando
você perde o marido, você fica viúva. Quando você perde um filho não tem nome. Não existe
nome pra isso. E, realmente, é uma dor imensa, não tem nome, eu achei que o mundo fosse
acabar mesmo. Isso foi em 1999. Antes disso, meses atrás, tinha vivido a situação de uma amiga
que tinha perdido um filho e eu conversava com meu marido: como ela consegue viver. Achei
que jamais conseguiria... Mas aí, a mesma coisa aconteceu com a gente e eu achei realmente que
não sobreviveria. Mas eu descobri que eu tinha forças. Mas eu procurei ajuda mesmo. Hoje
aprendi que quando eu sofro tenho que buscar ajuda e, às vezes, tem que ser ajuda profissional,
mas também pode ser ajuda de outras pessoas. Eu consegui ajuda logo, fiz terapia. Fiz umas
quatro sessões de terapia, que me ajudaram a superar. E o que me ajudou muito foi conversar
com as pessoas e escrever bastante. Eu passei muito tempo escrevendo sobre a experiência,
conversando com outras pessoas e perguntando a mim mesma o sentido da vida, o sentido da
morte... Até que um dia ouvi essa música e sempre que eu faço terapia cujo tema é morte eu
canto essa música, porque me marcou muito. Vou cantar a música da morte, que fala assim:’Se
a morte faz parte da vida, e se vale a pena viver, então morrer vale a pena, se a gente teve o
tempo para crescer. Crescer para viver de fato, o ato de amar e sofrer. Se a gente teve esse
tempo, então vale a pena morrer’. Então, assim, isso foi uma coisa que eu aprendi em relação à
morte. Quer dizer, faz parte da vida e todo mundo passa por isso uma vez na vida. E a outra
coisa... ai, me fugiu agora...Ah, sim, que eu dou conta, que todas as coisas são possíveis de se
superar quando existe amor. Sabe, eu não acreditava mais em Deus. Até hoje, assim, meu Deus
é um Deus diferente do que era antes. Eu aprendi o sentido de Deus a partir de João (do
Evangelho). João diz que Deus é amor. Então, eu fiquei pensando nisso: não é que Deus é feito
de amor. Não, Deus é o próprio amor! Se eu tenho amor, se me amam, ou se eu amo, Deus está
presente. Tenho buscado isso para superar as dificuldades, a partir disso, com a expressão do
amor. Mais ou menos, né? Isso que eu poderia compartilhar. Então, assim, eu poderia
desmoronar, mas eu consegui, eu superei. Mais alguém que já viveu uma situação que se sentiu
desmoronar?
Seguem-se alguns instantes de silêncio.
Terapeuta Rosa: “Alguma música que lembre isso? (...) Então, vamos levantar? Vamos
nos dar as mãos e ficar bem pertinho.” Faz-se a roda, dessa vez bem pequena, com cinco
pessoas.
A terapeuta Rosa continua: “Bom, hoje quero agradecer a Márcia e a Larissa por terem
vindo, por terem falado sua experiência, sua vivência, por terem se aberto com a gente... E dizer
que eu fiquei muito emocionada mesmo, muito tocada pela sua força, pois não é fácil viver
tantas angústias e, ainda assim, ser firme e forte e ainda ser o esteio da família.”
A terapeuta Rosa interrompe um pouco a fala e observa como as pessoas se deram as
mãos. E continua: “Deixa eu só ver uma coisa aqui. Vamos ver como a gente deu as mãos...
Hum... Olha só, vamos fazer assim: uma mão a gente dá e a outra a gente recebe, entendeu?
Bom, então tá, porque tem que ser assim na vida da gente: a gente tem que dar e tem que
receber. Tem gente que só quer receber, né? E outros só querem dar. Então, vamos dar e
receber. Você (sinaliza para Márcia) já estava assim, olha... (demonstra com as duas mãos em
posição de dar) Tem uma música na terapia comunitária que é assim... a gente faz um balezinho,
pra lá e pra cá.... ‘Estou balançando mas não vou cair, mas não vou cair, mas não vou cair...
estou balançando mas não vou cair, mas não vou cair, mas não vou cair... Tô balançando, na
terapia, tô balançando mas não vou cair. Tô balançando, na terapia, tô balançando mas não vou
cair...’ E por que que eu não vou cair, Larissa? Por que que a gente não cai? Bom, eu queria
perguntar para as pessoas que participaram dessa terapia: o que eu estou levando desta roda de
terapia comunitária hoje? Pode ser uma palavra só.”
As palavras mencionadas foram: confiança, felicidade e força.
Terapeuta Rosa: “Para finalizar, então, vamos cantar e brincar com a Olaria do Povo?”
Todas as pessoas em círculo, chama-se uma pessoa de cada vez para o centro e se
cantou a música: ‘Fulana vai entrar, na olaria do povo (bis). Desce como um vaso velho e
quebrado e sobre como um vaso novo (bis)’. Na sequência, foram para o centro da roda
Grasiele, Laura, Márcia, Larissa e Rosa. Todas brincaram e demonstraram bastante alegria.
A terapeuta Rosa conclui: “Bom, Larissa e Márcia, então, a terapia comunitária é isso!
Se vocês gostaram, contem pros outros, a gente faz terapia aqui no hospital toda quarta-feira,
menos feriado, das sete às oito da noite, na frente da pediatria, estando
aberta para a
comunidade. Se quiserem participar, se um dia estiverem por aqui, é só chegar.
Todos se despedem com abraços.
5.4 Descrição da quarta roda de TCI: “Celebrar a alegria pela saúde dos filhos”
No dia 07 de fevereiro de 2013 foi realizada a quarta roda de TCI no Ambulatório de
Nefrologia Pediátrica. Teve início às 7 horas e 30 minutos. Além da terapeuta e das alunas,
participaram de todas as etapas da roda quatro pessoas, sendo duas mães (Eduarda e Cláudia),
duas crianças (Mateus e Helena) pacientes do ambulatório e uma funcionária do HU (Joana).
Um pai (Murilo) e seus dois filhos (Felipe e Daniel), sendo um deles paciente, participaram
apenas do início da roda, pois foram chamados para a consulta de acompanhamento.
Após as pessoas se acomodarem, nos apresentamos (eu e minha orientadora, a
professora e terapeuta comunitária Rosa) e, em seguida, demos orientações sobre a atividade da
terapia comunitária e sobre a gravação e seus objetivos. Todos consentiram em participar sem
restrições. Nessa roda, eu, Grasiele, fiz o papel de coterapeuta.
Grasiele: “Pra gente começar a terapia, vou pedir para cada um se apresentar. Falar o
nome de vocês e onde nasceram, certo? Vamos começar?”
Todos se apresentam e já se percebe certa descontração entre os participantes.
Grasiele continua: “Então, pra gente aquecer um pouco o corpo - porque pra gente falar,
a gente precisa aquecer o corpo - a gente vai começar com uma dinâmica. Vou pedir pra vocês
ficarem em pé.
Murilo (pai de uma criança) diz: “Movimentar o corpo.”
Grasiele: “Isso, a gente vai aquecer um pouquinho.”
Murilo: “Tá certo, vou deixar a folha.”
Terapeuta Rosa: “O senhor quer colocar a folha em cima da mesa?”
Grasiele, então, propõe uma dinâmica de aquecimento (a brincadeira do “faça assim”), e
todos participam.
Cláudia comenta: “Bom que dá uma movimentada.”
Grasiele: “É, todo mundo aquecido agora.”
Eduarda: “É bom que a gente perde um pouco a vergonha.”
Grasiele: “Agora quem vai continuar é a Rosa, tá? Ela vai dar seguimento à roda.”
Terapeuta Rosa: “Todo mundo esquentou?”
Felipe: “Sim.”
Terapeuta Rosa: “Soltou a língua? (risos). Bom, então, como a Grasiele falou, a terapia
comunitária é um espaço de troca de experiências do nosso dia a dia. É um espaço pra gente
falar daquilo que nos tira o sono, nossas preocupações, angústias, sofrimentos e também pra
gente celebrar! É um espaço pra gente comemorar, celebrar nossas conquistas, nossas alegrias.
Na terapia comunitária, a gente tem quatro regras que são importantes para que nossa conversa
ande bem. A primeira regra é o silêncio quando a outra pessoa estiver falando. Então, quando a
outra pessoa estiver falando, a gente fica em silêncio para poder aprender com a experiência do
outro. A segunda regra é falar sempre usando eu, então evitar falar
Falar sempre eu, como, por exemplo,
a gente, nós, as pessoas.
eu penso assim, aconteceu assim comigo. A terceira
regra é um conjunto de regras: não dar conselho, não julgar, não fazer sermão ou discurso.
Conselho se fosse bom a gente vendia, não é? E julgar...
Murilo: “Quem somos nós pra julgarmos o outro, né?”
Rosa: “Exatamente! E a quarta regra é que nós podemos cantar. Se durante a conversa
alguém falar algo que lembre uma música, você interrompe e diz: lembrei-me de uma música
que tem a ver com isso. Você pode começar a cantar e a gente acompanha. Além de música,
pode ser uma piada que tenha a ver com assunto, um ditado popular ou uma poesia...
Em seguida, a terapeuta Rosa pede que todos repitam as regras, sendo que as crianças
também participam.
A criança Felipe diz; “O silêncio!”
Eduarda: “O eu.”
Rosa: “A outra? Não julgar, não dar conselho e não dar sermão. E a quarta regra?
Podemos...?”
A criança Daniel: “Cantar uma música.”
Rosa: “Isso mesmo, muito bem! Bom, e por que é importante falar? Tem um ditado
popular que diz assim: quando a boca cala o corpo fala, quando a boca fala o corpo sara. Então,
muitas vezes, a gente não fala com a boca e o nosso corpo fala de outro jeito, com uma dor de
cabeça, uma gastrite, uma dor de estômago, uma insônia... Então, é importante falar com a boca
para o corpo não precisar falar. Tem outro ditado que diz assim: quando guarda, azeda, quando
azeda, estoura, e quando estoura, fede. Se guardamos muito, podemos estourar e, às vezes,
estouramos com as pessoas erradas, no lugar errado... e aí o negócio fede! (risos) Então, aqui a
gente pode falar, porque a gente sabe que ninguém vai julgar, ninguém vai dar conselho, está
todo mundo preparado para nos ouvir. E do que nós vamos falar? Nós vamos falar das coisas
do dia a dia, preocupações, família, saúde, o que quiser. A única coisa que a gente não fala aqui
é segredo, pois segredo a gente não garante que não vai sair daqui. E o segredo faz parte da
nossa riqueza pessoal, não é? Não tragam segredo, tá bom? Então, pra gente começar, quem
gostaria de compartilhar alguma coisa nessa roda aqui hoje, levante a mão, fale o seu nome e,
em poucas palavras, pode dizer qual a sua preocupação, o que você gostaria de compartilhar.
Vou anotar umas coisas pra eu não me esquecer, certo?
Eduarda: “Vou começar, porque eu gosto muito de falar! Já que eu estou aqui em
Cuiabá, vou falar o que eu vim fazer aqui e quais são as minhas preocupações de agora. Nós
morávamos em Cáceres, aí nos mudamos para Araputanga e, em Araputanga, tivemos
problemas com esse rapazinho (mostra a criança). Ele tem... hum... dez anos. Ou vai fazer dez?”
Mateus: “Tem dez já!”
Eduarda: “Tem dez, vai fazer onze! Até a mãe está errando, então onze. E aí, um belo
dia, ele foi fazer xixi, diz que ouviu no vaso um barulhinho. E aí começou a sangrar, direto
começava a sangrar quando ia fazer xixi... e sangrava... Ele tinha entrado bem recente na
escolinha de futebol e começou a reclamar que doía aqui (mostra o dorso) dos dois lados. Aí eu
dizia:’Às vezes você caiu e bateu no chão, começou no futebol agora, às vezes foi isso. Não é
isso?’ Sei que eu não liguei, achei que tinha sido uma queda mesmo. Uma batida e parou de
sangrar e não preocupei mais. Ah, deve ser porque caiu, aí foi passando e passando... Um dia
ele chamou de novo que estava doendo, aí eu corri no PSF que tinha no bairro, pedi exame de
urina. Antes disso, uns dois anos atrás, ele teve uns problemas, fez uns exames e constou que ele
tinha problema na bexiga. Esse problema já tinha acontecido
uns dois anos atrás e eu nem
liguei uma coisa a outra. Achei que foi aquela vez, pediu exame de urina, exame de sangue e
deu que estava com infecção muito forte na urina. Aí fez uns exames e a ultrassonografia
acusou que ele estava com probleminha no canal da urina. Achei que era só ali. Aí tomou
antibióticos e sarou. Mês passado, começou de novo, aí lembrei e falei: vou pedir os exames.
Aí a médica fez de urina simples, urocultura, fez exame de sangue e nada, estava tudo normal.
Aí ela falou: - ‘mãe, vamos fazer uma ultrassonografia dos rins’. E fizemos a ultrassonografia
dos rins e o médico me apavorou: ‘- nossa, quanta pedra no rim dessa criança! Está cheia de
pedras, e as pedras são grandes, 52 centímetros’, ele falou lá.”
Terapeuta Rosa: “Milímetros...”
Eduarda: “Isso, a maior era esse tamanho. Aí eu disse: ‘nossa, tudo isso?’ Os dois rins
estão tomados de pedra. O que vai fazer, né? Eu fiquei apavorada. Aí o médico encaminhou
para uma nefropediatra. Foi quando ela me enviou para a doutora. Aí, a gente veio para a
primeira consulta, eu e meu esposo. Aí, viemos a segunda vez. E a terceira, estamos aqui
novamente. E quando foi dia cinco agora (que eu tô desde segunda feira em Cuiabá), quando
foi terça-feira, dia cinco, nós fizemos outra ultrassonografia, que foi a nossa maior alegria,
minha e dele, dele ainda mais! Ele fez assim: ‘Oba, mãe! Porque a medica falou assim: ‘você tá
sentindo alguma dor?’Aí ele: ‘não, não tô sentindo.’ Então, eu acho que tem uns seis meses que
ele não se queixa de dor. Aí ela: ‘E qual era o problema dele?’ Aí eu: ‘Ele tinha umas pedras
nos rins’ Aí ela: ‘Não, mãe, ele não tem nenhuma pedra, nenhum dos rins dele. Está perfeito, a
não ser que tenha uma areinha lá no fundo e não dá para ver. Aí ele: ‘Oba, que bom! Aí falei pra
ele: ‘Deve ser a dieta que nós estamos fazendo que melhorou’. Então, é essa a alegria nossa, que
era tristeza e agora é alegria. Espero que não dê nada nos outros exames de sangue!
Terapeuta Rosa: “Tá, então você quer celebrar sua alegria, pois parece que seu filho está
bem?”
Eduarda: “Aparentemente, né?”
Murilo: “Graças a Deus, hein?”
Terapeuta Rosa: “Aham, ok... Mais alguém quer compartilhar alguma preocupação.
Uma pessoa de fora abre a porta e pergunta: “Bom-dia! Quem é Daniel? A doutora está
chamando.”
Terapeuta Rosa: “Vai lá! Vai, depois volta, tá?”
Murilo: “Pega o exame lá. Eu vou lá também, eu trouxe um exame pra mostrar pra ela,
que às vezes... Mas nós voltaremos aqui!”
Terapeuta Rosa: “Tá bom! Vai lá, volta pra cá! Mais alguém gostaria de compartilhar
alguma preocupação?”
Cláudia: “Tá, só eu aqui, tem que ser eu”
Terapeuta Rosa: “Não, tem mais gente! (sorriso) Todo mundo pode falar.”
Grasiele: “Todo mundo pode falar.”
Terapeuta Rosa: “Seu nome?”
Cláudia: “Meu nome é Cláudia e eu moro em Sinop. E o caso dela... É que ela estudava
lá na creche e eu trabalhava. Ela sempre foi magrinha, mas sempre barrigudinha. Desde que
nasceu, e ela teve problema no parto... eu tive. Só que a doutora pediatra disse que não tinha
nada a ver. Ela demorou acho que oito horas depois que nasceu pra fazer xixi. Mas disse que
era normal, né? Não tinha nada. Então, aí, como ela era muito magrinha, falei pra minha mãe:
‘Ah, vou dar um remédio de verme. Fui na farmácia, comprei, dei, passou umas duas semanas
ela começou... Na minha cabeça, ela estava engordando. Mas minha mãe disse que era
inchando, e eu não vou teimar com minha mãe. Mas, na minha cabeça, ela estava engordando.
Aí, um dia, a professora me ligou que ela estava se queixando de dor, que ia fazer xixi e estava
doendo a barriga. Aí eu saí do serviço e fui buscar ela. Aí, eu vi que realmente ela estava
inchando mesmo, a barriga estava bem inchada. Aí eu levei no médico lá e ela ficou seis dias
internada e eles falaram que ela tinha pielonefrite. E eu nem media nada Aí ela teve pressão alta,
começou a sair sangue do nariz. Ela ficou seis dias internada e voltou pra casa, com dieta. O
doutor pediu dieta de alimentação, tudo sem sal, essas coisas todas. Aí eu comecei a fazer até
que, com quinze dias, voltou tudo de novo. Começou a sair um monte de furúnculos, furúnculo,
furúnculo... Por falar nisso, estou até com um no braço, aqui, que não estou nem aguentando.
Daí levei de novo no médico e eles falaram que podia ser estreptococos, acho que é esse o
nome mesmo, né? Que poderia ter afetado os rins dela. Mas como em Sinop não tinha
especialista no caso, tinha que ficar aguardando vaga. Aí fiquei aguardando, aguardando e
aquela dificuldade toda. A central (de vagas) sempre com atraso... pra ela fazer os exames dela.
E ela sempre de pressão alta. Daí vim por conta pra Cuiabá tentar o Pronto Socorro. Aí cheguei
na rodoviária, fui no Pronto Socorro e fiquei três dias com ela lá. Aí ela começou o tratamento
no Hospital Geral. Ela ficou ali até 2009 quando a médica de lá ficou doente, aí a gente passou
para cá e graças a Deus, sei lá se é um milagre... sei lá... foi uma bênção. Depois que ela veio
pra cá a pressão dela está sempre boa. E ela trata desde o mês de agosto de 2006”.
Terapeuta Rosa: “Então você também quer celebrar?”
Cláudia: “Lógico! Quem vem de 15 em 15 dias, quem ficou três meses dentro do
hospital e saía só pra respirar um pouco, hoje eu estou no céu!”
Eduarda: “É uma alegria. Também, porque ela sempre foi inchada. Ela nunca estava
magra e hoje ela está desse jeito. Até ela voltou a usar as roupinhas (risos).
Terapeuta Rosa: “Que legal, Cláudia! Então você também quer celebrar? Ok! Mais
alguém gostaria de compartilhar alguma preocupação...?
Joana: “Eu também vou celebrar.”
Terapeuta Rosa: Joana, vou pedir para que você seja mais breve, tá? É que o pessoal
está falando demais! (risos)
Joana: “Eu quero celebrar a minha volta à escola, depois de dez anos”
Terapeuta Rosa: “Qual é o seu nome mesmo? Então você quer celebrar o seu retorno às
aulas? É isso?”
Joana: “Joana. Isso!”
Terapeuta Rosa: “Ótimo! Então hoje é só alegria, né? (risos)”
Joana: “Graças a Deus!”
Terapeuta Rosa: “Mais alguém quer compartilhar alguma preocupação? Pode falar, viu,
Laura. Você também pode (silêncio por alguns instantes). Bom, então, geralmente, a gente faz
assim: na terapia, saem vários temas. A pessoa quer falar da preocupação de um filho... vários
problemas. Hoje, o tema foi comum que é a alegria. Então, vou perguntar para quem não falou:
qual é a sua alegria hoje? Qual a sua alegria de hoje ou o que faz você feliz? Acho melhor essa
pergunta: O que faz você feliz?”
Grasiele: “A minha alegria é poder estar aqui em Cuiabá estudando, continuando meus
estudos, é poder participar daqui, estar aqui, conhecer pessoas novas, poder vir aqui no
ambulatório, conhecer novas histórias, essa é a minha alegria!”
Terapeuta Rosa: “O que te faz feliz?”
Laura: “O que me faz feliz no momento? Assim, o que está me deixando mais feliz
agora, no momento, é saber que eu estou terminando mais uma etapa da minha vida, que eu
estou me formando para dar início a outras etapas. Eu me formo agora em maio, e isso me deixa
muito feliz, assim, de saber que tô concluindo mais uma etapa e dar início a outras.
Terapeuta Rosa: “Helena?”
Joana: “Sabe, de ver eu fico bem, essa alegria que vocês estão sentindo...”
Eduarda: “A maior preocupação da gente é o filho da gente. A gente tá sempre
preocupada junto com eles. E daí, tem mãe que ainda supera para poder levantar eles... Agora,
eu, sou o contrário. Não consigo passar essa força positiva pra ele...”
Terapeuta Rosa: Helena, o que te faz feliz?”
(instantes de silêncio)
Terapeuta Rosa: “Passear, namorar? Fale se quiser, tá? Não é obrigada. e então, a
pergunta é: o que faz você feliz? Mais alguém gostaria de falar?
Cláudia: “Eu.”
Terapeuta Rosa, pedindo licença para Cláudia: “Deixe-o falar. O que faz você feliz?
Eduarda, para a criança: “O que faz você feliz?”
Mateus: “Agora, o que me faz feliz é que a ultrassom não tem nada, está limpinha”.
Terapeuta Rosa, para a criança: “O que te faz feliz é a ultrassom estar limpinha? É isso?
Legal!”
Cláudia: “O que me faz feliz em primeiro lugar, então, é ter saúde e ter força para
aguentar meus três filhos, para poder criar eles. Porque meu pequenininho, também na gravidez,
eu tomei vacina contra rubéola e eu não sabia. O médico disse que ele ia nascer com deficiência.
Mas graças a Deus nasceu perfeito, deu nada. Isso pra mim é o que me faz feliz.”
Terapeuta Rosa: “Helena, quer falar o que te faz feliz? Não? Então vamos levantar.
Joana: “Quer descansar, né? (Risos)
Eduarda: “Vamos!”
Terapeuta Rosa : “Chega aqui, Laura, passo pra você (Grasiele).”
Grasiele: “Então, a gente vai dar as mãos, vamos todo mundo dar as mãos. Como vocês
deram as mãos? É sempre uma dando e uma recebendo, tá certo? Você tá só, só recebendo, é
uma pra cima e uma pra baixo, porque na vida a gente tem que dar e receber, não é? E aí a
gente vai cantar uma música assim: ‘ tô balançando mas não vou cair ...’. Por que que a gente
não cai?”
Cláudia: “Porque tem alguém do nosso lado nos apoiando.”
Grasiele: “Isso. E eu gostaria que todo mundo falasse o que vocês levaram da roda de
hoje.”
Eduarda: “Para mim, foi aprendizado, porque por mais que eu tenha 32 anos e sou mãe
de três filhos e casada quinze anos, eu nunca fiz o que a professora disse. Primeiro, as regrinhas,
eu nunca segui essas regrinhas, entendeu? Eu vou aprendendo a cada dia que passa e eu
amadureço, vou guardando para mim. E a razão do meu filho, você também me deu uma coisa,
viu, meu filho? O que eu mais aprendi dessa roda foram as quatro regrinhas.”
Cláudia: “E se eu falar igual ela? Isso é que veio na minha cabeça. E essa daqui
(apontando para a filha), principalmente, tá demais, precisando, né, filha? De regras...”
Grasiele: “Vocês conseguem falar em uma palavra só? O que vocês levam?”
Joana: “Vou levar a determinação dessas duas.”
Cláudia: “Vou levando o amor.”
Eduarda: “Levar o prazer de estar com vocês, a força.”
Mateus: “A felicidade de participar dessa roda.”
Terapeuta Rosa: “Que legal! Vou levar a lembrança de quando eu era adolescente, como
a Helena, eu era muito tímida, muito tímida.”
Cláudia: “Ah, se fosse assim quando está em casa!”
Terapeuta Rosa: “Ah é? (Risos)
Grasiele: “E então, pra gente encerrar, vamos cantar uma música? Alguém sugere uma
música?”
Cláudia: “Eu não. Eu sou péssima!”
Eduarda: “Eu também não sou boa de música.”
Terapeuta Rosa: “Uma música de felicidade.”
Grasiele: “Então vamos cantar a pipoca? Vocês conhecem a pipoca? Uma pipoca
estoura na panela...”
Terapeuta Rosa: “Aí vem o balezinho, tem o balé. Aí a gente canta, depois vem o balé.
(Risos).”
Grasiele: “Aí a gente vai de dupla, depois de trio, depois de quatro, até ir todo mundo.
Se a gente conseguir ir todo mundo... Se você ficar com dor e não precisa pular, tá?”
Foi feita a brincadeira, sendo que todos participaram e se divertiram, rindo muito.
Eduarda: “Foi ótimo!”
Grasiele: “Terapia comunitária é isso. Quem gostou, fala para os outros. Quem não
gostou, conversa com a gente. A gente está tentando manter aqui, todas as quintas-feiras. Aí, se
vocês vierem de novo, talvez a gente esteja aqui. Ah, eu vou entregar o termo de consentimento
pra vocês e depois eu pego no corredor.
6 DISCUSSÃO DO MATERIAL EMPÍRICO
6.1 PRINCIPAIS INQUIETAÇÕES/TEMAS RELATADOS PELAS PESSOAS
COM DRC SEUS FAMILIARES NA CONVIVÊNCIA COM A DRC
Um assunto recorrente nas rodas de TCI realizadas foi a sobrecarga da família no
cuidado. Ficou evidente a predominância do gênero feminino no cuidado, em geral, da
mãe. Isso reforça que, ainda, pelo padrão cultural atual, o cuidado de doentes, idosos e
crianças das famílias, comumente, se torna responsabilidade da mulher. Já as atividades
para prover as condições financeiras da família têm sido mais comumente tidas como
responsabilidade do homem.
[...] nós precisávamos de um financeiro para eu dar até um
conforto melhor para ele. Eu estava trabalhando numa empresa
metalúrgica. Então, eu fui trabalhar numa usina hidrelétrica
distante, eu querendo estar próximo da esposa para participar da
gravidez [...] mas como eu estava longe, e isso foi acontecendo,
até que eu desisti de ficar lá e vim embora (Marcelo, pai de um
paciente).
As práticas de cuidar se desenvolveram, inegavelmente, no contingente feminino
da população e se afirmaram como tal justificadas falsamente, porque mulheres seriam
dotadas de qualidades “naturais” para seu desempenho. Historicamente, o cuidado era
designado às mulheres, desenvolvido em nível doméstico: realizado por mães, servas,
escravas de leite, babás e governantas e ligado, em geral, ao aspecto materno, à nutrição
e à educação das crianças. Posteriormente se estendeu para o cuidado de doentes da
família e idosos (WALDOW, 2007). “No contexto brasileiro, desde os tempos da
colonização, são as mulheres que mais se deparam com as adversidades, o processo de
exclusão e as desigualdades” (BRAGA et al., 2013, p.84).
[...] eu tive que sair do serviço pra cuidar dele. Saí, cuidei e a
minha maior alegria é ele poder estar aqui, [...] você vê, eu vim
do interior, é sofrido, saí duas horas da manhã para estar aqui e
eu vinha duas vezes na semana para trazer ele (Fabiana, mãe de
um paciente).
Em momentos foi possível observar que a responsabilização pelo cuidado é tão
intensa que, em muitas situações, os cuidadores se sentem culpados pela ocorrência de
uma complicação na saúde da criança. E, frequentemente, essa responsabilização pelo
cuidado é reforçada, ainda mais, pelos profissionais de saúde em seu contato com as
pessoas cuidadoras, como se apresenta na narrativa a seguir:
Eu chegava aqui e a doutora olhava pra mim e falava: mãe, o
que você está fazendo? Entendeu? Eu falava nada [...] você não
entende direito no começo, você acha que ela está te culpando,
sabe? Em casa eu dava alguma coisa e falava para minha mãe
que ele estava inchando, e ela falava: o que você deu pra ele?
Tudo caía em cima de mim, tudo a culpada era eu [...] tinha dia
que eu desanimava [...] faço uma coisinha errada já percebo. Eu
faço aquele controle em casa com o xixi dele e se eu dou um
refrigerante no outro dia eu já vejo a diferença (Ana, mãe de um
paciente).
Essa narrativa nos remete à reflexão de como os profissionais de saúde, em sua
prática, podem gerar sofrimento para a pessoa cuidadora. Na busca pelas causas dos
problemas de saúde ou pelo insucesso do tratamento, é comum haver uma tendência a
se culpabilizar a pessoa cuidadora. Nesse contexto, pelo fato de a pessoa cuidadora ser,
em geral, a mãe, esse sentimento de culpabilização é intensificado. Isso ocorre,
especialmente, pelo modo como se realiza o processo de comunicação entre o
profissional e os usuários (pacientes e cuidadores) no cotidiano dos ambulatórios, por
exemplo. As consultas médicas tradicionais são limitantes para uma comunicação de
qualidade, para um diálogo efetivo. Diferentemente do diálogo possibilitado durante
uma roda de TCI, as consultas rápidas, a pouca ou não valorização do saber dos
usuários, a centralidade e valorização do saber técnico médico podem provocar a
ocorrência de intenso sofrimento dos cuidadores. Isso nos faz imaginar o quanto o
cuidado de crianças com DRC e suas famílias poderia ser aprimorado se nele fossem
incorporados os elementos e princípios presentes na TCI.
Na infância, as condições crônicas estabelecem mudanças que envolvem o
sistema familiar como um todo. “A família sente-se responsável em amenizar os efeitos
da doença, de modo a promover um desenvolvimento e crescimento o mais satisfatório
possível” (NÓBREGA et al., 2010, p.432). Isso transforma o cuidar em uma tarefa
exaustiva, estressante e causadora de sobrecarga.
A mãe, ao assumir o papel de cuidadora, atravessa dificuldades que vão além das
novas demandas de cuidados e perpassam pelo aspecto emocional. Ela vivencia a
ansiedade diante do diagnóstico do filho, passa por períodos de medo e incertezas, além
de se adequar à nova realidade imposta pela condição da criança (ALMEIDA et al.,
2006).
Fiz tudo que era para ser feito [...] eu me emociono um pouco
[..] todo medicamento que passam pra ele (choro) [...] quando
chega o dia da consulta dele, eu não vou no meu serviço
(Marcelo, pai de um paciente).
Isso é porque quando ele ficou doente eu tinha um cuidado
muito grande com ele. A pressão dele era para medir duas a três
vezes, eu media cinco a seis vezes. Ele estava na escola, assim, a
preocupação foi muita com ele. Eu acho que sobrecarregou
demais (Carla, mãe de um paciente).
Outro ponto significativo foi a abnegação por parte da família para uma melhor
assistência e acompanhamento do tratamento da criança/adolescente. Isso demonstra
que, apesar da sobrecarga e do desgaste, o amor e o afeto da família pela criança fazem
com que todo sofrimento seja amenizado.
A sobrecarga dos cuidadores é física, causada pelas mudanças nas atividades
diárias, mas também emocional, pelo medo das complicações e até mesmo da morte da
criança adoecida. Em uma das falas, os cuidadores admitem se colocar em segundo
plano, priorizando o cuidado do filho.
[...] com isso, foram se encadeando várias outras coisas em
mim. Agora, eu estou cheio de dores, cheio de coisa. Mas só
que, quando chega nesse dia da consulta dele, eu esqueço de
tudo, esqueço dor, esqueço firma, esqueço todo mundo para vir
consultar com ele. Meu maior pensamento está aqui. Eu só dou
ouvidos para o que tem que fazer, o que eu tenho que fazer após
isso. Se ele precisar de outro remédio, eu vou atrás. Se eu não
tiver condição financeira, dou um jeito, mas eu faço de tudo para
ele (Marcelo, pai de um paciente).
[...] há três anos venho de Sorriso para cá, sempre por motivo
de doença. E hoje eu estou aqui novamente, então isso traz
muito desgaste. Isso me fez, também, ficar doente. Amanhã eu
tenho uma consulta em que vou mostrar uma biópsia de medula
óssea e estou muito preocupada (Márcia, mãe de uma paciente).
Foi revelado na TCI que essa sobrecarga se eleva quando a pessoa cuidadora não
tem um suporte dos outros membros da família, de amigos ou comunidade, afetando
sua saúde física e emocional, como expressa a narrativa a seguir:
E, neste período de tempo, eu sozinha, porque meu marido era
alcoólatra, eu sozinha para fazer tudo. E eu tenho anemia crônica,
esqueci de mim, esqueci por completo. O que me desse pra comer eu
comia, se não desse eu não comia (Márcia, mãe de uma paciente).
Diversos estudos sobre a experiência de cuidado a pessoas em condições
crônicas destacam a importância do apoio à pessoa cuidadora, entre os quais alguns
estudos locais de nosso grupo de pesquisa GPESC (BELATTO et al., 2009;
NEPOMUCENO, 2011; ALMEIDA, 2012; LAGO, 2012; CORREA, 2012; SILVA,
2012; MUFATO, 2012; MUSQUIM et al., 2013; DOLINA, 2013; REIS, 2013 e
SILVA, 2013).
Para Bellato (2009), as redes para o cuidado em saúde podem se configurar
como de apoio, sendo elas externas, menos densas e pontuais, ou de sustentação,
quando se apresenta de forma a mais constante, tecida por relações mais próximas e
íntimas e baseadas na afetividade. Essa última forma se mostra indispensável para a
manutenção da saúde da pessoa cuidadora, o que não ocorre no caso de Márcia em sua
tarefa de cuidar.
Nos dias atuais, sentimentos como de solidão, descaso e desamor tornam-se cada
dia mais presentes na sociedade, acarretando insegurança, baixa autoestima e tristeza a
essas pessoas. O ser humano vai além das necessidades biológicas, necessitando
também de atenção, cuidado, uma palavra de conforto e alguém que o acolha
(SARAIVA, FILHA, DIAS et al., 2011). Para além das questões subjetivas que as
pessoas expressam em suas falas quando relatam o cotidiano de cuidado, existem
questões de ordem objetiva relacionadas às condições materiais de existência. Ressaltese que as pessoas atendidas no Ambulatório de nefrologia pediátrica são um público de
grande vulnerabilidade socioeconômica, sendo que boa parte dos problemas vivenciados
por elas se relacionam a essa condição.
A desigualdade e a exclusão são fatores que geram a discriminação e o
conflito nas relações, principalmente no que tange a grupos sociais
constituídos, principalmente, em função de classe, sexo, raça, etnia e
religião. A TCI emerge como um espaço de escuta, de fala, de partilha
de experiências do cotidiano, contribuindo para a construção de uma
nova forma de empoderamento do ser humano, sem buscar a
identificação pelas fraquezas e carências dos participantes, mas
proporcionando o despertar das características resilientes, geralmente
desconsideradas para o enfrentamento das dificuldades (BRAGA et
al., 2013, p.84).
Considerando a condição cognitiva das crianças, seus sofrimentos ou
inquietações manifestados na TCI são, predominantemente, relacionados ao momento
vivenciado no presente. Já os familiares, como pessoas adultas, expressam angústias
relacionadas também aos tempos passado e futuro. Enquanto as crianças não
compreendem muitas vezes a dimensão de uma condição crônica em suas vidas, os
familiares, além de lidar com o futuro incerto de seus filhos, muitas vezes se culpam,
associam algum fato ocorrido durante a gestação ou no período em que a criança não
apresentava a doença, com o fato de serem diagnosticadas com a DRC. É comum no
ambulatório, principalmente por parte das mães, essa culpabilização pela doença do
filho.
Assim, eu me sinto angustiada, uma angústia muito grande. Tanto que
eu tomo medicamento para tirar a ansiedade. Porque, assim, eu fico
me perguntando a mim mesma o porquê de tudo isso? Então, isso me
deixa muito angustiada (Márcia, mãe de uma paciente).
O vínculo afetivo entre mãe e filho torna o cuidado com a criança uma
experiência gratificante, ancorada em sentimentos de amor, respeito e em atitudes de
altruísmo (BARBOSA et al., 2012).
Hoje eu estou feliz, porque já tem um ano que eu estou tentando uma
vaga para ela aqui [...] foi difícil conseguir e agora eu consegui e
espero que melhore cada vez mais (Fernanda, mãe de um paciente).
Ficaram evidentes sentimentos de carinho, amor, afeto, presentes entre os
familiares e as crianças e adolescentes. Apesar das diversas dificuldades encontradas
por eles para que seus filhos tenham um atendimento adequado, isso de certa forma os
aproximou mais. A maior demanda de cuidados, as adequações nas atividades diárias,
os medos e incertezas quanto ao futuro dessas crianças fizeram com que seus pais
demonstrassem mais a gratidão que sentem por ter seus filhos estáveis, encontrando um
padrão de normalidade na convivência com uma condição crônica. Esses sentimentos
estavam evidentes nas falas, nos gestos, no toque. Em diversos momentos das rodas,
percebia-se o amor com que se olhavam, tanto dos pais para com as crianças, como das
crianças que admiravam, atentas a tudo o que seus familiares expressavam nas rodas. Os
abraços, beijos e toques que ocorrem durante as dinâmicas só reforçaram esses
sentimentos presentes nas relações familiares-filhos.
Como afirma Camarotti (2013), o aprendizado proveniente da experiência
vivenciada tem sido a mola propulsora do crescimento do ser humano, tanto individual
como da sociedade como um todo. Ressalta ainda que emoções positivas como a
solidariedade, o amor e a compaixão favorecem a construção da resiliência. No
transcorrer das rodas, ficou evidente a capacidade de resiliência dos participantes.
Barreto e Lazarte (2013) afirmam que no decorrer das rodas de TCI uma rede
começa a ser tecida e as pessoas vão construindo uma autonomia, tornando-se menos
dependentes de remédios e instituições, sendo mais resilientes frente às adversidades.
A minha alegria hoje é ver meus filhos bem, tenho uma (filha) de dez
e meu filho de doze. Tem um ano e pouco tomando remédios de
depressão e, graças a Deus, eu não tomo mais (Sônia , mãe de um
paciente).
Sob essa perspectiva, reforça-se a relevância da TCI como espaço de partilha de
experiências com outras mães em situações semelhantes, no qual poderão compartilhar
sentimentos e vivências, fornecendo segurança e auxiliando-as a lidar com as incertezas
geradas pela condição da criança. Reiteramos a capacidade dessas mães de serem
resilientes ao estabelecerem adaptações necessárias para conviver com a DRC de seus
filhos.
Neste sentido, a TCI vai além de um espaço de partilha, configurando-se
também como um espaço de reflexão, renovando a dinâmica interna de cada indivíduo,
contribuindo para a melhora da autoestima dessas pessoas, podendo ser vista como mais
um dispositivo para consolidação dos ideais de promoção, prevenção e recuperação da
saúde, preconizados pelo do SUS (SOUZA et al., 2011).
6.2 A ENFERMEIRA NA CONDIÇÃO DE TERAPEUTA COMUNITÁRIA E AS
PARTICULARIDADES DE SUA ATUAÇÃO NO GRUPO
A terapeuta que conduziu essas rodas era enfermeira, e o cuidado como ela
conduziu os gestos e suas falas condiz com o modo de fazer a enfermagem na clínica da
saúde coletiva e da saúde mental, em que o enfoque do cuidado é a pessoa na sua
integralidade. A TCI, na qualidade de tecnologia de cuidado, permite a ampliação do
cuidado em relação ao outro e a si próprio. Ao mesmo tempo em que o terapeuta medeia
a terapia para os outros, ele está fazendo terapia para si também.
A experiência clínica em nefrologia pediátrica/familiaridade com o cuidado nos
momentos mais graves/internação, bagagem que a formação em enfermagem propicia,
fez com que a terapeuta lidasse com mais tranquilidade/naturalidade com os problemas
apresentados.
Não só a enfermagem foi diferencial para a TCI, bem como a TCI fez com que a
terapeuta refletisse sobre seu modo de cuidar e sobre a importância do acolhimento/da
escuta no cuidado. Suas formações (enfermeira e terapeuta comunitária) agregaram
valor mutuamente na sua atuação profissional, ou seja, seus conhecimentos clínicos e
científicos colaboraram na forma como ela conduz a TCI, bem como todo conhecimento
adquirido com as experiências e as sabedorias partilhadas na roda lhe trouxeram uma
maior sensibilidade na escuta, no acolhimento e na formação de vínculos com as
pessoas às
quais presta cuidados na condição de enfermeira.
Retomando o que foi discutido no referencial teórico, a Enfermagem está
centrada no cuidado, que vai além da técnica, somando valores e atitudes que estreitam
os laços, com pactos de ética e confiança. A TCI vem ao encontro desta nova
conformação do cuidar, ao possibilitar um espaço em que os participantes, que muitas
vezes não são ouvidos, se expressam, gerando sentimentos de valorização e elevação da
autoestima, o que implica promoção da autonomia e desenvolvimento de competências
e habilidades para a superação de conflitos e adversidades.
A TCI corrobora o sentido proposto por Ayres (2010) de cuidado como uma
designação de uma atenção à saúde imediatamente interessada no sentido existencial da
experiência de adoecimento, físico ou mental e, por conseguinte, também nas práticas
de promoção, proteção ou recuperação da saúde (AYRES, 2010).
Devemos sempre nos ater ao ser humano a ser cuidado em sua complexidade.
Na visão moriniana, ele é percebido como um ser único e múltiplo: único ao considerar,
além do fator genético, a singularidade em suas relações, pensamento e subjetividade;
múltiplo, devido à diversidade humana e às relações que ele desenvolve com a
sociedade; e o uno e múltiplo, porque
os seres humanos
interagem entre si de
maneira que se entrelaçam (MORIN, 2000, p.55).
A intersubjetividade e os conhecimentos do terapeuta influenciam na dinâmica
da TCI, pois, embora tenham uma metodologia demarcada, a formação e a experiência
de vida do terapeuta influenciam ao fomentar autonomia, despertar discussões mais
críticas e no empoderamento dos participantes.
Considerando a TCI uma prática de ensino-aprendizagem, fundamentada na
Pedagogia de Paulo Freire, podemos dizer que a partilha de experiências nas rodas de
TCI possibilita
o aprendizado significativo ao respeitar os diversos saberes, a
singularidade/complexidade dos participantes, reconhecendo sua identidade cultural; ao
incitar a criatividade, estando aberto ao novo e rejeitando qualquer forma de
discriminação. Faz-se necessária, para que ocorra um processo de aprendizado
satisfatório, a compreensão de que para ensinar é necessário escutar o outro, exigindo a
disponibilidade para o diálogo, estimulando os participantes na tomada de decisões e na
promoção da autonomia.
Cada terapeuta tem suas vivências e, em certos momentos, sai do papel de
mediador/condutor da roda e deseja partilhar suas experiências. Apesar de o
protagonismo da TCI ser da comunidade, existem momentos em que se torna pertinente
o compartilhamento de histórias particulares da terapeuta.
As próprias rodas de terapia comunitária são permeadas de incertezas, tendo
somente como regras fazer silêncio; falar sempre na primeira pessoa; não dar conselhos,
não fazer julgamentos; e propor músicas, poemas, piadas, histórias que tenham relação
com o tema que está sendo partilhado. O que ocorre é não sabemos qual rumo a TCI
vai tomar, e este não saber nos remete à noção moriniana de ecologia da ação, que traz
que toda ação humana, uma vez iniciada, escapa da mão de seu iniciador, sofre
interferências do meio externo, que é incerto, podendo se desviar de seus objetivos,
resultando em ações que podem ser contrárias ao esperado (MORIN, 2003).
Em uma das rodas, de forma imprevista, depois do acolhimento, permaneceram
apenas uma mãe e uma criança na roda. Considerando a falta de participantes para a
partilha de experiências, a terapeuta considerou oportuno que compartilhasse sua
própria vivência, de modo que aquele momento se tornasse mais significativo para
aquelas pessoas. Note-se, também, que a terapeuta faz a TCI para si, inclusive.
Eu perdi uma filha, ela tinha quatro anos, foi um atropelamento dentro
do condomínio de casa, do meu prédio. Eu senti, achei que eu não ia
dar conta não, a gente não imagina. É o mesmo que dizer, assim, uma
dor que não tem nome, porque diz que a história de uma mãe que
tinha perdido um filho, porque quando um filho perde uma mãe é
órfão, quando você perde o marido, você fica viúva, quando você
perde um filho, não tem nome, não existe nome pra isso, e realmente é
uma dor imensa, não tem nome, e achei que o mundo fosse acabar
mesmo. Isso foi em 1999, e antes disso, meses atrás tinha vivido a
situação de uma amiga que tinha perdido um filho e eu, conversando
com meu marido, falava como consegue viver? Achava que jamais ia
conseguir, e a mesma coisa aconteceu com a gente, eu achei realmente
que não ia sobreviver (Terapeuta).
O terapeuta comunitário deve estar ciente de seus objetivos e limites, não
assumindo o papel de especialista. Deve trabalhar sempre na perspectiva da inclusão, da
competência e das possibilidades dos participantes. Sua função é fomentar perguntas,
levantar a dúvida, a inquietação, para que o participante reflita sobre sua história e
reconstrua seu sistema gerador de sofrimento, para que anseie construir novos vínculos
de bem-estar, confiança e vida (ABDALA-COSTA, 2011).
As pessoas, de acordo com Canguilhem (2000), têm “modos de andar a vida”
que emergem do próprio modo como a vida se reporta coletivamente e das
singularidades intrínsecas de cada ser humano.
“Encontros coletivos (rodas) convidam pessoas a partilhar dificuldades e
superações, tendo o terapeuta comunitário como facilitador, com isto, potencializa os
recursos de cuidado, acolhimento e saúde da própria comunidade” (BRASIL, 2008,
p.52).
A TC procura valorizar a cultura popular, evidenciada tanto pelos seus eixos
teóricos, como por suas regras. Exemplo disto são os ditados e as músicas que reforçam
a experiência de vida, gerando competências e habilidades que promovem um benefício
coletivo. A proposta de utilizar diversas atividades lúdicas como dança, músicas e
brincadeiras torna o ambiente mais acolhedor, deixando o participante mais à vontade
para falar, interagir. Possibilita de forma mais acentuada que o participante aprenda algo
com as informações/experiências compartilhadas naquele ambiente.
Lembrei-me de outra música, aquela que fala assim: Ei dor, eu não te
escuto mais. Você não me leva a nada. Ei medo, eu não te escuto
mais. Você não me leva a nada. E se quiser saber pra onde eu vou, pra
onde tenha sol, é pra lá que eu vou (Terapeuta).
Sabe como se forma a pérola? Cai dentro da ostra um grãozinho de
areia, e aí esse grãozinho de areia machuca a ostra e ela vai soltando
uma gosma (que a gente chama de nácar) e essa gosma vai
envolvendo o grãozinho de areia, vai envolvendo, vai envolvendo e
forma a pérola. Então, a pérola é fruto do sofrimento da ostra. Então,
olha só: o seu filho está se transformando em uma pérola, assim como
a senhora se transformou. Qual que é a sua pérola hoje? É ser essa
avó, essa mãe...e então, pense nessa história. Às vezes, a gente quer
proteger muito (e a gente deve proteger mesmo). Mas o sofrimento
também tem um componente importante, que é deixar as pessoas
crescerem (Terapeuta).
Essa história da pérola eu acho uma das mais lindas do mundo, um
grãozinho de areia que machuca a ostra e a ostra vai envolvendo,
envolvendo, envolvendo, até formar uma coisa linda, nobre. Seu filho
é a coisa mais linda do mundo (risos) (Terapeuta).
Ficou evidente a importância de o terapeuta valorizar as histórias, elevar a
autoestima (conotação positiva), reforçar a confiança dos participantes, pois isso auxilia
essas pessoas a ressignificar suas experiências, a se sentir capazes de resolver seus
problemas.
Aí eu nasci e o médico falou: seu filho vai ser especial (Marcelo, pai
de um paciente). E é mesmo, né? (risos) (Terapeuta).
Gente, vamos bater palmas (todo mundo bate palmas). A mãe que
estava falando fica emocionada. Muito bom, obrigada, meninas
(Terapeuta).
Camarotti (2013) reforça a autoestima saudável como fermento para resiliência
ao auxiliar no processo de superação de sofrimentos e dificuldades. No momento em
que o terapeuta valoriza as histórias, fortalece a confiança dos participantes, auxiliando
as pessoas a descobrir seus potenciais na busca de qualidade de vida. Isso gera um
empoderamento no sujeito, promovendo maior autonomia no seu cuidado a saúde.
Hoje, eu quero agradecer muito (as pessoas que compartilharam suas
experiências), por terem trazido suas histórias e por meio das histórias
de vocês ter permitido que a gente refletisse um pouco sobre nossas
conquistas, alegrias nessa vida de batalha de saúde que não é fácil, né?
Mas a gente consegue. Vocês conseguiram superar todas as
adversidades e quem não superou, está no caminho da superação
(Terapeuta).
Quero agradecer a (Márcia, mãe de uma paciente) e a (Larissa,
paciente) por terem vindo, terem falado suas experiências, suas
vivências, por terem se aberto com a gente. E dizer que eu fiquei
muito emocionada mesmo, muito tocada pela sua força, pois não fácil
viver tantas angústias e, ainda assim, ser firme e forte, ainda ser o
esteio da família (Terapeuta).
Outro aspecto importante a se destacar é que, em terapias comunitárias com a
presença de crianças, o terapeuta necessita apurar sua perspicácia e sensibilidade para
ouvi-las de forma atenta e, especialmente, de forma simétrica, valorizar sua fala e seus
sentimentos.
Na primeira roda de terapia comunitária, a criança Gabriel partilha suas
inquietações:
Um paciente, a criança Gabriel, então, diz: “Quando eu vejo alguma
coisa na televisão que é do mal, que dá medo em mim, quando fico
com o olho fechado e vou sonhar, fico com medo, levanto da cama e
vou lá pra sala.” A terapeuta indaga: “Você tem medo então? Medo de
alguma coisa que passa na televisão?” Ele balança a cabeça em sinal
positivo. A terapeuta continua: “Você quer falar um pouquinho sobre
isso?”. Gabriel balança a cabeça em sinal negativo.
Inicia-se então o próximo momento da TCI, a contextualização e a
problematização. A terapeuta explica: “Hoje três pessoas falaram, a
Ana, o Marcelo e a Lívia. Todos quiseram compartilhar a alegria pela
cura ou pela saúde dos seus filhos.” (Primeira roda de TCI)
Gabriel trouxe claramente uma situação para a roda de TCI, o medo de alguns
programas de TV, os quais, inclusive, lhe tiravam o sono. Entretanto, a criança não teve
interesse em explicar melhor sua experiência. Apesar de Gabriel não desejar explicitar
melhor suas inquietações, a TCI teve uma avaliação positiva também para ele, visto que
ele expressou, ao final, como bagagem, o “amor”.
Para a enfermeira, na condição de terapeuta comunitária, as particularidades da
sua atuação no grupo, a sensibilidade para acolher e mediar as experiências
compartilhadas pelo grupo ficaram evidentes não só na fala, mas também nos gestos, no
olhar. Sua postura influenciou na qualidade com que as rodas foram conduzidas e nas
repercussões da sua utilização como um instrumento de cuidado complementar,
possibilitando um atendimento mais integral e humanizado.
6.3 REFLETINDO SOBRE A TCI COMO INSTRUMENTO DE CUIDADO
PARA PESSOAS COM DRC E SEUS FAMILIARES
Os dados demonstraram que a TCI representa uma estratégia efetiva de cuidado
para crianças e adolescentes com DRC e seus familiares, sendo que a centralidade desse
cuidado está na partilha de experiências e na sua resultante ressignificação para os
participantes.
Observamos que a metodologia da TCI (regras e etapas) favorece e estimula a
interação entre os membros participantes, e este processo de interação contribui para
que as pessoas se sintam confiantes e à vontade para expressar suas angústias e
sofrimentos. Os participantes compartilham suas histórias bem como as adequações
efetivadas no cotidiano diante das necessidades de saúde e suas estratégias de
superação. Observamos que as famílias que estão com as crianças em tratamento há
mais tempo promovem aumento da confiança através de suas vivências e experiências
de famílias que estão com seus filhos no início do tratamento.
Nossa, eu já sofri demais, eu achava que não ia ter jeito, cada vez
parecia que ele piorava mais e mais. Antes, para eu vir pra cá
(ambulatório), era um sofrimento. Hoje, eu venho toda feliz porque eu
sei que a cada dia ele está melhor. Para mim, hoje, ele está curado
(Ana, mãe de um paciente).
O cuidado da TCI está presente essencialmente no diálogo, elemento que
concretiza a simetria da relação entre cuidadores e seres cuidados. Aliás, nessa relação,
todos são cuidadores e todos são seres cuidados. O diálogo nas rodas de TCI permite o
compartilhamento de sabedorias entre os participantes que, ao mesmo tempo em que
ensinam com suas experiências e conhecimentos, aprendem ouvindo as experiências dos
outros e também ouvindo suas próprias experiências. Isso porque no momento em que
a pessoa conta sua vivência passada - agora já com a possibilidade de ter certo
distanciamento dela pelo tempo - também consegue refletir melhor sobre ela. Pode-se
dizer que as pessoas, na TCI, ensinando e aprendendo com o outro e consigo, também
cuidam e são cuidadas com o outro (em comunhão, como diria Paulo Freire). Ressaltese que, para Paulo Freire (2001), o diálogo está fundamentado no amor.
Ele (filho) nasceu uma criança perfeita e quando ele tinha um ano e
seis meses, começou a inchar, inchar... Levei no médico, começou o
tratamento, mandou ele pra cá, aí deu que ele era nefrótico [...] eu
entrava em crise, ninguém podia olhar pra mim que eu queria derrubar
tudo [...] graças a Deus, de dois anos pra cá, ele teve só uma
internação no início desse ano [...] meu sonho era ele sair do
corticoide e ele saiu [...] agora já vai pra seis meses [...] Estou feliz
demais, ele continua em tratamento, que é o regime de boca, que faz
muita diferença, muita, muita diferença mesmo, a boca é tudo.
Quando eu vejo mãe falando que as crianças fazem regime de boca,
parece bobeira, mas não é, é uma coisa essencial (Ana, mãe de um
paciente).
Compartilhar também a felicidade, a alegria, porque nosso filho está
bem visualmente, mas com certeza até na saúde dele, do tratamento
que ele está fazendo, por causa da desilusão que a gente teve quando
ele nasceu [...] tivemos fé em Deus e procuramos outros caminhos,
ajuda de outras pessoas, outros lugares [...] não tem como ficar triste
com uma coisa mais linda dessa. Então, meu motivo de felicidade é
ele, tudo é pra ele e é isso que me faz feliz! (Marcelo, pai de um
paciente).
A TCI se apresenta como instrumento para aliviar as angústias geradoras de
estresse, ao imprimir a sensação de liberdade e acolhimento aos participantes. O
desabafo traduz o sofrimento, os significados que uma vivência adquire para aquela
pessoa, especificamente.
A possibilidade de transmitir os conhecimentos provenientes do adoecimento é a
pérola que se oferece ao mundo. O bem-estar gerado ao doar esse aprendizado é força
motriz para novas superações e aprendizados. A pessoa resiliente tem como
característica essencial o anseio de transmitir o que aprendeu e como superou
(CAMAROTTI, 2013). A roda de terapia favorece um aprendizado, que se estabelece
de maneira horizontal, em que as experiências vivenciadas são compartilhadas e o
contexto, a cultura e os saberes dito populares na perspectiva científica são valorizados.
É este tipo de aprendizado que se opõe ao saber bancário, como colocado por Paulo
freire (pedagogia da autonomia), isto é, o saber que não estabelece relação, que se
preocupa com a informação, negligenciando o contexto e os saberes populares, que
contribui para o estabelecimento de estratégias pelos familiares e paciente que
amenizam o sofrimento.
[...] a médica foi nos atender e falou coisas que, na minha opinião, ela,
por ser uma profissional, não devia ter falado. Falar que não tinha
mais jeito e já se contentar com isso, e que não caberia mais a ela
fazer o que deveria ser feito? Acabou o chão, né? Como? Minha
criança está, aí, bem, mamando, fazendo tudo o que é normal, e a
pessoa fala que não tem mais o que fazer, falando que não ia ter mais
filho? (Marcelo, pai de um paciente).
O saber vertical impossibilita ou desfavorece a interação entre o ser cuidado e o
cuidador, o sujeito sente dificuldade de expressar as insatisfações e incertezas por ter o
sujeito que lhe transmite a informação como detentor do conhecimento. Tal situação é
diferenciada na roda de terapia, e apesar de existir a presença do terapeuta com
formação superior, ele se coloca em relação de igualdade e como o sujeito que aprende
ao escutar as dificuldades e anseios dos sujeitos.
Minha mãe está emocionada ainda [...] eu acho que ela não fala, mas
quando eu nasci, na verdade, eu acho que não era nem pra eu ter
nascido, né? Não estava no planejamento. Naquele tempo, não sei
como era o tratamento, eu nasci e o médico falou: seu filho vai ser
especial [...] tive que fazer uma transfusão de sangue, aí foi aquela
guerra atrás de um doador de sangue e o médico falou: seu filho não
vai muito longe, tá muito fraquinho, não sei o que... E olha agora o
tamanho do filho! (Marcelo, pai de um paciente).
Outro aspecto relevante da roda de TCI é o fato de permitir que as pessoas se
identifiquem com o problema do outro. Essa empatia foi recorrente nas rodas realizadas
com a preocupação evidenciada pelas mães com o início da adolescência de seus filhos,
nas narrativas seguintes:
[...] estou muito feliz porque meu filho, também, vem só progredindo,
melhorando bastante. Mas eu tenho uma preocupação [...] na escola
ele está bagunçando mais, eu nunca tinha reclamação. Eu sei que foi
depois da enfermidade que ele teve, e ele vem ficando mais teimoso
(Carla, mãe de um paciente).
Me identifico com ela (Carla), dela se preocupar com o filho
chegando à adolescência, é assim mesmo. Eu também tenho um filho
chegando na adolescência. Teimosos, acham que são os donos da
razão e me preocupa também (Sônia , mãe de um paciente).
A TCI incita as pessoas participantes a expressar seus sentimentos sem risco de
serem julgadas. Através da partilha de experiências, são apresentadas possíveis
estratégias para a superação dos sofrimentos do cotidiano, o que possibilita à
comunidade descobrir, entre si, soluções para seus problemas (BARRETO, 2008). Ao
ouvirem as experiências de outros participantes, as pessoas têm a possibilidade de
descobrir meios de superação das adversidades. No ambulatório de Nefrologia
Pediátrica, acentua-se esse aspecto, visto que as situações se assemelham - os
sofrimentos, as dificuldades e os percursos realizados para o tratamento das crianças -, o
que permite que, além de se identificarem com os problemas alheios, as pessoas
descubram outras formas de superação das adversidades.
Eu descobri que eu tinha forças, mas eu procurei ajuda mesmo. Hoje
aprendi que quando eu sofro, eu tenho que buscar ajuda e, às vezes,
tem que ser ajuda profissional, mas pode ser ajuda de outras pessoas.
Eu consegui ajuda logo, eu fiz sessões de terapia que me ajudaram a
superar. O que me ajudou foi conversar muito com as pessoas,
escrever bastante, passei muito tempo escrevendo sobre a experiência,
e perguntando pra mim mesmo o sentido da vida, o sentido da morte.
[...] Todas as coisas são possíveis se superar quando existe amor [...]
Tenho buscado superar as dificuldades a partir disso, com a expressão
do amor. Eu poderia desmoronar, mas eu consegui, eu superei
(Terapeuta).
[...] foi uma bênção, depois que ela veio pra cá a pressão dela está
sempre boa. Para quem vem de 15 em 15 dias, quem ficou três meses
dentro do hospital, e saía só pra respirar um pouco, hoje eu estou no
céu [...] O que me faz feliz, em primeiro lugar, então, é ter saúde e ter
força [...] para poder criar eles (filhos) (Cláudia, mãe de um paciente).
A minha alegria hoje é ver esse guri lindo aqui (ele coloca o irmão
dele no colo), ver esse carinho que cada um tem pelos seus entes
queridos, carinho da mãe e dos filhos. Assim, esse valor cada vez
mais, precisa ser repassado, porque, cada vez mais está se perdendo.
Quando a gente pensa que as coisa mais simples estão sendo
esquecidas e ver vocês lutando pela saúde de cada um, isso é muito
importante (a mãe dele começa chorar e todos se emocionam. Outra
mãe também chora e o seu filho a abraça) (João, irmão de um
paciente).
Diferentemente de outras atividades educativas em saúde, na TCI, o
protagonismo do cuidado é da comunidade, sendo que cada participante é seu próprio
terapeuta. Todos têm o mesmo poder de fala. Apesar da diversidade de conhecimentos,
todos são igualmente valorizados, sem distinção do saber popular e científico.
Essa relação de o participante da roda de terapia comunitária ser ao mesmo
tempo participante e seu próprio terapeuta nos remete ao princípio recursivo da
complexidade, “onde os produtos e os efeitos são, ao mesmo, tempo causas e produtores
do que os produz” (MORIN, 2011, p.74). Ao realizar este movimento, o participante se
‘torna seu terapeuta’ no momento em que ele consegue refletir sobre o tema e realizar
um exame crítico da sua situação, e isto se configura na noção moriniana de autoexame,
definido por Morin (1999, p.122) como o ato de “incluir em toda observação a autoobservação, em todo o exame o autoexame, introduzir em todo o conhecimento a
vontade de autoconhecimento do conhecimento”.
Freire (2001, p.53) também afirma a importância da reflexão na conscientização
ao afirmar que “os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade
objetivada. É precisamente isto, a ‘práxis humana’, a unidade indissolúvel entre minha
ação e minha reflexão sobre o mundo”.
No caso da TCI, acreditamos que as rodas de conversa possibilitam o autoexame
dos indivíduos por meio das rodas de discussão, ao permitir o exercício da autorreflexão
sobre os temas apresentados também por outros participantes, que, muitas vezes, se
assemelham com sua realidade. A partir destas reflexões, o indivíduo tem a
possibilidade de modificar suas práticas, se autocorrigir, ressignificar suas vivências.
Especificamente no Ambulatório de Nefrologia Pediátrica, ao discutir as experiências
nas rodas, os familiares das crianças compartilham também o itinerário terapêutico
realizado por eles, o percurso desde a descoberta da doença até a atualidade, as
dificuldades encontradas, as adequações nas atividades diárias, o que possibilita aos
familiares que iniciam o tratamento de suas crianças um apoio/conforto, ao mostrar que
é possível superar as adversidades de uma doença renal crônica na infância.
A TCI tem o intuito de prevenção e promoção à saúde, através da instituição de
espaços coletivos de partilha dos sofrimentos, enfrentando fatores estressantes que
trazem riscos à saúde da população (BRASIL, 2008).
Buss (2009) conceitua a promoção da saúde como o protagonismo dos
determinantes gerais na produção das condições de saúde, ou seja, a saúde é fruto de um
extenso espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida que, no sentido amplo,
se caracteriza por construir ambientes favoráveis ao desenvolvimento da saúde,
reforçando a capacidade de indivíduos e comunidades, empoderando-os no
estabelecimento de uma vida saudável.
A partir do momento em que uma pessoa reconhece no outro - seja ele um
familiar, vizinho ou amigo - um recurso com o qual pode contar, gera-se uma menor
dependência das instituições, sente-se menos oprimida pelos próprios problemas e,
consequentemente, mais autônoma. Perceber que meu sofrimento não é somente meu,
mas de tantos outros, permite às pessoas ressignificar seus problemas, receber o apoio
do grupo, criar novos vínculos e construir nova rede de apoio, favorecendo a autonomia,
a autoestima e a corresponsabilidade (BRASIL, 2008).
A rede tecida com a realização da TCI é composta de elementos que compõem
os pilares teóricos dessa tecnologia de cuidado. Algumas noções do pensamento
complexo de Edgar Morin se relacionam às potencialidades que a TCI proporciona.
Observamos que a autonomia proposta por Morin se estabelece por meio da
dependência, estando tal dependência relacionada ao meio cultural, social e político,
entre outros. A roda de TCI promove interação entre sujeitos e, consequentemente, um
sujeito se estrutura e se reestrutura a partir da experiência do outro, experiência esta que
se relaciona a um saber e ações da equipe de saúde, ao espaço de saúde, às condições do
lar, às experiências espirituais, entre outros. Deste modo, temos uma relação de teia que
se origina de múltiplas dependências e de múltiplas interações. A teia é constituída
pelos saberes e experiências partilhadas em grupo, traduzida em uma relação complexa
de diferentes saberes e experiências. O compartilhamento possibilita tecer junto
significados da complexidade, novas estratégias para amenizar e superar os obstáculos
(MORIN, 2005)
Seguindo a lógica da complexidade no contexto da terapia comunitária,
percebemos que a dinâmica com ela acontece e se estabelece de maneira recursiva, pois
a troca de experiência permite aprender e ensinar ao mesmo tempo. Assim, o sujeito
participante é ao mesmo tempo produto e produtor, causa e efeito, sentido que traduz
um processo recursivo, isto é, o mesmo produto de uma experiência proveniente das
necessidades e dificuldades de saúde e produtor de novos aprendizados que são
significados por outros integrantes do grupo (MORIN, 2011).
As significações das experiências pelos integrantes do grupo se articulam de
modo a promover o conhecimento pertinente, que articula diferentes conhecimentos: o
conhecimento proveniente da sua experiência como familiar e paciente, que vivenciam
o processo; o conhecimento proveniente das experiências do outro; o conhecimento
proveniente do saber cientifico, que é traduzido pelos profissionais de saúde; e o
conhecimento proveniente do contexto no qual está inserido (MORIN, 2005).
O processo saúde-doença, como representado nas falas, denota incertezas, e tais
incertezas favorecem a busca pela ajuda mútua de estratégias que possam ser eficazes
nos momentos em que as incertezas se traduzem em angústias e sofrimentos. A
incerteza é colocada por Morin (2000) como um elemento inerente às relações e
condições humanas, pois todo e qualquer tipo de ação comporta situações de erros e
incertezas, sendo tais elementos definitivos na área da saúde tanto para situações de vida
quanto para situações de morte. A morte muitas vezes está associada a falhas de alguma
ação que foi incerta. O grupo de TC possibilita enfrentar e trabalhar situações de
incertezas que permeiam o processo saúde-doença.
Eu não entendia nada, era crônico, né? Daí, falava crônico, eu já
pensava: vai morrer! Cada vez que inchava e internava, ficava cada
vez pior, ia pra casa, voltava. Foi por assim três anos, mas labutando
mesmo, eu entrava em desespero e era praticamente eu sozinha para
correr atrás de tudo. Foi muito difícil, nossa, como foi difícil! Tinha
hora que dava vontade de falar assim: eu não vou dar mais medicação,
vou largar, eu chegava nesse ponto, entendeu? (Ana, mãe de um
paciente).
Diante do exposto, intencionamos demonstrar de maneira ilustrativa os
elementos que permeiam a terapia comunitária bem como os elementos complexos que
a constituem. A teia tecida na Figura 1 relaciona as características da TCI, presentes no
círculo central, com as características do pensamento complexo que compõe o círculo
externo.
Figura 1: Figura comparativa entre características da TCI e do pensamento complexo.
Recursividade
Conhecimento
pertinente
Compreensão
humana
Incertezas
Criatividade
Ajuda
mútua
Resiliência
Antropologia
cultural
TCI
Pedagogia
de Paulo
Freire
saber
científico" e
"saber
popular"
Autopoiesis
contexto
Autonomia
Complexidade
* Fundamentado na tabela apresentada por Abdala-Costa (2011) em Terapia
Comunitária Integrativa e o Pensamento Complexo: os sete saberes necessários à rede
solidária. p.133.
Como podemos observar, a TCI é permeada de elementos que enriquecem o
resultado causado nos participantes que a realizam. Ao participarem de uma roda de
TCI, as pessoas são incitadas a desenvolver competências e saberes como autonomia,
resiliência, ajuda mútua, pelo fato de essa tecnologia de cuidado considerar o sujeito na
sua complexidade, inserido em um contexto, valorizando os diversos saberes,
considerando as incertezas e tendo criatividade para superá-las.
O que eu tô levando daqui hoje? (Terapeuta) Experiência, muito mais
experiência. Os problemas de um, problema do outro, todo mundo
aprende, é experiência no meu caso (Luzia, mãe de um paciente). Eu
tô levando muita alegria, de muitas crianças que só está alcançado o
que quer, e a vitória é melhor, lutando, sofrendo, a gente chega lá
(Fabiana, mãe de um paciente). Eu estou levando a experiência da
vitória! (Fernanda, mãe de um paciente). Experiência! (Sônia, mãe de
um paciente). Força, a gente pensa que os nossos problemas são
grandes, mas tem gente que tem maiores (Íris, mãe de um paciente).
Alegria, porque a cada dia a gente vai tentando e vai conseguindo.
Cada dia a gente fica mais feliz! (Fernanda, mãe de um paciente). Eu
tô levando esperança! Meu filho vai melhorar (diz olhando para o
filho, que retribui sorrindo) (Carla, mãe de um paciente).
Este apoio entre as famílias e a ajuda mútua que há entre elas nos remetem à
noção moriniana de autonomia, a qual se alimenta de dependência. Para o autor, ao
dependermos, por exemplo, de educação, cultura e da sociedade para sermos
autônomos, necessitamos também de uma rede de múltiplas dependências, visto que
dependemos destas inter-relações (MORIN, 2011). Por ser uma doença crônica, estas
crianças, adolescentes e famílias, ao fazerem o tratamento no ambulatório, na sala de
espera, interagem ente si e, neste conversar, trocam experiências, informações e se
apoiam mutuamente.
Com a TCI nesse ambiente, a interação e as trocas são fortalecidas e
incrementadas, considerando as características de sua metodologia, que promovem o
diálogo horizontal e circular, valorizando todos os participantes, suas sabedorias e
singularidades.
Para Freire (1996), a autonomia, na condição de amadurecimento do ser para si,
não ocorre em data marcada. É um processo de reflexão e aprendizado que deve estar
pautado em experiências que estimulem a tomada de decisões e de responsabilidade.
“A singularidade da Terapia Comunitária reside na capacidade de trabalhar com
as contradições, com a pluralidade de percepções, condutas e códigos. A Terapia
Comunitária é um exercício permanente de inclusão e valorização das diferenças”
(BRASIL, 2008, p.63). As conexões que se estabelecem durante todo o processo
desenvolvido permitem que os participantes se organizem sistematicamente numa rede
de trocas interativas que os coloca em relação uns com os outros, num jogo de ação,
emoção e reflexão (CAMAROTTI, 2007).
O que eu estou levando daqui hoje? (Terapeuta) Experiência
(Marcelo). Amor (Maria). Carinho (Ana). Amor (Lívia). Amor
(Gabriel).
O que eu estou levando desta roda hoje? Pode ser uma palavra só
(Terapeuta). Confiança, felicidade (Márcia, mãe de uma paciente). Eu
estou, também, levando força (Larissa, paciente).
Sabe, de ver eu fico bem, essa alegria que vocês estão sentindo (Joana,
funcionária do HU).
A TCI como um espaço de aprendizado através do diálogo horizontal e circular
fica evidente na fala abaixo. Ancorados nas ideologias de Paulo Freire, podemos afirmar
que esse aprendizado acontece simultaneamente, pois ao mesmo tempo em que um
compartilha experiências/ensina, também está aprendendo. Todos os saberes são
valorizados, sendo eles populares ou científicos, e essa é a riqueza presente nas rodas, a
apreciação da diversidade cultural, o respeito às diferenças.
O que eu tô levando daqui hoje? (Terapeuta) Pra mim, foi
aprendizado, por que por mais que eu tenha 32 anos e sou mãe de três
filhos e casada há quinze anos, eu nunca fiz o que a professora disse.
Primeiro, as regrinhas. Eu nunca segui essas regrinhas, entendeu? E eu
vou aprendendo a cada dia que passa eu amadureço. Vou guardando
para mim e a razão do meu filho. Você também me deu uma coisa, viu
meu filho? O que eu mais aprendi dessa roda foram as quatro
regrinhas (Eduarda, mãe de um paciente). E se eu falar igual ela? Isso
que veio na minha cabeça. E essa daqui, principalmente, está demais,
precisando, né, filha? De regras (Cláudia, mãe de um paciente). Vou
levar a determinação dessas duas (Joana, funcionária do HU). Vou
levando o amor (Cláudia, mãe de um paciente). Levo o prazer de estar
com vocês, a força (Eduarda, mãe de um paciente). A felicidade de
participar dessa roda (Mateus, paciente).
Os resultados evidenciaram que as rodas de TCI são um instrumento de
promoção da saúde, proporcionando um espaço comunitário para que os participantes
ressignifiquem suas vivências, partilhem sabedorias e experiências, favorecendo desta
forma a superação de dificuldades, a busca por soluções, promovendo a autonomia dos
indivíduos. É um meio de integração entre as pessoas, que busca elevar a autoestima e
descobrir potenciais, construir redes de apoio e orientar quanto aos seus direitos e a seu
papel social.
Como proposto por Buss (2009), a promoção da saúde é considerar a concepção
de que o processo saúde-doença-cuidado é permeado de determinantes sociais,
econômicos, políticos e culturais, para além da herança genética, a biologia humana e os
fatores ambientais mais imediatos. Desta forma, podemos afirmar a TCI como uma
estratégia de promoção da saúde, pois sua metodologia e pilares teóricos valorizam
esses aspectos, sem qualquer discriminação às diferenças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos resultados encontrados neste estudo possibilitou a constatação de
que a Terapia Comunitária Integrativa prestada às crianças, adolescentes e suas famílias
em um Ambulatório de Nefrologia Pediátrica no município de Cuiabá foi uma
tecnologia de cuidado, possibilitando uma assistência mais humanizada e acolhedora.
As rodas de TCI foram um instrumento de cuidado ao proporcionar um espaço de
aprendizado, no qual os participantes partilham experiências, sofrimentos e, através da
escuta dos problemas alheios e da autorreflexão, ressignificam suas vivências,
favorecendo o desenvolvimento de estratégias de superação, elevação da autoestima,
promovendo a autonomia dos indivíduos.
Ressalta-se a relevância da TCI como espaço de partilha de experiências com
outros familiares/cuidadores em situações semelhantes, visto que os assuntos mais
recorrentes nas rodas de TCI foram a sobrecarga da família no cuidado, a
responsabilização exacerbada/culpabilização pelo estado de saúde/cuidado do filho e a
abnegação por parte da família para uma melhor assistência e acompanhamento do
tratamento da criança/adolescente. Apesar das adversidades, ficou evidente que o
vínculo afetivo entre mãe/familiar e filho torna o cuidado com a criança uma
experiência gratificante. A TCI proporcionou o compartilhamento de sentimentos e
vivências, fornecendo segurança, auxiliando as mães a lidar com as incertezas geradas
pela condição da criança.
Outro aspecto importante a se destacar é que a formação da terapeuta que
conduziu essas rodas configurou-se como um diferencial nos resultados obtidos nessa
intervenção. Como sua formação tem o enfoque no cuidado e visa a uma assistência
considerando a pessoa na sua integralidade, a utilização da TCI possibilitou a ampliação
do cuidado em relação ao outro e a si próprio. Seus gestos, suas falas, enfim, a forma
como a terapeuta conduziu as rodas expressou sua sensibilidade e cuidado com aquelas
pessoas.
Esses apontamentos são coerentes com os resultados de outras pesquisas, como
admitimos no início desse trabalho. A TCI se apresentou como uma alternativa de
cuidado de promoção à saúde, ao possibilitar um espaço integrador que busca a
elevação a autoestima e a descoberta de potenciais, tecendo redes sociais. Como afirma
Adalberto Barreto (2008, p.40), “as terapias comunitárias são semelhantes ao trabalho
da aranha que tece teias invisíveis, porém, fortíssimas”.
Como limitação enfrentada para este estudo, destaca-se o fato de utilizarmos o
período que os participantes aguardavam suas consultas. Em certos momentos, alguns
participantes precisaram deixar a roda por terem sido chamados para consulta. No
entanto, isto não comprometeu a fidedignidade dos resultados, apontando para
problemas que poderão suscitar novas pesquisas.
As particularidades de trabalhar com crianças e adolescentes tornaram-se um
desafio, visto a necessidade de uma sensibilidade maior para integrar esses participantes
na roda. Tornam-se necessárias novas pesquisas acerca da utilização da TCI com
crianças e adolescentes para que se estabeleçam adequações/sugestões para que essa
prática seja realizada com esses grupos específicos.
Como pesquisadora, vivenciei e compartilhei diversos momentos com estas
pessoas, presenciei as imensas dificuldades que estas famílias passam para prover o
melhor atendimento aos seus filhos. As reflexões advindas desta pesquisa me
possibilitaram maior sensibilidade como enfermeira, ao permitir a percepção de que o
estabelecimento de vínculos entre profissional e usuário proporciona a realização de um
cuidado mais efetivo e centrado nas múltiplas necessidades desse ser complexo.
O estudo demonstrou que a TCI tem muito a contribuir como um instrumento
mediador de transformações das práticas profissionais do cuidado de crianças e
adolescentes com DRC e suas famílias.
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APÊNDICE
APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Projeto: Terapia Comunitária Integrativa (TCI) como Tecnologia de Cuidado à Saúde
de Crianças, Adolescentes e suas Famílias com Doença Renal Crônica.
Pesquisadora: Grasiele Cristina Lucietto (Mestranda em Enfermagem)
Orientadora: Profª Drª Rosa Lúcia Rocha Ribeiro (Faen/Ufmt)
Inserido no Projeto Matricial “FORMAÇÃO DE TERAPEUTAS COMUNITÁRIOS,
ASSISTÊNCIA À SAÚDE ESTUDANTIL E PESQUISA-AÇÃO”, pesquisadores
responsáveis: Sônia Ayako Tao Maruyama (Faen/Ufmt) e Aldenan Lima Ribeiro
Correa da Costa (FAEN/UFMT). Nº DE REGISTRO NA CAP: 272/CAP/2010.
Objetivo: Compreender as rodas de TCI realizadas com crianças, adolescentes e suas
famílias que vivenciam uma doença renal crônica como uma prática de cuidado à saúde.
Procedimentos: As rodas de TCI serão gravadas e filmadas.
Você está sendo convidado a participar, como voluntário, da pesquisa Terapia
Comunitária Tecnologia de Cuidado à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias
com Doença Renal Crônica. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no
caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas
vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa, você
não terá nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição da
qual recebe assistência. Se você tiver dúvida a respeito do projeto, você pode procurar
o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller- UFMT- pelo
telefone (65) 3615-8254.
Você receberá uma cópia desse termo com o nome, telefone e endereço da
pesquisadora responsável, para que você possa localizá-la a qualquer tempo. Seu nome
é Grasiele Cristina Lucietto, residente à Rua G, nº 80, Bloco 01, Apto 02, Residencial
Água Marinha, Bairro Terra Nova, Cuiabá-MT, CEP 78050-407, Fone: (65) 3023-9336
ou (65) 9239-9773. Sou bolsista da Capes e no momento estou exclusivamente
cursando o mestrado em Enfermagem. EMAIL: [email protected].
Nesta pesquisa, você participará das rodas de Terapia Comunitária. A pesquisa
não envolve riscos, mas apenas o desconforto da gravação e filmagem. Esta pesquisa
poderá favorecer a qualidade da assistência em saúde.
Para a roda de Terapia Comunitária, serão utilizados filmadora e gravador de
voz. A filmagem será utilizada como recurso de observação daquilo que você expressar
pela sua fisionomia e os gestos/movimentos durante sua participação nas rodas de TCI.
A gravação de voz permitirá a descrição fiel daquilo que você relatar. Os dados serão
divulgados de forma que sua identificação não seja possível. As rodas de TCI serão
conduzidas pela própria pesquisadora e sua orientadora, em local privativo, e seu nome
será substituído por nomes fictícios, resguardando preceitos éticos de pesquisas com
seres humanos.
Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e
verbalmente dos objetivos e procedimentos desta pesquisa e AUTORIZO gravação de
minha voz e filmagem de minha imagem, que só poderão ser utilizadas para fins
pedagógicos e para descrição fiel daquilo que eu relatar.
Eu.........................................................................................................................................
.....................,Idade:...........Sexo:..................Naturalidade:.....................portador(a)
do
documento RG nº:.........................................................declaro que entendi os objetivos,
desconfortos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar
da mesma.
.................................................................................
Assinatura do participante
(ou do responsável, se menor):
.......................................................
................................................................................................
Grasiele Cristina Lucietto
Pesquisador principal
Testemunha*
............................................................................................
* Testemunha só é exigida caso o participante não possa, por algum motivo, assinar o
termo.
Cuiabá, _____de ______________de 20___
ANEXO
ANEXO I – TERMO DE APROVAÇÃO ÉTICA DE PROJETO DE
PESQUISA
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