1º Passo de AA (Visão Terapêutica)

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1º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
O PRIMEIRO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Primeiro Passo diz: “Admitimos que éramos impotentes perante o álcool –
que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”.
Sem dúvida, é esse o mais importante dos Doze Passos, o inicial para qualquer
tentativa de progressão aos subsequentes, e, evidentemente, o mais complexo
e difícil de todos.
Pode ser até que seja simples a um alcoólatra, diante de tantos e inegáveis fatos
que evidenciem e comprovem sua ingestão descontrolada de bebida alcoólica,
vivenciar um processo de exaustão e mesmo de admissão momentânea de que
deve parar e reavaliar seu padrão de consumo. Mas é claro, também, que isso
não é nem nunca será suficiente para alguém se dispor a reavaliar todo um
padrão de vida, de comportamento, toda uma escala de valores e conceitos. É
preciso uma admissão muito mais ampla que envolva não somente o uso do
álcool, mas que abranja todos os aspectos de sua vida, uma verdadeira e plena
aceitação de fracasso. Humilhação? Talvez.
Esta torna-se ainda mais complexa quando verificamos que a motivação para os
passos subsequentes originar-se-á apenas dessa consciência e que, portanto,
dependerá da consistência e durabilidade de tal aceitação. Vivenciar um mero
esgotamento passageiro de recursos é muito diferente de assumir a condição de
impotência e real desistência – rendição.
Beber pode não ser mais o objetivo imediato de um alcoolista em processo de dor
aguda, mas abrir mão de elementos arraigados por anos e anos de
comportamento patológico e elaboração distorcida da realidade significa, sempre,
dor maior e mais profunda.
Para o profissional que se disponha a ajudar o alcoolista neste momento, deve
ficar claro que este poderá e deverá utilizar mecanismos fortíssimos de defesa
para proteger-se dessa perda iminente, ou seja, da perda de um paliativo que foi,
se não atualmente, bastante eficaz para alívio de sentimentos desconfortáveis. É
constante, portanto, o risco de sabotagem ao tratamento ou a qualquer forma de
ajuda, desde que representem ameaça ao sistema estabelecido de imediatismo
sintomático.
Portanto, o único auxílio realmente efetivo nessa etapa é proporcionar uma real,
objetiva e concreta visão de mundo ao alcoolista, para que este possa elaborar,
solidamente, uma consciência estritamente individual da necessidade em
progredir no processo de tratamento. Ajudá-lo a enxergar perdas, danos e
conseqüências do uso descontrolado do álcool, tentando sempre ampliar o ângulo
de visão dessa realidade aos diferentes aspectos de sua vida, é a melhor maneira
de fortalecer sua vontade e desenvolver elementos intrínsecos de mobilização
para um trabalho a longo prazo.
Alcoólicos Anônimos o faz através das experiências pessoais e é inegável que o
exemplo é o melhor conselho e a forma mais objetiva de confrontar. Mas é
também inegável que a teoria e a realidade científicas auxiliam bastante nesse
trabalho de conscientização.
Pode ser necessário, para isso, o auxílio de outras pessoas que hajam participado
diretamente do processo progressivo do alcoolismo e é muito útil a inclusão de
familiares, amigos, colegas de trabalho e/ou outros significantes em atividades
confrontativas e intervencionistas.
Evidentemente, o fundamento básico do Primeiro Passo é a consciência plena da
necessidade de mudar e é muito importante que fique claro que essa mudança
não consiste, apenas, em interromper o uso do álcool. É dever do profissional
evidenciar, na vida do alcoolista, seqüelas multiespectrais da doença em todos os
seus aspectos, sejam eles físicos, psíquicos, sociais, emocionais,
comportamentais ou morais. Uma profunda reavaliação do ser humano é a única
forma eficaz conhecida para reverter uma relação tão íntima quanto a relação de
dependência. É por esse motivo que o processo de conscientização deve ser
ininterrupto, renovado a cada momento do tratamento, pois dele depende a
mobilização do paciente para este.
Walter Cunha
2º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
SEGUNDO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Segundo Passo diz: “Viemos a acreditar que um poder superior a nós
mesmos poderia devolver-nos à sanidade”.
A chave para o Segundo Passo está na consistência com que é sentida a oração
“Viemos a acreditar”. Essas palavras significam, antes de qualquer relação
mística ou religiosa, a descoberta da humildade. E ser humilde, nesse caso quer
dizer ter consciência de suas limitações, consciência de sua doença e, em função
disso, admitir o fundamento essencial da necessidade de ser ajudado para
vencer.
Em Alcoólicos Anônimos costuma-se dizer, em relação à recuperação, que só o
alcoolista pode, mas jamais o poderá sozinho. Essa é a essência do Segundo
Passo, a consciência plena da necessidade de ajuda para superar resistências
endógenas e exógenas.
A dificuldade em vivenciar um Segundo Passo pleno varia na medida exata da
plenitude em que foi vivenciado o Primeiro Passo. É lógico que quão maior for a
consciência da impotência e mais profundo o contato com seu próprio
descontrole, mais evidente a necessidade de ajuda para superá-los. Saber-se e
admitir-se derrotado significa assumir suas deficiências e pode representar o
início de um processo de busca. Nesse processo de maior contato com valores e
conceitos; nessa avaliação global da realidade individual, estão embutidas as
perspectivas de auxílio objetivo. Apresentá-las de forma concreta e organizada
representa uma medida extremamente útil. Que recursos estão disponíveis, no
momento, para ajudar essa pessoa? De que forma concretizar-se-á essa ajuda?
O profissional deverá neste momento ter a medida exata de oportunismo e
envolvimento necessários a um aconselhamento objetivo e prático.
É claro que essa ajuda deverá sempre adaptar-se ao tipo de alcoolista, ou melhor,
às características do indivíduo em questão. Encaminhar um materialista a grupos
místicos é desperdiçar oportunidades, talvez irresgatáveis. Ao profissional
interessa estar a par de todos os recursos disponíveis de tratamento, além de que
tipo de tratamento indicar-se-á para cada caso.
O tratamento do alcoolista consiste, em termos genéricos, em fornecer suporte
psicossocial á abstinência, ou seja, oferecer a essa pessoa, além de tratamento
médico, espaço para sentir, sofrer e crescer sem que para isso seja necessário
beber. Compreensão e identidade são fundamentais, objetividade e envolvimento
são importantes. Qualquer ação terapêutica que ofereça esses elementos pode
ser utilizada paralelamente ao programa dos doze passos. Grupos religiosos,
grupos sociais, grupos psicoterapêuticos ou grupos de ajuda mútua incluem-se
como recursos cabíveis e úteis.
Conhecer a realidade do paciente: seus medos; suas angústias; suas dúvidas;
seus anseios e suas crenças é uma maneira segura de evidenciar características
do caso para um encaminhamento objetivo do tratamento.
Para que tudo isso tenha um mínimo de efetividade, uma coisa deve estar
totalmente clara para o alcoolista: a impossibilidade absoluta de progresso sem
que alguma forma de auxílio lhe seja prestada. Portanto, em qualquer ação
profissional relacionada ao Segundo Passo de Alcoólicos Anônimos devem estar
sempre evidentes os motivos de tal afirmativa, ou seja, é impossível ajudá-lo no
Segundo Passo sem que o primeiro tenha sido vivenciado de forma satisfatória.
Walter Cunha
3º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
TERCEIRO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Terceiro Passo diz: “Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos
cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos”.
Agir. Estamos diante de uma dificuldade concreta no processo de tratamento. Até
agora, o alcoolista conseguiu vivenciar um sentimento de derrota, um aliviante
sentimento de leveza e liberdade, antes que tardia e ainda que fugaz, mas que
serviu para apresentá-lo humilde, disposto a ser ajudado. O Terceiro Passo trata
de como fazê-lo.
É necessário confiar, acreditar que a ajuda oferecida é suficiente e capaz de
reverter o mecanismo de destruição. Medo, dúvidas e ceticismo são naturais e
deverão ser enfrentados com paciência e compreensão. A confiança é a molamestra para um Terceiro Passo eficaz, é o combustível que moverá o mecanismo
terapêutico – apesar do risco constante de retrocessos a cada dificuldade, diante
dos quais deve-se, sempre, retornar aos passos anteriores e reforçar a
consciência da necessidade do tratamento e da possibilidade de sucesso.
O alcoolista estará, neste momento, diante de características importantes de sua
doença: o imediatismo; a compulsividade; a imaturidade; a insegurança e o
ceticismo. O álcool trouxe alívio sintomático para seus conflitos mas trouxe-lhe,
também, a incapacidade de encará-los sem beber, tolhendo-lhe, cronicamente, as
possibilidades de crescimento. Abstêmio, ele estará novamente diante de tais
conflitos, desconfortável e sem opções imediatas de alívio. A tendência natural
será sempre, até que todo esse processo seja revertido, a recidiva. Sua (de
todos) única segurança é a certeza (consciência) de que não há mais alívio, e sim
dor cada vez mais intensa, contido no hábito de beber.
O Terceiro Passo é um passo de ação – costuma-se ouvir em grupos de
Alcoólicos Anônimos. Chegou o momento, é preciso começar e a única forma
para começar a reverter a dependência alcoólica é acreditando que alguma outra
forma de ajuda será suficiente para fornecer alívio e conforto. Pessoas, grupos,
planos de vida, Deus, algo há de funcionar, o importante é confiar, dar-se a
chance de experimentar.
A atitude do profissional, neste momento, é muito importante. Para o alcoólico,
submeter-se a um processo de tratamento, onde conceitos e valores definidos e
concretizados patologicamente durante tanto tempo devem ser renunciados e
reavaliados é, antes de tudo, doloroso. Dor, medo, angústias e pavor são
imobilizantes. É diferente saber-se doente e admitir a possibilidade de tratamento,
de integrar-se e fazer parte, efetivamente, de um grupo terapêutico. A mobilização
do paciente, neste momento, depende, fundamentalmente, de confiança e
respeito mútuos. A identificação recíproca como fonte de conforto e alívio da
solidão e insegurança tem sido largamente utilizada por Alcoólicos Anônimos.
Visivelmente, a consciência do passado é a mola propulsora desse processo e a
entrega, nome dado à verdadeira participação no tratamento, depende,
basicamente, de quão necessário esse processo é percebido pelo paciente.
Confiar, de uma hora para outra, em pessoas que lhe propõem abstinência do
único recurso paliativo a seus conflitos depende de muita resignação e humildade.
A tarefa do profissional consiste, em primeiro lugar, em reforçar sempre a certeza
de que o tratamento indicado é extremamente necessário e tão eficaz quanto
mais ampla for a participação do paciente. A partir de então, esse profissional
poderá ajudá-lo a adquirir confiança no grupo terapêutico, em função da confiança
adquirida em si próprio. É comumente notado que o alcoolista passa a acreditar
no tratamento a partir do momento em que toma contato com os benefícios que o
mesmo vem-lhe trazendo. Incentivo, apoio e envolvimento são, aí, fundamentais.
É importante esclarecer que para um programa propulsionado por motivação
intrínseca para mudanças concretas de comportamento e valores, é fundamental
que o ciclo de retroalimentação dessa motivação esteja fluindo naturalmente.
Disso dependem todos os outros passos e de tais passos depende a segurança e
a efetividade do tratamento. Cada progresso é um vínculo a mais com o próprio
processo e cada vínculo adquirido é a própria motivação para novos progressos.
Confiança se transmite confiando, fé só se transmite acreditando.
Walter Cunha
4º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
QUARTO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Quarto Passo diz: “Fizemos minucioso e destemido inventário moral de
nós mesmos”.
A satisfação dos instintos naturais é fonte, também natural, de prazer. O alcoolista
é aquele indivíduo que não consegue obter naturalmente prazer através da
satisfação de seus instintos e segue, portanto, dois caminhos diferentes: um que
leva à exacerbação de seus instintos ou a uma necessidade vital de permanente
satisfação destes para obtenção de um prazer básico; e outro que leva ao uso do
álcool para a obtenção do mesmo prazer básico a partir da satisfação natural de
seus instintos. Enfim, ou o alcoolista exagera na satisfação de seus próprios
instintos ou inclui o álcool em seu ritual de prazer, ou mesmo, ao final do
processo, ambas as coisas, quando nem uma nem outra forma são suficientes
para gerar aquele prazer básico.
A tendência é sempre esse indivíduo optar, de acordo com a sua personalidade,
por um, ou pouco mais de um, instinto natural a ser satisfeito, geralmente aquele
que mais se relaciona com sua formação, moral e cultural, e estilo de vida.
Assim, com ou sem álcool, inicia-se o processo psicopatológico do alcoolismo.
Valores, conceitos e, por conseguinte, comportamento e relações sociais
destinam-se exclusivamente à obtenção de prazer (por que não dizer alívio?) e
sofrem, progressivamente, graves deturpações. Com a inclusão do álcool
(utilizado, aí, com finalidade patológica) e de todas as contingências físicas,
psíquicas, sociais e morais de seu abuso, é perfeitamente previsível a
deterioração global dos elementos pessoais e interpessoais do indivíduo.
A partir da abstinência, é comum que o processo se reinstale ou se perpetue já
que a fonte suplementar de prazer, o álcool, não mais está presente. Alcoolistas
em recuperação são geralmente compulsivos por algo como trabalho, sexo,
religião, dinheiro, comida, relacionamentos ou outras fontes de prazer. E é
evidente que todos esses exageros levam sempre a relações distorcidas com o
objetivo de prazer. Caráter e comportamentos patologicamente construídos sob o
estigma da necessidade compulsiva de satisfação pessoal (ou alívio), são
características do alcoolista.
A única maneira de reverter esse quadro, após a interrupção do uso do álcool, é
através de profunda reformulação. Parar de beber significa, apenas, remover da
cena principal um objeto importante na caracterização do quadro mas, para
modificar-se o enredo, deve-se reavaliar todos os papéis e cenários.
É muito comum que, em função daquela necessidade básica de prazer, o
alcoolista tenha desenvolvido artifícios psicopatológicos como desonestidade,
egocentrismo, megalomania e outros, assim como protegido sua própria
fragilidade atrás de mecanismos racionais ou inconscientes de defesa. É muito
mais comum ainda que, retirado o álcool, permaneçam todas essas
características, até que algo seja feito para modificá-las. Travar contato com todas
elas é, pois, fundamental para a concretização de uma proposta efetiva de
abstinência alcoólica.
Deve-se ter em mente também que é imperiosa a necessidade de uma nova fonte
de prazer, sem a qual o desconforto, ocasionado pela abstinência alcoólica, pela
perda do recurso mágico de alívio e pelos conflitos pessoais e sociais, tornar-se-á
insuportável e a recidiva inevitável.
A proposta do Quarto Passo é, justamente, além de iniciar efetivamente a
reformulação através da auto-avaliação, fornecer, por meio do movimento
psíquico (mobilização), uma fonte alternativa de prazer (pelo simples fato de estar
tentando iniciar um processo de mudança e busca de melhor qualidade de vida).
A fonte espiritual ou psicossocial de prazer inicia seu fornecimento a partir da
eclosão desse ciclo: tentar mudar para poder crescer, assim como crescer para
continuar tentando. O prazer, aí, é endógeno e retroinjetável.
O Quarto Passo é, portanto, uma proposta prática de ação. Após adquirida,
consistentemente, uma consciência da necessidade de mudar; após ter
vislumbrado perspectivas objetivas de ajuda nesse sentido; após ter arriscado
acreditar na eficácia dessa ajuda, eis que é apresentada, ao alcoolista, uma
maneira concreta e prática de iniciar o processo de mudança.
Como já foi dito, um programa de teor comportamentalista depende muito de
motivação (submissão e aceitação, derrota e humildade) e a cada passo que se
avança, aumenta a necessidade de aprofundamento nos anteriores. Isso torna-se
óbvio pelo conseqüente e inevitável afastamento da fonte inicial de motivação (o
sofrimento agudo) que se torna, consciente e inconscientemente, obscurecida
pelo tempo, pela memória e pelos mecanismos psíquicos de defesa. A fonte
básica de motivação está sempre na realidade, passada e presente, que cerca o
alcoolista, ou seja, na desestruturação de suas relações pessoais e interpessoais.
Caracterizá-las objetivamente é objeto e motivo do Quarto Passo, para que haja,
concretamente, razão e possibilidade de modificá-las.
Alcoólicos Anônimos fala em meticulosidade e perenidade e estas são palavraschave para um Quarto Passo eficaz. Quanto maior a motivação básica, mais
meticulosa e profunda será a auto-avaliação e, evidentemente, melhores serão os
resultados e benefícios desta, que o são, por si, progressivamente utilizáveis
como fontes auxiliares de motivação para a continuidade do processo.
O papel do profissional, nessa etapa do tratamento, é fornecer ao paciente meios
concretos para desenvolvimento desse inventário. Apresentar roteiros objetivos,
questionários, identificar características morais e atitudinais a serem avaliadas,
reforçar a reativar motivações, incentivar a participação em atividades
terapêuticas grupais para que novos elementos sejam reconhecidos e estar
disponível, fazem parte de uma atitude facilitadora e compreensiva (nunca
protecionista e permissiva), bastante útil em um momento tão ansiogênico e
doloroso.
O apoio de um grupo terapêutico homogêneo e integrado é, também, fundamental
para promover alívio e conforto, além de incentivo.
O restante depende, exclusivamente, do próprio alcoolista. Não custa salientar,
mais uma vez, que a cada interrupção do processo terapêutico por recidiva devese, sempre, retornar ao início do mesmo.
Walter Cunha
5º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
QUINTO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Quinto Passo diz: “Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e
perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas”.
Se pudéssemos resumir o tratamento do alcoolismo em uma só palavra, esta
seria “reformular”. É claro que essa reformulação deve ser tão abrangente quanto
se deseje efetividade para o tratamento. E é claro, também, que essa profunda e
complexa reformulação deve ter início o quanto antes.
Os passos anteriores trataram de um preparo, pessoal e metodológico, do terreno
propício a essa reformulação e, através de um meticuloso inventário inicial, foi
possibilitado, ao alcoolista, tomar contato com o que de mais premente há para
ser reformulado.
A partir do Quinto Passo inicia-se concretamente a reformulação, pois, em termos
abstratos e genéricos, é óbvio que esta inicia-se desde o momento primeiro do
tratamento – à interrupção do uso do álcool.
Após o momento de reflexão proposto no Quarto Passo, e após uma efetiva
participação em procedimentos terapêuticos grupais, é bem provável que o
paciente tenha podido enxergar alguns aspectos importantes de sua moral,
caráter e comportamento e é também possível que, diante do recém-iniciando
processo de autoconhecimento, ele tenha condições de avaliar os propósitos e
benefícios de tentar reformular alguns desses aspectos.
De certa maneira, pode-se imaginar que após esses progressos o alcoolista
esteja apto a dirigir seus próprios caminhos no sentido de uma verdadeira
reformulação. Mas, infelizmente, estamos diante de uma doença cujos sintomas e
sinais principais derivam de conflitos gravíssimos entre consciência pessoal e
consciência social e fundamentam-se em crônica distorção da visão de mundo e
da realidade. Portanto, é possível também que todos esses elementos
terapêuticos até aqui desenvolvidos estejam, sobremaneira, influenciados por
essas características patológicas, a saber; negação, racionalização e projeção.
Além disso, quando se trata de alcoolismo, com todo o seu estigma moral e
social, é provável que entre o reconhecimento de todas as facetas adoecidas do
caráter e do comportamento e a real admissão de todas elas como patológicas,
exista uma grande barreira formada por orgulho e preconceitos pessoais.
É preciso, portanto, promover uma ampla discussão de todos esses dados, para
que estes possam ser elaborados detalhadamente sem aqueles bloqueios
pessoais. Mecanismos psicológicos de defesa, orgulho e desconfiança devem ser
dissolvidos através da confiança mútua; da integração definitiva; da igualdade; da
compreensão; do alívio e da catarse.
É esse o fundamento do Quinto Passo. Alcoólicos Anônimos o chama de “limpeza
da casa”, uma verdadeira abertura de portas e janelas, uma ruptura definitiva com
os principais vínculos mantidos com a doença.
O clímax do programa terapêutico de base comportamentalista está na submissão
integral e esta está contida no Quinto Passo. A partir do momento em que o
alcoolista se expõe, honesta e claramente, a outra pessoa de sua inteira
confiança, ele está, automaticamente, rompendo as barreiras do isolamento, do
orgulho, da desconfiança e da desonestidade. Vencer o medo, a culpa, a
vergonha e a raiva depende de muita motivação e é a prova definitiva de que
existe real aceitação e entrega (como foi anteriormente definida) ao processo
terapêutico e, portanto, reais possibilidades de êxito.
O profissional pode desempenhar diversos papéis para prestar auxílio ao paciente
na efetivação desse passo, desde promover uma discussão ampla das
características do alcoolista, em grupos terapêuticos, até dispor-se a compartilhar
com o paciente a íntegra de seu Quinto Passo. Para isso, é necessário apenas
discrição e imparcialidade, já que a confiança depositada pelo paciente ao
escolhê-lo como apto a desempenhar tal papel denota existirem, nesse
profissional, atributos pessoais relevantes.
É importante salientar que não existe parâmetro para se verificar a eficácia do
Quinto Passo, a não ser o que esse procedimento trouxe de resultados em
relação à evolução do paciente. Este próprio deverá ser o parâmetro de
efetividade. Um Quinto Passo deve servir para promover, antes de mais nada, a
definitiva integração do alcoolista ao processo de tratamento e, diante disso,
podem ser necessários outros “Quintos-Passos” mais, tantos quantos forem
necessários à tal integração. O mais importante, aqui, é iniciar.
Walter Cunha
6º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
SEXTO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Sexto Passo diz: “Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus
removesse todos esses defeitos de caráter”.
O processo está em andamento. Desde o início desse programa
comportamentalista de tratamento do alcoolismo deixamos claro que a única
forma de reverter o mecanismo da dependência seria substituí-la por um estado
dinâmico de busca de crescimento; um crescimento baseado em progressos,
ditos espirituais, e no prazer advindo da consciência de estar tentando progredir.
Para isso, consideramos fundamental uma profunda auto-avaliação de valores,
conceitos e atitudes pessoais e uma inabalável, enquanto duradoura,
determinação para prosseguir.
A realidade da vida do alcoolista trouxe-lhe, ao lhe ser apresentada, a consciência
de sua doença e da necessidade de submeter-se a esse processo para superá-la.
Essa realidade foi referencial para a determinação necessária à primeira grande
mudança: a interrupção do uso do álcool.
O processo de dor aguda e de perda e o sofrimento gerado a partir da
abstinência, praticamente compulsória, mostraram-lhe a necessidade de uma
fonte exógena de ajuda, operando assim a segunda mudança: a ruptura do
isolamento e da onipotência.
A iminência do desconforto e a necessidade premente de alívio o fez acreditar
nessa ajuda que lhe foi oferecida, integrando-o ao processo terapêutico e
efetivando a terceira mudança: a reversão momentânea da desconfiança e do
ceticismo.
Em cada progresso efetivado está implícito uma agradável sensação de bemestar, uma sensação de conforto que origina-se na liberação paulatina das garras
da dependência que significam, concretamente, vínculos com o estado de
doença, evidenciados em deturpações crônicas de caráter, comportamento e
moral. É simples exemplificar: o uso abusivo do álcool leva à necessidade de
mentir para proteger-se e ao objeto de consumo, a tal ponto que a mentira
incorpora-se ao indivíduo, tornando-se implausível dizer a verdade. Ao não mais
precisar beber, rompem-se os vínculos com a atividade da doença e a mentira
torna-se inútil e descabida. O contato com essa nova realidade traz,
imediatamente, a sensação de alívio e liberdade que é a motivação para
prosseguir.
Esse simples exemplo demonstra a necessidade da minuciosa avaliação de todos
os valores, conceitos e atitudes inerentes à pessoa do alcoolista. A simples
efetivação dessa avaliação inicia uma nova fase de mudanças: a ruptura do
medo; da culpa e da vergonha decorrentes do orgulho patológico.
Consequentemente, o partilhar do resultado dessa avaliação com outrem nada
mais é do que o culminar desse processo: o orgulho e a desonestidade; os
preconceitos e as defesas, sendo amplamente expostos e derrotados.
Efetivamente, o processo está em andamento. Mas deve estar claro, ao
profissional e ao paciente, que este apenas inicia-se. Como todo processo, ele
deve ser contínuo, pois dessa continuidade depende a integridade do tratamento.
Tal como o efeito do álcool, são fugazes o alívio e o prazer obtidos a cada
mudança (conquista). Portanto, se almejarmos uma recuperação efetiva, deve-se
manter sempre acesa a esperança de melhorar (crescer).
O Sexto Passo é justamente o fundamento disso, a mistura exata da eterna busca
da perfeição com a consciência da impossibilidade em alcançá-la. Deve-se
sempre tentar chegar o mais próximo possível dela, mas deve, também, estar
claro que perfeição é, e sempre será, meta.
Portanto, para o profissional interessa fornecer subsídios para manter o processo
em andamento, sem que haja interrupção por obstáculos concretos ou abstratos.
Em grupo ou individualmente, além das recomendações já repetidas, a atuação
do profissional pode basear-se em: identificar elementos a serem reformulados,
assim como deturpações de caráter e comportamento, aberrações morais ou,
mesmo, inversão ou perversão de valores; além de valorizar, sempre, as
mudanças, consciente ou inconscientemente, já efetuadas pelo paciente.
Evidenciar situações onde o orgulho, a ambição, o rancor, a gula, a lascívia, a
inveja, a preguiça ou outras derivações instintivas hajam gerado desconforto ou
causado empecilhos à boa resolução de conflitos, pessoais ou sociais, pode ser
útil, ainda mais quando complementado através do fornecimento de métodos
concretos de autotreinamento para reavaliação desses elementos.
Encorajar, incentivar e reforçar a motivação básica, são atitudes sempre cabíveis
ao profissional interessado.
É sempre oportuno clarificar que a tendência evolutiva do tratamento é a
acomodação, a partir do distanciamento objetivo e subjetivo da dor aguda. O
profissional, nestes momentos, deve estar atento para mecanismos de boicote ao
tratamento, tais como: ausências; justificativas e argumentações, utilizando o
confronto como arma terapêutica sempre que necessário. Impor limites,
pressionar, advertir o paciente das conseqüências de uma recidiva, sempre
baseado em dados concretos, deve ser um recurso ao qual deve-se estar sempre
pronto a recorrer.
Em se tratando de alcoolismo, ajudar e encobrir falhas são antônimos
inconfundíveis.
Walter Cunha
7º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
SÉTIMO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Sétimo Passo diz: “Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de
nossas imperfeições”.
A necessidade imperiosa e constante de satisfazer seus impulsos torna o
alcoolista egocêntrico, isolando-o de valores espirituais, como se o prazer e o
bem-estar imediatos fossem as únicas maneiras de sentir-se bem.
Ao mesmo tempo, a participação do álcool nesse processo de dependência do
prazer traz consigo todo o amplo leque de conseqüências físicas, psíquicas,
sociais, comportamentais e morais, característica do abuso químico e torna o
sofrimento parte ativa desse ciclo mórbido. A dependência gera ansiedade e sua
satisfação gera conseqüências desastrosas à estrutura global do ser humano.
Com o passar do tempo, o prazer torna-se cada vez mais distante enquanto a dor
mostra-se presente e avassaladora.
É uma vida inteira, anos e anos gastos em ansiogênica luta contra um processo
de dependência para o qual uma única solução encontrada tornou-se
insuportável. O ciclo patológico de dor como necessidade de alívio, alívio esse
gerador de mais dor, entrava-se no limite individual de sofrimento que cada ser
humano desenvolveu intrinsecamente. Ao atingi-lo, o indivíduo descobre que não
é mais possível manter esse processo e este pode ser o passo inicial para a
descoberta da necessidade de romper o isolamento e buscar, na força das
relações interpessoais, uma nova fonte de alívio e prazer. Vivenciar uma
humilhante sensação de desespero; derrota diante de sua própria opção de vida;
falência de seus mecanismos de obtenção do prazer; pode ser a única solução
para romper o processo de dependência e, através disso, vislumbrar, no convívio
social, e na reformulação pessoal como elemento possibilitador deste, o substituto
ideal para promover um bem-estar duradouro.
Essa sensação, alimentada pela dor e pela ausência de perspectivas, impulsiona
o alcoolista a entregar-se a um processo de tratamento que procura basear-se na
manutenção de um novo ciclo de retroalimentação pelo prazer, este
fundamentado em crescimento pessoal e redescoberta de valores ditos
espirituais. Para isso, propõe-se uma criteriosa avaliação do indivíduo como ser
social e uma, não menos criteriosa, reformulação de todas as deturpações
psicossociais características do ciclo patológico.
Ao atingir esse estágio, o alcoolista depara-se com dificuldades objetivas. Em
primeiro lugar, admitir que deveria interromper o uso do álcool derivou-se de
profundo e insuportável sofrimento, o qual, é fato, já não mais é presente. Sem
dúvida, a abstinência trouxe reflexos positivos importantes e a dor já não é mais
tão aguda e lancinante quanto aquela que motivou tal mudança. Em segundo
lugar, parar de beber significa, em princípio, abdicar do grande causador de males
físicos, psíquicos e sociais e, tendo descoberto a possibilidade de fazê-lo, a
tendência é acomodar-se e relaxar. Ainda mais quando progredir significa encarar
valores e comportamentos profundamente desenvolvidos e que, nem sempre,
estão conscientemente ligados ao sofrimento original.
O profissional deve estar preparado para identificar sérios e graves entraves à
progressão do tratamento. O alimento do ciclo de recuperação do alcoolismo é a
motivação ininterrupta, a motivação pela motivação. O contato consigo mesmo, a
consciência de suas deficiências, a certeza de que é necessário revê-las para
desenvolver sua capacidade de relacionamento interpessoal, devem ser
objetivamente expostos como partes de uma única solução para promover
durabilidade ao processo de recuperação.
Humildade, termo tão utilizado em Alcoólicos Anônimos, é exato e perfeitamente
cabível. O produto ideal da humilhação diante da inevitável derrota pela
perspectiva de liberdade em função de trabalho sério e honesto consigo mesmo.
É importante reforçar que essa humildade não é apenas uma necessidade vital
para sobreviver ao rude golpe da perda de controle, mas, fundamentalmente, um
estilo de vida, no qual, a cada dia, constrói-se, ou reconstitui-se, algo mais da
capacidade individual de relacionar-se a partir da reformulação pessoal.
O prazer não está na vitória mas na sensação (humilde) de tentar, honestamente,
ser melhor.
Dessa maneira, fica claro que o sentido da ajuda ininterrupta é o fundamento do
Sétimo Passo. Humildade é reconhecer que, antes de mais nada, precisa-se da
ajuda de outrem para efetivar, com eficácia, a tal reformulação.
Conversar honestamente sobre seus próprios defeitos, compartilhar sentimentos
anteriormente considerados humilhantes como: medo; vergonha; raiva; inveja e
ciúme é a chave do verdadeiro despertar espiritual, o prazer límpido de estar
tentando crescer.
A partir do momento em que o alcoolista descobre os benefícios abstratos, e tão
pouco materialistas, de sentir-se em paz após anos e anos de conflitos e
turbulências, tanto internos quanto externos, pode-se considerar rompido o
processo de patológica dependência. Daí em diante, a dor e o sofrimento não
mais farão parte do processo de reestruturação pessoal e social, conquanto o
prazer, dito espiritual, estará presente até em momentos de objetiva e concreta
dificuldade.
É fundamental que o mecanismo terapêutico esteja apto a proporcionar tal
descoberta, tal despertar. É muito importante valorizar a tentativa, incrementar a
confiança, dar créditos à verdadeira e honesta motivação. É preciso criar, no
ambiente de tratamento, no grupo ou na relação terapêutica, um clima de conforto
e confiabilidade. A compreensão e o envolvimento são as melhores armas para
fazer o paciente acreditar que é possível crescer sem sofrer, sem ter de passar
por novas e dolorosas humilhações.
Como está escrito no texto de “Os Doze Passos” de Alcoólicos Anônimos, cada
um de nós gostaria de viver em paz consigo mesmo e com seus semelhantes. O
alcoolista, apenas, não sabe como fazê-lo, ou melhor, tentar fazê-lo, até então,
tem significado muito sofrimento. O tratamento deve significar, agora, um espaço
para que ele possa encarar a dor das perdas sem precisar sofrer e desfrutar a
alegria das conquistas, por menores que possam representar para outrem.
Se, por acaso, ele vier a acreditar que o elemento terapêutico utilizado pode
ajudá-lo a reconhecer suas deficiências, aceitá-las como seus atuais limites e
modificá-las quando possível e sem sofrimento, só lhe restará agradecer
humildemente e prosseguir confiante.
Walter Cunha
8º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
OITAVO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Oitavo Passo diz: “Fizemos uma relação de todas as pessoas
a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas
causados”.
Esse passo trata de como descobrir, individualmente, a fórmula da
recuperação. Dissemos, e repetimos, que apenas um processo contínuo de
melhoria da qualidade das relações interpessoais e sociais do indivíduo poderia
transformá-las na fonte causadora do combustível (prazer) necessário para
substituir o efeito do álcool. Para isso, todos os passos anteriores trataram
basicamente da principal de todas essas relações – a relação consigo próprio. Em
função disso, é provável que algo significativo do autoconceito tenha sido
resgatado e esteja mantendo o alcoolista motivado ao progresso. A partir do
Oitavo Passo, tenta-se expandir esse universo de relações para as interpessoais,
sugerindo-se um exame e uma reestruturação destas para que se possa reabilitálas.
Afinal de contas, as características do alcoolismo crônico transformaram o
paciente em verdadeiro ser anti-social e suas relações estão totalmente
desestruturadas ou, quando pouco, deturpadas. Todas essas seqüelas são
importantes barreiras ao processo de reformulação, pois de nada adianta uma
consciência pessoal e uma motivação intrínseca se não é possível pô-las em
prática em prol de uma melhor qualidade de vida, no sentido mais amplo do que
vida quer dizer.
É preciso avaliar criteriosa e minuciosamente as verdadeiras falhas de suas
relações para que se possa construí-las sadiamente, sem resquícios patológicos.
É complicado e ansiogênico tentar reformular objetivamente uma relação quando
esta é fonte e produto de ressentimentos, por exemplo. Rever tais
ressentimentos, sua origem, a parcela de responsabilidade que lhe cabe, é partir
para uma verdadeira reformulação.
Esse é, sem dúvida, assim como o nono, um passo difícil e doloroso, onde,
mais do que nunca, a humildade, no sentido de aceitação de limites e deficiências
e real disposição de modificá-los, se mostra indispensável. Uma coisa é admitir,
para si, a existência de defeitos e dispor-se a modificá-los, outra é fazê-lo perante
outrem. Evidentemente, essa admissão ultrapassa os confortáveis limites do
grupo terapêutico, onde conta-se com aliviantes manifestações de carinho e
compreensão. Neste momento, o alcoolista parte para um real contato com o
mundo deturpado que a evolução de sua doença produziu e sabe, ou deve saber,
que nem sempre poderá contar com o mesmo carinho e compreensão. Mas é
exatamente aí onde o medo, o isolamento, o orgulho, tornam-se tão presentes,
que deve estar mais presente ainda a premência da reformulação, em seu mais
amplo sentido.
É indispensável construir relações sadias para que se possa obter prazer
destas, mesmo que, durante muito tempo, o alcoolista tenha que conviver com os
reflexos de sua doença, não em seu comportamento, mas no dos outros e mesmo
que a única parte sadia dessas relações seja, neste momento, o próprio paciente.
É preciso não esquecer que a tentativa honesta de reformular já é a própria
reformulação.
Além disso, em muitas ocasiões, a porção mais doentia da relação é o
sentimento despertado pelo possível prejuízo causado. Portanto, por mais que
possa parecer desnecessário concretamente mexer com ela, o desconforto
gerado por tais sentimentos deve ser revisto.
Em suma, o Oitavo Passo propõe um criterioso exame das relações do
indivíduo, implícito na consciência de que o alcoolismo deturpou-as de tal maneira
que o isolou, sendo, por conseguinte, imperioso tentar reconstruí-las.
É importante, também, que isso seja feito de uma maneira concreta e prática.
Alcoólicos Anônimos sugere que seja feita uma lista de pessoas às quais o
alcoolista tenha prejudicado, concreta ou abstratamente.
O profissional pode ajudá-lo, ao conhecer sua história de vida, alertando-o ou
confrontando-o em situações conflitivas. Uma ordem de prioridade pode ser
aconselhável, preferindo-se sempre as relações geradoras de maior desconforto
no momento.
Além disso, como já foi dito, o ambiente do grupo terapêutico tem seu papel
intensificado por momentos como estes, quando a própria reformulação é
confrontativa e ansiogênica.
Em resumo, esse Quarto Passo das relações, como é dito em Alcoólicos
Anônimos, significa o começo do fim do isolamento e, mais ainda, da
marginalização social do alcoolista e é sumamente importante que isso esteja
claro.
Walter Cunha
9º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
NONO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Nono Passo diz: “Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais
pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicálas ou a outrem”.
Esse passo é, evidentemente, a prática do oitavo. Consciente de que é
necessário reconstruir seu universo de relações, de uma forma saudável e
prazerosa, o alcoolista precisa agir.
É muito importante que o profissional esteja atento ao momento vivido pelo
paciente. É provável que a abstinência seja, por si só, motivo de euforia e êxtase
para este, motivando-o a atos pouco racionais, tendendo impulsivamente a clamar
ao mundo arrependimento e disposição em mudar de vida. Isso tudo é
perfeitamente compreensível ao analisarmos a sensação de liberdade causada
pela ruptura do vínculo concreto com a dependência. Mas é preciso saber,
também, que atitudes impensadas podem gerar conflitos perigosos a abstinência
frágeis e recentes. É fundamental uma certa estruturação dessa abstinência em
bases sólidas de consciência, motivação e autoconhecimento, para que se possa
prever os resultados de tais atitudes e preparar-se adequadamente para eles.
As relações de um alcoolista crônico são, geralmente, carregadas por
sentimentos adversos de ambas as partes, concretamente elaborados em função
de fatos reais, intensificados, quase sempre, por preconceitos morais e sociais, o
que as torna, literalmente, bombas a explodir. É preciso muito cuidado ao abordálas para que revelações intempestivas não funcionem como estopins para
verdadeiras crises agravantes do quadro. Cada reparação deve ser precedida de
minucioso exame da estrutura pessoal do paciente, de seu preparo prévio, de sua
motivação para tal atitude, das contingências envolvidas na desestruturação de tal
relação, do momento presente desta e das possíveis conseqüências de uma
revelação contundente para ambas as partes.
É claro que nem todas as relações estarão deterioradas a tal ponto. Mas é claro,
também, que nem sempre a superfície destas retrata fielmente o íntimo de um
contato patogênico. Evidentemente, não há pressa e o próprio processo de
abstinência servirá como fonte inicial de alívio das tensões de tais
relacionamentos. Pode-se orientar o alcoolista para que comece a se colocar,
revelando seus propósitos de recuperação e reformulação, o que, sem dúvida,
preparará o caminho para revelações mais profundas. É até possível que apenas
isso seja suficiente para que uma nova relação comece a ser moldada entre os
envolvidos, mas não se deve esquecer que o objetivo não é apenas modificar o
exterior de tal relacionamento e sim as emoções que estão nele implícitas.
Além do mais, a cada vez que o alcoolista se revela diante de outrem, expõe seus
defeitos de forma humilde e honesta e reintera sua disposição em reformular-se,
está criado um forte vínculo com seu estado de abstinência. A partir de então, a
recidiva significa, além de todos os prejuízos inerentes à própria doença, a
humilhante sensação de fracasso de seus propósitos diante das pessoas, alvos
de tais reparações.
É importante, portanto, incentivar sempre. É claro que precaução não significa
procrastinação. O preparo prévio é fundamental porque previne catástrofes, mas
catástrofe idêntica é a paralisação do processo de reformulação. Isso porque a
própria atitude de expor-se, revelando falhas e deficiências, e mostrar-se
dispostos a melhorar, é fonte de gratificante sensação de conforto e bem-estar,
mesmo que os resultados, a nível da relação, não sejam satisfatórios. O
movimento do prazer psíquico como fonte de motivação para novos progressos
está mantido e é isso o que importa.
Esses resultados concretos, em termos da relação propriamente dita, podem ser
previamente avaliados em função do teor da revelação a ser feita. Existem casos
em que o próprio conteúdo dessa revelação é tão contundente e tão prejudicial à
relação que é preferível omiti-lo. Nessas situações, o próprio comportamento e
atitude do alcoolista, no decorrer de seu processo de recuperação, serão
suficientes para minimizar os danos causados sem que seja necessário
pormenorizá-los. Talvez a necessidade de uma reparação plena, em termos
pessoais, possa ser satisfeita a nível de grupo terapêutico, onde o sigilo e a
confidencialidade protegem as partes envolvidas, além de possibilitar a criação do
vínculo terapêutico citado anteriormente.
A principal conclusão disso tudo é que o Nono Passo deve ser realizado da
maneira mais completa possível e, portanto, ininterrupta. A cada conquista, em
termos de relações interpessoais mais saudáveis e bem-estar consigo próprio,
novo projeto semelhante deve ser engatilhado. É neste momento que se reforça a
tese de que o homem é uma inesgotável fonte de emoções, descobertas e,
portanto, prazer, precisando, apenas, para efetivá-lo, ter consciência disso e
tomar contato com uma maneira prática de fazê-lo.
Walter Cunha
10º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
DÉCIMO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Décimo Passo diz: “Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando
estávamos errados nós o admitíamos prontamente”.
Como diz claramente o texto de “Os Doze Passos” de Alcoólicos Anônimos, a
prática dos nove primeiros passos prepara o indivíduo para uma nova vida.
Evidentemente, é necessário muita disposição para tal e muito trabalho foi
realizado para poder romper os principais vínculos elaborados com o objeto de
dependência. Graves deturpações do comportamento e das relações
interpessoais, que transformaram o passado do alcoolista em um fardo
insustentável a ponto de causar o sofrimento necessário à humilhante admissão
de fracasso, tiveram de ser revistas e objetivamente encaradas.
A partir de então, de acordo com a profundidade e a seriedade com que foram
vivenciadas essas nove etapas do tratamento, resta ao paciente, efetivamente,
conviver com seu momento presente.
Livre dos principais entraves passados, objetivos e subjetivos, resta dinamizar o
processo em termos atuais. Conseqüências importantes da descaracterização da
personalidade, da imaturidade emocional e do imediatismo serão, também
objetiva e subjetivamente, enfrentadas pelo alcoolista em seu processo de
recuperação. Inicia-se, a partir de então, um novo tipo de convívio com suas
emoções. Evidentemente, emoções mais limpas, livres do acúmulo de culpas,
remorsos e ressentimentos passados, mas igualmente desconfortáveis pelo
inusitado. Compreende-se que o uso de psicofármacos inibe, cronicamente, o
contato com os sentimentos, tornando-os extremamente desconfortáveis.
Vivenciar raiva, paixão, alegria, tristeza, angústia, ansiedade, sem paliativos,
exige um processo, igualmente demorado, de aprendizado. A necessidade de
alívio é constante e o imediatismo é um risco. É necessário possibilitar, diante de
tantas dificuldades, um saldo positivo para o paciente.
Como fazê-lo?
Sabemos que a dinâmica do processo de recuperação mantém-se pelos seus
próprios ganhos, objetivos e subjetivos. A capacidade de enxergar tais ganhos
está na abrangência do referencial do indivíduo. Esse referencial está moldado
pela consciência do seu passado e das conseqüências deste em seu presente. O
ganho será vivenciado como tal, na medida em que represente progresso em
relação a esse referencial.
Em tudo isso está embutida a importância dos passos anteriores para a
elaboração dessa consciência (referencial) e da motivação em função desta. Está
implícito, também, que as dificuldades presentes representam empecilhos, mais
ou menos graves, para a manutenção dessa dinâmica.
Portanto, concretamente, o Décimo Passo trata de uma maneira objetiva de
trabalhar essas dificuldades presentes antes que passem a representar entraves
sérios. As chamadas armadilhas podem e devem ser desfeitas, antes que o
desconforto originado seja mais forte que a perspectiva de alívio e o indivíduo
recorra ao recurso já conhecido, o álcool.
Os sentimentos devem ser trabalhados de forma a não representarem ameaças e
sofrimento. O indivíduo pode, através de um contato sistemático com suas
emoções, evitar as deturpações, o acúmulo e as reações patológicas, todos
geradores de maior desconforto.
O ideal para isso é o autocondicionamento. Um contato freqüente, se possível
diário, com essas emoções, é fundamental para uma convivência mais saudável
com elas e para um maior aprendizado sobre si próprio. Uma análise cuidadosa e
detalhada dos fatos e motivos envolvidos é importante para a elaboração de um
conhecimento mais amplo de suas reações. O fato de conhecer-se, aprendendo
sobre si próprio a partir do contato com suas emoções e reações, possibilita ao
alcoolista avaliar seu momento sem permitir que falhas acumulem-se e
permaneçam, cronicamente, distorcendo seu comportamento. Um episódio de
raiva pode ser analisado como despropositado e, a partir de então, objetivamente
reformulado, evitando reações igualmente descabidas, conseqüentes entraves ao
relacionamento, e mais emoções desconfortáveis e desnecessárias.
Neste momento, o admitir o despropósito da emoção não significa fracasso e sim
um importante mecanismo de facilitação da convivência social. A partir do
momento em que o alcoolista é capaz de fazê-lo, torna-se possível, para ele,
elaborar seu comportamento de maneira saudável, evitando problemas
desnecessários e maior desconforto.
O alívio e o prazer estão implícitos nesse movimento pela grata sensação de
estar tentando melhorar, o que não implica, evidentemente, em acertar sempre.
Gratificar o convívio interpessoal, através de reações saudáveis às emoções
despertadas pelos relacionamentos, é tarefa muito difícil, principalmente para o
alcoolista, em função de distorções emocionais e comportamentais crônicas.
Seria utópico desejar que de uma hora para outra ele fosse capaz de relacionarse de forma saudável e prazeirosa. Ele pode, apenas, tentar. E através da
motivação para essa tentativa, procura-se possibilitar, pelo inventário diário, o
acesso aos progressos e dificuldades desse processo e, com base neles,
incentivar e facilitar as próximas tentativas.
Evidenciar ganhos enquanto estes não são tão evidentes e possibilitar a
conquista de novos enquanto se processa a reeducação social, esses são os
objetivos do Décimo Passo.
O profissional e o grupo terapêutico são importantes elementos para auxiliar o
paciente nesse inventário. A clareza, a objetividade e a imparcialidade, além da
possibilidade de um espaço para catarse e obtenção de alívio, são cada vez mais
relevantes.
Walter Cunha
11º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
DÉCIMO PRIMEIRO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Décimo Primeiro Passo diz: “Procuramos, através da prece e da
meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que
O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em
relação a nós e forças para realizar essa vontade”.
Prossegue-se tentando viabilizar o processo de reaprendizado necessário para
atingir o objetivo final de recuperação do alcoolismo: a convivência social plena
composta de relações interpessoais prazeirosas.
Como foi demonstrado ao discutir-se o Décimo Passo, é fundamental que o
alcoolista possa, durante o reaprendizado, perceber aspectos positivos em sua
vida, para manter-se motivado independente do grau de desconforto originado
pelas dificuldades e conflitos, inter-humanos. Evidentemente, sabemos que o
alcoolista tende, sempre, a procurar alívio em seu objeto de dependência e,
portanto, tem maior necessidade de conforto que alguém sadio, não-dependente.
Assim como um inventário pessoal diário é útil para um balanço geral do dia ou do
período vivido, a oração e a meditação são formas, igualmente importantes, de
travar um contato mais íntimo com os fatos e as emoções envolvidas no dia a dia.
De uma maneira geral, o programa dos Doze Passos revela-se uma forma
concreta de busca consciente do aperfeiçoamento pessoal, estando, portanto,
subentendidas as dificuldades próprias a um processo de recondicionamento.
O mecanismo da oração e da meditação serve para, em momentos de angústia
decorrente de conflitos e dúvidas, rememorar os propósitos de reavaliação e
reformulação tentando, assim, freiar impulsos antes que decisões ou atitudes
precipitadas – inerentes ao padrão anterior de comportamento – possam trazer,
agora, conseqüências desagradáveis e mais angústia. O hábito de, antes de
qualquer conclusão, analisá-la cuidadosamente à luz dos propósitos originais é
uma eficiente arma contra, por exemplo, o remorso e a culpa.
O tomar contato consciente com suas emoções possibilita ao alcoolista uma
elaboração mais adequada das mesmas e o resultado advindo é a reação mais
coerente com os tais propósitos de reformulação. Esse mecanismo é fonte de um
sentimento de conforto e paz derivado da certeza de estar tentando acertar. E eis
o mistério dos Doze Passos: a manutenção desse processo traz, ao mesmo
tempo, alívio (prazer) e motivação para prosseguir.
Além disso, todos os mecanismos utilizados com o objetivo de estreitar o contato
consigo próprio servem para facilitar a convivência social. Treinar o “parar para
pensar”, condicionado à confirmação consciente da necessidade de aceitar suas
limitações, é fundamental para que o alcoolista possa retirar daí a motivação para
conviver com elas da melhor maneira possível. O relaxamento e a paz advindos
desse contato fornecem condições para um convívio mais amplo em sociedade. É
o treinamento que traz segurança ao alcoolista para enfrentar as dificuldades do
relacionamento interpessoal sem o medo imobilizante de sofrer a cada momento.
Estes, portanto, são métodos eficazes de viabilizar o crescimento através do
prazer (paz e conforto).
Walter Cunha
12º Passo de A.A. (Visão Terapêutica)
O DÉCIMO SEGUNDO PASSO de A.A. (Visão Terapêutica)
O Décimo Segundo Passo diz: “Tendo experimentado um despertar
espiritual, graças a esses passos, procuramos transmitir essa mensagem
aos alcoólatras e praticar esses princípios em todas as nossas atividades”.
Diz ainda o texto: “O prazer de viver é o tema e a ação sua palavra-chave”.
Viver bem em todos os momentos pode parecer utópico, a princípio. Mas,
segundo Alcoólicos Anônimos, isso pode ser conseguido a partir de um elemento
simples, o chamado despertar espiritual. A meu ver, esse despertar significa
descobrir uma motivação básica que oriente e impulsione todas as ações do
indivíduo. Dessa maneira, torna-se muito simples explicar a razão do sucesso do
programa dos Doze Passos.
A derrota diante da dependência alcoólica trouxe o fim do sofrer, através da
consciência do sofrimento, esta evidenciou a necessidade de mudar e reformular
comportamentos, caráter, conceitos e valores, e a busca dessa reformulação – a
luz da fé na viabilidade e eficácia dos métodos empregados – resulta em
mobilização psíquica e prazer. Enfim, orientado pela certeza de necessitar crescer
sempre, o alcoolista em recuperação empenha-se em praticar os Doze Passos
em todos os momentos do seu dia, retirando daí o chamado combustível espiritual
necessário a manter em movimento seu processo de crescimento.
Acredito que o despertar espiritual não seja mais do que a descoberta de que é
possível obter prazer através do simples esforçar-se em direção a um objetivo
claro e incontestável.
A partir de então, resta agir. E a ação que se promove, a partir da necessidade de
manter a máquina em movimento, direciona-se automaticamente aos elementos
desenvolvidos em todos os outros passos de ação. A prática diária ou sistemática
da interparticipação grupal, do inventário, da reparação, da oração, da meditação,
etc., é originalmente, cada degrau do crescimento e, portanto, gera prazer por si
só.
Viver, diária e plenamente, os Doze Passos, essa é a fórmula de ação. Aplicá-la
ao trabalho, ao lazer, ao lar e ao grupo, adaptá-la ao seu ritmo e estilo de vida,
torna simples e prazeroso o relacionamento e a convivência em sociedade, a
partir de que é honesto e prazeroso o convívio consigo.
Agora, ser honesto não significa, apenas, um valor moral e sim, um passo em
direção ao objetivo consciente de crescer e libertar-se e, portanto, gratifica. Assim
como pedir desculpas não significa humilhar-se porque encerra propósitos claros.
Viver, cada momento, com um objetivo maior que a segurança material, a
estabilidade afetiva e o destaque pessoal, é a chave da chamada sobriedade.
Acredito, portanto, que o Décimo Segundo Passo sintetiza a fórmula do programa
de tratamento do alcoolismo sugerido por Alcoólicos Anônimos quando se refere a
“praticar esses princípios em todas as nossas atividades”.
E o mais importante de tudo isso: assim como a doença e o sofrimento igualou
indivíduos diferentes, o objetivo comum os une e os mantém semelhantes em
propósitos e métodos. A ajuda mútua é, portanto, o meio comum que
complementa motivações e objetivos únicos e qualifica o uso do termo
“irmandade”.
Walter Cunha
A TRILOGIA = Serenidade - Coragem - Sabedoria
“A TRILOGIA”
(SERENIDADE – CORAGEM – SABEDORIA)
DEUS, CONCEDEI-ME SERENIDADE...
Serenidade em AA tem o seu significado, a sua conotação. Não é simples Paz,
tão bem expressa nos dicionários populares, a Paz aconchegante dos cobertores,
do calor das noites frias; Paz do ar das montanhas com sua brisa envolvente; a
Paz do carinho, do calor humano... Não, Serenidade é muito mais do que isso.
Serenidade é antes de tudo um estado de espírito que nasce de Deus e cresce
dentro de mim. A minha Serenidade não depende do mundo exterior, de outrem,
de outras coisas. A Serenidade de que preciso, não pode depender de ninguém,
de nada. Ela está comigo, é minha, faz parte de minha vida, do meu dia-a-dia.
Não é como a Paz aconchegante dos cobertores, que se vai quando se tiram de
mim os cobertores; não é a Paz do ar fresco, da brisa envolvente vinda da
montanha, que se desfaz quando eu me afasto da montanha. Não é como a Paz
do aconchego, do carinho, que se vai quando se afasta de mim o ente querido
que me acarinhava... A minha Paz, a minha Serenidade, não pode ser tomada e
perturbada por ninguém, por nada neste mundo. Ela é um dádiva divina, uma
dádiva de Deus e portanto, só Ele poderia me tomar de volta.
A Serenidade precede a Aceitação. É preciso. Há uma seqüência lógica em tudo
isso. Sem Serenidade não há Aceitação capaz de fazer com que eu aceite as
coisas que não posso modificar, por que não dependem de mim. A Serenidade
põe ordem na minha mente, para que eu possa compreender o que os outros
estão dizendo, para que eu possa aceitar as pessoas e as coisas como elas são;
para escutar o que os outros dizem, sem contestações; para aceitar tanto o mal
como o bem como o bom, já que assim fazendo, eu deixo de brincar de Deus...
Serenidade não é subserviência ou covardia, não é um ato instintivo e precipitado,
mas um ato consciente, um ato de coragem. Quando eu alcanço a Serenidade, eu
estou apto para servir a Deus.
CORAGEM PARA MODIFICAR AS COISAS QUE POSSO...
Coragem é uma força advinda da Fé em algo que é Superior a mim
mesmo. Coragem é o medo de ter medo. É o me colocar distante do egoísmo.
Não é egocentrismo. É o saber que não posso modificar o mundo sozinho, mas
saber que posso fazê-lo a mim... mesmo! Coragem não é uma exaltação do meu
ego, da minha personalidade. Não é um ato de afoiteza, de ousadia, de arrojo. A
Coragem exige de mim uma moral forte, vinda de uma força que não depende de
mim, mas que me é dada a mim. Coragem é saber pedir ajuda, porque Deus se
manifesta através de uma consciência coletiva, pois, a Coragem pode ser alguma
coisa feita por algum outro, porque ela pode ser alguma coisa que eu não estou
apto a fazer... sozinho. Coragem é perseverança, é intrepidez, é ter
personalidade. Coragem é saber que Ele fará todas as coisas certas se eu
submeter-me à Sua vontade, mas saber, antes de tudo, qual é a Sua vontade.
Coragem é ter Deus dentro de mim, comigo!
SABEDORIA PARA SABER A DIFERENÇA...
Sabedoria é a essência da Humildade. É o próprio Deus conversando comigo. É
saber escutar aos outros, às suas experiências, já que Deus também se
manifesta a mim, através dos livros e da linguagem do próximo. Sabedoria é ter
tolerância e procurar compreender aos outros que podem me dar discernimento,
luz, melhor do que eu poderia adquirir por mim mesmo. Sabedoria é a verdade
das coisas, já que ela, acima de tudo, é verdadeira. Sabedoria é a puríssima
virtude da Prudência e Prudência é o saber distinguir se o que é bom para mim,
hoje, é o melhor para os outros, amanhã. Sabedoria é bom senso, discernimento,
é procurar mais compreender que ser compreendido, amar que ser amado.
Sabedoria é receber... dando.
Nota: Não é por menos que SOBRIEDADE é um estado de espírito, próprio e
exclusivo aos membros de AA e que se tivesse que ser representada
graficamente, o seu símbolo seria um triângulo equilátero e seus lados seriam
simplesmente: HUMILDADE, SERENIDADE e FÉ.
A Humildade
A Humildade
A humildade é a virtude que dá o sentimento exato da nossa fraqueza,
modéstia, respeito, pobreza, reverência e submissão.
Humildade vem do Latim “humus” que significa “filhos da terra”, ao analisarmos
esta frase, encontramos material suficiente para aprender sobre a humildade.
Filhos da Terra: sentimo-nos oprimidos sabendo que nosso lugar não é aqui,
fomos criados a imagem e semelhança do Criador, descemos por nosso próprio
livre arbítrio, devendo retornar atarvés do nosso esforço e trabalho, fazendo
florescer as virtudes latentes em nossa alma.
Se diz que a humildade é uma virtude humilde, quem se vangloria da sua, mostra
simplesmente que lhe falta.
Ela torna as virtudes discretas, despercebidas de si mesma.
A humildade não depreciação de si mesmo, não é ignorância com relação ao que
somos, mas ao contrário, se tem conhecimento exato do que não somos. Se
apresenta com humildade, sem que a vaidade se manifeste.
Podem-se encontrar diferentes graus de humildade, como também falsas
humildades, pode-se ser humildade em breves momentos, ante algo que nos
parece grandioso.
São falsas humildades: Aqueles que se rebaixam ante os outros querendo
parecer humildes, porém estão cheios de ressentimentos, inveja ou ambição.
Outra falsa humildade é não reconhecer ou não acreditar em seu real valor e se
sentir inferior, pode até possuir humildade porém se inferioriza a tal ponto ante
seus semelhantes, sentindo grande sofrimento em seu interior, este ser não
respeita a sua dignidade.
Ter humildade não significa ser servil.
Ter humildade não é signo de fraqueza.
Pode-se ser humilde sem se depreciar ou reconhecer os valores de cada um.
Mas, a verdadeira humildade, é aquela que o homem tem consciência e possui
uma convicção do que ele é, da sua capacidade, da sua força ou da sua fraqueza,
compreende a sua inferioridade, reconhece seus limites mas, não sofre por isso,
se esforça e trabalha para ser melhor e procura constantemente seu
aperfeiçoamento físico, moral e espiritual.
Ser humilde é saber ir até o ponto de não interferir nos outros, ser humilde é não
entrometer-se na vida dos outros.
Esta humildade, esta consciência, este sentimento se adquire lentamente pelo
trabalho interior ou pode ser provocada pelo recolhimento da existência de algo
superior em nós mesmos, reconhecer a grandeza de Deus, o Poder Superior, das
suas Forças Universais ou das leis que as regem, ante essa compreensão e
reconhecimento interior há humildade, reverência à grandeza do Criador.
A verdadeira humildade sempre está acompanhada de outras virtudes: caridade,
misericórdia, amor, verdade e compaixão.
O Reparador deixou grandes ensinamentos de humildade: ao lavar os pés dos
seus discípulos, assim como nos ensinou o amor ao próximo e a caridade,
quando mitigava o sofrimento dos pobres.
O homem pode nascer com tendências à virtude da humildade, pode nascer
humilde, como também pode trabalhar para adquiri-la.
A humildade é uma virtude que atua sem ilusão, sendo guiada pela razão. Um
bom conhecimento teórico da humildade favorecem o aprofundamento nesta
virtude assim como também o conhecimento exato de nossas limitações.
A humildade produz no interior do homem alegria, paz e serenidade, todo o ser
tem conformidade do que ele realmente é e se sente satisfeito em sua fraqueza.
A força da virtude está na alma e não precisamos ser santos para ter humildade,
afastando o orgulho, a vaidade, a prepotência e o egoísmo.
Auto-Aceitação
AUTO-ACEITAÇÃO
A falta de auto-aceitação é um problema para muitos dependentes químicos em
recuperação. Este defeito sutil é difícil de identificar e freqüentemente permanece
irreconhecível. Muitos de nós acreditavam que o uso de álcool e drogas era o
nosso único problema, negando o fato de que nossas vidas tinham se tornado
ingovernáveis. Esta negação pode continuar a nos atormentar mesmo abstêmios.
Muitos dos problemas que vivenciamos durante a recuperação são provenientes
de uma inabilidade em nos aceitarmos num nível mais profundo. Podemos nem
mesmo nos darmos conta de que este desconforto é a causa de nosso problema,
porque ele normalmente se manifesta de outras maneiras. Podemos perceber que
estamos nos tornando irritáveis, críticos, descontentes, deprimidos ou confusos.
Podemos nos ver tentando mudar fatores ambientais com intuito de satisfazer o
desconforto interior que sentimos. Em situações como estas, nossa experiência
tem mostrado que é melhor procurar dentro de nós mesmos pela causa do nosso
descontentamento.
Muito freqüentemente descobrimos que somos severos críticos de nós mesmos,
afogando-nos em autocomiseração e auto-rejeição.
Antes de conhecermos a programação, muitos de nós passamos nossa vida
inteira em auto-rejeição.
Nós nos odiávamos e tentávamos, de todas as maneiras, nos tornar alguém
diferente. Nós queríamos ser qualquer outra pessoa menos nós mesmos.
Incapazes de nos aceitarmos, tentávamos ganhar a aceitação dos outros.
Queríamos que outras pessoas nos dessem o amor e a aceitação que não
conseguíamos ter, nosso amor e amizade eram sempre condicionais. Nós
faríamos qualquer coisa pôr alguém só para ganhar sua aceitação e aprovação e,
então, poderíamos nos ressentir com aqueles que não correspondessem as
nossas expectativas.
Porque não podíamos aceitar a nós próprios, esperávamos ser rejeitados pelos
outros. Não podíamos permitir que qualquer um se aproximasse de nós por medo
que se conhecessem quem realmente éramos, poderiam nos odiar. Para nos
proteger da vulnerabilidade nós rejeitávamos os outros antes que eles tivessem a
chance de nos rejeitar.
Aprendendo a perdoar a si mesmo
APRENDENDO A PERDOAR A SI MESMO
Primeiro que tudo, você precisa perdoar a si mesmo por não ser capaz de
perdoar. Com freqüência somos muito duros para com nós mesmos e os outros,
por “não sermos suficientemente espirituais”. Saiba que o processo de
crescimento faz sentido; e você não pode dar o segundo passo antes de dar o
primeiro. Peça compreensão ao Eu Interior e, depois, escute a silente e sutil voz
interior.
O Eu Interior nunca assume papel de juiz, não é vingativo, nem indiferente.
Percebe a situação claramente e quer agir para o maior bem de todo mundo
envolvido. Às vezes isso pode significar a renúncia a uma relação; outras vezes
pode significar permitir-se amar novamente e fazer o possível para recuperar uma
relação.
Se você está aprendendo a perdoar a si mesmo, é muito importante que se
lembre de que está aprendendo a compreender sua real responsabilidade numa
relação ou situação. Acostumamos a assumir responsabilidade demais pelo que
aconteceu ou está acontecendo. Do mesmo modo, tendemos a ter dificuldade
para perdoar os outros, por lhes atribuirmos responsabilidade demais, ou seja,
nós os estamos culpando. Encontrar uma perspectiva equilibrada em qualquer
situação que envolva questões de responsabilidade e perdão leva tempo, reflexão
persistente e a disposição de considerar novas idéias.
A verdadeira auto-estima vem, de sabermos que nossa compreensão do Eu, se
aprofunda com a experiência. Estamos aprendendo a confiar em nosso próprio
compromisso pessoal com o crescimento espiritual. Isto quer dizer que já
demonstramos a nós mesmos que podemos mudar e que nossa consciência está
evoluindo à medida que enfrentamos os desafios de nossa situação particular.
Alcoolismo e vergonha na cara
ALCOOLISMO E VERGONHA NA CARA
Outra crença enraizada é a de que o alcoólatra seja uma pessoa fraca de caráter
ou sem força de vontante. Claro, como é que alguém com um minímo de
dignidade pode andar cambaleando por aí?
As pessoas partem do princípio – ingênuo – de que só é bêbado quem quer.
Tanto assim que elas (não-alcoólatras) bebem numa boa e não se deixam “viciar”
pelo álcool. O que falta ao alcoólatra, então, é sermão, descompostura e
providências similares para obrigá-lo a readquirir dignidade e fibra.
É claro que só pensa assim quem nunca sentiu a compulsão alcoólica. Às vezes,
quem insulta o alcoólatra é um gordo que não pára de comer, um fumante que
não pára de fumar, um jogador que não pára de jogar, um mulherengo que não
pára de paquerar: é que a compulsão dos outros é fácil de controlar.
Vergonha na cara não é o que falta ao alcoólatra. A vergonha que ele sente de
beber desbragadamente é tamanha que bebe mais ainda só para embriagá-la.
Um amigo, hoje recuperado pelo Alcoólicos Anônimos, me confiou: “Eduardo, eu
antes de virar alcoólatra cheguei até a morar no Copacabana Palace. Depois, é
óbvio, fui perdendo tudo: dinheiro, profissão e até família. Acredite se quiser,
tornei-me mendigo. Mendigo mesmo, do tipo que cata sobras de comida. Quando
ia pedir esmola, tomava mais umas e outras não para ganhar coragem para pedir
esmola e me assumir como mendigo, pois essa eu tinha, mas para ter coragem
de me assumir como alcoólatra. É que as pessoas me chamavam assim, e a
palavra me fazia mal demais”.
Muitos gigantes da vontade, de rara fibra e garra para todas as coisas são
alcoólatras. São fortes para tudo, exceto para o álcool. Padecem de uma
vulnerabilidade específica, tal como o pâncreas de um diabético em relação ao
açúcar: não foram feitos um para o outro.
Ninguém se torna dependente do álcool porque quer. Mas simplesmente porque,
apesar de todos os mais sinceros e comoventes esforços, não consegue deixar
de beber.
Poder-se-ia argumentar: então, por que começou a beber? Começou porque todo
mundo começa um dia. E quem iria advinhar que, anos depois, estaria possuído
por essa compulsão?
O alcoolismo, como já vimos, dá em todo tipo de gente. Logo o alcoólatra não é
melhor nem pior do que ninguém. Exceto por sua compulsão, é tão fraco ou tão
forte quanto todo mundo.
É importante deixar tudo isso bem claro, pois muitas pessoas morrem bêbados só
para não serem obrigadas a se reconhecerem como gente fraca, sem fora de
caráter.
É óbvio que, não controlado, o alcoolismo em suas etapas avançadas debilita
qualquer gigante. No final, todos os bebedores vão ficando parecidos: vão virando
pasta.
Mas isso é consequência do alcoolismo. Não é a sua causa.
O alcoólatra controlado, sem beber, volta a ser um cidadão como outro qualquer.
Existem alcoólatras do mais alto nível. Outros que não são. Exatamente como os
não-alcoólatras.
Enfim, os alcoólatras são gente como a gente.
Eduardo
Mascarenhas
Serenidade e sabedoria
SERENIDADE E SABEDORIA
Todo homem sábio é sereno.
A serenidade é conquista que se consegue com esforço pessoal, passo a passo.
Pequenos desafios que são superados; irritações que conseguimos controlar;
desajustes emocionais corrigidos; vontade bem direcionada; ambição freada são
todas experiências para a aquisição de serenidade.
Um espírito sereno é aquele que já se encontrou consigo próprio, sabendo
exatamente o que deseja da vida.
A serenidade harmoniza, exteriorizando-se de forma agradável para os que estão
à volta. Inspira confiança, acalma e propõe afeição.
O homem que consegue ser sereno já venceu grande parte da luta.
Assim, não permita que nenhuma agressão exterior lhe perturbe, causando
irritação e desequilíbrio.
Procure manter a serenidade em todas as realizações.
A sua paz é moedas arduamente conquistadas, que você não deve atirar fora por
motivos irrelevantes.
Os tesouros reais, de alto valor, são aqueles de ordem íntima, que ninguém toma,
que jamais se perdem, e sempre seguem com você.
Quando estiver diante de alguém que engana, traindo a sua confiança, o seu
ideal, procure manter-se sereno.
O enganador é quem deve estar inquieto, e não a sua vítima.
Se no seu circulo familiar ou social, você irá sempre se defrontar com pessoas
perturbadas, confusas e agressivas.
Não se desgaste com elas, competindo nas faixas de desequilíbrio em que se
fixam. Elas são um teste para sua paciência e serenidade.
Quem consegue manter a serenidade diante das pequenas dificuldades que
surgem, vence mais facilmente os grandes desafios.
O homem sereno consegue viver mais feliz, pois nada parece afligi-lo a ponto de
fazê-lo desistir dos sonhos que traçou para si mesmo.
O homem sereno jamais busca resolver suas questões através de comportamento
violento, e por isso há muita paz em sua vida.
Auto-Aceitação
AUTO-ACEITAÇÃO
A falta de auto-aceitação é um problema para muitos dependentes químicos em
recuperação. Este defeito sutil é difícil de identificar e freqüentemente permanece
irreconhecível. Muitos de nós acreditavam que o uso de álcool e drogas era o
nosso único problema, negando o fato de que nossas vidas tinham se tornado
ingovernáveis. Esta negação pode continuar a nos atormentar mesmo abstêmios.
Muitos dos problemas que vivenciamos durante a recuperação são provenientes
de uma inabilidade em nos aceitarmos num nível mais profundo. Podemos nem
mesmo nos darmos conta de que este desconforto é a causa de nosso problema,
porque ele normalmente se manifesta de outras maneiras. Podemos perceber que
estamos nos tornando irritáveis, críticos, descontentes, deprimidos ou confusos.
Podemos nos ver tentando mudar fatores ambientais com intuito de satisfazer o
desconforto interior que sentimos. Em situações como estas, nossa experiência
tem mostrado que é melhor procurar dentro de nós mesmos pela causa do nosso
descontentamento.
Muito freqüentemente descobrimos que somos severos críticos de nós mesmos,
afogando-nos em autocomiseração e auto-rejeição.
Antes de conhecermos a programação, muitos de nós passamos nossa vida
inteira em auto-rejeição.
Nós nos odiávamos e tentávamos, de todas as maneiras, nos tornar alguém
diferente. Nós queríamos ser qualquer outra pessoa menos nós mesmos.
Incapazes de nos aceitarmos, tentávamos ganhar a aceitação dos outros.
Queríamos que outras pessoas nos dessem o amor e a aceitação que não
conseguíamos ter, nosso amor e amizade eram sempre condicionais. Nós
faríamos qualquer coisa pôr alguém só para ganhar sua aceitação e aprovação e,
então, poderíamos nos ressentir com aqueles que não correspondessem as
nossas expectativas.
Porque não podíamos aceitar a nós próprios, esperávamos ser rejeitados pelos
outros. Não podíamos permitir que qualquer um se aproximasse de nós por medo
que se conhecessem quem realmente éramos, poderiam nos odiar. Para nos
proteger da vulnerabilidade nós rejeitávamos os outros antes que eles tivessem a
chance de nos rejeitar.
O alcoolismo dá em todo tipo de gente
O ALCOOLISMO DÁ EM TODO TIPO DE GENTE
Uma das lendas sobre sobre o alcoolismo é que ele seja causado pela miséria. A
vida se tornaria tão dura que, para anestesiar-se, o miserável se refugiaria no
álcool. Isso não é verdade. O etilismo ocorre com a mesma frequência em países
pobres ou ricos, países capitalistas ou socialistas. Dá tanto em rico quanto em
pobre, tanto em branco quanto em preto. Não é sintoma de problemas sociais.
Também não é doença de gente triste. Registram-se os mesmos 13% entre
pessoas frustradas ou bem-sucedidas, bem-amadas, tímidas ou extrovertidas,
angustiadas ou tranquilas. Não há conexão direta entre alcoolismo e fossa.
Outra lenda é que o alcoolismo seria decorrência do clima frio. As pessoas iriam
se “viciando” no álcool por recorrerem frequentemente a ele para aquecer o
corpo. Também isso não é verdade: em países tropicais bebe-se tanto quanto nos
países nórdicos – baiano não bebe menos do que sueco ou esquimó.
A compulsão ao álcool não tem igualmente nada a ver com gula ou voracidade.
Dá com a mesma regularidade em gordos e magros, gulosos e frugais. É óbvio
que o alcoolismo é uma voracidade, só que é uma voracidade restrita ao álcool.
Um alcoólatra pode perfeitamente ser uma pessoa moderada em tudo o mais.
Tampouco existem tipos de personalidade mais sensíveis ao álcool. Se muitos
alcoólatras são violentos, paranóicos, ciumentos, muitos não o são, ou só ficam
assim quando estão bêbados, se bem que muito bêbado é meigo, tranquilo,
manso, mesmo no auge do pileque.
O fato de se ficar embriagado com pouco álcool ou de não se mostrar alterado
nem com muito álcool também não quer dizer nada. Muito alcoólatra fica bêbado
na primeira dose, e outros não se embriagam nem depois de beberem um litro. A
única vantagem do alcoolismo de pequenas doses é que sai mais barato para
quem está nele, caso não continue bebendo depois de bêbado...
Alcoolismo também não é coisa de gente preguiçosa ou fraca da vontade. Aquele
atleta de ontem, que acordava com o nascer do sol e apresentava a mais férrea
força de vontade, pode perfeitamente tornar-se o pau-d'água de amanhã.
A frequência com que se bebe, esta sim, é sugestiva de tendência ao alcoolismo,
embora não seja fator decisivo. Muita gente bebe diariamente e jamais perde a
moderação espontânea, enquanto outros bebem anualmente, num único fim de
semana, mas aí ninguém segura. Porém, de maneira geral, o alcoólatra tende a
beber cada vez mais, e mais habitualmente.
Eduardo Mascarenhas
Como saber se você é um alcoólatra
COMO SABER SE VOCÊ É UM ALCOÓLATRA
Se me perguntassem qual é o sinal mais frequente do alcoolismo, eu responderia
que não é a sensação, por parte do alcoólatra, de já ter perdido o controle sobre o
álcool. Digo isso porque quase todo alcoólatra, mesmo que esteja bebendo sem
parar, tem a firme convicção de que controla o álcool. Pode até reconhecer que
anda se excedendo um pouco mas quase sempre achará que isso não passa de
uma fase. Com essa “teoria da fase”, ele explica tudo e se convence de que
parará de beber quando resolver. Não quer se violentar agora, anda tenso,
sobrecarregado, mas, logo, logo, passará a “fase” e aí tudo voltará ao normal...
O que caracteriza o alcoolismo não é a sensação de ter perdido o controle; é, isso
sim, o fato de estar bebendo frequentemente e em doses crescentes. A curva da
bebida é para cima. Só a da bebida...
Tudo começa a se tornar motivo de comemoração. Para vencer a timidez, por que
não umas dosezinhas? Até para fazer sexo ou namorar há que tomar uns
drinques. O alcoólatra bebe porque está triste – para afogar as mágoas - , mas
bebe porque está alegre – para comemorar. Bebe porque está nervoso, para
acalmar, ou porque anda calmo demais, para dar um realce, um brilho na vida. De
início, bebia apenas nos fins de semana, e somente à noite. Se visita um amigo,
logo pergunta pela bebida, tendo sempre a última piada de biriteiro na ponta da
língua para justificar o pedido. Mais dia, menos dia, começa a beber à tardinha –
é a happy hour – para serenar as tensões do cotidiano. Depois, já de manhã;
misturando, é claro, no suco de tomate ou de laranja. Finalmente, engole até
álcool puro ou água de colônia para sair da cama...
Se existe algo que caracteriza o alcoólatra é uma ligação com copos, garrafas, e
garçons. Sua mente está ligada no álcool. Parece que há um campo magnético
que o atrai em direção a ele.
O não-alcoólatra pode, eventualmente, exagerar a dose; mas naturalmente e sem
esforço retorna à sua moderação. Nele o álcool sacia, não “vicia”. Se bebe
demais, empanturra-se e não quer beber de novo. Já o alcoólatra, quanto mais
bebe, mais sente vontade de beber.
Em muita gente o alcoolismo é evidente. São os frequentadores assíduos de
bares e botequins, que vivem cambaleando, dando vexame, sendo
inconvenientes ou falando de língua enrolada. Mesmo nesses casos, porém, em
que o alcoolismo fica patente para quem vê esses personagens, para eles, não é
bem assim. E, como convivem com outros alcoólatras, igualmente interessados
em negar sua condição, cada qual reforça a negação do outro e louva a própria
“excentricidade”, algo “poética”. São notívagos, almas boêmias, seres das
madrugadas, amantes da noite. Boêmio, sim. Alcoólatra, não. E tome pileque...
Eduardo Mascarenhas
s 10 traços de um co-dependente
OS DEZ TRAÇOS DE UM CO-DEPENDENTE
1. O co-dependente é guiado por uma ou mais compulsões.
2. Um co-dependente é compelido e atormentado pelo jeito que as coisas eram
na família disfuncional de origem.
3. A auto-estima (e muitas vezes a maturidade) do co-dependente é muito baixa.
4. O co-dependente tem certeza de que sua felicidade depende de outros.
5. Do mesmo modo, o co-dependente se sente extremamente responsável pelos
outros.
6. O relacionamento do co-dependente com o cônjuge ou outra pessoa
significativa é desfigurado pelo instável desequilíbrio entre dependência e
independência.
7. O co-dependente é um mestre da negação e da repressão.
8. O co-dependente se preocupa com coisas que não pode mudar e é bem capaz
de tentar mudá-las.
9. Além disso, a vida do co-dependente é pontuada por extremos.
10. Para finalizar, o co-dependente está sempre procurando por alguma coisa que
falta em sua vida.
Alcoolismo e dor-de-cotovelo
ALCOOLISMO E DOR-DE-COTOVELO
Uma das lendas mais populares sobre o alcoolismo é aquela segundo a qual uma
pessoa se torna alcoólatra porque teve alguma tragédia amorosa na vida. É a
“teoria Vicente Celestino”: “Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer
aquela ingrata que eu amava e que me abandonou”.
A hipótese que está por trás desses versos é a de que existia um homem
trabalhador, honesto, cheio de amor para dar e que deu tudo que tinha e o que
não tinha para o seu bem-querer. E que fez essa aventureira, sem caráter ou
gratidão? Sem nenhum motivo, abandonou-o! A traição foi demais para quem
sempre fora só carinho e compreensão.
Pelo menos, essa é a versão do alcoólatra da canção. Terá sido essa a
verdadeira estória? Não seria ele, há muito tempo, um biriteiro enrustido, que
apronta sem parar e jamais admite se exceder em nada? Não terá ela suportado
tudo o que uma mulher não pode suportar e, só depois de ultrapassados todos os
limites, desistido?
Jamais saberemos. O que sabemos é que muitas e muitas vezes a verdadeira
versão é essa. Quase todas as músicas de fossa desenvolvem essa teoria da dorde-cotovelo como causa do alcoolimo. Mas essa teoria não leva em conta vários
fatores.
Logo de saída, muita gente sente dor-de-cotovelo e nem por isso torna-se um
ébrio, tentando resolvê-la nos copos de um bar. Algumas pessoas até tomaram
um ou dois pileques por causa de algum sofrimento amoroso, mas nem de perto
adquiriram uma compulsão etílica.
E mais. Se alguém fizer um cálculo estatístico da porcentagem daqueles que
perderam um grande amor e se tornaram ébrios, vai verificar que não é maior
nem menor do que entre aqueles que não perderam um grande amor: os mesmos
10% a 13% vão sempre se repetir!
O máximo que a dor-de-cotovelo pode fazer é deflagrar ou acelerar um alcoolismo
que já existia. Mas, se não fosse ela, outro fator apareceria. Questão de tempo.
O que há de verdade na relação alcoolismo/dor-de-cotovelo não é que a dor-decotovelo gera alcoolismo, é que o alcoolismo gera a dor-de-cotovelo. Afinal, quem
aguenta conviver com um alcoólatra?.
Eduardo Mascarenhas
Inteligência espiritual
INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL
Inteligência espiritual é ter consciência de que a vida é uma grande pergunta em
busca de uma grande resposta. É procurar o sentido da vida, mesmo sendo um
ateu. É procurar por Deus, independente de uma religião, mesmo sentindo-se
confuso no novelo da existência. É agradecer a Deus pelo dia, pela noite, pelo
sol, por sermos um ser único no universo.
É procurar as respostas que a ciência nunca nos deu. É ter esperança na
desolação, amparo na tribulação, coragem nas dificuldades. É ser um poeta da
vida. Você é um poeta ?
No cerne da alma e no espírito humano há um buraco negro, um vazio existencial,
que suga nossa paz diante das dores da vida e da morte. O fim da existência é o
fenômeno mais angustiante do homem. Todos os povos desenvolveram um tipo
de inteligência espiritual para entendê-lo e superá-lo.
Einstein disse: quero conhecer os pensamentos de Deus, o resto é detalhe. Ele
ambicionava algo maior do que revolucionar a ciência. O homem mais inteligente
do século XX queria perscrutar a mente de Deus. Ele buscava o sentido da sua
vida. Onde anda você ?
No passado, eu pensava que procurar Deus era uma perda de tempo. Hoje penso
completamente diferente. Percebo que há um conflito existencial dentro de cada
ser humano, seja ele um religioso ou um ateu cético, que a psiquiatria e a
psicologia não podem resolver.
A psiquiatria trata do transtornos psíquicos usando antidepressivos e
tranquilizantes, e a psicologia, usando técnicas psicoterapêuticas. Mas elas não
resolvem o vazio existencial, não dão respostas aos mistérios da vida. Quando a
fé se inicia, a ciência se cala. A fé transcende a lógica.
Temos milhões de livros científicos, mas a ciência não sabe explicar o que é a
vida. Vivemos numa bolha de mistérios. As questões básicas da existência
humana não foram resolvidas.
Quem somos ? Para onde vamos ?
Como é possível resgatar a identidade da personalidade depois da morte se
trilhões de segredos da memória se esfacelam no caos ?
O fim é o nada ou o fim é o começo ?
Nenhum pensador encontrou tais respostas. Quem as procurou na ciência morreu
com suas dúvidas.
A ciência através do seu orgulho débil, desprezou a eterna e incansável procura
do homem pelo sentido da vida. Agora, estamos entendendo que o
desenvolvimento da inteligência espiritual por meio de oração, meditação e busca
de resposta existenciais aqueta o pensamento e apazigua as aguas da emoção.
Embora haja radicalismos e intolerância religiosa que depõem contra a
inteligência, procurar por Deus, conhecê-lo e amá-lo é um ato inteligentíssimo. O
amor do ser humano pelo Autor da Vida produz força na fragilidade, consolo nas
tempestades, segurança no caos.
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