UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Tese A relevância da Filosofia como disciplina escolar no currículo do Ensino Médio Jorge da Cunha Dutra Pelotas, 2014 Jorge da Cunha Dutra A relevância da Filosofia como disciplina escolar no currículo do Ensino Médio Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação (linha de pesquisa: Currículo, Profissionalização e Trabalho Docente). Orientador: Prof. Dr. Mauro Augusto Burkert Del Pino Pelotas, 2014 Banca Examinadora: Prof. Dr. Mauro Augusto Burkert Del Pino – UFPel (Orientador) Prof. Dr. Álvaro Moreira Hypolito – UFPel Prof. Dr. Gomercindo Ghiggi – UFPel Prof. Dr. Altair Alberto Fávero – UPF Prof. Dr. Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo – UNICAMP Agradecimentos Agradeço a Deus, a todos os familiares, aos amigos e a Marina Veleda Lemos, minha namorada, os quais em muitos momentos tiveram que conviver com a minha ausência em virtude desta Tese, que agora está concretizada. Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pelotas, que me proporcionou todas as condições possíveis para que este trabalho fosse desenvolvido, contando com professores qualificados que muito me ensinaram ao longo deste período de estudos. Agradeço, também, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por disponibilizar a bolsa na qual pude ser beneficiado a partir do ano de 2013. Desse momento em diante consegui me dedicar exclusivamente à pesquisa de campo e à escrita da Tese, o que favoreceu para concluir este trabalho dentro do prazo previsto. Agradeço às duas instituições estaduais de ensino do município do Rio Grande-RS que me abriram as portas para a realização da pesquisa de campo e às supervisoras, aos professores e aos alunos que aceitaram participar desta pesquisa, contribuindo imensamente para o desenvolvimento deste trabalho. Sem vocês dificilmente eu teria êxito na investigação que propus a fazer. Quero registrar meu eterno agradecimento ao reitor, professor e orientador Mauro Augusto Burkert Del Pino, pelas orientações realizadas sempre com grande qualidade, me permitindo repensar a escrita da Tese ou reafirmar com mais convicção os pensamentos que estavam sendo defendidos. Agradeço também aos professores que compõem a banca: Altair Alberto Fávero, Álvaro Moreira Hypolito, Gomercindo Ghiggi e Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo. Deixo registrado o meu agradecimento pela atenção e dedicação que tiveram para com o meu trabalho, desde a banca de qualificação, apontando significativas contribuições para o aprimoramento da minha pesquisa, bem como me incentivando a seguir com o desenvolvimento da mesma em busca do objetivo almejado. Enfim, o meu muito obrigado a todos que de algum modo fizeram parte da construção desta Tese! Resumo DUTRA, Jorge da Cunha. A relevância da Filosofia como disciplina escolar no currículo do Ensino Médio. 2014. 330f. Tese (Doutorado). Programa de PósGraduação em Educação – Faculdade de Educação – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas. O presente trabalho refere-se à pesquisa que realizei em duas escolas estaduais de Ensino Médio, regulares e diurnas, do município do Rio Grande/RS. O estudo teve como objetivo geral investigar em que medida a Filosofia está se estabelecendo como uma disciplina relevante para o currículo do Ensino Médio. A fim de atingir o objetivo proposto, entrevistei as supervisoras, as docentes de Filosofia e das outras áreas do conhecimento e os alunos dos três anos do respectivo nível de ensino das duas escolas, coletando também os conteúdos programáticos. Após essa investigação, concluo que a Filosofia é relevante para o currículo do Ensino Médio, na medida em que preenche uma lacuna que existia na escola, quanto à formação (pessoal, social, política, etc.) dos estudantes, permitindo que os mesmos tenham conhecimento a respeito dos saberes filosóficos que fazem parte do desenvolvimento histórico da humanidade, desenvolvimento este que continua sendo construído e que acompanhará sempre o ser humano, enquanto este existir. Neste sentido, entendo que o contato com a Filosofia oferece o espaço para que os alunos se envolvam com as atividades relacionadas ao leque filosófico e possam iniciar-se na prática da Filosofia desde a adolescência, o que será muito salutar para o desenvolvimento de suas autonomias. Com isso, a investigação que foi realizada poderá contribuir para o aprimoramento do ensino de Filosofia no Ensino Médio, superando a visão “senso comum” que se tem sobre esta disciplina, aproximando-a cada vez mais do âmbito de trabalho contemplada pelo leque filosófico. Palavras-chave: currículo; disciplina de Filosofia; ensino de Filosofia; Ensino Médio. Abstract DUTRA, Jorge da Cunha. The relevance of Philosophy as a school subject to the high school curriculum. 2014. 330f. Thesis (Doctorate). Education Post-Graduation Program – Education Faculty – Federal University of Pelotas, Pelotas. This paper reports the findings of a research conducted in two public, regular, and daytime high schools in the city of Rio Grande/RS. The study aimed to investigate the extent to which Philosophy is establishing itself as a relevant discipline to the high school curriculum. To this end, the supervisors, Philosophy teachers, educators from other fields of knowledge and the students attending the three high school grades in both mentioned schools were interviewed; syllabus material was also collected. It was concluded that Philosophy is a relevant discipline to the high school curriculum as it fills an existing gap regarding students‟ personal, social, and political education. It enables them to become aware of the philosophical knowledge forming the historic development of mankind, which is always in progress and will always accompany human beings while they exist. In this sense, it is understood that the contact with Philosophy gives students the opportunity to be involved in activities related to the philosophical range so they can be introduced to the practice of philosophy since adolescence, which will be very beneficial for the development of their autonomy. Thus, it is expected this research may contribute to the improvement of the teaching of philosophy in high school in a way to go beyond the 'common sense' vision that one usually has on this subject, bringing it ever closer to the scope of work met by the philosophical range. Key words: curriculum; Philosophy; the teaching of Philosophy; high school. Lista de Figuras Fig. 1 – Circuito da Pedagogia dos Conceitos ............................................... 72 Fig. 2 – “Leque Filosófico” para o currículo de Filosofia no Ensino Médio ...... 84 Fig. 3 – O “quebra cabeça” curricular para o aperfeiçoamento da disciplina De Filosofia no Ensino Médio ............................................................. 309 Lista de Quadros Quadro 1 – Eixos do Ensino Médio e Macrocampos orientadores do ProEMI . 30 Quadro 2 – Áreas do conhecimento e suas respectivas disciplinas ................. 33 Quadro 3 – Modelos de ensino dos saberes específicos do campo filosófico . 75 Quadro 4 – Diferenças entre Análise Documental e Análise de Conteúdo ...... 95 Quadro 5 – Resumo dos possíveis domínios de aplicação da Análise de Conteúdo ................................................................................. 97 Quadro 6 – Identificação dos sujeitos investigados – Escola Central .............. 107 Quadro 7 – Identificação dos sujeitos investigados – Escola Periférica .......... 112 Quadro 8 – Categorias construídas ................................................................. 114 Quadro 9 – Capítulos construídos e suas respectivas categorias ................... 115 Quadro 10 – Pontos norteadores para a análise dos dados ........................... 292 Lista de abreviaturas Construção Parcial da Aprendizagem – CPA Construção Restrita da Aprendizagem – CRA Construção Satisfatória da Aprendizagem – CSA Coordenadoria Regional de Educação – CRE Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB Ministério da Educação – MEC Orientações Curriculares para o Ensino Médio – OCEM Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais “Mais” – PCN+ Programa Ensino Médio Inovador – ProEMI Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio – PIBIC – EM Projeto Político Pedagógico – PPP Projeto Político Pedagógico de Apoio – PPDA Prova Interdisciplinar – PI SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................ 13 1. A DISCIPLINA DE FILOSOFIA E O CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO E DO ENSINO MÉDIO NO RIO GRANDE DO SUL ................. 21 1.1. A presença da disciplina de Filosofia no currículo da educação escolar brasileira a partir do Período Republicano ......................................... 21 1.2. O contexto do Ensino Médio brasileiro: do final do século XX ao início do século XXI .................................................................................................. 26 1.3. A nova proposta de estruturação curricular do Ensino Médio no Rio Grande do Sul .................................................................................................. 34 2. POSSIBILIDADES PARA A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DE ALGUMAS DAS ABORDAGENS TEÓRICAS COMPREENDIDAS ENTRE O PERÍODO DE 2008 A 2012 .............................................................................................. 42 2.1. Publicações sobre o ensino de Filosofia: de 2008 a 2009 ....................... 43 2.2. Publicações sobre o ensino de Filosofia: de 2010 a 2012 ....................... 52 3. PERSPECTIVAS CURRICULARES PARA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO .............................................................................................. 74 3.1. O “leque filosófico”: possibilidades para a construção do currículo da disciplina de Filosofia no Ensino Médio ........................................................... 74 3.2. Filosofia e Ensino Médio: análise sobre sua inserção no currículo .......... 85 4. CAMINHOS METODOLÓGICOS ................................................................ 90 4.1. A metodologia investigativa e as ferramentas para a coleta de dados .... 90 4.2. O desenvolvimento da pesquisa de campo ............................................. 95 4.3. O processo de análise dos dados ............................................................ 96 5. SITUANDO A PESQUISA DE CAMPO E A ANÁLISE DOS DADOS ......... 103 5.1. A Escola Central ...................................................................................... 103 5.2. A Escola Periférica .................................................................................. 108 5.3. Categorias de estruturação da Tese para a análise dos dados .............. 113 6. A PRESENÇA DA FILOSOFIA NAS ESCOLAS PESQUISADAS .............. 116 6.1. A carga horária semanal da disciplina de Filosofia .................................. 116 6.2. O espaço ocupado pela Filosofia na escola ............................................ 141 7. O PROFESSOR DE FILOSOFIA E O SEU ENSINO ................................. 150 7.1. Quem é o professor de Filosofia? ............................................................ 150 7.2. Como acontece o ensino de Filosofia nas escolas? ................................ 163 8. FILOSOFIA: A CONQUISTA DE SEU ESPAÇO NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO ............................................................................................. 222 8.1. A (des)valorização da disciplina de Filosofia nas escolas investigadas ... 222 8.2. Caminhos promissores para o aprimoramento da disciplina de Filosofia no currículo escolar .......................................................................... 260 CONSIDERAÇÕES FINAIS: EM QUE MEDIDA A DISCIPLINA DE FILOSOFIA É RELEVANTE PARA O CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO? ... 292 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 311 APÊNDICES ................................................................................................... 321 ANEXO ............................................................................................................ 329 13 INTRODUÇÃO A inspiração inicial para a escrita desta Tese teve como motivação o término do período de adaptação das escolas – em nível de Ensino Médio – à Lei 11.684/08 (BRASIL, 2008), visto que desde o ano de 2012 todas as instituições de Ensino Médio, no território brasileiro, tiveram que incluir a Filosofia em seu currículo escolar, em todos os anos desse nível de ensino (BRASIL, 2009c; LORENZONI, 2009). A pesquisa sobre o ensino de Filosofia é um assunto que me desperta um grande interesse, na medida em que, por meio deste estudo, busco contribuir com os debates que estão sendo realizados sobre essa temática e aprimorar teoricamente o assunto. Meu interesse por esta área surgiu na época em que cursava Pedagogia (2002-2005) na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). No último ano desse curso, foi o momento de decidir em qual habilitação deveria realizar o estágio de docência supervisionada. Dentre as disciplinas de Didática, Sociologia, Psicologia e Filosofia, optei por esta última, o que me levou a lecionar essa disciplina no Ensino Médio de uma escola pública estadual do município do Rio Grande/RS. Após concluir o estágio, meu interesse pela Filosofia cresceu fortemente. Ao término da licenciatura em Pedagogia, decidi cursar licenciatura em Filosofia, buscando aprofundar meu conhecimento sobre essa nova área de interesse. Ao pesquisar onde poderia encontrar esse curso, percebi que a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) oferecia licenciatura em Filosofia e, ao final do ano de 2005, realizei o vestibular, tendo sido aprovado. Ao longo dos quatro anos de curso (2006-2009) conheci mais profundamente essa área do saber e, realmente, me senti identificado pessoal e profissionalmente com esse campo de estudo. No final do ano de 2008, quando estava no terceiro ano, decidi prestar seleção para o Mestrado em Educação da UFPel, visto que meu interesse não era pesquisar algum período histórico específico do campo filosófico, mas discutir a questão do ensino de Filosofia. Minha ideia, ao organizar o projeto para o mestrado, 14 era de relacionar os conhecimentos pedagógicos e filosóficos adquiridos ao longo das duas licenciaturas e elaborar um trabalho que permitisse estudar o ensino de Filosofia no Ensino Médio, uma vez que o mesmo estava iniciando o seu processo de implantação obrigatória em todos os anos desse nível de ensino (BRASIL, 2008). Com minha aprovação, ingressei no Mestrado em 2009, momento em que cursava o quarto – e último – ano do curso de Filosofia. Ao longo dos dois anos de mestrado, concluído em 2010, aprofundei meus estudos nessa temática, atribuindo uma ênfase maior no âmbito curricular do ensino de Filosofia. Esse processo de estudo resultou na minha Dissertação, intitulada O currículo de Filosofia no Ensino Médio: em busca do diálogo entre os saberes abertos e os saberes específicos do campo filosófico (DUTRA, 2010), na qual investiguei a existência da presença da relação dialógica entre os saberes específicos do campo filosófico e os saberes abertos dos estudantes, a partir da compreensão dos professores dessa disciplina. No Mestrado, busquei realizar essa investigação procurando o diálogo com os saberes abertos por acreditar que a importância desses está em considerar que o ensino escolar não deva ser tratado apenas como transmissão de conhecimento. Seu objetivo é trabalhar para além do simples conteudismo. A valorização dos saberes escolares se materializa na defesa de que o ensino escolar deva levar em conta os sujeitos que participam do processo de ensino-aprendizado não somente como “receptores”, mas também como potencialmente “criadores” dos saberes que envolvem o conhecimento escolar. Esses sujeitos são os educandos (DUTRA & DEL PINO, 2011, p. 50). Ao término da investigação – realizada por meio de uma pesquisa qualitativa – foi possível constatar que, de treze docentes, oito demonstraram realizar esse tipo de diálogo que, no posicionamento deles, é algo positivo e gera mudanças de atitude no comportamento dos estudantes1. Caminhando por uma linha investigativa diferente, mas dando continuidade ao estudo referente ao currículo de Filosofia no Ensino Médio, entendo que uma nova abordagem se faz necessária. Digo isso por perceber que, com base nos dados apresentados na minha Dissertação, foi possível constatar que de todos os docentes investigados, apenas três possuíam licenciatura em Filosofia. A pesquisa mostrou que uma das docentes que lecionava essa disciplina era licenciada em Química e lecionava Filosofia para complementar a carga horária, tendo em vista que sua principal disciplina era Química. 1 Para saber mais, cf. DUTRA, 2010. 15 Algumas constatações de minha Dissertação deram visibilidade a alguns dos problemas causados pela obrigatoriedade do ensino de Filosofia, visto que as escolas possuem poucos profissionais licenciados na área para atuar, o que faz com que docentes de outras disciplinas lecionem o conteúdo sem ter formação específica para tal exercício. Abordando ainda a questão da obrigatoriedade do ensino de Filosofia, observo outro problema: a carga horária semanal de aula. É possível perceber isto como um problema a partir da fala de alguns dos entrevistados. Um dos professores disse que a obrigatoriedade da Filosofia nos três anos do Ensino Médio gerou uma redução da carga horária semanal de aula. Se, anteriormente os estudantes tinham duas horas/aula por semana em alguma das séries, após a aplicação da lei passaram a ter uma hora/aula, o que, na visão do docente, “dificulta muito, porque é uma aula por semana, não dá pra fazer realmente um trabalho filosófico (...) como deve ser feito” (Carlos2 apud DUTRA, 2010, p. 67). Outro professor3 relata uma situação semelhante ao dizer que, em sua escola, após a obrigatoriedade também houve a redução da carga horária semanal de aula. Houve épocas em que o docente lecionava duas horas/aula no segundo ano e três no terceiro. Porém, a partir da mudança, passou a ser uma hora/aula em todos os anos. Por meio dessas falas é possível perceber que essa forma de implementar a disciplina assegura a presença da Filosofia na vida dos jovens brasileiros, mas por outro lado, mantém o estado de alerta para saber se o trabalho com a disciplina estará sendo desenvolvido de modo a consolidá-la efetivamente como uma matéria necessária ao currículo escolar. Diante dessas circunstâncias, cabe explicitar o seguinte problema: até que ponto a disciplina Filosofia pode ser relevante para o currículo do Ensino Médio, indo além da mera obrigatoriedade legal? Essa pergunta se mostra pertinente, na medida em que Se a obrigatoriedade é fruto de uma luta que começou na década de 1970 e teve muitos momentos distintos, é também verdade que se a Filosofia não se consolidar como disciplina na educação média poderá ser retirada novamente, com uma “canetada” qualquer. Se a mobilização e a luta para sua inclusão foram grandes, penso que o trabalho agora é ainda maior, pois temos que garantir que a Filosofia seja ensinada efetivamente e o seja de modo significativo. Se não conseguirmos provar, com um bom trabalho que 2 O nome do docente é fictício. Essa fala do docente não se encontra presente na Dissertação (DUTRA, 2010), mas está transcrita junto às demais informações registradas a partir da entrevista com esse professor. 3 16 a Filosofia é uma contribuição importante para a formação dos jovens brasileiros, ela será retirada. E aí talvez não tenha volta possível... (GALLO, 2011a, s/p). Essa análise e as constatações descobertas durante minha pesquisa de mestrado me levaram a refletir seriamente sobre a possibilidade de investigar até que ponto, efetivamente, há uma demanda pelo ensino de Filosofia no Ensino Médio, ou se a implementação dessa disciplina deve-se apenas a uma imposição legal. Isto é, terá sido a relevância curricular do ensino de Filosofia a geradora de sua obrigatoriedade, ou foi a criação da lei que nos leva hoje a pensar nessa necessidade? A partir dessa reflexão, construí o seguinte objetivo geral para esta pesquisa, a saber: analisar em que medida a Filosofia está se estabelecendo como uma disciplina relevante4 para o currículo do Ensino Médio. Embora seja recente o processo de implantação obrigatória da disciplina de Filosofia no Ensino Médio e possa parecer muito incipiente pesquisar a sua relevância enquanto disciplina no currículo escolar, percebo que este estudo se desenvolve em um momento importante. Afirmo isso ao relembrar que no ano de 2013 o Deputado Federal Izalci (PSDB/DF), propôs o Projeto de Lei Nº 6.003/2013 que previa a alteração dos artigos 9º, 35 e 36 da LDB (BRASIL, 1996b), que, dentre outras modificações, propunha a retirada da obrigatoriedade da presença das disciplinas de Filosofia e Sociologia do currículo do ensino médio (BRASIL, 2013a). O respectivo projeto de lei terminou por ser arquivado em 2014, a pedido do próprio Deputado (BRASIL, 2014). Esse fato reafirma a pertinência de se averiguar em que medida a disciplina de Filosofia está se estabelecendo como uma disciplina relevante, pois tão logo terminou o prazo das escolas para a adequação completa a lei (BRASIL, 2008), já houve uma movimentação com a intenção de retirar a obrigatoriedade da disciplina novamente. Realizando o estado da questão (NÓBREGA-THERRIEN & THERRIEN, 2004) em livros, revistas e eventos, entre outros, foi possível encontrar diversos autores5 que abordam variados assuntos que nos permitem compreender a importância da Filosofia como disciplina escolar. Quero salientar que a escolha por fazer o estado da questão se deve ao fato de que o mesmo tem como finalidade levar o pesquisador a registrar, a partir de um rigoroso levantamento bibliográfico, como se encontra o tema ou o objeto de sua investigação no 4 Defino o termo relevante no sentido de ser algo importante, necessário e indispensável para o currículo do Ensino Médio (MICHAELIS, 2009; NOVÍSSIMA, 1985a). 5 Estes autores serão abordados no “capítulo 2” deste escrito. 17 estado atual da ciência ao seu alcance. Trata-se do momento por excelência que resulta na definição do objeto específico da investigação, dos objetivos da pesquisa, em suma, da delimitação do problema específico de pesquisa (Idem, p. 7). Neste sentido, essa forma de trabalho demonstra ser mais propícia do que a realização do estado da arte, a qual, na visão dos respectivos autores, refere-se à atividade de mapear e discutir determinada produção acadêmica sobre determinado campo de conhecimento, “utilizando predominantemente fontes de consulta disponíveis em forma de resumos ou catálogos de fontes” (Idem, p. 8). Voltando à temática da Tese, cabe neste momento – após encerrado o período de adaptação das escolas – saber se a Filosofia conseguirá se manter no currículo como uma disciplina relevante. Nesse sentido, visando complementar a investigação que este trabalho se dispõe a realizar, apresento os objetivos específicos: - identificar o espaço que a Filosofia ocupa no currículo escolar; - verificar como os professores de Filosofia percebem a sua disciplina; - saber como os docentes de Filosofia trabalham a respectiva disciplina; - verificar qual é o espaço dos professores de Filosofia no interior da escola (onde eles ficam, com quem se relacionam, há espaços de poder para eles etc.); - perceber como os professores das outras áreas compreendem a importância da Filosofia, - verificar qual é a percepção dos alunos sobre a disciplina; - compreender como a supervisora escolar percebe a Filosofia; - identificar as orientações presentes no Projeto Político-Pedagógico relativas à disciplina de Filosofia; - verificar quais são as orientações da 18ª CRE para o ensino de Filosofia. Esses objetivos buscarão contribuir com a solução proposta pelo problema de pesquisa, a fim de verificar se a Filosofia estará se consolidando como disciplina relevante ao Ensino Médio, ou se há algum risco de ser retirada do currículo. É por esse motivo que se faz necessário este estudo, visto que, conforme afirmou Gallo na citação acima, se a Filosofia não se consolidar como disciplina no Ensino Médio poderá ser retirada do currículo, com o risco de não mais voltar. Tendo esclarecido, nesta primeira parte, a temática e os objetivos desta investigação, apresento como está estruturada a organização deste trabalho. Os quatro primeiros capítulos que apresentarei a seguir fazem parte do embasamento 18 teórico que dará sustentação para minha Tese. A partir deles construí categorias analíticas que me permitiram compreender o contexto investigativo da pesquisa, bem como propor alternativas de superação das adversidades que foram encontradas. Nesse sentido, do capítulo cinco em diante, realizo a análise dos dados, rumando em direção à resposta referente ao objetivo desta Tese. Estes capítulos serão mais longos, devido à necessidade que o estudo exigiu. Buscando situar o leitor nesta etapa do trabalho, discorrerei brevemente sobre o que abordará cada um dos próximos capítulos. No primeiro capítulo, analiso a Filosofia enquanto disciplina escolar e traço reflexões curriculares sobre o espaço onde a mesma estará inserida. Esse capítulo está dividido em três seções, nas quais reflito, respectivamente, sobre a inserção, o afastamento e a reinserção da disciplina de Filosofia no currículo escolar ao longo do período republicano; a contextualização do currículo do Ensino Médio brasileiro e a apresentação do currículo do Ensino Médio do Rio Grande do Sul, a partir da proposta do Governo Estadual para a inserção do Ensino Politécnico na rede pública estadual de ensino. No segundo, apresento algumas das publicações que foram realizadas após a aplicação da lei que tornou obrigatório o ensino de Filosofia no nível médio. Este capítulo está dividido em duas seções; na primeira realizo o estado da questão entre os anos de 2008 a 2009 e na segunda faço o mesmo estudo contemplando os anos de 2010 a 2012. Passando para o terceiro capítulo, escrevo a respeito de algumas das perspectivas curriculares para a Filosofia no Ensino Médio, mantendo o diálogo com as publicações que foram referenciadas no capítulo anterior. Divido esse capítulo em duas seções, de modo que na primeira abordo o currículo de Filosofia a partir da analogia com o “leque” (objeto material), na qual é possível construir argumentos que auxiliem na compreensão dos limites dos conteúdos e métodos que poderão estar a serviço da Filosofia, ou da antifilosofia. Na segunda seção, reflito sobre a intencionalidade curricular proposta para o Ensino Médio a partir dos documentos legais e estabeleço uma análise sobre a inserção da disciplina de Filosofia dentro desse currículo. No quarto, apresento os caminhos metodológicos que utilizei para realizar minha investigação, bem como o método para realizar a análise dos dados. Esse capítulo está dividido em três seções. Na primeira, descrevo a metodologia investigativa e as ferramentas que foram utilizadas para a coleta de dados na 19 pesquisa de campo. Na segunda seção, falo sobre como se deu o desenvolvimento da investigação, situando o campo empírico da pesquisa. Para concluir, na terceira seção explico o modo como se processou a análise dos dados coletados. Com relação ao quinto capítulo, situo o leitor no trabalho que foi desenvolvido ao longo da pesquisa de campo. Em sua sistematização, divido-o em três seções: na primeira e na segunda, apresento o contexto e os sujeitos que participaram da pesquisa na Escola Central e na Escola Periférica, respectivamente. Na terceira seção, mostro as categorias analíticas que emergiram da pesquisa de campo e que serviram de base para a organização dos capítulos seguintes. No capítulo sexto, faço a apresentação de como a disciplina de Filosofia encontra-se presente no currículo das escolas pesquisadas. Para tanto, organizo o presente capítulo em duas seções. A primeira seção contém um estudo sobre o posicionamento dos entrevistados a respeito da problemática referente à carga horária semanal da disciplina de Filosofia. Na segunda, discorro sobre o espaço ocupado pela Filosofia no currículo escolar, analisando os dados encontrados. O sétimo capítulo é dedicado à abordagem referente à compreensão sobre quem é o docente que leciona Filosofia. Nesse sentido, organizo o presente capítulo em duas seções: na primeira, apresentarei os professores de Filosofia das escolas pesquisadas, fazendo uma análise sobre a formação dos mesmos. Na segunda seção, analiso o processo de desenvolvimento das aulas de Filosofia, tomando como base principal a atuação dos respectivos profissionais na docência da disciplina. No oitavo e último capítulo, verifico se a Filosofia realmente conquistou seu espaço no currículo escolar. O respectivo capítulo também está dividido em duas seções. Na primeira, analiso a resposta dos entrevistados a respeito da valorização ou desvalorização da disciplina de Filosofia nas escolas. Na segunda seção, apresento e analiso algumas perspectivas que foram expostas pelos entrevistados, visando ao aprimoramento dessa disciplina para torná-la mais significativa para os estudantes do Ensino Médio. Após a abordagem dos capítulos, escrevo a parte referente às considerações finais, na qual respondo ao objetivo geral desta pesquisa com base no estado da questão e nos dados analisados ao longo da Tese. Logo após as considerações, cito as referências bibliográficas utilizadas como fundamentação teórica deste trabalho. Ao final do presente escrito, incluo os apêndices (dispostos 20 da seguinte forma: Apêndice A – roteiro de observação; Apêndice B – roteiro de entrevista: discentes; Apêndice C – roteiro de entrevista: docentes de outras áreas; Apêndice D – roteiro de entrevista: docentes de Filosofia; Apêndice E – roteiro de entrevista: supervisora educacional; e, Apêndice F – termo de autorização para divulgação da entrevista) e o anexo (Anexo – Trabalho entregue pelos alunos do 1º ano da Escola Central). 21 1. A DISCIPLINA DE FILOSOFIA E O CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO E DO ENSINO MÉDIO NO RIO GRANDE DO SUL A disciplina de Filosofia, ao longo da história da educação brasileira, passou por diversos processos de inclusão e exclusão no currículo escolar. Atualmente, essa disciplina vive um momento de presença obrigatória, em que se torna necessário mantê-la inserida em todos os anos do Ensino Médio em função de sua obrigatoriedade legal. Como o presente trabalho contempla a obrigatoriedade da Filosofia no Ensino Médio, considero pertinente compreender melhor a inserção da disciplina nesse nível de ensino. Para melhor refletir sobre o assunto, o presente capítulo encontra-se dividido em três seções. A primeira seção pretende apresentar o processo histórico de inclusão/exclusão/reinclusão da disciplina de Filosofia no currículo escolar ao longo do Período Republicano. A segunda seção analisa o contexto atual do Ensino Médio brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988. Por fim, na terceira seção, analisa-se a proposta de reestruturação curricular do Ensino Médio no Estado do Rio Grande do Sul, visto que a pesquisa ocorrerá na rede estadual deste território do país. 1.1. A presença da disciplina de Filosofia no currículo da educação escolar brasileira a partir do Período Republicano Desde o ano de 1889, momento em que o Brasil passa a se tornar República, a presença da Filosofia na escola sofre um processo de exclusão curricular. A partir do Decreto Republicano de 1890, há a retirada da Filosofia do currículo visto que a mesma, a partir do ano de 1850, sempre esteve presente em pelo menos uma das séries da escola. Cabe lembrar que naquele período a disciplina de Filosofia apresentava indeterminação programática e serial e em grande parte dos programas, apresentava-se como curso livre (HORN, 2000). 22 Passados 25 anos, a disciplina de Filosofia voltou a fazer parte do currículo do ensino secundário, em caráter facultativo, a partir da Reforma Carlos Maximiliano, no ano de 1915. Já, no ano de 1925, com a Reforma Rocha Vaz, a Filosofia passou a fazer parte obrigatória das duas últimas séries desse nível de ensino – o qual estava dividido em seis séries. Nestas duas séries, a Filosofia estava presente com três horas/aula em cada uma (GALLINA, 2000). No ano de 1931, a Reforma Francisco Campos determinou que a disciplina de Filosofia fizesse parte de apenas uma das séries do ensino secundário. Essa reforma estruturou esse nível de ensino em dois ciclos: o fundamental (também conhecido como ginásio) e o complementar. O fundamental estava dividido em cinco séries. O complementar encontrava-se dividido em três, organizadas da seguinte forma: a) candidatos à faculdade de Direito, que tinham História da Filosofia na segunda série; b) candidatos às faculdades de Medicina, Odontologia e Farmácia, com Psicologia e Lógica na primeira série; e c) candidatos aos cursos de Engenharia, Arquitetura, com Psicologia e Lógica na primeira série (PALMA FILHO, 2011, p. 18). A Reforma Gustavo Capanema, implantada no ano de 1942, manteve a divisão do ensino secundário em dois ciclos, porém modificou-se a forma de denominação e organização. O mesmo passou a ser dividido em ginásio e colegial. O ginásio realizava-se em um período de quatro anos e o colegial em três. Esse último estava subdividido em dois cursos, dentre os quais os alunos deveriam escolher: o clássico, que estava voltado para a formação intelectual; e o científico, que estava direcionado ao ensino das ciências (DUTRA & DEL PINO, 2010; GALLINA, 2000). De acordo com Horn (2000, p. 27), essa reforma “representou um certo avanço na luta pela implantação e presença efetiva da Filosofia no currículo como disciplina obrigatória nas segundas e terceiras séries dos cursos clássico e científico”, de modo que no clássico a disciplina de Filosofia era obrigatória nas segundas e terceiras séries e no científico deveria estar presente somente na terceira (HORN, 2000). No ano de 1961, o Conselho Federal de Educação instituiu a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – doravante denominada LDB –, Lei 4.024/61, a qual definiu a Filosofia como disciplina complementar no segundo ciclo do colegial (PALMA FILHO, 2011). Com o passar dos anos, em 1964 ocorreu no 23 Brasil o golpe militar e o país passou a ser governado pelos militares do exército. Dois anos adiante, em 1966, o Brasil assinou o acordo MEC-Usaid6 e as mudanças no campo político, social e educacional começaram a aparecer fortemente. Esse acordo tomava como apoio três bases, a saber: - educação e desenvolvimento: formação de profissionais para atender às necessidades urgentes de mão-de-obra especializada num mercado em expansão. - educação e segurança: formação do cidadão consciente. Daí as disciplinas sobre civismo e problemas brasileiros (Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil e Estudos de Problemas Brasileiros). - educação e comunidade: estabelecer a relação entre escola e comunidade, criando conselhos de empresários e mestres (ARANHA, 2001, pp. 213-4). No ano de 1971, o governo brasileiro implementou a Lei 5.692/71, a qual teve como diretriz a reformulação do ensino de 1º e 2º graus, modificando a LDB nos respectivos âmbitos do ensino. A implantação dessa lei “introduziu compulsoriamente no currículo disciplinas de cunho claramente doutrinário, como Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil” (SILVEIRA, 2009, p. 57). Desse modo, independentemente “de ter ou não a Filosofia uma natureza crítica e subversiva, sua eliminação era necessária para criar espaço no currículo para disciplinas mais habilitadas para realizar essa contraofensiva à suposta estratégia comunista” (Idem, p. 57). A respectiva estratégia dizia respeito ao confronto dos comunistas com os militares, na tentativa de buscar destituí-los do poder e estabelecer um governo não militar no país. Dessa forma, a Filosofia foi retirada do currículo escolar de praticamente todas as escolas brasileiras, para dar espaço às disciplinas de cunho moral e cívico. De todo modo, cabe salientar que as escolas poderiam – de acordo com suas necessidades – incluir a Filosofia em seu currículo se assim o desejassem (GHIRALDELLI JR, 2007). Na década de 1980, ocorreram grandes mobilizações em prol da queda do governo militar e o estabelecimento de um governo democrático no país (ARANHA, 2001). Com esses movimentos houve o declínio do poder político dos militares, o que fez com que os profissionais da área filosófica e educacional, preocupados com a necessidade de um retorno mais amplo da Filosofia ao currículo escolar, 6 MEC-Usaid: Ministério da Educação e Cultura - United States Agency for International Development. 24 conseguissem por meio de inúmeras mobilizações a implantação legal da Filosofia como disciplina optativa por meio da Lei 7.044/82 (ALVES, 2009). O ano de 1985, com a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República, marca o fim da ditadura militar no Brasil e o processo de reconstrução política do país. Este processo conduz a reformulação da Carta Magna e a promulgação da Constituição Federal 1988, a qual apresenta “novos ares” democráticos ao país; servindo de parâmetro para as novas legislações, inclusive para a instituição da LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996b), a qual substitui a legislação anterior e – atualmente – permanece sendo a lei vigente. Nessa nova concepção legal, a Filosofia apresentou-se como uma disciplina que poderia ser trabalhada de modo tanto disciplinar como transversal, visto que a exigência era de que ao final do Ensino Médio os estudantes demonstrassem “domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários para o exercício da cidadania”7. Nessa situação a Filosofia assegurava seu lugar dentro do currículo escolar, porém sua presença enquanto disciplina permanecia, de certa forma, “optativa”, visto que as escolas não eram obrigadas a incluí-la como disciplina curricular. No ano de 1997 dá-se início a uma perspectiva de presença mais efetiva da Filosofia no currículo escolar. O então Deputado Federal Padre Roque (PT/PR) propôs o projeto de Lei n. 3.178/97, o qual objetivou a inclusão obrigatória da Filosofia em todas as séries do Ensino Médio brasileiro (DUTRA & DEL PINO, 2010; GALLINA, 2000). O respectivo projeto – que também propunha a inclusão da disciplina de Sociologia – foi aprovado pela Câmara Federal em 1999 e pelo Senado em 2001, porém o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, não sancionou o projeto na sua gestão (ALVES, 2009; FAVERO et al, 2004). Permanecendo com sua presença regida pelas orientações da LDB, no ano de 1998 o Governo instituiu a Resolução CNE/CEB Nº 3/98, a qual estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 1998). Dentro dessa, lê-se semelhante redação a da LDB a respeito do ensino de Filosofia: § 2º As propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado para: [...] b) Conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania (BRASIL, 1998, Art. 10, Inciso III, § 2º, Alínea b). 7 Antiga redação localizada no Art. 36, § 1º, Inciso III da LDB 9.394/96, a qual foi revogada pela Lei 11.684/08 (BRASIL, 2008). 25 Nesse sentido, do mesmo modo como ocorreu com a LDB, a Filosofia poderia ser abordada de modo transversal e interdisciplinar, sem ser necessariamente uma disciplina. Destaca-se também que sua presença no currículo estava destinada para o trabalho com os conhecimentos que fossem necessários para o exercício da cidadania. No ano seguinte, em 1999, o Governo Federal publica os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCN (BRASIL, 1999) que na “Parte IV: Ciências Humanas e suas tecnologias” apresenta seis competências e habilidades para serem desenvolvidas ao longo das aulas de Filosofia. As orientações apresentadas por esse documento são: “Ler textos filosóficos de modo significativo” (Idem, p. 49); “Ler, de modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros” (Idem, p. 53); “Articular conhecimentos filosóficos e diferentes conteúdos e modos discursivos nas ciências naturais e humanas, nas artes e em outras produções culturais” (Idem, p. 55); “Contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano de sua origem específica quanto em outros planos: o pessoal-biográfico; o entorno sócio-político, histórico e cultural; o horizonte da sociedade científicotecnológica” (Idem, p. 57); “Elaborar, por escrito, o que foi apropriado de modo reflexivo” (Idem, p. 60); “Debater, tomando uma posição, defendendo-a argumentativamente e mudando de posição face a argumentos mais consistentes” (Idem, p. 61). Em 2002, o Governo Federal lança os PCN+ Ensino Médio (BRASIL, 2002), que contêm informações complementares aos PCN (BRASIL, 1999) e apresentam alguns eixos temáticos que podem servir de base para o currículo da disciplina. Os eixos indicados no documento são: Relações de Poder e Democracia; A construção do sujeito moral; e, O que é Filosofia. No ano de 2006, o Governo publicou um terceiro documento orientador para ensino de Filosofia, a saber: Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006). Nesse material, no “volume 3: Ciências Humanas e suas tecnologias”, o documento apresenta uma relação com trinta conteúdos que poderão ser trabalhados ao longo do ensino dessa disciplina no nível médio. Cabe lembrar que todas as orientações expostas nos três documentos (BRASIL, 1999; 2002; 2006) servem como sugestões e não como imposições a respeito dos conteúdos que poderão ser trabalhados nas escolas. 26 Após a publicação das duas orientações legais (BRASIL, 1996b; 1998) e dos três documentos referentes aos parâmetros curriculares, a Filosofia manteve sua característica não obrigatória até o ano de 2006 quando, por meio do Parecer Nº 28/06, do Conselho Nacional de Educação, encaminham-se considerações favoráveis à inclusão dessa disciplina como obrigatória no currículo do Ensino Médio brasileiro. Esse Parecer do CNE se torna legal no ano de 2008, por meio da Lei Nº 11.683/08 (BRASIL, 2008), e a partir de então, as escolas de ensino regular tiveram três anos (no caso, até 2011) para se adaptar completamente à legislação. Já as escolas cujos currículos são de quatro anos, tiveram até o ano de 2012 para efetivar a adaptação em todos os anos (BRASIL, 2009c). Essa lei alterou as redações da LDB (BRASIL, 1996b) e das Diretrizes (BRASIL, 1998). Tendo conhecido esse processo histórico de inclusão/exclusão/re-inclusão da disciplina de Filosofia no currículo escolar do Ensino Médio, cabe agora compreender a organização dessa respectiva etapa da Educação Básica. Para tanto, na próxima seção, apresento a estruturação do Ensino Médio brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988. 1.2. O contexto do Ensino Médio brasileiro: do final do século XX ao início do século XXI Ao longo os últimos 20 anos, o Ensino Médio vem sofrendo algumas modificações em sua estrutura. Tomando como ponto de partida a Constituição Federal de 19888 – com redação atualizada a partir da Emenda Constitucional Nº 14, de 1996 (BRASIL, 1996a) –, está prevista a “progressiva universalização do ensino médio gratuito” (BRASIL, 1988, art. 208, inciso II). Paralelamente a essa progressiva universalização, a Carta Magna prevê ainda – no artigo 208, inciso I, a partir da Emenda Constitucional Nº 59 de 2009 –, que a educação básica seja obrigatória e gratuita, até o ano de 2016, para as crianças e jovens da faixa etária dos quatro aos 17 anos, assegurando sua gratuidade a todos que não tiveram acesso na idade prevista (BRASIL, 1988). 8 A análise inicia a partir da Constituição Federal de 1988, porque o documento intitulado Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da Educação Básica (BRASIL, 2009a) apresenta um amplo estudo histórico a respeito do Ensino Médio brasileiro anteriormente a essa data, e o foco deste trabalho não é o Ensino Médio em si. 27 Baseado nesse documento é possível constatar que a última etapa da Educação Básica vem consolidando seu espaço com o decorrer do tempo, visto que nas redações anteriores a obrigatoriedade estava assegurada somente para o ensino fundamental, enquanto que para o Ensino Médio estava prevista a progressiva extensão dessa obrigatoriedade. Com a atual redação constitucional, a partir ano de 2016 todas as crianças e os jovens brasileiros deverão estar frequentando a Educação Básica, de modo que o poder público e os pais poderão sofrer sanções tanto civis como criminais caso não cumpram tal exigência legal (OLIVEIRA, 2010). Como já foi exposto, no ano de 1996 o Congresso Nacional instituiu a LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996b), que sistematiza todos os assuntos referentes à educação escolar brasileira e substitui a LDB anterior (Lei 4.024/61) e a Lei 5.692/71 (a qual reformulou o ensino de 1º e 2º grau no país). A nova lei reforçou o posicionamento da carta magna e a partir da nova redação dada pela Lei Nº 12.061/09, também instituiu a “universalização do ensino médio gratuito” (BRASIL, 1996b, Art. 4, Inciso II), cabendo ao Estado assegurar o Ensino Médio a todos aqueles que necessitarem (BRASIL, 1996b). Dois anos após a publicação da nova LDB, o Conselho Nacional de Educação implementou a Resolução CNE/CEB Nº 3, de 26 de junho de 1998 (BRASIL, 1998), a qual passou a reger especificamente esse nível de ensino, implementando as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Mesmo assegurando seu espaço no currículo da Educação Básica, ao longo da história, o Ensino Médio enfrenta problemas que se relacionam em certa medida a uma crise de identidade. Tal crise advém da dificuldade de caracterização dessa etapa da educação básica, pois, ao mesmo tempo que enseja a noção de terminalidade (conclusão de uma formação completa), ou seja, de poder atribuir profissionalização aos seus concluintes, vê-se ante a sua recorrente função de preparação para estudos posteriores, como etapa intermediária entre o ensino fundamental e a universidade, com caráter mais geral e propedêutico (OLIVEIRA, 2010, p. 271). Essa busca pela identidade do Ensino Médio se mostra pertinente, pois de acordo com dados do Censo Escolar da Educação Básica (INEP, 2012), no ano de 2010 o Brasil possuía 8.357.675 estudantes matriculados no Ensino Médio brasileiro (incluindo o integrado e o normal), com idades entre 15 e 17 anos, o que representava 80,68% do total de 10.357.874 adolescentes brasileiros com essa 28 mesma faixa etária. Nesse sentido, é possível perceber que o Ensino Médio está atendendo a grande parte da população que necessita dessa atenção na idade considerada “ideal”. A partir desses dados, percebo a necessidade de uma definição identitária para o Ensino Médio, pois sua demanda é muito grande e sua importância para a formação do ser humano exige um grande comprometimento social. Digo isso por compreender que nessa fase o adolescente está iniciando o processo de transição para a fase jovem-adulta, o que começará a exigir maior autonomia por parte desse, no que diz respeito a sua formação como cidadão no momento em que iniciar o seu processo de inserção no mercado de trabalho, no Ensino Superior, na construção de uma nova família e nas decisões político-sociais, entre outras demandas que possam surgir. Na construção desse processo identitário, as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica (BRASIL, 2010, Art. 26, Incisos de I a IV), apresentam os princípios e finalidades que orientam o Ensino Médio, a saber: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para a cidadania e o trabalho, tomado este como princípio educativo, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de enfrentar novas condições de ocupação e aperfeiçoamento posteriores; III - o desenvolvimento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e estética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos presentes na sociedade contemporânea, relacionando a teoria com a prática. Dessa forma, entendo que o Ensino Médio começa a se consolidar com uma etapa da Educação Básica que não se encontra “sem sentido” no currículo escolar, mas que possui um papel importante para a constituição do ser humano. O Ensino Médio inicia seu processo de consolidação e importância na medida em que recebe os jovens oriundos do Ensino Fundamental e visa a construir com esses reflexões que permitam uma grande amplitude de formação, a qual leva em consideração aspectos importantes da vida do jovem, a fim de que possa refletir sobre sua própria vida, buscando encontrar possíveis decisões que serão tomadas tanto ao longo dos momentos em que vive atualmente, como após a conclusão dessa etapa de estudo. Na busca pelo aprimoramento, o Governo Federal lançou no ano de 2009 o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), o qual teve por objetivo melhorar a 29 qualidade do Ensino Médio das escolas públicas e promover as seguintes propostas: superar as desigualdades de oportunidades de acesso a esse nível de ensino; universalizar o acesso e a permanência dos adolescentes de idade ideal (15 aos 17 anos) no Ensino Médio; consolidar a identidade desse nível de ensino, levando em consideração a diversidade de pessoas e oferecer uma aprendizagem significativa para os alunos da Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2009b). O ProEMI – proposto aos Estados, Distrito Federal e Escolas Federais – apresenta-se como uma possibilidade de alternativa para inovar o trabalho pedagógico com esse nível de ensino, sendo opcional sua aplicação, de acordo com cada instituição. O respectivo programa busca “estimular novas formas de organização das disciplinas articuladas com atividades integradoras” (BRASIL, 2009b, p. 16), tendo como base a inter-relação entre os quatro eixos que constituem o Ensino Médio, a saber: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. Ao trabalhar esses eixos, a formação oferecida pelo Ensino Médio permitirá que os estudantes tenham conhecimento de um amplo leque de informações sobre o mundo e poderão pensar sobre as diversas possibilidades de escolhas que farão para suas vidas, tanto no âmbito pessoal como profissional. Nesse sentido, em consonância com os Subsídios para as Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da Educação Básica (BRASIL, 2009a) e a atual LDB (BRASIL, 1996b), torna-se importante proporcionar a compreensão do mundo do trabalho e o aprimoramento da capacidade produtiva e investigativa dos estudantes; explicitar a relação desses processos com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e formá-los culturalmente, tanto no sentido ético – pela apreensão crítica dos valores da sociedade em que vivem – quanto estético, potencializando capacidades interpretativas, criativas e produtivas da cultura nas suas diversas formas de expressão e manifestação, são finalidades que devem estar presentes e organicamente integradas no ensino médio (BRASIL, 2009b, p. 18). Neste sentido, o ProEMI apresenta algumas proposições curriculares que servirão para orientar os Projetos de Reestruturação Curricular. Dentre essas, destacam-se: que o currículo do Ensino Médio tenha a carga horária total de 3000 horas; que a leitura esteja como foco em todas as disciplinas, bem como a criação e utilização de materiais motivadores; o incentivo para a realização de atividades teórico-práticas nos laboratórios; a dedicação exclusiva do docente à escola; a organização do Projeto Político Pedagógico da escola em diálogo efetivo com a Comunidade; entre outras (BRASIL, 2009b). 30 Essas proposições buscam organizar o currículo de modo que seja possível desenvolver os Projetos de Reestruturação Curricular, os quais poderão ocorrer em paralelo ao desenvolvimento das demais disciplinas que compõem as quatro áreas do conhecimento (BRASIL, 2012a). Esses projetos podem conter diversas formas de ação, sendo essas organizadas por meio de disciplinas, projetos interdisciplinares, oficinas e aquisição de materiais, entre outros, podendo incluir também a formação específica para os profissionais que executarão as atividades (BRASIL, 2011). É importante salientar que os projetos devem estar enquadrados dentro dos quatro eixos que constituem o Ensino Médio (BRASIL, 2009b; BRASIL, 2012) e os oito macrocampos do Programa (BRASIL, 2011; BRASIL, 2012b). No quadro a seguir, é possível visualizar os tópicos referentes à orientação dos projetos: Quadro 1 – Eixos do Ensino Médio e Macrocampos orientadores do ProEMI Eixos do Ensino Médio Trabalho Ciência Tecnologia Cultura Macrocampos do ProEMI 1. Acompanhamento Pedagógico 2. Iniciação Científica e Pesquisa 3. Cultura Corporal 4. Cultura e Arte 5. Comunicação e uso das mídias 6. Cultura digital 7. Participação Estudantil 8. Leitura e Letramento O documento destaca que os projetos deverão inserir obrigatoriamente o primeiro e o segundo macrocampos (BRASIL, 2011). Com relação aos demais, ficará a critério da escola escolher quais farão parte dos projetos, bem como realizar um trabalho interdisciplinar entre os mesmos, se considerar pertinente. Com relação aos eixos do Ensino Médio, as escolas poderão escolher um ou mais, de acordo com suas propostas de trabalho. As escolas que aderirem ao ProEMI receberão os recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), a fim de que possam ter condições de aplicar com êxito as atividades que estarão sendo desenvolvidas. Outra importante iniciativa do Governo Federal, que toma a pesquisa como princípio educativo, é o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC – EM), o qual visa “Fortalecer o processo de disseminação 31 das informações e conhecimentos científicos e tecnológicos básicos, e Desenvolver atitudes, habilidades e valores necessários à educação científica e tecnológica dos estudantes” (BRASIL, s/d, s/p). Esta bolsa está destinada aos estudantes do ensino médio, os quais poderão participar se suas instituições estiverem vinculadas ao Programa. Dando continuidade ao estudo sobre a história do Ensino Médio no currículo escolar da Educação Básica, no ano de 2012 a Resolução Nº 2 (BRASIL, 2012a) estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM, revogando as DCNEM de 19989. Com base nessas diretrizes, define-se que o Ensino Médio regular deve ter a duração mínima de três anos, com uma carga horária total de 2400 horas, sendo 800 horas anuais, distribuídas em 200 dias letivos de efetivo trabalho. O Ensino Médio regular diurno também pode se desenvolver em turno integral, tendo no mínimo sete horas diárias. O Ensino Médio regular noturno, buscando se adequar às condições do aluno-trabalhador, poderá ampliar sua duração para mais de três anos, diminuindo a carga horária diária anual, mas garantindo a carga horária total prevista para esse nível de ensino (BRASIL, 2012a). Mantendo-me na discussão referente ao currículo do Ensino Médio, o mesmo documento apresenta oito orientações que servem de base para a organização desse nível de ensino no Brasil. São estas: I - formação integral do estudante; II - trabalho e pesquisa como princípios educativos e pedagógicos, respectivamente; III - educação em direitos humanos como princípio nacional norteador; IV - sustentabilidade ambiental como meta universal; V - indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos do processo educativo, bem como entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem; VI - integração de conhecimentos gerais e, quando for o caso, técnicoprofissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização; VII - reconhecimento e aceitação da diversidade e da realidade concreta dos sujeitos do processo educativo, das formas de produção, dos processos de trabalho e das culturas a eles subjacentes; VIII - integração entre educação e as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular (BRASIL, 2012a, Art. 5, Incisos de I a VII). Esses tópicos orientadores permitem compreender a importância que o Ensino Médio pode ter para a vida dos estudantes, pois o mesmo mostra-se 9 Resolução CNE/CEB Nº 3, de 26 de junho de 1998. 32 organizado de modo a atender a formação integral do indivíduo social. Analisando os incisos, percebo que o trabalho e a pesquisa como princípios educativos mobilizam o exercício do fazer científico na formação discente. O estudo referente aos direitos humanos e à sustentabilidade ambiental oferecem possibilidades para que os estudantes reflitam sobre seus direitos e deveres, tanto sociais como ambientais. A busca pela indissociabilidade entre educação e prática social permitirá a possibilidade de se estabelecer relações entre a matéria vista em aula e os exemplos que fazem parte da vida dos estudantes, realizando a recontextualização do conteúdo estudado. A preocupação com a integração de conhecimentos gerais na perspectiva interdisciplinar e contextualizada mostra-se como uma ótima possibilidade de buscar uma educação menos técnica de currículo, na medida em que busca superar as fronteiras do gradeamento curricular, visando à interdisciplinaridade. A busca pelo reconhecimento e aceitação da diversidade de sujeitos valoriza o aspecto individual de cada pessoa, motivando o respeito ao pensamento de cada um. Por fim, a integração no currículo escolar entre a educação e os eixos que servem como base identitária do Ensino Médio possibilitarão a busca pela formação autônoma dos indivíduos que frequentam a instituição escolar. Ao compreender a importância dessas orientações, percebo o valoroso papel do Ensino Médio na vida dos estudantes, o qual vai além da preparação para o trabalho ou para o Ensino Superior, mas também por carregar diretrizes que se preocupam com a formação do indivíduo como um todo. Essa formação, em especial no ensino diurno, atende aos alunos em um momento de grande transição de suas vidas, pois os mesmos começam a vivenciar a passagem pela adolescência e dão os “primeiros passos” em direção à vida adulta. Com relação à organização curricular do Ensino Médio, o mesmo apresentase dividido em quatro áreas do conhecimento, a saber: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas (BRASIL, 2012a). Dentro de cada uma dessas estão elencadas as disciplinas que compõem esse nível de ensino. No quadro abaixo, é possível visualizar a divisão por áreas e suas respectivas disciplinas: 33 Quadro 2 – Áreas do conhecimento e suas respectivas disciplinas Linguagens Matemática Ciências da Natureza Língua Portuguesa Língua Materna (Indígena) Língua Estrangeira Moderna Biologia 10 Arte Matemática Química Física Educação Física Ciências Humanas História Geografia Sociologia Filosofia Como temas transversais que devem permear todas as disciplinas do Ensino Médio, encontram-se os seguintes assuntos: Educação Alimentar e Nutricional; Estatuto do Idoso; Educação Ambiental; Educação para o Trânsito e Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012a). Caberá a cada docente buscar estabelecer a relação desses temas com os conteúdos que estarão sendo estudados em seus respectivos períodos letivos. De todas as disciplinas, apenas a Filosofia e a Sociologia devem estar presentes em todos os anos do Ensino Médio de modo obrigatório. A partir dessa estruturação, o currículo deve alcançar as seguintes metas: I - garantir ações que promovam: a) a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; b) o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; c) a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; II - adotar metodologias de ensino e de avaliação de aprendizagem que estimulem a iniciativa dos estudantes; III - organizar os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação de tal forma que ao final do Ensino Médio o estudante demonstre: a) domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; b) conhecimento das formas contemporâneas de linguagem (BRASIL, 2012a, Art. 12, Incisos de I a III). A busca pelo alcance desses objetivos permitirá que os alunos entendam o processo de evolução histórica da sociedade, tanto brasileira como mundial. Permitirá também a compreensão da importância da ciência, das letras, das artes e da constituição cultural de cada povo, a fim de que com todas essas informações possam se constituir também como sujeitos que fazem parte da história e do seu processo de construção. Do mesmo modo, a continuidade do aprendizado na Língua 10 De acordo com a Lei Nº 11.161/05, é obrigatório oferecer a Língua Espanhola no Ensino Médio, sendo facultativa a matrícula do estudante nessa disciplina (BRASIL, 2005). 34 Portuguesa permitirá o aperfeiçoamento da comunicação, tanto escrita como falada e o acesso aos conhecimentos produzidos e traduzidos para esse idioma, bem como o exercício da cidadania. Em um segundo momento, a adoção de metodologias que estimulem a iniciativa dos estudantes poderá promover o espírito criativo do aluno, instigando-o a se aventurar na busca de novos conhecimentos. Penso também que o estabelecimento de relações entre os conhecimentos que serão descobertos e os conhecimentos previamente propostos na grade curricular das disciplinas permitirá a contextualização do saber que foi ensinado na escola, trazendo um novo sentido para o aprendizado do aluno. Enfim, com a terceira meta em vista, ao final do Ensino Médio os estudantes apresentarão o domínio dos princípios científicos e tecnológicos da produção atual e das formas contemporâneas de linguagem. Isso permitirá que o aluno consiga construir algumas noções do que poderá fazer com esses saberes ao longo de suas vidas. Tendo compreendido toda a estruturação curricular do Ensino Médio, cabe conhecer a forma como o mesmo apresenta-se no Estado Rio Grande do Sul. Com uma nova gestão partidária na política, o Governo do Estado propõe uma nova visão para esse nível de ensino, a qual será apresentada na próxima seção. 1.3. A nova proposta de estruturação curricular do Ensino Médio no Rio Grande do Sul O currículo do Ensino Médio está em processo de reestruturação no Estado do Rio Grande do Sul. De acordo com as análises feitas pelo Governo Estadual, o tradicional currículo desse nível de ensino tem apresentado um alto índice de reprovação e repetência dos estudantes, atingindo cerca de 34,7% do total de alunos matriculados (RS/SEDUC, 2011b). Esse dado demonstra a necessidade de se pensar um currículo que tenha uma maior relação com a vida dos estudantes e as necessidades de seu tempo. Nesse sentido, a proposta do governo é construir um currículo que permita superar o tradicional gradeamento curricular e dar mais sentido àquilo que estará sendo estudado pelos discentes. Dessa forma, a meta do Governo é de que até o ano de 2014 esteja completamente implantado nas escolas estaduais o Ensino Médio Politécnico, 35 juntamente com as outras duas organizações curriculares desse nível de ensino, a saber: Curso Normal e a Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio (RS/SEDUC, 2011a). Buscando clarear o conceito de politecnia, Saviani (2003, p. 140) define que essa diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela formação politécnica. É com essa perspectiva teórica que a reestruturação curricular do Ensino Médio Politécnico se constrói. Nesse sentido, o Governo do Estado lançou o livro Reestruturação do Ensino Médio: pressupostos teóricos e desafios da prática, organizado pelo Secretário Estadual da Educação José Clovis de Azevedo e por Jonas Tarcísio Reis (AZEVEDO & REIS, 2013), no qual se apresentam as visões teóricas que constituem as variadas instâncias de reorganização curricular, definindo, inclusive, o que se entende por politecnia. Dando continuidade a essa definição conceitual, os organizadores, em um dos capítulos do livro, citam um trecho da obra Educação em Diálogo, de Dermeval Saviani, para fundamentar a nova reestruturação do Ensino Médio: Entendo que o lugar específico do Ensino Médio se define pela relação entre ciência e produção. [...] O papel fundamental da escola de nível médio será, então, o de recuperar essa relação entre o conhecimento e a prática do trabalho. Isso significa que no ensino médio já não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de produção. [...] Portanto, o horizonte que deve nortear a organização do ensino médio é o de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Sua função não é, pois, a formação de técnicos especializados, mas de politécnicos. Politecnia significa, aqui, especialização com domínio dos fundamentos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna (SAVIANI apud AZEVEDO & REIS, 2013, pp. 245-6). Desse modo, a intenção desse novo projeto é que o discente consiga desenvolver ao longo do seu período de estudo o domínio sobre as diversas formas de trabalho, compreendendo suas características e não apenas o aprendizado técnico, mecânico e – por vezes – alienado de atuação profissional. Tal forma de 36 ensino busca proporcionar “um desenvolvimento que abarca todos os ângulos da prática produtiva na medida em que ele domina aqueles princípios que estão na base da organização da produção moderna” (SAVIANI, 2003, p. 140). Nesse sentido, de acordo com o Governo Estadual, a ideia do Ensino Médio Politécnico é de se conceber um nível de ensino que vinculado a realidade social e ao desenvolvimento científicotecnológico, integra as áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas). Na prática, o estudante terá, além das aulas dos componentes curriculares do Ensino Médio, o desenvolvimento de projetos com atividades práticas e vivências relacionadas com a vida, com o mundo e com o mundo do trabalho. Contudo, isso não implicará na extinção das disciplinas, que serão fortalecidas no diálogo interdisciplinar (RS/SEDUC, 2011b, p. 4). Como no presente estudo me deterei no ensino regular, abordarei somente a estruturação do ensino Politécnico. O Ensino Médio Politécnico tem como um de seus princípios norteadores a interdisciplinaridade e sua relação com o mundo do trabalho, por meio do qual o ser humano produz suas condições de subsistência e transforma a natureza adaptando-a para si, construindo a sua cultura (SAVIANI, 2003). Cabe salientar que essa proposta interdisciplinar não irá desviar o foco de trabalho do docente habilitado para sua respectiva disciplina, mas este deverá estar atento para saber de que modo é possível fazer conexões entre os conteúdos referentes aos saberes específicos de sua área com as demais disciplinas e os meios de produção (RS/SEDUC, 2011b). Nesse sentido a organização curricular, a partir dessa perspectiva, supõe uma relação dialógica entre as disciplinas de modo que seja possível valorizar a qualidade na forma como o conhecimento será trabalhado, incentivando a participação do aluno nesse processo e buscando superar o aprendizado mecânico e a lógica disciplinar (RS/SEDUC, 2011a). A ideia a ser construída e implementada gradativamente, a iniciar pelo 1º ano em 2012 (e assim sucessivamente), é a de que o Ensino Médio Politécnico busque articular: − uma formação geral sólida, que advém de uma integração com o nível de ensino fundamental, numa relação vertical, constituindo-se efetivamente como uma etapa da Educação Básica, a − uma parte diversificada, vinculada a atividades da vida e do mundo do trabalho, que se traduza por uma estreita articulação com as relações do trabalho, com os setores da produção e suas repercussões na construção da cidadania, com vista à transformação social, que se concretiza nos meios de produção voltados a um 37 desenvolvimento econômico, social e ambiental, numa sociedade que garanta qualidade de vida para todos (Idem, p. 22). O bloco referente à formação geral é o que se refere ao núcleo comum das disciplinas em nível nacional, em que se busca um trabalho interdisciplinar entre as áreas do conhecimento, objetivando estabelecer uma relação entre o conhecimento organizado e sistematizado historicamente, contextualizando-o com as novas tecnologias, visando a integrá-lo ao mundo do trabalho. Cabe lembrar que as áreas do conhecimento que fazem parte da base nacional comum são: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; e ciências da natureza e suas tecnologias (RS/SEDUC, 2011a). No que se refere à parte diversificada, a mesma é composta pela articulação entre as diversas áreas do conhecimento com o mundo do trabalho, buscando por meio de experiências e vivências, possibilidades de se pensar uma formação profissional posterior nos variados âmbitos do mercado de trabalho. Nesse sentido, a parte diversificada organiza-se por eixos temáticos que se apresentam como temas transversais que farão parte, efetivamente, do currículo escolar por meio de projetos a serem desenvolvidos nos Seminários Integrados. Os eixos temáticos são: Acompanhamento Pedagógico; Meio Ambiente; Esporte e Lazer; Direitos Humanos; Cultura e Artes; Cultura Digital; Prevenção e Promoção da Saúde; Comunicação e Uso de Mídias; Investigação no Campo das Ciências da Natureza; Educação Econômica e Áreas da Produção (RS/SEDUC, 2011a). Esses eixos serão escolhidos pela escola, a partir das necessidades locais. A proposta do ensino politécnico pretende se contrapor à visão capitalista de divisão do trabalho em manual e intelectual. Compreende-se que essa forma de ensino defende a postura de que o processo de trabalho desenvolva, em uma unidade indissolúvel, os aspectos manuais e intelectuais. Um pressuposto dessa concepção é que não existe trabalho manual puro e nem trabalho intelectual puro. Todo trabalho humano envolve a concomitância do exercício dos membros, das mãos, e do exercício mental, intelectual. Isso está na própria origem do entendimento da realidade humana como constituída pelo trabalho (SAVIANI, 2003, p. 138). Para dar conta da nova estruturação curricular, a carga horária total do Ensino Médio passa de 2400 horas para 3000 horas, divididas da seguinte forma: no 1º ano serão 750 horas destinadas à parte da formação geral e 250 horas dedicadas à parte diversificada. No 2º ano serão 500 horas divididas igualmente entre ambas 38 as partes. Por fim, no 3º ano serão 250 horas destinadas à formação geral e 750 horas para a parte diversificada. As 600 horas que foram acrescidas a carga horária estabelecida nacionalmente (BRASIL, 2012a), estão destinadas a outras atividades como estágios, ou casos de emprego formal ou informal, desde que seus conteúdos acompanhem os projetos que estarão sendo desenvolvidos nos Seminários Integrados (RS/SEDUC, 2011a). É possível observar que essa proposta do Governo Estadual apresenta relação com o ProEMI, na medida em que busca romper com o modelo de ensino atual – o qual reflete o modelo tradicional de currículo (SILVA, 1999; LOPES & MACEDO, 2011) – e ampliar a carga horária para proporcionar uma melhor aproximação dos conteúdos escolares à vida dos estudantes. Os projetos construídos nos Seminários Integrados servirão como base de articulação entre os dois blocos, permitindo que haja interação dialógica entre as diversas áreas do conhecimento e os eixos transversais. Esses Seminários constituem-se em espaços planejados, integrados por professores e alunos, a serem realizados desde o primeiro ano e em complexidade crescente. Organizam o planejamento, a execução e a avaliação de todo o projeto político-pedagógico, de forma coletiva, incentivando a cooperação, a solidariedade e o protagonismo do jovem adulto (RS/SEDUC, 2011a, p. 23). Sua realização se integrará na carga horária da parte diversificada, ao longo dos três anos. A equipe diretiva, em especial a supervisão e a orientação educacional, terá a responsabilidade pela coordenação geral dos projetos. Já, a coordenação dos trabalhos estará sob responsabilidade dos professores (sendo um de cada área), que atuarão de forma rotativa nessa função. Para que o cumprimento dessa responsabilidade ocorra sem prejuízo do trabalho do docente, será destinado um percentual da carga horária dos professores para que possa acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos. A aplicação dos projetos poderá se dar por meio de visitas a campo, vivências e estágios que poderão ocorrer tanto dentro como fora da instituição escolar e do turno que o discente frequenta, sempre com o acompanhamento de algum docente responsável pelo grupo. A escolha pela temática se dará a partir da pesquisa realizada pelos próprios alunos, quando se constatar alguma necessidade de atuação que esteja contemplada em algum dos eixos da parte diversificada (RS/SEDUC, 2011a). Visando a tornar efetiva a aplicação dessa proposta, no ano seguinte, o Governo do Estado – por meio do Parecer Nº 310/2012 – aprovou e tornou público o Regimento Escolar Padrão para o Ensino Médio Politécnico das escolas estaduais 39 do Rio Grande do Sul (RS/SEDUC, 2012). Esse documento formalizou a proposta do Governo e iniciou o processo de inserção do novo currículo em todas as escolas estaduais. Com base neste Regimento, o Ensino Médio Politécnico passa a se definir como aquele em que na prática pedagógica ocorre a permanente instrumentalização dos educandos quanto a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; do processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; da língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e do exercício da cidadania (RS/SEDUC, 2012, p. 8). A partir desta nova concepção, o Ensino Médio mantêm os objetivos previstos nas Diretrizes (BRASIL, 2012a) e na LDB (BRASIL, 1996b), e ainda acrescenta a perspectiva politécnica no sentido de que os estudantes possam estabelecer relações dos conhecimentos e saberes aprendidos nas disciplinas com as necessidades presentes em seus contextos sociais. Esse currículo abre espaço também para que seja possível estabelecer a relação dos saberes das disciplinas com os saberes abertos dos discentes (DUTRA, 2010; DUTRA & DEL PINO, 2011), visto que o currículo politécnico “se propõe a resgatar o sentido da escola como espaço de desenvolvimento e aprendizagem, dando sentido ao mundo real, concreto, percebido pelos alunos e alunas” (RS/SEDUC, 2011a, p.15). Dessa forma, os conteúdos das disciplinas serão organizados “a partir da realidade vivida pelos alunos e alunas e da necessidade de compreensão desta realidade, do entendimento do mundo” (Idem, p. 15). Nessa reestruturação curricular, o processo avaliativo se dará em duas etapas: primeiramente ocorrerá nas disciplinas, quando os docentes se utilizarão de instrumentos para avaliar o desempenho dos estudantes e em um segundo momento, no projeto vivencial, em que o docente responsável pela orientação do respectivo trabalho acompanhará e avaliará o desenvolvimento do aluno ao longo do processo de elaboração do projeto até a conclusão do relatório final. Em ambas as etapas, o Regimento propõe que o aluno faça sua autoavaliação, a fim de que a mesma também seja considerada pelos docentes. Caso nesse processo de avaliação o aluno não atinja a “aprovação”, o coletivo de professores e a Coordenação Pedagógica, elaborarão o Projeto Político Pedagógico de Apoio (PPDA), no qual estarão contidas as ações que deverão ser desenvolvidas para superar as defasagens de aprendizagem do respectivo aluno. Esse PPDA irá 40 orientar os estudos de recuperação e será armazenado junto ao relatório de desenvolvimento do aluno que será elaborado para cada um dos estudantes desde o primeiro até o último ano do curso (RS/SEDUC, 2012). Com relação à divulgação das notas dos discentes, as mesmas deixarão de ser emitidas por valores numéricos e passarão a ser expressas pelos seguintes conceitos: CSA: Construção Satisfatória da Aprendizagem; CPA: Construção Parcial da Aprendizagem e,CRA: Construção Restrita da Aprendizagem. Essas notas serão divulgadas ao final de cada trimestre e também ao final do ano letivo, tendo caráter cumulativo e sinalizando a aprovação – ou não – do estudante para o ano seguinte de sua escolarização (RS/SEDUC, 2012). O estudante que ficar com CSA estará aprovado de ano. O educando que tiver CPA, estará aprovado de ano, mas terá essa observação registrada em seu PPDA, bem como terá de fazer estudos de recuperação ao longo dos trimestres para buscar a melhora de seu atual desempenho sem, contudo, ser considerado inapto para o prosseguimento dos estudos. Em caso de melhora no desempenho, poderá alterar seu conceito para CSA. O discente que ficar com CRA obedecerá às seguintes orientações: - Ao final do 1º e 2º anos do curso: como conceito final em uma área do conhecimento, após os estudos de recuperação e exames finais, o aluno avança para o ano seguinte com Progressão Parcial; - Ao final do 3º ano do curso, como conceito final em uma área do conhecimento, o aluno poderá optar por realizar os Estudos Prolongados ou cursar o 3º ano do ensino médio; - Ao final do 3º ano do curso, como conceito final restrito em mais de uma área do conhecimento, após os estudos de recuperação e exames finais, o aluno é reprovado (RS/SEDUC, 2012, p. 21). Por meio dessa nova proposta pretende-se buscar a superação do tradicional sistema de gradeamento curricular e permitir que a construção do saber do estudante não seja avaliada somente como um número, mas como um conceito que permita expressar a construção diária e processual do conhecimento, ao longo de cada ano letivo. Além disso, o conhecimento das técnicas, da ciência, do trabalho e da relação disciplinar e interdisciplinar dos conteúdos escolares buscará preparar o jovem para que possa se construir como cidadão e buscar novos espaços para se inserir socialmente no mundo do trabalho e no Ensino Superior, construindo também reflexões que o auxiliarão nas decisões pessoais que tomará ao longo de sua vida (familiar, religiosa e política, entre outras). 41 Enfim, se faz necessário compreender essa abordagem sobre a nova estruturação curricular do Ensino Médio nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul porque é dentro desse contexto que a Filosofia está sendo inserida. Com base nessa compreensão, investiguei a inserção da Filosofia no currículo escolar e busquei perceber se ela está contribuindo para estabelecer uma relação dialógica com os demais conhecimentos e saberes, bem como se está fazendo parte da elaboração dos projetos a serem desenvolvidos nos Seminários Integrados. Cabe salientar que em 2013, ano em que se desenvolveu a pesquisa de campo, a reestruturação curricular contemplou o 1º e 2º ano, sendo que no 3º ainda manteve o tradicional modelo de currículo, regido diretamente pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2012a). Tendo conhecido a estruturação do Ensino Médio no Brasil e no Rio Grande do Sul, no próximo capítulo desta Tese me deterei nas publicações teóricas que foram produzidas a respeito do ensino de Filosofia no Ensino Médio brasileiro. Esse estado da questão iniciará a partir do ano de 2008 e irá até o ano de 2012, partindo da época da publicação da Lei (BRASIL, 2008) que tornou obrigatória a presença dessa disciplina no currículo escolar nacional. A divisão e a distribuição dos anos escolhidos nas respectivas seções tem como finalidade, apenas, a melhor organização do texto. 42 2. POSSIBILIDADES PARA A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DE ALGUMAS DAS ABORDAGENS TEÓRICAS COMPREENDIDAS ENTRE O PERÍODO DE 2008 A 2012 Desde o ano de 2008, a educação escolar começou a perceber a Filosofia de um modo diferente daquele como era tratada. Enquanto antigamente ela poderia apresentar um caráter transversal, a partir desse ano a Filosofia tornou-se uma disciplina constituída. A mudança fez com que se pensassem e se construíssem novas possibilidades curriculares para presença da Filosofia dentro da escola. Com base nessa nova perspectiva pretendo, com este capítulo, apresentar algumas das construções teóricas que foram elaboradas a partir do ano de 2008, a fim de que seja possível compreender o que tem sido dito a respeito do ensino de Filosofia no Ensino Médio. Este estado da questão permitirá conhecer os caminhos que já estão sendo trilhados, para que, em diálogo com eles, seja possível pensar sobre a relevância da Filosofia no currículo desse nível de ensino. A busca pelos textos toma como base os sites da scielo (contêm artigos publicados em diversas revistas nacionais e internacionais), de algumas revistas que não fazem parte do banco de dados da scielo e de eventos (Anped, Anped-Sul e Anpof). Realizou-se também a pesquisa em alguns livros que foram publicados nesse período. Cabe destacar que não encontrei nos eventos artigos que abordassem a temática referente ao ensino de Filosofia no Ensino Médio. Dentre os trabalhos encontrados, trago alguns dos que acredito que podem contribuir diretamente para se pensar a relevância da Filosofia para o currículo escolar desse nível de ensino. Nesse sentido, elaboro o presente capítulo em duas seções. Na primeira, apresento as publicações realizadas entre os anos de 2008 e 2009. Na segunda, analiso as publicações feitas de 2010 a 2012. 43 2.1. Publicações sobre o ensino de Filosofia: de 2008 a 2009 Iniciando a análise a partir das publicações que passaram a ser feitas a partir do ano de 2008, destaco o artigo do professor doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP)11, Rodrigo Gelamo, intitulado Pensar sem pressupostos: condição para problematizar o ensino de filosofia (GELAMO, 2008). Nesse trabalho o autor reflete sobre um novo modo de pensar o ensino de Filosofia fugindo do modelo tradicional, o qual privilegia as teorias majoritárias do pensamento filosófico ocidental (denominada pelo autor como sendo filosofia maior). Gelamo constrói sua argumentação a partir do estudo da obra Diferença e repetição, escrita pelo filósofo Gilles Deleuze, e também com base em outros textos desse filósofo em coautoria com o também filósofo Félix Guattari. A intenção de Gelamo é que seja possível pensar o ensino de Filosofia de outro modo que pudesse ir além do que a filosofia maior propõe e que termina por ser o saber hegemônico que está incluído no hall dos saberes a serem ensinados pela Filosofia. Nesse sentido, pode-se dizer que quando a Filosofia se vincula às imagens dogmáticas do pensamento, ou quando o filósofo se vincula às linhas majoritárias dos temas e problemas históricos, ela se enquadra no “modo maior” de filosofar. Essa vinculação não permite a produção da “diferença”, seja no pensamento, nos problemas ou nas soluções. No entanto, a filosofia pode ser feita de um “modo menor” quando problematiza linhas de intensidade que não se vinculam àquilo que “uma maioria” problematiza, escapando das imagens dogmáticas do pensamento (GELAMO, 2008, p. 170). O vínculo com a filosofia maior tende a limitar o pensamento do “indivíduo que filosofa”, na medida em que esse tipo de Filosofia já traz consigo a definição das interpretações que devem ser consideradas como as corretas e as erradas. Por outro lado, a filosofia menor abre espaço para que novos argumentos possam ser construídos, não dogmatizando o pensamento que foi elaborado ao longo da história da Filosofia e permitindo que possam existir diferentes formas de se conceber as inúmeras teorizações filosóficas. 11 Na época Rodrigo Gelamo era acadêmico do Doutorado em Educação da UNESP e professor da Faculdade de Tecnologia de Birigui (FATEB). 44 Para delimitar claramente a diferença entre as duas percepções da Filosofia, o autor apresenta a definição de cada uma. Por filosofia maior, Gelamo (2008, p. 171) diz que é aquela que está instaurada e sedimentada historicamente pelo poder de sua inércia e que teria o poder de enunciar os problemas e propor soluções “dignas da filosofia”. Nesse sentido, a marca da “filosofia maior” seria a busca pela unidade da representação, pela universalidade dos conceitos, pelo uso correto da razão, pela boa vontade do pensamento e do pensador. Essa Filosofia interpreta o mundo a partir dos saberes que foram hegemonizados em sua história e que se tornaram universalmente aceitos, correspondendo àquilo que se chama de saberes da tradição filosófica. Percebo que com base nessa Filosofia o ensino se dá por meio do professor que age como um “mestre explicador” – utilizando-me das palavras de Rancière (2005). Esse mestre é o que acredita conduzir o estudante ao conhecimento daquilo que é verdadeiramente aceito. Na visão dele, por exemplo, a interpretação sobre as obras de Platão, Descartes, Kant e Sartre, entre outros, já se apresenta construída de modo concreto, cabendo ao “mestre explicador” (professor) transmitir o saber universal aos estudantes. A educação escolar contemporânea tende a trabalhar nessa perspectiva, visto que ela apresenta como princípios a seleção, a progressão e a incompletude. Inicialmente, Aprendem-se algumas regras e alguns elementos que são aplicados a alguns trechos escolhidos de leitura, alguns exercícios correspondendo aos rudimentos adquiridos. Em seguida, passa-se a um nível superior: outros rudimentos, outro livro, outros exercícios, outro professor... A cada etapa, cava-se o abismo da ignorância que o professor tapa, antes de cavar um outro. Fragmentos se acrescentam, peças isoladas de um saber do explicador que levam o aluno a reboque de um mestre que ele jamais atingirá. O livro nunca está inteiro, a lição jamais acabada. O mestre sempre guarda na manga um saber, isto é uma ignorância do aluno. Entendi isso, diz o aluno, satisfeito. – Isso é o que você pensa, corrige o mestre. Na verdade, há uma dificuldade de que, até aqui, eu o poupei. Ela será explicada quando chegarmos à lição correspondente. – O que quer dizer isso? pergunta o aluno, curioso. – Eu poderia lhe explicar, responde o mestre, mas seria prematuro: você não entenderia. Isso lhe será explicado no ano que vem (RANCIÈRE, 2005, p. 41). Nesse sentido, Racière considera que essa forma de ensino embrutece o pensamento do aluno, fazendo com que esse esteja sempre preso à interpretação 45 que o professor atribui à matéria ensinada. Tal forma de ensino subjuga o aluno ao pensamento do mestre (GALLO, 2012b). Em outro sentido, Rancière aponta o “mestre ignorante” como aquele que se torna capaz de contribuir para a emancipação de seu aluno. Esse tipo de mestre é aquele que não trata a educação de forma bancária (FREIRE, 2003a), depositando o conhecimento em seus alunos, mas a trata no sentido de tornar seu aluno alguém que seja capaz de pesquisar o conhecimento por si mesmo, estabelecendo relações com aquilo que ele próprio já conhece. O professor, nessa perspectiva, “não verificará o que o aluno descobriu, verificará se ele buscou. Ele julgará se estava atento. [...] O que o mestre ignorante deve exigir de seu aluno é que ele prove que estudou com atenção” (RANCIÈRE, 2005, p. 54). Tal forma de educar motiva o espírito investigativo do estudante, desenvolvendo sua capacidade de refletir filosoficamente, na medida em que busca novos conhecimentos em “diálogo” com os saberes que já possui. Dessa forma, não ocorrerá um ensino dogmático, mas um ensino problematizador, emancipador, que oferecerá um maior número de possibilidades em sua descoberta interpretativa. Assim, entendo que na linha de trabalho do mestre ignorante reside a perspectiva da filosofia menor, indicada por Gelamo (2008). Segundo esse autor, tal Filosofia teria como proposta a transvaloração da filosofia maior por meio da potência da variação (diferenciação). Nesse sentido, o que importa para esse fazer filosófico são a multiplicidade, a singularidade, a idiotia e a má-vontade, características que fariam a filosofia menor escapar das relações de força aglutinadoras da repetição do mesmo problema, das mesmas soluções. A filosofia menor seria, assim, uma política de resistência aos padrões instituídos do filosofar, do aprender e do ensinar (GELAMO, 2008, p. 171). Analisando a perspectiva filosófica na visão da filosofia menor, Gelamo acredita que é preciso pensar o ensino de Filosofia de outra forma, além das preocupações tradicionais, a saber: reflexão sobre temas importantes que deverão ser ensinados; importância do ensino de Filosofia para a sociedade e para a formação crítica do ser humano; reflexões sobre o currículo e busca pela metodologia do ensino de Filosofia, entre outros. Na visão do autor, para se trabalhar na perspectiva menor, é preciso romper com a ortodoxia da filosofia maior, desenvolvendo problemas que ainda não foram pensados nesse campo de discussão. Desta forma, Gelamo (2008, p. 172) propõe a seguinte questão: “o que 46 faz o filósofo quando seu ofício é ser professor de filosofia?”. Embora não responda a essa pergunta no texto, ele destaca que assim como esse questionamento, outros estão surgindo como forma de superar e resistir ao poder que a filosofia maior exerce sobre o ser humano. Após conhecer o trabalho de Gelamo, percebo que – embora o autor não trate diretamente da obrigatoriedade do ensino de Filosofia – seu pensamento contribui com a proposta deste trabalho na medida em que permite pensar o currículo de Filosofia como algo que está em processo de construção. Isso significa que os conteúdos a serem trabalhados no Ensino Médio, a forma de desenvolvê-los, a relação professor e alunos, nada está definido, e que mesmo que os documentos oficiais (BRASIL, 1999; 2002; 2006) apontem caminhos que direcionem para a filosofia maior, existe uma outra possibilidade de se trabalhar a Filosofia (por meio de uma filosofia menor). Essa nova possibilidade não enfraquece a sua importância, mas motiva os alunos a serem também partícipes do ato de filosofar. Com esse texto, Gelamo nos presenteia com o conceito de filosofia menor e nos oferece esse valioso subsídio teórico para contribuir com a construção desta Tese. No ano de 2009, destaco o trabalho desenvolvido pelo professor doutor da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), Marcos Lorieri, e pelo professor mestre do Colégio Santa Lucia Filippini (Governo do Estado de São Paulo), Cláudio Santos, no artigo intitulado O lugar da filosofia na experiência educativa. O texto oferece um espaço de discussão, a fim de compreender a importância da presença da Filosofia no currículo escolar para a formação de vida das crianças e dos jovens que frequentam a Educação Básica. Ao longo do texto, os autores constroem argumentos no sentido de destacar a importância da Filosofia para a formação do ser humano, a partir do pensamento de alguns filósofos. Inicialmente, eles se posicionam com base no pensamento de Kant, dizendo esperar que o professor forme alunos primeiramente sensatos, depois racionais e, por fim, doutos. Com base nesse princípio, argumentam que mesmo que o aluno não se torne douto, ao menos o discente terá conquistado algo com o ensino, na medida em que terá exercitado a capacidade da reflexão, podendo se tornar mais atinado perante a vida. Em outras palavras, o aluno passará a ver o mundo de modo mais prudente e crítico na tomada de suas decisões. Seguindo nessa linha teórica, os autores definem que a escola não deve ensinar apenas Filosofia, mas ensinar a pensar. Tal perspectiva de trabalho visa à 47 construção de autonomia dos alunos, na medida em que esses começarão a pensar por si mesmos, a fim de que possam se conduzir nas decisões que terão de tomar ao longo da vida. De acordo com Lorieri e Santos (2009, p. 27), é importante destacar que não há nenhuma Filosofia que seja ou possa ser denominada de “A Filosofia”. Não há, pois, alguma Filosofia que possa ser ensinada como tal. O que se pode ensinar é “o método de refletir e concluir por conta própria”: método que se aprende através do método apropriado de ensino da Filosofia que deve ser o método “zetético, como lhe chamavam os Antigos (de zetein) isto é, investigante”. Desse modo, desenvolver o filosofar se destaca como uma importante atribuição do professor de Filosofia, visto que por meio de um ensino investigante, os alunos também terão parte importante na construção dos conhecimentos que estarão sendo desenvolvidos, não se tornando receptores passivos, o que é típico do ensino enciclopédico, bancário, conteudista, que prioriza uma cabeça bem cheia ao invés de uma cabeça bem-feita (MORIN, 2002; FREIRE, 2003a). Os autores em questão não ignoram a importância do estudo dos filósofos e seus escritos, mas esses não devem ser vistos como o modelo de juízo correto, e sim percebidos como passíveis de julgamento crítico-reflexivo sobre suas ideias, permitindo que o aluno posicione-se a favor ou contra eles. Com esse modo de pensamento, Lorieri e Santos (2009) se aproximam do trabalho de Gelamo (2008) na medida em que consideram a ideia de que não existe “A Filosofia” correta, mas várias possibilidades teóricas para se filosofar. Isso me permite indicar a resistência à filosofia maior, em busca do propósito da filosofia menor. Tal relação se mostra de modo mais claro no seguinte trecho, em que os autores mencionam a influência da ideologia no pensamento filosófico: se é verdade que as grandes referências de uma época como a nossa são “dadas” por uma filosofia que se tornou ideologia, nada mais urgente e necessário que uma compreensão desta mesma ideologia e a capacidade de examiná-la reflexivamente, criticamente, metodicamente, profundamente; ou seja, à maneira filosófica. Ou as pessoas fazem esta análise ou receberão alguma filosofia dada pronta por uma imposição nada clara: a imposição possibilitada pela força da persuasão publicitário-ideológica e pela falta de condições de análise filosófica à qual as pessoas são condenadas, pois, não tem sido permitido que elas possam aprender a filosofar (LORIERI & SANTOS, 2009, p. 32). 48 Nisso destaca-se a importância do estudo dos filósofos de modo crítico, reflexivo e filosófico, para que seja possível superar a visão hegemônica que se tem sobre a respectiva teoria filosófica a ser estudada. Daí reforça-se também a importância do aprender a filosofar e não somente aprender conteúdos de Filosofia. Tomando como base o pensamento do filósofo Joaquim Severino, os autores destacam também que a Filosofia tem como propósito permitir que os seres humanos consigam produzir algum sentido para a sua existência e para a realidade na qual vivem, a partir da atividade racional crítica, reflexiva, metódica e aprofundada sobre a mesma (LORIERI & SANTOS, 2009). Aqui é possível perceber a Filosofia como construtora de significados, de modo que por meio do exercício de sua atividade o homem adquire certo grau de consciência sobre o mundo e deixa de vivê-lo de modo mecânico, para pensar prudentemente sobre as consequências das decisões que toma e dos atos que concretiza na sua prática social e histórica. Por fim, trago a análise da questão filosófica a partir do pensamento de Lipman, Sharp e Oskanian, em que os autores Lorieri e Santos (2009) destacam também a importância da Filosofia como um espaço de superação do conformismo, do acomodamento e da aceitação passiva das coisas que nos falam. O saber filosófico deve proporcionar um espaço de reflexão filosófica na qual os estudantes precisarão dedicar algum tempo de suas vidas para problematizar tal questão a ser estudada. Essa superação do conformismo só poderá ocorrer se houver vontade por parte daquele que pretende filosofar, pois do contrário, será mais atrativo para o aluno não refletir e aceitar passivamente a realidade como essa se apresenta. Aqui lembro o dizer de Gallo (2012b, p. 14), que ao remeter-se ao pensamento do filósofo Deleuze, afirma que “há algo que nos força a pensar, que a instituição do pensamento é sempre uma violência, resultado de um encontro. Acomodados, não pensamos”. Assim, também é possível atribuir à Filosofia essa incitação ao não acomodamento reflexivo diante da realidade. Nesse sentido, as contribuições de Lorieri e Santos (2009) permitem perceber o currículo de Filosofia como algo importante para a formação dos estudantes, na medida em que possibilita o exercício crítico do pensamento em busca da autonomia, bem como da inquietação diante dos fenômenos que ocorrem na sociedade como um todo. Será por meio de uma postura investigativa que o educando dialogará com os saberes da Filosofia, a fim de buscar respostas para as 49 inquietações que permeiam sua vida. Isso exigirá dos mesmos a superação da “preguiça intelectual”, por uma postura “criticamente ativa” diante da realidade. Outra obra que destaco, dentre as publicações do ano de 2009, é o livro Territórios da prática filosófica, organizado pelas professoras doutoras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Elisete Tomazetti e Simone Gallina (2009). O respectivo livro apresenta dez textos que tratam da abordagem de pesquisas e formas de trabalhar a Filosofia na contemporaneidade. Ele também discute as relações entre o ensino de Filosofia a partir das diferentes perspectivas de cada autor e autora. Dentre os textos, destaco quatro dos quais permitem dar uma ideia da proposta de trabalho do livro. No capítulo escrito pela professora Elisete Tomazetti, intitulado Ensino e aprendizagem em filosofia: possibilidades a partir de diferentes linguagens?, a autora reflete sobre a importância de se trabalhar com os filósofos clássicos e seus pensamentos sem tornar esse ensino entediante para os alunos do Ensino Médio. A professora sugere, nesse sentido, que se parta de textos não filosóficos para que se possa aos poucos chegar aos clássicos. A professora doutora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 12 Renata Aspis (2009), no texto Problematização de alguns pressupostos do ensino de filosofia para jovens, realiza a problematização desses pressupostos propondo, inicialmente, pensar o valor formativo da Filosofia como disciplina escolar. A autora identifica a Filosofia como questionadora e como criadora de conceitos, enfatizando também a importância da leitura dos textos dos filósofos. Dessa forma, Aspis (2009, p. 36) destaca que é importante apresentar: a Filosofia aos jovens e introduzi-los na sua prática para que tenham os conceitos filosóficos como referência, além das que têm de ciência, do marketing, da mídia, da prática não-reflexiva do cotidiano, das tradições. Assim, também poderão ter outro paradigma de abordagem da realidade e de si mesmos. Por meio da Filosofia, poderão buscar seu lugar no mundo, seu olhar, sua compreensão. Só então poderão fazer um plano de vida auto-consciente e um plano de mundo melhor, se assim o desejarem. No decorrer do capítulo, a autora reflete criticamente sobre os seguintes pressupostos: o ensino de Filosofia como uma maneira de ensinar concepções críticas de mundo; o ensino de Filosofia como promoção do debate sobre as atualidades; o ensino de Filosofia como ensino de história ou temas de Filosofia e, 12 Na época Renata Aspis era acadêmica do Doutorado em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professora do Colégio Cidade de Bragança Paulista. 50 por fim, o ensino de Filosofia como um exercício de habilidades cognitivas. Ao fim, Aspis (2009, p. 51) defende o ensino de Filosofia por meio da criação de conceitos, no sentido de que: Se a filosofia é geradora de questionamento que impele o homem a lembrar-se de si como aquele que pode criar conceitos para construir o mundo e a si mesmo, incansavelmente; se for verdade que, conforme tudo for mudando, é preciso rejeitar esses conceitos para reativá-los, para recriálos a partir de um outro lugar de problema, então também é verdade que o ensino de filosofia deve ser o ensino disso mesmo. O texto da professora mestre da Escola Estadual Carlos Gomes (Governo do Estado de São Paulo) Adriane Cavalcanti (2009), intitulado Plano de curso como espaço nômade, apresenta o relato sobre um curso de Filosofia ministrado pela autora para sete turmas da segunda série do Ensino Médio. Em seu escrito, ela pretende apresentar sua proposta na qual formula o plano de curso no qual o “conteúdo programático pudesse ter „um espaço nômade‟.” (CAVALCANTI, 2009, p. 55). Para tanto, utiliza do método de trabalho no qual a Filosofia seja desenvolvida como uma atividade de criação de conceitos, tomando como referência os quatro vídeos da coleção Filosofia no Ensino Médio, organizados por Sílvio Gallo, Renata Aspis e Celso Favaretto. Dessa forma, a autora relata que por meio da sensibilização e da problematização13 trabalha-se a aula de Filosofia a partir daquilo que os alunos se interessam, buscando debater a questão estudada de modo a não aceitar como pronta a resposta que se tem em mãos no início do debate. Assim, o plano de curso se torna um espaço nômade, visto que: Procurando pensar um plano de curso de Filosofia construído com base nos interesses dos estudantes, tanto o programa quanto o conteúdo programático e até a determinação do material didático avançarão não segundo a ordem de um desenrolar progressivo pré-escolhido pelo professor, mas como um trajeto que inclui o acaso, um lance de dados com os novos problemas que passarão a definir quais pontos serão desenvolvidos. Um plano aberto, como território de distribuição nômade que excede a ordem e o controle absolutos do professor, garantindo que se efetive um movimento para um pensamento filosófico que faz apelo ao universo dos estudantes (CAVALCANTI, 2009, p. 63). 13 Os conceitos de “sensibilização” e “problematização” serão explicados na próxima seção a partir de Gallo (2012). 51 Nesse sentido, o currículo de Filosofia proposto não se apresenta como algo pré-definido “conteudisticamente” e pré-organizado ao longo do ano letivo. A visualização do plano como um espaço nômade permite que os alunos se tornem participantes da construção do conhecimento escolhendo os temas de interesse e trazendo materiais (charges, textos, imagens e etc.) que possam contribuir com os debates filosóficos que ocorrerão na sala de aula. Por fim, o último capítulo que destaco do livro é de autoria do professor doutor da Universidade de Passo Fundo (UPF), Altair Fávero, intitulado O pensar por relações e a investigação analógica: possibilidades para o ensino de filosofia. No respectivo texto, o autor se dedica a trabalhar na perspectiva do “pensar por relações enquanto ferramenta produtiva na articulação de uma proposta de ensino de filosofia” (FAVERO, 2009, p. 128). Isso significa que seja possível trabalhar o ensino de Filosofia por meio da investigação por analogias, a partir das quais se busca estabelecer relações comparativas para chegar a novos conhecimentos, procurando explicar aquilo que é desconhecido por meio do que é conhecido. Fávero (2009, p. 131) compreende que: O estudo das analogias e a sua aplicação no cotidiano escolar, não só nas aulas de filosofia, mas em todas as aulas, poderá tornar-se altamente significativo, além de apaixonante. A compreensão da estrutura analógica possibilitará que professores e alunos consigam exercitar os conteúdos específicos por meio da construção de analogias. O fato de exercitarmos o processo de relacionar uma determinada informação com outra representa um significativo avanço no desenvolvimento das habilidades de pensamento. Dessa forma, o autor remete o pensar por relações como sendo uma alternativa para se trabalhar a Filosofia de modo que a mesma possa fazer sentido para os aprendizes. A terceira obra que destaco nesse ano é o livro Ensinar filosofia: um livro para professores, escrito pela professora Renata Aspis e pelo professor livre docente da UNICAMP, Sílvio Gallo. Nessa obra, a autora e o autor defendem um ensino de Filosofia que permita a construção da autonomia dos estudantes, a fim de que eles possam pensar por si mesmos de modo abrangente, claro e com profundidade. Nesse caminho de pensamento, Aspis e Gallo (2009, pp. 16-7) propõem o ensino de Filosofia por meio da experiência filosófica na qual a experiência passa a ser compreendida como sendo: 52 aquela coisa que, ao acontecer a alguém, transforma essa pessoa, que já não é mais a mesma. É algo que atravessa seu pensamento, suas ideias e faz com que já não possa mais ser o mesmo. Algo se passa, toca e é apreendido de forma transformadora. A experiência filosófica é a experiência de fazer filosofia. É isso que queremos proporcionar aos jovens: a experiência de filosofar. Partindo dessa perspectiva, os autores dividem a obra em três partes. Na primeira, intitulam do seguinte modo: “O que ensinar?”. Com base na reflexão proposta por esse título constroem várias seções sobre os seguintes questionamentos: qual é a especificidade da filosofia?; por que colocar a filosofia na escola?; o que priorizar: temas filosóficos ou a história da filosofia?; e, para que ensinar filosofia?, entre outros. Na segunda parte, o questionamento base que intitula o capítulo passa a ser “Como ensinar?”. Nessa parte, refletem sobre os seguintes pontos: como despertar o interesse dos alunos?; os alunos têm condições de ler textos filosóficos?; como fazer uso da história da filosofia?; e, como avaliar?, entre outros. Por fim, a terceira parte refere-se aos apêndices. Nestes, Aspis e Gallo (2009) apresentam alguns exemplos de táticas de ensino, bem como indicações bibliográficas que possam auxiliar os leitores docentes no desenvolvimento de suas atividades pedagógicas nas aulas de Filosofia. Esse livro oferece uma ótima oportunidade para se refletir sobre questões peculiares do ensino de Filosofia – que envolvem o âmbito de sua especificidade – permitindo que o docente, ao lê-lo, possa definir melhor qual perspectiva de trabalho desejará desenvolver ao refletir sobre as questões propostas em cada capítulo. Concluída as revisões sobre algumas das produções publicadas entre os anos de 2008 e 2009, na próxima seção realizo o estado da questão a partir das publicações realizadas no ano de 2010 em diante. 2.2. Publicações sobre o ensino de Filosofia: de 2010 a 2012 No ano de 2010 inicio a busca pelas publicações destacando o texto do professor livre docente da Universidade de São Paulo (USP) 14 e da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), Antônio Joaquim Severino (2010), cujo título é Formação política do adolescente no Ensino Médio: a contribuição da Filosofia. Nesse artigo, o autor parte da premissa de que a finalidade da educação é tornar os seres humanos 53 autônomos, percebendo o Ensino Médio como uma mediação privilegiada da educação, a qual contribui para a construção da identidade dos estudantes e, por consequência, para o desenvolvimento de suas autonomias. O papel da Filosofia, neste espaço da educação escolar, consiste na reflexão e busca pelo sentido da existência humana, envolvendo as dimensões sociais, políticas e históricas que fazem parte da vida do homem. O auxílio filosófico na construção do sujeito autônomo necessita da reflexão sobre o sentido da vida. Dessa forma, estando presente no currículo do ensino médio, a Filosofia procura levar o adolescente à indagação do sentido de seu existir, o que implica levar pedagogicamente em conta a sua condição psicossocial. E ela o faz, subsidiando o estudante a retomar, a analisar sua experiência vital, refletindo sobre ela em busca de sua significação, de modo a poder intencionalizar com mais segurança a continuidade de sua existência (SEVERINO, 2010, p. 67). O filósofo alerta para que a Filosofia, por reconhecer a participação dos educandos no processo de ensino e aprendizado, não deve recorrer como fundamento ao espontaneísmo sentimental dos estudantes, ao senso comum, mas poderá partir disso para aprofundar criticamente as discussões, utilizando-se dos conceitos e das categorias que são próprias da Filosofia. O estudo histórico da sociedade também é um elemento importante e que dialoga tranquilamente com o saber filosófico, visto que por meio desse estudo os alunos compreenderão os condicionamentos históricos que levam a sua realidade atual “a estar do jeito que está” e permite que os mesmos também se percebam como participantes da história e como sujeitos ativos ou passivos na continuidade de sua construção. Severino (2010) enfatiza também a importância de se evitar os descaminhos filosóficos. Citando alguns, o autor destaca o cuidado para que se evite que o diálogo com os filósofos não se transforme em um monólogo estéril. Para tanto, é preciso evitar o estudo dos filósofos a partir de um sentido filológico, devendo-se buscar um sentido contextual, o qual envolve a realidade multifacetada do pensador. Deve-se evitar também o enviesamento ideológico que, por si só, transforma determinada corrente filosófica em algo doutrinário. Para Severino (2010), é preciso tomar cuidado com isso, pois o estudo filosófico exige uma postura investigativa na 14 No ano de 2009 o professor Antônio Joaquim Severino se aposentou da USP. 54 medida em que a verdade histórica não se apresentará como finalizada, mas estará sempre em movimento e sujeita a novas indagações. Outro trabalho que destaco no respectivo ano é o da Coleção Explorando o Ensino (Volume 14 – Filosofia), organizada pelo professor pós-doutor Gabriele Cornelli, da Universidade de Brasília (UnB), e pelos professores doutores Marcelo Carvalho, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e Márcio Danelon, da Universidade Federal de Uberlância (UFU). Essa obra, proposta pelo Ministério da Educação, está dividida em 14 volumes e abrange as diversas áreas do conhecimento que se encontram presentes no currículo da educação básica brasileira. Esse último volume está destinado à Filosofia. O respectivo material está dividido em três partes. A primeira, intitulada O ensino de filosofia no Brasil: três gerações, contém apenas o primeiro capítulo e apresenta um debate entre Marilena Chauí, João Carlos Salles e Marcelo Guimarães, coordenado por Marcelo Carvalho e Marli dos Santos. Esse debate pretende traçar um perfil comparativo a respeito do ensino de Filosofia na educação brasileira, a partir da visão das três gerações de professores de Filosofia brasileiros. A segunda parte, intitulada Didática da filosofia: a prática do ensino da filosofia através de seus temas, engloba seis capítulos, contemplando do segundo ao sétimo. Essa parte apresenta diferentes áreas para se trabalhar com o ensino de Filosofia, desde a Filosofia antiga até a contemporânea. Nela abordam-se temas como Filosofia antiga, Filosofia medieval, ética e política a partir de Walter Benjamin, lógica e linguagem com base em Ludwig Wittgenstein, Filosofia da arte, estética, teoria do conhecimento e ciência. Na terceira e última parte, intitulada Filosofia do ensino de filosofia: questões teóricas da prática do ensino, que vai do capítulo oito ao capítulo onze, os autores abordam questões referentes ao ensino de Filosofia no Brasil, na atualidade. Os assuntos abordados giram em torno da avaliação e materiais didáticos, reflexões sobre a história da Filosofia no Brasil, a análise das Orientações Curriculares Nacionais de Filosofia para o nível médio e o ensino de Filosofia e a emancipação. Essa coleção (CORNELLI, CARVALHO & DANELON, 2010) propicia um vasto material pedagógico que pode auxiliar os docentes de Filosofia na organização e elaboração dos conteúdos que poderão ser trabalhados ao longo dos anos letivos. Ao mesmo tempo, contribui para repensar a inserção obrigatória da Filosofia no 55 currículo escolar do Ensino Médio e refletir sobre qual é a sua função neste nível de ensino. Um terceiro material que destaco é o artigo escrito pelo professor mestre da Universidade do Grande ABC (UniABC) Dildo Brasil, denominado Da relação [erótica] entre filosofia e educação, na qual o autor problematiza a implementação do ensino de Filosofia no Ensino Médio brasileiro, investigando se ela é necessária para a vida do ser humano, ou não. Ao longo do escrito, Brasil (2010) retoma uma das obras escritas por Platão intitulada Láques, na qual os personagens interlocutores Lisímaco, Melésias, Nícias, Láques e Sócrates debatem a respeito da educação dos filhos, buscando saber o que esses devem aprender para se tornar homens de verdade. Ao tomar a palavra na discussão, Sócrates conduz o debate não no âmbito somente dos moços, mas do ser humano no todo. Ao final concluem que o que os jovens e todos os cidadãos devem aprender é a virtude, de modo que a virtude deve primeiramente ser exercitada por eles próprios, antes de se pretender ensinar aos demais. A partir desse trecho o autor traça uma análise do problema atual da inserção do ensino de Filosofia e argumenta que a questão não é saber se a Filosofia deve ser, ou não, uma disciplina do currículo escolar, mas o foco é “saber se o jovem, o adolescente, a criança ou mesmo o adulto precisa de filosofia. Nossa investigação deve buscar saber se a filosofia faz bem ou mal ao ser humano. Se a alma humana precisa da filosofia” (BRASIL, 2010, p. 181). Para resolver o problema, o professor propõe que é preciso compreender o que é filosofia e o que é educação. De acordo com ele, ambas as definições são necessárias para se encontrar a resposta do problema em questão. Dessa forma ele vai definir que a educação, por meio do ato de educar, deve proporcionar ao jovem um olhar crítico sobre a sua realidade e os acontecimentos que fazem parte dela, levando o sujeito à construção de sua autonomia. Por filosofia, o autor vai definir que esta tem como papel “humanizar o homem na história, enquanto este constrói a história e, também, fazer humana a própria historia [sic] deste homem, das sociedades e das culturas” (BRASIL, 2010, p. 184). Defende também que a Filosofia tem como tarefa a análise dos conceitos, salientando que a universidade deve cumprir o seu papel de formar com qualidade os seus licenciados, promovendo e estimulando a reflexão filosófica em seus acadêmicos. Ao ter uma boa formação inicial, os docentes de Filosofia da educação básica terão condições 56 de promover o pensar filosófico nas suas salas de aula. Caso esse trabalho não seja bem feito na licenciatura, o autor sugere que a instituição superior promova cursos de formação continuada para que os profissionais possam se capacitar melhor naquilo que precisam aprimorar em seu trabalho. De qualquer modo, o autor salienta que é necessário que as universidades comecem a formar bem os professores para que não mais necessitem consertar o erro via formação continuada. Assim a formação continuada passará a ter outro papel, função mais nobre e significativa, na vida profissional dos professores: será um instrumento de atualização e ampliação dos conhecimentos e métodos, e não formação básica (BRASIL, 2010, p. 192). Dessa maneira, o pensamento do autor permite perceber que o ensino de Filosofia deve ser trabalhado de modo que faça sentido para a vida do estudante. Sua proposta assemelha-se, em certas partes, ao pensamento dos demais autores que tenho apresentado ao longo deste capítulo. Analisando as publicações do ano de 2011, abordo o texto escrito pelo professor Antônio Joaquim Severino, intitulado Do ensino da filosofia: estratégias interdisciplinares, no qual o autor sugere uma prática de ensino da Filosofia que aconteça de modo interdisciplinar no Ensino Médio, fazendo com que essa disciplina articule-se com as demais disciplinas do currículo. O filósofo acredita que o desenvolvimento da atividade de modo interdisciplinar tornará o ensino mais motivante para o aluno, bem como contribuirá mais fortemente para a compreensão do sentido de sua vida, de sua existência. De acordo com o pensamento de Severino (2011, p. 82), A grande incumbência pedagógica da Filosofia é mostrar aos jovens o sentido de sua existência concreta. É assim que a Filosofia se torna formativa, na medida em que ela permite ao jovem dar-se conta do lugar que ocupa na realidade histórica de seu mundo, como ele se situa no seu contexto real de existência. Cabe à Filosofia, pois, ajudá-lo a compreender o sentido de sua própria experiência existencial, situando-a em relação ao sentido da existência humana em geral. Pode-se então dizer que o papel pedagógico da Filosofia, na condição de uma mediação curricular, é o de subsidiar o jovem aprendiz a ler o seu mundo e a se ler inserido nele. Tomando como base essa concepção, o autor vai apontar para o argumento favorável ao trabalho interdisciplinar da Filosofia com as demais disciplinas, em que os docentes poderão utilizar materiais em comum, desenvolver atividades em conjunto e debater temas de interesse que perpassam ambas as disciplinas, 57 desenvolvendo um trabalho de modo integrado. A partir dessa visão, Severino destaca cinco dimensões existenciais que fazem parte da condição humana e que devem ser levadas em conta no trabalho com a Filosofia no Ensino Médio. São estas: historicidade, praxidade, politicidade, eticidade e esteticidade. No que diz respeito à historicidade, argumenta que o jovem necessita se perceber como um sujeito temporal, que faz parte da história. Atualmente, o ser humano vive o mundo como se não houvesse o amanhã, de modo que as pessoas buscam a satisfação imediata dos seus desejos, não tendo tempo para a reflexão e o pensamento mais cauteloso e prudente. Vivemos hoje como se a vida se espraiasse num eterno presente, que é o único momento efetivamente valorizado. O passado é visto e tratado como algo de que se quer livrar o mais rapidamente possível, dele resgatando apenas as cargas pesadas que nos legou. E o futuro passa a ser visto apenas como sofreguidão do desejo, o mais das vezes delirante. Afoga-se, portanto, no presente, instável e veloz, eternamente insaciável (SEVERINO, 2011, p. 87). Nisso se reforça a importância de incluir a historicidade no trabalho da disciplina de Filosofia. Perceber a vida como o presente em que as ações tomadas hoje trazem consequências para o futuro (SUCHODOLSKI, 2000) é algo extremamente importante para se debater nas aulas dessa disciplina. No âmbito da praxidade, refere-se às atividades relacionadas à sobrevivência humana em seu meio ambiente, por meio da prática econômica, política e simbolizadora. Essa dimensão está relacionada às questões referentes “à produção e à reprodução da vida física, das práticas relacionadas à convivência sob a condição da sociabilidade e àquelas relacionadas à consciência, à produção e à fruição dos bens simbólicos da cultura” (SEVERINO, 2011, p. 87). Ao expor esses dois primeiros conceitos, Severino alerta que não é somente a Filosofia que é a responsável pelo resgate da praxidade e da historicidade, mas também as demais ciências, que terão seu trabalho mais facilitado se atuarem em conjunto com o docente de Filosofia. No âmbito da politicidade o autor compreende como sendo o resultado da prática social do ser humano. É uma obra construída no coletivo. Nesse espaço do político os homens buscam conviver em harmonia e tomar as decisões que possam permitir essa boa convivência. Nesse espaço constrói-se também a noção de 58 cidadania e busca-se evitar que o homem viva no caos social, em meio à diversidade de sujeitos que existem. A abordagem da eticidade contempla a questão valorativa do agir humano. Por meio dessa, o homem define e valora suas ações como boas ou más, corretas ou incorretas. Nesse caso, o valor fundante que dá base para eticidade é representado pela dignidade da pessoa humana. Assim, tudo aquilo que ferir essa dignidade não estará sendo ético e nem moral15. É importante que os seres humanos percebam que o próprio homem já é um valor em si, nas suas condições de existência, na sua radical historicidade, facticidade, corporeidade, incompletude e finitude, enfim, na sua contingência. E essa premissa precisa estar sempre subjacente ao diálogo docente/discente, no processo de ensino/aprendizagem no curso médio (SEVERINO, 2011, p. 89). Por fim, no campo da esteticidade a disciplina de Artes contribui para o desenvolvimento da sensibilidade estética nos estudantes, compreendendo essa sensibilidade como sendo um processo perceptivo “que se dá através de todo o espectro dos sentidos corpóreos, subjetivamente internalizados, e de nossa expressividade simbólica, capacidade que se adensa pela produção e utilização de diferentes linguagens” (Idem, p. 90). À Filosofia caberá a responsabilidade de desenvolver a abordagem estética de modo conceitual, permitindo que os jovens a percebam não só de modo técnico, mas também como uma “experiência estética subjetivada” (Idem, p. 90). Dessa forma, os professores de ambas as áreas podem trabalhar conjuntamente a partir de eventos artísticos do cinema e da música, entre outros. Após abordar essas cinco dimensões, Severino propõe que essas sejam algumas das temáticas que permitirão o diálogo interdisciplinar entre a Filosofia e as demais ciências. Além disso, o autor acrescenta também a temática da facticidade. Essa sugestão do Severino se aproxima da proposta dos Seminários Integrados do Ensino Médio Politécnico que está sendo implementada no Estado do Rio Grande do Sul (RS/SEDUC, 2012). Como exemplos, o autor indica que as temáticas referentes à dimensão social e histórica do ser humano podem ser desenvolvidas juntamente com as 15 Severino (2011) distingue a ética da moral definindo que a primeira trata de uma perspectiva universal, enquanto que a segunda refere-se à particularidade dos grupos sociais. 59 disciplinas de Geografia e História. Com relação à questão da facticidade, envolvendo a própria natureza do homem no que tange ao seu aspecto físico e biológico, podem ser trabalhadas juntamente com as disciplinas de Física e Biologia. Esses são alguns dos exemplos de como esse trabalho interdisciplinar pode ser desenvolvido, respeitando as especificidades de cada disciplina. A intenção é que desse modo o aluno consiga dar sentido aos saberes e conhecimentos apreendidos nas salas de aula e estabeleça a relação entre a teoria e a prática, problematizando não só os conhecimentos provindos do senso comum, mas também as verdades científicas vigentes em sua realidade. A concepção proposta pelo autor nos mostra que, no Ensino Médio, a presença de componentes curriculares de cunho filosófico, longe de levar os adolescentes a uma eventual inculcação ideológica, de lastro doutrinário e dogmático, é condição de extrema relevância para que se equipem de uma postura crítica frente aos dogmas que impregnam não só o senso comum da cultura envolvente, mas também os dogmatismos que perpassam até mesmo as mais sofisticadas formas de discursos, a começar pelo próprio discurso científico (SEVERINO, 2011, p. 94). Percebo na proposta do Severino uma possibilidade de integração dialógica entre as diversas disciplinas. Na medida em que os anos passam, é possível perceber tentativas de abertura do “gradeamento disciplinar”, como a proposta do ProEMI (BRASIL, 2009b) e do Ensino Médio Politécnico (RS/SEDUC, 2012) com os Seminários Integrados. Acredito que o trabalho nessa direção apresente boas possibilidades para se desenvolver uma ação qualificada, visto que a história da evolução das ciências não se construiu somente de modo disciplinar. Nesse sentido, é importante lembrar que a história das ciências não se restringe à da constituição e proliferação das disciplinas, mas abrange, ao mesmo tempo, a das rupturas entre as fronteiras disciplinares, da invasão de um problema de uma disciplina por outra, de circulação de conceitos, de formação de disciplinas híbridas que acabam tornando-se autônomas; enfim, é também a história da formação de complexos, onde diferentes disciplinas vão sendo agregadas e aglutinadas. Ou seja, se a história oficial da ciência é a da disciplinaridade, uma outra história, ligada e inseparável, é a das inter-poli-transdisciplinaridades (MORIN, 2002, p. 107). No caso, a proposta do Severino busca enfocar a interdisciplinaridade como um espaço do despertar do interesse do aluno pelos conteúdos a serem estudados, ao mesmo tempo em que atribui um sentido vital para esses novos saberes. 60 O outro texto que apresento, do ano de 2011, é o do professor pós-doutor da Universidade de Santa Catarina (UFSC), Delamar José Volpato Dutra, intitulado O domínio dos conhecimentos de filosofia necessários ao exercício da cidadania: um exemplo a partir da ética e da filosofia política. No artigo, o autor analisa a alteração no texto da LDB 9.394/96, no qual deixou de ser exclusividade da disciplina de Filosofia e de Sociologia o ensino dos conhecimentos necessários para o exercício da cidadania, mencionando que as respectivas disciplinas deverão ser obrigatórias no currículo do Ensino Médio, mas sem a direta atribuição daquela responsabilidade sobre elas. Nesse sentido, Volpato Dutra aponta como positiva essa nova redação, visto que ela deixa de contradizer a Constituição Federal brasileira, que em seu artigo 205 (BRASIL, 1988) define o seguinte: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Compreendendo que a formação para o exercício da cidadania não é só responsabilidade da disciplina de Filosofia, o autor propõe alguns temas do âmbito filosófico para contribuir com esta formação, sem que isso interfira no trabalho que as demais disciplinas devem desenvolver. Antes de adentrar diretamente no tema, ele reflete sobre o próprio conceito de cidadania, afirmando que o mesmo não se mostra claro nas legislações que o abordam (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996b). Inicialmente o autor cita o filósofo Kant, dizendo que para esse teórico, o termo cidadania remete a “capacidade política para legislar ou de votar, considerando para tal a independência” (VOLPATO DUTRA, 2011, p. 13). Aqui se percebe apenas uma parte do significado desse conceito. Aprofundando mais o assunto, o autor destaca o pensamento do filósofo Jonh Rawls, que a partir de sua teoria “conecta a cidadania com as capacidades que possibilitam aos cidadãos serem membros cooperativos da sociedade, cuja finalidade é chegar a uma visão clara da justiça política” (VOLPATO DUTRA, 2011, p. 13). Nessa nova concepção, a cidadania toma forma de cooperação entre os indivíduos sociais e a tolerância passa a ser vista como uma virtude essencial para que as diferenças possam ser resolvidas da melhor forma e do modo mais justo possível. A partir dessas concepções, o professor apresenta como sugestão alguns assuntos que poderiam ser trabalhados nas aulas de Filosofia na temática referente 61 à Ética ou à Filosofia Política. Destacando o “direito à vida” como sendo o primeiro direito enunciado pela Constituição Federal brasileira, o autor traz em discussão problemas enfrentados pela Bioética, como o aborto e a anencefalia. No código penal brasileiro, no artigo 128, está definido que o aborto não será punido em caso de: se for o único meio de salvar a vida da gestante; quando a gravidez é resultado de estupro e tem o consentimento da gestante ou de seu representante legal, em caso de essa ser incapaz. O autor problematiza a questão mostrando divergências entre o código penal e a carta magna e define que é preciso uma análise filosófica para que se possa discutir tal questão. A intenção do professor foi de apontar no texto para uma certa concepção de filosofia, como análise de conceitos abstratos com importância significativa para a nossa forma de vida, bem como, concomitantemente, para conteúdos possíveis das áreas de Ética e Filosofia Política indispensáveis ao exercício da cidadania no momento atual da sociedade brasileira, sem prejuízo que outras áreas da Filosofia também possam fazer o mesmo (VOLPATO DUTRA, 2011, p. 18). Após essas análises, o autor apresenta quatro conclusões que apontam para a valorização da Filosofia enquanto disciplina curricular do ensino médio. Segundo ele: • a Filosofia deve constar como disciplina por uma exigência legal da LDB; • no vestibular devem ser cobrados todos os conteúdos obrigatórios do Ensino Médio; • a cobrança da Filosofia no vestibular melhora o desempenho dos professores no Ensino Médio, pois podem esperar uma motivação maior dos estudantes para o estudo; • os conteúdos exigidos pelas universidades têm incidência sobre o que é ensinado, contribuindo para uma melhoria do ensino da disciplina de Filosofia no Ensino Médio, já que tais conteúdos são formulados, geralmente, por departamentos de filosofia com competência e experiência (Idem, p. 19). O texto de Volpato Dutra (2011) apresenta contribuições importantes para pensar a presença da Filosofia no Ensino Médio, na medida em que ele destaca que de acordo com a nova redação da LDB (BRASIL, 1996) – após a implantação da Lei 11.684/08 – a formação para a cidadania não é mais especificidade da Filosofia e da Sociologia, passando a ser legalmente atribuída para as demais disciplinas também. No decorrer do texto, o autor permite refletir sobre alguns assuntos que a Filosofia 62 pode contribuir para a formação cidadã e aponta problemas atuais que precisam ser debatidos e sobre os quais ainda não há uma posição definida, como o caso do aborto de anencéfalos, por exemplo. Chegando ao último ano de análise de algumas das publicações feitas sobre o ensino de Filosofia no nível médio, aponto mais três produções. A primeira delas refere-se à entrevista concedida pelo professor pós-doutor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Walter Kohan, ao entrevistador Juliano Orlandi para a seção Filosofia na Escola, da ANPOF (KOHAN, 2012). A entrevista tem como título Os riscos da institucionalização escolar da Filosofia. Kohan começa sua fala lembrando que a institucionalização da Filosofia como disciplina escolar não tem início com a Lei 11.684/08, visto que muitos Estados brasileiros já estavam implantando a Filosofia em seus currículos de Ensino Médio muito antes dessa publicação. Em alguns lugares do Brasil, a Filosofia já estava sendo implantada tanto na Educação Infantil como no Ensino Fundamental. Ao longo da entrevista, o filósofo destaca que todos aqueles que trabalham com a Filosofia devem se colocar diante da seguinte pergunta e respondê-la: “O que é a filosofia?” (KOHAN, 2012, s/p). Seguindo com essa reflexão, ele salienta que na Filosofia, tanto a forma (o filosofar) como o conteúdo (a Filosofia) não podem ser vistos de modo separado. Ambos devem ser trabalhados na sala de aula e exercitados por todos aqueles que desejam estudar Filosofia. Kohan (2012) salienta também que a história da Filosofia é algo essencial para o seu ensino. Nesse sentido, o filósofo enfatiza que a questão sobre a história da Filosofia não gira em torno do problema sobre se devemos ensiná-la ou não, mas gira ao redor da seguinte pergunta: para que estudar história da Filosofia? Na fala do entrevistado, identifico sua preocupação no sentido de que é preciso cuidar para que a abordagem dessa disciplina não seja meramente historicista ou puramente conteudista, pois isso pode fazer com o estudo dessa disciplina se torne antifilosófico. Quando questionado sobre qual o papel do professor de Filosofia, Walter Kohan argumenta que a primeira reflexão que o docente pode fazer é justamente problematizar seu papel: para que ele é professor de filosofia, qual o sentido de sua tarefa, ele está para cumprir a letra morta da lei ou para alguma outra coisa...? Quero dizer, o principal, a condição para que a filosofia possa ser ensinada é que o professor se coloque dentro da própria filosofia e não como um agente externo transmissor (KOHAN, 2012, s/p). 63 Quanto à utilização do livro didático, o filósofo reflete no sentido de não ser favorável. Por ser uma disciplina, a Filosofia apresenta conteúdos que o livro didático traz de modo organizado. Por outro lado, a Filosofia vai além do conteúdo, sendo também uma postura de pensamento. Mais adiante ele diz que “O melhor livro didático pode ser colocado a serviço da antifilosofia e um professor de Filosofia pode não precisar de qualquer livro didático” (KOHAN, 2012, s/p). Dessa forma, o autor apresenta a questão no sentido filosófico do termo e não apenas no sentido de se utilizar o livro didático ou não. Após essas reflexões, ele conclui seu pensamento afirmando que o melhor livro didático é aquele que se torna estéril, que desaparece, que deixa o trânsito livre para que professores e alunos enfrentem diretamente a filosofia, com seus problemas e conceitos. Nesse sentido, a grandeza de um livro didático está quando ele gera sua própria negação, ou seja, quando permite aos professores de filosofia perceber que ninguém a não ser eles próprios podem determinar o caminho e os interlocutores para andar esse movimento do pensamento que eles e seus estudantes se propõem recriar (Idem, s/p). Aqui se apresenta de modo claro o posicionamento do filósofo diante do livro didático. Percebo que o professor considera o livro didático como algo que pode prender o docente e o discente, caso seja o único instrumento de estudo filosófico. Porém, na medida em que o livro vai sendo deixado de lado para que educador e educandos possam realizar o processo de reflexão filosófica trabalhando com os conceitos e analisando os problemas do mundo e de seu tempo, a Filosofia começa a estar propriamente presente na sala de aula e o processo do filosofar começa a fazer sentido para a vida dos estudantes. Com relação à leitura dos textos escritos por filósofos da tradição, Kohan se mostra favorável à utilização desses, visto que são frutos do próprio exercício filosófico. De outro modo, o filósofo argumenta que nessa escolha também se entra em novos problemas. Para tanto, é preciso se perguntar: “qual tradição? O que constitui um texto de filosofia? E, sobretudo, que relação estabeleceremos com eles? Que experiências de leitura eles provocarão?” (KOHAN, 2012, s/p). E aqui, cabe ao docente definir claramente para si qual concepção filosófica embasará sua prática pedagógica ao longo das aulas de Filosofia. Ainda no ano de 2012, a Revista Filosofia e Educação, editada pelo grupo de pesquisa PAIDEIA, da UNICAMP, publicou uma edição cujo dossiê temático 64 abordava o ensino de Filosofia. Na apresentação do dossiê, o professor Sílvio Gallo escreve o texto intitulado Ensino de filosofia: tendências e desafios, no qual realiza uma breve reflexão histórica sobre a presença das discussões sobre o currículo de Filosofia no Brasil, a partir do século XX, e apresenta sucintamente cada um dos artigos que compõem a respectiva publicação. O dossiê contém onze textos que refletem sobre essa temática. Os textos abordam os respectivos assuntos: alguns pressupostos do ensino de Filosofia na França; ensino de Filosofia em uma perspectiva emancipatória; análise crítica do material didático proposto pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo; ensino de Filosofia como formação para a vida e mapeamento das intencionalidades dos livros didáticos propostos pelo mercado editorial brasileiro, entre outros16 (GALLO, 2012a). A publicação dessa revista contribui positivamente para pensarmos sobre o currículo da Filosofia no Ensino Médio brasileiro, visto que apresenta reflexões de autores tanto brasileiros como estrangeiros (da França e da Argentina). Mesmo sabendo da obrigatoriedade da presença da Filosofia no Ensino Médio, esse processo de construção e reconstrução curricular deve estar sempre em voga, pois essa área do saber está em constante processo de construção, de modo que a Filosofia não se encerra na contemporaneidade, mas continua a existir enquanto houver ser humano disposto a filosofar. Por fim, a última produção teórica que destaco no ano de 2012 é a publicação do professor Sílvio Gallo, em seu livro intitulado Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Nessa obra, o filósofo apresenta uma importante contribuição para se pensar o ensino de Filosofia nas escolas, refletindo desde a própria “ensinabilidade” da Filosofia até a apresentação de possíveis possibilidades didáticas para o desenvolvimento da disciplina ao longo do ano letivo. Inicialmente, Gallo (2012b) indica que é possível tanto ensinar Filosofia, como aprendê-la. Todavia, a Filosofia não pode ser considerada uma atividade de simples reflexão crítica (FERRY, 2007), mas sim uma atitude na qual aprofundamos o ato de refletir para questionar aquelas certezas que demonstram estar consolidadas como verdades incontestáveis. Nesse sentido, Gallo (2012b, p. 20) propõe que a aula de Filosofia se organize como uma oficina de conceitos, onde 65 “professor e estudantes manejem os conceitos criados na história da Filosofia como ferramentas a serviço da resolução de problemas e, com base em problemas específicos, busquem também criar conceitos filosóficos”. Diante da atual realidade contemporânea, na qual a quantidade de informações é exuberante, a vida humana sofre um processo de aceleração das suas vivências – fuga da ociosidade e da contemplação e busca pela autosuperação, pela eficiência –, ocorre que não se tem mais espaço para o ser humano exercitar-se filosoficamente. Nesse sentido, a prática filosófica apresenta-se na contramão dessa aceleração, aparecendo como um mecanismo de resistência que exige um tempo necessário para que o pensamento possa pensar a si mesmo e à realidade, para que assim possa pensar o conceito. Para o autor, a Filosofia trabalhada nessa perspectiva permite que o ser humano possa pensar a partir dos conceitos que foram construídos ao longo da história da Filosofia, relacionando-os com a sua atualidade, com o seu contexto. Ao desenvolver esse exercício, o estudante poderá aplicar os conceitos na atualidade, atribuindo um novo sentido e uma nova interpretação para sua realidade, inclusive criando conceitos novos que o auxiliem a compreender o seu mundo. Ao longo da obra, Gallo (2012b) procura definir sua análise a respeito da educação escolar estabelecendo dois conceitos que o permitirão situar seu estudo. Os conceitos abordados pelo autor são educação maior e educação menor. A educação maior diz respeito ao campo das políticas de ensino elaboradas pelos ministérios e pelas secretarias de educação, que têm a ver com os macroplanejamentos educacionais. A educação menor refere-se ao âmbito da sala de aula, do micro-espaço escolar, onde é possível desenvolver trabalhos de resistência e “fuga” do controle pretendido pela educação maior. A “educação menor instala-se no interior de um espaço escolar produzido e gerido pela educação maior, mas como um vírus, oferecendo resistência e roendo por dentro essa educação maior” (GALLO, 2012b, p. 26). Percebendo o espaço escolar da sala de aula como um mecanismo de resistência, é importante problematizar o currículo escolar no todo, questionando a intencionalidade dos conteúdos escolhidos como sendo os que legitimamente 16 Para que o texto não fique muito extenso, citei apenas os assuntos que são abordados no dossiê. Caso o leitor e a leitora tenham interesse em conhecer mais especificamente o que trata cada artigo, sugiro a leitura do texto de Gallo (2012a). 66 devem ser transmitidos aos alunos. Nessa linha de raciocínio, Apple (2008, p. 212) salienta que Embora seja perigoso reduzir todo o conhecimento escolar a conhecimento ideológico, e isso seria uma posição analiticamente tola (um mais um é algo ideológico?), ainda há muito a ser feito sobre a questão de quais grupos específicos controlam a seleção curricular nas escolas. De quem é o capital cultural, tanto aberto quanto oculto, colocado “dentro” do currículo escolar? De quem é a visão da realidade econômica, racial e sexual? De quem são os princípios de realidade econômica? De quem são os princípios de justiça social engastados no conteúdo da escolarização? Essas questões lidam com poder, recursos econômicos e controle (também com a ideologia e a economia da indústria corporativa editorial). Nesse sentido, a educação menor entra como um espaço de luta em que o educador, dentro de sua autonomia relativa, procura encontrar brechas nas quais poderá debater com seus alunos questões que surjam das necessidades que esses apresentam, dando sentido ao conteúdo que estará sendo estudado. Dessa forma, até os conteúdos dos livros didáticos deverão ser submetidos a uma análise rigorosa, a fim de que os saberes ali expressos não sejam recebidos como sendo “A Verdade”, mas como possibilidades interpretativas que podem ser recontextualizadas a partir da recriação dos conceitos que ali forem sendo trabalhados. Assim, percebo que mesmo sem mencionar em seu trabalho um estudo sobre as teorias curriculares, Gallo se aproxima – em certa medida – da linha de pensamento crítica de currículo de Apple (2008) e de Giroux (1986), os quais percebem o currículo escolar como um espaço de luta e resistência contra a imposição da cultura dominante sobre a classe dominada. Entendo que Gallo não aborda a questão referente à divisão de classes, mas vejo proximidades com a linha de pensamento daqueles autores no momento em que ele propõe a educação menor como um espaço de resistência ao currículo que tenta impor como corretos os saberes legitimados pela tradição filosófica. O fato de questionar essa legitimidade aproxima-se da perspectiva de oposição ao currículo tradicional e tecnicista da educação escolar (SILVA, 1999; SAVIANI, 2002). Essa perspectiva de educação menor como espaço de luta também se apresenta como uma alternativa de superação da visão das Teorias Crítico- 67 Reprodutivistas17 da educação destacadas por Saviani (2002), nas quais a educação escolar é vista como uma ferramenta de discriminação social que serve como um mecanismo de reprodução da cultura ideológica dominante, na qual os conhecimentos da classe popular são ignorados e os conhecimentos da classe dominante são vistos como o verdadeiro saber. Com base nessas teorias, não há espaço para a resistência na escola, visto que a mesma – estando submetida ao controle do Estado – atua como sendo um aparelho ideológico de estado e como tal, mantêm-se a serviço desse na inculcação da cultura dominante sobre a cultura dominada. A resistência à educação maior se dá pelo fato de que a mesma tende a propor que o ensino escolar torne todos os educandos cidadãos, na medida em que o fato de estarem excluídos da cidadania torna-os também excluídos das “formas democráticas de controle” (GALLO, 2012b, p. 31). Essa visão sobre cidadania, estando ligada às formas de controle, difere do conceito de cidadania enfocado na perspectiva do filósofo Severino (2010), que o compreende como sendo aquele no qual as pessoas possuem uma boa qualidade de vida, em que todos os sujeitos sociais vivem de modo digno, usufruindo dos bens culturais e sociais de que necessitam para viver e estando protegidos de qualquer tipo de opressão que possa comprometer a dignidade de suas vidas. Na interpretação de Gallo (2012b), a formação proposta pelo Estado – na qual não somente a Filosofia, mas também as demais disciplinas são responsáveis – pretende propiciar aos jovens a formação cidadã, de modo que quanto mais cidadão cada ser humano for, mais controle o Estado terá sobre cada um. Para lutar contra esse controle, é importante que o professor de Filosofia do ensino médio utilize suas aulas como trincheiras, como espaços de resistência. Fazer da sala de aula [...] um agenciamento coletivo capaz de promover articulações e a circulação dos conceitos, produzindo autonomia, que é a única coisa que permite o enfrentamento da máquina de controle. E produzir autonomia, no contexto da relação educativa, significa ensinar o desprezo pelo mestre (GALLO, 2012b, p. 32). O desprezo pelo mestre se dá na medida em que os estudantes, ao construírem seus posicionamentos sobre os problemas que são discutidos ao longo 17 As Teorias Crítico-Reprodutivistas são: Teoria do Sistema de Ensino como Violência Simbólica (teóricos: Bourdieu e Passeron); Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado (teórico: 68 das aulas, vão começando a refletir sobre si mesmos e a trabalhar sobre os conceitos, cada vez mais se emancipando do mestre (professor) para pensar seus próprios pensamentos. Isso não significa dizer que não precisaremos mais de docentes nas escolas, mas que o docente vai aos poucos se desvencilhando daquela visão de mestre explicador (RANCIÈRE, 2005) para se tornar o problematizador, o provocador da reflexão filosófica do aluno. Gallo (2012b) destaca ainda a importância de o professor de Filosofia deixar claro para os alunos qual a perspectiva filosófica que fundamenta a sua prática docente. Como não existe “A Filosofia”, mas sim Filosofias, o educador deverá escolher uma perspectiva que possa fundamentar seu trabalho, a fim de evitar que sua disciplina se torne relativa e aceite qualquer coisa como sendo Filosofia. É importante frisar que na escolha de seu embasamento teórico, sua teoria não seja dogmática, ou a melhor Filosofia de todas, mas que se apresente apenas como o fundamento no qual o professor-filósofo olha para o mundo, indicando a base de sua reflexão. Interpreto essa afirmação de Sílvio Gallo como sendo muito importante para todos aqueles que trabalham com a Filosofia, pois assim será possível evitar que a mesma caia em uma mera troca de opiniões, sem o aprofundamento filosófico. Do mesmo modo, saliento que a perspectiva escolhida não precisa ser “eterna” na vida do educador, mas poderá ser modificada ao longo de sua existência, tanto no âmbito da troca de teoria em oposição à atual, como no acréscimo de novos pensamentos filosóficos que se somarão ao já escolhido. Gallo (2012b) deixa claro que sua opção teórica referente ao ensino de Filosofia no Ensino Médio está vinculada à visão da Filosofia como uma atividade de criação de conceitos. Os filósofos que embasam seu pensamento são Gilles Deleuze e Félix Guattari, por meio da obra O que é Filosofia? (DELEUZE & GUATTARI, 1992). De acordo com o filósofo, o caráter de criação de conceitos é algo específico da Filosofia e, através dessa atividade, pode-se exercer o ato de filosofar em sua especificidade. Nesse sentido, Gallo (2012b) apresenta os quatro passos didáticos – divididos em etapas – para realizar a pedagogia do conceito, a saber: sensibilização, problematização, investigação e conceituação. Althusser) e Teoria da Escola Dualista (teóricos: Baudelot e Establet). Para saber mais, ver: SAVIANI, 2002, pp. 15-29. 69 Na primeira etapa, a da sensibilização, o professor buscará despertar o interesse dos alunos pelo tema a ser estudado. Tal interesse deve ter como base algum problema que inquiete os alunos, que os provoque. Não pode ser algo imposto do docente aos discentes. A sensibilização poderá ser desenvolvida por meio de música, charges, filmes, pequenos vídeos da internet, poemas e quadros, entre outros. Essa etapa será um momento para aproximar os alunos da problemática que será desenvolvida, motivando-os a participar do debate e da problematização que será construída. A problematização trata “de transformar o tema em problema, isto é, fazer com que ele suscite em cada um o desejo de buscar soluções” (Idem, p. 96). Nessa etapa, a intenção é de que se problematize a temática escolhida, buscando analisar suas diversas possibilidades e perspectivas. A problematização do tema permitirá que os alunos desenvolvam a reflexão filosófica, analisando a fundo o problema e buscando superar as visões do senso comum que permeiam o respectivo assunto, bem como ir além das afirmações taxativas, vistas como certezas absolutas e imutáveis. A investigação mobiliza os estudantes no processo de resolução do problema. Essa é uma etapa na qual os alunos, sempre amparados pelo professor, buscarão na história da Filosofia teorias e conceitos que foram utilizados pelos filósofos para resolver os problemas que necessitavam de respostas em suas épocas. Essa retomada na história da Filosofia não deve ser vista como um processo de resgate cronológico desde os pré-socráticos até os contemporâneos, mas como um estudo intencional e interessado no qual se busca, em filósofos que abordaram o respectivo tema, possibilidades para encontrar as respostas para o problema atual. Gallo (2012b, p. 97) auxilia na compreensão de como se pode desenvolver tal questionamento, propondo as seguintes provocações como exemplo: Terá Platão se deparado com esse problema? Em caso afirmativo, como ele o pensou? Produziu algum conceito que tenha dado conta dele? O conceito platônico ainda é válido em nosso tempo? Ele dá conta do problema, tal como o vivemos hoje? E na modernidade, Descartes ou Espinosa lidaram com o mesmo problema? Criaram seus conceitos? São esses conceitos mais adequados ou menos adequados que aquele criado por Platão? Nesse sentido, a investigação filosófica aproximará os estudantes do pensamento elaborado diretamente pelos filósofos. Cabe salientar que essa 70 aproximação não se dará no sentido “conteudista”, mas no sentido de auxílio e de contribuição, como se fosse um “diálogo” que os alunos estariam travando com o próprio autor a fim de compreender o que o mesmo disse e solucionar sua inquietação atual. Por fim, a quarta etapa refere-se à conceituação. Nessa, os alunos buscarão recriar18 os conceitos que foram construídos ao longo da história da Filosofia, trazendo-os para sua atualidade e, inclusive, poderão criar novos conceitos. Esse será um momento em que, após pesquisar as teorias filosóficas ao longo da história da Filosofia, os alunos utilizarão os conceitos como ferramentas para solucionar o problema em questão. O processo de criação de um novo conceito se dará na medida em que os estudantes não encontrarem conceitos que tratem diretamente do assunto que estarão problematizando atualmente. É de suma importância destacar que a criação (ou recriação) do conceito não é uma tarefa impossível: não se cria no vazio, com base em nada; são os próprios conceitos da história da filosofia ou seus elementos constitutivos que nos darão a matéria-prima para nossa atividade de criação ou recriação a partir de nosso próprio problema (GALLO, 2012b, p. 98). Conforme o filósofo salienta sobre a não-impossibilidade da criação ou recriação dos conceitos, enfatizo também que esse processo pode ser difícil de se realizar, mas a lida com o imprevisto está no “sangue” daquele que deseja trabalhar com a Filosofia. O professor corre o risco de cometer erros ao trabalhar dessa forma, mas o processo filosófico ocorre no enfrentamento desse risco e na busca por sua superação. Nesse sentido destaco o pensamento de Savater (apud GALLO, 2012b, p. 44), ao falar sobre as coisas que o professor de Filosofia não deve esconder de seus alunos: “até os melhores filósofos disseram absurdos notórios e cometeram erros graves. Quem mais se arrisca a pensar fora dos caminhos intelectualmente trilhados corre mais riscos de se equivocar, e digo isto como elogio e não como censura (...)”. Percebo que no enfretamento do medo do difícil, do risco do erro e na busca pelo exercício do filosofar – seja ele na linha filosófica que o docente desejar –, o professor estará contribuindo com a extensão da Filosofia às 18 Utiliza-se a expressão “recriar” no sentido de que a nova aplicação do conceito não será a mesma da que ocorreu na época em que os filósofos a elaboraram, visto que ele estará sendo aplicado em um outro tempo histórico e em um contexto diferente (GALLO, 2012b). 71 pessoas que não a conhecem e que estarão tendo o seu primeiro contato com ela dentro de uma instituição escolar. Esse trabalho, por mais complexo que possa parecer, deve se efetivar na prática escolar e seguir sendo desenvolvido pelos alunos autonomamente, ao longo de suas vidas, mesmo após o término da Educação Básica. Afirmo isso seguindo a mesma linha de pensamento de Jaspers (1971, p. 139), quando destaca que Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensine, menos estarão os homens arriscados a se deixar tocar pela luz da filosofia. Neste sentido, o autor percebe a Filosofia como sendo perturbadora da paz. Percebo-a assim também não só no âmbito de perturbar a paz dos burgueses, mas também a paz do currículo escolar. Creio que a Filosofia, sendo trabalhada na perspectiva da educação menor, da filosofia menor, deva problematizar a interpretação considerada como aceita pela tradição e também elaborar novos problemas que poderão surgir ao longo da vivência escolar e que possam não ter sido estudados até o respectivo momento. Voltando para a reflexão proposta pela teoria defendida por Gallo (2012b), abaixo construo o Circuito da Pedagogia dos Conceitos, o qual se constitui como uma figura que pretende representar de modo estético-visual a ideia expressada pelo autor: 72 Fig. 1 – Circuito da Pedagogia dos Conceitos Elaboro essa imagem em um sentido circular e contínuo, na intenção de expressar que o processo filosófico não busca a solução do problema inicialmente levantado, mas que a partir desse exercício filosófico abre-se a possibilidade para se pensar novas problematizações. A pedagogia do conceito parte de um ponto central – os estudantes – e a partir daí começa o processo de problematização e criação do conceito, em que se buscará vivenciar a experiência de pensamento suscitada pelo respectivo problema, bem como a abertura para outras novas problematizações, seguindo assim sucessivamente. Esse processo inicia na escola, mas se amplia para o mundo da vida, dando sentido aos conhecimentos e saberes que serão construídos nas aulas de Filosofia. Nesse ponto, a teoria de Gallo se aproxima do pensamento de Morin (2002, p. 21), o qual define – com base no pensamento de Michel de Montaigne – que “mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia”. Para Morin, uma cabeça bem cheia é aquela que conseguiu apenas acumular saberes, mas uma cabeça bem-feita consegue ser capaz de ter uma aptidão para tratar dos problemas, ao mesmo tempo em que consegue fazer uma conexão entre os inúmeros e variados saberes, dando sentido a eles. Dessa forma, percebo que o livro de Gallo (2012b) apresenta uma boa possibilidade de trabalho com a disciplina de Filosofia, na medida em que aponta para um dos caminhos possíveis que podem ser seguidos na prática docente dessa disciplina. 73 Em suma, penso que os textos apresentados neste momento mostram um amplo panorama das teorizações que foram produzidas sobre o ensino de Filosofia no nível médio a partir da promulgação da lei que tornou obrigatória sua inserção no currículo escolar. Analisando os escritos, percebo que existe uma forte tendência para o desenvolvimento da disciplina como sendo uma educação menor, uma filosofia menor, na qual se procura – sem negar a importância dos filósofos da tradição – um trabalho que leve em conta o exercício da reflexão filosófica em busca da autonomia dos sujeitos que desenvolvem essa reflexão, a fim de que possam melhor viver suas vidas. O desenvolvimento dessa autonomia leva em conta a capacidade crítica para analisar a realidade, refletir sobre os conceitos filosóficos já existentes, criar novos conceitos e construir-se como sujeito social e histórico, que não busque viver reacionariamente no mundo, mas atuante e construtor de uma sociedade menos preconceituosa. Os textos apontam para o não aprisionamento dos conteúdos na grade curricular e o estabelecimento de relações desses com a vida, para que aquilo que seja estudado faça sentido para os estudantes. Enfim, percebo que é uma perspectiva que caminha na mesma direção da proposta dos saberes abertos (DUTRA, 2010), a qual propõe um ensino relacionado com aqueles saberes e conhecimentos que perpassam a vida dos estudantes e que podem tornar-se importantes para eles discutirem, pois assim possivelmente desejarão ter conhecimentos suficientes para resolver os problemas resultantes desses debates. No próximo capítulo, apresentarei algumas das perspectivas curriculares para a Filosofia no Ensino Médio, tomando por base as teorizações apontadas até o presente momento nesta Tese. A intenção é de que seja possível estabelecer uma análise reflexiva sobre a implantação da Filosofia dentro do currículo proposto pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul (RS/SEDUC, 2012). 74 3. PERSPECTIVAS CURRICULARES PARA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO Tendo conhecido a estruturação do currículo do Ensino Médio brasileiro e o novo contexto em que está sendo implantado no Estado do Rio Grande do Sul, bem como alguns posicionamentos teóricos que foram produzidos após a lei de 2008, apresento neste capítulo algumas perspectivas curriculares para o ensino de Filosofia no nível médio, estabelecendo um diálogo com os embasamentos teóricos até então mencionados. Divido o capítulo em duas seções: na primeira, abordo o currículo da disciplina de Filosofia a partir das publicações anteriormente destacadas; na segunda, situo a presença da Filosofia dentro do currículo do Ensino Médio, considerando os pontos positivos e negativos desse processo. 3.1. O “leque filosófico”: possibilidades para a construção do currículo da disciplina de Filosofia no Ensino Médio Inicio a escrita desta seção refletindo sobre o título da mesma. Estabeleço uma relação metafórica do currículo de Filosofia com um leque, por compreender que o currículo dessa disciplina apresenta uma ampla gama de possibilidade na sua elaboração, tanto no que diz respeito à metodologia a ser utilizada, quanto aos conteúdos que poderão ser trabalhados. Nessa linha de reflexão, ao reparar o objeto material que está sendo metaforicamente abordado, é possível perceber que o mesmo possui um limite de extensão. Quando aberto, o leque aumenta em largura, mas ao atingir o seu limite de extensão para no determinado momento em que sua matéria não permite mais abertura. O mesmo acontece com o currículo de Filosofia. Assim como o leque (objeto material) é amplo e limitado, de modo análogo é possível afirmar que o currículo de Filosofia também possui o seu limite. Assim sendo, esse currículo não pode aceitar qualquer coisa como Filosofia, ou qualquer método de trabalho como filosófico. 75 Neste momento, percebo que cabe a seguinte pergunta: Onde se encontra o limite do currículo de Filosofia? Buscando dar uma resposta, afirmo que o respectivo limite pode ser definido a partir do momento em que a Filosofia deixa de desenvolver o exercício do filosofar. Como exemplo da ultrapassagem dos limites, cito o caso da aula ser desenvolvida somente por meio de uma conversa entre professor e alunos com base, simplesmente, na opinião dos mesmos. Outro exemplo seria o caso de um professor utilizar o livro didático apenas para passar os conteúdos para seus alunos e cobrar posteriormente, na prova, ao invés de desenvolver a atividade filosófica a respeito dos assuntos abordados. Esses casos, entre outros, mostram que a prática curricular da Filosofia tem os seus limites, visto que a Filosofia, como um tipo de conhecimento (MARCONI & LAKATOS, 2010), tem suas especificidades. Após destacar esse aspecto, discorrerei sobre o currículo de Filosofia que cabe dentro desse leque filosófico. Diante disso, resgato um quadro que construí em minha Dissertação, mostrando sete modelos de ensino dos saberes específicos do campo filosófico. Quadro 3 – Modelos de ensino dos saberes específicos do campo filosófico Modelo de Ensino Por Temas 19 Descrição Enfatiza as questões temáticas abordadas pela Filosofia ao longo da história. Por Campos Filosóficos Enfatiza o ensino “por temas” e alguns assuntos a mais. Por Problemas Enfatiza o estudo dos problemas que marcaram e marcam a Filosofia. Por Critérios Cronológicos Enfatiza o estudo da história da Filosofia. Voltado às Atitudes Filosóficas Enfatiza o estudo voltado ao desenvolvimento das habilidades do pensamento. Por Criação de Conceitos Enfatiza a criação de conceitos no estudo da Filosofia. Pela Reflexão Filosófica Enfatiza a atividade voltada para a reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta. Considero importante deixar claro que esses sete modelos não contemplam todas as possibilidades de trabalho com o ensino de Filosofia, podendo existir outras formas (como as que serão mostradas mais adiante, nesta seção). Esse quadro foi elaborada com base nos autores Fávero et al (2004), Deleuze & Guattari (1992) e 19 Fonte: DUTRA, 2010, p. 51. No quadro original da Dissertação, havia somente os seis primeiros modelos. 76 Gallo & Kohan (2000). O último modelo, denominado “reflexão filosófica”, está sendo acrescentado agora. Esse modo de trabalho parte da perspectiva que considera a Filosofia como sendo o exercício de reflexão filosófica (SAVIANI, 2000), teoria da qual sou partidário. Segundo Saviani (2000, p. 20), essa interpretação compreende a Filosofia como “uma REFLEXÃO (RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A REALIDADE APRESENTA”. Para compreender melhor esta perspectiva de pensamento, é preciso conhecer o entendimento de Dermeval Saviani. Segundo o filósofo, o ponto de partida da Filosofia é o problema. Esse é “o objeto da filosofia, aquilo que trata a filosofia, aquilo que leva o homem a filosofar: são os problemas que o homem enfrenta no transcurso de sua existência” (Idem, p. 10). Diante dessa definição, cabe compreender o que Saviani quer dizer quando menciona a palavra “problema”. Em sua interpretação, a palavra problema, no âmbito de interesse da Filosofia, está intimamente relacionada à palavra necessidade. Dessa forma, se compreende que uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja resposta é desconhecida; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer, eis aí um problema. Algo que eu não sei não é problema; mas quando eu ignoro alguma coisa que eu preciso saber, eisme, então, diante de um problema (Idem, p. 14). Percebo tal definição como algo essencial para compreendermos essa concepção de Filosofia. O problema será o gerador do processo de reflexão filosófica. Cabe alertar que é preciso cuidar com a confusão que se faz do problema com o pseudo-problema. No ambiente escolar é possível constatar exemplos de aplicação do pseudo-problema, como na citação a seguir: suponhamos que as 7.100 ilhas do arquipélago das Filipinas tenham, cada uma, um nome determinado. Suponhamos, ainda, que um professor de Geografia exija de seus alunos o conhecimento de todos esses nomes. Os alunos estarão, então, diante de um problema: como conseguir a aprovação em face dessa exigência? Uma vez que eles não necessitam saber os nomes das ilhas (isso não é problema), mas precisam ser aprovados, partirão em busca dos artifícios (“pseudo-soluções”) que lhes garantam a aprovação. Está aberto o caminho para a fraude, para a impostura (Idem, p. 15). Nesse sentido, é preciso ficar claro que o problema que impulsiona a reflexão filosófica será aquele que se necessita saber enfrentá-lo, mas ainda não 77 sabemos como fazer. O problema, na Filosofia, se difere do pseudo-problema; em especial pelo fato deste, muitas vezes, se aproximar da concepção bancária de educação (FREIRE, 2003a) e não ter significado algum para a vida do estudante, além da aprovação. Essa postura filosófica contempla o âmbito da atitude, no sentido de que a reflexão levará o homem ao enfrentamento dos problemas que a realidade apresenta. Dessa forma, percebe-se que a Filosofia não vai se caracterizar “por um conteúdo específico, mas ela é, fundamentalmente, uma atitude; uma atitude que o homem toma perante a realidade. Ao desafio da realidade, representado pelo problema, o homem responde com a reflexão” (SAVIANI, 2000, p. 16). Ciente disto, é indispensável compreender o que se entende por reflexão, visto que não é qualquer tipo de reflexão que pode ser considerada filosófica. Inicialmente, Saviani (2000, p. 16) define que se toda reflexão é pensamento, nem todo pensamento é reflexão. Esta é um pensamento consciente de si mesmo, capaz de se avaliar, de verificar o grau de adequação que mantém com os dados objetivos, de medir-se com o real. Pode aplicar-se às impressões e opiniões, aos conhecimentos científicos e técnicos, interrogando-se sobre seu significado. Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado. Como foi dito anteriormente, é preciso tornar clara a definição do que vem a ser reflexão filosófica, visto que o mero ato de refletir não garante sua ligação com a Filosofia. Na perspectiva agora apresentada, a Filosofia se desenvolverá a partir de uma reflexão que buscará analisar os problemas da realidade através de três requisitos fundamentais, a saber: radicalidade, rigorosidade e globalidade. Dessa forma a reflexão, para ser considerada filosófica, precisa ser radical, rigorosa e de conjunto. Abaixo, explico o significado de cada um: Radical: primeiramente o problema precisa ser investigado de modo profundo, indo até a raiz da questão, investigando os seus fundamentos. Rigorosa: em um segundo momento, deve-se analisar o problema de modo sistemático, de acordo com métodos determinados, “colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar” (Idem, p. 17). De conjunto: por fim, no terceiro momento analisa-se o problema em uma perspectiva de conjunto, levando em consideração os demais aspectos que 78 compõem o contexto em que o problema está inserido e não somente um fato em particular. Buscando levar esse procedimento para sua aplicação do âmbito do Ensino Médio, pode-se desenvolver a aula de Filosofia partindo de assuntos que fazem parte do contexto dos estudantes, extraindo desses um problema que permitirá o exercício da reflexão filosófica na sala de aula. A partir desse exercício, se buscará informações em jornais e revistas para se descobrir o problema inicial e depois, no desenvolvimento das aulas, buscar as contribuições teóricas dos filósofos para realizar o desenvolvimento da atividade em aula. Cabe salientar que “não é porque os filósofos se ocuparam com tais assuntos que eles são problemas; mas, ao contrário: é porque eles são (ou foram) problemas que os filósofos se ocuparam e se preocuparam com eles” (Idem, p. 19). O mesmo vale para o desenvolvimento das aulas de Filosofia no Ensino Médio. Será na descoberta e identificação dos problemas que poderá se desenvolver a atitude de reflexão filosófica no exercício das atividades propostas nas aulas de Filosofia. Digo isso porque o “problema, em si, não é filosófico, nem científico, artístico ou religioso. A atitude que o homem toma perante os problemas é que é filosófica, científica, artística ou religiosa ou de mero bom-senso” (Idem, p. 19). Nessa perspectiva de trabalho, é essa postura que deve ser almejada pelo docente de Filosofia na condução de suas aulas. Com base nesses modelos, percebo que é possível construir o currículo de Filosofia a partir de várias perspectivas. Porém, é preciso estar atento para que o ensino não fique limitado ao diálogo do senso comum ou, por outro lado, a uma pura transmissão de conhecimentos, assemelhando-se à concepção bancária de educação (FREIRE, 2003a). Adentrando no âmbito da organização dos conteúdos a serem trabalhados na disciplina, percebo que após a lei de 2008 fortaleceu-se cada vez mais a produção teórica de trabalhos e artigos na perspectiva de um ensino “não conteudista” da Filosofia. Isso os próprios documentos (BRASIL, 1999; 2002; 2006) já indicavam, porém antes da implantação da respectiva lei a disciplina de Filosofia poderia – a critério de cada instituição – estar presente ou não no currículo do Ensino Médio. Dialogando com o trabalho dos autores, que foram citados no capítulo anterior, percebo que é possível ampliar o leque curricular da Filosofia, questionando, inclusive, o que comumente não é questionado como, por exemplo, a 79 escolha dos filósofos da tradição que poderão ser estudados nas aulas. Essa questão é tratada no texto de Gelamo (2008), no qual o autor indica que se tem priorizado o ensino com base na filosofia maior, a qual subtende que exista a forma correta de se pensar filosoficamente. A proposta do autor é que se trabalhe na perspectiva de uma filosofia menor na qual não se encontre dogmatizado o pensamento filosófico que foi construído ao longo da história. Nessa visão, é possível estabelecer novas interpretações filosóficas e pensar outros problemas que ainda não foram pensados pelos filósofos da tradição. Os autores Lorieri e Santos (2009) indicam um caminho semelhante ao afirmar que não existe “A Filosofia” como algo que aponta para, apenas, um caminho verdadeiro. E dentro dessa linha de pensamento os autores definem que nas aulas de Filosofia é preciso ensinar o método investigante no qual o aluno vai desenvolver a capacidade de pensar por si mesmo, construindo-se como sujeito autônomo. Lorieri e Santos (2009) acrescentam ainda a importância de se estudar os escritos dos filósofos de modo crítico, isto é, não aceitando passivamente o conhecimento recebido. Por fim, destaco dos autores a afirmação de que o exercício filosófico deve ocorrer através da superação do conformismo, da não-aceitação passiva das coisas e do não-acomodamento diante da realidade. Esse destaque me remete a uma citação de Lipovetsky (2011, p. 61), o qual define que vivemos em tempos hipermodernos, em que emana toda uma cultura hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar; viajar; divertir-se; não renunciar a nada; as políticas do futuro radiante foram sucedidas pelo consumo como promessa de um futuro eufórico. Isso faz com que, no universo da pressa, o vínculo humano seja [...] substituído pela rapidez; a qualidade de vida, pela eficiência; a fruição livre de normas e de cobranças, pelo frenesi. Foram-se a ociosidade, a contemplação, o relaxamento voluptoso: o que importa é a auto-superação, a vida em fluxo nervoso, os prazeres abstratos da onipotência proporcionados pelas intensidades aceleradas. Enquanto as relações reais de proximidade cedem lugar aos intercâmbios virtuais, organiza-se uma cultura da hiperatividade caracterizada pela busca de mais desempenho, sem concretude e sem sensorialidade, pouco a pouco dando cabo dos fins hedonistas (Idem, pp. 80-1). 80 De modo contrário à correria desse novo tempo, a Filosofia exige de quem quer com ela “dialogar” um exercício de menor velocidade e de superação da preguiça mental, no qual o sujeito esteja disposto a se colocar a pensar de modo mais calmo e aprofundado. No livro organizado por Tomazetti e Gallina (2009), trago alguns pontos que considero positivos no que diz respeito à obra. Um desses é o trabalho desenvolvido com textos não-filosóficos para depois alcançar os filosóficos. Considero esse caminho muito interessante na medida em que vai se sensibilizando primeiramente os jovens com textos que os agradem, para depois partir para os escritos dos filósofos propriamente ditos. Outro destaque também é a percepção do espaço filosófico como criação e recriação de conceitos, onde o homem tem a possibilidade de se descobrir como um sujeito que é capaz de construir conceitos para poder se relacionar com o mundo e resolver os problemas de seu tempo. O outro ponto destacado da obra é a possibilidade do plano de curso de Filosofia ser um espaço nômade, onde o professor não estará preso aos conteúdos previamente definidos no plano de ensino, mas terá maiores possibilidades temporais para trabalhar os conteúdos na medida em que, dependendo do contexto dos alunos, os assuntos poderão ser abordados em qualquer momento do ano letivo. Por fim, destaco também o trabalho filosófico por meio de analogias, as quais possibilitam ao docente a utilização dos saberes que os alunos já possuem como apoio para compreender o novo conhecimento, que até aquele respectivo momento estará sendo ignorado. No livro escrito por Aspis e Gallo (2009), retoma-se a questão da construção da autonomia dos alunos e enfatiza-se o ensino de Filosofia por meio da experiência filosófica. Essa atividade deve ser desenvolvida de modo que os estudantes possam refletir filosoficamente, e através desta experiência, tornarem-se novas pessoas, com uma nova postura de pensamento diante da realidade. No artigo do Severino (2010), o autor oferece novas possibilidades para se pensar o currículo, argumentando que a Filosofia deve ser uma reflexão e busca pelo sentido da vida humana. Dar sentido à vida é encontrar o motivo ou os motivos para se viver. Isso contribui com a própria construção da autonomia dos sujeitos. Severino (2010) salienta também que o estudo filosófico deve evitar o monólogo estéril na leitura dos textos dos filósofos, bem como o enviesamento ideológico e 81 doutrinário que concebe determinado filósofo ou determinada teoria como sendo “A Correta” e ignora as demais correntes do pensamento. A obra organizada por Cornelli, Carvalho e Danelon (2010) apresenta contribuições para que os docentes possam refletir sobre suas práticas pedagógicas. Esse material contempla tanto a percepção de três docentes de Filosofia de diferentes gerações sobre o ensino desta disciplina, como as teorizações sobre determinados temas que fazem parte da história da Filosofia. O autor Brasil (2010) salienta a importância da Filosofia no papel de humanizar o homem, no sentido de tornar o ser humano um sujeito autônomo, que analisa a realidade de modo crítico e não passivo. Dessa forma, tudo aquilo que desumaniza o homem (como, por exemplo, a miséria, a exploração social e o abuso de poder, entre outros) deve ser posto sob análise crítica, a fim de que tal atitude se modifique em prol de sua humanização. Do ano de 2011 trago novamente um texto do autor Severino (2011), que defende o trabalho interdisciplinar da Filosofia de modo que os saberes específicos do campo filosófico possam interagir com as demais ciências. Essa visão busca dar sentido aos conteúdos estudados e motivar os alunos no gosto pelo aprendizado escolar. No texto de Volpato Dutra (2011), o autor relembra que após a alteração na LDB pela intervenção da lei de 2008, a responsabilidade sobre o ensino dos conhecimentos necessários para a formação cidadã passa a ser de todas as áreas e não só da Filosofia e da Sociologia. Nesse sentido, o autor trabalha na perspectiva de ver possibilidades de conteúdos que possam trabalhar a cidadania no âmbito filosófico. Ele utiliza como exemplo – na temática referente a Ética ou a Filosofia Política – a discussão a respeito do aborto e da anencefalia. Por fim, conclui que nesse aspecto as discussões filosóficas têm muito a contribuir, visto que as leis, por si só, entram em contradição e não permitem uma conclusão consensual sobre o assunto. No decorrer do escrito, Volpato Dutra (2011) apresenta algumas conclusões e entre essas defende a presença da Filosofia nos vestibulares (hoje no ENEM também) como forma de valorização dessa disciplina, visto que os alunos ficarão com mais motivação para o estudo. Na entrevista concedida pelo professor Kohan (2012), o entrevistado aborda um questionamento importante e que a seu ver deve ser respondido pelo docente 82 que leciona Filosofia, a saber: O que é a Filosofia? Essa provocação de Kohan é muito importante na medida em que coloca o docente diante de seu próprio fazer pedagógico e nesse embate o processo reflexivo que pode ser gerado apontará para os possíveis caminhos teóricos e curriculares20 que o docente desejará seguir. O entrevistado destaca também a importância tanto do ato do filosofar como do ensino da própria Filosofia, e enfatiza que é preciso desenvolver os dois trabalhos na sala de aula. Com relação ao ensino da história da Filosofia, Walter Kohan defende que é importante e que deve estar presente na sala de aula, mas lança uma pergunta: Para que o ensino de história da Filosofia? Dependendo da resposta, esse ensino poderá ser saudável ou prejudicial para o desenvolvimento filosófico dos alunos. Com relação ao livro didático, o professor não demonstrou posicionamento favorável, na medida em que considera importante que esse desapareça, gerando a sua própria negação. Analisando o contexto da pesquisa de Mestrado (DUTRA, 2010), na qual constatei que dos treze docentes de Filosofia, apenas três tinham formação na área21, penso que o livro didático apresenta-se como um importante instrumento norteador do docente. Analisando o contexto atual, esse problema se mantém, visto que nas escolas em que realizo a pesquisa, três dos quatro professores responsáveis pela docência da disciplina de Filosofia são licenciados em outras habilitações, a saber: Pedagogia, Ciências Sociais e Artes. Diante dessa situação, faço o seguinte questionamento: Como um professor desabilitado para lecionar Filosofia se aproximará dos conhecimentos filosóficos sem utilizar como fonte de consulta, no mínimo, o livro didático? Penso que sem o livro, esses docentes poderão trabalhar apenas a reflexão na sala de aula. Por outro lado, com a sua utilização corre-se o risco do ensino se tornar enciclopédico. De todo modo, penso que com o livro didático o docente terá uma maior possibilidade de desenvolver um trabalho mais próximo do conhecimento filosófico intercalado com a leitura de outros textos. É importante deixar claro que não faço apologia à utilização desse recurso e nem sou favorável ao desvio de função do docente, mas diante das 20 Aponto como exemplos as teorias do currículo abordadas por Silva (1999). Mesmo sabendo que o Parecer Nº 322/07 (RS/CEE, 2007a) do Conselho Estadual de Educação, no item 30, preveja que até o ano de 2012 a disciplina de Filosofia fosse lecionada – além do licenciado em Filosofia – por bacharel em Filosofia com licenciatura plena em outra área, licenciado com pós-graduação em Filosofia, licenciado em Ciências Sociais ou Sociologia, ou em História, ou em Pedagogia, desde que comprovasse ter cursado no mínimo 120 horas da disciplina de Filosofia, entendo que a formação do licenciado em Filosofia é o ideal para o melhor desenvolvimento da disciplina. 21 83 condições que a realidade educacional tem apresentado, na qual a maioria dos professores não possuem habilitação para a Filosofia, penso que o livro didático pode ser um instrumento importante para a prática docente. Por outro lado, considerando que a Filosofia seja lecionada por um professor licenciado nessa área, meu posicionamento é favorável à argumentação de Kohan. Quando o entrevistado fala sobre a utilização de textos de filósofos da tradição, ele apresenta um argumento importante ao questionar sobre de qual tradição se fala. Penso que esse questionamento coloca o docente na postura de posicionar-se curricular e filosoficamente sobre o problema levantado, de modo a deixar claro qual é a concepção teórica que embasa sua prática docente na Filosofia. Outra obra do respectivo ano é o Dossiê cuja apresentação é realizada por Gallo (2012a). Esse material mostra-se muito pertinente para que os docentes possam acessar e conhecer reflexões e outros modos de trabalho com a Filosofia a partir dos textos ali publicados. Por fim, o último material destacado é o livro de Gallo (2012b) que, seguindo a perspectiva deleuziana – abordada também no artigo de Gelamo (2008) – desenvolve o conceito de educação maior e educação menor para tratar o currículo de Filosofia. O autor defende o trabalho por meio da educação menor como uma forma de luta e resistência ao poder político da educação maior, a qual tem como uma de suas intencionalidades a formação para a cidadania que, de modo oculto e a partir da interpretação de Gallo, está intimamente vinculada ao controle do Estado sobre os sujeitos sociais. Em suma, afirmo que a retomada teórica que foi apresentada ao longo dessa seção, destacando as variadas perspectivas dos autores, reflete o meu posicionamento de que existem diversas possibilidades curriculares para se trabalhar com a Filosofia. Dessa forma, considero todas as perspectivas como passíveis de ser parte integrante do currículo escolar da disciplina de Filosofia no ensino médio. Tendo feito esses esclarecimentos, apresento abaixo a figura que construí sobre o currículo de Filosofia utilizando a metáfora do leque filosófico: 84 Fig. 2 – “Leque Filosófico” para o currículo de Filosofia no ensino médio 22 A partir dessa imagem, organizo minha forma de pensar sobre o currículo de Filosofia. Analisando a mesma, é possível perceber a educação menor e a filosofia menor como sendo à base para o currículo. Nas bordas do leque, encontram-se seis modelos de ensino de Filosofia que podem ser trabalhados. Na última borda da direita, é possível reparar “reticências”, a qual significa a possibilidade de existir outros modelos de ensino como, por exemplo, os modos que foram acrescentados a partir da leitura dos textos que foram mencionados neste trabalho, a saber: plano de curso nômade; investigação por analogias; experiência filosófica e trabalho interdisciplinar; entre outros. Cabe salientar que os modelos não precisam necessariamente trabalhar de modo isolado, mas podem mesclar-se, se assim o docente decidir. No centro do leque encontram-se algumas das categorias que fazem parte do currículo da disciplina de Filosofia e que também foram trazidas pelos autores já referenciados. Essas categorias não englobam todas as possibilidades de ação, de modo que existe espaço para novas abordagens filosóficas que não foram mencionadas neste momento. Na parte externa ao leque encontram-se as posturas pedagógicas que ultrapassam o limite do leque filosófico e que tendem a levar o ensino para a antifilosofia. Dessa forma, digo que é com a representação dessa 22 O site que contêm a imagem original do leque é: http://www.colorirgratis.com/desenho-deleque_9696.html 85 imagem que percebo uma valiosa possibilidade de inserção da Filosofia como disciplina não só obrigatória, mas também necessária para o currículo do Ensino Médio. 3.2. Filosofia e Ensino Médio: análise sobre sua inserção no currículo O currículo do Ensino Médio brasileiro está pautado atualmente pela LDB (BRASIL, 1996) e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2010; 2012a), e é constituído de modo a seguir os princípios previstos nas leis, os quais refletem a intencionalidade formadora que o Estado propõe aos estudantes. No caso do Rio Grande do Sul, o regimento do Ensino Médio Politécnico (RS/SEDUC, 2012) também orienta as escolas estaduais. A partir disso, é possível perceber que as disciplinas que compõem o ensino médio devem trabalhar no sentido de preparar os educandos para a consolidação dos saberes aprendidos no Ensino Fundamental, preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania, formação ética e estética, desenvolvimento da autonomia intelectual e desenvolvimento do pensamento crítico, entre outros. Neste âmbito, é atribuído também à Filosofia esse papel – assim como para as demais disciplinas. Porém, no Estado do Rio Grande do Sul, a delimitação da responsabilidade da disciplina de Filosofia se mostra mais estritamente identificada. Na Resolução 291/07 (RS/CEE, 2007b) é possível encontrar a ênfase que deve ser dada para o ensino de Filosofia no Ensino Médio: Art. 2º - As propostas pedagógicas estruturadas por componentes curriculares ou que adotarem outra organização curricular devem incluir Filosofia e Sociologia, assegurando tratamento interdisciplinar e contextualizado que possibilite ao educando a “formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (...). Esse registro tende a nortear o sentido para ser dado a essa disciplina, no trabalho que será desenvolvido nas escolas. Enquanto a Filosofia consegue se “desvencilhar” do jugo – determinado pela antiga redação da LDB de 1996 – de ter seu ensino voltado à formação para a cidadania, o Governo Estadual se movimenta para incutir outra responsabilidade sobre a disciplina, explicitando o motivo de ela estar presente no Ensino Médio. Tanto esse documento, como os demais parâmetros (BRASIL, 1999; 2002; 2006), procuram dar alguma definição para a 86 disciplina. Ao analisar essa intencionalidade legal, a partir de uma perspectiva filosófica do problema, considero como negativa essas definições. Afirmo isso ao retomar a história da Filosofia e perceber que desde Aristóteles a filosofia se define como um fim em si mesmo, e não como um meio para atingir um objetivo determinado. Justificar um espaço para a filosofia nos currículos da educação básica apenas de modo instrumental – isto é, a filosofia a serviço de algo, como a cidadania – é, portanto, essencialmente antifilosófico. Considerando a argumentação presente nos PCNEM – que vê na filosofia uma preparação abrangente do indivíduo, fazendo parte de sua introdução no universo da cultura e das técnicas para aí transitar –, prefiro apostar no ensino de filosofia como um fim em si mesmo, para além de qualquer tutela, seja ela cidadã ou moral (GALLO, 2012b, p. 22). Considero que a Filosofia não deve ser utilizada como um instrumento que leve a algum fim. Penso que a disciplina necessita de liberdade para que possa se desenvolver. A partir do momento em que se delega alguma responsabilidade sobre a mesma, a impregnação ideológica começa a se fazer presente e a Filosofia deixa de transitar sobre os diversos campos do saber que ela pode abordar. Por isso penso que é importante o enfrentamento da educação maior e a luta contra o enviesamento ideológico dessa disciplina. A Filosofia precisa ser livre, precisa ter o fim em si mesmo para poder desenvolver-se em sua especificidade. Obviamente não nego que exista intencionalidades no ensino da Filosofia, visto que a educação não é neutra (FREIRE, 2003a), mas nego que essa tenha que ser imposta por alguém de fora que, no presente caso, está representado pelo Estado. Retomando a questão da obrigatoriedade imposta pela lei de 2008, verifico que a mesma continua apresentando no mínimo dois problemas para as instituições escolares (os quais já foram mencionados no início deste trabalho): o primeiro deles refere-se à reduzida carga horária semanal de aula, na qual as escolas tendem a conceder o espaço de um período semanal para a disciplina. Embora a Resolução Estadual (RS/CEE, 2007b) recomende que a carga horária de Filosofia seja de no mínimo dois períodos semanais, pelo menos em um dos três anos, ambas as escolas investigadas não estão conseguindo atender a essa solicitação. Diante das reais condições que dizem respeito a esse curto espaço de tempo, percebo que o ensino de Filosofia termina por ficar prejudicado, pois os professores acabam não conseguindo trabalhar com filmes e debates aprofundados, entre outras atividades, visto que o tempo se esgota rapidamente. Muitas vezes é 87 preciso “invadir” o espaço de alguma outra disciplina para que seja possível concluir a atividade que estava sendo desenvolvida (DUTRA, 2010). No sexto capítulo desta Tese, apresentarei a visão dos estudantes, dos docentes e das supervisoras sobre a questão da carga horária. O segundo problema que destaco é o de professores habilitados em outra área lecionarem Filosofia. Desde a pesquisa de Mestrado (DUTRA, 2010), esse fato foi destacado e atualmente, nas escolas investigadas, o problema continua a existir, visto que a maioria dos docentes que leciona Filosofia possui formação em outra licenciatura. Em conversa com uma das professoras que leciona a disciplina – logo nas primeiras visitas para apresentação da pesquisa na escola da região periférica – ela problematizou essa questão e disse que como já existe uma lei que exige a obrigatoriedade do ensino de Filosofia, poderia se propor uma nova lei exigindo que a docência deva ser exercida por pessoa habilitada nessa área. Ao investigar sobre a possibilidade da existência de alguma legislação que aborde o assunto, encontrei na própria Resolução 291/07 (RS/CEE, 2007b) dois artigos que definem o seguinte: Art. 3º - Independente da organização curricular adotada pela instituição de ensino deve a mesma oferecer condições para a inclusão de Filosofia e Sociologia com professores habilitados para a docência desses componentes, bem como com acervo bibliográfico adequado. Art. 4º - As mantenedoras têm prazo de até 05 (cinco) anos a contar da publicação desta Resolução para que os componentes curriculares sejam ministrados por professores licenciados em Filosofia e Sociologia ou Ciências Sociais, respectivamente. Dessa forma, percebo que tal informação demonstra não estar muito divulgada no contexto escolar, considerando-se que o prazo para adaptação terminou no ano de 2012 e a respectiva docente não estava sabendo dessa determinação. Quanto ao âmbito do Governo Federal, verifico que existe uma preferência pela presença de um profissional habilitado, porém não encontrei algo que se definisse de modo regimental. É possível verificar isso no seguinte trecho expresso no documento das Orientações Curriculares para o Ensino Médio: [...] boa parte dos professores tem formação em outras áreas (embora existam hoje bons cursos de graduação em Filosofia em número suficiente para a formação de profissionais devidamente qualificados para atuar em Filosofia no ensino médio), ou, sendo em Filosofia, não tem a oportunidade de promover a desejável formação contínua (sem a qual a simples inclusão da Filosofia no ensino médio pode ser ilusória e falha). Isso acarreta, em geral, um uso inadequado de material didático, mesmo quando, eventualmente, esse tenha qualidade. Dessa forma, o texto filosófico é, 88 então, interpretado à luz da formação do historiador, do pedagogo, do geógrafo, de modo que a falta de formação específica pode reduzir o tratamento dos temas filosóficos a um arsenal de lugares-comuns, a um pretenso aprendizado direto do filosofar que encobre, em verdade, bem intencionadas ou meramente demagógicas “práticas de ensino espontaneístas e muito pouco rigorosas, que acabam conduzindo à descaracterização tanto da Filosofia quanto da educação” (BRASIL, 2006, p. 36). Diante do problema exposto e do contexto de sua realidade escolar, a docente comentou que teve que estudar o livro didático (CHAUÍ, 2012) escolhido pela professora que lecionava a disciplina anteriormente (que também era licenciada em Artes), para poder trabalhar a Filosofia com seus alunos. Esse fato tende a acarretar aquilo que destaca o documento (BRASIL, 2006) e que também foi alertado por Kohan (2012), no que diz respeito à má utilização do livro didático. Por outro lado, não vejo muitas alternativas para o problema que se coloca em questão, a não ser o contrato de algum profissional formado na área de atuação, o que parece muito difícil de acontecer neste momento. Nesse sentido, acredito que o diálogo que foi estabelecido entre mim e os professores investigados poderá contribuir para se pensar a construção do currículo dessa disciplina, a fim de superar as adversidades que prejudicam o desenvolvimento do trabalho com a Filosofia, buscando trazê-la, cada vez mais, para o âmbito do leque filosófico. Após realizar essa abordagem, percebo que a Filosofia está se inserindo em um Ensino Médio que visa, entre outros fins, a preparar para a cidadania. Acredito que tal formação cidadã não deva ser de aceitação pacífica do status quo, mas de problematização sobre a realidade e sobre a própria constituição da Filosofia como uma forma de saber que deve ter o seu fim em si mesmo, fim este que permite ao ser humano perceber a realidade a partir das possibilidades oferecidas pelo leque filosófico. A partir da fundamentação teórica que foi realizada ao longo deste trabalho, é possível pensar algumas das diversas possibilidades de se trabalhar com os conteúdos de Filosofia, atentando para o cuidado de não trabalhar os conteúdos de modo não-filosófico, conteúdos estes que escapam dos limites do leque filosófico e trabalham a serviço da antifilosofia (KOHAN, 2012). Lembrando ainda o caso das escolas estaduais do Rio Grande do Sul, que possuem o currículo do Ensino Médio politécnico (RS/SEDUC, 2012), a Filosofia poderá ser desenvolvida de modo interdisciplinar, nos Seminários Integrados, o que oferecerá novos suportes de 89 reflexão filosófica através do diálogo entre as diversas disciplinas e o contexto social dos estudantes. Com isso concluo a reflexão referente às perspectivas curriculares que podem ser pensadas para o ensino de Filosofia. No próximo capítulo, apresentarei a metodologia que será utilizada para a realização desta investigação. 90 4. CAMINHOS METODOLÓGICOS Neste capítulo, apresento os caminhos metodológicos que utilizei neste processo investigativo. A fim de manter uma melhor organização dessa etapa, divido-a em três seções, nas quais abordo os seguintes assuntos: na primeira seção, apresento qual metodologia embasa a presente pesquisa, bem como quais ferramentas metodológicas utilizei para a coleta de dados. Na segunda, discorro sobre o desenvolvimento da pesquisa de campo, a fim de que seja possível compreender os caminhos que trilhei até chegar à resposta do objetivo desta Tese. Por fim, na terceira seção, apresento a técnica de análise de dados que utilizei para estudar as informações que foram coletadas na pesquisa de campo. 4.1. A metodologia investigativa e as ferramentas para a coleta de dados Para alcançar o objetivo deste estudo, busquei desenvolver um trabalho metodológico que me permitiu compreender a presença da Filosofia no currículo escolar e a partir desse ponto, saber em que medida ela pode se tornar uma disciplina relevante para o Ensino Médio. Pensando em estratégias sobre a melhor forma de realizar essa investigação, encontrei no estudo de caso (ANDRÉ, 2005; BOGDAN & BIKLEN, 1994) uma grande possibilidade de desenvolver o trabalho com rigor e profundidade. O estudo de caso consiste em uma pesquisa detalhada sobre um determinado contexto, podendo utilizar como recursos a observação e a entrevista, entre outros, buscando a descrição do respectivo fenômeno estudado e fornecendo ao pesquisador um valioso material de estudo sobre os dados coletados. Essa metodologia investigativa mostra-se como uma significativa forma de pesquisa, visto que a mesma responde “muito bem às questões sobre relevância dos resultados da pesquisa, pois os estudos de caso são extremamente úteis para conhecer os problemas e ajudar a entender a dinâmica da prática educativa” (ANDRÉ, 1999, p. 91 50). Dessa forma, identifico esta investigação como sendo estudo de caso, pois a mesma se enquadra em algumas das características desse tipo de estudo, a saber: particularidade, descrição, heurística e indução (ANDRÉ, 2005). Com relação à particularidade, a mesma refere-se ao fato do estudo focalizar um fenômeno particular, como por exemplo, o ensino de Filosofia. Quanto à descrição, entende-se que o produto do estudo de caso apresenta um caráter profundamente descritivo com relação ao caso investigado. Por característica heurística, compreende-se que o estudo de caso auxilia o leitor no entendimento sobre o fenômeno que está sendo estudado, podendo “revelar a descoberta de novos significados, estender a experiência do leitor ou confirmar o já conhecido” (ANDRÉ, 2005, p. 18). Por fim, a quarta característica refere-se à indução, pois é possível descobrir novas relações e compreender o fenômeno estudado a partir dos dados que emergem do estudo de caso que foi realizado. Em outro livro que essa autora escreve com Menga Lüdke (LÜDKE & ANDRÉ, 1986), é possível identificar outras sete características que estão associadas ao estudo de caso de cunho qualitativo. A compreensão dessas características permitirá entender o porquê de se utilizar tal metodologia nesta pesquisa. A primeira característica define que “Os estudos de caso visam à descoberta” (Idem, p. 18). Nessa definição, percebe-se que mesmo que o pesquisador já se dirija para a pesquisa de campo com algumas hipóteses sobre o que irá encontrar, ao longo da investigação novas descobertas poderão aparecer, permitindo que novos conhecimentos e saberes surjam a partir das informações encontradas. Em segundo lugar, as autoras dizem que “Os estudos de caso enfatizam a „interpretação em contexto‟” (Idem, p. 18). É sempre importante salientar que levar em consideração a análise do contexto do local investigado se faz necessária, pois a prática pedagógica que será pesquisada está intimamente influenciada pelas possibilidades de realização em seu contexto específico. A terceira característica diz que “Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda” (Idem, p. 19). A intenção nesse momento é que o investigador consiga descrever a realidade pesquisada de modo completo e profundo, a fim de que seja possível, ao conhecer as respectivas instâncias, analisar a situação como um todo. A quarta afirma que “Os estudos de caso usam uma variedade de fontes de informação” (Idem, p. 19). Essa característica permite dizer 92 que o estudo de caso se utiliza de várias ferramentas e fontes para se alcançar a informação pretendida. Assim, é possível que o pesquisador utilize a observação e a análise documental, entre outros instrumentos, bem como a entrevista com docentes e discentes, entre outras pessoas envolvidas com a realidade estudada. Na quinta, as autoras dizem que esses tipos de estudo “revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas” (Idem, p. 19). A ideia dessa característica é que com o estudo de caso o investigador elabore registros que permitam aos leitores estabelecer análises e relações dos dados encontrados na investigação com as experiências que vivenciam em sua vida, a fim de aplicar ou comparar com a sua prática pedagógica, por exemplo. A sexta característica define que os “Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social” (Idem, p. 20). Nesse destaque, é possível compreender que ao longo do processo investigativo e da coleta de informações por meio de entrevistas, poderão surgir opiniões e argumentos que sejam contraditórios. Tais manifestações deverão ser expressas e discutidas pelo investigador ao longo do estudo, a fim de que o mesmo possa emitir seu posicionamento sobre o respectivo assunto nas considerações finais do trabalho. Por fim, a sétima diz que “Os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os outros relatórios de pesquisa” (Idem, p. 20). Nesse caso, as autoras argumentam que existe uma característica mais informal, visto que a intenção é que ocorra uma “transmissão direta, clara e bem articulada do caso e num estilo que se aproxime da experiência pessoal do leitor” (Idem, p. 20). É importante ressaltar que como a finalidade deste trabalho é de se tornar uma Tese, sua linguagem prioriza a formalidade acadêmica. Desse modo, por identificar que o projeto engloba todas as características apresentadas acima, o estudo de caso foi tomado como a metodologia necessária para a realização da presente pesquisa, que também terá uma abordagem qualitativa, visto que a mesma buscará compreender a realidade através de instrumentos investigativos que permitirão uma interação dialógica com os sujeitos investigados. Para desenvolver este trabalho, focalizei a investigação em duas escolas estaduais do município do Rio Grande/RS. Digo isso tomando por base o Censo Escolar 2012 (RS/SEDUC, 2013), onde é possível identificar que no município do Rio Grande/RS, no respectivo ano, havia 7.116 discentes matriculados inicialmente 93 no Ensino Médio. Desses, 5.709 (80,2%) matricularam-se na rede pública estadual; 588 (8,3%) na rede pública federal e 819 (11,5%) no ensino privado. Na rede pública municipal esse nível de ensino não é ofertado. Portanto, a escolha pela rede estadual se deve ao fato dessa ser a instância que atende ao maior número de estudantes do Ensino Médio regular, comparando-se com as demais redes de ensino. Com relação à escolha das duas escolas, escolhi uma da região central e outra da região periférica, com o objetivo de abarcar populações de estudantes diferenciadas e, com isso, dar maior legitimidade ao estudo, garantindo estudantes de diferentes classes sociais e de procedências étnico-raciais diferenciadas. A escolha da escola da região central toma por base os dados da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, que indicam que essa foi a escola do bairro centro que teve um dos maiores números de alunos com matrícula inicial no Ensino Médio regular do ano de 2012 (RS/SEDUC, 2013). A escolha da escola da região periférica toma por base o fato de também atender a um grande contingente de alunos, visto que nessa zona essa instituição encontra-se como sendo uma das escolas que possui o maior número de matriculados inicialmente em 2012 (RS/SEDUC, 2013). A pesquisa abrangerá o Ensino Médio regular diurno, nos três anos deste nível. Para desenvolver este trabalho, utilizei como instrumentos de coleta de dados a observação e a entrevista. A observação ocorreu em todos os anos do Ensino Médio, em que acompanhei sempre as mesmas e respectivas turmas de cada série. A ideia de utilizar a observação se deve ao fato de que esse instrumento permite informações captadas no momento em que estão ocorrendo, registro que dificilmente seria obtido somente por meio da entrevista, por exemplo (LANKSHEAR & KNOBEL, 2008). Além disso, é possível considerar a observação como “uma etapa imprescindível em qualquer tipo ou modalidade de pesquisa” (SEVERINO, 2013, p. 125). Para desenvolver as observações, realizei-as de modo nãoparticipante e utilizando-me de observações semi-estruturadas, nas quais observei as respectivas aulas, sem me envolver com as circunstâncias. Nesse processo, tive comigo um roteiro de observação (Apêndice A) para anotar as informações que foram surgindo ao longo das observações (LANKSHEAR & KNOBEL, 2008). A entrevista – que foi gravada – tomou por base os requisitos apresentados nos objetivos específicos deste estudo. Como um instrumento complementar, a entrevista tornou-se essencial para o presente trabalho, pois por meio dela pude 94 compreender o que pensam as pessoas que estão direta ou indiretamente envolvidas com a disciplina de Filosofia nas instituições investigadas. A entrevista é um instrumento fundamentalmente voltado à interação humana, visto que envolve dois ou mais sujeitos no processo dialógico, em que de um lado encontra-se o entrevistador, que carrega consigo suas pré-informações sobre o assunto abordado, ao mesmo tempo em que busca novos dados, e de outro lado encontra-se o entrevistado, que apresenta conhecimentos e saberes que permitirão ao pesquisador compreender mais profundamente o assunto investigado (SZYMANSKI, 2004). O tipo de entrevista que realizei apresenta-se na perspectiva das entrevistas estruturadas, as quais São aquelas em que as questões são direcionadas e previamente estabelecidas, com determinada articulação interna. Aproxima-se mais do questionário, embora sem a impessoalidade deste. Com questões bem diretivas, obtém, do universo de sujeitos, respostas também mais facilmente categorizáveis [...] (SEVERINO, 2013, p. 125). Nesse sentido, entrevistei: 1º) docentes de Filosofia e de outras disciplinas. A escolha pelos professores de outras disciplinas tomou como base um representante de cada uma das quatro grandes áreas do conhecimento; 2º) discentes, entre os quais me propus, inicialmente, a escolher um rapaz e uma moça de cada turma, para verificar a compreensão desses a respeito da importância da Filosofia. No decorrer da pesquisa de campo, esse número foi modificado, conforme será visto no próximo capítulo; 3º) supervisoras educacionais, que, por meio de suas palavras, busquei saber o posicionamento das mesmas sobre o grau de importância da presença da Filosofia no currículo escolar do Ensino Médio. Cabe ressaltar que embora eu tenha feito a análise de documentos ao longo do processo investigativo, a técnica de análise de dados será a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011) e não a Análise Documental. Afirmo isso com base na diferenciação que existe entre ambas. No quadro23 abaixo, é possível visualizar as diferenças: 23 A construção deste quadro toma por base Bardin (2011, p. 52). 95 Quadro 4 – Diferenças entre Análise Documental e Análise de Conteúdo Análise Documental Trabalha com documentos. É feita por meio de classificação-indexação. Análise de Conteúdo Trabalha com mensagens. Pode ser feita por meio da análise categórica temática. Busca exercer um trabalho de manejo sobre as Objetiva a representação da informação, para consulta e armazenamento. mensagens, procurando colocar em evidência os indicadores que permitirão fazer inferências sobre outra realidade que não a da mensagem propriamente dita. Nesse sentido, como a minha proposta é analisar o conteúdo das mensagens expressas nos documentos da escola, a Análise de Conteúdo se mostra como um evidente método analítico para esse procedimento. Além do mais, a organização das categorias que farão parte da análise dos dados foi feita por meio de temas que também estarão presentes dentro do método analítico proposto por Bardin (2011). 4.2. O desenvolvimento da pesquisa de campo Sabendo qual a metodologia que utilizei na investigação, descrevo a forma como ocorreu a pesquisa de campo. Inicialmente, destaco que a aplicação da pesquisa foi feita no ano letivo de 2013, tendo as duas escolas já definidas. Nas instituições, os primeiros passos foram esclarecer com os docentes de Filosofia o modo como seria desenvolvida a pesquisa e verificar com eles em quais turmas poderia fazer as observações. Pelo contato inicial que tive com as supervisoras, tanto na escola central como na periférica, seriam dois docentes de Filosofia em cada uma, atuando com a disciplina de Filosofia no ensino regular diurno. A ideia inicial era a de que fosse possível acompanhar o primeiro, o segundo e o terceiro trimestre, divididos da seguinte forma: 3º ano, acompanhamento do primeiro trimestre; 2º ano, acompanhamento do segundo trimestre; e 1º ano, acompanhamento do terceiro trimestre. A escolha dessa ordem se deve ao fato de que como no 3º ano os alunos já tiveram aulas de Filosofia no primeiro e no segundo ano, esses já possuem algum conhecimento sobre o assunto. A ideia seria de que quando chegasse o terceiro trimestre, eu acompanharia o 1º ano pelo motivo de que 96 os mesmos já teriam estudado os conteúdos de Filosofia em dois trimestres e já teriam algumas opiniões construídas sobre a disciplina. Ao longo da pesquisa de campo, houve pequenas alterações quanto ao período de realização das observações, as quais serão melhor explicadas no próximo capítulo. Cabe destacar que pesquisei somente uma turma em cada um dos três anos, em cada escola. Nas observações, enfoquei o modo como os docentes lecionam, os conteúdos trabalhados, a relação professor-aluno e aluno-aluno e o tempo semanal de aula, entre outros aspectos que foram surgindo. O número de aulas a serem observadas ocorreu de acordo com o que foi autorizado pela instituição; conforme será relatado no próximo capítulo. Ao longo da pesquisa, busquei também conhecer a sala dos professores e a biblioteca. Para aprofundar a investigação, além das observações, analisei o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Os planos de ensino não foram analisados, pois os mesmos não foram elaborados em ambas as instituições. Dessa forma, só consegui ter acesso aos conteúdos programáticos. Considero importante ter acesso a esses documentos, pois os mesmos carregam informações que permitem compreender, respectivamente, qual é o espaço da Filosofia no currículo escolar e que saberes filosóficos serão valorizados pelos docentes no desenvolvimento da disciplina. Utilizei também como ferramenta a entrevista. Por meio dela, dialoguei com os docentes de Filosofia, os docentes das demais disciplinas, os alunos e as supervisoras, a fim de compreender de que modo os mesmos entendem a relevância da disciplina de Filosofia para o Ensino Médio. No decorrer do processo de investigação, fiz a transcrição das entrevistas e a análise dos dados que foram coletados. Acredito que com a aplicação dessas ferramentas metodológicas, tenha sido possível coletar uma grande quantidade de informações que me permitem dizer, nas considerações finais desta Tese, em que medida a presença da Filosofia é relevante para o currículo do Ensino Médio, além de sua obrigatoriedade legal. 4.3. O processo de análise dos dados Após a coleta de dados, iniciei o processo de análise dos mesmos. Para realizar essa etapa tomei como base a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). Entendo que esse método contribuiu efetivamente para encontrar as respostas que 97 procurei sobre os respectivos assuntos desta Tese, extraindo as informações por meio da análise detalhada das mensagens emitidas pelos sujeitos investigados (seja por meio de entrevista, documentos, entre outros). Abordando esse assunto, Bardin (2011) destaca que o método de análise possui duas funções que podem, ou não, interagir entre si. São estas: a função heurística e a função de administração da prova. Na primeira, a autora define que a análise de conteúdo oferece possibilidades analíticas que enriquecem a exploração do conteúdo comunicado, aumentando as chances de se chegar ao objetivo que se propõe. Na segunda função, argumenta que por meio desse método, é possível confirmar ou negar na prática se as hipóteses levantadas no estudo podem ser comprovadas nos enunciados proferidos. Como a pesquisa que desenvolvi busca verificar em que medida a disciplina de Filosofia é relevante para o Ensino Médio, encontro na função heurística a possibilidade de utilizar a Análise de Conteúdo. Digo isso por perceber que a mesma se apresenta como um ótimo método para se analisar as falas dos sujeitos entrevistados e os documentos coletados, permitindo encontrar indícios que me possibilitem definir a importância curricular da presença dessa disciplina no currículo do Ensino Médio. Buscando compreender as possibilidades de aplicação dessa metodologia analítica, encontro em Bardin (2011) os seguintes casos de comunicação em que podem ser aplicados esse tipo de análise: Quadro 5 – Resumo dos possíveis domínios de aplicação da Análise de Conteúdo Suporte linguístico e código Duas pessoas “diálogo” Grupo restrito Comunicação de massa Escrito Agenda, maus pensamentos, diários íntimos. Cartas, respostas a questionários, trabalhos escolares. Todas as comunicações, por escrito, trocadas dentro de um grupo. () Jornais, livros, textos jurídicos, panfletos. Oral Delírio do doente mental, sonhos. Entrevistas e conversas de qualquer espécie. () Discussões, entrevistas, conversas de grupo. Exposições, discursos, rádio, cinema. Outros códigos: tudo o que não é linguístico e pode ser portador de significado. Posturas, gestos, tiques, coleções de objetos. Comunicação não verbal com destino a outrem (posturas, gestos, distância espacial, manifestações emocionais, objetos cotidiano etc.). ( ) 24 Uma pessoa “monólogo” 24 Meio físico e simbólico: sinalização urbana, arte, mitos, estereótipos. O “quadro 5” toma por base o quadro presente na obra de Bardin (2011, p. 40), reescrito de modo sucinto nesta Tese. 98 Nesse sentido, como utilizei () entrevista, ( ) observação e () documentos, a Análise de Conteúdo é perfeitamente adequada ao tipo de estudo proposto. Para realizar a apreciação dos dados que foram encontrados a partir da pesquisa de campo, esse tipo de análise ofereceu um método de organização que me permitiu sistematizar as informações presentes nos dados coletados, de modo que fosse possível organizá-los de acordo com os interesses da investigação. Ao longo de seu livro, Bardin (2011) destaca ainda que nessa metodologia existem três fases de organização da análise dos dados, a saber: (1.) a pré-análise; (2.) a exploração do material e (3.) a abordagem dos resultados, a qual inclui a inferência e a interpretação. A (1.) pré-análise diz respeito “a um período de intuições, mas tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise” (BARDIN, 2011, p. 125). Nessa etapa inicia-se o processo organizativo da análise dos materiais coletados. É o momento em que o pesquisador se familiarizará com o material a ser analisado. Nesse momento do processo existem cinco atividades que orientam essa fase. A primeira refere-se a (1.1.) leitura flutuante, na qual o pesquisador faz uma leitura sobre o material, a fim de conhecer e construir as primeiras impressões sobre o mesmo. O segundo momento é a (1.2.) escolha dos documentos,que pode ocorrer de modo a priori ou a posteriori. No caso da pesquisa que desenvolvi, a opção foi pela escolha a posteriori, visto que foi preciso identificar nas escolas quais documentos e informações seriam possíveis de serem obtidas com o consentimento da instituição. O terceiro momento refere-se à (1.3.) formulação das hipóteses e dos objetivos. Nessa fase, o pesquisador elabora possíveis respostas para o problema que busca solucionar e constrói o objetivo de seu estudo. Com relação à elaboração das hipóteses, as mesmas não foram formuladas antecipadamente, visto que deixei que a pesquisa de campo “falasse por si” e fornecesse as informações que me permitiram responder ao objetivo deste estudo. O quarto momento refere-se à (1.4.) referenciação dos índices e à elaboração de indicadores. A referenciação dos índices diz respeito à identificação no corpo do texto de trechos que tenham relação com o que está sendo pesquisado. 99 No caso da presente pesquisa, busquei construir tópicos temáticos (como por exemplo os modelos de ensino de Filosofia) e com base nesses, fiz a elaboração dos indicadores que serviram de base para construir as categorias e organizar a análise. Por fim, o quinto momento é o da (1.5.) preparação do material. Neste, o pesquisador inicia o processo de preparação do material para aprontá-lo para a análise. Sugere-se, por exemplo, que as entrevistas sejam transcritas e que no texto impresso da transcrição haja um espaço para que o pesquisador possa fazer as marcações analíticas no material. Terminada a primeira fase, parte-se para a (2.) exploração do material. Aqui, o investigador começará o processo de codificação e categorização dos dados. O primeiro processo dessa fase é a (2.1.) codificação, a qual “corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da sua expressão” (BARDIN, 2011, p. 133). Nesse sentido, por meio dessa primeira etapa, o pesquisador atribuirá códigos (números, letras, entre outros) que lhe auxiliarão a organizar as partes importantes de cada texto de acordo com as (2.1.1.) unidades de registro25 que construirá. Neste projeto de Tese, utilizei o tema como sendo a unidade. Através desse, conforme fui identificando nos materiais analisados, construí unidades temáticas que me auxiliaram a chegar à resposta do objetivo da pesquisa. As unidades temáticas serão conhecidas no próximo capítulo. Após a definição dessas unidades, constroem-se as (2.1.2.) unidades de contexto, as quais servirão para tornar mais compreensível e contextualizada as unidades de registro elencadas. Para tornar clara essa etapa, cito como exemplo o seguinte caso: quando, nos dados da entrevista, identifiquei que um dos docentes considera que a carga horária semanal de aula não é suficiente para o desenvolvimento do trabalho com a disciplina de Filosofia, a unidade de registro é Carga horária semanal de aula: não é suficiente e a unidade de contexto é a frase ou o parágrafo destacado da entrevista em que está identificada tal informação. 25 As unidades de registro que Bardin (2011) aponta como sendo as mais utilizadas são: a palavra; o tema; o objeto ou referente; o personagem; o acontecimento; e, o documento. Para saber mais, cf. Bardin, 2011, pp. 134-6. 100 Prosseguindo na codificação analítica do material, Bardin (2011) aponta ainda as (2.1.3.) regras de enumeração26, as quais mostram como será feita a contagem dos registros. Para a presente pesquisa, utilizei a regra da presença (ou ausência). Através dessa regra, defini como trechos importantes para serem destacados todos aqueles que estiveram presentes na fala dos entrevistados e nos documentos e que possuíam relação com os objetivos desta Tese. Também foi utilizada como fonte de análise a ausência de informações importantes que deveriam estar presentes nas mensagens proferidas pelos sujeitos investigados. Definindo as unidades de registro e de contexto, parte-se para a etapa da (2.2.) categorização. Essa é compreendida como sendo uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão das características comuns destes elementos (BARDIN, 2011, p. 147). De acordo com a autora, a categorização é feita em duas etapas: a primeira é o inventário, em que se isolam os elementos destacados e a segunda é a classificação, a qual consiste em dividir esses elementos impondo uma certa organização sobre os mesmos. Dessa forma, no presente estudo a categorização foi o momento no qual organizei por “títulos temáticos” as mensagens que foram sendo extraídas dos materiais coletados. Por exemplo, quando registrei as informações referentes à questão sobre se a Filosofia se manteria nos três anos, caso a lei 11.684/08 fosse revogada, defini essa como sendo uma categoria. Dentro dessa, foi preciso construir duas subcategorias diferentes: “1ª – Se mantém” e “2ª – Não se mantém”. Deste modo, juntamente com cada categoria estão as unidades de registro ou as unidades de contexto que abordam os assuntos referentes a cada uma e que se encontram presentes e identificadas em sua respectiva categorização. Para que as categorias sejam consideradas boas, Bardin (2011) aponta cinco qualidades que devem ser levadas em consideração, a saber: (2.2.1.) Exclusão mútua: essa definição indica que cada elemento deve ser organizado de modo que não esteja presente em mais de uma categoria. É importante frisar que essa regra não é plena e sendo assim, pode acontecer o caso 26 Os diversos tipos de enumeração são: a presença (ou ausência); a frequência; a frequência ponderada; a intensidade; a direção; a ordem; e, a concorrência. Para saber mais, cf. Bardin, 2011, 101 de um elemento fazer parte de mais de uma categoria, desde que a sua codificação não cause confusão no momento da análise. (2.2.2.) Homogeneidade: define-se que cada categoria deve ser organizada com base em um único princípio de classificação e em uma única dimensão de análise. Essa regra está intimamente relacionada com a anterior e por meio dela é possível organizar as categorias de modo que se evite a confusão analítica ao longo do estudo. (2.2.3.) Pertinência: as categorias deverão estar relacionadas e adaptadas ao material de análise que será desenvolvido. Portanto, as mensagens que não tenham relação com o foco da pesquisa não devem fazer parte das categorias destacadas. (2.2.4.) Objetividade e fidelidade: deve-se manter a mesma forma de codificação para as diferentes partes de um mesmo material que irão compor a mesma categoria. Para isto, o pesquisador que estará organizando a análise deverá “definir claramente as variáveis que trata, assim como deve precisar os índices que determinam a entrada de um elemento numa categoria” (BARDIN, 2011, p. 150). (2.2.5.) Produtividade: a categoria será considerada de boa qualidade se “fornece resultados férteis: em índices de inferências, em hipóteses novas e em dados exatos” (Idem, p. 150). Esse âmbito da produtividade assegurará boas análises no momento de buscar as respostas com base nos dados coletados. Essas cinco regras serviram de base para a construção das categorias de modo pertinente, oferecendo informações importantes para o estudo que foi desenvolvido. Por fim, a terceira fase da organização da Análise de Conteúdos é a (3.) abordagem dos resultados por meio das inferências e da interpretação. Nessa última fase, o pesquisador “tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos – ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas” (BARDIN, 2011, p. 131). Segundo a autora, as inferências podem ser formuladas a partir de polos27 que permitem que as interpretações ocorram. No caso desta Tese, o polo central de análise foi a (3.1.) mensagem, por meio da qual pude me basear nas significações oferecidas pelo conteúdo que as mesmas forneceram. pp. 138-142. 27 Os polos são: o emissor; o receptor; a mensagem; o código; a significação; e, o médium. Para saber mais sobre, cf. Bardin, 2011, pp. 165-8. 102 Realizando o processo analítico possibilitado pela Análise de Conteúdo, organizei os dados coletados e construí inferências e interpretações que me permitiram descobrir em que medida a Filosofia está se tornando uma disciplina relevante para o currículo do Ensino Médio. Toda essa descrição do modo de funcionamento da Análise de Conteúdo serve para mostrar como os dados da pesquisa de campo foram analisados, permitindo que no próximo capítulo seja possível mostrar a construção das categorias que foram sendo elencadas ao longo deste estudo. Com isso, concluo a parte referente à metodologia da pesquisa. No próximo capítulo, apresento como se desenvolveu a pesquisa de campo e a análise dos dados. 103 5. SITUANDO A PESQUISA DE CAMPO E A ANÁLISE DOS DADOS Neste momento da Tese, situarei o leitor no trabalho desenvolvido em minha pesquisa de campo. Os dados coletados serviram de base para o diagnóstico sobre em que medida a disciplina de Filosofia é relevante para o currículo no Ensino Médio, visto que os mesmos emergem diretamente do contexto escolar, emanando das observações, análise de documentos e entrevistas realizadas. Os referenciais teóricos abordados nos capítulos anteriores contribuem com as reflexões que serão construídas nos próximos capítulos, auxiliando no fortalecimento dos argumentos analíticos que buscam responder ao objetivo da pesquisa. Vislumbrando uma melhor organização desse capítulo, divido-o em três seções. Na primeira, apresento o contexto da escola da região central, a qual doravante será denominada “Escola Central”. Nessa apresentação, identificarei todas as informações que foram coletadas referentemente aos sujeitos envolvidos na investigação. Na segunda seção, realizo a mesma forma de abordagem, porém o foco de escrita será a escola da periferia, a qual será chamada de “Escola Periférica”. Por fim, na terceira seção, mostrarei as categorias analíticas que emergiram da pesquisa de campo, as quais serviram de base para a sistematização dos capítulos seguintes e para a efetiva análise dos dados. 5.1. A Escola Central O primeiro passo dado para o início da pesquisa de campo foi a escolha da instituição que poderia fazer parte da investigação. Como minha intenção era de selecionar uma escola do centro e uma da periferia, a escolha da escola da região central levou em conta o fato de que a mesma apresenta um grande número de alunos matriculados, ao mesmo tempo em que contempla estudantes dos mais variados bairros do município do Rio Grande-RS. A instituição possui 21 turmas de Ensino Médio regular diurno, sendo nove turmas de primeiro ano, seis turmas de 104 segundo e seis de terceiro ano. Por ter uma localização geográfica de fácil acesso, essa escola se apresenta como uma valiosa fonte de informações para o desenvolvimento do trabalho proposto, visto que contempla um público bem diversificado. Tendo sido escolhida a escola, o passo seguinte foi o de iniciar o contato com a mesma. No dia 19 de fevereiro de 2013 tive, então, o primeiro contato com a instituição. Fui apresentado à supervisora pedagógica de Ensino Médio dessa escola, Carla28, que no contato inicial me autorizou a investigação na escola, solicitando que eu conversasse posteriormente com os docentes de Filosofia para explicar o meu trabalho e aguardar a autorização deles. Carla me sugeriu não realizar muitas observações, a fim de que minha presença não influenciasse no comportamento da turma. Considerei justa e prudente a sua colocação e em um acordo harmônico, decidimos que faria apenas três observações em cada um dos anos, caso o docente permitisse. Essa decisão de realizar três observações também se estendeu para a Escola Periférica. Continuando no diálogo, a supervisora me comentou que ao conversar com os alunos percebe que os mesmos não encontram diferenças entre o ensino de Filosofia e o de Sociologia, e muitas vezes não percebem diferenças de conteúdos de um ano para o outro. Dessa forma, Carla me sugeriu a seguinte pergunta para ser feita aos alunos, quando fosse realizar a entrevista com os mesmos: “O que vocês aprendem em Filosofia?”. A supervisora acreditava que eles diriam não saber explicar o que aprendem. Buscando atender a essa inquietação, acrescentei essa interrogação à entrevista feita com os estudantes. Cabe destacar que, em um momento posterior, entreguei minha carta de apresentação à supervisora, para que a mesma pudesse guardar nos registros da escola. Como a escola estava no período de férias, aguardei aproximadamente um mês a fim de que o ano letivo iniciasse e os docentes da escola pudessem se organizar no início do trabalho com as suas turmas. Após aguardar esse período, no dia 20 de março de 2013 entrei em contato com o professor César, de Filosofia, para saber se ele aceitaria participar da pesquisa. O professor se colocou à disposição e permitiu que eu fizesse a investigação sem qualquer problema. Ele trabalha com os segundos e os terceiros anos do Ensino Médio. Como vou observar o primeiro trimestre de um dos terceiros anos, agendei com ele a data da primeira 28 O nome de todos os sujeitos que forem citados ao longo da Tese é fictício. 105 observação. Na conversa com o professor, ele disse não haver um trabalho em conjunto, na escola, entre os docentes de Filosofia. Assim sendo, cada um trabalha a disciplina do modo que deseja, sem ter um diálogo com os demais. O professor comentou isso para explicar a metodologia de trabalho que ele procura seguir, que toma por base o livro didático da Chauí (2012). Sua ideia inicial era de dividir o livro em três partes entre cada um dos anos. Porém, como no primeiro ano de implantação do livro – em 2012 – nem todos os alunos tiveram acesso ao mesmo, atualmente ele está tendo que trabalhar os mesmos conteúdos nos segundos e nos terceiros anos. Como a Filosofia tem apenas um período semanal de 50 minutos, ele consegue avançar muito pouco com a matéria, de modo que sua divisão não terá mais o objetivo almejado inicialmente, visto que não conseguirá trabalhar 1/3 do livro conforme havia previsto. Após essa breve conversa, deixamos a data da primeira observação agendada. O contato com a professora Carmen, responsável pela disciplina de Filosofia nos primeiros anos no Ensino Médio regular, se deu três meses depois, visto que como as suas turmas são de primeiros anos, a observação das aulas só aconteceriam no segundo semestre. Dessa forma, no dia 19 de junho de 2013 entrei em contato com a professora Carmen e apresentei minha proposta de investigação. A professora aceitou tranquilamente a minha ideia e se colocou à disposição para ajudar no que fosse preciso. Em outro dia, encontrei a professora para agendarmos a data para a entrevista e ao longo do diálogo, descobri que existia a possibilidade de os docentes do Estado iniciarem uma greve no segundo semestre. Isso estaria dependendo somente da decisão que seria tomada pela assembleia dos professores, prevista para o mês de agosto. Essa possibilidade realmente se concretizou a partir do dia 23 de agosto de 2013. Diante desse fato, me organizei para começar as observações logo no início do segundo semestre, a fim de evitar atrasos na etapa da pesquisa de campo. O encontro com as docentes das outras disciplinas foi acontecendo ao longo do primeiro semestre. O professor César me acompanhou nessa busca e me apresentou às professoras Carolina (de Geografia), Cecília (de Química) e Cândida (de Matemática). A professora Cleuza (de Literatura) foi abordada diretamente por mim quando estávamos na sala dos professores da escola. Todas as docentes aceitaram participar da pesquisa e em dias específicos combinamos as datas das entrevistas. 106 O contato com os alunos foi um pouco mais “difícil”, mas no diálogo foi possível conseguir a adesão dos mesmos. Convidei os alunos do terceiro ano, para participar da entrevista no último dia das observações. Expliquei a eles algumas das questões e perguntei se haveria um aluno e uma aluna interessados em contribuir com o trabalho. Ninguém se manifestou. Os alunos demonstravam estar tímidos e inseguros sobre o que seria a entrevista. Após algum tempo de silêncio, propus que eles fizessem a entrevista em duplas, separados por gênero. A turma ficou mais confortável diante da nova proposta e apareceram dois rapazes e duas moças para participar. Agendamos a entrevista e no dia combinado realizamos as mesmas. Essa proposta de entrevista por duplas foi levada adiante com as demais turmas. Nos segundos anos, o convite foi bem aceito. Logo que perguntei quem aceitaria participar da entrevista, que poderia ser individual ou de dupla, três alunos e três alunas aceitaram participar, porém no dia combinado, somente um aluno e duas alunas se fizeram presentes. Os que participaram responderam com tranquilidade as questões propostas. Com relação aos primeiros anos o processo de escolha dos entrevistados, ocorreu de modo semelhante aos terceiros anos. Após um tempo de conversa explicando como seria a pesquisa, duas alunas e um aluno concordaram em participar. Marcamos a entrevista para após a aula da semana seguinte. No momento combinado, o dia estava chuvoso e somente três outras alunas da turma foram à escola. A docente também não se encontrava na sala. Aproveitei que já estava ali e perguntei se alguma delas aceitaria participar da entrevista. Duas aceitaram. Realizamos a entrevista naquele momento mesmo. A pesquisa com o aluno não ocorreu naquele dia, pois o mesmo não foi à aula e na semana seguinte iniciou a greve dos professores estaduais, com previsão de tempo indeterminado. Com o término da greve, no dia 16 de setembro de 2013, no mês de outubro retornei à escola, e no mesmo dia da observação da terceira aula do primeiro ano entrevistei o estudante que tinha se colocado à disposição para contribuir com a pesquisa. Após mostrar esse processo de contato com os sujeitos da pesquisa, estabeleci uma forma de sistematização, a fim de permitir ao leitor identificar quais entrevistados são pertencentes à Escola Central. Dessa forma, todos os professores e a supervisora terão seus nomes iniciados com a letra “C” (por ser da região central). No que diz respeito à identificação dos alunos, esses terão nomes com 107 iniciais variadas, só que após os seus nomes haverá a identificação “C.”. No quadro a seguir, identifico cada um dos participantes. Quadro 6 – Identificação dos sujeitos investigados – Escola Central Função Identificação Supervisora Pedagógica Carla – Superv. Professor de Filosofia (2º e 3º ano) César – Fil. Professora de Filosofia (1º ano) Carmen – Fil. Professora de Geografia Carolina – Geo. (Área: Ciências Humanas e suas tecnologias) Professora de Química Cecília – Quím. (Área: Ciências da Natureza e suas tecnologias) Professora de Literatura Cleuza – Lit. (Área: Linguagens e suas tecnologias) Professora de Matemática Cândida – Mat. (Área: Matemática e suas tecnologias) Alunos 3º ano Alunas 3º ano Aluno 2º ano Alunas 2º ano José C. – 3º ano Pablo C. – 3º ano Camila C. – 3º ano Aline C. – 3º ano Tadeu C. – 2º ano Francine C. – 2º ano Lara C. – 2º ano Aluno 1º ano Tonai C. – 1º ano Alunas 1º ano Sadie C. – 1º ano Emma C. – 1º ano Tendo situado os sujeitos participantes da Escola Central, encaminho-me para o encerramento desta seção. No próximo momento, apresento a escola da região periférica. 108 5.2. A Escola Periférica A escolha da Escola Periférica também se deu pelo fato de a mesma abrigar uma grande quantidade de alunos matriculados, estando entre as sete escolas do município mais procuradas pelos alunos. Os estudantes dessa instituição são filhos de funcionários públicos, comerciantes e trabalhadores do bairro e das vilas vizinhas. A escola possui doze turmas de Ensino Médio regular diurno, sendo seis de primeiro ano, três de segundo e três de terceiro. O primeiro contato com a escola também ocorreu no dia 29 de fevereiro de 2013. Chegando à instituição, fui apresentado à supervisora Paola. Ao conversarmos sobre a minha proposta de pesquisa, ela autorizou a investigação na escola, salientando somente que a professora responsável pela disciplina é licenciada em Artes. Ela comentou que a escola solicitou professor de Filosofia, porém o mesmo não foi enviado. Logo após esse contato inicial, fui apresentado à professora Pietra, que era a responsável pela disciplina de Filosofia nos três anos do Ensino Médio, no ano de 2013. Como a docente tinha outros compromissos para o momento, combinamos para a semana seguinte uma reunião, a fim de que eu pudesse explicar minha intenção de pesquisa, visto que logo de início a docente se colocou à disposição para contribuir com o trabalho. No dia 28 de fevereiro de 2013, voltei à escola. Deixei a carta de apresentação com a supervisora Paola e me reuni com a professora Pietra, conforme o combinado. Para minha surpresa, nesse encontro a docente me disse que não estava mais trabalhando com a disciplina de Filosofia, pois como assumiu a supervisão no turno da tarde, optou por ficar somente com a Sociologia pela manhã. A disciplina de Filosofia estaria sendo conduzida por ela somente à tarde, na turma de primeiro ano. Dessa forma, outra professora passou a assumir a disciplina pela manhã. A nova docente chama-se Patrícia e também é licenciada em Artes. No breve espaço de tempo em que fiquei dialogando com Pietra, conversamos sobre essa substituição e a coincidência da outra professora de Artes assumir a disciplina. Ela comentou que não há professor de Filosofia e quem se dispôs a assumir foi a de Artes. Ao longo do encontro, conversamos sobre a obrigatoriedade do ensino de Filosofia. Pietra me disse que prefere a Filosofia do jeito que está, com 01 hora/aula semanal e presente nos três anos, do que como era antes, quando ela poderia ser 109 desenvolvida em duas aulas no primeiro ano e em uma aula no terceiro. De acordo com a docente, quando vagava um ano sem Filosofia, os alunos perdiam o contato com os conteúdos da disciplina. Agora, com a obrigatoriedade em todos os anos, isso não acontece. A docente reforça que 01 hora/aula semanal é pouco, mas que diante das condições atuais da escola, não tem como ser diferente. Perguntei sobre o plano de ensino e ela me disse que ainda não tinha sido elaborado, mas que ela toma como base o livro da Marilena Chauí intitulado Iniciação à Filosofia (CHAUÍ, 2012). Esse é um livro que faz parte do Programa Nacional do Livro Didático, sendo distribuído pelo Ministério da Educação para as escolas da rede pública que escolherem o respectivo livro 29. O período de utilização do livro contempla os anos de 2012, 2013 e 2014. Buscando me auxiliar na pesquisa de campo, a professora Pietra me emprestou um dos livros didáticos da escola para que eu pudesse utilizá-lo no acompanhamento das aulas ao longo das observações, caso eu desejasse analisá-lo. Deixamos combinado que o livro ficaria comigo e se a escola necessitasse, eu devolveria. Além de outros materiais que a professora utilizou, como pequenos textos de outras fontes, ela tomou esse livro como referência principal. De acordo com ela, o livro foi indicado para a próxima professora, a Patrícia, e é composto de 34 capítulos divididos em duas partes: (1) a atividade teórica e (2) a atividade prática. A ideia é de que todos esses capítulos sejam trabalhados ao longo dos três anos do Ensino Médio, ficando a critério do docente a organização do mesmo. A parte 1 está composta por 22 capítulos, separados em seis unidades, sendo essas: A filosofia; a razão; a verdade; a lógica; o conhecimento; e a metafísica. A parte 2 contém 12 capítulos, estando dividida em seis unidades, a saber: a cultura; a experiência do sagrado; as artes; a ética; a ciência e a política. Dessa forma, é possível identificar que o modo de trabalho com a Filosofia, tanto nessa como na outra escola30, segue o modelo do ensino por “temas” filosóficos (DUTRA, 2010). Ao final da conversa, combinei com Pietra de me encontrar com a professora Patrícia no sábado seguinte, dia 02 de março de 2013, para fazer a apresentação da pesquisa e saber se a mesma aceitaria, ou não, participar da investigação. 29 Os outros dois livros que fazem parte do Programa Nacional do Livro Didático e que poderiam ter sido escolhidos, mas não o foram, são: Filosofando: introdução à Filosofia, de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins e Fundamentos da Filosofia, de Gilberto Cotrin e Mirna Fernandes (HORN, 2013). 110 Escolhemos essa data, pois no respectivo dia havia sido marcada uma reunião entre os docentes da escola e possivelmente a professora estaria presente. Chegando o dia combinado, fui à escola e lá recebi a notícia de que a docente não estava devido a problemas pessoais. Diante do exposto, fui até a secretaria da escola e descobri em quais os dias Patrícia estaria lá. Escolhi a sextafeira da semana seguinte para fazer uma nova visita. Chegando a sexta-feira, dia 08 de março de 2013, tive o primeiro contato com a professora Patrícia, que me recebeu muito bem. Conversamos brevemente sobre a pesquisa e a professora se colocou à disposição para ajudar. Naquele momento, apresentei a ela a proposta de investigação e combinamos que em cada série eu faria três observações. Ao longo do diálogo, a professora sugeriu que poderia ser criada uma lei que exigisse a obrigatoriedade de que a docência em Filosofia fosse lecionada por uma pessoa com habilitação na área. Registrei essa sua proposta comigo e depois, em minhas investigações bibliográficas, percebi que já existe o Parecer Nº 322/2007, do Conselho Estadual de Educação, que define essa orientação, a saber: “Os professores de Filosofia e Sociologia, para o exercício da docência, devem ter cursado, respectivamente, Licenciatura em Filosofia e Licenciatura em Sociologia ou Ciências Sociais” (RS/CEE, 2007a, item 29). Após aceitar participar da investigação, combinamos as datas. Inicialmente, eu iria observar os três anos do Ensino Médio em que ela leciona, porém, como ao longo do primeiro semestre descobri que no turno da tarde existia uma turma de primeiro ano regular, que estava sendo regida pela professor Pietra, decidi observar somente o terceiro e segundo ano sob responsabilidade de Patrícia. O primeiro ano será observado no outro turno, para que eu possa contemplar também a metodologia de trabalho desenvolvida por outro docente da disciplina. Passado alguns meses, em julho entrei em contato com a professora do turno da tarde. Nesse contato, descobri que ela não estava mais lecionando Filosofia, mas que um novo professor tinha assumido a turma. O novo docente chamava-se Paulo. Ele é licenciado em Ciências Sociais e assumiu há pouco tempo a disciplina. Em nosso diálogo, expliquei ao professor o meu interesse em realizar a pesquisa e a observação das aulas, e ele autorizou sem problema algum. Nesse mesmo dia, deixamos combinado que no retorno do segundo semestre começariam 30 A Escola Central também utiliza esse livro didático como base. 111 as observações nas aulas, levando em consideração também a possibilidade de haver greve. Com relação ao contato com os docentes das outras disciplinas, fui conversando com os demais professores da escola para que me indicassem os colegas de cada uma das quatro áreas. Nessa busca, encontrei os seguintes docentes que aceitaram participar das entrevistas: Paula (de História), Priscila (de Química), Pâmela (de Matemática) e Pedro (de Língua Portuguesa e Literatura). No que diz respeito ao contato com os alunos, ocorreu algo semelhante à Escola Central. Nos terceiros anos, os alunos ficaram muito tímidos e não se colocavam à disposição para participar da pesquisa. Após insistir um pouco e reforçar que poderia ser em dupla, os adolescentes aceitaram. Colocaram-se à disposição dois rapazes e duas moças. Combinamos o dia da entrevista e a mesma transcorreu com a maior tranquilidade. Com os segundos anos o contato foi tranquilo. Embora eu tenha observado apenas uma aula e eles tenham estado sem aula de Filosofia desde o final do primeiro semestre até a segunda quinzena do mês de novembro, em outubro de 2013 entrei em contato com os alunos e combinamos de realizar as entrevistas. Nessa turma, novamente dois alunos e duas alunas aceitaram participar da pesquisa. No que diz respeito aos primeiros anos, no último dia de observação das aulas, perguntei se alguém aceitaria participar da entrevista. Três alunas e três alunos se colocaram à disposição. Agendamos a entrevista para dois dias depois, na escola mesmo. Chegando a data, o dia estava chuvoso e dos possíveis participantes, estavam presentes um rapaz e duas moças. Perguntei se aceitavam participar mesmo assim e eles aceitaram. Dessa forma, realizei a entrevista com as duas moças e o rapaz convidou mais dois colegas, de modo que entrevistei três alunos. Tudo transcorreu tranquilamente. Utilizando como base o mesmo princípio de identificação dos sujeitos envolvidos na pesquisa com a escola da região central, os docentes citados e a supervisora da Escola Periférica têm seus nomes iniciados com a letra “P” (por ser da região periférica). Com relação aos nomes dos alunos, os mesmos também têm 112 as iniciais de seus nomes variadas, mas a identificação “P.”. No quadro abaixo, identifico cada um31: Quadro 7 – Identificação dos sujeitos investigados – Escola Periférica Função Identificação Supervisora Pedagógica Paola – Superv. Professora de Filosofia (1º, 2º e 3º ano) Patrícia – Fil. Professor de Filosofia (1º ano) Paulo – Fil. Professora de História Paula – Hist. (Área: Ciências Humanas e suas tecnologias) Professora de Química Priscila – Quím. (Área: Ciências da Natureza e suas tecnologias) Professor de Língua Portuguesa e Literatura Pedro – Port./Lit. (Área: Linguagens e suas tecnologias) Professora de Matemática Pâmela – Mat. (Área: Matemática e suas tecnologias) Alunos 3º ano Cristiano P. – 3º ano Lucas P. – 3º ano Alunas 3º ano Isabela P. – 3º ano Cristiane P. – 3º ano Alunos 2º ano Sérgio P. – 2º ano Zac P. – 2º ano Alunas 2º ano Olívia P. – 2º ano Estefani P. – 2º ano Alunos 1º ano Roberto P. – 1º ano Rogério P. – 1º ano Ricardo P. – 1º ano Alunas 1º ano Carolina P. – 1º ano Sherlei P. – 1º ano Após apresentar os sujeitos envolvidos na escola da região periférica, discorrerei na próxima seção sobre a construção das categorias que surgiram a 31 O nome da professora Pietra não está presente no quadro, pois não realizei a entrevista e as observações com a mesma. 113 partir da pesquisa de campo. Essas categorias servirão de base para a organização e análise dos dados coletados. 5.3. Categorias de estruturação da Tese para a análise dos dados Como já foi relatado no quarto capítulo deste escrito, a metodologia que utilizo para a análise dos dados é a análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Ao longo da investigação, tive contato com um amplo campo de informações que remetem diretamente ao currículo da Filosofia no Ensino Médio. As informações são oriundas dos documentos consultados (conteúdos programáticos e projeto políticopedagógico), das observações nas aulas e das entrevistas realizadas com as supervisoras, os professores de Filosofia, os professores de outras disciplinas e os alunos. Tomando por base cada dado registrado, comecei o processo de análise de conteúdo propriamente dito, a fim de que fosse possível analisá-los, estabelecendo uma coerência argumentativa no meu posicionamento. Seguindo a sequência analítica explicitada na seção 4.3. O processo de análise dos dados, tomei o conjunto de materiais em mãos e realizei, inicialmente, os dois processos indicados por Bardin (2011), a saber: a pré-análise e a exploração do material. Todo esse processo me levou a organizar os documentos e as entrevistas transcritas em forma de códigos, atribuindo uma numeração de acordo com a semelhança dos assuntos que eram abordados. Com base nessas codificações, submeti as mesmas às cinco regras32, a fim de que as categorias se sustentassem por si próprias e uma não invadisse o campo de significação da outra. Levando em consideração todos esses aspectos, no quadro a seguir apresento as trinta categorias que emergiram da investigação. Algumas estão divididas em subcategorias, a fim de auxiliar da melhor forma possível o processo de análise dos dados. 32 Relembro as cinco regras que estão descritas na seção “4.3”: exclusão mútua; homogeneidade; pertinência; objetividade e fidelidade e produtividade. 114 Quadro 8 – Categorias construídas Categoria Subcategoria 1. Definição de Filosofia --- 2. O que se aprende em Filosofia? --3.1. Considera importante 3. Importância da Filosofia 3.2. Não considera importante 4. Presença da Filosofia no currículo da escola 4.1. Acredita que deve estar presente 4.2. Acredita que não deve estar presente 5. Presença em aula, caso a Filosofia fosse 5.1. Ficaria em aula optativa? 5.2. Não ficaria em aula 6.1. Não é suficiente 6. Carga horária semanal de aula 6.2. É suficiente 7.1. Considera desnecessária 7. Valorização da disciplina pela turma 7.2. Considera importante 8.1. Tem sugestão 8. Sugestão para o ensino de Filosofia 8.2. Não tem sugestão 9. Mencionar algo que não foi perguntado 10. Utilização da biblioteca para a Filosofia 9.1. Mencionou 9.2. Não mencionou 10.1. Utiliza 10.2. Não utiliza 11. Acréscimo de 01 hora/aula semanal na 11.1. Acredita que é possível disciplina de Filosofia 11.2. Acredita que não é possível 12.1. Conquistou espaço 12. Conquista de espaço da Filosofia 12.2. Não conquistou 13. Filosofia se mantém nos três anos, caso 13.1. Se mantém revogação da lei de 2008? 13.2. Não se mantém 14. Implantação da Filosofia após a lei de 2008 --- 15. Avaliação sobre o ensino de Filosofia --- 16. Formação continuada em Filosofia --- 17. Espaço para a Filosofia na escola --- 18. Orientação da 18ª CRE --- 19. Motivo de lecionar Filosofia --- 20. Papel do professor de Filosofia --- 21. Interferência do ensino politécnico no currículo de Filosofia 22. Presença Integrados da Filosofia nos --- Seminários --- 115 23. Participação do docente de Filosofia na distribuição da carga horária --- 24. Metodologia de ensino do docente de Filosofia --- 25. Avaliação sobre os alunos --- 26. Visão dos docentes de outras áreas, na visão do professor de Filosofia --- 27. Seleção dos conteúdos --- 28. Livros ou materiais utilizados --- 29. Perspectiva teórica que o docente trabalha --- 30. Utilização de textos de filósofos --- Com base nessas categorias sistematizei a continuidade deste escrito, distribuindo-as entre os próximos capítulos. Os mesmos estão organizados de modo que possam contemplar os principais pontos a serem aprofundados. Assim, no quadro abaixo apresento os capítulos que emergem neste estudo e as suas respectivas categorias abordadas33: Quadro 9 – Capítulos construídos e suas respectivas categorias Capítulos 6. A presença da Filosofia nas escolas Categorias envolvidas (pelos códigos) 6, 10, 11, 14, 17, 21, 22 e 23. pesquisadas 7. O professor de Filosofia e o seu ensino 1, 2, 16, 18, 19, 20, 24, 25, 27, 28, 29 e 30. 8. Filosofia: a conquista de seu espaço no 3, 4, 5, 7, 8, 9, 12, 13, 15 e 26. currículo do Ensino Médio A terceira etapa definida por Bardin (2011), que se refere à abordagem dos resultados por meio das inferências e da interpretação, será desenvolvida a partir do próximo capítulo. Por meio dela realizo o estudo efetivo sobre os dados que foram coletados, rumando em direção à resposta do objetivo desta Tese. 33 Embora na segunda coluna do quadro as categorias apresentem a numeração em ordem crescente, nos respectivos capítulos a abordagem sobre as mesmas não segue, necessariamente, essa mesma ordem. 116 6. A PRESENÇA DA FILOSOFIA NAS ESCOLAS PESQUISADAS A escrita que trago à tona neste capítulo tem a intenção de conhecer o modo como a Filosofia se apresenta no currículo do Ensino Médio. A análise das informações que emergiram das duas escolas mostra que embora estejam situadas em localizações geográficas e sociais diferentes, a presença da Filosofia se mostra semelhante, em alguns pontos, em ambos os espaços. Neste primeiro momento de análise, organizo o presente capítulo em duas seções. Na primeira, apresento o posicionamento dos entrevistados sobre a carga horária semanal da disciplina de Filosofia, realizando também uma análise a partir das respostas dos mesmos e posicionando-me sobre a problemática em questão. Na segunda seção, discorro sobre o espaço ocupado pela Filosofia nas escolas pesquisadas, problematizando esse assunto em busca de possibilidades para que o docente possa desenvolver o seu trabalho com maior qualidade no ambiente escolar. 6.1. A carga horária semanal da disciplina de Filosofia O tema referente à carga horária semanal da disciplina de Filosofia demonstra ser um dos aspectos que geram um dos maiores problemas para os professores que trabalham no Ensino Médio (DUTRA, 2010; DUTRA, GALLO & DEL PINO, 2012). Essa questão continua a existir, visto que nas escolas investigadas, com a obrigatoriedade da implantação da Filosofia nos três anos desse nível de ensino, a disciplina acabou sendo distribuída com apenas 01 hora/aula em cada um dos anos. Ciente disso, conversei com os sujeitos da pesquisa para saber como os mesmos se posicionavam diante de tais condições de trabalho. Na Escola Central, dos 17 entrevistados, oito consideram que a carga horária é suficiente. Os demais, 117 afirmam que 01 hora/aula é pouco para o desenvolvimento do trabalho com a qualidade que merece. Começarei a análise de alguns dos argumentos das pessoas que acreditam que a carga horária pode se manter como está. Dentre os sujeitos envolvidos, seis são alunos. As alunas Camila C. – 3º ano e Aline C. – 3º ano apenas disseram que é suficiente, sem aprofundar o argumento. As alunas do 2º ano explicaram os seus posicionamentos: Eu acredito que sim! Para quem tem desenvoltura sim. Tem pessoas que tem mais dificuldade, que são pessoas caladas, que apesar de abordar algum tema que seja do interesse, elas não vão se manifestar. Então eu acho que sim, acho que o tempo é suficiente (Francine C. – 2º ano). [...] J.C.D. – Vocês acham que de repente não precisaria ter duas aulas de Filosofia na semana? Não! (Francine C. – 2º ano). A outra colega respondeu: Eu acho que sim, porque o professor fala e impõe, tanto esse nosso professor como os outros professores, eles falam e impõem as coisas e a gente dá a nossa opinião. Quem não fala muitas vezes são os que ficam quietos nas outras matérias também, ou que não se sentem a vontade para falar. Então, se não falam em uma aula, também em duas aulas não vai fazer diferença (Lara C. – 2º ano). Pela fala das estudantes do segundo ano, é possível compreender que as mesmas identificam a importância da carga horária de acordo com a necessidade de participação dos alunos na aula. Como os alunos que debatem são “sempre” os mesmos, concluem que não é preciso aumentar a carga horária. Já, quem participa e tem desenvoltura na fala, consegue participar dentro do tempo disponível. Por fim, os alunos do primeiro ano se manifestaram do seguinte modo: Assim... para as outras disciplinas, não! Mas para Filosofia que é só um conteúdo assim, que não... a gente nem tem prova, a gente só tem trabalhinhos, essas coisas assim... – ela só cai na PI, como prova – Eu acho que para a Filosofia não faz mal. Só uma está bom! (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Para mim é também, porque não é muito importante. Em uma aula dá para fazer tudo que precisa. Não cai muita prova mesmo, é só trabalho, além da PI (Emma C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Como ela não faz muita coisa, então uma aula é suficiente, sim! Se ela fizesse coisas mais práticas, tipo ir no pátio, fazer alguma coisa assim, ou 118 passar mais matérias ou coisas assim, daí seria insuficiente. Teria que ser umas duas aulas, duas ou três no máximo (Tonai C. – 1º ano). De acordo com a fala das alunas do primeiro ano, identifico que as mesmas consideram o tempo de hora/aula suficiente porque na maior parte das vezes a professora faz trabalhos dentro do período de 50 minutos. Um fato destacado pelas duas foi que como a Filosofia não tem prova – exceto a da Prova Interdisciplinar (PI) –, ela perde sua importância e os seus conteúdos deixam de ser interessantes, da forma como estão sendo trabalhados. Agora, se a disciplina se apresentasse de outro modo, com outra metodologia, a resposta das alunas poderia ser diferente, visto que, conforme relata Sadie C., para as outras disciplinas 01 hora/aula é pouco, mas para Filosofia, não é. A resposta de Tonai C. assemelha-se à das colegas, pois o aluno considera que o trabalho que é desenvolvido pela professora não precisa de mais tempo além do que já se tem disponível. Em contrapartida, se a professora modificasse a dinâmica de trabalho com aulas voltadas para o campo da prática, ou se trabalhasse com mais conteúdos de Filosofia na sala de aula, possivelmente seria preciso aumentar a carga horária, visto que um período semanal de aula seria insuficiente para dar conta da demanda a ser estudada. Com uma argumentação diferente, a supervisora Carla coloca outro ponto de vista: Como eu já disse antes, eu acho que... – nós temos 01 hora/aula em cada um dos anos – claro que 01 hora/aula é pouco! A gente sabe que é pouco. Mas eu acho que se o trabalho fosse interdisciplinar, como deve ser, está se encaminhando para ser, mas ainda não é como deveria. Se ele for interdisciplinar, se conseguir trabalhar os principais aspectos e cada professor da área das Humanas se responsabilizar por seus conteúdos e ter uma amarração só, um fechamento, eu acho que dá! Percebo que talvez uma carga horária de 02 horas/aula no segundo ano, talvez seja importante, como eu falei antes (Carla – Superv.). [...] J.C.D. – Só retomando a questão: aí tu acreditas que a carga horária semanal de 01 hora/aula, enquanto ainda não está interdisciplinar, tu achas que... Eu acho que ela é suficiente! Não sei se é a visão que eu tenho aqui da escola, mas eu acho que ela... na verdade se diluiu, porque no segundo ano eu me lembro que a gente tinha 02 horas/aula de Filosofia, algum tempo já atrás. Depois ficou uma. E agora é uma, uma e uma (Carla – Superv.). 119 O argumento da supervisora apresenta outra linha de raciocínio. Ela defende que o ensino de Filosofia – assim como das demais disciplinas, conforme a proposta do Governo do Estado (RS/SEDUC, 2012) – deva ocorrer de modo interdisciplinar, e se isso acontecer, será possível manter a carga horária semanal de 01 hora/aula em dois anos e em um dos anos ampliar a carga horária para 02 horas/aula. Porém, enquanto as disciplinas continuarem trabalhando de modo disciplinar, ela defende a ideia de que 01 hora/aula é suficiente. De modo diferente, os demais sujeitos entrevistados consideraram insuficiente a carga horária destinada à disciplina de Filosofia. Inicio a apresentação dos argumentos partindo do posicionamento dos três alunos que se manifestaram diante dessa pergunta: Não, eu acho que não. Porque uma aula por semana acho que não tem como desenvolver grandes coisas (Pablo C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que não. [...] depende do assunto. Porque vai ter assunto que tu não vai conseguir explicar tudo em uma aula. Tu vai ter que ter mais tempo para explicar por que que a gente pensa, por que que a gente tem emoções. E da onde que surgiu todas essas emoções e tal. Eu acho que... [J.C.D. - Tu achas que seria bom se tivesse um pouco mais de tempo? Duas horas de repente?] É! Ou duas horas na semana. Seria melhor (José C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Não! Não é suficiente! No mínimo teriam que ser duas aulas por semana e acredito que teriam que ser duas aulas consecutivas, no mesmo dia, porque muitas vezes a gente está começando a entrar no clima da aula, a expor nossas opiniões, a debater bastante, quando vê acaba a aula e já perde todo o foco da coisa. [J.C.D. – Aí só na outra semana...] É, já não está a mesma coisa (Tadeu C. – 2º ano). O posicionamento dos três alunos caminha em direção ao que Gallo (2012b, p. 23) destaca, quando afirma que “o pensamento é um exercício de paciência”. Essa paciência requer tempo para que se possa refletir sobre determinado assunto e o tempo de uma aula por semana é insuficiente. Tanto José, como Tadeu – que desenvolveram mais suas respostas – tocam em argumentos importantes, no sentido de que quando se busca aprofundar certos assuntos que estão em pauta, não há tempo suficiente. Com a finalização da aula o debate se perde e na outra semana já foge o foco do que estava sendo discutido. Esse curto espaço de tempo influencia negativamente no desenvolvimento do trabalho com a disciplina, pelo fato de que quando os alunos estão embalados e motivados com o debate, acontece a 120 ruptura pelo término dessa e início de outra disciplina. Esse rompimento precoce desmotiva o ser humano de um modo geral, não só na sala de aula como na vida quando, por exemplo, morre uma criança ou jovem na família, quando estamos visitando algum amigo e temos que ir embora mais cedo do que gostaríamos, quando estamos praticando alguma atividade de lazer e temos que interrompê-la no momento em que estamos eufóricos, entre outras situações. De todo modo, mesmo que esse rompimento cause desmotivação, ele gera uma certa inquietação, a qual permite que o sujeito busque alternativas para superar o incômodo. Nesse sentido, essa descoberta anunciada pelos alunos traz à tona essa inquietação e permite que possamos pensar alternativas para aprimorar a disciplina nesse aspecto. Com relação aos professores das outras áreas, todas as entrevistadas foram contrárias a considerar 01 hora/aula suficiente para a Filosofia. Pode-se comprovar isso a partir dos seguintes argumentos: Eu acredito que não! Já que Filosofia está entre as cadeiras que tem que ter bastante leitura e bastante reflexão, 01 hora/aula por semana acho que não é suficiente. Teria que ser no mínimo duas (Profa. Cleuza – Lit.). _____________________________________________________________ Eu não tenho muito conhecimento, assim, de como é trabalhado, como é que o professor trabalha. Porque nós não trabalhamos de forma interdisciplinar. Então não tenho muito conhecimento. Mas eu acredito que é difícil o professor em 01 hora/aula semanal fazer um trabalho completo, um trabalho bom. Eu acho bem difícil! (Profa. Carolina – Geo.). _____________________________________________________________ Talvez sim. É que sempre a gente acha que a quantidade de horas/aula que dão para a gente é sempre muito pouco. Antes eu tinha quatro de Matemática, agora eu tenho três. É sempre muito pouco. E é claro que para entrar essas outras disciplinas, precisa os outros também cederem suas aulas. Mas talvez se tivesse dois horários semanais, talvez fosse mais adequado. Mas é que isso também acaba..., né? Quanto mais disciplinas entrarem, menos vai ter Matemática, menos vai ter Português, menos vai ter as outras também. Embora se um dia tivesse um pouquinho mais de horas eu acho que seria importante, porque um horário passa muito rápido. E talvez para tu fazer um trabalho bem legal, talvez seja muito pouco (Profa. Cândida – Mat.). _____________________________________________________________ Quando foi implantada a obrigatoriedade dela no Ensino Médio, no ensino básico, teve muita briga! Teve muito professor de Matemática e professor de Português que perderam a carga horária, porque eles tinham a carga horária maior, cinco aulas por semana, quatro aulas por semana, foram eles que foram perdendo a carga horária. Não queriam que tivesse sido implantado. Teve muita confusão. É uma dificuldade muito grande para uma supervisão de escola colocar duas aulas de Filosofia no primeiro, duas no segundo e duas no terceiro. Por exemplo: dobrar a carga horária. É impensável! Vai dar confusão, vai dar briga, só não vai dar morte porque existe o respeito [risos], mas sem a questão de brincadeira, assim, vai ter que ser muito bem discutido, vai ter que ser uma coisa muito bem 121 elaborada, porque senão não vai dar certo. Mas acho que deveria ter mais aula de Filosofia no primeiro, no segundo e no terceiro ano. Deveria ter mais! (Profa. Cecília – Quím.). Observando as respostas, verifico que as quatro professoras sentem a necessidade de ampliação da carga horária da Filosofia. Destaco, em especial, a fala das professoras Cândida – Mat. e Cecília – Quím., que falaram mais a respeito desse assunto. Inicialmente a professora de Matemática tende a dizer que talvez a carga horária de uma aula por semana seja suficiente. Porém, ao longo do seu discurso, estabelece um paralelo com a sua disciplina e argumenta que a tendência dos docentes é sempre achar que o tempo de aula de sua disciplina é insuficiente. No decorrer da resposta, a docente muda um pouco a direção do seu argumento e reconhece que talvez a carga horária atual seja muito pouco e que se houvesse 02 horas/aula, talvez fosse melhor. A fala da professora de Química reflete o relato da professora Cândida. Ela destaca a dificuldade que teve na implantação da Filosofia em função da indignação das professoras que perderam horas nas suas respectivas disciplinas. Ao final da resposta, a docente confirma o posicionamento de que a carga horária deveria ser aumentada, mas reconhece que seria muito difícil essa ampliação, pois possivelmente teria muita confusão e “briga” entre os docentes, visto que esse aumento implicaria a redução das horas das outras disciplinas. Destacando os últimos docentes que se manifestaram sobre a carga horária na escola da região central, trago o posicionamento dos professores de Filosofia, os quais consideram que 01 hora/aula por semana é muito pouco para o desenvolvimento de sua disciplina. É possível confirmar isso nas falas a seguir: Não! Não, não dá. Por quê? Porque nós trabalhamos... toda a semana a gente tem aula com as turmas, mas... “Ah, tem conselho de classe!”; aquela turma não tem aula. Aí só na outra semana, aí tu tens que resgatar novamente: “Gente, nós estávamos trabalhando o livro na página tal...”. Tem que essar sempre voltando. Tu nunca consegue dar uma continuidade. Aí tu chegas na turma: “Mas gente, a professora deixou no xerox. Vocês tinham que pegar o resumo”. Porque a gente tenta, né? Já que é um monte de conteúdo, a gente tenta fazer com eles para que tenha um segmento de conteúdo, mas é complicado. Duas seria já, um pouquinho melhor (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Não, não é! Porque houve períodos em que no segundo ano e no terceiro nós tínhamos 03 horas/aula de Filosofia. Então a gente percebe o quanto... não é em questão de conteúdo, porque eu nunca tive a preocupação com o conteúdo em si, esgotar um conteúdo, ou esgotar um livro didático, ou esgotar o xerox como a gente fazia, no caso, buscando de outras fontes, 122 mas sim o próprio desenvolver do conteúdo fica bem mais tranquilo, a participação do aluno a gente percebe que há uma continuidade, não fica assim tão... “Uma semana teve, depois só na outra semana vai ter a outra”; então há um esvaziamento, uma distância muito grande. Então as aulas sendo mais seguido durante a semana dá a possibilidade de tu dar uma continuidade para aquela reflexão e acho que aproveita muito mais o conteúdo. Se aproveita muito mais! Eu sempre gostei assim, né? E também em questões burocráticas diminui o caderno de chamadas, porque tu imaginas, tem que ter doze cadernos de chamada, doze registros e o número de alunos também aumenta bastante (Prof. César – Fil.). O relato da professora Carmen mostra que se houvesse ao menos 02 horas/aula por semana, melhorariam as condições da disciplina. Seu argumento permite compreender o comprometimento sofrido no desenvolvimento da Filosofia, pois não se consegue dar uma continuidade no trabalho. Existem casos em que não há aula em função de alguma liberação da própria escola e aquela turma fica uma semana sem ver a disciplina, o que prejudica o trabalho no momento de retomar o conteúdo duas semanas depois. Outro fato é quando se tem as aulas normalmente e o desenvolvimento do conteúdo fica comprometido com o precoce término da aula, que quebra o segmento do trabalho que está sendo desenvolvido. O relato do professor César amplia um pouco mais o campo de discussão. Ele destaca que a carga horária atual não é suficiente, salientando que houve épocas em que era possível se trabalhar com até 03 horas/aula. A abordagem desenvolvida pelo docente não se prendeu tanto à questão da quantidade de conteúdos a serem trabalhados, mas à própria forma de desenvolver os conteúdos, a qual acaba sendo prejudicada, visto que há um esvaziamento e uma distância muito grande de uma aula para a outra. Esse fato não ocorria quando a carga horária era maior, pois havia a continuidade do trabalho. Um fator importante é o que se refere às questões burocráticas da docência. Com uma aula por semana, o professor tem que assumir um maior número de turmas, o que significa ter uma demanda dobrada de trabalho e um tempo menor de preparação. No caso do docente, ao assumir doze turmas, ele precisa cuidar de aproximadamente 300 alunos34, tentando avaliar um por um. É uma tarefa árdua e complexa de se realizar. Se a carga horária fosse ampliada, esse número se reduziria pela metade e o trabalho se tornaria mais satisfatório e motivador, tanto no desenvolvimento dos conteúdos filosóficos, como no trato com os alunos na sala de aula. 34 Supondo que cada turma tenha 25 alunos. 123 Analisando os argumentos manifestados, constato que mais da metade dos entrevistados da Escola Central têm o entendimento de que a carga horária de 01 hora/aula é insuficiente para que o professor possa desenvolver um bom trabalho. Comparando com os argumentos que defendem a permanência dessa carga horária, penso que é possível construir alternativas para a fala dos entrevistados. Primeiramente são as alunas que opinaram nesse sentido, dizendo que se o aluno não participa muito, em duas aulas ele não irá participar também. Vejo que de modo contrário, se a ampliação do horário de aula da Filosofia ocorresse, o docente poderia pensar alternativas de trabalho que motivassem uma maior participação dos alunos. Porém, como o tempo é pequeno, acaba se criando espaço apenas para a participação daqueles que tem mais desenvoltura. Quanto ao argumento dos alunos do primeiro ano, penso que o modo de desenvolvimento das aulas somente por meio de trabalhos avaliados, conforme constatei nas observações, leva os alunos a desgostarem da disciplina, visto que a atividade filosófica em si (a partir do debate e da reflexão crítica, entre outros métodos) acaba não sendo desenvolvida. Nesse sentido, entendo que se as aulas fossem mais dinâmicas, possivelmente os alunos sentiriam a necessidade de ampliação da carga horária. Com relação ao argumento da supervisora, reparo que essa, mesmo considerando que 01 hora/aula é pouco, acredita que para a Filosofia, do modo como está sendo trabalhada, é suficiente. A explicação de seu posicionamento se torna mais clara ao final de sua resposta, quando afirma que o que ocorreu com a Filosofia foi a diluição de sua carga horária nos três anos, ou seja, enquanto antes se tinha 02 horas/aula, essas duas horas se dividiram em três, separadamente, para abarcar todos os anos. Considero que esse argumento torna-se contraditório no sentido de que a supervisora afirma que 01 hora/aula é ao mesmo tempo “pouco” e “suficiente” para a Filosofia. Esse posicionamento mostra um modo de perceber a Filosofia como sendo uma disciplina que precisa de poucas horas para ser desenvolvida e para ser trabalhada de forma suficiente. Isso faz com que se tenha uma visão de descrédito para com a disciplina. Ao verificar as outras respostas, considero positivo constatar que boa parte dos alunos sente necessidade de ter mais horas/aulas de Filosofia, de preferência consecutivas. Essas falas mostram que os alunos sentem vontade de participar, de debater assuntos que os instiguem e demonstram ficar frustrados com o fato do 124 pouco tempo disponível para realizar tal atividade. Por meio desses argumentos vejo uma sustentação importante para se pensar na ampliação da carga horária da disciplina. A fala das docentes das outras disciplinas também reforça essa visão, visto que as mesmas reconhecem que o tempo semanal de um período é muito pouco para se desenvolver um bom trabalho. Analisando mais detalhadamente a fala da professora Cândida – Mat., percebo um certo receio de colocar firme o seu posicionamento, mantendo sempre a palavra “talvez” em sua argumentação. Acredito que isso possa ter ocorrido pelo receio de que se afirmasse que a Filosofia deveria ter sua hora/aula ampliada, possivelmente sua disciplina seria um dos alvos da redução, fato esse que ela explicitamente não deseja de modo algum. Para encerrar essa primeira análise da Escola Central, a fala dos dois docentes de Filosofia reflete diretamente a necessidade de ampliação das horas/aulas, bem como mostra que o curto horário disponível interfere tanto de modo qualitativo (no que diz respeito ao desenvolvimento dos conteúdos), quanto de modo quantitativo (no que diz respeito à imensa quantidade de turmas e alunos que têm para lidar), impedindo que o trabalho filosófico possa se desenvolver com uma melhor qualidade. Partindo para a análise da Escola Periférica, é possível constatar que dos 20 entrevistados, apenas quatro consideram a carga horária de 01 hora/aula, de certo modo, suficiente. A primeira entrevistada que afirma isso é a supervisora Paola, que diz o seguinte: Na verdade, como infelizmente o Estado não fornece professores realmente da área, eu acredito que essa 01 hora, os professores que estão se adaptando também para trabalhar com a carga horária, seja suficiente. Se fosse realmente alguém da área para trabalhar, um filósofo, poderia ser até ampliada. Seria muito mais vantajoso para os alunos, no geral, se fossem mais horas (Paola – Superv.). O argumento da supervisora é favorável à permanência da carga horária pela situação em que se encontra a escola, na qual os docentes que lecionam Filosofia são habilitados em outra disciplina. Segundo ela, como esses professores estão recém ingressando no domínio desse novo campo do saber, 01 hora/aula se faz suficiente. Porém, Paola faz a ressalva de que se o docente da disciplina fosse um profissional habilitado, seria melhor ampliar a carga horária, mudança essa que seria vantajosa não só para o professor, mas também para os alunos. 125 Com relação aos outros entrevistados que pensam assim, destaco a fala de dois alunos: Eu acho que sim, porque no livro mesmo tem bastante textos, histórias e perguntas também. E eu acho que sim, porque a gente leva para a casa, continua fazendo e a gente não termina num dia só. A gente vai pensando ao longo da semana e consegue terminar de ler os textos e fazer as perguntas (Roberto P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Na realidade de hoje, acredito que sim! Porque tem como continuar em casa e como a Filosofia, ao meu ver, trabalha com muito texto, dá para ti continuar tendo o contato com ela em casa e trazer para cá [sala de aula] mais a prática de trazer a opinião, de discutir (Sérgio P. – 2º ano). As falas do Roberto e do Sérgio são muito semelhantes. Por meio de suas respostas, compreendo que os alunos consideram suficiente um período semanal de aula pelo fato de que ao longo da semana é possível continuar estudando Filosofia pelo livro didático, em casa. Essa continuação do estudo supriria a necessidade de ampliação da carga horária, tornando suficiente o tempo disponível na escola. Analisando as falas dos alunos, compreendo que eles apresentam uma concepção estudo voltada para a formação constante, na medida em que podem continuar seus estudos em casa. Penso que o fato de a disciplina de Filosofia ter muitos conteúdos não seria uma justificativa consistente para sustentar a permanência de um período semanal de aula, pois com 02 horas/aula, por exemplo, o estudante também poderá estudar os conteúdos em casa, durante a semana. Vejo que a ampliação das horas/aula oferece ainda um maior espaço de trabalho para o docente desenvolver a disciplina, ampliando-se momentos para debates filosóficos na sala de aula. Será possível constatar essa necessidade de aumento da carga horária na fala dos demais alunos. Com relação aos outros entrevistados, esses consideram que é preciso ter mais aulas para a disciplina. Iniciarei a análise a partir do posicionamento de alguns dos alunos do terceiro ano: Eu acho que é insuficiente. Porque Filosofia tem que fazer a gente pensar e a gente tem que entender. Os textos até, que são abordados, são grandes, então a gente tem que ler, tem que entender. E 45 minutos por semana é muito pouco. [J.C.D. – Quando vê já terminou?!] É. Daí a gente tem que, muitas vezes, ficar lendo em casa para entender alguma coisa (Cristiano P. – 3º ano). J.C.D. – E tu sugeririas que teria que aumentar a hora de repente? 126 Talvez duas aulas (Cristiano P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que é pouco tempo. Eu acho, como eu disse, Filosofia tem que ler muito, tem que pensar muito... (Cristiane P. – 3º ano). Tem muitos “porquês” também né? Aí tu fica naquele porque, porque... e pensa... (Isabela P. – 3º ano). Aí tu estuda uma questão sobre um filósofo: Ai, por que que ele faz isso? Por que... por que... por que... É porque de mais e aí tu acaba confundindo. E a gente não tem tempo suficiente para pensar. Tem alunos que eles vêm na escola e depois trabalham no outro turno. Eles não têm tempo para elaborar trabalhos fora da escola. Então eu acho que se o período de aula fosse maior, talvez tivesse um maior aproveitamento da disciplina de Filosofia (Cristiane P. – 3º ano). Nos relatos destacados, percebe-se que os estudantes sentem a necessidade de ampliação da carga horária. Eles trazem à tona questões referentes ao tempo necessário para a leitura dos textos, o exercício do pensamento e a realização dos trabalhos designados pelo professor. Todos esses fatores são influências negativas quando se tem uma pequena carga horária de aula. O outro aluno, Lucas P. – 3º ano, também considera que o tempo é pequeno, mas salienta que as demais disciplinas também precisam de mais períodos e se houvesse um aumento nas horas da Filosofia, acabaria prejudicando as demais. No segundo ano, dois alunos responderam que consideram o período semanal de 01 hora/aula muito pouco para a disciplina. Em suas repostas, pode-se constatar isso: Eu acho que não. O ideal seria duas aulas, porque às vezes eles mandam a gente fazer trabalho e a gente apenas transcreve, mas não entende nada; pega da internet ali... Então, eu acho que o melhor seria discutir com o professor nessas duas aulas, para ter um melhor entendimento da Filosofia (Zac P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Não! Assim como eu tenho uma aula com outros professores e a gente não consegue avançar naquela matéria, isso na Filosofia também ia ser a mesma coisa. Acho que deveria ter mais aulas por semana (Olívia P. – 2º ano). O aluno Zac considera o tempo de aula insuficiente, pois não há tempo para realizar discussões sobre o conteúdo que está sendo estudado em apenas um período. Seria preciso o aumento da carga horária para um melhor entendimento sobre o que estão estudando. A estudante Olívia considera que com um período de 127 aula por semana, pouco se avança na matéria. É necessário que se amplie a carga horária para que o professor possa desenvolver melhor a sua disciplina. Pela resposta dos alunos percebo a necessidade de ampliação no sentido de possibilitar um melhor trabalho com a própria disciplina de Filosofia no desenvolvimento dos conteúdos durante as aulas e na realização de trabalhos avaliados. O pouco tempo de aula impede que o professor consiga fazer debates mais profundos, prejudicando a dinâmica do processo de aprendizado, pois, conforme Zac relatou, nos trabalhos que são desenvolvidos, os alunos acabam apenas pegando o texto da internet, transcrevendo e não entendendo aquilo que está sendo estudado. As alunas do primeiro ano que consideram a carga horária insuficiente, responderam do seguinte modo: Não! Não, porque às vezes a gente está fazendo um trabalho e ainda falta para terminar e a gente tem uma aula, tipo, um dia na semana só, no caso só segunda-feira com o professor Paulo. Então, são dois períodos e um é para Sociologia, né? Então fica um período só a semana inteira para tratar de Filosofia e tem coisas que a gente não consegue terminar, que a gente precisa usar a outra aula. Aí a gente perde um pouco o tema, porque fica muito tempo, a semana inteira, entendeu? E aí tem que tratar de um tema, aí não dá no tempo, a gente se esquece e fica a semana inteira, depois tem que voltar na outra segunda, e começar desde o começo, e aí a gente perde um pouco o foco do que a gente estava trabalhando. [J.C.D. – Tu achas que, de repente, seria bom o quanto de tempo?] Acho que pelo menos mais umas duas aulas na semana, tipo, a gente tem só segunda, podia ser segunda e sexta eu acho. [J.C.D. – E aí sexta-feira seria mais uma aula, ou duas de repente?] Acho que mais uma de cada [se referindo a Sociologia também] (Carolina P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Não! Não é suficiente porque a gente não consegue aprender direito. É que nem a Carolina falou, fica meio difícil porque ele dá o conteúdo, aí tu não termina e na aula ele já dá outro conteúdo para a próxima aula. Então a gente acaba perdendo o ritmo, porque ele dá uma coisa e já tem outra e é muita coisa. A gente acaba esquecendo, porque é muita coisa. Aí é meio complicado, fica complicado tu fazer assim, porque é muito pouco tempo. [J.C.D. – Tu achas que deveria ter quanto tempo?] Eu acho que se tivesse uma aula na quarta-feira, de Filosofia, e mais uma de Sociologia, seria bem melhor (Sherlei P. – 1º ano). Seus relatos mostram que o tempo de 01 hora/aula é pouco pelo fato de algumas vezes não ser suficiente para concluir um trabalho que está sendo feito em aula, ficando um “vazio” ao longo da semana, voltando somente na semana seguinte, com o ritmo de aula “quebrado” e alguns assuntos já esquecidos. A aluna Sherlei relatou ainda que em alguns momentos o professor não chegava a concluir o que estava sendo trabalhado e ao final da aula já passava outro tipo de atividade 128 para a próxima aula. Nesse sentido, ambas consideram que se houvesse o acréscimo de mais 01 hora/aula, mesmo que em outro dia da semana, seria melhor para o desenvolvimento da disciplina. Com relação aos alunos, os mesmos disseram: Acho que não. Acho que é muito conteúdo, é muita matéria e mesmo que a gente tenha o livro, tenhamos perguntas, eu acho que é pouco tempo para que o assunto seja bem estudado. [J.C.D. – Tu achas que deveria ser quantas aulas, de repente, na semana?] Por semana, de Filosofia, umas três (Rogério P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Não! Eu acho que tinha que ter mais umas duas, que nem o Rogério disse: umas três! Para ser desenvolvido melhor o assunto, porque como o livro é grande também, é bastante conteúdo. Mesmo sendo três anos, eu acho que é pouco para ser desenvolvido todos os assuntos (Ricardo P. – 1º ano). J.C.D. – E essa carga horária, vocês dois acham que seria três aulas também no segundo e três no terceiro também? Hum, hum! (Rogério P. e Ricardo P. – 1º ano). Os alunos mencionaram sentir necessidade de mais aulas, devido à quantidade de conteúdo que irá ser trabalhado. Ricardo salienta que mesmo que sejam três anos de Filosofia, 01 hora/aula acaba sendo pouco para dar conta do que pode ser trabalhado. Como sugestão, ambos acreditam que se fossem 03 horas/aula, as condições de trabalho seriam melhores. Os professores das outras disciplinas também são favoráveis ao aumento. As falas deles permitem verificar isso: Não, eu não considero adequado! Só que ao mesmo tempo, eu não acho que a carga horária que dê a qualidade. Eu acho que se nós tivermos uma proposta pedagógica interessante, nós podemos fazer um trabalho articulado e na interdisciplinaridade conseguir até um espaço maior. Por quê? Porque estaríamos dialogando com as outras áreas do conhecimento. Na nossa escola tem algumas experiências; não acontece, né? Tem algumas formas aonde à gente consegue estabelecer esses laços, essas práticas. Mas não é a carga horária em si que vai definir. Mas se eu pensar em 01 hora/aula só, como eu também já trabalhei, 01 hora/aula só, eu acho muito pouco! (Profa. Paula – Hist.). _____________________________________________________________ Não! Primeiro eu acho que qualquer disciplina deveria ter uma carga horária relativamente com um número relevante de aulas. Por exemplo: a Filosofia mesmo ela tem uma aula por semana. É muito pouco! Eu acho que no mínimo deveriam ser duas ou três aulas. Por que eu acho assim, em uma aula a gente não tem praticamente tempo para fazer nada. Então... como eu tenho três aulas por semana, aí às vezes é separado as aulas. Aí tenho uma e no outro dia tenho duas. Nessa uma aula, tu consegue desenvolver muito pouco. Porque tu entra, tu vai fazer a chamada, tu vai conversar um pouco com os alunos. Quando tu vê, já passou a aula. Um período de 50 minutos. E tem a questão também, não sei se é 129 alguma outra pergunta, da questão da valorização dos alunos. Os alunos eles têm uma coisa muito interessante quanto à carga horária da disciplina. Se é uma disciplina que parece que para eles que tem poucas horas, poucas aulas por semana, eles não valorizam tanto. Parece que eles valorizam mais as disciplinas... – claro que isso depende de cada professor. Pode ter três horas e não ser valorizado pelo professor – mas tem isso! Eles já têm uma coisa: “Ah, se tem uma aula só por semana, a gente vai levar na boa”. Mas eu acho muito pouco. Eu acho que qualquer disciplina, não só a Filosofia, mas qualquer disciplina no mínimo deveria ter duas horas/aula por semana. Porque é pouco tempo mesmo para desenvolver qualquer coisa que tu queira (Profa. Priscila – Quím.). _____________________________________________________________ Eu não tenho conhecimento... eu tenho conhecimento da carga horária, que é 01 hora/aula, tu estás me colocando agora, e trabalho na escola e sei que essa carga horária... acho pequena! Mas como não tenho conhecimento do conteúdo da disciplina, eu não posso te dizer com certeza, mas eu acho que assim como Matemática foi reduzido e o conteúdo de Matemática é imenso e eu acredito que seja muito importante, acredito que também o professor de Filosofia creia que o conteúdo dele também é muito importante e é importante. Então eu acho que deveríamos sentar, conversar e ver se essa carga horária realmente é suficiente. Quando eu tive Filosofia, há muito tempo atrás, numa escola aqui de Rio Grande, na minha vida foi muito importante essas aulas! Então assim, foi importante e eu acho que talvez por isso eu acredite que hoje ela seja necessária. Me ensinou a ver o mundo de uma maneira diferente. Então eu acho que a gente tem que sentar, conversar e analisar. Realmente eu acho que 01 hora/aula é muito pouco (Profa. Pâmela – Mat.). _____________________________________________________________ Não, não considero! Eu considero que é muito pouco. A carga horária não supre a necessidade do aluno. Assim como em outras matérias, uma vez por semana é praticamente uma visita. Uma visita não marca muito. Deveriam estender mais, no mínimo mais uma aula por semana (Prof. Pedro – Port. e Lit.). Traçando uma análise da fala das professoras, inicio pela resposta da Paula – Hist.. De acordo com ela, mesmo considerando a carga horária muito pequena, a docente pensa que não é a hora/aula que garante a qualidade do trabalho. Ao mesmo tempo, indica que se o trabalho fosse desenvolvido de modo interdisciplinar, poderia se conseguir um espaço maior pelo diálogo entre as disciplinas e as áreas. A professora de Química, Priscila, indica que a carga horária de uma aula por semana é realmente insuficiente e traz à tona a experiência que vive com a sua disciplina quando em uma semana ela tem somente 01 hora/aula. Em sua visão, pouco dá para se fazer com esse tempo de trabalho. Outro ponto importante destacado por ela é o fato de os alunos não darem importância para as disciplinas que têm a carga horária pequena, oportunizando que eles pensem que devem “levar na boa”, sem se preocuparem com as mesmas. Na fala da docente Pâmela – Mat., percebo uma atitude de empatia e busca de solução para o problema. Mesmo sendo de uma disciplina que acaba sofrendo a perda de carga horária com a implantação de novas disciplinas, a professora considera que 01 hora/aula é muito pouco e destaca que seria importante sentar e 130 conversar entre os docentes para verificar com o professor de Filosofia o que ele pensa disso. Essa atitude demonstra uma preocupação com a qualidade do ensino, visto que mesmo que a mudança afete sua disciplina, a docente reconhece que a Matemática não ficará tão prejudicada quanto a disciplina de Filosofia. O professor Pedro, de Língua Portuguesa e Literatura, também considera a carga horária insuficiente e afirma que isso seria praticamente uma visita, o que não deixa marcas nos alunos. Por fim, ele considera que seria preciso, no mínimo, mais 01 hora/aula para a Filosofia. Analisando a fala dos docentes, percebo reforçado o argumento da necessidade de ampliação da carga horária, visto que os demais percebem que o tempo de aula atual é ínfimo, não só para a Filosofia, mas para qualquer disciplina que esteja na mesma situação. Quero destacar duas sugestões que foram apresentadas e que apontam possibilidades de ampliação da carga horária: primeiro, é o trabalho interdisciplinar, o qual permitiria a realização de atividades em conjunto com as demais disciplinas (pelo menos da área do conhecimento, conforme prevê o regimento do Ensino Médio politécnico), e a possível ampliação da carga horária, visto que as atividades seriam organizadas em conjunto, o que permitiria uma melhor distribuição das tarefas a serem desenvolvidas. Essa sugestão entra em consonância com os argumentos da professora Paula – Hist. e da supervisora Carla, da Escola Central, que também vê uma possibilidade de ampliação das horas/aulas a partir do trabalho interdisciplinar. Nessa perspectiva, cabe reforçar o cuidado para que nesse trabalho a Filosofia não perca a sua especificidade, conforme aponta o documento intitulado Carta de Vitória35, ao definir que a interdisciplinaridade, ao ser um “princípio fundamental para repensar a estrutura curricular do Ensino Médio, não deve significar uma homogeneização das áreas de saber, tendo em vista o risco iminente de se perder a especificidade da disciplina Filosofia” (CARTA DE VITÓRIA, 2013, Inciso g). Em um segundo momento, a outra sugestão que apresento é a da professora Pâmela – Mat., a qual destaca como fator importante o diálogo, que permitirá a fala e a escuta entre os docentes em prol da melhoria das condições de trabalho no caso da disciplina de Filosofia. Nesse processo dialógico, o docente 35 Esse documento é fruto do 1º Encontro Nacional do PIBID Filosofia – ocorrido em junho de 2013, na cidade de Vitória-ES – onde diversos alunos bolsistas das universidades, coordenadores de área e professores supervisores de mais de vinte instituições superiores brasileiras estiveram reunidos para debater a respeito da Filosofia no ensino escolar. 131 poderá apresentar seus argumentos e solicitar a ampliação da carga horária de sua disciplina, buscando evitar prejuízos às demais disciplinas que possam ser afetadas por tal alteração. Por fim, trago os argumentos dos professores de Filosofia que, mesmo sendo habilitados em outra disciplina e contrariando o argumento da supervisora Paola, acreditam que o tempo de 01 hora/aula é muito pouco para se desenvolver um trabalho com qualidade. Nesse sentido, a presente Tese incentiva uma maior aproximação dialógica entre os profissionais das escolas, pois conforme se constata no relato a seguir, é possível perceber a ausência de diálogo entre a supervisão e os docentes quanto ao assunto em questão, mostrando a visão equivocada que a supervisora tem em relação ao pensamento dos professores. Seus posicionamentos dizem o seguinte: Não! É muito pouco, 01 hora/aula é muito pouco! A gente não consegue fazer um bom trabalho e como é um encontro semanal, quando a gente retorna, só o tempo de retornar ao assunto a gente vai perder uns 15 a 20 minutos. E nós temos também uma chamada longa, ou se faz a chamada, ou às vezes de repente até se deixa a chamada para um outro lado para poder aproveitar o máximo do tempo. Então, para qualquer disciplina, 01 hora/aula é muito pouco! (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Não, nem um pouco! Realmente não dá. Dá para levar, digamos, como se fala no popular “a toque de caixa”, dá para fazer uma leitura mais pontuada, jogar.... “Olha, foi tal capítulo, responde tal pergunta...”, para que eles tenham uma ideia. Mas a ideia que vai sair daquilo ali, talvez não seja o que se espera. Então, se tenta. Se tenta. Mas realmente é muito pouco (Prof. Paulo – Fil.). Para a professora Patrícia, o tempo de aula é insuficiente, considerando ainda o que se perde na retomada dos conteúdos de uma semana para a outra, bem como na realização da chamada. Dos 50 minutos de aula, fica-se com aproximadamente 35 minutos para desenvolver o trabalho. Realizando uma análise comparativa com a sua fala, destaco momentos das aulas observadas. Nas turmas de terceiro ano, tive a oportunidade de observar quatro aulas (dias 18/3, 01/4, 08/4 e 06/5) e percebi que em todas a docente fez trabalhos em grupo. Não houve atividade de explicação do conteúdo e debate, apenas em uma das aulas houve um momento em que os alunos explanaram seus posicionamentos, sem debatê-los. Dessa forma, ao perceber o trabalho que foi desenvolvido, concordo com o argumento da professora Paula – Hist. de que a carga horária não garante a qualidade. Com a dinâmica das aulas sendo praticamente com trabalhos de grupo, o 132 tempo de 01 hora/aula é suficiente para os alunos desenvolverem a atividade, visto que os mesmos não precisam terminar todo o trabalho em aula, podendo entregar na semana seguinte. Já na aula observada no segundo ano 36, Paula procurou debater mais com os alunos. Então, realmente seria importante ter um período a mais para que o trabalho fosse mais bem desenvolvido. O professor Paulo também argumenta o fato de o tempo de hora/aula ser muito pequeno. Sua fala se reflete nas aulas que foram observadas, quando o docente buscou debater com os alunos e devido ao curto espaço de tempo o sinal tocou e a aula terminou. Todos esses argumentos favoráveis à ampliação da carga horária vêm ao encontro do que foi exposto no documento de Vitória-ES, no qual os participantes decidiram, entre outros pontos, que em vista de corresponder ao anseio da sociedade e da escola brasileira, de colaborar com a formação discente na construção de um sujeito autônomo e crítico, a disciplina de Filosofia necessita ter como carga horária semanal mínima de duas horas/aula (CARTA DE VITÓRIA, 2013, Inciso e). As falas apresentadas indicam que realmente é preciso a ampliação da carga horária da disciplina de Filosofia, a fim de que o trabalho possa ser desenvolvido com maior comprometimento e qualidade. Ao todo, foi possível constatar que dos 37 entrevistados, apenas 12 consideram o tempo de 01 hora/aula suficiente para o desenvolvimento do trabalho na disciplina de Filosofia. Esses dados comprovam que a maioria, ou seja, cerca de 68% dos entrevistados, é favorável que a carga horária atual é insuficiente e que o trabalho fica prejudicado por esse fato. Dando continuidade à análise dos dados, perguntei aos professores de Filosofia se eles tinham participação na escolha da carga horária da disciplina. Para minha surpresa, todos os docentes falaram que não participaram, pois a carga horária já estava dada, sendo consultados apenas para decidir em quais dias da semana aconteceriam as aulas. Os professores da Escola Central responderam o seguinte: 36 Essa foi à única aula observada no segundo ano. Após, a docente não teve mais aulas com os alunos por diversos motivos, entre eles problemas pessoais e dias chuvosos. No retorno do segundo semestre, na segunda semana a docente se desvinculou da disciplina de Filosofia e a escola ficou sem professor dessa disciplina para os três anos do Ensino Médio – no turno da manhã – até o término da pesquisa de campo (mês de outubro de 2013). A aula que observei foi a última aula de Filosofia que os alunos do segundo ano tiveram até o mês de outubro. 133 Não! [J.C.D. – A escola já coloca que vai ser 01 hora/aula?] [a professora acena com a cabeça, indicando que sim] (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ A gente sabe que é 01 hora/aula para cada ano. Isso aí já está determinado! E depois eles me colocam o que? Dependendo da carga horária tu tens que abranger a tua carga horária distribuída nessas questões da hora/aula. Então como é 01 hora/aula somente e tu tens que ter uma carga horária de mais ou menos 12 horas/aula ou 13, então distribui naquelas turmas que tu estás trabalhando ali. [J.C.D. – Nem tem muito o que te consultar?] Não tem, não! E até de repente pode até incidir em turno, para complementar carga horária. Se não der para completar só pela manhã, eu teria que completar a noite, que é o horário mais vago que eu tenho, aí teria que complementar a carga horária (Prof. César – Fil.). O relato dos professores Carmen e César mostra a situação a que o docente fica submetido. Primeiramente a professora Carmen – que foi entrevistada na sala dos professores, em um momento em que os demais professores também estavam presentes na sala – não quis falar em voz alta que não participava da escolha da carga horária, restringindo-se a acenar positivamente com a cabeça quando questionei se a escola já determinava que seria 01 hora/aula. O relato do professor César vai ao encontro da fala da Carmen. De modo mais detalhado, o docente fala que isso já está determinado e que cabe ao professor apenas ver como se dará a distribuição de suas aulas. Na escola da região periférica, acontece fato semelhante. Ambos os professores respondem na mesma linha argumentativa: Olha, aqui na escola eu não ouvi nenhuma participação nesse sentido. Quando eu cheguei, já estava formada essa carga horária. Eu não cheguei a participar dessa distribuição de carga horária (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Olha, aqui eu não posso falar, porque agora eu sou novo, não participei. Por experiências anteriores, a carga horária já vem pronta. [...] No caso, seria só escolher mais os dias e um ajuste, pela escola, dos assuntos. Então, não... [J.C.D. – Não teria voz...] Não teria voz para dizer: “Olha, eu vou botar tantas horas...”, não! (Prof. Paulo – Fil.) A fala de Patrícia e Paulo confirma o que foi posto pelos professores da Escola Central. A professora relata que quando chegou à escola, não soube de consulta alguma e tampouco participou. O professor Paulo comenta que, por ser novo, não poderia falar sobre a escola em que atua, mas de acordo com outras experiências já vivenciadas, confirma que a carga horária já vem pronta. 134 Ao analisar as respostas, vejo que no senso comum escolar a Filosofia já se apresenta com a carga horária determinada, como se a mesma fosse suficiente e não se precisasse problematizar mais essa questão. O docente de Filosofia, que é o sujeito que trabalha diretamente com a disciplina, não tem voz e nem é consultado para saber se seria importante, ou não, aumentar a carga horária. Constatando esse fato, retomo às respostas que foram dadas a respeito da carga horária. Ao lê-las novamente, saliento que a maior parte dos entrevistados reconhece que o tempo de hora/aula é muito pequeno, porém mesmo com essa constatação, independentemente do posicionamento geral, identifico que essa questão não é levantada e nem discutida, sendo tratada como um “caso encerrado”. Diante disso, deixo aqui destacada a importância desse assunto, o que a partir de agora, nesta Tese, fica registrado como um problema que precisa ser debatido, visto que o mesmo influencia diretamente na relevância da disciplina de Filosofia para o currículo do Ensino Médio brasileiro. Encaminhando-me para a análise da última categoria de respostas desta seção, analiso a possibilidade de acréscimo de mais uma hora/aula na disciplina de Filosofia. Esse questionamento foi direcionado somente às supervisoras e aos docentes das duas escolas. Considero essa questão importante pelo fato de estar diretamente relacionada com as duas categorizações anteriores, contribuindo para pensar em nível mais concreto a efetivação do aumento da carga horária para a disciplina em estudo. Escutando os profissionais da Escola Central, identifico que dos seis sujeitos que responderam essa questão, apenas uma acredita que pode haver a possibilidade de ampliar a carga horária, salientando que seria preciso, primeiramente, verificar a situação da escola. A grande maioria pensa que dificilmente isso acontecerá. Trago o posicionamento da referida docente. Pois é, eu teria que analisar isso aí para ver. Eu queria mais aulas para mim! [J.C.D. – E não conseguiste esse espaço?] Não, porque claro, a gente tem que dividir, né? Mas... pois é... talvez houvesse, cedendo daqui, cedendo dali. Mas aí teria que analisar o todo para que nenhuma disciplina... porque depois a gente também fica preocupado com... claro que ajuda bastante, mas a gente precisa desenvolver outros conteúdos de Matemática, de Português, de História, de Geografia, para eles se prepararem também para o ENEM, ou algum outro vestibular que eles queiram fazer. Então por isso as pessoas até ficam... “Ah, vai entrar outra disciplina...”, aquela coisa toda: “Ah, vai dar mais um horário para a Filosofia.”. Embora seja importante, tudo isso está envolvido. Tem os prós e os contras de tudo, né? Aí teria que ver (Profa. Cândida – Mat.). 135 Pela sua fala, vejo que a mesma considera possível a ampliação, mas reconhece ser difícil em função dos demais componentes curriculares, que também precisam trabalhar os seus conteúdos. Mesmo com sua disciplina tendo 03 horas/aula, ela gostaria que a carga horária aumentasse. E aqui, lanço uma pergunta para se refletir: “O que se dirá, então, da Filosofia que tem somente 01 hora/aula?”. Percebo essa argumentação da docente como mais um posicionamento que solidifica a necessidade de ampliação da carga horária da Filosofia, pois se três períodos semanais não são suficientes para a sua disciplina, imagino uma hora/aula para a Filosofia. Com relação aos que acreditam não ser viável a ampliação da carga horária, trago primeiramente a fala da supervisora: Mas não tem jeito! Não tem espaço! Porque a gente foi ganhando, né? Por exemplo, a Sociologia também a gente jogava. Um ano tinha Filosofia, o outro ano tinha... Então o que aconteceu? O que a gente observa agora? Foi diminuindo Matemática, Língua Portuguesa, essas disciplinas foram diminuindo a carga horária para dar espaço para as outras. Só que agora já está enforcado. Está com o mínimo do mínimo. E também aí entra: se o trabalho interdisciplinar acontecesse, de fato, com de repente salas em um espaço próprio, etc., que o professor pudesse trabalhar ali, talvez não sentisse nem a falta da carga horária; nem Filosofia, nem outra disciplina. Mas enquanto isso não acontece... (Carla – Superv.). A supervisora se manifesta com veemência em seu argumento, definindo que não há como ampliar a carga horária. A obrigatoriedade da Filosofia já fez com que a escola tivesse que reduzir as horas de algumas disciplinas para que essa ingressasse nos três anos. Não há mais espaço para uma possível ampliação, pois os horários ficaram “enforcados”. Na fala da Carla, percebo a importância de se levar em consideração o contexto de cada escola. Nessa escola, matematicamente falando, não haveria uma maneira de aumentar a carga horária sem prejudicar as demais disciplinas. Por enquanto, deixarei em aberto essa discussão da docente, para que ao longo desta seção seja possível pensar alternativas para encarar esse “enforcamento” de horários que o currículo da escola está sofrendo. Os professores das outras disciplinas disseram que: Não! Porque tem disciplinas que a gente sabe, são consideradas mais importantes, que tem que ter uma carga horária maior. Então eu acredito que não! [J.C.D. – Seria a Matemática, o Português?] Isso! Principalmente as exatas (Profa. Carolina – Geo.). _____________________________________________________________ 136 Não teve! Jorge, a gente só tem Filosofia na escola, porque é obrigado! E o máximo que se conseguiu foi... aliás, nos primeiros anos só tinha Filosofia em um ano. Durante uns cinco ou seis anos, mais ou menos, a gente trabalhou com Filosofia no primeiro ano, com Sociologia no segundo e Psicologia no terceiro. Aí coisa de uns dois ou três anos atrás, aí não, aí foi obrigatório: Filosofia no primeiro, Filosofia no segundo e no terceiro. Mas mesmo assim só se conseguiu 01 hora/aula, porque é obrigado. A partir do momento que cair a obrigatoriedade, se cair à obrigatoriedade, adeus Filosofia na escola. Não vão querer mais trabalhar. Infelizmente (Profa. Cecília – Quím.). As professoras Carolina e Cecília trazem argumentos diferentes para a problemática em questão. Carolina fala que não seria possível esse aumento de carga horária em função das disciplinas que são consideradas mais importantes e que exigem mais horas/aula. Tal posicionamento reforça o pensamento do senso comum escolar, o qual considera algumas disciplinas mais importantes do que outras. Uma saída para a superação dessa forma de pensar é o trabalho por meio da interdisciplinaridade, que não busca “anular a contribuição de cada ciência em particular, mas apenas uma atitude que venha a impedir que se estabeleça a supremacia de determinada ciência, em detrimento de outros aportes igualmente importantes” (FAZENDA, 2011, p. 59). É notória a necessidade de reconhecimento da importância de todas as disciplinas. Nesse sentido, alternativas que busquem a superação desse preconceito arraigado no currículo escolar – como é o caso da interdisciplinaridade – são muito salutares para a melhoria da qualidade do trabalho educacional. Na fala da professora Cecília, vejo um argumento em tom mais apreensivo. De acordo com ela, embora seja preciso ampliar a carga horária (conforme trecho relatado pela docente em momento anterior), dificilmente isso ocorrerá, porque a Filosofia só está presente no currículo escolar devido à lei que a tornou obrigatória. A professora arrisca dizer que a partir do momento em que a obrigatoriedade deixar de ser necessária, possivelmente não haverá mais a Filosofia na instituição. A fala da docente demonstra, em certa medida, a fragilidade que a Filosofia ainda apresenta, indicando que o espaço curricular ainda não foi conquistado e que, por isso mesmo, dificilmente se teria a força de ampliar a carga horária da disciplina. Por fim, no âmbito da região central, trago a fala dos professores de Filosofia Carlos e Carmen. Os mesmos comentam o seguinte: 137 [...] o Seminário tomou mais conta assim, sabe? O Seminário são 03 aulas. Então o Seminário pegou bastante carga horária. Eu acho que... [J.C.D. – Seria difícil de aumentar agora!] é! (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Eu acredito que agora com essa exigência do politécnico vai ser muito difícil. A escola até teria a possibilidade de aumentar, pela direção e supervisão, mas eu acho que pela estrutura, como está montado o politécnico – principalmente por causa desses Seminários Integrados que ocupam muito a carga horária – eu acho difícil. A não ser que diminuísse com alguma coisa do Seminário, mas não sei. Só conversando depois com os setores da coordenação ali para ver (Prof. César – Fil.). Conforme os docentes se manifestaram, o Seminário Integrado entrou como disciplina de 03 horas/aula, tanto nos primeiros como nos segundos anos. Esse acréscimo do seminário abarrotou o currículo do Ensino Médio, o que na visão dos docentes complica ainda mais a possibilidade de ampliação da carga horária. Quanto à Escola Periférica, de modo contrário ao que se encontra na Escola Central, percebi que cinco entrevistados acreditam que existe a possibilidade de ampliação e uma professora não se manifestou diretamente contra essa possibilidade, mas trouxe uma forma de reflexão pessimista quanto ao aumento da carga horária. Eu sou a favor da democratização da carga horária para todas as disciplinas: Educação Física, Filosofia, Artes... [J.C.D. - Língua Portuguesa...] É, essa já tem carga horária maior, né? Eu estou falando das pequenininhas lá que tem... a própria Língua Estrangeira, não importa... eu acredito na democratização. Não estamos lá! Estamos ainda longe, mas num caminho com alguns avanços. Porque, aqui na nossa escola mesmo, a área das exatas acabou, entre aspas, perdendo carga horária... umas duas aulas, acho que foi, até por implementações de outras disciplinas. No início foi difícil. Aquela argumentação: “Mas eu não consigo dar todo o meu conteúdo em tantas aulas!”; “Como é que eu vou dar meu conteúdo em tantas outras aula?”. Mas justamente, o conteúdo é responsabilidade de todos! Claro, tem as especificidades; óbvio que tem! Mas daí eu volto naquela argumentação: se nós tivermos um trabalho, um planejamento coletivo, o ensino vai acontecer diferente. É aí que está a grande mudança. E eu acredito na democratização, eu sou lutadora pela democratização da carga horária. Mas ela ainda não está acontecendo. E eu acho que está longe para acontecer, de todas as disciplinas (Profa. Paula – Hist.). De acordo com Paula, o ideal não seria pensar somente no aumento de horas da Filosofia, mas na democratização da carga horária em que os professores de todas as disciplinas participariam da escolha das horas/aula de modo justo e saudável a todos. Nesse argumento de Paula, retomo o pensamento da supervisora Carla, a qual abordou o problema do “enforcamento” da carga horária. Acredito que se os professores da Escola Central se propusessem a debater no sentido de democratizar a carga horária, poderia haver a possibilidade de maior espaço para a 138 Filosofia no currículo escolar. O mesmo argumento vale para a Escola Periférica. Retomando a fala da professora Paula, ela demonstra pessimismo ao afirmar que ainda está longe a possibilidade dessa democratização. Sua fala permite pensar novos caminhos para o problema em questão. Embora, aparentemente, isso pareça difícil de se concretizar, creio que tornar público esse pensamento – por meio desta Tese – contribui para ampliar as ideias e motivar os debates curriculares entre os docentes nas escolas. Os demais profissionais colocam-se otimistas diante dessa possibilidade de aumento. Destaco inicialmente a fala da supervisora: Agora com o Politécnico, como tu podes dividir dentro da área as horas, eu acho que é possível. Porque agora é por área de conhecimento. Então dentro da área tu tens que ter tantas aulas. Então tu podes jogar e ter em um dos anos mais de uma aula (Paola – Superv.). A supervisora Paola reconhece a possibilidade de ampliação. Seu argumento se pauta pelo sentido de que como as disciplinas estão organizadas e distribuídas dentro das quatro grandes áreas do conhecimento, o professor de Filosofia teria que conversar com os demais docentes da área de Ciências Humanas para verificar com eles a possibilidade de redistribuição da carga horária, de modo que a Filosofia pudesse conquistar um espaço maior. Mais uma vez, entra em questão a relação dialógica entre os docentes, o que talvez esteja faltando nas escolas, visto que grande parte dos entrevistados reconhece que é muito difícil desenvolver um trabalho com apenas 01 hora/aula, porém, esse curto espaço de tempo da disciplina tem acontecido e nada é feito para se modificar essa realidade. Com relação à resposta dos demais docentes, tem-se as seguintes falas: [...] Nós estávamos acostumados – principalmente Matemática e Português, vamos dizer assim – com 05 horas/aula. [J.C.D. – Nos três anos?] Sim! Antigamente eram cinco. Tinham cinco aulas de Português e cinco aulas de Matemática. E as outras disciplinas, Espanhol, nem se contava, não existia. Inglês eu acho que era 01 hora/aula por semana, mas assim, óh: com certeza tudo tem a sua importância! O problema é que as pessoas não querem abrir mão. [...] Então, na realidade, eu sou a favor de dividir mais isso. Um grupo maior, pensar melhor e ver assim: “Bah, se Matemática ficou com três, por que Português não pode ficar com três, Espanhol com duas, Filosofia com duas, Inglês com duas?”. Dá uma mexida! Mas tem que sentar e conversar muito, porque é muito difícil a gente abrir mão daquilo que a gente já tem. É mais ou menos isso que eu acho. Mas eu acho que dá para conversar e eu sou a favor de conversar e se provar que é necessário, abrir mão. Eu acho que as pessoas têm que ajeitar a sua vida. Eu vou ter que dar a minha Matemática em... ver o que é mais importante e passar para esses três períodos, assim como Filosofia também é importante 139 e vai poder aumentar um pouquinho a sua vida, em dois ou três (Profa. Pâmela – Mat.). _____________________________________________________________ Não, eu acho assim, óh... Claro que nossa estrutura... o ideal seria mesmo que os alunos tivessem turno integral! No caso, ter aula manhã e tarde. Ter algumas disciplinas de manhã e algumas de tarde. E aumentar todas. Por que eu acho que qualquer uma deveria... o ideal seria quatro aulas por semana de cada disciplina. E aí sim conseguiria trabalhar muito bem. Mas assim, claro, falta estrutura, porque a manhã é o Ensino Médio, a tarde é o ensino fundamental. Mas por exemplo, claro é uma opinião minha, tem uma disciplina que eu acho que poderia ser, no caso, trabalhada dentro das outras disciplinas, que é a disciplina de Religião. Porque eu acho que é uma disciplina que, dependendo da pessoa que trabalha, ela é mal trabalhada; não digo que é o caso aqui da escola, mas eu já vi casos que a disciplina é mal trabalhada. É uma disciplina mesmo que poderia sair. Ela poderia ser vinculada dentro das outras. O conteúdo de Religião poderia ser trabalhado. E aí abriria espaço para outra aula, no caso aula de Filosofia, agora (Profa. Priscila – Quím.). J.C.D. – Religião ficaria meio transversal? Exatamente! Até em Química mesmo. Eu até poderia trabalhar Religião dentro da minha disciplina. Eu acho que não precisaria ter uma disciplina específica de Religião. É a minha opinião! Eu acho que a Religião em si... [J.C.D. – abriria espaço para, de repente...] para outra que, no caso, poderia ser melhor trabalhada (Profa. Priscila – Quím.). _____________________________________________________________ É um pouco complicado, porque diminuir carga horária de alguma disciplina gera conflito. O que deveria ser estendido, assim, ó... aumentar a carga horária que é dada aos alunos, no caso sábado, ter um horário fixo sábados. Aumentar a carga horária! [J.C.D. – Sem prejudicar as outras disciplinas...] Sem prejudicar as outras disciplinas! (Prof. Pedro – Port. e Lit.). A professora Pâmela – Mat. reconhece que existe uma má distribuição da carga horária entre as disciplinas. Seu pensamento vai ao encontro do que comentou a professora Paula – Hist., a respeito da democratização. Segundo ela, por meio do diálogo seria possível verificar a necessidade de ampliação da carga horária e chegar a um consenso de, por exemplo, deixar a Matemática e a Língua Portuguesa com uma carga horária menor e melhorar a distribuição da carga horária, ampliando a de Filosofia para dois períodos. A docente Priscila – Quím. acredita que seria possível ampliar a carga horária da Filosofia se retirasse a disciplina de Religião do currículo ou se fosse aplicado o turno integral. A ideia de retirar a Religião como disciplina e colocá-la como um tema transversal demonstra ser possível, visto que de acordo com a LDB 9394/96, O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas 140 públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (BRASIL, 1996b, Art. 33). Pelo que se pode constatar, a lei exige que o ensino religioso esteja presente no Ensino Fundamental, mas não determina isso para o Ensino Médio. Com relação ao turno integral, a ideia da docente vai de acordo com a proposta de trabalho do Governo Federal, que pretende implementar progressivamente o turno integral nas escolas públicas do país (BRASIL, 2013b). Se essa proposta se confirmar, as chances de ampliação da carga horária da Filosofia poderão aumentar nas escolas que atenderem com turnos integrais. O professor Pedro – Port. e Lit. considera complicado, mas acredita que se houvesse um aumento da carga horária total, incluindo aulas aos sábados, seria possível essa ampliação. No caso, esse aumento da carga horária serviria para atender a necessidade da disciplina de Filosofia, já que a intenção é de que as demais disciplinas não sejam prejudicadas com a perda de horas/aula. Como último destaque, trago a fala do professor de Filosofia, que diz: Só em detrimento de outras. Teria que reduzir de alguma. Assim como fizeram no Seminário Integrado, que houve a redução de carga horária, tiraram um pouco do Português, Matemática, Física. Então seria a mesma coisa. Isso aí varia da necessidade em nível dos intelectuais que formulam a questão educacional, do percebimento de que realmente as pessoas têm que pensar. Agora depende até onde se quer que elas pensem (Prof. Paulo – Fil.). A análise do professor Paulo apresenta um cunho mais político. Segundo ele, o aumento pode acontecer, porém dependerá da percepção que os demais professores têm a respeito da necessidade de os alunos desenvolverem os seus pensamentos. Esse argumento reforça a necessidade da ampliação, pois com apenas 01 hora/aula, pouco se pode fazer no sentido de desenvolver a reflexão crítica e com um viés filosófico. Diante desses dados, é possível constatar que dos 12 entrevistados, seis não consideram viável o aumento da carga horária, o que corresponde à metade dos participantes. Percebo que a maioria dos docentes que não enxergam a possibilidade de ampliação estão na Escola Central. Esse fato mostra que por ser uma escola de maior abrangência e estrutura física, além de ter maior quantidade de turmas, a dificuldade para se chegar a acordos dialógicos entre os docentes é muito maior. Na Escola Periférica, que é um pouco menor, o espaço de diálogo se mostra 141 mais presente, não pelo fato de se constatar empiricamente o diálogo entre os docentes, mas por perceber que esses apontam – em suas falas – para uma maior possibilidade de aceitar mudanças, mesmo respondendo as perguntas que fiz separadamente, sem saber o que os demais colegas pensam a respeito do assunto em questão. Independentemente das respostas que foram apresentadas, analiso as mesmas de modo positivo, visto que todas são muito importantes para que se possa construir o argumento em favor da ampliação da carga horária, já que alguns documentos citados e a maior parte dos entrevistados também consideram que é preciso um maior número de horas/aula para a melhoria da qualidade do trabalho com a disciplina de Filosofia. Nesse sentido, penso que ao identificar algumas das barreiras que impedem o avanço da ampliação das horas/aula caberá, a partir de então, o exercício do diálogo nas escolas, a fim de que os docentes de Filosofia possam expressar os seus anseios, ao mesmo tempo em que escutam o parecer dos demais colegas das outras disciplinas. Acredito que por meio do diálogo e da organização de boas propostas de trabalho seja possível superar os entraves que dificultam o desenvolvimento salutar e qualitativo da disciplina de Filosofia. Tendo feito essas considerações, encerro a seção referente à carga horária. No próximo momento, discorrerei sobre o espaço que está sendo ocupado pela Filosofia nas escolas investigadas. 6.2. O espaço ocupado pela Filosofia na escola Desde a lei de 2008, as escolas iniciaram o processo de implantação da Filosofia nos três anos do Ensino Médio. Esse espaço conquistado pela disciplina alterou efetivamente o currículo escolar, pois as escolas tiveram que se readaptar e introduzir uma disciplina que, ou estava fora das grades curriculares, ou estava presente em apenas um ou dois anos do Ensino Médio. Diante do ocorrido, conversei com as supervisoras a respeito de como se deu esse processo de implantação da Filosofia. [...] A gente tinha no segundo ano a Filosofia e depois passamos a ter dois anos, de Filosofia. E aí quando a lei... fomos deixando, esperando todo o tempo que a lei permitiu que a gente tivesse de espaço até implantar nos três anos. Tanto que o ano que nós tínhamos a obrigatoriedade de implantar, nós inclusive tivemos que fazer uma adaptação, porque chegamos ao final do ano e os alunos do terceiro ano tinham que ter a 142 Filosofia nos três anos, para saírem do terceiro ano. E aí a gente teve que fazer no terceiro ano uma adaptação de primeiro, se não me engano. Então foi mais ou menos dessa forma. Não foi uma coisa assim, que foi gradativo, que a gente foi observando a necessidade; não foi! Foi por necessidade legal (Carla – Superv.). _____________________________________________________________ Na verdade nós já tínhamos em um ano, na escola. Daí nós só ampliamos para os três anos (Paola – Superv.). J.C.D. – Foi uma ampliação, assim, colocando os outros dois anos direto? Ou foi mais um ano... Não, foi os dois direto! [J.C.D. – Quando entrou a lei...] É! Já entrou nos três anos (Paola – Superv.). Pelas respostas, percebo a diferença no processo de implementação. Na Escola Central houve uma implantação lenta, tanto é que a instituição esperou o prazo máximo para incluir nos três anos, tendo, inclusive, que fazer uma adaptação dos conteúdos referentes ao primeiro ano para os alunos do terceiro, a fim de que se formassem dentro do currículo contemplado pela nova legislação. De modo diferente, na Escola Periférica a implantação se deu de uma só vez, de modo que a Filosofia foi apenas acrescida nos dois anos em que estava ausente. Esses dados permitem analisar o modo como a Filosofia está sendo vivenciada em ambas as instituições. Entendo que na Escola Central existe uma certa atitude de “tolerância” com relação a disciplina, pois conforme salientou a professora Cecília – Quím., em trecho destacado na seção anterior, se não fosse pela obrigatoriedade possivelmente a Filosofia não estaria mais no currículo da escola. Quanto à Escola Periférica, percebe-se que existe uma melhor aceitação, visto que a disciplina foi implementada nos três anos, tão logo a lei tinha sido sancionada. Após conhecer o processo de inclusão da disciplina, investiguei com os docentes de Filosofia sobre os recursos que a escola oferece para que possa trabalhar, como por exemplo biblioteca com qualidade, sala de vídeo e sala dos professores da área do conhecimento, entre outros. Os professores da Escola Central responderam que: Sim, sim! Tem sala de vídeo, tem tudo. Se eu quiser botar alguma coisa (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Olha, tem bastante coisa sim! Tem biblioteca, tem a possibilidade de usar outros recursos como vídeo e data show. Quanto a isso não tem problema! 143 O professor é que tem que encaminhar, né? Mas ela possibilita, sim! (Prof. César – Fil.). J.C.D. – A Área do conhecimento é que não tem uma sala para Área do conhecimento? Utilizam a sala dos professores mesmo? Nós como professores? [J.C.D. – Isso!] Não, agora tem aqui! Esse espaço aqui é nosso. As pessoas podem vir preparar a aula, ler, é esse espaço aqui. [J.C.D. – Esse espaço se criou agora?] Se criou agora, esse ano. [J.C.D. – É da Área das Ciências Humanas? Ou é de todas?] É de toda escola. Todos podem vir aqui. Aqui a gente se reúne quando faz a PI, aquelas coisas, é tudo aqui. É nessa sala. Esse espaço aqui é nosso! Porque sair da sala dos professores? Porque a sala dos professores sempre tem aquele movimento: entra, sai e pega material, isso, aquilo. Então aqui já é um lugar mais assim sossegado (Prof. César – Fil.). A professora Carmen foi breve e apenas considerou que a escola oferece bons recursos de trabalho, incluindo a sala de vídeo, caso necessário. O professor César foi mais argumentativo e considerou que a escola oferece um bom ambiente de trabalho. Quando questionado sobre a sala da área, César destacou que a sala onde estávamos realizando a entrevista é um ganho para todos os professores. É um espaço destinado para que os docentes possam estudar, planejar aulas e realizar trabalhos interdisciplinares, entre outros. Essa é uma sala que começou a ser utilizada nesse ano e que oferece um bom espaço para estudo e aperfeiçoamento profissional. Ao analisar a fala dos docentes, compreendo que a Escola Central disponibiliza um espaço com qualidade para os docentes, tendo inclusive, assinaturas de revistas das diversas áreas, incluindo Filosofia, para os professores poderem utilizar. Com todos esses recursos disponíveis, percebo que a Filosofia tem um ponto favorável na busca de seu fortalecimento como disciplina escolar. Os professores da Escola Periférica consideram que: Não, infelizmente nós não temos uma biblioteca equipada para isso. Nós estamos até mudando o espaço da biblioteca hoje para a sala que era a sala de vídeo e vice-versa. E aí como a sala da biblioteca, que vai ser a nova sala, tem os computadores que vai facilitar também a informação através da internet. Eu acho que aí sim nós vamos ter um espaço melhor, de qualidade. E também os livros que a gente está tentando comprar agora, que é uma verba específica, então a gente está tentando solicitar novos livros para a escola. Então eu acho que aí nós vamos começar a ter um espaço melhorado nesse sentido. [J.C.D. – E sala específica para a área não têm?] Não, não tem! (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Tem! Bom... os livros que são enviados pelo Governo, que são os escolhidos pelos professores, no caso, tem o padrão. Mais do que isso, daí 144 depende dos professores. [J.C.D. – Sala de vídeo?] A questão da sala de vídeo, temos! Sala de informática. [...] (Prof. Paulo – Fil.). A percepção da professora Patrícia mostra que a escola está em processo de aprimoramento do trabalho. Embora considere que a biblioteca não seja de qualidade e não se tenha sala da área, ela vê que as mudanças que estão ocorrendo poderão arrumar esse déficit. Com a biblioteca contendo computadores, o campo de pesquisa dos alunos se ampliará e eles poderão ter acesso a um maior número de informações. O professor Paulo entende que a escola disponibiliza um bom espaço de trabalho e que dependerá do professor a forma de utilização dos mesmos. Com base na fala dos docentes, percebo como ponto positivo o esforço da escola em melhorar a estrutura, a fim de oferecer boas condições para os alunos estudarem. Embora a sala que os professores utilizem não seja uma sala específica da área, o espaço da escola permite o desenvolvimento de um trabalho com qualidade de recursos. Cabe destacar que a biblioteca ainda precisa ser aprimorada, oferecendo mais livros de Filosofia para os alunos37. As supervisoras também comentaram sobre esse assunto. Quando questionadas a respeito, também relataram os avanços que consideram positivos nesse sentido. De acordo com suas falas, é possível ler que: A sala específica a gente não tem! Eu particularmente penso que as salas ambientes, seriam super importantes. Até nesse projeto do Ensino Médio politécnico, trabalhando com a Área, que a gente tivesse todo o material da Área das Humanas em uma mesma sala, num mesmo ambiente, que aquela sala fosse preparada, que os projetos pudessem ser desenvolvidos, ou pudessem as hipóteses nascerem ali e dali saírem para a escola, para a rua, enfim. Mas não é a nossa realidade! A gente não tem. Eu acho que o que melhorou foi a questão do livro didático, que antes o professor não tinha essa ferramenta para auxiliar. Com os laboratórios de informática, então a gente tendo um laboratório de informática com a internet funcionando que os alunos podem acessar, a biblioteca com livros que na medida do possível a gente sempre procura adquirir obras que são as que os professores pedem, que são importantes. Mas eu vejo que o livro didático é que veio auxiliar bastante, inclusive dá um norte para esse professor que estava ainda meio perdido: “Para que lado que eu vou?”. O livro veio a auxiliar (Carla – Superv.). _____________________________________________________________ 37 Quando fui verificar os livros de Filosofia na biblioteca da Escola Periférica, localizei a prateleira destinada à Filosofia, onde foi possível encontrar muitos livros de Religião e Psicologia. Dos que consegui observar, encontrei apenas quatro obras de Filosofia, a saber: o documento das OCEM (BRASIL, 2006); “Filosofia para quem não vai ser filósofo”, de Luiz Fernando Rosa; “Exercícios filosóficos”, de Madeleine Arondel-Rohaut e “Antes e depois de Sócrates”, de Francis Cornford. 145 Não, sala específica nós não temos. A biblioteca nós temos pouca coisa. Agora, com a história do Ensino Médio Inovador, que tem uma verba, a gente está adquirindo livros mais voltados para isso. De acordo com o que os professores pedem, a gente procura. E revistas, nós temos a assinatura daquela revista... Filosofia, né? E tem assim, o que o professor pede, com a verba que tem, a gente procura comprar de acordo com o que eles pedem (Paola – Superv.). A supervisora Carla considera que a sala de informática com internet funcionando e a aquisição dos livros didáticos contribuem bastante para a melhoria das condições de trabalho dos docentes. Salienta, inclusive, a presença do livro didático como um instrumento “norteador” que permite ao professor organizar-se no modo de conduzir a disciplina. A ideia da sala ambiente é um projeto que está presente na intencionalidade da escola, mas a supervisora – em outro momento da conversa, não transcrito aqui – acredita que será difícil de aplicar, pois como a escola possui muitos alunos e muitas turmas, teriam que ser montadas aproximadamente três salas para cada área, o que fisicamente se torna inviável para a instituição. A supervisora da Escola Periférica destaca que tem buscado atender as solicitações dos professores com a compra de livros e a assinaturas de revistas que possam contribuir com as aulas. Embora a biblioteca tenha poucos livros de Filosofia, o programa Ensino Médio Inovador oferece verba para que a demanda de requisição dos docentes possa ser atendida. Um fato que considero interessante ocorreu quando questionei os alunos sobre a utilização da biblioteca. Todos os entrevistados disseram que não frequentam a mesma porque já possuem o livro didático. Além desse, quando é preciso, fazem pesquisa na internet. Percebo esse dado com preocupação, no sentido de que os alunos acabam ficando vinculados apenas ao livro base ou à internet e diminuem suas capacidades de pesquisa em livros ou em contato com outros textos que poderiam permitir um estudo mais específico sobre alguma área da Filosofia, como por exemplo os livros de História da Filosofia e livros com textos filosóficos da “Coleção Os Pensadores”, entre outros disponíveis no acervo38. 38 De acordo com informações repassadas pela bibliotecária, a Escola Central possui 88 livros da área de Filosofia. Entre esses, estão: Coleção “Os Pensadores” (de Voltaire e de Rousseau); “Discurso sobre o método”, de René Descartes; “História da Filosofia”, de Humberto Padovani; “Pensando melhor: iniciação ao filosofar”, de Angélica Sátiro; “Filosofando: introdução à filosofia” e “Temas de filosofia”, de Maria Lucia de Arruda Aranha; “Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras”, de Rubem Alves; “Filosofia... para não filósofos”, de Neidson Rodrigues; “Diálogos”, de Platão; “Fundamentos da filosofia: ser, saber e fazer”, de Gilberto Cotrim; “Dicionário básico de 146 Continuando o processo de análise dos dados, questionei os docentes se houve mudança no currículo da disciplina de Filosofia com a nova estruturação do Ensino Médio politécnico. Essa questão tem muita importância em nível de discussão nacional, visto que como essa reestruturação está acontecendo somente no Estado do Rio Grande do Sul, dependendo da resposta dos professores poderá haver divergências com o contexto curricular das escolas dos demais Estados do país. Pelo que pude perceber, houve poucas mudanças, mas nada que alterasse substancialmente o trabalho com a disciplina. Destaco primeiramente a resposta dos professores da Escola Central: Não chegou a ter muita mudança. É que nós temos que trabalhar o interdisciplinar, que está difícil para nós, professores, a gente se encontrar. Mas a gente está tentando. [J.C.D. – Em questão de carga horária, era 01 hora/aula antes de ser politécnico?] Já, já! Já era 01 hora (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Não! [J.C.D. – Continuou a mesma coisa?] A mesma coisa. Agora a implementação está sendo tudo novo, não sabemos também como é que vai ser. Mas a princípio não alterou em nada. A única coisa que a gente faz agora, a gente trabalha mais em áreas e principalmente para organizar a prova chamada interdisciplinar. Então a gente se junta mais em área para fazer aquela prova, porque tem que ter questões das disciplinas da área. Mas as questões são até independentes, faz cinco de uma, cinco de outra. São até essanques: uma de Geografia, outra de Filosofia, outra de História. Mas no trabalho com o aluno na sala de aula permaneceu a mesma coisa (Prof. César – Fil.). A professora Carmen salienta que a mudança percebida foi a necessidade de desenvolver um trabalho interdisciplinar, o qual não está conseguindo ser colocado em prática. No mais, a docente considera que não modificou muito, inclusive no que diz respeito à carga horária, pois a Filosofia já possuía 01 hora/aula semanal antes da alteração. Com relação ao posicionamento do docente César, o mesmo também acredita que não houve alterações, visto que seguiu se trabalhando a disciplina do mesmo modo como era antes. Além do mais, o professor destaca que como é tudo muito novo, os professores da escola ainda não sabem muito bem como se desenvolverá o currículo. O que ele percebe de mudança também está relacionado ao trabalho interdisciplinar, quando os docentes têm que organizar a Prova Interdisciplinar e se reúnem para elaborar a mesma. Porém, pelo relato do próprio filosofia”, de Hilton Japiassú e “Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein”, de Danilo Marcondes; entre outros. 147 docente, se percebe que ainda não está havendo a interdisciplinaridade, pois cada professor elabora cinco questões de sua disciplina e acrescenta com as demais disciplinas da área. A PI, na realidade, acaba sendo multidisciplinar e entra como nota para avaliação dos alunos na área. Quanto aos professores da Escola Periférica, os mesmos apresentam as seguintes respostas: Eu acho que deve ter interferência, apesar que nós estamos vivenciando uma coisa nova para nós que é o politécnico (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Não! Na realidade o politécnico, no meu ponto de vista, não mudou nada. Continua igual. O que ele mudaria, me contradizendo então, é a questão dos professores. Porque daí seriam várias técnicas e força ao professor a se entrosarem ou integrarem por Área. Então força a isso! De repente uma avaliação, que também muda, já sai da nota para o conceitual, isso aí faz com que um seja obrigado a saber o que o outro está passando e, de repente, entra a parte interdisciplinar (Prof. Paulo – Fil.). A professora Patrícia acredita, com incerteza, que o ensino politécnico deve ter causado alguma mudança. Já o professor Paulo inicia sua fala salientando que não houve mudança. No decorrer da sua resposta, ele modifica o posicionamento e destaca que houve mudanças no sentido do relacionamento entre os docentes pelo fato de o trabalho ser interdisciplinar e de a nota passar a ser conceitual, fazendo com que o docente tenha que saber como o outro colega está avaliando. Realizando uma análise a partir da fala dos docentes, acredito que o presente estudo pode servir de base para se pensar o currículo da disciplina de Filosofia no Ensino Médio em nível nacional. Penso que as mudanças que ocorreram na organização curricular das escolas ainda estão em fase muito inicial de implantação, de modo que as alterações que difeririam realmente do âmbito nacional ainda não estão causando um impacto considerável. Entre as mudanças, destaco: o trabalho de forma interdisciplinar, que na prática ainda não está acontecendo; a Prova Interdisciplinar, que na realidade está sendo uma prova de todas as disciplinas ao final do trimestre (na Escola Central) ou no início do ano letivo (na Escola Periférica, para os alunos que reprovaram no ano anterior), o que não difere das provas do Ensino Médio nacional; a nota conceitual, que na prática influencia em uma maior possibilidade de aprovação dos alunos, mas que não modifica o modo de trabalho com a disciplina e, por fim – destaco um tópico que já foi comentado anteriormente –, o acréscimo da disciplina de Seminário Integrado, 148 que assume 03 horas/aula em cada um dos dois anos do Ensino Médio (por enquanto) e que acarreta na perda de carga horária das disciplinas que tinham mais horas/aula, atingindo indiretamente a disciplina de Filosofia, visto que algumas dessas horas poderiam ser distribuídas para ela. Partindo para a abordagem da última categoria de análise deste capítulo, pergunto aos docentes como se dá a participação da Filosofia nos Seminários Integrados. Os docentes da Escola Central responderam que: Nós até questionamos, eu e o professor que é do turno da manhã, aonde entraria a Filosofia. E eu acho que é no momento em que os professores no Seminário, junto com os alunos, eles escolhem um tema. Então a gente pensou, agora, porque agora eles estão trabalhando temas de internet, essa parte da informática, e a gente está conversando com eles para ver se a gente também consegue integrar, visitar: “Olha, vamos trabalhar o filósofo...”; procurar fazer com que eles também façam a pesquisa, tragam o resgate, ou a importância daquele filósofo para a própria Filosofia, o que foi que ele trouxe de bom. Então a gente está pensando nisso, de agora para o segundo trimestre, já que também para nós foi tudo novo, a gente se integrar junto com as outras disciplinas (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Eu não sei como é que vai se estruturar esse politécnico. Porque por enquanto, agora, não houve nenhuma modificação. Tanto é que o Seminário Integrado que deveria articular todas as disciplinas, não só da Área das Humanas, como da Área de Ciências, mas o problema é que até agora não houve esse encontro, essa busca de trabalhar junto. Aqui na escola, pelo menos, não está sendo feito assim não. Aí cada um está sendo independente na sua matéria, só se reúnem para fazer a prova interdisciplinar da Área e só isso que está havendo até o momento (Prof. César – Fil.). O relato dos professores mostra, mais uma vez, o quanto ainda é complexa a implantação do Ensino Médio politécnico. Dentro dessa complexidade, a professora Carmen comentou que a intenção é integrar o conteúdo de Filosofia com o tema que está sendo trabalhado pelas turmas no trimestre. Como na época da entrevista a temática estava relacionada à informática, a intenção seria utilizar essa ferramenta para realizar pesquisas de assuntos filosóficos. O professor César foi bem objetivo em seu argumento e disse que não sabe como vai acontecer esse processo de relação, visto que a única mudança que percebeu foram as provas interdisciplinares. Ele não chegou a comentar a participação no projeto voltado à informática, que foi falado pela professora Carmen. Esse dado retoma a fala anterior do próprio docente, quando relatou que os professores dessa escola trabalham separadamente, cada um desenvolvendo a disciplina como acredita ser melhor. 149 Na outra escola, conversei sobre esse assunto somente com a professora Patrícia, que respondeu que: Eu acho que nas mudanças que a gente propõe, né? Fazer o aluno pensar, fazer ele questionar: por que que está sendo mudado? Quais são as melhorias? Quais são as vantagens e desvantagens que vão ter? Eu acho que nesse sentido a Filosofia entra para eles também pensar e se posicionar, assim também como os professores. E aí levar também o questionamento, fazer com que eles sejam mais atuantes (Profa. Patrícia – Fil.). A docente da Escola Periférica considera a participação da Filosofia nos Seminários Integrados como uma forma de refletir criticamente sobre o processo de mudança curricular que está acontecendo nas escolas estaduais. Em sua visão, seria uma análise crítica do currículo em si e não o envolvimento da disciplina dentro dos projetos a serem desenvolvidos. Ao analisar a resposta dos três professores, ratifico o argumento da análise anterior, de que o Ensino Médio politécnico ainda não causou uma modificação considerável no currículo da disciplina de Filosofia, visto que os próprios professores não conseguem compreender claramente como a mudança está sendo feita, tanto que a participação da Filosofia nos Seminários Integrados, nos quais os alunos desenvolvem projetos, não está clara e nem coerente ao se comparar os argumentos dos três entrevistados. Com relação à análise do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, não foi possível encontrar qualquer informação que dissesse respeito à disciplina de Filosofia. As informações abordadas no PPP falam da constituição do currículo em âmbito mais geral da escola. Diante do que foi exposto neste capítulo, concluo a apresentação e a análise da presença da Filosofia nas instituições investigadas. Creio que o estudo apresentado permite ao leitor se situar e entender como a Filosofia está presente no currículo dessas escolas. Os dados levantados permitirão construir reflexões que contribuam para pensar o currículo de Filosofia tanto no âmbito regional, como no nacional, a fim de descobrir em que medida ela é realmente relevante para o Ensino Médio. Conclusões mais incisivas serão realizadas nas considerações finais deste escrito. Tendo realizado essa primeira análise, no próximo capítulo apresento quem é o professor de Filosofia das escolas pesquisadas. 150 7. O PROFESSOR DE FILOSOFIA E O SEU ENSINO Um dos fatores importantes que precisam ser levados em consideração quando se vai estudar o ensino da Filosofia, é saber qual a formação e o modo de trabalho de quem conduz a disciplina. Esse fator é fundamental no sentido de que se o docente que leciona Filosofia não tem licenciatura nessa área, terá que se envolver profundamente com esse campo de conhecimento para se apropriar, em certa medida, dos saberes que fazem parte do território filosófico. Por outro lado, quem é licenciado terá menos dificuldade, pois teve toda a sua formação inicial voltada para os assuntos filosóficos. Considerando esse destaque, desenvolvo o presente capítulo em duas seções. Na primeira, apresento quem são os professores de Filosofia que atuam nas escolas pesquisadas, analisando seus perfis profissionais. Na segunda seção, abordo o processo de ensino de Filosofia desenvolvido pelos docentes, para que seja possível compreender de que forma essa disciplina transita nas salas de aula das instituições investigadas. 7.1. Quem é o professor de Filosofia? Iniciando o momento de identificação dos docentes, apresento a formação de cada um desses profissionais. Começo com a Escola Central, na qual o professor César é licenciado em Filosofia e a professora Carmen possui licenciatura em Pedagogia. Quanto aos professores da Escola Periférica, o professor Paulo é licenciado em Ciências Sociais e a professora Patrícia é licenciada em Artes. Todos os professores entrevistados não possuem pós-graduação voltada para a área da Filosofia. Diante desses dados, é possível compreender a difícil situação em que as supervisoras das escolas se encontram para verificar quem pode assumir a Filosofia, pois dos quatro entrevistados, apenas um possui formação específica para 151 lecionar essa disciplina. Outro ponto que chama a atenção refere-se aos dois últimos concursos que aconteceram no Estado do Rio Grande do Sul. O primeiro ocorreu no ano de 2012 (com edital publicado em 2011), e na região da 18ª CRE, somente nove pessoas fizeram a prova para seleção de professor de Filosofia da rede pública estadual. Desses, apenas um foi aprovado (FDRH/RS, 2011a). Um ano após, em 2013, o Governo fez um novo concurso e dessa vez o número de pessoas que fizeram a prova caiu para seis, sendo que desses, apenas três foram aprovados (FDRH/RS, 2013). Os dados mostram que de toda a demanda da 18ª CRE 39, somente quatro professores habilitados estarão com possibilidade de ingressar na rede estadual de ensino, considerando que o que foi aprovado no ano de 2012 já assumiu a sua vaga. Mesmo que se precise de docentes habilitados na área, existem poucas pessoas com essa formação aptas a atuar na rede pública estadual. A procura é pequena diante da demanda que é muito extensa, visto que no âmbito da 18ª CRE existem 20 escolas de Ensino Médio distribuídas entre todos os municípios da região40. De qualquer modo, se todos os aprovados forem nomeados, haveria um aumento importante no número de docentes com habilitação, mas a necessidade de ampliação das vagas a serem preenchidas continuará a existir. Uma alternativa para suprir essa demanda seria o caso da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, oferecer o curso de licenciatura em Filosofia para que seja possível formar mais profissionais habilitados na respectiva disciplina. Embora na cidade vizinha, Pelotas, exista esse curso tanto na UFPel, como na Universidade Católica de Pelotas – UCPel, o número de formados que residem nos municípios contemplados pela 18ª CRE é muito pequeno diante da demanda existente. Se compararmos com a 5ª CRE41, cuja sede é em Pelotas/RS, constato que no mesmo concurso supracitado, no ano de 2012, 94 pessoas fizeram a prova e apenas 19 foram aprovados (FDRH/RS, 2013a). No concurso de 2013, 66 se fizeram presentes, sendo 27 aprovados (FDRH/RS, 2013b). Comparando as duas Coordenadorias, percebo que 39 A região da 18ª CRE contempla os municípios de Chuí, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar e São José do Norte. 40 De acordo com o site da Secretaria da Educação, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, as escolas estaduais de Ensino Médio estão distribuídas do seguinte modo: uma no Chuí, quatorze em Rio Grande, duas em Santa Vitória do Palmar e três em São José do Norte. 41 A região da 5ª CRE contempla os municípios de Amaral Ferrador, Arroio do Padre, Arroio Grande, Canguçu, Capão do Leão, Cerrito, Cristal, Herval, Jaguarão, Morro Redondo, Pedras Altas, Pedro Osório, Pelotas, Pinheiro Machado, Piratini, Santana da Boa Vista, São Lourenço do Sul e Turuçu. 152 na região da 5ª CRE o número de profissionais que participam da seleção chega a ser “dez vezes” maior do que a região da CRE onde nenhum município possui esse curso. Vejo essa informação como sendo um indicativo favorável à implantação do curso de Licenciatura em Filosofia na FURG. Sabendo do fato de haver poucos profissionais formados em Filosofia, questionei as supervisoras e os professores a respeito da existência de formação continuada voltada para a área da Filosofia, visto que a maioria não possui habilitação para tal exercício. A maior parte dos entrevistados disse que não há cursos de formação voltados para a respectiva área. Somente um dos docentes disse que participou de um, mas há muito tempo atrás. Destaco inicialmente a fala das supervisoras, as quais relataram que: Específica para o ensino de Filosofia, não! A gente tem, de um tempo para cá, a gente tem as Jornadas Pedagógicas de início de ano, de meio de ano, onde sempre a gente discute não só assuntos referentes à prática pedagógica, didático-pedagógica, do professor, mas também procura trazer, muitas vezes já trouxemos, pessoas até para falar sobre ética profissional, etc. Porque aí vai contemplar a todos: relações e etc. Vai contemplar todos os professores. Agora, especificamente voltado para uma área ou outra, a gente não teve (Carla – Superv.). _____________________________________________________________ Sempre que tem, a gente coloca aos professores, incentiva. Mas de Filosofia, que eu lembre, não teve. Até de Religião fazem às vezes, mas de Filosofia nunca. Nesses três anos que estou na Supervisão, nunca vi, assim, curso. [J.C.D. – E no caso, se precisar, a escola divulga e abre espaço para o professor fazer?] É! Sempre tem. Sempre pode ir! (Paola – Superv.). Na resposta das supervisoras é possível constatar a preocupação em oferecer cursos de formação continuada, o que é extremamente válido e positivo. Por outro lado, é possível perceber que as mesmas não chegaram a oferecer curso específico para a área de Filosofia. A supervisora Carla diz que na escola existem as Jornadas Pedagógicas, que contemplam uma formação mais geral da docência. A colega Paola comentou que sempre que há formação, a escola incentiva a ir e relatou, inclusive, que houve formação de Religião, porém para a área da Filosofia não houve nenhuma. Dando continuidade a esse assunto, os professores de Filosofia também responderam nessa mesma direção. Iniciando pela Escola Central, os docentes relataram que: 153 Não! Eu fiz quando era... seria a pós, mas aí saiu como extensão, porque eu não tinha concluído a graduação. Aí depois daquilo foi mais Seminários, Simpósios, que eu participava antes; agora nem tanto (Prof. César – Fil.). _____________________________________________________________ Não! [J.C.D. – Não chegou a ser oferecido também?] Não, nem foi oferecido. Eles só botam no papel, mas para nós não oferecem nada (Profa. Carmen – Fil.). O professor César relata que chegou a participar de Seminários, Simpósios e de um curso de extensão, mas há tempos atrás. Nos últimos anos o docente não fez nenhuma formação. A professora Carmen disse que não participou e que também não foi oferecido curso de formação continuada. Os docentes da Escola Periférica também manifestaram os seus posicionamentos: Não! Pelo menos não foi nada oferecido para nós ainda (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Não! [J.C.D. – Nem chegou a ser oferecido também?] Não, também não! (Prof. Paulo – Fil.). Pelas respostas vê-se que tanto a professora Patrícia como o professor Paulo são diretos a respeito desse assunto e destacam que não houve formação continuada de Filosofia destinada aos docentes da escola. Esses relatos denunciam a falta de preocupação que existe com a disciplina de Filosofia no currículo escolar. Analisando mais profundamente o problema, percebo que se a maioria dos docentes são formados em outra área, se faz necessário buscar um aprimoramento dos mesmos para que não fiquem tão afastados do pensar no âmbito do leque filosófico. Um outro fator importante, é a omissão das Instituições de Ensino Superior em oferecer cursos que permitam o aprimoramento dos docentes de Filosofia. A FURG, a UFPel e a UCPel não divulgam cursos que possam atender a demanda dos professores de Filosofia do município do Rio Grande/RS. Essa omissão faz com que os mesmos não tenham opções de escolha em fazer, ou não, uma formação continuada na área em questão. A descoberta dessa informação abre espaço para o diálogo entre as Universidades e a comunidade, a fim de que as Instituições de Ensino Superior possam “se repensar” no âmbito do desenvolvimento de atividades extensionistas voltadas para os docentes do Ensino Médio, em especial de Filosofia. A realização dessas atividades é um compromisso de cada instituição, na medida em que a 154 extensão se torna intrínseca do ensino superior em decorrência dos compromissos do conhecimento e da educação com a sociedade, uma vez que tais processos só legitimam, inclusive adquirindo sua chancela ética, se expressarem envolvimento com os interesses objetivos da população como um todo. O que se desenrola no interior da Universidade, tanto do ponto de vista da construção do conhecimento, sob o ângulo da pesquisa, como de sua transmissão, sob o ângulo do ensino, tem a ver diretamente com os interesses da sociedade (SEVERINO, 2013, p. 31). Dando continuidade à análise dos dados da pesquisa de campo e ciente da existência de professores não habilitados lecionando Filosofia, perguntei qual foi o motivo de eles estarem lecionando uma matéria que não é de sua formação. Na Escola Central, a professora respondeu que: É porque assim óh... é a paixão de tu escutar o outro, é questionar, refletir. Eu gosto mesmo da disciplina! [J.C.D. – E a Pedagogia que tu fez te permite...] Sim, com certeza! Ela me permite e desde que eu comecei, já faz 19 anos que estou trabalhando a disciplina (Profa. Carmen – Fil.). A docente salienta que trabalha com a disciplina de Filosofia por gostar de questionar e refletir, características que fazem parte da área filosófica. Quanto à formação, a Pedagogia habilita a docência da Filosofia no âmbito das matérias pedagógicas do Magistério. Nesse sentido, em sua formação inicial houve alguns estudos sobre os conteúdos filosóficos, mas sem aprofundamento, visto que a habilitação é em Pedagogia e não em Filosofia. Outro argumento favorável é o tempo de docência na disciplina, que completa 19 anos. Realmente, se o profissional passa essa grande quantidade de tempo estudando e se aprofundando nos conteúdos filosóficos, possivelmente poderá desenvolver conhecimento sobre o mesmo, podendo, inclusive, realizar um excelente trabalho. Os professores da Escola Periférica apresentam a outra argumentação. Foi em função que eu pedi mais uma convocação para a escola; como eu estou já no final de carreira e eu precisaria de mais 20 horas. A escola só tinha, na realidade, Filosofia e foi o que me foi oferecido. Eu tenho formação em Artes, mas a escola já tinha a carga horária completa (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Bom, na realidade ela é da mesma área do conhecimento, né? Porque se for, agora, entrar no sistema atual pegamos Filosofia, Sociologia, Geografia, História e Religião. Então quer dizer que fica na mesma área de conhecimento. E como, no caso, se faz falta de professores... e tanto que às vezes até de outra área do conhecimento, como no caso da escola aqui, que era uma professora da área de Linguagens, de Artes, que dá Filosofia, então aconteceu que é mais fácil colocar um da mesma área, no caso, 155 também pela falta de professores no quadro. Não por opção! Não fui eu que pedi (Prof. Paulo – Fil.). O caso relatado pela professora apresenta uma situação de “bico” para a docência da disciplina de Filosofia. Como Patrícia estava precisando de mais horas para cumprir sua convocação e não havia a disciplina de Artes para assumir, passaram a Filosofia para ela, que aceitou a fim de atender a sua necessidade. Esse é um caso delicado para a disciplina, pois a coloca em uma situação de “descartabilidade”, visto que o docente que desejar lecioná-la pode assumi-la tranquilamente, mesmo sem ter formação para tal. Essa situação de se confirmou quando ao longo do ano letivo a professora descobriu que sua convocação para lecionar Filosofia não daria continuidade na contagem do tempo para se aposentar e se continuasse assim, ela teria que trabalhar alguns anos a mais com a disciplina para conseguir a aposentadoria. Diante desse fato, no mês de agosto a professora largou a Filosofia (conforme se verá ao longo da Tese) em busca da disciplina de sua formação, pois se assim o fizer, conseguirá se aposentar dentro do tempo previsto. Esse caso fez com que a disciplina de Filosofia, no turno da manhã, ficasse sem professor pelo menos até a conclusão da minha pesquisa de campo (outubro de 2013). O professor Paulo mostra que assumiu a disciplina por uma necessidade da instituição. Como no turno da tarde havia uma professora formada em Artes lecionando Filosofia, a escola o convocou, pois ele é formado em outra disciplina pertencente à área das Ciências Humanas. Essa substituição trouxe uma maior aproximação do profissional no âmbito da formação e tenta suprir a defasagem de docentes habilitados da própria escola. De qualquer modo, ele salienta que não foi por opção, mas por necessidade institucional. As variadas respostas mostram algumas das situações que levam os docentes de outras áreas a assumir a disciplina de Filosofia. É importante que cada profissional dedicado à valorização dessa disciplina lute para que ela consiga se estabelecer com docentes habilitados atuando. Do mesmo modo, reforço o posicionamento de que a visão “descartável” da disciplina deixe de existir para que o seu ensino se fortaleça e ganhe reconhecimento enquanto tal. Essa valorização contribuirá para que cada vez menos se aceite o gosto pela reflexão e pelo diálogo como um argumento suficiente para assumir a disciplina de Filosofia, ou para que 156 uma atitude assistencialista e vocacional de ajudar os professores que precisam de horas/aulas a mais para cumprir o seu vínculo de trabalho não se faça presente. Ao longo da investigação, perguntei às supervisoras e aos docentes se a 18ª CRE passou alguma orientação a eles sobre o que deveria ser trabalhado na disciplina de Filosofia. Primeiramente, as supervisoras responderam que: Na época, lá da lei, eu lembro que a gente chegou ao limite, porque a partir dali o aluno que saísse do terceiro ano do médio, ele teria que ter na sua grade Filosofia nos três anos. Então naquela época eu lembro que a gente recebeu um polígrafo com umas duas ou três folhinhas, que vieram lá da mantenedora, lá de Porto Alegre, com algumas orientações do tipo: que aspectos da Filosofia poderiam ser privilegiados em cada ano; mas bem geral, para que a partir dali os professores recheassem aqueles eixos, digamos assim, de acordo com aquilo que eles acreditavam que fosse relevante, importante, para cada ano (Carla – Superv.). J.C.D. – Esse aí veio, no caso, essa orientação, só nesse caso? Nessa época! [J.C.D. – Depois não chegou a vir mais...] Depois não recebemos mais nada! (Carla – Superv.). _____________________________________________________________ Não, Não! [...] Se bem que na época, em 2008, eu não era Supervisora, né? Então eu não sei. De repente se passou, foi para outra supervisora. Não sei te dizer. Mas acredito que não. [...] Eu não lembro de ter visto nada a respeito. Mas como não era eu, não posso te afirmar com certeza (Paola – Superv.). A supervisora Carla comenta que houve uma orientação direta da Secretaria da Educação, logo no início da implantação da lei, para que todos os alunos concluíssem o Ensino Médio com os conteúdos de Filosofia considerados básicos pela Secretaria para os três anos. Após essa indicação não houve mais orientações a respeito. A supervisora Paola, que assumiu após o ano de 2008, disse não ter recebido e acredita que nada foi repassado anteriormente. Os professores também apresentaram respostas no mesmo sentido. Na Escola Central, a professora Carmen apenas disse não ter recebido orientação alguma. O professor César respondeu que: Não! Nem a décima e nem a escola. No momento que tu chegou na escola: “Tu vais dar aula de Filosofia e tens tais e tais turmas!” e te vira. Aí monta o conteúdo programático, tudo isso é contigo (Prof. César – Fil.). É possível constatar que na escola central os docentes não receberam nenhuma orientação da CRE quanto ao ensino de Filosofia. O docente César, que já 157 leciona há anos na escola, não chegou nem a comentar a orientação mencionada pela supervisora Carla. Na mesma situação encontram-se os docentes da Escola Periférica. Ambos responderam que: Não! Não passou nenhuma orientação. Mas eu não sei se a escola recebeu. Eu já até pedi alguma coisa a respeito, mas ainda nada me foi entregue (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Não! Particularmente, especial para mim, não! [J.C.D. – Só te anunciou que pegarias a Filosofia?] No caso, entra o que? Eles têm noção – e é uma noção que eu acho que até é válida – que a partir do momento em que uma pessoa, independente da área, tendo curso superior, ela consegue ler qualquer manual – porque hoje em dia é um manual, tu pega o manual e segue aquele manual –... [J.C.D. – O livro didático, no caso?] É! Pega o livro didático e segue o livro; independente da área. Agora, sendo mais... é como eu disse bem no início: que Filosofia, Sociologia, História, Geografia e Religião, são da mesma área, é mais fácil ainda, porque se estuda. Se tem uma noção um pouquinho maior. Então, não tem problema nenhum. Então, eles encaminham. Filosofia e Sociologia estão próximas, não tem problema nenhum. “A gente precisa, podes dar aula?”, “Posso!”. Então, de outra área, por exemplo, conforme eu também citei: “Artes lecionando Filosofia e Sociologia? Sem problema nenhum!”. São pessoas que tem graduação, ela tem um manual ali. É só seguir? Então eu vou seguir! Vou seguir, de repente, talvez até dê uma aula melhor do que um formado em Filosofia ou formado em Sociologia, porque o que acontece? O que é formado aprendeu bem aquilo, aprendeu de forma bem mais aprofundada, mas o outro não quer errar. Então, ele não se dá, digamos, ao luxo de pular os capítulos e analisar: “Bom, mas isso aqui pode fazer intersecção com aquilo lá. Quem sabe aqui, quem sabe lá, e depois eu junto...” e monta no final. Então ele pega aquela sequência exata. É como se vai montar um móvel. Cada pessoa pode pegar, olhar ali. Quem não sabe, vai seguir exatamente a instrução. Quem já sabe, já pegou manha, já pode fazer, tem atalhos, sabe que vai mais rápido e de repente ainda pode, daí sim, fazer com que haja um rendimento do tempo. Que o tempo que é ruim (Prof. Paulo – Fil.). Ambos os docentes não receberam orientações. A professora Patrícia disse que solicitou alguma orientação, mas nada foi repassado. O professor Paulo também tomou como uma possível justificativa o fato de que mesmo que a pessoa não seja habilitada na disciplina, por ela possuir uma formação em nível superior, saberá seguir o “manual” oferecido pela escola. Através dessas falas, considero que existe um ponto negativo e um positivo. O negativo refere-se ao caso de que pelo fato de a maior parte dos docentes não serem formados em Filosofia, seria importante a CRE ou a própria escola repassar algumas orientações sobre como a disciplina deveria ser ensinada. Compreendo que a escola já disponibiliza o livro didático, porém esse corre o risco de estar a serviço da antifilosofia, conforme destaca Kohan (2012), pois o docente acaba 158 tomando o livro como um manual, e o trabalho de reflexão e discussão filosófica se converte em um conteudismo filosófico que deverá depois ser respondido nas questões propostas em cada atividade avaliada. É importante estar atento ao fato de que no “ensino de filosofia há muitos recursos didáticos a serem utilizados e eles são importantes e constitutivos da prática do professor, mas nenhum deles deve ser transformado em modelo ou manual” (GALLO, 2012b, p. 151). Esse tipo de trabalho trata a Filosofia como um conjunto de conteúdos que precisam ser transmitidos, quando o que se deveria realmente desenvolver no Ensino Médio é um trabalho mais voltado para a atividade contemplada pelo leque filosófico, visto que a intenção da escola não é “graduar filósofos”, mas introduzir os saberes da Filosofia na vida dos jovens, que possivelmente estarão conhecendo-a pela primeira vez através da escola. Como ponto positivo, entendo que a ausência de orientações curriculares abre espaço para que o próprio docente possa buscar materiais referentes ao trabalho de sua disciplina, tomando por base o contexto de sua instituição escolar. Essa liberdade, aliada ao comprometimento do docente, evita o engessamento curricular e permite um maior espaço para o desenvolvimento de um currículo nômade (CAVALCANTI, 2009) para a disciplina de Filosofia, conforme a necessidade de cada comunidade. Continuando na busca pelo conhecimento sobre quem é o docente de Filosofia, perguntei qual é o papel do professor de Filosofia. Na Escola Central, os docentes me responderam da seguinte forma: Eu acho que é transmitir mesmo, é fazer com que eles gostem. Fazer o gostar da leitura, porque o nosso aluno não gosta de ler. Então a gente acha que eles não vão ter interesse e eles têm. Eles têm interesse! (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Eu sempre fiz um trabalho de Filosofia voltado para aplicar o que está acontecendo na realidade. Seja na realidade do aluno, na sua idade, na sua realidade tanto familiar, quanto social. E também às vezes ressalvo mais a questão na escola: o papel do estudante hoje em dia. Devido essa questão da educação. Então eu sempre trago coisas voltadas para a realidade deles. Inclusive quando não havia livro didático eu sempre procurava temas que desenvolvessem mais com a realidade; claro, eu procurava também em outros livros – no caso não seria didático –, mas outros livros que traziam alguns assuntos, aí tirava xerox, mas mesmo dentro daquele assunto a gente sempre faz uma colocação para o hoje, para o agora. E tentando também valorizar a opinião deles, num debate; sempre as nossas aulas são um debate (Prof. César – Fil.). 159 A fala de Carmen mostra a compreensão que a docente tem da Filosofia, no sentido de transmitir os conhecimentos filosóficos e fazer com que os alunos leiam, o que, na visão da professora, eles gostam de fazer. O professor César comenta que busca desenvolver um trabalho relacionado com a realidade dos alunos e em forma de debate. Analisando ambas as respostas, percebo que a docente compreende o papel do professor de Filosofia como alguém que deve transmitir os conhecimentos de Filosofia, bem como auxiliar no desenvolvimento da leitura. Já o professor César compreende esse papel como sendo o de relacionar os assuntos filosóficos relacionados com o contexto da realidade do aluno, a partir do debate que se gera em aula. Ambas as respostas são importantes de conhecer a fim de que seja possível saber a intencionalidade que os mesmos pretendem atingir com as suas aulas. Os docentes da região periférica responderam que: Eu acho que o papel do professor de Filosofia, na minha opinião – apesar de não ser formada em Filosofia, mas pelo que eu já estudei e vi – eu acho que é o de fazer o questionamento e fazer com que os alunos possam pensar e mudar até a sua posição, ter outros pontos de vista [...] (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Olha, na minha visão, a questão não seria simplesmente o estudo do clássico, do texto clássico e simplesmente colocar o filósofo, o pensamento assim cru e sim a intermediação – daí entra como papel, ou tutoria – do conhecimento, buscando aquele conhecimento antigo, contextualizado, passado para o real, para o cotidiano, para o que a pessoa está vivendo. Então teria que fazer o que? A recriação da Filosofia, ou no caso, a remodelação. Mostrar para o educando, o que? Que a Filosofia está em tudo. Que qualquer sensação que ele tenha, qualquer curiosidade que ele tenha, que já vem... questão do amor ao conhecimento, etc e tal, é Filosofia! Qualquer pensamento, ou a própria pessoa é filosófica por natureza. Então ela tem a curiosidade, ela tem o pensar, antes de tudo. [...] A dificuldade inicial é transpor, é fazer com que eles entendam a necessidade da Filosofia e saiam daquele pensamento antigo em que o importante é a Matemática, que o importante é a Ciência Exata (Prof. Paulo – Fil.). A visão da professora aborda o papel do docente como alguém que provoca a reflexão nos alunos, oferecendo um espaço para que eles reflitam e possam mudar de opinião, se considerar pertinente. O professor Paulo acredita que o papel do docente é o de remodelar a disciplina, no sentido de contextualizar para a atualidade os conhecimentos de Filosofia. Ele percebe também qualquer momento da vida do ser humano como uma possibilidade de se fazer Filosofia, visto que os seres humanos, no seu ver, são filósofos por natureza. 160 Entendo que a percepção da professora se aproxima da visão senso comum que se tem da Filosofia como sendo reflexão e questionamento, girando apenas em torno da troca de opiniões. O professor, por outro aspecto, vê no cotidiano o espaço da Filosofia e acredita que cabe trabalhar de acordo com o contexto dos alunos, inclusive quando se traz os conhecimentos dos clássicos da Filosofia. Encerrando esta seção referente à análise do docente que leciona Filosofia, busquei saber se eles trabalham a disciplina a partir de alguma perspectiva teórica. Todos os docentes comentaram que não. Na escola do centro, Carmen não chegou a se justificar, apenas disse que não trabalha a partir de alguma perspectiva. O professor César argumentou mais em sua resposta e disse que: Não, eu trabalho mais os temas, os textos. Se bem que a gente vê a importância da Filosofia, como é que ela foi se desenvolvendo no decorrer da história, alguns filósofos. Mas é como eu digo: o tempo é muito pouco. Não dá para a gente se expandir muito (Prof. César – Fil.). Ambos os docentes alegam não possuir uma perspectiva teórica da Filosofia como base. O professor César buscou explicar mais sua resposta, argumentando que a falta de tempo não lhe permite muita expansão e que sua linha de trabalho se pauta mais pelo desenvolvimento de temas filosóficos. Os professores da Escola Periférica responderam o seguinte: Às vezes sim, depende. Às vezes eu parto com eles... mais ou menos eu vejo o assunto que vai ser trabalhado e eu faço questionamentos a respeito para ver qual a opinião e a partir daí, então, eu vou para a parte teórica. Eu acho que fica mais fácil até para o entendimento deles (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Não! Nem em termos de autor, porque no caso eu pego assim, a parte clássica, mas também pegando a parte contemporânea, até Derrida. Dou uma abordagem. Eu faço, digamos, um apanhado geral, para poder compreender – tentar compreender pelo menos, porque a gente não chega à compreensão plena das coisas – e conseguir avaliar e analisar o momento e tentar passar alguma coisa. Ou pelo menos que o aluno consiga se aperceber que aquilo é importante. Tem dado certo! É difícil porque exige muito. Exige muito porque daí eu não vou ficar só num autor, ou só num livro, de repente eu vou ter que ir lá nos clássicos, vou ter que fazer releitura, vou ter que pegar os atuais, vou ter que contextualizar, vou ter que, de repente, ter uma visão crítica de um noticiário para poder trazer aquele noticiário do dia, para o aspecto filosófico do fato. Então, é cansativo (Prof. Paulo – Fil.). A professora comenta que em alguns momentos toma por base alguma perspectiva teórica, mas que parte primeiramente do senso comum dos estudantes, 161 para posteriormente chegar à teoria. O docente Paulo demonstra seguir uma linha de trabalho parecida com a da Patrícia. Ele busca relacionar os conteúdos filosóficos com as informações do contexto dos alunos, o que em sua visão auxilia os estudantes a compreenderem o que está sendo debatido, mas que em contrapartida é muito exaustivo. Embora os docentes não tomem nenhuma perspectiva teórica propriamente dita como base, penso que tomar esse posicionamento é muito importante para o desenvolvimento do trabalho docente. Ao analisar as respostas dos professores nesta seção, percebo que os mesmos pensam a Filosofia como algo relacionado à reflexão e ao questionamento, mas não definem a partir de que ótica filosófica embasam seus argumentos. Acredito que a ausência dessa definição é preocupante no sentido de que a falta de “escolha clara de uma perspectiva filosófica pode levar a um perigoso ecletismo, no qual se juntam as mais diversas perspectivas e se acaba chegando a resultado algum ou, o que pode ser ainda pior, a um „Frankenstein‟ mal costurado” (GALLO, 2012b, p. 38). Acredito que essa ausência de perspectiva filosófica muito se deve ao fato de os docentes possuírem formação em outra área, ou a visão senso comum que se tem da Filosofia como sendo reflexão ou debate entre as ideias dos interlocutores. Deleuze e Guattari (1992, p. 14), ao mencionarem sobre o que não é Filosofia, definem claramente que ela não é reflexão, porque ninguém precisa de filosofia para refletir sobre o que quer que seja: acredita-se dar muito à filosofia fazendo dela a arte da reflexão, mas retira-se tudo dela, pois os matemáticos como tais não esperaram jamais os filósofos para refletir sobre a matemática, nem os artistas sobre a pintura ou a música; dizer que eles se tornam então filósofos é uma brincadeira de mau gosto, já que sua reflexão pertence a sua criação respectiva. E a filosofia não encontra nenhum refúgio último na comunicação, que não trabalha em potência a não ser de opiniões, para criar o “consenso” e não o conceito. A idéia de conversação democrática ocidental entre amigos não produziu nunca o menor conceito. (grifo meu) Defendendo o posicionamento de que a Filosofia é uma atividade de criação de conceitos, os filósofos tornam claro o posicionamento de que “a reflexão” e a “conversação democrática” não possuem um viés filosófico por si só, podendo estar no caminho da antifilosofia. Tenho o entendimento que essas duas atividades perpassam o campo filosófico, mas se ficarem estagnadas em si mesmas não significa o desenvolvimento do filosofar. Foi esse o risco que percebi ao analisar a 162 fala das professoras Carmen e Patrícia, quando responderam à pergunta sobre o papel do professor de Filosofia. O ato de refletir, questionar e desenvolver a leitura, se for considerado como papel do professor de Filosofia, pouco de filosófico estará sendo desenvolvido nas aulas, visto que não se estará desenvolvendo o exercício da construção de conceitos, ou da reflexão filosófica, ou de outra atividade que contemplada no leque filosófico. Do mesmo modo, percebo uma situação de alerta no caso de os docentes tomarem apenas os temas filosóficos como base para a Filosofia, pois correm o risco de fazer um recorte equivocado da abordagem filosófica em virtude de um ecletismo que demonstra ser neutro por trabalhar somente com base no que o livro didático indica. A Filosofia dificilmente se construirá embasada somente em um manual. É preciso espaço para que ela possa fluir e provocar alvoroço no pensamento dos seres humanos envolvidos em seu estudo. Dessa forma, percebo que a ausência de perspectiva filosófica dos docentes deve ser considerada como um problema a ser analisado com atenção, visto que se são múltiplas as filosofias, se são variados os estilos do filosofar, múltipas e variadas são também as perspectivas do ensinar a filosofia e o filosofar. Assim, quando tratamos do ensino de filosofia é necessário que tomemos uma posição, que nos coloquemos no campo de uma determinada concepção de filosofia. E, fundamental, que deixemos isso claro; que evidenciemos a posição filosófica com base na qual pensamos e ensinamos (GALLO, 2012b, p. 39). Ao longo da história da Filosofia, muitas formas de pensar esse campo do saber foram sendo construídas, formas que em certos momentos são contraditórias. É preciso que o docente de Filosofia procure se identificar com a perspectiva teórica que melhor represente as suas ideias. Caso ainda não tenha se identificado, é importante que inicie esse processo de análise, pois se isso não acontecer, corre-se o risco de que as aulas de Filosofia no Ensino Médio centrem-se apenas no debate entre os alunos, ou no estudo conteudista do livro didático, o que poderá promover uma certa motivação dos estudantes, mas não possibilitar a ascensão à consciência filosófica (SAVIANI, 2000), ou a criação de conceitos e outras formas de trabalho situadas no leque filosófico. Acredito também que a definição da perspectiva teórica contribuirá com a luta pela ampliação da carga horária, pois quando se tem um propósito filosófico a alcançar, 01 hora/aula não se mostra suficiente de modo algum. Por outro lado, 163 quando só se mantém o foco no debate e na reflexão, mesmo que problematizadora, ou nos trabalhos avaliados a serem feitos em aula, é possível aceitar 50 minutos como suficientes, pois embora seja pouco tempo, o curto debate ou a realização dos trabalhos em aula já serão considerados satisfatórios, visto que o objetivo acabará sendo apenas o de provocar um mínimo de discussão possível ou ao final da aula um trabalho solicitado pelo professor. Tendo realizado essa abordagem, encerro a apresentação dos docentes que lecionam Filosofia nas escolas pesquisadas e a análise dos dados mencionados. Na próxima seção, apresento e analiso o processo de ensino da Filosofia nas escolas pesquisadas. 7.2. Como acontece o ensino de Filosofia nas escolas? A forma como se dá o ensino de Filosofia é um dos pontos fundamentais para o desenvolvimento do trabalho do docente na sala de aula. A metodologia de trabalho utilizada pelo professor, a escolha dos conteúdos, a avaliação, todas essas etapas demonstram como o professor ensina Filosofia e quais os efeitos que essa disciplina causa nos alunos. Considerando esse aspecto, inicio esta etapa de análise apresentando os conteúdos programáticos da disciplina de Filosofia nas escolas pesquisadas. É importante ressaltar que as escolas não apresentam plano de ensino para a disciplina, mas apenas os conteúdos programáticos que variam conforme o modo de trabalho de cada professor. Não existe um documento formal referente a esse assunto arquivado em ambas as instituições. Na Escola Central, a professora Carmen apresentou os seguintes conteúdos do primeiro ano: 1º Ano do Ensino Médio – Escola Central 1º TRIMESTRE: A Filosofia - A atitude filosófica - O que é filosofia? - A origem da Filosofia - Períodos e campos de investigações da Filosofia grega 2º TRIMESTRE: A Razão - Principais períodos da história da Filosofia - Aspectos da Filosofia contemporânea - Os vários sentidos da palavra razão - A razão na Filosofia contemporânea 164 3º TRIMESTRE: A Verdade - Ignorância e verdade - Buscando a verdade A Lógica - O nascimento da lógica - Elementos de lógica Com relação aos segundos e terceiros anos, o professor César trabalha com os mesmos conteúdos e me repassou os seguintes: 2º e 3º Ano do Ensino Médio – Escola Central 1º TRIMESTRE: Os vários sentidos da palavra razão - A filosofia só se realiza como conhecimento racional - Confiar e desconfiar da palavra razão - Sentido da palavra razão (comentário das frases) - Podemos nos apropriar da razão Razões e razão - Paralelo entre Platão e Pascal - Frase de Pascal - Motivos do coração e consciência intelectual e moral - Perder e recuperar a razão - Progresso e conhecimento científico - Racional e irracional 2º TRIMESTRE: Ignorância e verdade - O que seria uma decisão ou deliberação orientada para a verdade - Verdade e falsidade - Ignorância, incerteza e insegurança - Por que temos desejo de verdade? - Como a criança lida com a imaginação, a verdade e a mentira? - Como é a relação criança e adulto? - Mundo imaginário - Como é a relação jovens e adultos? - A busca pela verdade Dificuldades para a busca da verdade - Muitas formas de informação e verdade - Mundos e sociedades diferentes - Informação e desinformação - Certeza e ignorância - Verdade, propaganda e imagem - Verdade e políticos - Como buscar o que é verdadeiro? - Liberdade e verdade - Os dois tipos de busca da verdade O terceiro trimestre não chegou a ser informado, porque enquanto a pesquisa estava sendo feita, o professor ainda não tinha elaborado o último 165 trimestre, que seria construído a partir de um diálogo com as turmas ao final do segundo trimestre. Ao analisar os conteúdos, percebo que existe uma grande “elasticidade” no modo de desenvolvê-los, de modo que alguns assuntos podem acabar se repetindo em mais de uma das séries, como é o caso das temáticas “razão” e “verdade”. Ambos os docentes constroem seus conteúdos programáticos com base no livro didático (CHAUÍ, 2012). Com relação à Escola Periférica, perguntei para a professora Patrícia e ela comentou que a escola não possuía, pois há tempos estava para ser feito, mas ninguém o fez. Desse modo, ela seguia trabalhando o livro conforme o andamento das turmas. O professor Paulo, quando questionado, disse que ia procurar na secretaria e depois me repassaria, pois acreditava que o mesmo estava guardado na escola. Ao nos encontrarmos em outra data, ele me confirmou a informação de que a escola não tem plano de ensino e nem conteúdo programático de Filosofia. No decorrer da conversa, nos encontramos com a professora Pietra, que assumia a disciplina anteriormente, e a mesma me disse que o plano ainda precisava ser construído, mas que ela tomava como base os seguintes tópicos por ano: 1º Ano do Ensino Médio – Escola Periférica (conteúdos para serem desenvolvidos ao longo dos três trimestres, com base no livro didático) - Unidade I - A filosofia - Unidade II - A razão - Unidade III - A verdade - Unidade IV - A lógica 2º Ano do Ensino Médio – Escola Periférica (conteúdos para serem desenvolvidos ao longo dos três trimestres, com base no livro didático) - Unidade V - O conhecimento - Unidade VII - A cultura - Unidade VIII - A experiência do sagrado - Unidade IX - As artes 3º Ano do Ensino Médio – Escola Periférica (conteúdos para serem desenvolvidos ao longo dos três trimestres, com base no livro didático) - Unidade X - A ética - Unidade XI - A ciência - Unidade XII - A política 166 Pietra comentou que organizou a distribuição dos conteúdos dessa forma, porque acreditava que seria o melhor modo de ser trabalhado, mas salientou que não sabia se estava no caminho certo, de modo que buscava fazer o melhor. Um aspecto interessante que se apresenta como um indicativo favorável à necessidade de um docente habilitado em Filosofia lecionar essa disciplina, foi o fato dela dizer que não inseriu a “Unidade VI – A metafísica” entre os conteúdos, porque não entendia essa área e não saberia como abordar o assunto. Dessa forma, um conteúdo que está entre o hall das temáticas importantes da Filosofia fica de fora, pelo fato do professor não saber desenvolvê-lo em suas aulas. Considero que a postura da docente foi correta e prudente, por evitar alguma “invenção de interpretação teórica” sobre o assunto em questão, mas ao mesmo tempo reforça que é preciso docentes habilitados, pois certos assuntos possivelmente só poderão ser trabalhados, com uma melhor clareza, por profissionais que se formaram na respectiva disciplina. No que diz respeito aos tópicos elencados e que possivelmente constituiriam o conteúdo programático, esses foram repassados à professora Patrícia para ela utilizar se considerasse pertinente. Pelo que percebi, tanto ela quanto Paulo não os tomaram como base. Dessa forma, constato que o conteúdo exposto por Pietra encontra-se apenas no “plano das ideias”, não sendo utilizado, pois ambos os docentes trabalham por si só no desenvolvimento da disciplina, sem consultar essas orientações repassadas e nem trazê-las para o “plano material” em forma de documento para permanecer guardado na instituição, para fins de consulta. Considero essa constatação com um peso negativo, no sentido de que a ausência do plano de ensino mostra que ambas as instituições não possuem orientação sobre o que é ensinado em Filosofia na escola. Esse fato faz com que caso outros docentes venham lecionar essa disciplina, os mesmos não saberão que perfil teórico a escola propõe, pois não tem o material de modo documentado para auxiliar nesse esclarecimento. Ciente dessa constatação, perguntei aos docentes como ocorre o processo de seleção dos conteúdos. A professora Carmen e o professor César responderam da seguinte forma: A Supervisão nos passa os conteúdos. Então a gente recebe primeiro, segundo e terceiro trimestre, os conteúdos. Aí a gente vai trabalhando conforme a turma; tem turmas que tu podes tocar mais a matéria, eles têm 167 mais desenvolvimento, eles leem, eles têm bem mais interesse. Porque hoje, o que a gente vê no adolescente? Ele não quer Química, não quer Física, ele não quer nada! Então a gente procura fazer alguma coisa que realmente vá despertar o interesse dele (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Pois é... aí é que vem a questão, porque como a carga horária é muito pouca e o nosso livro tem vários conteúdos, então eu pego por Unidade e dentro da Unidade eu vejo os conteúdos que seriam mais relevantes, então eu faço uma escolha ali. Geralmente eu uso seis conteúdos por ano, seria dois no primeiro trimestre, dois no segundo e dois no terceiro, dentro daquelas Unidades que o livro propõe. Então são variadas. Então, no caso, o segundo e o terceiro seriam doze, seis no segundo e seis no terceiro. [J.C.D. – E tu vais construindo ao longo do ano com os alunos?] Ao longo do ano! (Prof. César – Fil.). O argumento da professora Carmen contradiz a fala do professor César, quando em um momento anterior ele comentou que não recebeu orientação nem da CRE e nem da escola. Segundo a docente, a Supervisão passa os conteúdos e ela desenvolve-os dentro das possibilidades, conforme o andamento de cada turma. O professor César, por outro lado, apresenta em seu argumento o fato de que ele mesmo seleciona os conteúdos, dentro da condição temporal disponibilizada pela escola. Nessa escolha, César toma por base o livro didático (CHAUÍ, 2012) e a partir das unidades, vai selecionando os conteúdos que farão parte de cada trimestre. Essa seleção vai acontecendo ao longo do ano, no início dos trimestres. Na Escola Periférica, os professores Patrícia e Paulo comentaram que: Eu seleciono os conteúdos de acordo com os capítulos do livro, mais ou menos, eu vou vendo pela ordem que é dada e aí, dentro daquilo ali, eu vou procurando também materiais alternativos (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Isso aí, no caso, cada colégio tem um programa e também o professor às vezes ele faz todo o programa. E elabora o que vai trabalhar durante o ano e vai seguindo aquilo ali. Mas agora como a Filosofia deixa uma abertura, no momento inclusive a Sociologia também, dá para fazer o que? Dá para adiantar ou movimentar os assuntos. Então, por exemplo: pega uma situação atual aí de movimento com relação a preço de passagem, que o pessoal ainda continua com as movimentações, então dá para estudar o que? Os movimentos sociais. Dá para estudar o que? Inquietude. Dá para trazer isso aí, ou motivar o que teria lá no final... ou de repente até, digamos assim, nem faz parte do conteúdo e trás. Porque não adianta querer trabalhar com uma coisa fora da realidade. Então a gente tem que trabalhar com as coisas que eles estão vivenciando. [J.C.D. – E os conteúdos tu procuras selecionar a partir do contexto...] Do contexto que está acontecendo no momento (Prof. Paulo – Fil.). A docente Patrícia comentou que busca utilizar o livro (CHAUÍ, 2012) como referência e a partir desse, dependendo do conteúdo abordado, ela traz outros 168 materiais para complementar a discussão. Pelas observações que fiz nas aulas, pude observar que a docente também trabalha com textos do Jornal Mundo Jovem, da PUCRS. O professor Paulo falou, inicialmente, que cada escola apresenta um programa de conteúdos42, mas que por a Filosofia ter uma abertura maior, ele busca trabalhar os assuntos a partir de situações que emergem do contexto de vida dos alunos. Analisando as respostas dos docentes, percebo que os mesmos tomam o livro didático como sendo a base de apoio para o trabalho da disciplina. Um dos problemas que envolve essa questão é o caso do livro engessar o currículo da disciplina e acabar sendo o único referencial de estudo dos alunos e do professor. Penso que seria importante, na escolha dos conteúdos, que os docentes buscassem também referências em textos escritos por filósofos, em documentários referentes à Filosofia, em livros de história da Filosofia, pois quanto maior for a amplidão de alcance teórico do docente, maior será a possibilidade de vislumbrar novas reflexões filosóficas. Considero válida a tentativa de trabalhar os assuntos a partir do contexto dos estudantes, bem como de revistas e jornais, mas esses assuntos não carregam a Filosofia por si mesmos. Eles são materiais complementares que necessitam interagir com os saberes específicos do campo filosófico para serem problematizados Ao longo da entrevista, perguntei aos professores que livros ou materiais eles costumam utilizar. A resposta dos docentes tem relação com a análise que foi feita sobre a escolha dos conteúdos. Os professores da Escola Central disseram que: Iniciação a Filosofia, da Marilena Chauí. É muito bom! Então eles usam os três anos. O livro é deles mesmo. Os grupos leem muito, porque cada grupo lê. Então a gente seleciona o conteúdo que vamos trabalhar esse trimestre: “Óh, para ti ficou tal, para ti ficou tal...”. Então eles fazem a atividade e eles leem bastante. E cada um lê um pouquinho do grupo (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ A princípio eu utilizo muito o didático. E tem outros livros também, inclusive da Filosofia da Educação eu tiro alguma coisa. Mundo Jovem também, de vez em quando, a gente trás uns textos. E alguma coisa com Jornal ou uma Revista, mas é muito esporádico, porque é pouco tempo. Não dá para se expandir muito. Até poderia ser aproveitado muito mais, mas como a carga horária é pouca. [J.C.D. – Fica mais centrado no livro!] E noticiário também, tanto nacional, como local no Jornal Agora, ou até mesmo o Jornal 42 No momento da entrevista, o professor Paulo ainda não sabia que na escola não possuía o documento contendo o plano de ensino ou o conteúdo programático. Ele só descobriu posteriormente, quando foi procurá-lo para me entregar uma cópia. 169 da RBS, local. Então a gente procura também colocar essas notícias (Prof. César – Fil.). A professora Carmen comenta que costuma utilizar somente o livro didático, centrando-se nele e ao longo das aulas e trabalhando a leitura do mesmo. O professor César diz que utiliza muito o livro didático, mas que algumas vezes consulta outras fontes. A seu ver, a pouca utilização de outros materiais se deve ao pouco tempo que se tem para desenvolver o trabalho na sala de aula. Na escola da região periférica os professores disseram que: Estou usando o próprio livro. Até materiais que tu estás me oferecendo, também estou procurando utilizar. O Mundo Jovem também estou trabalhando. E alguns textos que eu tenho encontrado também fora disso, eu também estou buscando para me auxiliar no caso, né? (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ O referencial teórico da escola, eu estou usando o da... em Filosofia... [J.C.D. – Aquele livro da Marilena Chauí?] Acho que estou usando... é o da Marilena Chauí, sim! [J.C.D. – Foi um que o Governo Federal mandou como livro didático?] Tem uns dois livros. Esse aí é o da escola. É que eu usei o “Filosofando”, da Chauí, e tem o outro livro que eu uso, que é “História da Filosofia”, tem que dá uma olhada ali no autor. Uso o livro, as questões, não sigo a sequência dos capítulos. É conforme o que acontece. Trabalho com a ética? Trabalhei com a ética, inclusive na aula passada, trabalhei com a ética, com a moral. Agora, já nessa outra aula, eu coloquei “formas de pensar”. Então já mudou, já avançou uma metade do livro. Então tem assuntos assim que eu não vou... tudo bem que o autor pensou que para ele é interessante aquela ascensão, às vezes para o aluno não é. Ele tem que pegar por assunto, entender bem aquele assunto e contextualizar (Prof. Paulo – Fil.). A professora Patrícia comenta que utiliza o livro didático e busca também como fonte outros materiais para contribuir com o trabalho que está sendo realizado. O professor Paulo destaca o livro didático e comenta que se embasa em mais dois: um de história da Filosofia, cujo autor ele não recordava, e o livro “Filosofando”, cuja autoria o professor confundiu, visto que o mesmo foi escrito por Maria Lucia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. Na utilização desses materiais, percebo que ele toma como base o livro didático, mas não segue necessariamente a sequência dos capítulos, pois sua intenção é abordar os conteúdos a partir da realidade que o aluno vivencia no momento. Comparando essas respostas com as que foram feitas na análise anterior, vejo que os docentes não mencionaram essa ampla variedade de materiais dentro do processo de seleção dos conteúdos, tomando basicamente o livro didático como 170 o carro chefe da organização curricular da disciplina. Ao analisar as respostas, penso que eles poderiam tomar o conjunto de materiais que utilizam também como sendo a base para a organização dos conteúdos, mesmo que o programa da disciplina seja construído ao longo dos trimestres, de modo nômade (CAVALCANTI, 2009). Esse “diálogo” entre os diversos materiais de consulta possivelmente retiraria a supremacia do livro didático e ofereceria mais espaço para que os professores e os alunos pudessem trilhar por caminhos que não foram previstos pelo autor do respectivo livro. A autonomia docente ganha uma maior concretude quando o mesmo consegue se libertar das amarras de um só livro, para poder transitar por outros caminhos e conhecer novas possibilidades de trabalho. Outro fator importante destacado pelo professor César é, novamente, a questão da carga horária reduzida, que termina por impedir que o docente possa utilizar-se de mais materiais e recursos, em virtude do pouco tempo que tem para trabalhar em aula. Se a carga horária fosse ampliada, outro tipo de trabalho poderia ser feito e o rendimento das aulas se tornaria mais proveitoso. No âmbito dos conteúdos, questionei os docentes sobre a utilização de textos escritos pelos filósofos da tradição. Pelo que pude perceber, a tendência é não trabalhar com os textos dos filósofos. Começo essa abordagem trazendo a resposta dos docentes da Escola Central. Sim, sim! Trago e chamo bem a atenção, trazendo como era e como é agora. A gente faz tipo um parâmetro, uma relação (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Muito pouco, muito pouco. Sobre Platão a gente vê alguma coisa, mas é muito raro. Às vezes o que o próprio livro didático trás, um comentário, algum trecho, então a gente utiliza aquilo ali. Mas assim, separado, é muito difícil (Prof. César – Fil.). A professora Carmen comentou que utiliza, buscando trazer um paralelo entre a época em que foi escrito o texto e a atualidade. Em sua resposta, ela não aprofundou o assunto, deixando apenas relatado esse trecho. O professor César comentou que já trabalhou, mas que atualmente utiliza muito pouco. O que acontece algumas vezes é utilizar trechos desses escritos que o próprio livro apresenta. O trabalho específico com algum texto de filósofo dificilmente é realizado. Na Escola Periférica, os professores relataram que: 171 Alguns sim e outros não. [J.C.D. – Quais tu já chegou? Te lembras assim alguns que tu já tenhas trabalhado?] Eu não me lembro (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Alguns textos, muito pouco! São poucos, porque na realidade o que acontece? É a questão da linguagem. Existe já uma dificuldade grande de leitura, seja qualquer tipo de leitura. Essa dificuldade vem de dois modos: primeiro tem alguns que realmente não conseguem uma leitura, não leem. E tem outros que escolhem o que querem ler. E daí já vem, digamos assim, Harry Potter, já vem aquela questão do... [J.C.D. – História em quadrinhos deve ter algum?] Tá! Mangá entra bastante, a opção pelo oriental. Mas aquele outro de Vampiros, que tem aquela série. Então, na realidade, se a gente for observar, todas as construções desses filmes são baseados na mitologia, são baseados na Filosofia, são baseados em histórias antigas. Mas eles não percebem isso. Então, se eu observo alguém lendo algum tipo de livro assim, eu pego e trago e mostro: “Óh, esse aqui tem origem em tal e tal coisa!” [...] Então na realidade, se pegar um filme que chama a atenção, uma coisa que chama a atenção, o que tens que fazer? Tens que procurar aquilo na parte mitológica, para fazer a relação para que eles consigam entender que aquilo já existia (Prof. Paulo – Fil.). J.C.D. – Se tu trás um texto escrito por filósofo, já fica complicada a leitura com eles? Complica, complica! E agora eu estou fazendo a experiência na Sociologia, que eu pedi a leitura do “Contrato Social”, de Rousseau. Então, quer dizer... “Pô..., mas é antigo isso, não sei o que...”. [J.C.D. – Ele já começam a achar...] É, já! Pela questão... “Pô..., os alunos vão ter que ler cem páginas?”, quer dizer: a questão do número de páginas já assusta. Então agora eles já acostumaram. Eu coloco: “Já não é mais a leitura do capítulo.”. Antes era assim: “Vocês leem o capítulo tal!”; não! Agora: “Leiam a unidade tal, página de tal a tal, que é o capítulo 14, 15, 16 e 17, para a próxima aula e respondam essa questão!”. Daí eu faço uma pergunta. “Vocês vão ter que ler toda uma unidade e responder uma questão!”. Para obrigar a leitura. Então primeiro tem que se trabalhar o que? Eles vão ler, vão pesquisar, vão fazer. Vai ser respondido quatro ou cinco linhas, mas só o fato de terem lido para responder já ajuda, já tem um ganho (Prof. Paulo – Fil.). A professora Patrícia comenta que já utilizou textos de filósofos, porém não soube dizer com qual dos filósofos trabalhou. O professor Paulo disse que trabalhou pouco, porque em sua visão a linguagem utilizada pelos filósofos dificilmente atrairá a atenção dos alunos. Nesse sentido, o que ele busca fazer é relacionar os variados textos que eles leem com aspectos da Filosofia, que no trecho citado tem relação com a mitologia. No caso da experiência que ele fez com a disciplina de Sociologia, o docente propôs a leitura de uma das obras de Rousseau. Em sua análise, percebeu que os alunos se sentiram assustados com a quantidade de páginas que teriam que ler. Isso fez com que mudasse sua dinâmica de aula e começasse a propor a leitura de vários capítulos do próprio livro didático para que os alunos começassem a desenvolver o hábito de ler. 172 Analisando as respostas, percebo que existe pouca motivação para a leitura de textos de filósofos. Embora todos os docentes tenham trabalhado, nem que seja um pouco com essa atividade, reparo que a maior parte deles não vislumbra esse como sendo um dos caminhos de desenvolvimento da atividade filosófica na sala de aula, na qual o livro didático permanece ganhando o destaque principal. Para contribuir com a análise que faço, trago um trecho da entrevista concedida pelo professor doutor Geraldo Balduíno Horn, da Universidade Federal do Paraná UFPR, na qual defende o seguinte posicionamento: Defendo a tese da aproximação do texto filosófico às aulas de Filosofia no Ensino Médio, não como única possibilidade. Com isso quero dizer que: a) é possível ensinar Filosofia com qualquer texto, mas principalmente com o texto clássico/filosófico; b) ensinar Filosofia sem o texto filosófico/clássico não é recomendável, pois retira sua identidade, sua materialidade e propicia um distanciamento entre o conteúdo e o método filosófico - o modus operandi da Filosofia; c) nenhum recurso didático-pedagógico como filme, literatura, música etc. deve ser menosprezado no ensino de Filosofia, mas há que se tomar cuidado para que não ocupe (sempre) lugar central nas aulas; d) os recursos e instrumentos são necessários, mas devem ser utilizados como mediação para a aprendizagem, não como fim em si mesmos. Precisaria de mais espaço para desenvolver essas ideias, o que não será possível aqui. No entanto, o ponto fundamental desse entendimento é mostrar que o texto filosófico ocupa lugar central, sim, nas aulas de Filosofia, mas não único e exclusivo (HORN, 2013, p. 1). Ao compreender a importância do trabalho da sala de aula com o texto filosófico, considero que o mesmo tem seu lugar de destaque, mas não é o único caminho para se desenvolver um trabalho com a Filosofia. De todo modo, penso que é recomendável tê-lo presente sempre que possível, a fim de que o contato com as raízes da Filosofia possam acontecer constantemente no decorrer do ano letivo. Vejo que, pela fala dos docentes, está havendo pouco espaço para essa utilização e inclusive pouca atenção, como no caso da professora Patrícia, que não se recorda de qual texto já trabalhou com os alunos. É importante que os docentes de Filosofia busquem ampliar o contato com esse material, na medida em que também lutem pela ampliação da carga horária semanal, e permitam que os alunos consigam se aproximar da linguagem que os próprios filósofos utilizavam para expressar os seus posicionamentos diante dos problemas que se apresentavam para eles. Parece óbvio que outros recursos também serão utilizados nas aulas, incluindo o livro didático, mas o contato com os escritos dos filósofos se faz necessário na medida em que permite uma aproximação dos alunos com esses textos, possibilitando que possam sentir-se atraídos pelo 173 desafio de interpretá-los, tanto no seu período histórico, como fazendo um paralelo com os dias atuais. Uma alternativa para iniciar esse processo de leitura seria partir dos próprios gostos literários dos estudantes. Se considerarmos que alguns textos atraem mais os alunos “do que outros, pois se constituem pela imagem, por exemplo, por que não os usar como deflagadores do processo de leitura filosófica, que também pode se estender até o texto clássico de Filosofia?” (TOMAZETTI, 2009, p. 24). Nessa incumbência, caberá ao professor da disciplina realizar essa constatação. A intenção, neste momento, não é indicar quais os textos filosóficos deverão ser trabalhados em aula, pois cada docente dentro do seu contexto e de seu domínio de estudo deverá perceber quais filósofos escreveram textos que possuem relação com a leitura que estará sendo desenvolvida nas aulas e que poderão fazer parte de seus debates filosóficos. Mantendo-me ainda nessa análise, remeto-me à fala do professor Paulo e reforço o posicionamento de que é importante cuidar a linguagem do texto que estará sendo lido com a intermediação do professor nesse processo de estudo. Quando se trata do ato de ler, é preciso considerar que há uma relação necessária entre o nível do conteúdo do livro e o nível da atual formação do leitor. Esses níveis envolvem a experiência intelectual do autor e do leitor. A compreensão do que se lê tem que ver com essa relação. Quando a distância entre aqueles níveis é demasiado grande, quando um não tem nada que ver com o outro, todo esforço em busca da compreensão é inútil (FREIRE, 2003b, p. 35). Nesse sentido, se o texto filosófico não for trabalhado de modo significativo para o aluno, ou se ele for coisificado43, o estudante possivelmente perderá o interesse por ler tanto esse como outros textos de filósofos da tradição, por acreditar que todos seguem a mesma linha tediosa de escrita. Por isso, reforço a importância da atuação do docente no auxílio da interpretação e da contextualização textual na sala de aula. Citando novamente o professor Paulo, não posso deixar de abordar a atividade proposta por ele na busca pelo desenvolvimento da leitura dos alunos. Em 43 A respeito do termo coisificado, utilizo o mesmo com base no sentido que o conceito foi empregado pelo filósofo francês Edgar Morin. Segundo o pensador, a instituição disciplinar pode acarretar a coisificação do objeto de estudo. Nessa coisificação o objeto de estudo da disciplina será percebido “como uma coisa auto-suficiente; as ligações e solidariedades desse objeto com outros objetos 174 seu trabalho, o docente propõe aos estudantes que leiam vários capítulos e respondam a algum exercício proposto, a fim de que pelo menos eles se exercitem no ato de ler. Penso que esse tipo de atividade que exige a leitura em grande quantidade como “obrigatória” possa ser prejudicial aos alunos, no sentido de que os mesmos poderão perceber a leitura como algo quase que “punitivo” e que só será realizada para atender a solicitação do professor. Essa minha forma de pensar encontra respaldo no pensamento de Freire (2003c, p. 32), quando diz que: “Creio que muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes „leiam‟, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que às vezes temos do ato de ler”; e logo adiante complementa: “um dos documentos filosóficos mais importantes de que dispomos, As teses sobre Feuerbach, de Marx, tem apenas duas páginas e meia” (Idem, pp. 33-4). Se já existe pouco hábito de leitura entre os jovens, não será forçando-os a ler grandes quantidades de páginas que os ajudaremos a desenvolver o gosto pela leitura. Penso que é preciso proporcionar momentos que crescimento com a leitura, mesmo que em poucas páginas, para que aos poucos os estudantes possam entendê-la como um importante meio de aquisição de conhecimento e aos poucos vão construindo um “debate” crítico com o texto estudado. Dando continuidade às análises categoriais da Tese, investiguei qual a metodologia de trabalho utilizada pelos professores nas aulas de Filosofia. Para realizar essa análise, intercalarei as respostas dos docentes com as observações realizadas na pesquisa de campo. Começo com o relato da professora da Escola Central: É variada! Eu tento trabalhar até para fazer com que eles gostem, por isso que eu já escolhi trabalhar em grupo. Eu acho muito importante, porque aí eu responsabilizo eles mesmo: “Óh, semana que vem é tu que trás o livro!”. Porque o livro é grosso, eles vão usar o livro os três anos. Aí na outra semana é o outro. E a gente faz cartazes, a gente faz os painéis, é bem diversificado. Eles elaboram exercícios, eles trocam entre os grupos, aí a gente faz o seminário. [J.C.D. – Faz o exercício um do outro?] Exatamente! A gente: “Ah, vamos ler os resumos!”. Eu trabalho com eles: “Óh, os resumos que os grupos entregaram...”, aí a gente escolhe um resumo, aí o resumo vai para o xerox e todo mundo tem o mesmo resumo (Profa. Carmen – Fil.). estudados por outras disciplinas serão negligenciadas, assim como as ligações e solidariedades com o universo do qual ele faz parte” (MORIN, 2002, p. 106). 175 Em sua fala, a professora Carmen busca desenvolver as aulas com uma dinâmica variada, destacando-se por trabalho em grupos, onde os alunos se reúnem para desenvolver as atividades propostas. Dentro dessas atividades eles elaboram cartazes, painéis, resumos e seminários, entre outras. Nas aulas que tive a oportunidade de observar, reparei que a professora faz trabalhos em grupo, porém percebi muito desinteresse da turma com o desenvolvimento desses trabalhos na disciplina. Explicarei essa minha percepção ao longo do relato das observações. A primeira observação ocorreu no dia 08 de agosto de 2013, no período das 13h 50min. às 14h 40min.. A turma de primeiro ano observada possui 25 alunos. Nesse dia, estavam presentes 23. O período escolar corresponde à parte final do segundo trimestre. Quando entrei para a observação, percebi que a docente já se encontrava na sala. Fui perguntar o que tinha acontecido e ela disse que como a turma estava sem docente, ela subiu a aula e assumiu a turma no primeiro período, que iniciou às 13h. De qualquer modo, o segundo período também seria com ela e a professora deu seguimento à atividade. A temática do dia era “Razão”. Em aula, a professora colocou quatro questões objetivas para que os alunos marcassem uma opção correta em cada resposta. Esse trabalho era para ser feito em grupo. A aula ficou dedicada somente a essa atividade. Praticamente todos os alunos formaram grupos, somente dois ficaram isolados, uma menina e um menino. A menina estava com o livro didático e os cadernos abertos, mas o rapaz estava só escutando música. Passados 20 minutos, a professora pediu para uma dupla de alunos convidá-lo para fazer parte do grupo deles. Dessa forma, em trio, eles realizaram a atividade. Com aproximadamente 40 minutos de aula, a professora veio conversar comigo enquanto os alunos desenvolviam a atividade. A docente reforçou novamente o fato de a Filosofia ter somente 01 hora/aula. Ela disse que seria necessário ter no mínimo 02 horas/aula e que a disciplina de Seminário Integrado, que possui 03 horas/aula semanais, acabou roubando um pouco mais desse possível espaço. Ao longo da conversa, a professora falou que devido a essa restrita carga horária, não é possível fazer muito debate em aula. Outro fator que influencia também, é que ela, por possuir 12 turmas, tem que fazer trabalhos exclusivamente em grupo em praticamente todas as aulas, pois caso não faça, ficará muito difícil 176 avaliar os alunos individualmente. Abordando a questão da avaliação, a docente disse que já fez as seguintes atividades, em cada aula: elaboração de questões feitas pelos próprios alunos; aplicação das questões aos demais colegas e resumo de parte do capítulo 3, “A origem da Filosofia”, da página 28 a 32 (CHAUÍ, 2012). Por último, o trabalho que estava sendo feito são as quatro questões objetivas que servem como um preparatório para a Prova Interdisciplinar que aconteceria no mês de setembro, com cinco perguntas de cada uma das disciplinas de cada área. A PI corresponde a 50% da nota do trimestre e os demais trabalhos que ela já fez nas aulas complementam os outros 50%. Depois de realizada a observação, percebi que pouco pode ser aproveitado da aula. Na metodologia desenvolvida, não consegui avaliar o entrosamento da professora com os alunos, visto que ela colocou as questões no quadro e ficou na sua mesa realizando outras atividades. Quanto ao comportamento dos alunos, percebi que se reuniram em grupos, porém percebi que conversavam sobre diversos assuntos e em poucos momentos se centravam na atividade, a qual poderia ser realizada tranquilamente em 10 minutos. Penso que para a disciplina de Filosofia, a aula observada situa-se fora do âmbito do leque filosófico, pois não causou provocações filosóficas e apresentou questões muito básicas que exigiam “decoreba” da parte dos alunos. Um exemplo de questão foi a seguinte: A intuição é uma _________. a) compreensão b) exemplo c) é uma instituição As questões tomavam por base os conteúdos do livro didático. O argumento utilizado pela docente para fazer esse tipo de atividade era por causa da PI, porém como faltava aproximadamente um mês para a realização da prova, penso que poderia se desenvolver algo mais aproximado de um trabalho filosófico do que o que foi desenvolvido. Após essa primeira observação, marcamos a segunda. Na data combinada, dia 15 de agosto de 2013, no mesmo horário, realizei a segunda observação. Estavam presentes 23 alunos. A professora iniciou a aula continuando na mesma temática. Seguindo com a ideia de preparar os alunos para a 177 PI44, elaborou a mesma dinâmica e escreveu no quadro mais quatro questões para que os alunos entregassem individualmente, embora pudessem se reunir em grupos para fazer a atividade. Na aula anterior tinha ficado a impressão de que poderia ser entregue em grupo, mas nessa aula ela reforçou que seria individual. Esse reforço ocorreu quando a professora chamou a atenção de alguns alunos que tinham entregue um trabalho com o nome de todos os componentes, e ela tinha avisado que o mesmo deveria ter sido entregue em separado. No decorrer da aula, os alunos copiaram do quadro e realizaram a atividade. Após, conversaram com a professora sobre as dúvidas que estavam tendo quanto aos conceitos das notas, para saber se seriam aprovados ou não. Depois da conversa, a professora avisou quais alunos tinham entregue todos os trabalhos e quais ainda precisavam entregar. Devolveu também os trabalhos já corrigidos. A aula resumiu-se a isso. Depois ela ficou em sua mesa organizando seus materiais e os alunos ficaram dispersos pela sala. Alguns demonstravam estar fazendo as questões, ao mesmo tempo em que conversavam sobre assuntos variados. Após aproximadamente 10 minutos, o sinal tocou e a aula terminou. Do mesmo modo que na análise anterior, percebo que a aula foi pouco produtiva para o desenvolvimento de um trabalho filosófico. Os alunos ficavam em seus grupos e não houve desenvolvimento de debate ou reflexão. Nessa aula, foram colocadas duas questões de “definir” e duas de marcar. As respostas podiam ser facilmente encontradas no livro. Abaixo, transcrevo duas delas: Cidadania significa: a) não respeitar b) ter respeito e educação c) amar o próximo _____________________________________________________________ Defina: - Concepção cumulativa da razão: - Concepção otimista da razão: 44 Quando realizei a última observação em outubro, a docente me disse que os professores da Escola Central se reuniram e que a partir daquela data a Prova Interdisciplinar só seria aplicada aos alunos que reprovassem, ou que desejassem aumentar a nota. Dessa forma, a partir do terceiro trimestre a referida prova deixou de ser obrigatória para todos os estudantes. 178 Percebo que esse modo de conduzir a disciplina influencia diretamente nas respostas que foram dadas pelas alunas ao longo das entrevistas. O modo de condução da aula justifica também o motivo dos estudantes Tonai C. – 1º ano, Sadie C. – 1º ano e Emma C. – 1º ano dizerem que 01 hora/aula é suficiente para o desenvolvimento da Filosofia. Nas aulas que pude observar, concordo que essa carga horária seja suficiente para se realizar o trabalho de grupo em aula. Ao final, marcamos para a semana seguinte a última observação, visto que a greve por tempo indeterminado estava próxima de acontecer. Chegando o dia 22 de agosto de 2013, fui à escola realizar a última observação. O dia estava chuvoso. Ao chegar à sala, verifiquei que estavam presentes apenas três alunas e a docente não se encontrava no local. Dessa forma, não foi possível observar a aula. Aproveitei o momento e realizei a entrevista com duas das alunas presentes. Após, fui à sala da supervisão para analisar o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Nesse momento, encontrei a professora Carmen – Fil., que me disse que sua aula tinha passado para o quarto período. Como só havia três alunas, decidimos marcar a visita para a outra semana, caso não houvesse greve. Depois de analisar o PPP, fui à biblioteca conhecer os livros de Filosofia da instituição. A escola apresenta uma boa quantidade e qualidade de livros para consulta45. Na semana seguinte não foi possível realizar a observação, porque o sindicato que representa os professores do magistério estadual do Rio Grande do Sul promoveu a greve. De início, a greve estava prevista com tempo indeterminado, porém no dia 13 de setembro de 2013 a decisão tomada em assembleia a suspendeu, remarcando o retorno das aulas para o dia 16 de setembro de 2013. Nesse sentido, me reorganizei para fazer a última observação e entrevistar o aluno que ficou faltando. Passados alguns dias, entrei em contato com a professora Carmen e marquei a data da observação final, salientando que a mesma havia mudado de dia e de horário, passando a ser nas terças-feiras, das 15h 45min. às 16h 35 min. Na data combinada, 08 de outubro de 2013, realizei a terceira e última observação. A turma já estava no terceiro trimestre e estavam presentes 20 alunos. A aula aconteceu logo após o recreio. Quando tocou o sinal para o início da mesma, os alunos começaram a chegar em frente da sala e aguardar. A docente chegou 10 minutos depois. Na aula desse dia, a professora comentou que os alunos estavam 45 Alguns dos livros já foram citados em nota de rodapé, no capítulo anterior. 179 fazendo apresentações de trabalho sobre os filósofos. Cada grupo apresentaria em uma data específica, iniciando no dia 08 de outubro e terminando em 26 de novembro de 2013. Os filósofos escolhidos para serem apresentados foram: Shakespeare, Aristóteles, Sócrates, Platão, Pitágoras, Tales de Mileto, Francis Bacon, Catherine de Siena e Descartes, organizados nessa ordem de apresentação. O filósofo escolhido para ser apresentado na aula observada, foi Shakespeare. Logo de início a professora anunciou que iniciariam as apresentações e a dupla responsável pelo primeiro filósofo poderia assumir a aula. A dupla de alunos foi para a frente da sala e colocaram o nome do filósofo no quadro. Após, entregaram para todos os estudantes, inclusive para mim, uma cópia com o resumo sobre Shakespeare e três perguntas, as quais deveriam ser respondidas pelos alunos. A cópia desse resumo está no “anexo” da presente Tese, para que o leitor possa ter contato com o material e entender as próximas análises que se seguem. Na apresentação, os alunos fizeram apenas a leitura do texto. Os colegas acompanharam a mesma em silêncio. A apresentação terminou às 16h 10min. Depois disso, foi solicitado que os demais estudantes respondessem as três questões e entregassem para a dupla. Alguns alunos já estavam respondendo enquanto estava sendo feita a leitura. Após isso, a dupla corrigiria as respostas e devolveria com a nota da atividade. Enquanto faziam as atividades, os alunos conversavam entre si sobre assuntos variados e transitavam pela sala, um passando a resposta para o outro. A professora estava em uma das classes organizando seus materiais e dialogando com algumas alunas. Em certo momento, a professora pediu que os alunos fossem guardando cada resumo que era entregue pelos grupos em uma pasta, para que ao final do trimestre ela pudesse fazer a avaliação de cada aluno, verificando se todos tinham os materiais que foram entregues e se responderam as perguntas. Após, a aula encerrou. Fazendo uma análise da aula, percebo que a docente começou a desenvolver um trabalho diferente do que estava previsto no conteúdo programático para o terceiro trimestre. Isso mostra o forte potencial “nômade” que existe no currículo da disciplina de Filosofia e que talvez seja a melhor postura a se tomar, ao invés de determinar desde o início do ano letivo todos os conteúdos que serão estudados ao longo do ano. 180 Continuando na análise, vejo que novamente a professora propôs trabalho avaliado. A diferença é que dessa vez o trabalho se apresentou nos moldes dos seminários. Os alunos foram os responsáveis pela condução da aula. A intenção da docente demonstra ser boa, mas percebo pelo menos quatro equívocos que, no meu ver, precisam ser aprimorados. Abaixo, apresento-os por tópicos: 1º - O primeiro deles se dá na escolha dos filósofos. Shakespeare é conhecido por ser teatrólogo e poeta (NOVÍSSIMA, 1985b). Não encontrei referências fidedignas que afirmassem que tal personalidade tenha sido filósofo ou tenha construído alguma teoria filosófica. Uma outra personalidade que a meu ver causaria complicação no âmbito da Filosofia é Catherine (ou Catarina) de Siena. Pesquisando sobre a sua vida, constatei que a mesma era religiosa, membro da ordem terceira de São Domingo. É considerada santa pela Igreja Católica e mística (NOVÍSSIMA, 1985c). Novamente, nada de filosófico pude constatar em Catarina. Não satisfeito com a informação, entrei em contato com o professor Manoel Vasconcellos, do Departamento de Filosofia da UFPel. O professor Manoel é pósdoutor na área de Filosofia Medieval. No contato que mantivemos, questionei ao docente sobre o fato de Catarina de Siena ser filósofa. Ele me disse o seguinte: [...] tudo vai depender do que se entenda por Filosofia. Em um sentido, mais "técnico" de filosofia, não seria considerada filósofa. Em geral, ela é conhecida como uma figura importante do misticismo; é uma das poucas mulheres que recebeu o título de "Doutora" da Igreja, mas pelas referências que vejo não produziu obras propriamente de filosofia, mas sim de espiritualidade, misticismo, etc. Bom, que diferença teria de autores como Mestre Eckhart (que é considerado filósofo e é um místico)? Eu não conheço suficientemente Catarina de Siena, mas no caso de outros "filósofos místicos" como Eckhart e Nicolau de Cusa, se consegue perceber 46 uma influência de ideias filosóficas. Embora o docente não seja um profundo conhecedor do pensamento de Catarina de Siena e reconheça a possibilidade de interpretação sobre o que se entende por Filosofia, partilho do posicionamento do professor Manoel de que essa personagem histórica não é considerada filósofa. Nesse sentido, questiono a escolha de Shakespeare e Catarina de Siena como sendo filósofos que devam ser estudados nas aulas de Filosofia do Ensino Médio. Por esse fato, vejo que realmente é preciso que o docente possua formação em Filosofia para conduzir as aulas. A ignorância sobre os conhecimentos que são 46 Reprodução do trecho com a resposta do Prof. Dr. Manoel Vasconcellos à minha pergunta. 181 desenvolvidos nos cursos de Licenciatura em Filosofia e que estão previstos nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Filosofia (BRASIL, 2001) faz com que os docentes com outras formações, ao trabalhar com a Filosofia, não percebam os limites que envolvem o campo filosófico e acabem considerando, por exemplo, pessoas historicamente importantes como sendo filósofos. Esse é um alerta importante em favor da docência de Filosofia ser conduzida por um profissional habilitado na mesma. 2º - O segundo equívoco refere-se ao tempo de condução da aula. O grupo iniciou a apresentação aproximadamente às 15h 55min, visto que a aula já começou com um certo atraso. Ao final da leitura, que terminou às 16h 10min, os alunos ficaram livres para responder as perguntas. Em outras palavras, ficaram 25 minutos sobrando para que respondessem às três perguntas propostas pelo grupo. Vejo isso como algo que precisa ser mudado. Muito tempo de aula acabou sendo desperdiçado, o que prejudica realmente o trabalho com a Filosofia e faz com que os estudantes considerem que a disciplina realmente não precisa mais que 01 hora/aula para se desenvolver. Ainda sobre a apresentação, percebi que a abordagem dos alunos foi deveras resumida. O que poderia ter acontecido é a docente propor um debate com o tempo que sobrou e abordar teoricamente alguns aspectos da teoria de tal filósofo (no caso, “suposto filósofo”). Novamente, vejo a necessidade de um docente habilitado lecionar a disciplina. 3º - O terceiro equívoco apresentado, diz respeito diretamente ao trabalho entregue pelos alunos. Como é possível constatar, o trabalho entregue pelos estudantes é uma cópia – com ínfimas alterações – de um texto já existente na internet47. Em uma rápida pesquisa pelo site de buscas da “Google” é possível encontrar o texto original. Esse tipo de atividade remete à fala dos alunos, quando comentaram que deveria haver pesquisas mais aprofundadas sobre os filósofos e não apenas uma atividade na qual se copia da internet a informação e entrega para o professor. Se a docente Carmen não fizer uma busca sobre a originalidade do texto, possivelmente aceitará o trabalho como já realizado, dando a nota para os estudantes. Isso fará com que os alunos tendam a repetir esse tipo de postura que remete ao crime de plágio48. A atitude tomada pelos estudantes poderia ser 47 O texto original, que foi copiado e entregue pelos alunos, está disponível no site: http://www.suapesquisa.com/shakespeare/ 48 Cabe salientar que o ato de plagiar, além de ser antiético, é considerado crime que lesa a Lei 9.610/98, a qual refere-se a Legislação sobre os Direitos Autorais e inclusive está sujeito a sanções 182 problematizada pela docente, no sentido de apresentar o conceito de “plágio” para a turma, esclarecendo sobre a respectiva temática e alertando para as possíveis sanções que podem acontecer, caso isso continue ocorrendo. 4º - Por fim, o quarto equívoco constatado é a aplicação de questões “óbvias” para os colegas responderem. Embora as questões desse trabalho tenham sido elaboradas pelos alunos, nas aulas anteriormente observadas é possível perceber alguma semelhança na forma de elaboração das mesmas. As perguntas propostas pela dupla refletem as perguntas que já eram feitas pela docente. Na entrevista que fiz com o aluno Tonai C. – 1º ano, perguntei o que ele estava achando dos trabalhos de grupo sobre os filósofos que está sendo proposto pela professora Carmen. O estudante respondeu o seguinte: Ela falou para a gente falar de vários filósofos: Platão, Shakespeare, Aristóteles, Catherine... não sei o que, não lembro o nome dela, ao todo acho que foram 11 filósofos. [J.C.D. – E tu achas que vai ser produtivo esse trabalho? Ou de repente vai ser mais fazer só para ganhar nota também?] Fazer só para ganhar nota, porque que tipo de trabalho que ela fez? Ela falou que é para fazer assim: numa folha, somente uma folha, tu vais colocar as informações sobre o filósofo; não pode ser duas folhas. [J.C.D. – Que tipo de informações?] Informações básicas: algumas obras dele, quando ele nasceu, morreu, como foi boa parte da vida dele e... assim, essas coisas básicas. Não se aprofunda muito. E a segunda folha é para fazer perguntas, três perguntas sobre o texto que tu leu. O que a gente fez hoje na sala de aula? As perguntas eram: “Quando Shakespeare nasceu?”. E estava exatamente escrito ali na folha: “Ele nasceu em mil quinhentos e não sei o que, em Stradford-Avon”. Ou seja, era, geralmente, só pegar a resposta e copiar. E a segunda pergunta era: “Cite duas obras e dois dramas históricos de Shakespeare”. Estava escrito ali: “Obras e dramas históricos”. Era só copiar! Ou seja, as pessoas literalmente só olharam, copiaram a resposta e ganharam a nota. Trabalho que está sendo só para enrolar mesmo! É desnecessário! (Tonai C. – 1º ano). Na visão do próprio estudante, que se assemelha ao meu posicionamento, o trabalho que está sendo proposto não traz novos conhecimentos para os alunos, pois os mesmos só o fazem para ganhar nota. Isso reflete a opinião das colegas de turma também. Na aula de Filosofia, faz-se necessária a intervenção do professor como um mediador que provoca as discussões na sala de aula e fundamenta as discussões abordando os saberes que fazem parte do conhecimento filosófico. De modo contrário a essa atitude, as aulas da docente centram-se só na apresentação dos alunos, nas respostas das questões e “fim”. Não há uma discussão e um estudo mais aprofundado. Não se estudou nem a teoria do respectivo “suposto filósofo”. A penais previstas no Código Penal, Artigo 184 (BRASIL, 1940), que prevê pena de três meses a um 183 ausência do debate termina por prejudicar o estudo filosófico que deveria ser feito na aula. Dito isso, percebo que esses quatro tópicos precisam ser aprimorados em prol da qualidade do ensino de Filosofia dessa turma. Essas descobertas tornam públicos detalhes que passavam despercebidos pela própria docente, mas que estão aflorados nitidamente na fala dos alunos, visto que, segundo ela, os alunos gostam das aulas que são desenvolvidas. Se a professora de Filosofia se abrir para o diálogo e avaliação das suas próprias aulas, possivelmente saberá no que pode fazer para melhorá-las. Em alguns outros pontos, creio que somente com uma comprometida formação continuada ou com a própria formação na licenciatura em Filosofia, ela conseguirá perceber os erros cometidos e os detalhes que precisam ser corrigidos. Tendo conhecido o modo de trabalho da professora Carmen, estabeleço uma relação com a fala dos estudantes a respeito do que entendem por Filosofia e o que aprenderam com a disciplina. Primeiramente, eles colocaram os seus posicionamentos sobre o seu entendimento a respeito da Filosofia: Filosofia é a amizade pelo saber. É isso que eu entendo, por enquanto (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Nada! [J.C.D. – Das aulas que tu viu assim, não conseguisse ainda formular uma concepção?] Não! (Emma C. – 1º ano) _____________________________________________________________ De acordo com o que eu aprendi nas aulas de Filosofia, eu entendo que Filosofia é ter amizade pelo conhecimento. Amor e amizade pelo conhecimento. Querer saber as coisas, perguntar “o que é?”, “por que é?”. Enfim, amizade pelo conhecimento (Tonai C. – 1º ano). Pela resposta deles, percebo que a metodologia de aula não tem atingido o interesse das estudantes, a ponto de uma delas dizer que não entende ainda o que é Filosofia. Sadie, que apresenta uma resposta mais conhecida no meio filosófico, disse isso após consultar o livro didático – minutos antes da entrevista começar – e procurar pelo significado da palavra. Antes disso, ela não sabia o que dizer sobre o que é Filosofia. Tonai, por sua vez, também se utilizou dessa definição para comentar o que pensa a respeito do significado de Filosofia, além de salientar o espírito questionador presente na disciplina. ano de detenção, ou multa. 184 Logo em seguida, questionei sobre o que eles já tinham aprendido em Filosofia e eles responderam: Por enquanto ela passa muita coisa no quadro sobre a origem da Filosofia. E, assim, não me chama a atenção, então eu não presto muito a atenção sobre isso (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ De novo: nada! (Emma C. – 1º ano). _____________________________________________________________ A gente aprendeu a definição de Filosofia, a gente falou sobre Aristóteles, Platão, estamos fazendo outro trabalho sobre outros filósofos, também a gente deu uma olhada mais especificamente no que é a Filosofia, que tipo de perguntas que são feitas. Eles perguntam assim: “Por que o céu é azul?”, “Por que isso acontece?”; umas perguntas assim. A gente deu uma olhada nisso! A gente falou um pouco de antigamente, onde surgiu a Filosofia, né? Em geral é isso mesmo, não muita coisa (Tonai C. – 1º ano). Novamente, Emma comenta que não aprendeu algo. Já Sadie lembrou o que foi visto no primeiro trimestre, sobre a origem da Filosofia, mas não aprofundou sua resposta. O estudante Tonai aprofundou um pouco mais e citou alguns dos conteúdos que foram estudados até o momento da entrevista. Percebo que a resposta dos estudantes alerta para o efeito que o modo como está sendo conduzida a disciplina tem causado nas alunas. Seria importante pensar novas metodologias de trabalho que pudessem despertar o interesse dos estudantes e desse sentido para aquilo que está sendo estudado. Ao final do próximo capítulo, esses três estudantes deixarão registradas sugestões que podem melhorar o desenvolvimento da disciplina. Após realizar essa primeira análise, começo a apresentar a metodologia de trabalho do professor César. Em sua resposta, o docente se manifesta da seguinte forma: [...] como estou adotando o livro didático, eu acho que se não for trabalhar com o livro também é uma maneira de não valorizar, né? Não que eu seja a favor do partido, do governo, mas já que o governo está investindo e vem o livro que a gente escolheu, então eu parto sempre do livro, do texto, e depois faço o debate com os alunos. Então sempre nessa dinâmica. Depois faço uma avaliação em grupo, que é um trabalho, não é mais prova, é trabalho de grupo. E aí, depois, faço uma reavaliação para aqueles que não atingiram... [J.C.D. – Individual, né?] Individual depois (Prof. César – Fil.). O professor César comenta que em suas aulas busca partir do livro didático e depois promove o debate entre os alunos. Suas aulas costumam seguir essa 185 lógica. Posteriormente, ele faz trabalhos de grupo e caso algum aluno não consiga a aprovação, faz uma reavaliação individual para que o mesmo tenha a oportunidade de ficar com uma nota melhor. Seu relato serve de base para os dois anos em que leciona. Começando o relato sobre as observações pelo segundo ano, informo que as mesmas começaram no dia 18 de junho de 2013, no horário das 08h 40min às 09h 30min. A turma possui 34 alunos ao todo, mas estavam presentes apenas 21. Essa aula corresponde ao início 2º trimestre e ocorreu após duas semanas de avaliações, sendo que há duas semanas atrás havia ocorrido a primeira avaliação e na última semana foi feita a reavaliação para recuperar a nota de quem não havia aprovado na primeira. Na aula observada nesse dia, o professor explicou para os alunos como ficou organizada a nota do primeiro trimestre, pois muitos ainda estavam em dúvidas. O professor disse que os alunos que ficarem com notas entre 0% e 49% terão o conceito CRA; entre 50% e 69% terão o conceito CPA e entre 70% e 100% será CSA. A nota do boletim não será mais da disciplina, mas da área (envolvendo Sociologia, Filosofia, Religião ou Relações Humanas e Geografia). História ainda não entra, porque eles recém tinham conseguido professor para lecionar. Dessa forma, se o aluno ficar com o mesmo conceito na maioria das matérias da área, esse conceito se estenderá para todas as disciplinas da respectiva área. Alguns alunos reclamaram que acham ruim a avaliação dessa forma, porque se eles ficam com o conceito CRA em duas disciplinas e aprovam nas outras, terão reprovado em todas as disciplinas da área. Após debater brevemente sobre as notas e a própria implantação do Ensino Médio politécnico, o professor começou o trabalho com o conteúdo: a “Verdade”. O conteúdo trabalhado estava presente na página 106 (CHAUÍ, 2012), na seção intitulada “Dificuldades para a busca da verdade”. Ao longo da aula, ele solicitou que algum aluno lesse o primeiro parágrafo da página e começou a debater sobre. Grande parte dos alunos estava atenta e participava, apresentando seus posicionamentos e debatendo o assunto em questão. Ao final, o professor fez a chamada e encerrou a aula. Ao comparar o relato do docente com a aula observada, percebo que o professor segue na linha de trabalho que comentou. Na observação percebo que, inicialmente, o professor deixa os minutos iniciais para esclarecer dúvidas gerais que os alunos têm e que os deixa inquietos. Depois, parte para a discussão a respeito da 186 Filosofia, tomando como base inicial o livro didático. Nessa dinâmica, ele inicia a leitura do livro e traz assuntos do cotidiano dos alunos para refletir sobre. Isso demonstra sua preocupação em dialogar com os saberes abertos dos estudantes. Seus exemplos, na aula observada, abordaram a própria implantação do Ensino Médio politécnico, as fraudes no leite (que repercutiam na mídia nessa época) e os protestos que tomaram as ruas, buscando sempre relacionar com a dificuldade da busca da verdade. A todo momento o docente procurou a interação com os alunos, fazendo questionamentos. Considerei interessante que praticamente todos os alunos estavam atentos à aula. Não reparei alunos conversando paralelamente. Muitos interagiam e contribuíam com o debate quando ele fazia os questionamentos. Quando tiveram dúvidas sobre o assunto, questionaram. Na leitura do parágrafo, um dos alunos se voluntariou prontamente para ler. Ao final da aula, combinamos a segunda visita de observação. No dia 25 de junho de 2013, fui novamente à escola. Nesse dia, estavam presentes 19 alunos. A aula manteve-se na temática referente à “Verdade”. O professor retomou a leitura da página 106 (CHAUÍ, 2012). Após concluir, começou a relacionar o tema com os acontecimentos da atualidade, falando sobre os protestos e questionando sobre onde estaria a fonte da verdade nas informações que foram passadas. Ele falou também sobre os investimentos financeiros do Governo e logo após, fez a chamada e deu continuidade à aula, propondo um debate. A dinâmica foi a seguinte: um aluno dizia um número (até 34, no máximo; que corresponde ao número total de alunos) e o aluno da chamada que correspondesse àquele número responderia a pergunta do professor. As respostas deveriam ser ditas com base na opinião dos estudantes. Ao todo foram feitas quatro perguntas, para quatro alunos diferentes. A intenção é que se iniciasse um debate, de modo que outros também poderiam falar. Na primeira, o professor perguntou o que o aluno achava sobre o que estava sendo dito pela mídia a respeito das manifestações. Na segunda, perguntou para outro aluno: “esse movimento todo vai levar a quê?”. Na terceira, questionou: “por que o movimento é apartidário?”. Por fim, a última pergunta foi proposta por uma aluna e ela mesma quis responder a respeito da “cura gay”. Os debates giraram apenas em torno da opinião dos alunos e do professor. Ao final da aula, ele deixou os 10 minutos finais para conversa livre, visto que o debate não rendeu como estava 187 previsto. Nesse tempo final veio conversar comigo e comentou que nas outras turmas os debates “pegaram fogo”, mas que nessa os alunos não falaram tanto. Aproveitamos esse pequeno espaço de tempo para conversamos um pouco sobre a pesquisa que estou fazendo e combinamos a próxima visita para a semana seguinte. Logo em seguida a sirene tocou e a aula findou. Com relação a essa observação, percebi que na aula o professor iniciou diretamente com a leitura do texto, para depois trazer exemplos do contexto dos alunos. A atividade que foi desenvolvida após a “chamada dos alunos” teve um propósito interessante, pois proporcionou a reflexão, o diálogo e a exposição das opiniões dos estudantes. Por outro lado, senti falta da abordagem que contemplasse o leque filosófico. Não se estabeleceu nenhuma relação com o conhecimento filosófico em si, ficou-se apenas no âmbito do que os alunos achavam sobre os assuntos problematizados. Quanto à participação dos estudantes, percebi que a maior parte deles participava, prestando a atenção ou opinando. A ausência da reflexão filosófica ou de alguma outra forma de trabalho que contemple o leque filosófico pode se dar pela reduzida carga horária de que o docente dispõe para trabalhar. Vejo que os alunos gostam quando se traz para a discussão questões do cotidiano deles. Muitos, se não todos, participam da aula. Vejo nesse momento de estímulo uma oportunidade para que o docente possa inserir os conteúdos de cunho filosófico na “reflexão opinativa” do aluno, auxiliando a problematizar os conhecimentos que esse já possui. De qualquer modo, embora o debate tenha se pautado pela opinião dos estudantes, percebo que o professor tem o cuidado de dar o embasamento filosófico à aula, por meio da leitura de parágrafos do livro didático. Embora não problematize filosoficamente a opinião dos alunos, ele realiza a leitura de trechos do livro, contextualizando com a vida deles. Por fim, a última observação aconteceu no dia 02 de julho de 2013. Nessa aula estavam presentes 27 alunos. A aula continuou com a temática referente à “Verdade”. O professor iniciou fazendo a leitura da página 107 (CHAUÍ, 2012) e no momento em que conduzia a leitura, explorava os exemplos trazidos no próprio texto e interagia com os alunos, de modo que os mesmos traziam outros exemplos que lembravam, como propagandas de margarina, carro e desodorante. Entraram novamente em debate as manifestações, a proposta do Governo Federal sobre o plebiscito e uma análise crítica sobre o salário dos docentes do magistério estadual do Rio Grande do Sul. O professor terminou a aula com a leitura na página 107, 188 novamente, e anunciou que na semana seguinte seria realizada a primeira avaliação de grupo, a partir do conteúdo que foi estudado até então. Ao explicar a avaliação ele disse que os alunos não precisariam se prender somente ao livro e que poderiam fazer reflexões pessoais na resposta. A aula encerrou após essa explicação. Ao analisar essa última aula, percebi que o professor manteve a mesma dinâmica das demais, intercalando leitura do livro didático, exemplos da realidade dos alunos e debates. Na aula observada, praticamente todos estavam atentos e participando. Mesmo que o número de alunos presentes tenha aumentado bastante, comparando com as aulas anteriores, a maioria participou. O que observei no debate foi que o mesmo segue girando em torno da opinião dos alunos, não indo além da doxa. O professor busca um embasamento filosófico ao ler o texto e estabelecer relações, mas não chega a aprofundar no âmbito do leque filosófico. Por outro lado, acredito que se o professor desejasse ampliar a discussão em um viés filosófico, possivelmente não conseguiria, porque o tempo de 50 minutos realmente é muito pouco para o exercício de tal atividade. Buscando analisar o efeito que essas aulas causam no entendimento dos alunos sobre o que é a Filosofia, pedi que os mesmos manifestassem seu posicionamento a respeito dessa questão. Eles disseram que: Eu acho que é uma matéria que serve para ti argumentar algumas coisas, a expressar o teu ponto de vista sobre algum assunto e o que tu entendes sobre algum assunto. Debater também. É o que eu entendo por Filosofia. [...] Ah... e tem o negócio da busca também, né? A Filosofia te leva à busca, ao questionamento sobre alguns assuntos. Aí tu desenvolve, tu faz a Filosofia em cima de algumas questões. Eu acho que é isso (Francine C. – 2º ano). _____________________________________________________________ É isso [referindo-se a fala da Francine]! É debater, é impor a opinião que a pessoa tem sobre determinado assunto (Lara C. – 2º ano). _____________________________________________________________ Eu acredito que Filosofia é uma disciplina que nos ajuda a pensar mais, a entender as coisas por um sentido até onde a nossa mente vai; questionamento. Que eu acho que é muito importante também e a gente sempre tem que estar se questionando e acho que a Filosofia ajuda a isso, a gente achar respostas que só a gente mesmo busca, assim, que a gente tem, que a gente entenda. Eu acredito (Tadeu C. – 2º ano). A aluna Francine apresenta uma resposta mais aprofundada sobre o assunto e define sua percepção de Filosofia como sendo o debate, o questionamento e a expressão do ponto de vista a respeito de algum assunto. A 189 aluna Lara pensa de modo semelhante, percebendo a Filosofia como um momento de debate e exposição49 de opiniões. O aluno Tadeu também a percebe como o exercício do pensamento e do questionamento, a fim de que o ser humano possa se conhecer cada vez mais. Pelas falas, vejo que a dinâmica das aulas do professor se reflete na exposição dos estudantes. Nessas respostas é possível perceber que os alunos compreendem bem a Filosofia no sentido do debate e troca de opiniões, mas ainda existe a ausência do aprofundamento filosófico. Suas respostas giram em torno das discussões, mas não estabelecem relações com os conhecimentos construídos pela Filosofia. Nesse ponto é preciso, ainda, que o docente consiga tornar filosóficos os debates que acontecem nas aulas. No que diz respeito ao que eles aprenderam em Filosofia, levando em consideração tudo o que já tiveram até então, eles disseram que: O professor cita muito os negócios do dia-a-dia, tipo ele questiona, ele faz a gente questionar. Às vezes a gente acha que tem um negócio que está certo sobre um determinado assunto e a gente tem que aceitar do jeito que foi imposto para a gente, sem falar nada, sem impor a opinião. É que nem esses protestos que teve também, entendeu? Daí é isso que ele fala, ele muitas vezes cita os negócios... de namoradinhos que as meninas ficam e acham que são, sei lá, né? Ficam fora da casinha, a pessoa “ah, não sei quê...”, apaixonadinha, ilusionam muito (Lara C. – 2º ano). Aí acham que é o amor da vida. Aí descobre, vamos supor, uma mentira e vai... (Francine C. – 2º ano). É a mesma coisa quando se é criança e vai crescendo, que ele falou também, que quando é criança se acredita em um monte de coisas, acredita em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa. Aí vai crescendo e vê que não é bem assim, não é como está imposto, como os pais vão mostrando, vão falando. [J.C.D. – Ele problematiza essas questões assim?] É! (Lara C. – 2º ano). _____________________________________________________________ A interpretar também o costume das pessoas, da população, no caso. A entender um pouco mais a mente humana, também crenças, que a gente viu isso no primeiro ano que eu me lembro, assim. O meu primeiro ano foi mais voltado para a parte de mitologia, então era bem os costumes dos povos gregos, de acreditar em divindades. [J.C.D. – E esse ano, tu te lembras assim o que trabalharam de conteúdos?] A gente trabalhou, que eu me lembro assim mais por cima, foi a busca pela verdade; razão também a gente trabalhou (Tadeu C. – 2º ano). A aluna Lara, complementada pela colega Francine, comenta que nas aulas de Filosofia elas debatem questões do cotidiano, problematizando esses assuntos, 49 A aluna utiliza a palavra “impor”, mas nesse caso (como em alguns outros) essa pode ser interpretada como “expor”, pois percebo que ao longo da entrevista (em mais de uma vez que ela 190 para não aceitarem os mesmos da forma como são apresentadas à primeira vista, ou assuntos que se pensa serem verdade, mas que ao aprofundar, descobre-se que era mentira, como é o caso do Coelhinho da Páscoa, por exemplo. Com relação a conteúdos, mais especificamente, Lara comenta ainda que o professor trabalhou com assuntos sobre a verdade, sobre a certeza, sobre a segurança, sobre a razão, sobre o motivo das coisas acontecerem (Lara C. – 2º ano). O estudante Tadeu C. relembra que no primeiro ano estudaram muito sobre a mitologia e que no segundo, estão trabalhando com as temáticas verdade e razão. Essas duas temáticas estão presentes no conteúdo programático que o professor César me entregou. Analisando as respostas dos alunos, constato que os mesmos realmente estudaram conteúdos voltados para o campo temático da Filosofia, porém não chegam a estabelecer essa relação quando definem o que é Filosofia para eles. Penso que se os conteúdos filosóficos estudados dialogarem mais com os saberes abertos dos estudantes, será possível o estabelecimento de relações e a compreensão da Filosofia como uma disciplina que vai além do debate entre opiniões, constituindo-se com um campo de pensamento mais profundo e rigoroso do que a concepção que está presente em suas respostas. Com relação à turma de terceiro ano, a primeira observação ocorreu no primeiro trimestre, no dia 03 de abril de 2013, no horário compreendido entre as 08h 40min até as 09h 30min. A turma possui 23 alunos, mas estavam presentes 17. Na aula observada, o professor trabalhou com a temática “Razão”, tomando por base a página 69 do livro da Chauí (2012), cuja seção está intitulada como “razões e razão”. Antes de abordar o assunto, o professor devolveu a primeira avaliação – realizada em grupo – corrigida para os alunos, a qual tomou por base as páginas 68 e início da página 69. Nessa os alunos tiveram que escrever um texto reflexivo sobre alguns tópicos da respectiva parte do livro. Após entregar os trabalhos, o professor comentou que quem desejar a reavaliação poderá fazê-la na próxima aula. Alguns alunos aceitaram. Depois disso, o professor começou a abordar o assunto referente à temática da aula, colocando no quadro os tópicos a respeito desse tema. De início utilizou-se dessa palavra) a ideia de seu argumento não diz respeito à “imposição” de um pensamento sobre o outro. 191 ele fez uma aula expositiva sobre a razão e começou a relacioná-la com o sentimento, a partir da frase de Pascal expressa no livro; a frase é: “O coração tem razões que a razão desconhece” (CHAUÍ, 2012, p. 69). Após, o docente começou a questionar os alunos perguntando o posicionamento deles sobre o assunto, estabelecendo relação também com a pergunta sobre o que seria o “crime passional”. Os alunos foram respondendo a partir do que sabiam. Depois utilizou como exemplo um dos alunos e comentou a questão da paixão. A turma se divertiu nesse momento. Ao longo das provocações colocadas pelo professor, uma aluna disse que o amor não existia. O professor passou a palavra a ela, que disse que só existia troca de carinho, mas não amor. Teve um alvoroço na sala sobre o assunto, mas o docente retomou o assunto razão e não continuou a problematização levantada pela estudante. Depois disso, o professor retomou a leitura de parte do livro, mas somente uns quatro alunos acompanharam a leitura em suas mesas. Boa parte desses passaram a aula com as mochilas fechadas em cima de suas classes. Por fim, o professor interrompeu a aula para fazer a chamada e, no horário previsto, a aula terminou. Quanto à observação dessa aula, novamente percebi que o professor busca manter o contato com os conhecimentos filosóficos por meio do livro didático. Ele trabalha com os conteúdos do livro e ao mesmo tempo interage com os alunos, lançando questionamentos que os fazem estabelecer a relação com o conteúdo estudado. Percebi que quando o professor fala sobre o conteúdo em si, explicando o significado de razão ou lendo partes do livro, a maior parte dos alunos dessa turma ficou dispersa. Alguns conversando entre si e outros olhando para o nada, de modo introspectivo. Poucos ficaram atentos a sua fala. Porém, quando o professor começou a fazer questionamentos, a trazer exemplos do cotidiano dos alunos e a fazer relações dos conteúdos com situações engraçadas, os alunos começaram a prestar a atenção e participaram manifestando seus posicionamentos. Infelizmente, o debate não chega a acontecer porque o tempo termina rapidamente e o professor, que está preocupado em trabalhar o conteúdo filosófico também, não pode se deter muito na discussão, pois caso contrário não andaria com a matéria. Pelo que observei, o currículo de Filosofia como espaço nômade (CAVALCANTI, 2009) serve muito bem para a aula, visto que no momento em que o professor entrou no assunto referente ao amor, o debate animou os alunos, mas fugiu do tema inicial da aula. Porém, se o currículo se construir efetivamente como 192 um espaço nômade, poderia se começar a discussão, partindo do senso comum dos alunos e iniciando na aula seguinte o debate sobre os sentimentos e as discussões filosóficas que já foram feitas sobre o tema, por exemplo. Entendo que o professor, de certo modo, já trabalha o currículo nessa perspectiva de mudança ao longo do ano letivo, construindo em cada tempo os respectivos trimestres, mas se houvesse espaço para a mudança dentro do próprio trimestre para essa respectiva turma, muito se teria a ganhar, pois os alunos se interessaram bastante pela problemática levantada, a qual teve que ser interrompida para que o docente seguisse com o conteúdo da aula. Enfim, quanto à relação com os saberes abertos, percebo que o professor mantêm essa preocupação, pois embora não parta desses saberes, estabelece relações do conteúdo com as vivências contextuais que os alunos possuem e isso chama a atenção deles, pois sentem que podem participar da discussão a partir de algo que já conhecem. A segunda observação ocorreu no dia 08 de maio de 2013, um mês após a primeira. Estavam presentes 17 alunos. Houve esse longo espaço de tempo entre as observações porque na semana retrasada houve paralisação e na passada foi feriado do dia do trabalhador. Na aula desse dia o professor deu início ao segundo trimestre. Ao longo da aula, o docente colocou os conteúdos programáticos que seriam trabalhados ao longo desse período. O trimestre tomaria por base o capítulo 11, intitulado “Ignorância e verdade”, envolvendo as páginas 104 a 107, do livro de Chauí (2012). A aula transcorreu com base nessa temática e inicialmente ele abordou os assuntos presentes nas páginas 104 e 105. Logo no início da aula, o professor relembrou que as avaliações do primeiro trimestre levaram em conta apenas as páginas 68 e 69 do livro. Fez uma abordagem paralela com a vida escolar de uma criança conhecida dele, do 5º ano do ensino fundamental, que teve provas em mais de quatro disciplinas na mesma semana, e os textos de estudo tinham mais de cinco páginas. Trazendo isso, ele reflete sobre o nível de estudo que está sendo exigido do Ensino Médio e problematiza com os alunos a questão do interesse deles em estudar. Após o comentário inicial, ele começou a escrever no quadro, em tópicos, o que seria abordado no respectivo trimestre. A maior parte dos alunos copiou o conteúdo. O professor começou a aula problematizando a respeito do que é a Filosofia e afirmou que não existe uma definição única. Fez a leitura de um trecho do livro Iniciação a Filosofia, de Maria Aparecida Schiviato. Após, começou a explicar o 193 conteúdo, remetendo-se a alguns dos tópicos do quadro e iniciando com a leitura de partes do texto da página 104. O professor leu alguns trechos e refletiu sobre os mesmos, trazendo exemplos do cotidiano e levantando questionamentos para os alunos. Alguns participaram do debate. Quando o professor explanava, os alunos demonstravam não estar muito interessados, mas quando o docente utilizou exemplos e fez questionamentos, boa parte deles prestava a atenção e ria, quando o assunto era engraçado. Quando o docente questionava-os sobre a verdade ou a mentira, eles interagiam, explanando os seus posicionamentos. Parte dos alunos trouxe lanches para vender no intervalo do recreio, visto que estão para concluir o Ensino Médio e precisam angariar fundos para a formatura. Isso fez com que alguns se distraíssem no decorrer da aula. Faltando cinco minutos para encerrar a aula, o professor terminou a abordagem do conteúdo e liberou o espaço para que eles pudessem conversar entre si sobre assuntos diversos e acertar alguns detalhes da venda dos lanches, a qual ocorreria no intervalo do recreio. Analisando essa segunda aula, reparei que o desenvolvimento da mesma ocorreu de modo semelhante à primeira. O docente não se utiliza dos saberes abertos como base inicial, mas começa do livro didático. Ele parte do conteúdo proposto no livro e inicia a reflexão, para depois trazer exemplos cotidianos e propor questionamentos que façam parte dos saberes abertos dos discentes. Percebo que o interesse dos alunos desperta quando o professor utiliza uma linguagem que perpassa o campo de conhecimento deles, por meio dos exemplos e dos questionamentos. Quando o professor inicia falando do conteúdo, poucos alunos prestam a atenção. Quando o docente interage e provoca com questionamentos, a atenção e a participação dos alunos aumentam bastante. A última aula observada ocorreu no dia 15 de maio de 2013. Estavam presentes 19 alunos. A temática da aula foi “Ignorância e incerteza”, dando continuidade ao seguimento do livro (CHAUÍ, 2012), na página 105. O professor começou refletindo sobre o significado de ignorância e de incerteza, estabelecendo relações com as questões de fraudes que acontecem e aparecem na mídia, citando como exemplo o caso das marcas de leite que foram proibidas de ser comercializadas. A maior parte dos alunos estava atenta à aula e um deles comentou o fato. O professor seguiu falando sobre a temática e trazia outros exemplos como o caso da utilização de meios ilícitos que às vezes os próprios 194 alunos fazem quando para tirar uma boa nota nos trabalhos avaliados, copiam de outros colegas ou colam para passar. Mais adiante, o professor solicitou que algum aluno começasse a leitura do livro. Um dos alunos se dispôs e iniciou a leitura da seção “desejo de verdade”. O aluno foi lendo cada parágrafo e o professor solicitava pausa para explicar, propor exemplos e fazer perguntas aos estudantes. Os próprios alunos, nessa interação, traziam exemplos também. O decorrer da aula seguiu nesse ritmo. No momento em que o assunto estava relacionado à “mentira”, os alunos participaram bastante e citaram experiências de mentira que já vivenciaram, como o caso de um dos colegas de aula que telefonou para uma colega dizendo que estava mal no hospital e a mesma se preocupou bastante, quando era mentira. Relataram também das mentiras de infância como Papai Noel e Coelho da Páscoa. Após o debate, a aula encerrou. Ao observar essa última aula, percebi que a maior parte dos alunos se interessou pelo assunto. Muitos participaram e deram exemplos de coisas que viveram. Um fato que me chamou a atenção, novamente, foi o não aprofundamento da discussão com os alunos. Acredito que isso se deve ao fato de que o tempo de aula é muito pouco e dentro de mais alguns encontros ele já terá que aplicar uma avaliação. Assim, como o docente deve seguir com os conteúdos filosóficos do livro, ele não faz uma pausa muito prolongada para debater, mas apenas acolhe a fala dos alunos e dá seguimento ao conteúdo, explicando-o com propriedade. Percebo que a relação do professor com os alunos é muito boa. Esses participam, riem e respeitam quando ele chama a atenção pedindo silêncio. Percebo que o docente segue a mesma dinâmica em ambos os anos e o trabalho com o conteúdo filosófico se inicia pelo conteúdo do livro, para depois estabelecer a relação com os saberes abertos e fazer sentido para os alunos. Se ele ficar somente falando sobre o livro os alunos ficam quietos e não interagem tanto. Analisando a prática docente do professor, percebo que o mesmo busca manter o embasamento filosófico das aulas, mas em certas atividades não consegue estabelecer a ponte entre “a opinião e a Filosofia”, permanecendo apenas na opinião dos alunos. Mesmo assim, sinto uma maior firmeza em seu trabalho e percebo que os alunos que participaram da entrevista apresentam um posicionamento diferente, ao comparar com as respostas das alunas da professora Carmen. Acredito que as aulas do professor César têm um potencial muito grande para se desenvolver no 195 âmbito filosófico, caso seja possível a ampliação do tempo semanal de aula, visto que o docente teria mais tempo para iniciar a problematização dos assuntos com os alunos e depois relacionar com os conteúdos que fazem parte dos saberes específicos do campo filosófico. Com a finalidade de compreender qual é a percepção de Filosofia que os alunos dessa turma têm, a partir das aulas que já tiveram, perguntei para eles o que entendem por Filosofia. Os estudantes responderam que: Eu acho que Filosofia é, mais ou menos, estudar a origem das coisas. Da razão, do saber, que é necessário para a gente aprender. Por que depois podem perguntar: “Ah... da onde surgiu isso?”. Aquela coisa assim, sobre o que eu falei agora. E a gente não saber, né? Eu acho que é necessário por isso (José C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Filosofia é uma forma de fazer a gente pensar. Pensar mais nas coisas. Da onde a gente veio? Para onde a gente vai? Por que a gente faz isso? Por que a gente faz aquilo? Essas coisas (Pablo C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Bom, para mim Filosofia são todos os pensamentos dos filósofos. Acho que é mais a maneira assim para pensar, eu acho. Seguindo o que eles [filósofos] falavam, as frases. Eu gosto de Filosofia até. Para mim Filosofia é isso (Camila C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Bom, na verdade o que eu via de Filosofia antes de entrar no Ensino Médio era sobre os filósofos mesmo. Depois que eu entrei no Ensino Médio, começaram a abordar assuntos, tipo agora mesmo, razão... conhecimentos assim. Então eu tenho isso sobre Filosofia (Aline C. – 3º ano). Pelas respostas, constato que os alunos do terceiro ano já desenvolvem uma visão ampla em seus argumentos e destacam aspectos do campo filosófico em suas respostas. Na fala de José percebo que o mesmo entende a Filosofia como um campo de estudo que busca saber a origem dos acontecimentos e dos conceitos utilizados pelo ser humano, trazendo como exemplos a razão e o saber. Seu colega Pablo apresenta uma visão mais voltada para o questionamento sobre o sentido da vida, na qual por meio do exercício filosófico é possível desenvolver a reflexão sobre esses assuntos. A aluna Camila reflete que a Filosofia é o estudo dos filósofos, a partir das teorias que eles construíram historicamente. A estudante Aline comenta que antes de frequentar o Ensino Médio, tinha ideia de que era o estudo dos filósofos apenas, mas ao cursar a disciplina percebeu que também é possível estudar temáticas que foram problematizados pelos filósofos e suas teorias. 196 Analisando a fala desses quatro estudantes, percebo um maior grau de maturidade nas respostas, o que demonstra que as aulas do professor César no terceiro ano, somando-se aos conhecimentos adquiridos no primeiro e segundo ano, levam os alunos a ter uma percepção mais próxima do leque filosófico. Os alunos fazem conexões de suas falas com assuntos próprios da Filosofia, permitindo um maior embasamento nos argumentos. Nesse âmbito, vejo como reforçada a importância de ter um docente habilitado na disciplina para lecioná-la e percebo que a metodologia de trabalho desenvolvida pelo professor começa a dar “fruto filosófico” nos argumentos dos estudantes a partir do terceiro ano. Suas aulas dialogadas, bom base nos conteúdos do livro, permitem aos jovens estabelecer relações de suas opiniões com os saberes filosóficos. Essa é uma conquista muito importante e pode ser aprimorada cada vez mais. Com relação ao posicionamento desses sobre o que aprendem em Filosofia, os mesmos disseram que: A gente, agora, está aprendendo sobre razão e razões. E saber também (José C. – 3º ano). _____________________________________________________________ [...] no sentido matéria, a gente está vendo razões, emoções, essas coisas. É isso aí (Pablo C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Bom, eu aprendi sobre os conceitos de verdade, razão. Conhecimentos sobre algumas frases, sobre mentira. Eu aprendi mais sobre o conceito de cada um dos filósofos mais importantes (Camila C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Praticamente a mesma coisa [que foi dita pela Camila]. Ele abordava assuntos e pedia a nossa opinião sobre isso também. Conversa sobre o que ele estava explicando. Foi mais ou menos isso (Aline C. – 3º ano). Os alunos José e Pablo mencionam alguns dos conteúdos que estão estudando no terceiro ano, referentemente ao primeiro trimestre. A aluna Camila destaca o estudo de conteúdos e conceitos dos filósofos. A estudante Aline confirma a resposta da colega e destaca também os debates que são propostos pelo professor sobre os temas estudados. Vejo que nessas falas os alunos conseguem lembrar tranquilamente os conteúdos que são estudados nas aulas. Posto isso e relembrando a fala dos alunos do segundo e do primeiro ano, percebo que o posicionamento defendido pela 197 supervisora Carla só tem relação com parte das alunas do primeiro ano. Carla acreditava que os alunos não saberiam dizer o que estudavam em Filosofia. Essa constatação só se confirmou na fala de Emma. Os outros estudantes souberam definir o que estudavam e na medida em que evoluíram nos anos, aperfeiçoaram as suas respostas, estabelecendo uma relação cada vez maior com os conteúdos próprios do campo filosófico. Na escola da região periférica, inicio a análise também pelo primeiro ano. Nesse sentido, apresento a fala do professor Paulo: [...] primeiro eu faço uma análise da turma. Eu procuro... a primeira coisa: cheguei na aula, tenho que avaliar tudo. O ânimo da turma. Dependendo do ânimo da turma, eu já... ou coloco direto exercício: “Página tal, exercício tal, vão fazendo!”, até que se acalmem. “Leiam de tal página até tal página e resolvam tais questões!”, seguindo o livro didático. Ou dependendo, se eles estão mais calmos, bom, daí dá para pensar, dá para dar uma aula dialogada. “Óh, vamos falar tal assunto. Vamos pensar. Vamos debater tal assunto.”; caso contrário, não dá! Então realmente tem que se fazer uma análise da turma: o que aconteceu antes? O que aconteceu depois? O horário? Então, o primeiro horário é complicado porque eles chegam dormindo. O último horário eles querem sair, estão saindo. Então chega na metade da aula eles já querem se aprontar para ir embora. Quer dizer, uma metade da aula de 50 minutos, fica reduzido a 25. E colocando aqueles itens que eu falei: chamada, identificação do exercício, avaliação – que entra no politécnico –, avaliação individual, no somatório... quer dizer, existe muito pouca coisa. Fora a atenção. Então daí dá para se considerar que realmente a pessoa não tem uma atenção muito grande, muito mais que 15 a 20 minutos, devido à própria questão da mídia, né? Que nós somos condicionados a, de repente, assistir a um filme, tem o intervalo comercial, e assim vai. Então a pessoa acaba se condicionando, se dando um tempo. “Olha, fiquei tanto tempo. Agora eu tenho que me dar um tempo!”. Quer dizer, é uma série de coisas que envolve (Prof. Paulo – Fil.). De acordo com o docente, sua metodologia de trabalho dependerá do modo de comportamento da turma. Se os alunos estiverem agitados, ele passa exercícios até eles se acalmarem. Caso os estudantes estejam mais tranquilos, ele se propõe a fazer uma aula mais dialogada. O professor se manifesta também a respeito do horário da aula. Como ele leciona Sociologia e depois Filosofia, respectivamente, nos primeiros horários do turno da tarde, em sua percepção, os alunos chegam “dormindo” em aula, o que dificulta o trabalho. Outro ponto é a questão do tempo de concentração que os alunos têm em uma determinada atividade. O professor constata que os estudantes costumam ficar aproximadamente 20 minutos atentos, após isso perdem o foco de atenção. Em comparação ao seu relato, apresento os dados que obtive na observação das aulas. A primeira observação ocorreu no dia 05 de agosto de 2013, 198 período de finalização do segundo trimestre. O horário da aula é das 14h 20min às 15h 10min. No caderno de chamada constam 37 alunos, mas na aula estavam presentes 18. A temática da aula está relacionada ao “Simbolismo”. Inicialmente o professor fez uma autoavaliação de cinco minutos para que os alunos analisassem o seu aprendizado na disciplina. Cada um preencheu e entregou para o docente. Quanto à chamada, foi passada uma folha e os alunos assinaram a presença. Após a primeira atividade, o docente passou de classe em classe para saber se os alunos tinham respondido as nove questões da página 178 do livro da Chauí (2012), as quais abordavam assuntos referentes à psicanálise, à alienação, ao modo de produção capitalista e à ideologia. Os estudantes que responderam as questões ganharam “um positivo” e os que não fizeram receberam “um negativo”, ficando como tarefa trazer as respostas na aula seguinte. Não houve reflexão ou debate sobre as questões. No decorrer da aula, o docente falou por cinco minutos sobre a existência dos símbolos e sua presença no modo de conhecimento mitológico, científico e evolucionista. Ao longo dessa explicação, parte dos alunos prestou atenção. Boa parte demonstrava estar dispersa e interessada em assuntos pessoais de seus grupos. Após, o professor apresentou quatro edições da Revista Filosofia e falou brevemente sobre cada uma. Por fim, destacou um informe da última revista que dizia o seguinte: “Troca em até 30 dias?”. Essa mensagem se referia aos relacionamentos que não duram mais que um mês. Como a turma estava muito dispersa e poucos estavam atentos à aula, o professor decidiu passar uma atividade para a próxima aula. Os alunos teriam que fazer um texto argumentativo sobre o respectivo questionamento, enfatizando o vínculo imaterial, pesquisando e trazendo na aula seguinte. Após passar essa atividade, o professor encerrou a aula. Combinamos que a próxima observação será na próxima semana. Nessa primeira análise, percebi que os alunos demonstraram estar pouco estimulados para estudar os assuntos propostos. Participaram rapidamente, mas logo se dispersaram em conversas paralelas. O professor buscou relacionar o conteúdo com o contexto dos alunos ao abordar a questão dos símbolos, mas mesmo assim, o interesse acabou logo. Essa é uma turma mais agitada, comparada com as outras que foram observadas e é a única turma de Ensino Médio à tarde na escola. Um fator prejudicial ao ensino filosófico, que pude perceber, foi a ausência de debate após a resposta das nove questões. O professor apenas conferiu quem 199 fez ou não fez a atividade, encerrando o assunto por ali. Não houve problematização, questionamento ou reflexão. Penso que esse modo de trabalho “coisifica” a Filosofia e coloca para fora do leque filosófico a atividade que está sendo desenvolvida, visto que a mesma acaba tendo o fim em si própria, não servindo para mais nada, a não ser o ganho do positivo na nota. Destaco ainda que pelo que pude perceber, o professor apenas olhou se foram feitas as respostas, lendo rapidamente os cadernos, de classe em classe e atribuindo o positivo. Ele não chegou a conferir profundamente se estavam corretas, ou não. Essa forma de trabalho prejudica a Filosofia e o seu ensino. A observação da segunda aula aconteceu no dia 12 de agosto de 2012. Nessa aula o professor trabalhou a temática referente à “Verdade”. Estavam presentes 18 alunos organizados em grupos. A proposta de trabalho foi a de realizar a leitura de dois textos, presentes no livro didático (CHAUÍ, 2012). O primeiro texto é da página 114, da parte “diálogos filosóficos” e tem como título Sobre a verdade e a mentira em um sentido “extramoral”. O texto é escrito por Danilo Marcondes. O docente pediu que todos tivessem o livro em mãos para acompanhar a leitura. Os que não estavam com o livro, deveriam se sentar próximo aos que possuíam. A proposta é que cada aluno fosse lendo um parágrafo por vez. Um aluno leu o primeiro parágrafo. O docente questionou o que haviam entendido e somente um colega se posicionou. O docente concordou com o posicionamento do aluno, mas não houve novas manifestações dos demais. Dessa forma, o professor solicitou que outra pessoa lesse novamente o parágrafo, com pausas para a reflexão após a leitura de algumas frases. No recomeço da leitura, uma aluna deu seguimento. Quando o professor levantou o questionamento novamente, uma aluna se manifestou. O professor também concordou com sua fala, mas não houve um debate maior. Outros dois alunos leram o longo parágrafo seguinte, mas ninguém se posicionou quando foram questionados. Após a leitura do primeiro texto, o docente comentou que o mesmo realmente é muito denso e de difícil interpretação. Alertou dizendo que o segundo texto teria uma linguagem mais acessível. O segundo material a ser lido foi o da página 115, intitulado Como a verdade é possível. Seguindo no mesmo modo de leitura, eles leram os três primeiros parágrafos. Como os alunos estavam muito dispersos, ele trouxe uma chamada de capa da Revista Cálculo, na qual diz como título: “Sonho com premonição de morte”. O docente leu brevemente o trecho da 200 capa e os alunos ficaram mais atentos na aula. Alguns alunos expuseram brevemente suas opiniões. O professor buscava estimular o debate entre os alunos. Quando questionou se a turma acreditava que a Filosofia poderia estar em tudo, um dos alunos disse que não. Nisso, ele propôs uma reflexão com a turma, imaginando a seguinte situação: “Um trem anda desgovernado. Na rua tem um homem perto da alavanca que altera o curso do trem. Se o trem seguir no seu curso, atropelará 10 pessoas. Se o homem ativar a alavanca, o trem mudará de rumo e atropelará apenas um menino. Porém, esse menino é o filho da pessoa próxima à alavanca. Que decisão tomar?”. Esse problema inquietou os alunos, chamando a atenção deles para o problema proposto. De todos os alunos, 14 foram a favor de manter o rumo e quatro foram a favor de desviar. O professor destacou que ali entravam discussões no campo da razão e da ética, porém não trouxe nenhum embasamento filosófico para analisar o problema proposto. Seguindo na problemática, os alunos continuaram se manifestando, mas somente no campo opinativo. Sem chegar a uma conclusão entre todos, tocou a sirene de encerramento da aula e encerrou-se a discussão. Analisando essa aula percebi que os alunos estavam mais quietos no início. O professor solicitou a leitura e eles aceitaram ler. Porém, reparei que não estavam muito atentos. Enquanto os colegas liam, muitos ficavam conversando sobre outros assuntos paralelamente. No momento de responder aos questionamentos do docente, a maioria ficava em silêncio. Isso foi transcorrendo em praticamente toda a aula. Quando o professor falou sobre o problema do “trem”, percebi que os alunos ficaram atentos e se motivaram a participar. Ao observar isso, analisei um forte potencial dessa atividade para promover o debate com os alunos. Vejo que quando o docente lança um problema desafiando os mesmos, eles se interessam. Porém, como o tempo de aula é curto, em uma aula não se pode aprofundar muito. Isso faz com que se prejudique o trabalho filosófico, pois o debate acaba girando apenas em torno da opinião. Reparei que a interrupção com o término da aula gerou uma falta de sentido no debate proposto, visto que não se chegou a lugar algum na conversa e apenas se pensou sobre as possibilidades de decisão a se tomar na situação simulada. Acredito que não é necessário se chegar a uma única resposta consensual, mas penso que é preciso que a atividade tenha começo, meio e fim. Do jeito que acabou sendo trabalhada, foi apenas começo e meio. Isso prejudica a aula. 201 Depois de encerrado o período, saí da sala dialogando com o professor. Ao longo da conversa, esse me sugeriu que eu desse uma aula para os alunos, pois ele queria que eu sentisse “na pele” como era a sensação de estar ali, na frente, conduzindo uma turma de Ensino Médio da rede estadual, bem como desejava também ver como eu me sairia, para poder aprender a partir da minha prática. O professor falou que acontece muitas vezes da Universidade ficar lá, distante, dizendo o que os professores devem fazer. Ele quis propor que eu conhecesse a docência na prática da sala de aula. Dito isso, chegamos ao consenso de que na aula seguinte eu iria fazer a última observação e na outra, trabalharia algum conteúdo a ser escolhido na próxima aula. Minha intenção era de escolher uma temática que pudesse dar continuidade ao trabalho do professor. Encerrando as observações, a última aconteceu no dia 19 de agosto de 2013. Em aula estavam presentes 16 alunos. A temática abordada foi “Ética e Moral”. Logo no início da aula, o professor propôs contar duas histórias para que os alunos analisassem. Antes de começar, os alunos perguntaram pela história da aula anterior, para saber o final. O professor conversou rapidamente sobre a história, mas não chegou a responder sobre o final da mesma. Os alunos demonstraram frustração e em seguida, o professor começou a contar as duas novas histórias. A primeira tratava do mestre e do aprendiz, na qual o aprendiz traz um pássaro em suas mãos, escondendo-o atrás de seu corpo. Ele pergunta ao mestre se o pássaro está vivo ou morto. Se o mestre responde que está vivo, o aprendiz mata. Se o mestre diz que está morto, o aprendiz solta o passarinho. O mestre respondeu: a resposta está em tuas mãos. A segunda história é da tartaruga que está para atravessar um rio e o escorpião pede auxílio, prometendo que não a picaria. Essa negou, em princípio, mas depois confiou no escorpião. Quando estava chegando ao outro lado do rio, o escorpião a pica. A tartaruga questiona o ato e o escorpião responde: “me desculpe, mas é da minha natureza picar”. Ao longo das histórias, todos os alunos ficaram atentos e participaram das reflexões. O professor encerrou as histórias e fez uma reflexão sobre as atitudes morais. Não chegou a aprofundar filosoficamente o assunto e nem citou nenhum filósofo. Após, propôs que os alunos escrevessem um texto de 10 linhas, individualmente, relacionando as duas histórias com as temáticas de ética, moral, julgamento ético e julgamento moral. Os alunos ficaram desenvolvendo a atividade, 202 em silêncio. Na medida em que iam terminando, entregavam ao professor e ficavam conversando entre si sobre assuntos diversos. Alguns alunos não escreviam e só conversavam, e o professor estimulavaos a escrever algum texto. Ao final, todos escreveram. A aula terminou e encerraram-se as observações da pesquisa de campo nessa turma. Na semana seguinte ficou combinado que eu assumiria a classe na aula de Filosofia. Pelo que pude observar, reparei que o professor começou muito bem ao trazer as histórias para refletir. Acredito ainda que ele poderia ter concluído a história da aula anterior, visto que os alunos estavam curiosos com a mesma. De qualquer modo, foi interessante perceber que todos os alunos ficaram atentos e participativos com as duas novas histórias. Penso que se o docente, após contá-las, começasse a trazer reflexões filosóficas do campo da ética e da moral, a trazer o posicionamento dos filósofos, ou até consultando o livro didático, a aula teria sido muito produtiva e com forte participação dos alunos no contato com os assuntos da Filosofia. Porém, ao invés de propor esse debate, o professor pediu que eles escrevessem um texto. Quando fez essa proposta, percebi que os alunos ficaram desestimulados, mas mesmo assim fizeram a atividade. O problema principal que identifiquei foi que a aula deixou de ser produtiva filosoficamente, no sentido de que os alunos, após concluírem seus escritos, conversavam sobre assuntos aleatórios, perdendo o espírito reflexivo que tinha sido despertado com as duas histórias contadas. Após conhecer o modo de trabalho do docente, apresento a fala de seus estudantes sobre o que eles entendem por Filosofia. Essas foram algumas das respostas: Olha, na aula do professor Paulo, eu não consigo entender muito bem a matéria que ele dá. Eu tenho uma certa dificuldade de entender, tipo a gente trata assuntos, assim, que não são muito comuns e que eu tenho uma dificuldade de entender. [J.C.D. – Tu não saberias dizer o que é Filosofia, por enquanto? Ou o que tu achas, assim... não tens uma ideia?] Não! Ele trabalha muito com o livro, com coisas de nomes de filósofos, de textos, de interpretar e só isso mesmo (Carolina P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu não entendo Filosofia, porque ele dá muito texto e a gente tem que ler, tem que resumir e apenas ir lá e completar as perguntas. Eu acho que a gente teria que ter um pouco mais de aprofundamento no que é mesmo Filosofia. [J.C.D. – Debates, alguma coisa assim?] Isso! A gente teria que ter mais debates na sala, porque a gente vê muito pouco (Sherlei P. – 1º ano). _____________________________________________________________ 203 Eu acho que Filosofia é uma matéria que faz a gente pensar bastante, refletir bastante sobre as coisas do dia a dia, sobre o que acontece com a gente todo dia, em qualquer lugar (Roberto P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Acho que é uma matéria que vários pensadores tiveram a ideia, eles escreveram isso e agora estão passando para nós para ver se nós concordamos com eles, ou não. Então é pensar sobre tudo aquilo que eles pensaram também (Ricardo P. – 1º ano). A aluna Carolina percebe que o professor trabalha em suas aulas trazendo textos do livro didático e falando sobre alguns filósofos, porém ainda não consegue definir a sua compreensão sobre o que seja a Filosofia. A aluna Sherlei também não consegue definir a sua concepção sobre Filosofia por considerar que nas aulas eles fazem muitos trabalhos de resumo ou de resposta a perguntas. A estudante acredita que precisa haver mais debates nas aulas. Nas aulas observadas, percebi que o professor tentava estimular o debate, mas poucos manifestavam seu posicionamento. Por esse tipo de atividade não acontecer, o docente passava outras atividades para os alunos fazerem e depois entregar para ele. De modo diferente, pela fala dos alunos Roberto e Ricardo, percebo que as problematizações que o professor buscava fazer chamaram a atenção deles, visto que os mesmos respondem no sentido de a Filosofia ser uma disciplina que faz com que os alunos reflitam bastante, ao mesmo tempo em que estudam o pensamento que os filósofos elaboraram. Acredito que se o professor dedicasse mais aulas para debates, buscando aproximar-se sempre que possível do leque filosófico, a tendência é a de que os alunos compreendessem melhor o que pode ser Filosofia e entendessem mais os assuntos que são desenvolvidos nas aulas. Mantendo-me na análise, perguntei aos estudantes o que eles aprendem em Filosofia. A seguir, apresento algumas das respostas: É mais ou menos o que eu te falei, trabalhar com filósofos, o que é senso comum, coisas assim que estão meio que acontecendo agora, entendeu? A gente fala sobre os protestos que aconteceram agora, também com bastante textos e com perguntas (Carolina P. – 1º ano). _____________________________________________________________ A gente aprende muito, muito mesmo, a resumir. Porque como ele dá muito texto, a gente tem que resumir. Às vezes ele dá 15 linhas para a gente resumir um baita de um texto. Então a gente acaba aprendendo a resumir bem! [J.C.D. – E esse trabalho de resumir ele faz avaliado?] Ele avalia todas as aulas! (Sherlei P. – 1º ano). _____________________________________________________________ 204 A gente aprende sobre vários filósofos e o que eles pensavam, o que eles achavam, os estudos que eles tiveram, lá antigamente na Grécia, Roma (Roberto P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Aprendemos várias visões de ideias e pensamentos, de ações que vamos fazer ou já fizemos, até para não errar de novo. Pensamentos que vários outros já pensaram e agora estão passando para nós (Ricardo P. – 1º ano). Nessa resposta a aluna Carolina conseguiu trazer um posicionamento mais voltado aos conteúdos que foram trabalhados, mas não chegou a estabelecer essa relação na sua fala anterior. No decorrer da resposta ela comenta que o professor dá bastante textos para leitura e resposta às perguntas. A aluna Sherlei, sem titubear, respondeu que o que eles mais aprendem é a resumir. Sherlei não chegou a falar sobre os conteúdos, apenas mencionou essa forma de trabalho avaliada e disse que em todas as aulas o professor faz algum tipo de avaliação. Analisando essas respostas, trago novamente a questão da avaliação diária na sala de aula e reforço o posicionamento de que ela pode estar a serviço da antifilosofia. Digo isso, em especial, pelo relato da Sherlei, que quando questionada sobre o que aprende na disciplina, ela disse que aprende a fazer resumos sobre os textos lidos, objetivo que cairia muito bem para as aulas de Língua Portuguesa. Carolina ressalta também a quantidade de leituras e perguntas que tem que fazer nas aulas. A realização demasiada de trabalhos avaliados faz com que a disciplina perca o seu sentido filosófico, dando a entender para os alunos que eles precisam fazer os trabalhos somente para terem uma nota melhor e não para aprender algo novo. A variação metodológica das atividades a serem feitas nas aulas pode modificar a concepção dos estudantes sobre o que vem a ser a Filosofia. De modo diferente do que foi relatado pelas alunas, o aluno Roberto destaca que para ele a Filosofia é o estudo dos filósofos e os seus pensamentos. O estudante Ricardo vê na Filosofia um espaço para a prudência, em que se estuda as visões e pensamentos dos Filósofos, ou de situações que possam ser vivenciadas por eles, e problematiza as mesmas para que cada pessoa reflita bem antes de agir e não cometa os erros que outros já cometeram. O relato desses estudantes representa a parte da turma que consegue acompanhar o trabalho desenvolvido pelo docente e consegue expressar mais diretamente os assuntos que estudam nas aulas de Filosofia. É importante destacar que será muito válido se o docente conseguir tornar sua aula mais dialógica, para 205 que a compreensão sobre o que é Filosofia possa alcançar a turma de modo mais amplo e a disciplina possa fazer sentido vital para a maior parte dos estudantes. Seguindo o acordo que foi combinado com o professor Paulo, na semana seguinte desenvolvi a aula com a turma. O magistério estadual já tinha determinado a greve, porém como a escola ainda estava em discussão para saber se aderiria ou não, a turma teve aula. No dia 26 de agosto de 2013, me encontrei com a turma. A temática da aula foi sobre “Ética e moral”. A aula transcorreu com tranquilidade e os alunos participaram da mesma ativamente. Iniciei a aula com um breve debate, trazendo o caso da criança (Marcelo Pesseghini) que estava sendo acusada de matar os pais e fiz um paralelo com a definição de “reflexão filosófica” do Saviani (2000). Depois, a partir dessa definição, falei que essa é uma das interpretações que se tem da Filosofia, na qual se busca analisar um determinado problema da realidade de modo radical, rigoroso e de conjunto, para depois se posicionar sobre o assunto em questão. Dessa forma, mostrei que existe diferença de analisar o caso da criança com base na opinião e com base na Filosofia. Após essa explicação inicial, propus dois problemas para sensibilizar os alunos: no primeiro perguntei o que eles achavam de uma pessoa se relacionar com outra por interesse financeiro, trazendo como exemplo o caso da personagem Valdirene, da novela “Amor a vida”, da rede Globo. No segundo momento, elaborei uma problematização inspirada no texto de Kant (1997) e perguntei o que eles diriam para o assassino que estava à procura de uma pessoa que era de sua confiança e que procurou abrigo em sua casa. A maioria falou que mentiria para o assassino, a fim de proteger essa pessoa50. Depois desse pequeno debate, apresentei as três formulações morais kantianas51, relacionando-as com os dois exemplos. Os alunos participaram atentamente da aula, com algumas conversas paralelas enquanto debatíamos as histórias. Logo em seguida a aula terminou. Em virtude do tempo, não foi possível ler uma parte do texto de Kant (1997) que eu tinha destacado, para que os alunos pudessem ter um contato inicial com a escrita do filósofo. O trecho falava a respeito do posicionamento do filósofo sobre um assunto semelhante ao segundo problema 50 Para saber mais, conf. Kant, 1997, pp. 5-6. As três formulações morais são: 1ª) Age de modo que a máxima de tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de lei universal; 2ª) Age de modo a considerar a humanidade, seja na tua pessoa, seja na pessoa de qualquer outro, sempre como fim e nunca como meio; e, 3ª) Age de modo que a vontade possa ser considerada como universalmente legisladora em relação a si mesmo (REALE & ANTISERI, 2009). 51 206 que levantei na reflexão, a respeito do direito de mentir. Deixei o material impresso para o professor Paulo, caso ele quisesse dar continuidade à discussão na aula seguinte. Ao final, quando eu estava para ir embora, um dos alunos passou por mim e comentou que a aula estava muito boa. No caminho para sair da escola, fui conversando com o professor e ele me comentou que tanto ele como os alunos gostaram da aula. Paulo falou que consegui pegar um tema de discussão que chamou a atenção deles. Em resposta, falei que isso aconteceu porque eu tinha percebido que aquela turma gostava de escutar histórias e prestava atenção nas mesmas. Tomando isso como base, foi tranquilo desenvolver o trabalho e manter a atenção deles enquanto abordava conteúdos de cunho filosófico também. Para essa aula, eu já tinha entrevistado os alunos e nessa conversa alguns deles tinham comentado que as aulas seriam melhores se houvesse debates sobre assuntos de seus interesses. Sabendo disso, tomei como base essa “dica” e planejei a aula que foi desenvolvida. Essa experiência docente não estava no planejamento da minha pesquisa, mas considero que foi muito valiosa na medida em que confirmou dois posicionamentos que tenho, a saber: primeiro, é preciso que os professores conversem com seus alunos e conheçam os seus interesses. As sugestões que eles poderão dar possivelmente contribuirão para o aprimoramento do trabalho que estará sendo desenvolvido na aula, aumentando as chances de um maior interesse com relação ao conteúdo que estará sendo estudado. O segundo posicionamento diz respeito ao aumento da carga horária. Em 50 minutos, pouco dá para se fazer. Quando busquei trabalhar com a leitura de um trecho do texto de Kant, o tempo acabou e não foi possível realizar esse estudo. Se eu tivesse, consecutivamente, mais 50 minutos de aula, possivelmente a segunda parte da aula se deteria na leitura e reflexão filosófica sobre o texto do filósofo alemão, relacionando com outras questões do cotidiano dos alunos. Voltando novamente ao campo das observações, no que diz respeito às turmas de segundo e terceiro anos, a professora responsável pelas mesmas comentou como funciona sua metodologia de trabalho: Eu me baseio um pouco pelo livro. Materiais que recebo também. E troca com os colegas, também, são os materiais que utilizo. E partir daí eu vou dando uma estudada, olhando, para ver também o interesse que eles estão tendo. Só que eu tenho um certo receio de fugir um pouco do que é colocado num programa, em função do aluno. Porque assim, se eles trocam de turno, ou trocam de colégio, o que sempre foi solicitado para nós é que 207 eles tenham, mais ou menos, um currículo padrão para que eles não sofram essa diferença de uma escola para outra, ou trocar até de um turno... e até na nossa escola acontece. Já está acontecendo mudanças. Mas aí a gente está tentando fazer umas ligações para que eles possam não sentir tanta diferença (Profa. Patrícia – Fil.). Em sua resposta, a docente não comentou como desenvolve as aulas. Ela apenas disse que se baseia no livro didático e em materiais de outras fontes, ressaltando que se preocupa em não fugir do programa para não prejudicar o aluno. O problema que identifiquei em seu argumento é que na escola esse programa ainda não está construído, como foi possível constatar anteriormente na Tese, o que na realidade dá espaço para que o professor possa trabalhar o que quiser em qualquer parte do ano letivo. Com relação às aulas observadas, inicio pelo segundo ano. A observação começou no dia 21 de junho de 2013, no período em que corresponde ao segundo trimestre. O horário da aula era das 08h 40min às 09h 30min. Na chamada há 32 alunos, mas estavam presentes 15. É importante frisar que o dia estava chuvoso e com o esse tempo a tendência na rede pública é de os alunos faltarem. A temática da aula dizia respeito ao “Conhecimento” e o conteúdo trabalhado foi sobre o respectivo assunto. Inicialmente a professora fez a chamada. Após, pediu que os alunos lessem as suas respostas sobre as seguintes perguntas, que já haviam sido propostas na aula anterior: “O que é conhecimento?” e “O que é preciso para conhecer?”. Após alguns alunos lerem as repostas, a docente entregou um texto para que eles pudessem realizar a leitura em aula, em voz alta. Cada aluno leu um parágrafo. O título do texto é “O que é conhecimento?”. No mesmo, não estava identificada a fonte, nem a autoria, indicando apenas que foi extraída do “gmail”. Depois da leitura do texto, a professora fez questionamentos buscando a relação das respostas deles com os textos lidos. Nos questionamentos, relacionou com os projetos dos seminários integrados, com os protestos que aconteceram no país e na cidade. Os debates giraram em torno da opinião dos alunos e ao final da conversa a professora perguntou qual relação com os conceitos trabalhados no texto que foi lido. Alguns alunos estabeleceram a relação. Ao encerrar a aula, a professora deixou uma tarefa para casa: cada aluno deveria entrevistar uma pessoa e perguntar o que ela pensa sobre os protestos. Os alunos deveriam relacionar a 208 opinião do entrevistado com o tipo de conhecimento apontado no texto, a saber: empirista, racionalista, ceticista, dogmático ingênuo e dogmático crítico. Analisando essa aula, percebo que a docente se preocupa em relacionar os conteúdos filosóficos com os saberes abertos dos alunos. Porém, reparo que o debate na aula girou muito em torno da opinião dos alunos sobre os assuntos em questão e não se pautou na Filosofia. Apenas ao final da aula, a docente buscou estabelecer a relação dos argumentos, pedindo que os alunos situassem o tipo de conhecimento de que falavam, com base nos conceitos apresentados no texto “O que é conhecimento?” (empirista, racionalista e etc.). Reparo que a docente tem buscado material de Filosofia para estabelecer relação com os assuntos estudados, mas pouco se aprofunda filosoficamente ao longo da aula. Um risco que reparei foi na utilização do material de consulta, pois o mesmo não indica nem que foi o autor do respectivo escrito. Isso mostra que a ausência de formação em nível superior na disciplina pode fazer com que a pessoa pegue textos não-confiáveis para o desenvolvimento do trabalho nas aulas. Percebi, também que no debate um pouco mais da metade dos alunos participaram da discussão, enquanto a outra parte conversava paralelamente sobre outros assuntos. Ao final da aula combinamos que a próxima visita seria na semana seguinte. Ao longo da semana que se sucedeu, entrei em contato com a docente e descobri que ela não poderia lecionar devido a um problema pessoal. Deixamos para remarcar na outra semana. O tempo foi passando e após a última aula observada, os alunos não tiveram mais aula de Filosofia, por diversos motivos, entre eles chuva forte, atividade da turma fora da escola, ausência da professora por problemas pessoais e por fim, desde o dia 09 de agosto de 2013, após as férias letivas do meio do ano, a professora deixou a disciplina para buscar assumir somente a disciplina de sua habilitação. Dessa forma, desde essa data a turma não tem professor de Filosofia. A partir de então e assim como no segundo ano, a turma de terceiro ano que foi observada também estava sem aula de Filosofia. Fazendo os cálculos, percebi que desde o dia 28 de junho de 2013 a turma de segundo ano estava sem essa aula. Esse ocorrido fez com que eu tivesse que interromper as observações no segundo ano, até que o novo docente pudesse assumir a disciplina e a turma, o que 209 não ocorreu pelo menos até o mês de outubro de 2013 (período em que encerrei a pesquisa de campo nas escolas). Buscando saber com os estudantes o efeito que as aulas de Filosofia causam em suas compreensões a respeito da disciplina, perguntei o que entendem por Filosofia. Suas respostas foram: Filosofia, para mim, eu acho que é mais para esclarecer os pensamentos das pessoas com o que ela vê. Eu acho que é só isso mesmo. Mais para esclarecer os pensamentos (Olívia P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Por Filosofia, de todas as aulas que eu já tive, acho que eu não consegui chegar num conceito sobre o que que é de verdade (Estefani P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Eu entendo como se fosse o estudo do pensamento das pessoas. Como as pessoas pensaram e formaram opiniões sobre diversos assuntos. Então seria o estudo do pensamento da pessoa, de opiniões das pessoas (Sérgio P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Na verdade eu não tenho um pensamento real e formado, mas eu acho que é o estudo do pensamento do que nós guardamos no dia a dia. Tudo o que a gente vê e tenta estudar mais aprofundado (Zac P. – 2º ano). Analisando a compreensão dos alunos, vejo que a percepção que os mesmos têm sobre a Filosofia – exceto para Estefani – é a de que essa é uma disciplina na qual se estuda o pensamento dos seres humanos e suas opiniões, buscando se aprofundar nessa questão. Vejo que a visão dos alunos apresenta alguma relação com a Filosofia, porém seus posicionamentos ainda se mostram muito simplificados e sem um aprofundamento mais claro sobre o que vem a ser esse campo do saber. Posteriormente, perguntei aos estudantes o que eles aprenderam em Filosofia. Suas respostas foram: Absolutamente nada! [J.C.D. – Nada? Em que sentido, assim, tu diz?] Nós deveríamos ter Filosofia, no que mais? Na ação, a ideia das pessoas, né? O que elas estão fazendo. E o nosso cotidiano. Mas a gente não tem na Filosofia o que deveria. A gente tem é mais coisas de Religião (Olívia P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Para mim também a mesma coisa [referindo-se a fala da Olívia], porque a gente teve muito pouca aula e no ano passado, quando a gente teve mais aulas do que esse ano, para mim era mais sobre Ensino Religioso. Não parecia nem um pouco sobre aula de Filosofia (Estefani P. – 2º ano). _____________________________________________________________ 210 A gente aprende sobre os filósofos, quais eram as ideias deles. É basicamente isso. Em contraste com relação aos dias de hoje. É como se tu trouxesse aquilo que eles falavam para os dias de hoje (Sérgio P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Eu digo o mesmo [referindo-se a fala do Sérgio]. A gente aprende sobre os filósofos e o pensamento deles em relação com os dias de hoje (Zac P. – 2º ano). A resposta das alunas e dos alunos divergiu fortemente. Na visão delas, as aulas de Filosofia se assemelham muito às aulas de Ensino Religioso, sem abordar discussões de cunho filosófico. Por outro lado, os alunos identificaram conteúdos filosóficos no ensino da disciplina, salientando que estudam o pensamento dos filósofos e sua relação com a atualidade. Analisando a fala dos estudantes, entendo que a docente Patrícia trabalha a disciplina com um enfoque mais religioso, abordando também o estudo dos filósofos. O que ocorreu é que esse último enfoque marcou mais os alunos Sérgio e Zac, enquanto que as alunas Olívia e Estefani esse estudo não causou tanto efeito, ficando registrado mais o cunho religioso da disciplina. Considero perigoso um ensino religioso, ou doutrinário ou moralizante na disciplina de Filosofia, pois esse tipo de atividade tende a se constituir como antifilosófica. Quanto ao caráter religioso da disciplina, perguntei para as alunas sobre o que é enfatizado no estudo a respeito de religiosidade. As estudantes comentaram que a docente aborda conteúdos sobre o catolicismo. Certamente, esse tipo de trabalho ocorre pela ausência de formação da professora no ensino da disciplina. Esse fato alerta novamente para a necessidade de profissional habilitado para lecionar Filosofia nas escolas, a fim de evitar um ensino catequético da mesma. Encerrado a análise sobre as observações, no terceiro ano a observação começou no primeiro trimestre, no dia 18 de março de 2013. O horário de aula foi das 08h 40min às 09h 30min. Na chamada constam 26 alunos; mas estavam presentes 17. Na aula observada, a professora escutaria o posicionamento dos alunos diante de problemas levantados a partir da temática referente a “questões da atualidade”. Como os alunos não tiveram aula na semana anterior, na aula desse dia eles se reuniram em grupo para debater entre si as questões, a fim de apresentar na aula seguinte. As questões propostas pela professora foram: por que o PAPA renunciou? O que é moda? Você acredita que o ser humano vai deixar de escrever? A pena de morte é a solução? 211 Os alunos, divididos em quatro grupos, se reuniram e cada grupo pegou um questionamento. Os grupos estavam reunidos normalmente e conversavam sobre diversos assuntos, na medida em que desenvolviam a atividade proposta. Um dos alunos de um dos grupos, ao entregar o trabalho por escrito à docente, disse: “Isso é o que a gente acha agora, mas se der para pesquisar, dá para achar mais coisas”. A aula se desenvolveu dessa forma. Combinei com a professora Patrícia que retornaria a observar daqui a duas aulas, visto que na próxima os grupos apresentariam os posicionamentos elencados e na posterior eles teriam realizado alguma pesquisa sobre o assunto ao longo da semana e a docente introduziria conteúdos filosóficos na análise dos questionamentos. Em alguns momentos da aula a professora veio conversar comigo comentando que não sabia se estava no caminho certo, mas acreditava que sim. No horário previsto terminou a aula e deixamos agendada a próxima visita. Nesse primeiro momento de análise, percebo que a atividade proposta pela professora parte dos saberes abertos dos alunos, trazendo questões atuais que perpassam de alguma forma a vida deles. A ideia inicial demonstra ser a de conhecer o que os mesmos sabem sobre esses assuntos, com fundamento no próprio senso comum deles. A aula ficou dedicada para esse trabalho em grupo. Posteriormente, a intenção da docente era de começar com uma reflexão mais crítica sobre o assunto. Com relação à preocupação da professora em saber se está no caminho certo, vejo como importante, pois ela demonstra interesse em apresentar um teor filosófico para as aulas que desenvolve. Por outro lado, percebo a necessidade de um docente habilitado na área lecionar a disciplina, pois o mesmo não sentiria essa insegurança de correr o risco de não trabalhar corretamente (de modo filosófico) as aulas de Filosofia. A segunda observação ocorreu no dia 01 de abril de 2013. Estavam presentes 19 alunos. Nessa aula a professora organizou um trabalho de duplas, para que os alunos escrevessem a respeito da pena de morte, com base em um texto da Revista Mundo Jovem, intitulado “O que não justifica a pena de morte”, de autoria do professor da PUCRS Olírio Colombo. As três questões que os alunos deveriam responder estavam presentes no próprio material do xerox, em um item específico para isso. 212 Pude observar que os alunos debatiam em grupos, porém reparei que poucos leram o texto, mas apenas iam direto para as perguntas buscando respondêlas com base em suas opiniões. O trabalho de grupo se desenvolveu até as 09h 15min. Após, cada grupo leu rapidamente suas respostas ou comentou sobre cada um dos itens, sem acontecer um debate entre todos. Houve apenas a exposição das respostas. Como a professora queria escutar os posicionamentos dos alunos sobre todas as questões, ela pedia que cada grupo falasse a opinião, primeiramente, sobre a questão um, depois a questão dois e por fim a questão três. Nas explanações, somente um grupo apresentou relação com o texto (ao falar da parte emocional que envolve a decisão pela pena de morte), embora não tenha citado o mesmo. Ao final da fala dos alunos, a professora pegou um dos temas e levantou alguns questionamentos sobre a pena de morte, refletindo sobre o assunto. Ao longo dos questionamentos que estavam sendo levantados, bateu o sinal e a aula acabou. Não foi possível acontecer o debate. Combinei com a docente de observar a próxima aula, pois a intenção dela é tocar em assuntos filosóficos. Ao analisar a aula observada, percebo que a professora ainda conduz a mesma no âmbito do senso comum. Embora tenha utilizado o texto como base, o mesmo não chegou a ser explorado, nem por ela e nem pelos alunos. Por outro lado, percebi que os alunos demonstram interesse pelo debate. Nesse sentido, creio que se a docente trabalhasse com apenas uma questão, ao invés das três propostas pelo próprio material consultado, os grupos poderiam manifestar seu posicionamento e ainda debater sobre o assunto, pois teriam um tempo maior para tal atividade. Reparei também que partir de temas que fazem parte da vida dos alunos, desperta o interesse dos mesmos. Esse modo de trabalho oferece uma riquíssima oportunidade para se adentrar no âmbito das problematizações filosóficas, podendo trabalhar com questões referentes à ética ou à política, por exemplo, resgatando o posicionamento de alguns filósofos sobre o assunto. Como o tempo de um período semanal é realmente pequeno, penso que a alternativa seria trabalhar com poucas questões problematizadoras e utilizar a maior parte do espaço para a discussão, buscando a relação com a problematização filosófica. A minha intenção na aula seguinte seria de observar como a docente conduziria a turma nesse sentido. No dia 08 de abril de 2013 realizei a terceira observação. Estavam presentes 20 alunos. Na aula desse dia a professora iniciou o trabalho com o livro didático (CHAUÍ, 2012). Ao chegar à sala, a docente solicitou que os alunos abrissem o livro 213 no capítulo 26 – da página 261 a 269 –, intitulado “A existência ética”, e lessem o conteúdo do livro. Após, deveriam responder as 11 questões propostas ao final do capítulo. O trabalho era para ser feito individualmente. Ao longo da aula, alguns alunos falaram que estavam sem o livro. A professora saiu da sala por alguns minutos e conseguiu, na secretaria da escola, alguns livros para os alunos que não tinham levado. Após, sentou-se em sua classe e começou a fazer anotações pessoais, enquanto os alunos ficaram em vários grupos fazendo a atividade e conversando entre si sobre outros assuntos. No decorrer da aula, a professora disse que as questões poderiam ser entregues na semana seguinte. Em alguns momentos da aula, a professora chamava a atenção dos alunos, informando que o trabalho era individual, mas isso não alterava o comportamento da turma. Às 09h 30min tocou o sinal e a aula terminou. Observei a respectiva aula com uma certa preocupação. Percebi que a docente não deu continuidade ao trabalho realizado na aula anterior, o qual seria estabelecer relação dos assuntos que estavam sendo estudados com os conteúdos filosóficos. Pelo que pude observar, me questionei quanto à condução da disciplina por um docente habilitado em outra área. Quando a professora me disse que iria iniciar o trabalho com o livro, criei a expectativa de que haveria algum debate ou apresentação inicial dela sobre o assunto, visto que os alunos ainda não tinham trabalhado com o livro didático. Ao iniciar a aula, me “decepcionei” ao verificar que a docente propôs novamente um trabalho a ser feito pelos alunos. A preocupação aumentou quando verifiquei que a leitura que deveria ser feita em aula continha nove páginas, somando-se às 11 questões que deveriam ser respondidas; questões essas que já vinham elaboradas no próprio livro didático. Essa forma de trabalho me remeteu à entrevista de Kohan (2012) quando ele se posiciona criticamente quanto à utilização desse material, reforçando o argumento de que o simples trabalho com o livro didático ou algum texto filosófico não garante que a aula de Filosofia seja desenvolvida de modo filosófico, ou – utilizando-me da analogia desenvolvida nessa Tese – dentro do âmbito de possibilidades do leque filosófico. Outra análise que faço é a de que não houve relação alguma entre o conteúdo de aula e os saberes abertos dos discentes. A professora simplesmente começou a atividade com o livro e não estabeleceu relações com as discussões que se iniciaram na aula anterior. Foi só o trabalho com o conteúdo do livro, como se a 214 atividade fosse filosófica por si mesma. Quanto aos alunos, esses fizeram a atividade normalmente, por vezes escrevendo e por outras conversando sobre variados assuntos. A aula também não teve relação dialógica entre professora e alunos, apenas monológica. O diálogo que aconteceu, se deu no “bate papo” entre os estudantes. Penso que a experiência vivenciada nesse dia me proporcionou sérias reflexões sobre o fato do docente de outra área lecionar Filosofia. Por outro lado, reconheço a boa vontade da professora em buscar se aproximar dos conteúdos filosóficos nas aulas que desenvolve, porém é preciso outros atributos para que o trabalho seja efetivamente filosófico e significativo para os alunos. Após realizar essa visita, conversei com a professora e combinamos de eu assistir mais uma aula. Isso aconteceu pelo fato de eu ter observado três aulas e em todas o que pude ver foram trabalhos de grupo ou em dupla. Até mesmo na atividade que era para ser entregue individualmente os alunos poderiam se reunir em grupos, na sala de aula. A intenção era dar o tempo de aproximadamente um mês de distância das observações, para visitar a turma ao final do primeiro trimestre. Passado o período combinado, no dia 06 de maio de 2013 realizei a quarta e última observação na turma de terceiro ano. Estavam presentes 19 alunos. Esse dia, casualmente, estava sendo a primeira aula da turma após um longo período sem o contato da docente com os alunos. Ao dialogar com professora, ela me disse que em uma das semanas ocorreu uma troca de horário, na outra houve paralisação e na semana passada ela não pôde estar presente por questões pessoais. Dessa forma, nas três semanas anteriores a esse dia, não houve aula de Filosofia com a turma. Em aula, a docente organizou novamente um trabalho em grupo (alguns em duplas e outros em grupos maiores). O tema de aula foi sobre a “Ética”. O desenvolvimento seguiu de modo semelhante aos anteriores. Os alunos deveriam ler o texto “Os fundamentos da Ética” (da Revista Mundo Jovem, abril de 2013) e responder as questões ao final. Ao longo da aula, um dos alunos comentou que o grupo dele tinha que apresentar o trabalho desenvolvido na aula anterior, mas a professora disse para ele que apresentariam na semana seguinte. Ao final, os alunos entregaram seus trabalhos e a docente encerrou a mesma. Analisando a observação que fiz, percebo que a docente tem seguido sempre a mesma metodologia de trabalho. Os alunos nem questionam, aceitando normalmente. A professora chega, entrega o texto, os alunos leem e respondem as 215 questões. Penso que esse modo de trabalho se torna extremamente antifilosófico. Não existe debate e nem aproximação do leque filosófico, pois a docente não faz a leitura e explicação do texto juntamente com os mesmos. Novamente, para o pouco tempo de aula, a docente poderia propor apenas uma questão, mas ela deixou todas do texto. Ao encerrar essa primeira etapa de observação, concluo que o trabalho da docente não está aproximado do leque filosófico. Ela apresenta conteúdos de Filosofia, mas a exploração do mesmo não está sendo desenvolvida. Claro, compreendo que a professora está passando por problemas pessoais de saúde na família e isso toma muito o seu tempo, entre outros problemas como a formação em outra área, atraso no pagamento das convocações do ano anterior até o presente momento e possibilidade de a 18ª CRE não ter aceito sua convocação para lecionar essa disciplina52. Todos esses fatores me levam a crer que realmente existe a necessidade de um docente licenciado na disciplina para trabalhar com a Filosofia. Com a finalidade de identificar a compreensão que os alunos têm sobre a Filosofia, a partir das aulas que já tiveram, pedi que os mesmos expressassem os seus posicionamentos: Eu acho que a Filosofia é uma área de extrema importância para a gente, porque foi com ela que tudo começou, né? Todos os estudos que a gente tem hoje começaram. Na Filosofia, diversas áreas assim... tanto na de religião, como de física, de matemática, de tudo (Cristiane P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Para mim Filosofia é o estudo dos principais filósofos e do entendimento do próprio ser humano. Que eles estudaram. E do próprio meio, tipo, da onde eles viviam na época (Cristiano P. – 3º ano). _____________________________________________________________ É o estudo dos filósofos. Como ele [Cristiano] falou, assim. [...] Os filósofos, as coisas que eles falaram e as obras, essas coisas (Lucas P. – 3º ano). A aluna Cristiane destaca em seu argumento a importância da Filosofia pelo fato de ela ter sido a origem da organização do conhecimento em suas especificidades. Os alunos Cristiano e Lucas respondem de modo semelhante, entendendo a Filosofia como o estudo dos conhecimentos que foram produzidos pelos filósofos, bem como do contexto de cada época. 52 Ao falar com ela nesse dia, a docente me comentou que os atrasados foram pagos e que a CRE liberou-a para continuar lecionando. 216 Nas respostas desses alunos, percebo o entendimento que eles têm da Filosofia por um viés mais histórico, no qual se estuda a origem da Filosofia e o estudo do que cada filósofo pensou. É importante complementar esse argumento, trazendo esse estudo para o contexto dos alunos, a fim de que eles não vejam a Filosofia apenas com um viés conteudista ou historicista, mas que possam atribuir sentido para a sua realidade e fazer a Filosofia acontecer em suas próprias vidas. Dando continuidade à entrevista, quando perguntei aos alunos o que eles estudaram em Filosofia, considerei muito interessante a resposta das alunas Cristiane e Isabela. Os alunos Cristiano e Lucas retomaram novamente o argumento de que estudavam os filósofos, de modo semelhante ao que foi dito anteriormente, sem aprofundar a questão. Em contrapartida, as estudantes trouxeram novas reflexões. Comentando sobre os estudos dos filósofos, Cristiane respondeu que: A gente estudou mais no primeiro e no segundo, com a Pietra, né? (Cristiane P. – 3º ano). É! A gente fazia trabalhos. Cada um pesquisava um filósofo, a gente apresentava (Isabela P. – 3º ano). A gente apresentou sobre o que? Sobre Santo Tomás de Aquino, sobre Sócrates, sobre Platão, Aristóteles (Cristiane P. – 3º ano). Questionada sobre como eram desenvolvidos os trabalhos, Cristiane relatou: [...] a gente vê por períodos, assim. E aí a gente estuda, geralmente... ano passado, por exemplo, nós fizemos vários trabalhos sobre períodos. Cada grupo da turma fez um período, que eu não me lembro quais eram. [Isabela – Helenístico...] [J.C.D. – O Antigo?] É! Para tu ver como esses trabalhos que às vezes eles passam para a gente é muito corrido. A gente vai lá da internet, baixa e deu. Chega ali na nossa turma, lê e deu. Acabou o trabalho. Acho que isso deveria mudar! Acho que deveria ter um período a mais e realmente estudar e entender o que eles querem dizer com aquilo que eles deixam escrito (Cristiane P. – 3º ano). Destaco como muito importante a fala das alunas, por perceber que mesmo relatando os trabalhos de pesquisa sobre os filósofos que realizaram no segundo ano, sentiram que não tiraram um bom proveito do assunto. A pesquisa acabou se restringindo a baixar informações da internet, ler para a turma e entregar para a professora. Não houve debate, reflexão, nem relação com os saberes abertos ou o contexto dos estudantes. Pelo relato das alunas, esse tipo de trabalho assemelha-se ao que estava sendo desenvolvido pela professora Carmen – Fil., no terceiro trimestre, do primeiro ano da Escola Central. 217 Analisando as respostas dos alunos do terceiro ano da Escola Periférica, entendo que novamente seria importante ter um docente habilitado lecionando a disciplina, para que a mesma não se torne conteudista. Todos os estudantes comentaram que realizaram os estudos dos filósofos, mas o ato de estudar o que os filósofos disseram não traz viés filosófico por si mesmo, podendo tornar-se uma atividade fora do leque filosófico. A presença de um docente habilitado ofereceria a possibilidade da contextualização dos conteúdos estudados, bem como uma melhor exploração dos materiais pesquisados pelos próprios alunos, abordando cada tema em questão, conforme sugere a estudante Cristiane. Ainda sobre a fala dessa aluna, novamente se mostra necessária a ampliação da carga horária da disciplina, a fim de que seja possível trabalhar com melhor qualidade os assuntos que perpassarão as aulas de Filosofia. Analisando os contextos apresentados, dentre o relato dos professores e as aulas observadas, percebo que existe uma grande diferença no ensino de um docente formado em Filosofia e outro não. Comparando com as professoras Carmem e Patrícia, vejo que o professor César parte diretamente dos assuntos voltados ao campo filosófico, explorando-os de forma explicativa nas aulas, enquanto as outras docentes não chegam a falar sobre o conteúdo, deixando os alunos fazerem os trabalhos por si mesmos na maior parte das vezes, exceto no segundo ano, quando a professora Patrícia buscou desenvolver uma aula mais dialogada e com uma pequena abordagem teórica ao final da aula. Comparando o trabalho do professor César com o do professor Paulo, percebo que este também busca estar próximo ao conhecimento filosófico ao propor a leitura do livro didático em aula, ao mesmo tempo em que o analisa no decorrer da leitura, algo que o professor César faz em suas aulas. O professor Paulo também consegue atrair a atenção dos alunos contando histórias que proporcionem a reflexão. O ponto importante que acredito que precisa ser qualificado em todos os casos observados é a superação do argumento opinativo. Acredito que a superação desse argumento está intimamente atrelada a ampliação da carga horária, pois em 50 minutos é muito difícil de o professor conseguir desenvolver o trabalho com a qualidade desejada. 218 Por fim, para encerrar esta seção e este capítulo, analiso a última categoria elencada para esse momento. A mesma refere-se à forma de avaliação que os professores de Filosofia fazem sobre os alunos. Na escola da região central, as avaliações ocorrem da seguinte forma: [...] todos os trabalhos são feitos em aula. Porque é uma aula por semana, se tu manda trabalho para a casa... às vezes não dá tempo de responder, então na outra semana eles trazem. Por isso que eu já trabalho em grupo, que é para ter um responsável. [J.C.D. – Tu chegas a fazer prova?] Não! Só na PI. A Prova Integrada eles fazem. Aí a gente então: “Óh, o conteúdo para a Prova Integrada”. Aí a gente diz: “É o conteúdo tal, tal e tal”. Exatamente aquele conteúdo está integrado na prova. [J.C.D. – Aí tu elaboras algumas questões para...] Cinco! São cinco questões de cada disciplina. A minha área é Filosofia, Sociologia, História, Geografia e Relações Humanas. [J.C.D. – E essa prova acontece todo o final de trimestre?] Sim! (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Sempre a primeira avaliação é em grupo e depois ela é individual. E agora no politécnico vai mudar um pouco essa estrutura, porque não tem... nós estamos implantando a recém, é muito novo a coisa, mas não tem chamada aquela qualitativa que tem bem distinta no aluno do regular. Então no regular como tem um ponto de qualitativa – até um ponto, né? Mas fica esse ponto de margem –, eu geralmente dou integral para todos os alunos. Eu não faço meio para um, ou tanto para outro; não! Então eles já sabem que comigo a qualitativa já é integral (Prof. César – Fil.). A professora Carmen comentou que avalia seus alunos pelos trabalhos que desenvolve em aula. Ela não chega a fazer uma prova, apenas na PI, que é uma prova realizada pela escola para todas as disciplinas. Analisando esse modo de trabalho, penso que o mesmo, por ocorrer em praticamente todas as aulas, dificulta o desenvolvimento do trabalho filosófico, pois os alunos não chegam a debater a respeito dos conteúdos estudados e apenas fazem as atividades para cumprir com a solicitação da docente53. Com relação ao professor César, o mesmo disse que com o ensino politécnico a nota qualitativa não existe mais, mas a dinâmica de avaliação com a prova e a reavaliação segue na mesma linha. Embora não esteja expressa em sua fala, parte da nota de sua disciplina também é somada com a PI. Com relação ao seu trabalho avaliativo, penso que o mesmo mostra-se como um aspecto de trabalho positivo, pois o docente propõe que os alunos façam uma prova dissertativa para que argumentem sobre os conteúdos que foram trabalhados nas aulas, relacionando a opinião deles com os materiais estudados. Esse é um bom exercício de atividade 53 Essa constatação vai se confirmar no próximo capítulo, na fala dos alunos Tonais C. – 1º ano, Sadie C. – 1º ano e Emma C. – 1º ano. 219 escrita e filosófica. O trabalho avaliado é desenvolvido em grupo, o que impede a avaliação individual, porém com a grande quantidade de turmas e alunos que o docente tem que assumir, realmente se torna muito complicado fazer uma avaliação individual para cada turma. As avaliações relacionadas à prova de reavaliação e à PI são individuais, visto que a quantidade de alunos é menor e a correção acontece de modo mais rápido, respectivamente. Na Escola Periférica as avaliações ocorrem dos seguintes modos: Eu procuro fazer autoavaliação com eles, para saber o que eles estão achando da disciplina, o que eles gostariam de ver, o que eles acham que eu poderia melhorar nas minhas aulas, até porque como eu não sou da disciplina... já fui bem clara com eles. Eu não sou formada, então eu tô procurando solicitar dos colegas, quem tem formação, para poder ajudá-los nesse sentido. [J.C.D. – E fazes trabalhos avaliados também? Ou provas?] Sim, os trabalhos são avaliados! Geralmente eu procuro fazer interpretação de textos, dialogar, fazer interpretação. Agora no último trabalho eles fizeram uma pesquisa sobre os filósofos, nos terceiros anos, e aí pedi que eles fizessem uma prática relacionada com os conteúdos que eles estavam dando. Então foi bem interessante. Cada turma deu trabalhos bem diferenciados e bem interessante mesmo. [J.C.D. – Prova tu chegas a fazer?] Não! Não faço prova (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Eu ainda faço uma avaliação escrita, de alguma coisa, do livro, das questões. [J.C.D. – Uma prova, seria assim? Ou de grupo?] Não, seria uma prova! Seria uma prova! Mas não com peso, não uso peso. O que eu faço? A avaliação é na aula. É toda a aula. Desde o comportamento, se fez ou não fez o exercício, tem que ler de tal página até tal página. [J.C.D. – Para fazer em casa e trazer na aula seguinte?] Podem fazer em casa e trazer na aula seguinte. Por exemplo, até na aula de hoje, eu pedi uma leitura de dez páginas, com quinze questões. Eu pedi: “Respondam no mínimo cinco questões hoje!”. Tem celular, tem internet, pode usar e fazer o que quiser. Pode fazer em grupo, pode compartilhar, façam do jeito que quiserem. Mas respeitando o que? A particularidade. Daí eu chego, vou olhando o que cada um está fazendo, o que cada um está conversando, porque tem uns que ficam brincando, outros não, então... se é celular, se não é, se estão atentos, se estão discutindo o assunto, se não estão. Tens uns que realmente estão procurando. E aí vão fazendo. Tem aqueles que trabalham sozinhos, tem os que trabalham em grupo. E de acordo com o que eles fazem eu vou analisando e marcando. Daí eu fico marcando: “Bom, fulano participa da aula; não participa.”. [...] Vejo se estão certos ou não, dentro do que se pressupõe certo ou errado, e uma avaliaçãozinha às vezes, ou também um trabalho. [J.C.D. – E essa que seria estilo prova, é individual?] Individual! Sem consulta, sem nada. Até para ver se sobrou alguma coisa. Se ficou alguma coisa na mente (Prof. Paulo – Fil.). No relato da professora Patrícia, é possível constatar que suas avaliações giram em torno da autoavaliação e de trabalhos avaliados em aula, relatando como exemplo um dos trabalhos que estava desenvolvendo com os terceiros anos, no segundo trimestre. O professor Paulo utiliza-se de prova e trabalhos que são 220 desenvolvidos ao longo das aulas para avaliar os estudantes. Na Escola Periférica, a Prova Interdisciplinar só acontece no início do ano letivo para aqueles alunos que reprovaram no ano anterior. Dessa forma, se o aluno reprovou no primeiro ano, no ano seguinte ele inicia matriculado no primeiro ano e faz a PI. Se aprovar, ele vai para o segundo ano. Se reprovar, segue no primeiro. É possível constatar essa nova dinâmica pela fala do professor: J.C.D. – Ah... tem aluno que muda de ano, com a possibilidade de começar no ano seguinte no outro ano que ele reprovou? Exatamente! O que aconteceu agora com essa mudança, é que quem foi reprovado no ano passado continuaria no primeiro ano, fez uma prova e passou para o segundo (Prof. Paulo – Fil.). J.C.D. – Começou o trimestre num ano e no mesmo trimestre já mudou para o segundo? Mudou para o segundo! [J.C.D. – Ficou um mês e perdeu um mês de aula?] Exatamente. Daí todos perderam, porque no segundo ano ficou: “Não pode dar matéria nova!”. Tem que ficar esperando. E recupera um pouquinho, aplica a avaliação: “Óh, tal aluno pode pegar uma progressão? Pode! Então...”. [J.C.D. - Daí fica no segundo ano, normal?] Fica no segundo ano, normal! São tantas as chances que dão, que não tem como reprovar. E o aluno se apercebendo disso, ele não estuda. Não quer mais estudar. Só estuda aquele que realmente está interestado ou acha que aquilo lá vai valer à pena (Prof. Paulo – Fil.). Na visão do professor, essa forma de avaliar desqualifica o ensino, pois oferece muitas chances para o estudante aprovar de ano. Além disso, prejudica também o início do ano letivo, visto que o professor não pode avançar nos conteúdos do respectivo ano antes que a Prova Interdisciplinar aconteça e os alunos aprovados progridam de ano. Quanto às avaliações, entendo que não existe um único caminho correto para se seguir. Cabe ao professor elaborar estratégias que o possibilitem verificar o nível de aprendizado dos estudantes dentro daquilo que é considerado necessário para poder progredir para a série seguinte. A avaliação em uma perspectiva curricular crítica ou pós-crítica (SILVA, 1999) não deve servir apenas para atribuir uma nota ao aluno, mas para permitir o diagnóstico dos aprendizados que o estudante estará desenvolvendo ao longo dos trimestres letivos. É importante ter consciência de que o ato de avaliar tem como função investigar a qualidade do desempenho dos estudantes, tendo em vista proceder a uma intervenção 221 para a melhoria dos resultados, caso seja necessária. Assim, a avaliação é diagnóstica. Como investigação sobre o desempenho escolar dos estudantes, ela gera um conhecimento sobre o seu estado de aprendizagem e, assim, tanto é importante o que ele aprendeu como o que ele ainda não aprendeu. O que já aprendeu está bem; mas o que não aprendeu (e necessita de aprender, porque essencial) indica a necessidade da intervenção de reorientação..., até que aprenda. Alguma coisa que necessita de ser aprendida, como essencial, não pode permanecer não aprendida. Tomar conhecimento somente do que o educando aprendeu não permite investir no processo, porém somente no produto (LUCKESI, 2005, p. 2). Nessa linha de pensamento sobre a avaliação, me parece não profícuo as formas de trabalho que avaliam os alunos em todas as aulas por meio de atividades avaliadas, ou atribuição de positivo ou negativo. Penso que é importante acompanhar o desenvolvimento dos alunos, mas não necessariamente “atribuir pontuação meritocrática” em todas as aulas. É importante que os estudantes estudem os conteúdos filosóficos e tenham espaço para exercitar alguns dos processos contemplados dentro do leque filosófico sobre os assuntos em questão. Será possível perceber, ao longo do próximo capítulo, que os alunos sentem necessidade de outras dinâmicas para que a aula se torne mais atrativa. Essas novas dinâmicas requererão novas formas de avaliação, compreendendo essa como algo que permita valorizar o processo de aprendizado dos alunos e não somente o produto/resultado de cada trabalho que for realizado em aula. Dentro desse processo, o professor – em sua autonomia profissional – precisará definir claramente os seus objetivos educacionais para cada ano e os conhecimentos que considera necessário para que os alunos compreendam e possam passar para o ano seguinte sem a defasagem de conhecimentos do ano anterior. Tendo realizado esta apresentação e análise sobre como está situada a disciplina de Filosofia nas escolas investigadas, parto para o último capítulo desta Tese. No próximo momento, analisarei a conquista de espaço da Filosofia no currículo do Ensino Médio. 222 8. FILOSOFIA: A CONQUISTA DE SEU ESPAÇO NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO No último capítulo desta Tese, analiso uma das problemáticas que não pode ser ignorada quando se pensa a disciplina de Filosofia no Ensino Médio: a disciplina conquistou seu espaço no currículo escolar? A resposta para essa pergunta, somando-se às abordagens dos demais capítulos, contribui para que seja possível constatar em que medida a disciplina de Filosofia é relevante para o currículo do Ensino Médio brasileiro. Para organizar melhor a análise que será realizada, divido o capítulo em duas seções, as quais ajudarão a compreender melhor o problema em questão. Na primeira seção, destaco da resposta dos entrevistados os posicionamentos de valorização ou desvalorização da disciplina de Filosofia nas escolas, para que seja possível saber como a mesma está sendo recebida nas respectivas instituições. Na segunda seção, apresento argumentos que possibilitam pensar estratégias que possam auxiliar na melhoria do trabalho com a disciplina de Filosofia no Ensino Médio. 8.1. A (des)valorização da disciplina de Filosofia nas escolas investigadas Para conhecer como se encontra a valorização da Filosofia nas escolas, perguntei aos entrevistados se eles consideravam essa disciplina importante. No caso dos alunos, questionei se achavam importante para suas vidas. Em sua ampla maioria, ambas as escolas compreenderam a Filosofia como importante para o desenvolvimento reflexivo dos alunos no Ensino Médio. Começando a análise pela Escola Central, constato que dos 15 entrevistados, apenas quatro não consideram a Filosofia importante. As quatro pessoas que pensam dessa forma são alunos. Abaixo, apresento suas respostas: 223 Não considero, porque tem muita matéria mais importante, por exemplo, Matemática, Português. É o que a gente vai carregar depois, futuramente; não Filosofia. Só se alguém quiser fazer uma Faculdade, fazer uma especialização sobre isso, entendesse? (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Não, porque eu acho desnecessário ter Filosofia. Eu não acho uma coisa muito importante para mim, pelo menos, né? Tem gente que gosta. Eu não! (Emma C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que não! Eu acho desnecessária na minha vida, tipo acredito que eu não vá usar a Filosofia na minha vida. Acho que assim, vamos dizer que 90% das profissões ou 95% tu não vai usar a Filosofia na tua vida, sabe? Hoje em dia aquela correria, aquela pressa, isso, aquilo. A visão filosófica do mundo ninguém usa, ninguém quer saber, ninguém se importa. Eu acho desnecessária para a minha vida também. Eu não usaria isso. Eu não aplico ela na minha vida (Tonai C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu não considero tão importante assim. Não considero. [J.C.D. – Por que tu achas que não é tão importante?] Sei lá... porque são coisas que a gente aprende no dia a dia. Acho que a Filosofia é mais isso. A gente tem em casa uma base, na rua, na vida. [J.C.D. – Não precisaria vir para a escola, digamos, para... ] É! Eu acredito muito nisso (Aline C. – 3º ano). As alunas do primeiro ano não consideram a Filosofia necessária, sendo que Sadie enfatizou que existem outras disciplinas mais importantes do que essa. O aluno Tonai acredita que a Filosofia não é importante, pois como o mundo atual está sendo vivido apressadamente, a Filosofia é deixada de lado, pois não há tempo disponível para utilizá-la. Todos esses estudantes são alunos da professora Carmen. Quanto à aluna do terceiro ano, a mesma considera que a Filosofia não é importante porque o que se discute em aula também pode ser debatido em casa ou na rua. Dessa forma, não seria preciso ir à escola para debater esses assuntos. A aluna toma como base as aulas do professor César. Analisando as respostas, penso que a fala de Sadie e de Emma refletem muito as aulas que elas tiveram, nas quais a docente tende a fazer trabalhos avaliados em todas as aulas. Isso faz com que as estudantes não encontrem importância no conteúdo que está sendo estudado. A visão de Tonai remete para os riscos de se viver em tempos de hipermoderinidade (LIPOVETSKY, 2011), alertando para a ausência do pensamento filosófico nas decisões que são tomadas pelos seres humanos ao longo da vida. A fala da Aline mostra o risco que se corre de pautar a aula no âmbito da troca de opiniões, visto que tal atividade fez com que a estudante percebesse os assuntos debatidos como algo que poderia ser feito em outros lugares e não necessariamente na sala de aula. 224 Quanto aos sujeitos que consideram valorosa a disciplina de Filosofia, apresento, primeiramente, a fala dos alunos do segundo ano: Eu acho que é uma disciplina que deveria ser importante para todo mundo, assim como o Português, como eu já expliquei, se tu não tiver uma boa interpretação tu não vai conseguir desenvolver um texto, ou um comentário. É bom para quem tem uma boa desenvoltura, no caso, para quem tem facilidade para argumentar. Normalmente quem tem facilidade para argumentar vai se dar bem com Filosofia (Francine C. – 2º ano). _____________________________________________________________ Só quanto ao questionamento e nesse sentido de falar [remetendo-se a resposta da Francine C.]. Foi o que eu disse: se a pessoa tem desenvoltura para falar em sala de aula, ela tem desenvoltura para argumentar fora da sala de aula (Lara C. – 2º ano). _____________________________________________________________ Eu acho importante, porque na disciplina de Filosofia a gente debate muito e a gente expõe o nosso pensamento, o que a gente pensa, o que a gente tem dúvida, com o professor, óbvio, sempre ali nos ajudando, a gente tem orientações e a gente desenvolve mais os nossos pensamentos e dispõe de novos horizontes (Tadeu C. – 2º ano). Na resposta dos alunos do segundo ano, é possível perceber a visão que os mesmos vão construindo sobre a Filosofia a partir das aulas que participam. As alunas Francine e Lara percebem essa disciplina como um momento para desenvolver a interpretação e a argumentação sobre seus posicionamentos na sala de aula. Tadeu percebe a Filosofia como um espaço importante em função da possibilidade de troca de opiniões que existe na sala de aula, permitindo que os alunos questionem e abram novos horizontes de pensamento. A fala dos alunos do segundo ano abre dois vieses reflexivos: o primeiro diz respeito à possibilidade de se chamar a atenção dos alunos para a Filosofia por meio de atividades que estimulem a reflexão, o debate e a troca de opiniões, pois os estudantes se interessam por esse tipo de atividade. O segundo viés tem haver com a superação dessa “troca de opiniões” para uma abordagem filosófica, permitindo que os alunos consigam problematizar as ideias que foram levantadas e exercer o pensamento filosófico nas aulas. A maior parte dos alunos considera importante as aulas de Filosofia como estão sendo trabalhadas, mas é preciso aproximá-las do leque filosófico, a fim de não torná-la um simples espaço de bate-papo entre amigos. Os alunos do terceiro ano responderam que: Eu acho que é importante sim, porque [...] depois vão nos perguntar: “Aonde tu vai? Da onde tu vem? O que que é emoção para ti?”. Aí tu vai parar para 225 pensar: “Bah, eu não sei”. E agora a gente aprendendo isso, dá para a gente ter uma resposta melhor e pensar mais no que a gente vai falar (José C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Sim! Porque ela meio que abre a minha mente, para mim ver que a minha vida não é só aquilo que eu enxergo. Tem algo além e veio algo antes (Pablo C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Acho! Porque tem conhecimentos antigos sobre os filósofos. Se eu quiser fazer algum texto, se eu quiser usar como base algum filósofo eu tenho já conhecimento sobre em quem fazer, porque fazer. Então eu acho importante sim! (Camila C. – 3º ano). Nessas respostas é possível verificar que os alunos apresentam um pouco mais de teor filosófico em suas falas. Os estudantes José e Pablo percebem a importância da Filosofia como algo que os auxilia a compreender a própria vida e as emoções que fazem parte do viver humano, sabendo que não se vive somente o presente, mas que existe uma história que marca a nossa trajetória. Essa fala se aproxima da visão de Severino (2010), que também considera a busca pelo sentido da vida como parte integrante da Filosofia. A estudante Camila destaca o conhecimento que adquiriu com relação aos filósofos, vendo uma oportunidade para utilizar-se desses conhecimentos caso precise desenvolver algum trabalho sobre os mesmos. Reparei que a percepção desses alunos se difere da fala da Aline C. – 3º ano, que viu nas aulas da Filosofia apenas uma troca de opiniões. Esse dado mostra que o estudo e a percepção sobre a disciplina pode variar conforme a atenção e a interpretação que cada aluno dá para as aulas recebidas. Nas respostas, observei também uma evolução da argumentação por parte dos alunos no terceiro ano. Os alunos do segundo perceberam a importância da Filosofia pelo debate e desenvolvimento da argumentação que ela proporciona. De modo mais aprofundado, a maior parte dos alunos do terceiro compreende a importância da Filosofia em um sentido mais próximo do pensar filosófico, com reflexões que se encaminham para o âmbito de superação do senso comum. Ainda na escola da região central, destaco a fala da supervisora: Eu acredito que tenha! Eu acho que tudo que nos leva a pensar é muito importante. Todas as disciplinas nos levam a pensar, mas a pensar no ser humano, a ter um olhar um pouco mais introspectivo, assim. Eu acho que a Filosofia, não sei se eu tenho uma visão equivocada da Filosofia, mas eu acho que a Filosofia nos leva a fazer essas leituras do homem, de mundo, de sociedade, junto com outras disciplinas, outros componentes curriculares 226 da área das Humanas, eu acho que vai costurando esses retalhos aí todos que vão ajudando o homem a ter essa visão de mundo, de sociedade e dele mesmo. Então eu acho que é importante, sim! (Carla – Superv.). A supervisora considera a disciplina de Filosofia importante no sentido de auxiliar o homem a compreender o mundo e a si mesmo de modo mais introspectivo. Sem saber muito sobre os conhecimentos que perpassam a disciplina, percebo que Carla entende a Filosofia como algo voltado para a reflexão e nesse sentido, em sua percepção, a respectiva disciplina tem a contribuir. Quanto às docentes entrevistadas, as mesmas disseram o seguinte: Eu acho importante, porque a Filosofia é uma disciplina que vai levar o aluno a pensar. Vai trabalhar com essa parte. Então vai levar o aluno a refletir, a desenvolver o pensamento crítico, trabalhar com os valores morais. Então eu acho isso aí bem importante para o adolescente, nessa faixa etária aí do Ensino Médio (Profa. Carolina – Geo.). _____________________________________________________________ Óbvio! A importância da disciplina de Filosofia é que a partir do momento em que tu estás trabalhando um texto filosófico com o aluno, tu fazes ele pensar, ele entende o porque que determinadas situações ocorrem daquela maneira, ele aprende a ser um sujeito mais crítico, ele começa a observar o mundo a volta dele com outros olhos, é um outro olhar, e aí coisas que de repente para o aluno é corriqueiro, são normais, questões que ele nunca levantou, [...] ele começa a se dar por conta vendo que esse mundo institucionalizado que a gente tem hoje, a maneira que a gente vive hoje, é só mais um degrauzinho na evolução. A gente não chegou no todo ainda, a gente está constantemente evoluindo, a gente está constantemente mudando as atitudes, constantemente refletindo. E se a gente fizer essa reflexão, quanto mais essa reflexão a gente fizer, melhor! Mais envolvido a gente vai ser! Não é uma coisa estagnada. E eu acho que a Filosofia ajuda muito isso. Não sei, não sou professora de Filosofia, sou professora de Química, mas eu tenho essa ideia. Porque todos os conceitos que a gente tem hoje, por mais científico que ele seja, ele começa com uma observação, ele começa com a elaboração de uma teoria, com uma ideia e a partir daí é que se desenvolve toda a ciência. Então começa pela Filosofia. Se começa pela Filosofia, nada melhor então do que tu preservar ela e mostrar a importância dela para a realidade que a gente tem, seja na relação homemhomem, homem-máquina, todas as relações (Profa. Cecília – Quím.). _____________________________________________________________ Mais é de levar o aluno a refletir. Não só ajuda, por exemplo em Matemática mesmo, faz com que ele se concentre um pouco mais até para ler e interpretar, junto com o Português, além de interpretar os problemas e até para que ele também reflita sobre o porque que ele está ali. [...] para que eles tenham mais noção e reflitam o porque ele está estudando; “porque é preciso estudar?”. E até para que quando ele chegar no terceiro ano do Ensino Médio, ele possa ter uma consciência melhor, um pouco, do que ele vai escolher para fazer na Universidade. Ajuda na reflexão no geral! (Profa. Cândida – Mat.). _____________________________________________________________ Ajuda na formação pessoal do aluno, enquanto ser pensante, ajuda nas outras disciplinas na Área das Humanas. Por exemplo: interpretação textual, Linguagens; interpretação na parte de Literatura também é bem importante, 227 porque o aluno pode usar esses pensamentos para a compreensão não só dele, mas também do outro, de personagens da Literatura (Profa. Cleuza – Lit.). A fala da maior parte das docentes também mostra a visão geral que se tem de Filosofia. Inicialmente é Carolina que a percebe como uma disciplina que vai contribuir para que os alunos possam refletir, pensar criticamente e aprender os valores morais. A professora Cândida acredita que a Filosofia ajuda na reflexão, inclusive para que o estudante pense sobre o porquê de estar estudando na escola e que decisão pessoal e profissional tomará após concluir o Ensino Médio. Nessa mesma linha de interpretação, a professora Cleuza também considera a disciplina importante para o desenvolvimento da reflexão e da interpretação, assemelhando-se ao posicionamento da aluna Francine C. – 2º ano. Das quatro professoras, a fala que diferiu das demais e que apresenta um maior teor filosófico é a da professora Cecília, que percebe que após a leitura de textos filosóficos o aluno pode tornar-se um sujeito mais crítico, passando a olhar o mundo de outra forma que não de modo corriqueiro. O outro ponto da importância que ela destaca está relacionado à criação de conceitos. Cecília comenta que os conceitos que se tem hoje iniciaram com a Filosofia e, nesse sentido, é preciso preservar essa área do saber e mostrar a importância que ela continua tendo para cada um de nós, seres humanos. Analisando a resposta da Cecília, percebo que essa forma de interpretação da docente se aproxima dos modos de trabalho que fazem parte do leque filosófico e isso permite que a mesma tenha uma noção mais fundamentada sobre o que é a Filosofia. O caso em questão não é depreciar a fala das demais docentes e da supervisora, mas possibilitar que se desmistifique a visão senso comum de que a Filosofia serve para moralizar, refletir ou debater. Nesse sentido, reforço a importância de que os próprios professores de Filosofia tenham uma perspectiva teórico-filosófica como base de sua prática docente, a fim de que possam mostrar aos demais colegas “o que é” e “o que não é” Filosofia, tornando esse campo do saber mais fortalecido teoricamente dentro do ambiente escolar. Com relação à Escola Periférica, dos 18 entrevistados, apenas duas alunas não consideram a disciplina importante. Para a minha vida, não! Porque sei lá... eu não uso muito o pouco que aprendo na aula, não me acrescenta muito. Tipo, eu descubro alguma 228 coisa, ou outra, entendeu? Sempre é bom a gente saber mais, né? Mas não me acrescenta muito assim (Carolina P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Não! Porque para mim saber se serve para a minha vida eu tenho que saber o significado de Filosofia, né? E eu não sei, então... (Olívia P. – 2º ano). A aluna Carolina comenta que não considera a Filosofia importante para a sua vida, embora reconheça que sempre se aprende alguma coisa. Percebo que o modo como as aulas são trabalhadas faz com que a estudante não perceba importância vital nos conteúdos estudados, servindo apenas para o momento da sala de aula. A aluna Olívia argumenta que não considera a disciplina importante porque ela nem mesmo sabe o que significa. Pelas aulas que teve, não conseguiu ter claro para si o que é a Filosofia. Com relação aos demais alunos, a maior parte considera importante a disciplina de Filosofia. Trago a confirmação dessa constatação, primeiramente, nas falas dos alunos do primeiro ano: Não é muito, mas é um pouquinho, porque a gente aprende o que é ética da Filosofia, o que é moral, a gente acaba aprendendo um pouco mais que talvez na vida, assim, adiante, seja necessário. Mas agora, agora, não! (Sherlei P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Considero, porque ajuda a gente a refletir melhor sobre as nossas ações, não tomar atitudes antes de pensar (Roberto P. – 1º ano). _____________________________________________________________ É basicamente isso [referindo-se à fala de Roberto], porque na verdade as coisas praticamente começam pela Filosofia, começam por a gente pensando. O jeito que a gente pensa e o jeito que os outros pensam em conjunto (Rogério P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Considero, porque vários pensamentos ou ideias que tiveram antes são passadas para nós para a gente não errar, ou não cometer o mesmo erro, ou fazer a coisa certa do jeito que tem que fazer. Nos força a pensar sobre isso também, para não cometer erros (Ricardo P. – 1º ano). A aluna Sherlei considera importante o aprendizado sobre a Filosofia para um momento futuro da sua vida, pensando muito no âmbito da ética e da moral. Em sua fala, não considera essa importância para o presente. As falas dos demais alunos se aproximam no sentido de perceberem a Filosofia como um espaço que possibilita a reflexão e, por meio dessa, o ser humano pode pensar bem antes de agir, para não tomar uma decisão errada. A Filosofia dessa vez é compreendida 229 como um espaço que possibilita ao sujeito desenvolver a reflexão, sozinho ou em grupo, para conseguir agir com prudência, tentando ao máximo evitar uma postura equivocada diante das decisões que terá que tomar ao longo da vida. Acredito que por serem alunos de primeiro ano, suas falas já apresentam uma boa compreensão sobre a importância dessa disciplina. As respostas desses estudantes dizem respeito a uma parte dos conhecimentos que perpassam o campo filosófico, no que diz respeito às decisões éticas. É importante se ter em mente que a intencionalidade do professor está presente nas aulas e a formação dos alunos tende a seguir a forma de pensamento ético e moral que o professor tem para si e prega em sua disciplina. De todo modo, mesmo sabendo dessa característica docente, no campo da Filosofia se faz necessário que o professor não determine sua crença como sendo algo doutrinário, mas que utilize o espaço da sala de aula para realizar a problematização dessas questões, a fim de que os alunos construam por si mesmos as escolhas éticas e morais que desejarão viver em suas vidas. Os alunos de segundo ano que consideram a disciplina de Filosofia importante para as suas vidas responderam o seguinte: Para mim, eu fico no meio termo: tanto sim, como não. Porque como eu disse, ainda não tenho muito entendimento sobre o que é Filosofia, mas o que ela [Olívia] falou que é para esclarecer os pensamentos, eu achei legal isso. Para mim seria isso mesmo! (Estefani P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Acredito que sim, porque hoje se pede muito que as pessoas falem, exponham as suas ideias, opiniões e a Filosofia libera para que a gente conheça e também critique cada coisa, para chegar a uma opinião. Então é uma oportunidade de aprendizado, de como dar a opinião, como formar uma opinião e como também falar, que é o que se pede hoje muito (Sérgio P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Considero, porque ela faz pensar bastante e faz tu ter uma opinião real formada sobre alguma coisa, no caso, qualquer coisa, fazendo tu pensar nela e se ela é importante na tua vida (Zac P. – 2º ano). A aluna Estefani ficou com dúvida quanto a sua resposta, mas ao fim considerou importante a disciplina de Filosofia no sentido de ela esclarecer os pensamentos, em busca da verdade. O aluno Sérgio argumenta que a Filosofia é importante porque propicia o espaço para que as pessoas se desenvolvam no debate, expondo suas ideias e opiniões. Ele acredita que essa desenvoltura é uma exigência da sociedade atual. O aluno Zac percebe a importância no sentido de que 230 o ser humano possa desenvolver sua opinião sobre as coisas que existem no mundo, a fim de identificar o que é importante para a vida de cada um. Percebo que as respostas dos estudantes seguem na linha de compreender a Filosofia como um debate entre opiniões. Entendo que essa visão é importante, mas precisa ser aprofundada pelo campo filosófico, a fim de que eles possam compreender que as discussões filosóficas vão além do pensamento opinativo. Com relação aos estudantes do terceiro ano, apresento algumas de suas respostas: Sim, sim, sim! Acho que [...] os ensinamentos que eles [filósofos] passaram, todas as coisas que eles ensinaram e deixaram escrito, ou falado, são de extrema importância (Cristiane P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Às vezes sim, às vezes não. Não é todo dia que a gente usa Filosofia para resolver alguma coisa. Mas para ficar pensando sobre algo, sim! (Cristiano P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Olha, posso dizer que sim. Mas assim, eu não digo que eu vou usar muito para a minha vida, mas pode se dizer que sim, pois isso aí ajuda, sabe? [J.C.D. – Em que tu achas que poderia assim, por exemplo, a Filosofia contribuir para ti?] No modo de pensar (Lucas P. – 3º ano). Essas respostas foram dadas pelos alunos da professora Patrícia. A aluna Cristiane, sem aprofundar na resposta, considera importante os ensinamentos que os filósofos passaram através de seus escritos. Sua fala remete a importância de se trabalhar com a leitura de textos filosóficos na sala de aula. Os alunos Cristiano e Lucas consideram que a Filosofia é importante para contribuir com o desenvolvimento do pensamento, embora também acreditem que não irão utilizá-la muito ao longo da vida. Comparando a fala dos estudantes da Escola Central com a da Periférica, percebo que existe uma diferenciação na resposta dos alunos que têm aula com um professor habilitado em Filosofia. Esses tendem a reconhecer a importância da Filosofia para suas vidas mais do que os outros alunos, que acreditam que não a utilizarão muito, após sair da escola. A resposta dos alunos da Escola Central, quando atingem o terceiro ano, também apresenta uma característica de embasamento em suas respostas mais voltado para o leque filosófico do que os estudantes da Escola Periférica, exceto no caso de Cristiane, que resgata a importância do estudo dos textos escritos pelos filósofos. Essa constatação reforça a 231 necessidade de se ter um profissional formado em Filosofia para trabalhar no desenvolvimento dessa disciplina. Quanto aos profissionais que trabalham na escola, começo destacando a fala da supervisora: Com certeza! Acho que tem toda, principalmente para desenvolver um pouco o raciocínio; deles pensarem, deles refletirem a respeito das questões (Paola – Superv.). A visão da Paola é de reconhecer a importância da Filosofia no sentido de desenvolver a reflexão e o pensamento dos estudantes. Essa fala mostra novamente a visão de senso comum que perpassa a resposta dos entrevistados que não tiveram um estudo mais aprofundado do campo filosófico. Os docentes entrevistados responderam que: Eu acredito que tenha! Porque no mundo que nós vivemos hoje, cada vez com maiores avanços tecnológicos,[...] a própria forma de aprender está mudando. [...] eu acredito que a Filosofia contribua muito nesse sentido: de que nós possamos parar, pensar, analisar, conversarmos, dialogarmos, para além de estarmos na frente de uma tela. Porque a nossa sociedade está nesse caminho, já está. Não está caminhando, já está lá! Já está voltado para as telas, telas eletrônicas. O nosso aluno é muito ligado nisso. [...] Então eu acho que a Filosofia vem a contribuir, porque eu não acredito numa sociedade que não converse, numa sociedade que não dialogue. [...] E se nós não discutirmos, se nós não aprofundarmos os nossos conceitos, se nós não darmos espaços para os alunos, para os estudantes falarem o que eles sentem... não é nem a questão de culpá-los por estarem numa sociedade assim, muito pelo contrário, é deles conseguirem analisar: Por que a sociedade é assim? Por que eles preferem o Facebook? Por que eles preferem naquele momento de aula colocar a sua atenção num celular, ou num outro equipamento, e não no que está sendo focado na sala de aula? Tentar verificar com eles o que está acontecendo. E eu acho que o diálogo é o que proporciona isso. E a Filosofia, não só a Filosofia... claro, o foco da tua pesquisa é Filosofia, mas eu não quero, com essa minha fala, tirar o crédito das outras disciplinas, dos outros componentes curriculares, ou dar só o crédito para a Filosofia, ou para a área das Ciências Humanas, não! Porque todas as áreas do conhecimento são responsáveis por isso. Então eu tenho esse princípio, eu acredito realmente que nós precisamos fazer com que o nosso aluno redescubra ou descubra o valor do diálogo. Mas o diálogo mesmo, onde eu posso discordar do teu ponto de vista e argumentar e não deixar de ser teu amigo, não deixar de depois ter um momento de descontração, de brincar, de continuar a vida. Não pessoalizar a discórdia de uma ideia, por exemplo. E na nossa sociedade é isso que está presente hoje. Não só em sala de aula, mas em vários locais (Profa. Paula – Hist.). _____________________________________________________________ Muita [importância]! [...] No raciocínio, porque – seja o raciocínio lógico, ou seja o raciocínio de alguma questão importante – não basta tu observar o jornal, tu tens que ver o que está por trás daquilo ali. E eu acho que a Filosofia direciona para isso também. Não é apenas falar de Platão, ou de 232 outros filósofos, mas direciona a pensar, a raciocinar, que eu acho que é algo muito importante (Profa. Pâmela – Mat.). _____________________________________________________________ A importância é dar uma visão maior para o aluno, extraclasse, interdisciplinar, sobre os conceitos, sobre sociedade, o conceito sobre o mundo, da onde surgimos, qual os conceitos dos filósofos. Para dar uma visão melhor para o aluno, fora o que nós, professores de áreas, conseguimos repassá-los (Prof. Pedro – Port. e Lit.). Pela fala da docente Paula, percebo que a mesma enxerga na Filosofia, juntamente com as demais disciplinas, a possibilidade de os estudantes pensarem criticamente sobre a própria vida deles, problematizando o seu modo de viver e as informações que recebem dos meios de comunicação, indo além do que se vê. Sua visão se aproxima da reflexão filosófica (SAVIANI, 2000), na medida em que sugere a análise aprofundada dos problemas que a realidade estará apresentando. A resposta da professora Cândida também vai nesse sentido, visto que acredita que com a Filosofia o aluno não receberá as informações prontas somente, mas buscará ver o que está por trás da mensagem repassada. Nesse sentido, a Filosofia contribui com o desenvolvimento do raciocínio, motivando o aluno a exercitar seu pensamento de modo crítico. O professor Pedro, em sua resposta, aproxima-se do leque filosófico ao perceber o trabalho com os conceitos como sendo algo com que a Filosofia pode contribuir no desenvolvimento dos alunos, no sentido de auxiliá-los a compreender melhor o mundo e a sociedade, além dos conhecimentos que são trabalhados nas outras matérias. Diante desses dados, constato que dos 33 entrevistados ao todo, 82% consideram a Filosofia importante. Esse alto percentual me permite embasar dois posicionamentos: o primeiro deles é o de que como a ampla maioria considera importante a disciplina de Filosofia, se faz necessário dar um maior reconhecimento para ela na escola. Um dos modos de oferecer maior reconhecimento é ampliando a carga horária, uma vez que com maior tempo de trabalho, será possível o desenvolvimento de atividades com maior qualidade. O outro argumento refere-se, novamente, a necessidade de tornar públicas as visões antifilosóficas sobre a Filosofia, tornando mais claro o viés do leque filosófico para que a disciplina não se confunda com um simples bate-papo entre professores e alunos, ou o seguimento de um manual, atitudes que levam qualquer licenciado a assumir a disciplina na ausência de um profissional habilitado, permitindo que o aluno acredite que não 233 precisa ir à escola para desenvolver-se na Filosofia, visto que pode fazer isso em qualquer lugar. Atendo-me ao posicionamento dos estudantes, perguntei se eles ficariam na sala de aula caso a disciplina de Filosofia fosse optativa. Em suas respostas, foi interessante perceber que mesmo os alunos que a consideram importante disseram que não ficariam na sala se lhes fosse dada essa condição. Outro dado que chama a atenção nesta análise é o de que todos os alunos do professor César – Fil. disseram que ficariam na aula, mesmo que não fosse obrigatório. Primeiramente, farei a apresentação das respostas partindo da Escola Central. Nessa, dos 10 alunos que responderam, apenas os três alunos do primeiro ano não participariam das aulas. Alguns desses disseram que: Não! Não vejo interesse, não me interesso. Tipo, tu pode estar explicando as coisas, mas eu não tô nem aí. Eu tô em outro mundo. [J.C.D. – Se tu pudesse escolher não participar, tu não participarias?] É! Não participaria! (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu não ficaria, porque o que a Filosofia ensina não tenho muito interesse de aprender (Tonai C. – 1º ano). Os estudantes Tonai e Sadie comentaram que não participariam porque não possuem interesse na disciplina. A aluna Emma apenas disse que também não participaria, sem aprofundar-se na resposta. Ambos também tinham dito que não consideram a disciplina de Filosofia importante. Acredito que essas respostas estão motivadas pela monotonia que toma conta das aulas, que em sua grande maioria só desenvolvem atividades para entregar à docente. Será possível chegar mais claramente a essa conclusão quando, na próxima seção, for possível ler a resposta desses estudantes sobre as sugestões que tornariam a aula de Filosofia melhor. Os alunos dos demais anos disseram que participariam das aulas, independentemente da obrigatoriedade. No segundo ano, eles responderam que: Eu ficaria, porque eu gosto de falar. Se eu achar que uma coisa não está bacana, aí eu vou ter um espaço para mim falar que aquilo não está legal, entendeu? E a Filosofia acho que serve para isso (Francine C. – 2º ano). _____________________________________________________________ Talvez eu até ficasse, mas eu não participaria de todas as aulas, porque tem muita coisa que eu não concordo, mas muita coisa que é bom o professor falar porque a gente pode impor a nossa opinião (Lara C. – 2º ano). _____________________________________________________________ 234 Eu acho que ficaria sim, porque eu sou muito, sempre fui, de discutir, de debater e é uma aula muito dinâmica. Eu gosto bastante! Sempre gostei! (Tadeu C. – 2º ano). Todos esses alunos comentaram que consideram a Filosofia importante. Isso se confirmou na medida em que, se pudessem escolher participar ou não da aula, eles disseram que participariam. A aluna Francine e o aluno Tadeu responderam de modo semelhante, ao afirmarem que participariam da aula porque gostam de falar e debater. Como a disciplina de Filosofia oferece esse espaço, ambos o aproveitariam para desenvolver essa atividade. A aluna Lara possivelmente não participaria de todas as aulas, mas apenas daquelas em que a discussão estivesse interessante. Seu argumento para não participar se dá pelo fato de ela não concordar com alguns assuntos que são debatidos. Buscando compreender melhor a que assuntos a aluna se referia, pedi que ela me esclarecesse sua opinião. Lara respondeu-me que: Eu diria que às vezes os professores falam uns negócios bizarros, às vezes os assuntos que eles entram está bem fora do que a gente presencia, ou do que a gente tem nas outras matérias. Mas também tem o lado de concordar, porque tem muita coisa que eles dizem que realmente é verdade [...] e não sei, não sei explicar assim... mas é bom! Mas eu acho que deveria ser opcional (Lara C. – 2º ano). Eu acho que a Filosofia deveria ser usada... tu deveria sim estudar Filosofia, mas o professor deveria abordar mais questões atuais e deixar um pouco aquele negócio de filósofo e coisa assim (Francine C. – 2º ano). Porque o passado realmente passou, já foi (Lara C. – 2º ano). É! Acho que essa parte é desnecessária. [J.C.D. – A de ficar buscando os filósofos?] A passada... é! Até mesmo porque não é um tema que muita gente vai se interessar (Francine C. – 2º ano). Ao longo da resposta percebo o interesse de Francine em participar dessa problematização e auxiliar a colega no esclarecimento do motivo de não gostarem de certos debates. Com essa explicação das alunas, consegui constatar que elas não se interessam pela Filosofia quando acontece uma abordagem histórica ou quando se traz puramente os pensamentos dos filósofos. Elas acreditam que se as aulas fossem trabalhadas com um viés voltado mais para o contexto atual, a turma tenderia a gostar mais da disciplina. Analisando a fala das estudantes, percebo que está muito arraigada no pensamento de boa parte das pessoas a ideia de que na disciplina Filosofia o 235 debate de opiniões e a reflexão são suficientes para o desenvolvimento filosófico da mesma. Para superar essa visão, penso que poderia ser utilizada essa motivação inicial como caminho para a inserção de alguma atividade voltada para o leque filosófico, de modo que os debates da sala de aula consigam adquirir consistência filosófica, na medida em que os conhecimentos da Filosofia comecem a interagir com os saberes abertos dos estudantes, na própria sala de aula. Possivelmente essa interação trará sentido para os conteúdos filosóficos que forem trabalhados e esse estudo deixará de ser tedioso para os alunos. Com relação aos alunos do terceiro ano da Escola Central, os mesmos responderam que: Eu acho que dependeria do assunto. Porque tem assuntos que me interessam. Eu acho que dependeria do assunto... mas eu ficaria sim! (Aline C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Ficaria! [J.C.D. – Por que tu acha que ficaria?] Porque não é uma aula tão cansativa assim. É uma aula que a gente participa. Não é aquela aula maçante, sabe? Então eu acho que ficaria. Eu perco tempo com outras coisas, então perder uma hora tendo aula de Filosofia para mim... (Camila C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eu ficaria, porque é uma matéria, né? Tendo no colégio, é uma matéria! E é bom também porque é uma matéria que faz a gente pensar na nossa vida, no nosso conhecimento, nas nossas emoções (José C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Depende do assunto. Por que tem assuntos que me chamam a atenção na matéria e outros que não me prendem. Aí dependeria do assunto (Pablo C. – 3º ano). Desses alunos, apenas Aline comentou que não considera a disciplina de Filosofia importante para a sua vida, porém mesmo assim ela acredita que ficaria na sala de aula, dependendo do assunto que fosse abordado, pensamento semelhante a da aluna Lara C. – 2º ano e do colega Pablo. Dessas falas é interessante perceber que o que causa desmotivação e os levaria a não querer participar da aula é o fato de esse estudo não ter sentido para suas vidas. Essa descoberta indica que levar em consideração os saberes abertos dos estudantes (DUTRA, 2010; DUTRA & DEL PINO, 2011) e desenvolver a atividade de sensibilização (GALLO, 2012b), são atitudes aconselhadas para o despertar do interesse dos jovens pelos assuntos que serão abordados na disciplina. 236 A aluna Camila diz que participaria por gostar da dinâmica da aula, não a sentindo maçante. Sendo aluna do professor César, essa resposta mostra que os debates desenvolvidos trazem a atenção de alguns alunos para a mesma, permitindo que esses gostem de participar da aula. Esse argumento reforça a importância de não se fazer somente trabalhos escritos e avaliados em cada aula, pois a ausência da interação leva os alunos a desgostarem de desenvolver as atividades. O aluno José respondeu que participaria, porque a Filosofia é uma disciplina como as outras. Salienta também que é bom assistir às aulas, porque nelas pode-se pensar sobre a própria vida, as emoções e o conhecimento, de modo que é possível associar sua resposta à problematização enfatizada por Severino (2010) que entende a Filosofia como a busca pelo sentido da vida. Na escola da região periférica, as respostas dos alunos foram opostas a da Escola Central. A ampla maioria dos estudantes disse que se a disciplina de Filosofia fosse optativa, eles não participariam das aulas. Dos 13 entrevistados, seis participariam das aulas. Iniciando pelo primeiro ano, apresento as respostas dos alunos que afirmaram que não frequentariam as aulas se fosse opcional: Eu não faria! [...] Eu acho que entre Filosofia e outra matéria, tipo entre Filosofia e Matemática, eu escolheria ficar na de Matemática. Tanto porque eu tenho mais dificuldade em Matemática, para eu aprender mais em Matemática, para eu estudar mais em Matemática, tanto agora, quanto depois, eu acho que eu estudaria Matemática ao invés de Filosofia, no caso (Carolina P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Não ficaria, porque aí seria uma matéria a menos. Uma disciplina a menos (Rogério P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu também não ficaria, porque a gente praticamente tem História e eu acho meio parecido. Então eu acho que não precisaria ficar (Ricardo P. – 1º ano). A estudante Carolina, que também não considera Filosofia importante, disse que não participaria da aula e no caso de comparar com as outras disciplinas, ela participaria das demais e não da Filosofia. Os alunos Rogério e Ricardo, mesmo tendo considerado a Filosofia importante nas falas anteriores, disseram que se pudessem escolher, não ficariam nas aulas. Rogério argumenta que não iria porque seria uma disciplina a menos, diminuindo a quantidade de matérias a estudar. O 237 aluno Ricardo acredita que o que se vê em História já dá conta do que pode ser visto na Filosofia, não necessitando participar dessas aulas. O fato que considero interessante nas respostas é que mesmo que os alunos tenham afirmado que nas aulas dessa disciplina é possível refletir sobre as próprias atitudes, buscando não cometer erros, ainda assim não participariam caso não fosse obrigatório. Esses argumentos me levam a crer que existe uma prioridade de valorização das disciplinas que passam conteúdos que precisam ser estudados e por vezes “decorados”, do que pela Filosofia, a qual oferece o espaço de reflexão, não trabalhando necessariamente com conteúdos que devam ser acumulados na memória do aluno até a data da prova, por exemplo. Os estudantes de segundo ano disseram que ficariam na aula e responderam que: Ficaria! Para mim saber o entendimento de Filosofia mesmo. [J.C.D. – Mesmo que não fosse obrigado a participar?] Mesmo que não fosse obrigado, eu ficaria na aula! (Olívia P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Dependendo do professor, sim. No início eu ficaria para ver se eu iria entender a matéria, entender o que que era. Mas se eu visse que é como foram todos os anos, eu não ficaria mais (Estefani P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Eu ficaria! Porque, particularmente, eu vejo essa importância – como eu respondi nas perguntas anteriores –, vejo a importância de saber interpretar o pensamento para formar uma opinião. Então eu ficaria para ter no futuro um conhecimento melhor e poder participar desse mundo, de se expressar, e também, com certeza, para a vida toda. Então eu acredito que participaria, sim! (Sérgio P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Ficaria! Porque eu acho que conhecimento nunca é de mais. É sempre bom aprender algo a mais (Zac P. – 2ª ano). Olívia comentou que ficaria para poder compreender o significado de Filosofia, pois não está claro para ela. A aluna Estefani responde que inicialmente participaria para tentar entender a matéria. Caso ela visse que as aulas seguissem no mesmo molde como estavam sendo, deixaria de participar. A fala de ambas as estudantes demonstra que as aulas não estão sendo significativas para elas. Inclusive, após a entrevista, comentaram que a professora nunca disse para elas o que é Filosofia, nunca tocou nesse assunto em aula. Com relação aos alunos, Sérgio comenta que por considerar a Filosofia importante, participaria da aula com a finalidade de se desenvolver melhor na 238 expressão de seus pensamentos, o qual é uma exigência do próprio mundo. O colega Zac diz que ficaria na sala por considerar que a aquisição de conhecimento é sempre válida. Pela resposta dos alunos, vejo que consideram importante pelo acréscimo de conhecimento que a disciplina oferece e pelo exercício do pensamento. Acredito que seria preciso atribuir um significado mais aprofundado para o posicionamento deles, a fim de que consigam estabelecer uma maior relação com o âmbito do leque filosófico dentro de suas argumentações. Com relação ao terceiro ano, os alunos disseram: Depende. Se fosse cair no ENEM eu ficaria, para aprender, né? Mas eu não tenho muito interesse na Filosofia. Eu até gosto de saber o que os outros filósofos pensavam e tudo o mais. Só que eu não gosto de ter que responder questões de Filosofia, porque eu acho muito difícil, complicado, faz a gente pensar muito. [J.C.D. – Aí tu achas, por exemplo, se ela fosse optativa... se tu for assistir tudo bem, se tu não for não vai interferir na tua nota...] Então eu não assistiria. [...] Ficaria estudando para outra coisa (Cristiano P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eu também não! Eu me focaria mais nas matérias que a gente tem que se empenhar mais assim. [J.C.D. – Matemática?] Isso, isso! (Lucas P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Olha, eu acho que tanto eu, como a maioria dos estudantes, se tu perguntar isso eles vão dizer que não. Não ficariam na sala, porque Filosofia é muito tu estudar, tu ler, tu entender e às vezes o entendimento que eles [filósofos] tinham naquela época não é fácil para a gente agora. Então eu acho que para elaborar trabalhos assim, a maioria dos alunos diria que não ia fazer, por exatamente ter que ler para elaborar os trabalhos e etc. etc. Provavelmente eu não cursaria. Mas eu acho que se agora no Ensino Médio não fosse obrigatória, depois quando eu fosse entrar em uma faculdade eu ia sentir falta, mesmo que a base que a gente tenha seja quase nenhuma, é alguma coisa para quando a gente tiver na faculdade e aí tiver que elaborar mais essa disciplina (Cristiane P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que não também, porque acho que todos consideram mais importante Matemática, Português, [...] aí Filosofia eu deixaria de lado (Isabela P. – 3º ano). O aluno Cristiano disse que se caísse no ENEM, ele participaria das aulas, porém não gosta de responder às questões de Filosofia porque a mesma exige muito de seu pensamento, ao mesmo tempo em que é difícil. Como esse mesmo estudante considera que não é todo dia que se utiliza dos conhecimentos da Filosofia, se não fosse preciso assistir as aulas, sua escolha seria a de não participar. Os estudantes Lucas e Isabela argumentaram de modo semelhante, dizendo que não participariam das aulas para se dedicarem às matérias que são 239 mais importantes, como Matemática e Língua Portuguesa. Ambas as disciplinas possuem uma carga horária bem superior que a da Filosofia, o que reforça o posicionamento da professora Priscila – Quím. que disse que os alunos valorizam mais as disciplinas que têm uma carga horária maior. A aluna Cristiane apresenta uma reflexão mais aprofundada em sua resposta, comentando que pela dificuldade do estudo sobre os Filósofos ao longo da história, possivelmente ela e seus colegas escolheriam não participar das aulas para não precisarem fazer trabalhos avaliados sobre esses assuntos. Por outro lado, ela considera que mesmo não participando, possivelmente sentiria falta dos conhecimentos filosóficos quando estivesse fazendo algum curso superior, visto que possivelmente precisaria desses conhecimentos iniciais para a disciplina de Filosofia que faria na Universidade. Vejo que sua resposta aponta também para o processo de contextualização dos saberes filosóficos com a realidade dos alunos, a fim de que o estudo da Filosofia não se torne somente conteudista ou historicista, mas que possa fazer sentido para a vida dos estudantes. No que diz respeito aos alunos que participariam das aulas, ambos são do primeiro ano. Eles disseram que: Eu faria, porque apesar de eu não gostar muito, eu acho que é uma matéria. Independente de ser necessária, ou não, eu acho que é uma matéria (Sherlei P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu ficaria, porque, como eu já tinha dito, ajuda a pensar e eu gosto de pensar, raciocinar, eu gosto de saber como surgiram às coisas, como é que acontece. Eu gosto de refletir bastante (Roberto P. – 1º ano). A aluna Sherlei respondeu que participaria da aula pelo fato da Filosofia ser uma disciplina semelhante às outras. O estudante Roberto argumenta que participaria porque há espaço para refletir e raciocinar, algo que ele gosta muito de fazer. Nas respostas dos estudantes, percebi que a Sherlei participaria da aula mais no sentido de complacência pelo fato de a disciplina estar presente no currículo, do que propriamente pela importância da Filosofia. Por outro lado, Roberto participaria por gostar da disciplina e do mesmo modo do que outros colegas da Escola Central, tem o interesse de fazer parte das aulas pela oportunidade de debates. Realizando uma análise geral, percebo que dos 23 alunos entrevistados, 13 participariam das aulas de Filosofia, mesmo que essas fossem opcionais. Isso equivale a 56% dos estudantes. Dado o fato de que os alunos poderiam escolher 240 livremente se participariam ou não, respondendo a todas as questões de modo anônimo, creio que o percentual é positivo. Considero que seja importante ampliar o interesse dos alunos, o que me leva a acreditar que um dos possíveis fatores favoráveis a essa admiração seja o fato de haver docente habilitado em Filosofia lecionando a disciplina, pois a maior parte dos estudantes que responderam que participariam são alunos de um professor com essa formação, o qual, por sua vez, apresenta uma dinâmica diferenciada de trabalho. Os alunos da escola Periférica que participariam da aula, Sherlei e Roberto, tiveram aula com o professor Paulo, que é licenciado em Ciências Sociais, formação que está situada dentro da mesma área de conhecimento que a Filosofia (BRASIL, 2012a). O docente tem uma proposta de trabalho mais voltada para o debate na sala de aula. No decorrer das entrevistas perguntei aos entrevistados se eles acreditavam que a Filosofia deveria estar presente no currículo da escola. A resposta para essa questão foi muito positiva, visto que dos 34 entrevistados, apenas quatro disseram que a Filosofia não deveria estar no currículo. Constato esse dado como um importante indicativo de que a Filosofia está ganhando espaço e reconhecimento no currículo escolar, visto que 88% dos participantes são favoráveis a sua presença na escola. Começo a análise das respostas destacando a fala de alguns dos sujeitos da Escola Central. A supervisora apresenta assim o seu argumento: [...] eu acho bem importante! Acho que a obrigatoriedade dessa disciplina nos três anos é importante, uma vez que se não fosse à obrigatoriedade, talvez ela continuasse apenas em um dos anos do Ensino Médio. E se ela fosse bem trabalhada... claro que certamente que há bastante assuntos, conteúdos, para serem discutidos ao longo dos três anos (Carla – Superv.). J.C.D. – E assim, no teu ver, complementando essa pergunta: tu achas que ela precisaria estar nos três anos? Ou tu achas que de repente a presença dela em alguns dos anos seria suficiente? Eu penso que se ela fosse bem trabalhada em dois anos do Ensino Médio, eu acho que seria o ideal. Porque eu acho que daria até espaço na grade curricular – que a gente sabe que é restrita, porque a gente tem aquela carga horária que não pode alterar – e daria espaço para, talvez, outra disciplina para complementar esse currículo. Mas ela precisaria ser bem trabalhada, né? E que é uma das dificuldades que eu vejo. E ela acaba ficando apenas para cumprir tabela, digamos assim. É nos três anos para que se atenda a legislação (Carla – Superv.). 241 A supervisora Carla acredita que a disciplina de Filosofia deve estar presente no currículo, mas que se estivesse em dois anos já seria o suficiente, em virtude do “aperto” das disciplinas dentro da grade curricular da escola. Outro fato importante ressaltado pela supervisora é que, em sua visão, se não fosse a legislação a Filosofia possivelmente estaria em apenas um dos anos do Ensino Médio. Ela não seria retirada por completo, mas reduziria bastante o público alvo que viria a atender. O professor César ressalta a importância de a Filosofia estar presente nos três anos do Ensino Médio e destaca ainda a necessidade de ampliação da carga horária. É possível constatar essa informação em sua fala: Eu acredito que foi uma conquista, porque antes ela não era obrigatória. Aí depois com o movimento dos próprios professores em termos de tentar tornar obrigatória, não só a Filosofia, mas também entrou depois a Sociologia também, porque já tinha a Psicologia. E agora a tendência é que a Psicologia parece que já não está mais, né? E a única coisa que a gente vê é que mesmo ela sendo obrigatória, ficou uma só, 01 hora/aula só em cada série, o que é muito pouco para desenvolver o trabalho. [J.C.D. – Tu acreditas que é importante que ela esteja presente nos três anos?] Sim, com certeza! E ressaltando a questão de maior número de horas/aula. Uma hora/aula só é muito pouco! (Prof. César – Fil.). Pelo seu argumento, percebo que a conquista da presença da Filosofia nos três anos foi importante, mas que agora é preciso lutar pela ampliação da carga horária semanal, visto que com o tempo que se tem disponível, pouco dá para se fazer. Essa fala do docente é corroborada pela fala da professora Cecília – Quím., a qual entende que é preciso ampliar a carga horária, bem como estendê-la a outros níveis da educação básica. Cecília diz que: Eu acho que poderia ser também no ensino fundamental. Nos três anos do Ensino Médio está muito bom, acho que poderia aumentar um pouco mais a carga horária, de repente 02 aulas por semana; aliás, acho que de todo o currículo! Não precisaria algumas disciplinas ter mais carga horária do que outras. Se tu tens uma carga horária de trinta horas por semana, divide essas trinta horas nas dez disciplinas, ou nas quinze disciplinas, divide igualmente, universaliza o número de hora/aula para todas as disciplinas, inclusive para a Filosofia. E aí, tipo: aula de Filosofia no primeiro, no segundo e no terceiro com a mesma carga horária. Por que eu vejo os colegas tendo 01 hora/aula por semana e eu fico pensando: “que tipo de trabalho eles conseguem fazer com uma aula por semana?”. Por que eu já tive duas aulas por semana e eu não conseguia trabalhar direito. Imagina com uma aula só? [...] [J.C.D. – E tu serias favorável dela permanecer nos três anos?] Claro, favorável! De preferência com maior carga horária ainda do que já tem (Profa. Cecília – Quím.). 242 De acordo com a docente, a Filosofia deveria estar não somente no currículo do Ensino Médio, como também do Fundamental. Com relação à carga horária, ela pensa que no mínimo deveriam ser 02 horas/aula, pois na experiência que teve com a sua disciplina ela já considerava dois períodos semanais pouco; um período então, seria muito pior. As demais professoras da Escola Central disseram que seria importante a Filosofia estar presente nos três anos do Ensino Médio e utilizaram como argumentos sua importância para desenvolver nos alunos a reflexão, o pensamento crítico e a leitura. Tais argumentos giraram em torno das respostas que já foram dadas em outro momento da entrevista. Com relação aos estudantes favoráveis à presença da Filosofia, apresento a fala de alguns dos alunos do segundo e terceiro anos: Eu acho que ela é mais importante do que o Seminário Integrado, porque o Seminário Integrado, na minha opinião, não serve para nada. Tu pega um tema e tu desenvolve tudo em cima daquele tema. Tu te informa sobre ele, aí tu tem que te apresentar. Eu acho que a Filosofia é bem mais considerável do que Seminário Integrado. Eu acho que deveria sim entrar no currículo a Filosofia e sair o Seminário. [J.C.D. – E tu achas que a Filosofia deveria estar mesmo nos três anos do Ensino Médio? Ou tu achas que ela poderia estar em dois anos só? Ou em um ano só?] Nos três anos! (Francine C. – 2º ano). _____________________________________________________________ Com certeza! Porque tanto Filosofia, quanto Sociologia são muito importantes, porque a gente tem que estudar, a gente tem que entender o nosso pensamento. É uma matéria como qualquer outra, como Matemática, Português. E é muito importante, porque a gente tem que estudar isso. O ser humano é muito complexo e ainda a gente tem que entender o nosso pensamento (Tadeu C. – 2º ano). _____________________________________________________________ Sim, sim! Por que... como eu posso explicar? É uma forma de, como eu falei antes, de abrir a nossa mente. E isso sempre é bom (Pablo C. – 3º ano). A aluna Francine considera a disciplina importante e sugere que o Seminário Integrado saia para ficar somente a Filosofia. O aluno Tadeu aprofunda bem a reflexão e compreende que a importância da disciplina de Filosofia, nos três anos, é auxiliar cada um a entender seu próprio pensamento, devido a própria complexidade do ser humano. Pablo também considera importante a presença da Filosofia no currículo por permitir que os estudantes possam abrir as suas mentes, a fim de saber que existe algo além do que se aparentemente enxerga na realidade. 243 Pelas respostas dos entrevistados da Escola Central, é possível compreender que existe a preocupação de que a Filosofia realmente esteja presente no currículo para oferecer um espaço de debate para os alunos, bem como buscar também o aumento da carga horária semanal de aula. Na escola da região periférica, todos foram favoráveis à presença da disciplina. Quando questionada, a supervisora falou o seguinte: Eu acho importante, apesar de pensar que não deveria nem ser obrigatória. As pessoas já deveriam perceber a importância e já ter optado por tê-la em todos os anos (Paola – Superv.). Paola foi incisiva em sua argumentação e não deixou dúvidas sobre seu posicionamento favorável à permanência da Filosofia no Ensino Médio. Ela destaca ainda que as pessoas já deveriam ter noção dessa importância e se organizar para tê-la em todos os anos desse nível de ensino, sem precisar de uma lei que exija tal obrigatoriedade. O posicionamento da supervisora demonstra que existem profissionais de outras áreas que já reconhecem a importância da Filosofia e que possivelmente contribuirão para o aperfeiçoamento da disciplina no currículo escolar, visando a um melhor aproveitamento da mesma. Com relação ao posicionamento dos professores de Filosofia, todos consideram importante a presença da disciplina em todos os anos, como também consideram que é preciso ampliar a carga horária. O professor Paulo foi além dessa argumentação e falou um pouco mais sobre o assunto: Olha, ou seria obrigatório realmente assim como está nos três anos, ou em nenhum. Porque se vai iniciar só no terceiro ano [...] não dá! Então tem que iniciar de algum ponto. E se vai, por exemplo, como algumas disciplinas da academia, dar só no último ano e pouca hora/aula, não adianta, não têm! E já, no caso, a Filosofia e citando a Sociologia, o que acontece? 01 hora/aula: daí nessa 01 hora/aula a gente, seguindo pelo correto, vai fazer a verificação presencial – a chamada –, vai de repente tentar alguma explicação, tentar algum exercício, fazer alguma coisa e o tempo de hora que pode variar de 45 a 50 minutos – e dependendo até um horário reduzido de 30 minutos –, fica impossível que a pessoa siga alguma coisa. Então se vai deixar só para o segundo ano, ou a partir do segundo, ou só no terceiro, não têm nada! Não adianta nada! O que eu discutiria então, seria o que? O aumento da carga horária! Seria necessário no mínimo 02 horas/aula, porque 01 hora/aula não têm condições! Porque o privilégio, por exemplo, de uma Ciência Exata, como a Matemática, que fica numa Área do Conhecimento sozinha, ou solitária ali, que é só Matemática, isso aí atende a disposições de ensino, de política, outras questões, mas não da questão humana mesmo (Prof. Paulo – Fil.). 244 J.C.D. – Tu achas que, no caso, ela seria importante estar nos três anos? Sim, a importância nos três anos e com a carga horária maior. [J.C.D. – Em cada um dos anos?] Exatamente! Eu defendo mais o meu lado, prefiro Sociologia. Estou, no momento, filósofo, porque na realidade a gente tem o conhecimento, tem a leitura, mas independente, para conhecimento, para a pessoa, para a formação da pessoa, precisa de mais (Prof. Paulo – Fil.). Paulo considera que não faria sentido a Filosofia estar presente em apenas alguns anos, caso contrário seria preferível não tê-la na escola. Ao longo da resposta, ele argumenta que é necessário ampliar o período semanal de aula e questiona que existem posicionamentos políticos implicados na grande carga horária dedicada para a Matemática, por exemplo. Mesmo deixando claro sua preferência pela Sociologia, disciplina de sua habilitação, ele considera que para a Filosofia precisaria de mais horas também. Os professores das outras disciplinas também se manifestaram quanto ao fato da Filosofia estar, ou não, no currículo do Ensino Médio. Eles disseram que: Eu acho, como disciplina, sendo oferecida apenas em um ano não é suficiente. Eu acho que qualquer área, qualquer disciplina, ela tem que ser oferecida nos três anos. E assim, eu acho que a Filosofia é uma disciplina importante. Eu acho que ela até deveria ter uma carga-horária maior, enfim... mas eu acho que tem que ser realmente, no caso essa obrigatoriedade, ser nos três anos. E eu acho que ela é importante para os alunos! Realmente ela é importante! (Profa. Priscila – Quím.). _____________________________________________________________ Eu, como professora de História, considero a Filosofia muito importante! E a gente nunca deixa de lado até mesmo nas nossas aulas, da área das Ciências Humanas. Eu acho importante a Filosofia estar presente no currículo escolar. Claro, agora ela é uma obrigatoriedade, mas ela deve permear não apenas 01 hora aula, como é o caso, na disciplina de Filosofia, mas eu acho que ela deve permear todas as disciplinas. Enfim, eu acredito na interdisciplinaridade, então, não só Filosofia, mas como a História, como a Matemática, como o Português, todas as áreas precisam estar interrelacionadas. É difícil! É um trabalho complicado de acontecer; complicado no sentido de que às vezes as pessoas não estão predispostas a isso. Não complicado de fazer; de fazer, se a gente quer a gente faz! (Profa. Paula – Hist.). O pensamento da professora Priscila se assemelha ao do Paulo, na medida em que considera a necessidade de a Filosofia estar presente nos três anos, sendo insuficiente a presença em apenas algum desses anos. Ela considera que a ampliação do período semanal de aula também deveria acontecer. A professora reforça que a disciplina de Filosofia realmente deve estar presente no currículo escolar, inclusive indo além do seu período semanal de aula para permear todas as 245 demais disciplinas, de modo interdisciplinar. A ideia da professora Paula encontra respaldo na proposta do Ensino Médio Politécnico, que caso consiga se consolidar com êxito no currículo das escolas do Rio Grande do Sul, possivelmente a disciplina de Filosofia se desenvolverá de modo interdisciplinar e poderá contribuir com a construção dos conhecimentos em diálogo com as demais disciplinas. Analisando a fala dos profissionais da Escola Periférica, se percebe uma grande admiração dos mesmos pela Filosofia, no sentido de a considerarem importante e – em grande parte – perceberem que é preciso ampliar a carga horária para que o trabalho seja mais bem desenvolvido. Essa constatação contribui para encontrar a resposta ao objetivo desta pesquisa. Os alunos também se manifestaram sobre esse assunto. No primeiro ano, alguns deles responderam que: Eu acho que sim, porque além de ser uma matéria a mais que tu aprende, tu podes precisar dela. Não agora, mas depois. E eu acho que te ajudaria um monte sim em saber. [J.C.D. – Precisar, em que sentido tu dirias?] Em todos! Vai saber se alguma pessoa não te pergunta alguma coisa sobre ou que é relacionada com a Filosofia e tu não saiba responder, tu não chegou a ver. Aí tu ficas meio constrangido com a pessoa ali. [J.C.D. – E tu achas que deveria essar nos três anos do Ensino Médio?] Acho que até o segundo, só. [J.C.D. – No primeiro e no segundo?] É! (Sherlei P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Acho que sim, porque é uma matéria importante como as outras, porque deu origem também às outras e começou antes, praticamente. Então tem mais desenvolvimento, como as outras. [J.C.D. – E deveria estar presente nos três anos?] Sim, porque ela vai se desenvolvendo a cada ano, então acho que tem que estar presente (Ricardo P. – 1º ano). A aluna Sherlei considera que é importante a presença da Filosofia na escola, porque ela aborda assuntos que o aluno precisará saber para o futuro. De qualquer modo, seu posicionamento é o de que a disciplina esteja presente até o segundo ano, somente. A outra aluna, Carolina P. – 1º ano, considera que mesmo que ela não goste de Filosofia, existem alunos que gostam e por isso a disciplina deve estar presente. Na sua visão, ela deveria estar somente no primeiro ano. O aluno Ricardo considera a disciplina de Filosofia tão importante quanto as outras e salienta que existe a particularidade de ter sido a área do conhecimento que deu origem as demais ciências. Com relação à presença nos três anos, considera que deva ser desse modo mesmo, pois ela necessita de cada um dos anos para ir se desenvolvendo e abordando assuntos variados. Os alunos Rogério P. – 1º ano e 246 Roberto P. – 1º ano também consideram importante a presença da Filosofia nos três anos e, na mesma linha de resposta, comentaram que essa foi a origem das demais disciplinas, além de também permitir o desenvolvimento do pensar. Analisando a fala desses alunos, constato que a maior parte deles considera importante a presença da Filosofia nos três anos, o que possibilitará o desenvolvimento da capacidade de pensar e problematizar a realidade deles. As alunas também a consideram importante, mas acreditam que poderia ser trabalhada em apenas um ou dois anos. Seus argumentos demonstram não perceber a importância da Filosofia para o presente, mas apenas para problemas que possam surgir no futuro. Percebendo isso, acredito que uma das alternativas para o desenvolvimento do trabalho com os estudantes é pensar atividades que os auxiliem a compreender a importância da Filosofia para suas vidas a partir do “hoje”, a fim de que a mesma possa ter um significado mais vinculado ao presente para os mesmos. Os alunos do segundo ano também se manifestaram sobre essa questão. Alguns deles disseram o seguinte: Acho que sim! Tanto como Português, Matemática, [...] eu acho que Filosofia também, porque é mais para identificar ou para esclarecer o que ela tem a dizer para a gente. Então eu acho que deveria ter a Filosofia no nosso currículo. [J.C.D. – E tu achas que estar presente nos três anos mesmo? Ou pelo menos em alguns?] Acho que em alguns (Olívia P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Acredito que sim! Porque hoje temos muita dificuldade, principalmente na questão quando se trata de ética, do pensamento das pessoas, então se tiver sempre presente, à pessoa é educada para formar uma opinião, para criar relações com as pessoas diferentes. Relações mais éticas, ter uma relação melhor com as pessoas, convivência entre as pessoas. E a Filosofia, acredito que traga isso. E é importante ter em todos os anos (Sérgio P. – 2º ano). A aluna Olívia acredita que assim como as demais disciplinas, a Filosofia também deve estar presente no currículo do Ensino Médio, a fim de que seja possível compreender o que ela se propõe a problematizar. Mesmo considerando importante a presença da disciplina, a aluna acredita que ela deveria estar presente em alguns dos anos, mas não em todos. O estudante Sérgio entende que é importante a presença da Filosofia nos três anos do Ensino Médio para que os alunos possam, desde a adolescência, desenvolver-se na formação de sua opinião, na formação ética e no relacionamento entre as pessoas. 247 Ao analisar a resposta dos estudantes, percebo a necessidade de desenvolver os conteúdos de Filosofia de modo que possam fazer sentido para suas vidas e os mesmos consigam entender, pela experiência do filosófico, o que é a Filosofia. Percebo também a importância da Filosofia no desenvolvimento do pensamento autônomo do estudante, para que ele possa aprimorar sua reflexão, indo além da opinião. É preciso que essa disciplina torne clara a superação do senso comum e o cunho não-doutrinário da formação ética do ser humano. Quanto ao terceiro ano, os alunos se manifestaram do seguinte modo: Eu acho que sim, eu acho que deveria! Na verdade não só Filosofia, como todas as outras matérias deveriam ser mais aproveitadas, mais desenvolvidas nas escolas, diferente do que está sendo hoje. Alguns professores até tentam fazer trabalhos mais elaborados e outros nem tanto. Outros às vezes acabam se desvirtuando do que a gente deveria estudar em Filosofia. Acabam fazendo um trabalhinho qualquer e deixam a Filosofia de lado; a real Filosofia, que é o entendimento dos filósofos, deixa de lado. Deveria ser isso o estudo da escola (Cristiane P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Acho que ela tem que estar presente em todos os anos! Tipo, o primeiro, o segundo e o terceiro ano do Ensino Médio é focado na matéria, só que também no ENEM. Prepara a gente para o ENEM. A matéria de Filosofia também cai no ENEM, querendo ou não. Então tem que aparecer (Cristiano P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Acho que precisa sim! Porque tem que estar sempre lembrando assim, pois o ser humano esquece do que foi falado, como eles falaram, esses filósofos. Acho que tem que estar sempre lembrando e sempre focalizando (Lucas P. – 3º ano). A fala da Cristiane resgata novamente a importância do estudo dos textos filosóficos que, em sua visão, deixam de ser trabalhados por alguns professores que acabam desenvolvendo um “trabalhinho qualquer” e se esquecem de aprofundar no que realmente é importante. Dessa forma, ela acredita que a Filosofia deve estar presente no currículo da escola, porém com um trabalho mais comprometido com a própria natureza da disciplina, a qual deverá ser permeada pelo leque filosófico. O aluno Cristiano apresenta outro viés na resposta. Ele defende a importância da Filosofia pela sua presença no ENEM. A fala desse estudante aproxima-se do pensamento de Volpato Dutra (2011), o qual acredita que a utilização da Filosofia no vestibular54 oferece uma maior motivação para os alunos 54 Processo seletivo mais utilizado pelas Universidades na época em que o texto foi escrito. 248 se interessarem pela disciplina. Cristiano considera importante o estudo dos conteúdos da Filosofia, a fim de que eles possam ir se preparando para o ENEM. Lucas, por sua vez, apresenta uma reflexão diferente. Ele considera importante a presença da Filosofia no currículo, porque permite ao ser humano estar em contato com o pensamento histórico, a fim de que possa sempre lembrar aquilo que já foi construído pelos filósofos. Esse contato com a história oferece o espaço da “lembrança”, para que o ser humano não esqueça o que foi dito e elaborado ao longo da história da humanidade. Vendo as respostas desses estudantes, considero que existem mais argumentos que reforçam a efetiva relevância da Filosofia no currículo Ensino Médio, visto que os próprios alunos acreditam que ela deveria estar presente em todos os anos e com um viés teórico de cunho mais filosófico, sem atividades fora do leque filosófico. Uma questão problemática é a presença da Filosofia no ENEM como fator motivacional. Abordarei mais profundamente essa questão nas considerações finais, mas adianto que não vejo como produtiva essa presença, uma vez que a Filosofia perderá o seu caráter de “ter o fim nela mesma”, para servir como “meio” para que o estudante acumule uma certa quantidade de conhecimentos, a fim de ser aprovado em um teste seletivo. O caráter conteudista e historicista da Filosofia foge do leque filosófico, tendendo a coisificar a disciplina, transformando-a em alvo fácil da educação bancária (FREIRE, 2003a) e da perspectiva tradicional de currículo (SILVA, 1999). Os alunos que acreditam que a disciplina de Filosofia não deveria estar presente no currículo, tomaram por base a não necessidade da disciplina para as suas vidas. Algumas das respostas foram: Eu acho que não! Eu acho desnecessária no currículo. [J.C.D. – Tu achas que ela poderia não estar em nenhum dos anos? Nem estar na escola?] Assim, na escola acredito que não, mas caso alguém tenha algum interesse poderia fazer algum curso privado. [J.C.D. – E por que tu achas que ela não deveria estar presente no currículo?] Porque eu acho desnecessária para o ensino, a ideia dela, o conceito dela em geral. Porque hoje em dia as pessoas pensam diferente. Talvez algum tempo atrás isso fosse útil, mas hoje em dia acredito que não (Tonai C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Não! Como eu disse, é uma matéria que a gente não vai levar, por exemplo, numa prova... não sei se carrega na prova do ENEM? [J.C.D. – Já está caindo!] Já está caindo? [J.C.D. – Hum, hum!] Mas eu acho que Matemática, Português, são as mais importantes. Ciências, essas coisas assim, não acho muito importante para o futuro, Filosofia. [J.C.D. – Mas tu acha, por exemplo, a Matemática, o Português, já está no currículo! É 249 certo! Filosofia tu achas que deveria estar também, ou não precisaria?] Não precisa. Não é necessário. Só para quem gosta mesmo! (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ No caso da nossa escola, não! Porque, como eu falei, em todos os anos eu nunca tive um entendimento sobre o que é Filosofia. [J.C.D. – Tu achas que ela não precisaria nem estar presente?] Não! (Estefani P. – 2º ano). A aluna Estefani acredita que do jeito que a disciplina é trabalhada na sua escola, não seria preciso nem tê-la no currículo, pois ela até o momento não conseguiu entender bem o que é Filosofia. A estudante Sadie defende o posicionamento de que a Filosofia não é útil para os estudantes, diferentemente do que ocorre com as disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa. O aluno Tonai também acredita que a Filosofia não tem importância para o mundo de hoje, pois as pessoas pensam de modo diferente e o universo da pressa toma conta de nossa atualidade, não havendo tempo disponível para se dedicar à Filosofia. Pelas respostas dos estudantes, penso que o professor de Filosofia tem um papel importante no sentido de oferecer o espaço dialógico da sala de aula para o contato com os conhecimentos filosóficos, a fim de que os alunos possam perceber que mesmo com as pessoas vivendo apressadamente, a Filosofia contribui inclusive para questionar a hipermodernidade que estamos vivendo. É salutar que se perceba a Filosofia como o “fim nela mesma”, em que o próprio ato de filosofar e o estudo dos conteúdos presentes no leque filosófico possam fazer sentido e ser fonte de motivação para o despertar do interesse de cada um. Voltando-me somente para os alunos, perguntei como eles percebiam que a turma considera a disciplina de Filosofia: importante ou desnecessária? De modo contrário à maior parte dos posicionamentos expressos até aqui, a ampla maioria dos entrevistados acredita que a turma considera a Filosofia desnecessária. Dos 23 entrevistados, apenas dois pensam que a turma acha importante a disciplina. Na escola da região central, os alunos do primeiro ano disseram que: Eu acho que é desnecessária, porque – até tu que já estás vendo aqui em aula – a gente fica meio desinteressado, sabe? A gente faz as coisas, mas é só por ter que fazer mesmo, para ter o positivo. Por causa que a gente está sempre conversando na aula, ou está em outro lugar pensando, sempre dá um jeitinho de sair assim. [J.C.D. – E as aulas que ela dá, geralmente é trabalhos, ou ela faz aula expositiva, com ela falando?] É trabalhos! É só trabalho e passa coisa no quadro para a gente entender. Pede para fazer resumo, essas coisas assim. Eu gosto, é legal a aula dela assim, só que não me interesso, entendesse? (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ 250 Desnecessária! [J.C.D. – O que tu percebe na turma, assim, que tu achas que...] É muito desinteresse, não prestam atenção, estão sempre conversando e eles não acham interessante Filosofia. Para mim também não é interessante. Tem gente que acha (Emma C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Todo mundo assim, ninguém na turma considera necessária. Eles fazem o trabalho, isso e aquilo, só para ganhar nota e para passar depois. [J.C.D. – Tu tens quase certeza, assim, que o pessoal não...] Sim, todo mundo! Porque ajuda na nota, daí eles fazem. Se empenham um pouquinho. [J.C.D. – O que tu percebes neles que eles acham desnecessária, assim, durante as aulas...] A falta de atenção, todo mundo conversando, não prestando a atenção. Só copia as coisas, olha no livro, responde e deu. Joga o troço fora, não olha, não lê, não quer nem saber (Tonai C. – 1º ano). A fala dos alunos demonstra o desinteresse que a turma tem pelas aulas de Filosofia. Sadie comentou que eles realmente fazem as atividades, mas por obrigação, visto que assim ganharão nota pelo trabalho realizado. Tanto Sadie como Emma disseram que a turma não presta a atenção e ficam conversando sobre outros assuntos. Sadie destacou ainda que às vezes procuram sair da sala, para ir para outro ambiente. Ao final de sua fala disse que as aulas são legais, mas ela é que não se interessa. O aluno Tonai afirmou que a turma não considera a disciplina de Filosofia necessária. Ele percebe que os alunos só fazem as atividades para ganhar a nota e enquanto a aula se desenvolve, não prestam atenção e conversam sobre assuntos variados. Os exercícios são desenvolvidos de forma mecânica e conteudista, em que apenas se copia do livro o que é solicitado, entrega para a docente e recebe a nota. Não há discussão sobre os trabalhos que foram entregues. Comparando a resposta dos estudantes com as minhas observações, também constatei esses fatos mencionados. Nos trabalhos propostos pela professora Carmen – Fil., embora os alunos fizessem as atividades ao longo das aulas, na maior parte do tempo conversavam entre si sobre assuntos variados e sempre que podiam saíam da sala ou para falar com alguém, ou para beber água, ou para ir ao banheiro. A fala dos alunos e as observações me levam a confirmar a necessidade de tornar a aula de Filosofia mais dialógica na relação entre professores e alunos, pois a tendência de uma aula assim é que os alunos não se interessem pela disciplina, participando das aulas somente para ganhar nota e aprovar no trimestre. As alunas do segundo ano se manifestaram do seguinte modo: 251 Acho que considera desnecessária, para muita gente, porque as pessoas que normalmente se manifestam na aula de Filosofia são as mesmas sempre. Por mais que tivesse duas aulas, seriam sempre aquelas pessoas que se manifestariam. Ou não, talvez não. Mas não é uma aula que todo mundo participa (Francine C. – 2º ano). _____________________________________________________________ A turma realmente não é envolvida com a disciplina de Filosofia, de um modo geral. Os que falam, como ela [Francine] disse, é sempre os que falam tanto em Filosofia quanto nas outras matérias. E mais de uma aula, ou coisa assim, não vai ter outra desenvoltura, não vai ter um resultado diferente (Lara C. – 2º ano). Ambas as alunas – que têm aula com o professor César – acreditam que a turma demonstra não ter interesse por não participarem dos debates que são promovidos nas aulas. Um detalhe que percebi na fala das estudantes é que nenhuma mencionou que a turma fica de conversas paralelas e nas observações que fiz, também percebi que a maioria dos alunos estava atenta na fala do professor, embora a minoria se manifestasse para opinar. Reparei que havia pouca conversa entre os próprios alunos, falando sobre temas diversos. Penso que isso reflete uma certa atenção dos alunos nas aulas. Nesse sentido, acredito que a ausência de fala nos debates por parte dos alunos não significa que os mesmos estejam desinteressados, mas que podem estar constrangidos de manifestar a sua opinião. Penso nisso a partir da fala de outro aluno dessa mesma turma, Tadeu, que é um dos que acredita que a turma tem interesse nas aulas de Filosofia: A turma, eu acredito que tem a mesma minha opinião, que a gente gosta muito de discutir, debater assim com os colegas. A gente tem até um pouco de costume de debater fora de horário de aula, essas coisas assim, os assuntos abordados em Filosofia. [J.C.D. - Tu achas que no geral a turma gosta?] Gosta! E também influencia muito o professor que é super gente fina, a gente adora ele (Tadeu C. – 2º ano). O relato do Tadeu traz à tona a possibilidade de a turma gostar da disciplina, pois há casos em que eles seguem discutindo as problematizações propostas após o término do horário de aula. Essa constatação é muito importante, pois mostra que os debates nas aulas de Filosofia não se encerram ali, mas continuam causando provocações mesmo após a aula ter acabado. Tadeu atribui o fato de a turma gostar da Filosofia também ao carisma do professor César, que, em sua visão, é “super gente fina”. A boa relação entre professor e aluno também contribui para o desenvolvimento de um trabalho que cative os estudantes. 252 Por fim, os alunos do terceiro ano disseram que: Eu acho que está bem dividida a turma. Porque tem uns que não querem prestar a atenção no que o professor diz, mas tem uns que prestam a atenção, que querem conhecer mais a Filosofia, querem saber mais a origem das coisas (José C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eles acham desnecessária, eu acho. Eles só estudam para a prova, para poder passar. Porque se não, eles nem assistiriam a aula, se pudesse (Pablo C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Não, desnecessária! Por que eles não prestam atenção na matéria, no que ele fala (Camila C. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que meio desnecessária, porque eles reclamam muito das avaliações, que ele, no caso, nos puxa muito, né? Não deixa a gente opinar. Ele quer que a gente bote o que está no livro, entendeu? Então acho que acham meio desnecessário (Aline C. – 3º ano). O aluno José pensa que a turma está dividida quanto a considerar importante ou não a disciplina. O estudante Pablo argumenta que a maioria da turma a considera desnecessária e só estudam a fim de que consigam passar nas provas. Comparando com as observações que fiz, percebi um pouco disso, quando alguns alunos ficavam atentos a toda a aula, enquanto outros prestavam a atenção somente quando o professor trazia algum exemplo do cotidiano para discutir. A aluna Camila também acredita que a maior parte da turma considera a Filosofia desnecessária por não prestarem a atenção na matéria. Aline, por sua vez, faz um comentário que se aproxima ao de Pablo, dizendo que os alunos reclamam das avaliações por considerarem difíceis. Um dos argumentos foi o de que o professor quer que os alunos coloquem somente o que está no livro. Contrariando esse argumento, em uma das aulas que observei no segundo ano o docente anunciou que haveria uma prova e disse que não era preciso se deter somente no livro, podendo colocar reflexões pessoais também. Pela fala desses alunos, percebo que todos acreditam que a turma acha desnecessária a disciplina de Filosofia. Penso que esses argumentos devem ser levados em consideração, para que seja possível pensar formas de desenvolver o trabalho que agradem a maior parte dos alunos, chamando a atenção dos mesmos para as aulas. 253 No que diz respeito à Escola Periférica, apresento a resposta de alguns dos alunos do primeiro ano: Eu acho que eles consideram bem desnecessária. Porque quando tu entra na sala, às vezes, tu vê todo mundo meio que prestando atenção, porque o professor conta bastante história, aí às vezes o pessoal se interessa para saber o que vai acontecer, e às vezes quando o professor está falando de um filósofo lá, a aula começa a ficar chata e aí todo mundo começa a conversar e ninguém dá mais importância, daí eles meio que se perdem daquilo ali e a aula começa a ficar meio cansativa. [J.C.D. – No geral, tu achas que...] No geral, acho que eles não dão muita importância (Carolina P. – 1º ano). _____________________________________________________________ É bem desnecessária! Vou concordar com ela [Carolina], porque quando a gente quer saber, a gente acaba prestando atenção, mas quando a gente não quer, acaba sendo uma obrigação. Ele passa no quadro, deu, pronto, já tem que fazer, tu não pressa a atenção. Ele é um professor muito calmo, se ele não fosse calmo, eu acho que a turma inteira já tinha sido expulsa do colégio, sinceramente, por causa disso. Acaba se tornando chata a aula, porque algumas pessoas prestam a atenção, outras não. Aí quando ele começa a falar de um assunto que ninguém se interessa, todo mundo acaba nem olhando para ele. Ele fica simplesmente olhando para a parede, porque ninguém olha para ele. [Carolina – É verdade! Acho que ele tem muita paciência também!] Ele tem muita paciência com a gente. [J.C.D. – Quando entra, digamos, algum assunto de conteúdo de Filosofia, o pessoal fica mais disperso?] É, depende do conteúdo, porque quando ele fala de filósofos e tudo o mais, dependendo do jeito que é, alguns prestam a atenção, ou às vezes a sala inteira. Tipo, a história do “passarinho” e da “tartaruga” que ele falou, todo mundo prestou atenção, mas estavam querendo muito saber o que iria acontecer com o passarinho e com a tartaruga, no final. Só que tem coisas que ele dá, que ninguém se interessa. São coisas que a gente acha que não é necessário (Sherlei P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eles acham que é desnecessária, porque eles acham que não vão usar nos outros anos, como profissionais também, e acabam deixando de lado e dando importância mais para Português, Matemática, que eles vão usar mais. Eles acabam deixando de lado Filosofia. Chega o professor, já falam: “Ah... mais uma aula de Filosofia...”. É porque não aguentam mais (Ricardo P. – 1º ano). Da turma do professor Paulo, apenas o aluno Roberto P. – 1º ano acredita que a turma considera a Filosofia tão importante quanto às outras disciplinas, sem privilégio ou descrédito perante as demais. Por outro lado, os outros colegas entrevistados consideram que a turma avalia como desnecessária a disciplina de Filosofia. A aluna Carolina considera que quando o professor conta histórias, a tendência é de que a turma preste a atenção e goste da dinâmica, porém quando o professor começa a introduzir o estudo sobre algum filósofo, o interesse acaba e os alunos começam a não prestar mais atenção no que está sendo dito. Vejo o argumento de Carolina como muito válido e reforça a ideia de que a sensibilização 254 ou a aproximação da realidade dos alunos motiva os mesmos a se interessarem pela aula. Pude perceber essa constatação pelas observações, vindo a se confirmar, também, na fala dessa estudante. Esse dado contribui para pensar formas de atrair os alunos para os assuntos que serão discutidos nas aulas. A aluna Sherlei fala de modo semelhante à Carolina, destacando que os alunos acham chatas algumas aulas. Ela entende que a turma é agitada e que a calma do professor contribui para que os alunos continuem na aula. Sherlei comenta também que dependendo da forma como o professor aborda o conteúdo os alunos se interessam, ou não, e do mesmo modo como foi relatado por Carolina, a turma prestou bastante atenção nas histórias que foram contadas pelo professor. Vejo, novamente, um registro favorável à provocação inicial das discussões nas aulas de Filosofia a partir de histórias que despertem o interesse dos alunos. O estudante Ricardo comenta que percebe o desinteresse da turma ao compreender que a Filosofia não será utilizada ao longo da vida, como ocorre com a Matemática e a Língua Portuguesa. Percebo essa resposta como um destaque para que a disciplina mostre sua importância para a vida dos estudantes não só no futuro, mas também no presente, salientando que os problemas filosóficos que foram abordados ao longo da história trazem contribuições para o ser humano pensar a sua vida atualmente. Os alunos do segundo ano, que têm aula com a docente Patrícia, falaram que a turma não se interessa pela Filosofia. Algumas das respostas foram: Os alunos da minha aula acham desnecessária, porque alguns mesmo não tem importância, nem pela Filosofia, nem pela Sociologia. Alguns acham desnecessária. Mas eu acho que entre eu e a Estefani, a gente acha necessária a Filosofia para a gente. [J.C.D. – E na tua turma tu vê que tem colegas que consideram importante a Filosofia?] É! Acho que pela metade mesmo (Olívia P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que consideram desnecessária, porque não enxergam a importância dela. Não veem que eles podem se sentir, vamos dizer, entre aspas, “filósofos”, pelo fato de poder expor a opinião e só aceitam o que veem. Então eu acredito que eles acham desnecessário e que não vai fazer diferença para a vida como eles acreditam que faça a Matemática, o Português (Sérgio P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Desnecessária! E até demonstram um pouco de desinteresse na matéria, porque, como o Sérgio disse, eles aceitam uma verdade de qualquer jeito, eles não procuram questionar a verdade (Zac P. – 2º ano). 255 A aluna Olívia percebe que cerca de metade da turma considera a disciplina desnecessária para o currículo. Os alunos Sérgio e Zac apresentam um argumento que vai de acordo com o que Olívia disse, mas salientam que a maior parte dos colegas não a considera importante. Sérgio destaca que os alunos não costumam expor os seus pensamentos e aceitam o que é proposto por outrem, sem questionar. O aluno Zac confirma o argumento de Sérgio, comentando que os alunos muitas vezes acabam aceitando como verdade as informações que são repassadas e não problematizam a respeito. Na análise, tomo por base especialmente a fala dos alunos, no sentido de que eles tocam em um assunto importante para a Filosofia, que é a não aceitação passiva das informações. Vejo que essa atividade de problematização da realidade pode ser um indicativo inicial para sensibilizar os alunos na aula de Filosofia, permitindo que essa visão crítica possa se estender para toda a turma, visando à superação da passividade no recebimento de novas informações. Enfim, os alunos do terceiro ano, que também têm aula com a professora Patrícia, disseram que a turma não considera importante a disciplina de Filosofia. É possível constatar isso a partir das respostas de alguns deles: Uma grande maioria acha desnecessária. Mas há quem considera importante. Estuda e se esforça para entender. Acha que vai adicionar algo no seu futuro por estudar. Mas muita gente tem muito desinteresse nessa disciplina. [J.C.D. – O que tu percebes neles que tu acha que eles estão desinteressados?] Não leem as coisas, não fazem os exercícios. Às vezes, quando tem que fazer para valer nota, eles copiam de alguém. Por si só, ler, pegar o livro e ler para fazer, eles não fazem. [J.C.D. – Poucos fazem isso?] Poucos! (Cristiano P. – 3º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que o pessoal da minha turma, na grande absoluta maioria, acha que não, não é importante. Porque eles visam muito às matérias que eles acham que é importante e mesmo assim não dão bola, como Matemática, Física, Química, [J.C.D. – Português...] Português. E em matérias assim, que a gente tem uma carga horária maior, embora o conteúdo acho que seja quase a mesma coisa, eles já não se importam. Eu acho que o aluno, hoje em dia, ele está muito preocupado em tirar nota, o suficiente para passar. Mas a nota é uma consequência do que tu aprendeu! Não adianta nada tu conseguir atingir a média no final do ano, se tu não tiver o mínimo do conhecimento que tu precisa para passar de ano. [J.C.D. – Aí tu acreditas que a maioria considera desnecessária, a Filosofia?] É, eu acho! Porque não dão muita bola. Acho que não entendem a importância da Filosofia. Se eles lessem um pouco sobre, acho que eles aceitariam melhor essa disciplina (Cristiane P. – 3º ano). Nesse trecho, destaco a fala dos alunos que aprofundaram mais a reflexão em suas respostas. O estudante Cristiano comenta que percebe o desinteresse em 256 boa parte dos colegas, por esses não lerem os textos propostos e não fazerem os exercícios. Só fazem isso quando a atividade é avaliada e mesmo assim, alguns copiam dos outros colegas. A aluna Cristiane comenta que a turma costuma valorizar mais as disciplinas que têm mais carga horária ou que acreditam ter mais importância, incluindo nessa relação a Matemática e a Língua Portuguesa. Para Cristiane, se os alunos lessem mais sobre os assuntos relacionados à Filosofia, possivelmente a aceitariam melhor. Analisando essa turma, penso que essas falas se deem pelo fato de a professora fazer trabalhos avaliados em praticamente todas as aulas, de modo semelhante ao que ocorre no primeiro ano da Escola Central. Os alunos realizam as atividades somente porque vale nota e não têm interesse pela matéria que está sendo estudada. Acredito que essa “falta de interesse” possa se converter em “interesse” se a professora utilizar outros espaços da aula para o trabalho dialógico voltado para o leque filosófico, de modo que os estudantes, como Cristiane falou, ao ter contato com a leitura desses materiais acabem valorizando mais a Filosofia. Seguindo na pesquisa de campo, perguntei para as supervisoras como elas avaliam o ensino de Filosofia em suas escolas. Na Escola Central, Carla respondeu da seguinte forma: [...] eu penso que se perde um pouco com o trabalho que não é, na minha opinião, da Filosofia, mas que acaba o professor de Filosofia incorporando à sua prática que é começar a discutir valores, discutir assuntos atuais, e ficar falando da descriminalização da maconha, ficar falando da importância da família, que são assuntos que devem ser discutidos sim, num projeto interdisciplinar, ou na disciplina de Ensino Religioso, de Relações Humanas. Eu penso que a Filosofia tem conteúdo para ser trabalhado, sim! Para ser trabalhado também dentro do contexto, mas trabalhado com o olhar da Filosofia. [J.C.D. – E tu achas que aqui na escola pode acontecer de às vezes ficar mais numa discussão...] Fica muito repetitivo dentro da área. Se repetem temas e... o problema maior nem é se repetirem os temas, é trabalhar exatamente da mesma forma a mesma temática. O que fica cansativo para o aluno, se perde, né? Porque a gente tem que otimizar o tempo em sala de aula. Se eu fico com três componentes curriculares, da mesma área, falando sobre o mesmo tema e dando a mesma visão, o mesmo enfoque... claro que se o enfoque é diferente: “Qual é o enfoque da Sociologia, da Filosofia, dentro de um grande tema?”. Acho super importante trabalhar em um projeto por exemplo. Mas aí cada um tem que dar um enfoque. Por que se não o aluno... massacra, cansa e os alunos não gostam (Carla – Superv.). A supervisora comenta que o problema da disciplina é discutir assuntos do cotidiano e não trabalhar com os conteúdos da própria Filosofia. Em seu ver, a abordagem desses assuntos pode ser feito na disciplina de Relações Humanas ou 257 de Religião. Outro fator destacado é a abordagem de temáticas que são trabalhadas em outras disciplinas. Ela acredita que isso ficará cansativo para os alunos. Tomando por base a fala da supervisora, toca-se novamente na abordagem dos conteúdos filosóficos, além das discussões sobre o cotidiano. De outro modo, Carla comentou que pelo contato que tem com os estudantes, observa que por vezes os alunos acham muito repetitivos os assuntos abordados nas aulas, entre as diferentes disciplinas. Acredito que esse fato tem possibilidade de acabar se os docentes da mesma área conseguirem debater sobre os temas que cada um trabalhará, a fim de manter um elo interdisciplinar, caso desejem, ou se preferirem atuar de modo isolado, que cada um possa dar uma abordagem diferenciada, a fim de não repetir a mesma concepção teórica em aulas de disciplinas diferentes. Na Escola Periférica, a supervisora também realizou uma análise diferente sobre o ensino de Filosofia da sua escola: Dependendo do professor, eles [alunos] ficam um pouco confusos. Eles acreditam que às vezes o nível da fala do professor interfere na compreensão deles. Eles têm uma certa dificuldade quando o professor aprofunda e usa, de repente, palavras que eles não estão habituados. Principalmente no primeiro ano os alunos sentem bastante essa questão, essa dificuldade, porque eles, às vezes, não conseguem compreender o que está sendo realmente trabalhado. Mas depois, com o decorrer dos anos, eles vão percebendo também. Mas no primeiro ano é difícil, eles têm uma dificuldade de compreensão (Paola – Superv.). A avaliação da Paola é que a maior dificuldade que se tem nas aulas de Filosofia é a utilização de palavras ou conceitos que os professores proferem e que os alunos têm dificuldade de compreender. Por outro lado, ela salienta que com o passar dos anos esse problema interpretativo começa a diminuir, e no terceiro ano essas dúvidas se tornam cada vez menores. Analisando a fala da supervisora, percebo que essas preocupações são comuns de acontecer no ambiente educacional de nível básico. Digo isso por compreender que nesse âmbito de formação não se está trabalhando para formar filósofos, mas para permitir que os estudantes possam ter um contato básico com os conhecimentos que fazem parte do campo filosófico e que possam auxiliá-los na sua formação pessoal ao longo da vida. Dito isso, percebo que para aprimorar o trabalho no Ensino Médio, tomando por base o argumento da Carla, seria interessante buscar um aprofundamento filosófico nas aulas com textos escritos por filósofos, a fim de que seja possível 258 manter o contato com o leque filosófico e se distanciar cada vez mais do simples debate de opiniões. Considero que, paralelamente a essa postura, faz-se necessária a ampliação da carga horária, visto que com 01 hora/aula semanal dificilmente será possível desenvolver um trabalho filosófico que possa atrair o interesse dos estudantes nas aulas. Quanto à fala da supervisora Paola, penso que esse fato é comum e o processo de compreensão das palavras mais complicadas começa a ser superado na medida em que a utilização dos conceitos se torna mais próxima da vida do aluno. Os conceitos como mundo das ideias, ética das virtudes, juízo analítico e juízo sintético, entre outros, ao começarem a ser estudados e problematizados juntamente com os saberes abertos dos estudantes, poderão fazer parte de suas vidas e de seus próprios argumentos, contribuindo para a melhora na forma de se expressar, bem como enriquecendo filosoficamente o modo como aluno irá perceber o mundo e a si mesmo. Encerrando as análises das categorias desta seção, perguntei para os professores de Filosofia como eles percebem a visão dos docentes das outras áreas sobre a disciplina. Na escola da região central os professores me disseram que: Eles não interferem. Se tem algum que não gosta, não fala nada (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ Olha, já te digo assim: para nos encontrarmos por Área, já é muito difícil! Áreas afins, que é Geografia, Sociologia, Filosofia, História e Religião. Mas eu vejo assim, pelo que eu entro em contato com os outros colegas, eles acreditam que é necessário ter a disciplina, que ajuda o aluno na reflexão, ajuda o aluno também, às vezes, a se posicionar frente a algumas situações. Se bem que a maioria dos nossos alunos já é crítico, já tem um posicionamento crítico, mas dá para aprimorar mais o pensamento (Prof. César – Fil.). A professora Carmen é bem sucinta em sua resposta e apenas comenta que os demais colegas nunca disseram nada sobre esse assunto. O professor César apresenta outra fala e comenta que mesmo com a dificuldade de contato com os colegas da área, ele percebe que existe uma grande aceitação dos outros docentes com a presença da Filosofia no currículo da escola, visto que a mesma contribui para auxiliar o aluno na reflexão e no posicionamento diante de situações que pode encontrar no dia a dia. Detendo-me na fala do professor César, foi possível confirmar essa visão quando entrevistei os professores das outras disciplinas e os mesmos reconheceram a importância da presença da Filosofia no currículo. 259 Na Escola Periférica, os professores de Filosofia responderam que: Eu não tenho assim nada... porque tem quatro colegas que trabalham com Filosofia na escola [...] e noto que a gente começa a ter uma outra visão, porque a gente tem que se inteirar mais, estudar mais, em relação a uma disciplina que a gente não está acostumado a lecionar. Por parte desses colegas, com certeza há mais respeito com a disciplina. Eu acho que essas mudanças [curriculares] também estão ocorrendo nas concepções das disciplinas. Porque antes havia uma certa importância que a Matemática tinha, o Português. Eu acho que até o Governo, os Conselhos de Educação, estão fazendo essa mudança até para provar que todas as matérias são importantes e que elas dependem umas das outras. Então eu acho que há um respeito maior (Profa. Patrícia – Fil.). _____________________________________________________________ Olha, ninguém nunca falou nada. Desde que eu entrei, assim, não ouve nenhum comentário que dissesse: “Ah, não é necessário!”, “Que faz falta!”, ou “Que não faz falta!”. Talvez até porque, depende assim: se a coisa é dada, foi colocada como obrigatória, não foi uma coisa solicitada, o pessoal não discute muito (Prof. Paulo – Fil.). Na fala da professora Patrícia, percebo que ela fez primeiramente uma avaliação localizada e posteriormente uma mais ampla sobre a presença da Filosofia no currículo, mas não falou sobre o posicionamento dos colegas das outras disciplinas. Ela comenta que os docentes que lecionam Filosofia na escola e que têm outra formação estão respeitando a Filosofia, por conhecê-la um pouco mais. Em uma análise mais ampla, ela acredita que a política do Ensino Médio politécnico é uma nova implementação que está dando um maior respeito para essa disciplina, visto que por o currículo apresentar um caráter interdisciplinar, existe uma maior valorização de todas as matérias e não somente da Matemática ou da Língua Portuguesa. O professor Paulo respondeu na mesma linha de raciocínio da professora Carmen – Fil., informando que nenhum colega comentou nada sobre esse assunto. O docente acredita que essa ausência de comentários se deve ao fato de que como essa é uma lei imposta pelo Governo Federal, mas amparada na luta dos professores de Filosofia, os demais colegas não discutem a questão e aceitam normalmente. Concluindo essa seção, percebo que há uma grande valorização da disciplina de Filosofia na escola, visto que a maior parte dos entrevistados a considera importante para o currículo do Ensino Médio. O ponto negativo foi encontrado na análise que os estudantes fizeram sobre suas próprias turmas, pois a maior parte das respostas indica que as turmas, no geral, consideram a Filosofia 260 como sendo desnecessária. Deixarei para fazer uma análise mais aprofundada sobre esse assunto nas considerações finais. 8.2. Caminhos promissores para o aprimoramento da disciplina de Filosofia no currículo escolar Considerando que a Filosofia é percebida, pela maior parte dos entrevistados, como importante para o Ensino Médio, darei continuidade ao aprofundamento dessa questão buscando saber se essa disciplina conseguiu conquistar o seu espaço no currículo escolar. Nesse sentido, questionei os profissionais de ambas instituições para saber o que pensam sobre o assunto. Como será possível constatar ao longo desta seção, algumas das respostas colocam a Filosofia em estado de alerta, fazendo com que seja preciso pensar estratégias que solidifiquem sua presença com mais consistência do que está sendo posto atualmente. Iniciando a análise pela Escola Central, constato que dos sete entrevistados, quatro acreditam que a disciplina ainda não conseguiu conquistar seu espaço. Isso significa que mais da metade dos profissionais dessa instituição acreditam que a Filosofia precisa se fortalecer mais, para se garantir mais solidamente o seu lugar. Trago inicialmente a fala da supervisora Carla: Sinceramente, eu acho que ela está presente nos três anos por conta da lei. Se não fosse a lei, imediatamente a escola iria... e quando eu falo a escola é a comunidade – alunos, pais, professores, funcionários, toda a comunidade escolar –, eu acho que faria a opção por aumentar uma hora/aula, ou duas, em outra disciplina. Eu acho que a Filosofia tem que achar esse espaço. Ela ainda não encontrou! (Carla – Superv.). O argumento apresentado pela Carla é importante, pois destaca a fragilidade que a Filosofia ainda encontra no currículo, pois se não fosse a lei obrigando, possivelmente a disciplina ficaria em um ou dois anos e cedendo espaço para outras. Percebo que a ausência de profissionais habilitados contribui para esse enfraquecimento da Filosofia, pois ainda de acordo com a supervisora [...] o administrativo da escola, quando a lei nos obrigou – entre aspas, né? – a colocar a Filosofia nas grades, nas matrizes curriculares dos três anos, o que eu observava era o administrativo muito incomodado porque não se tinha o profissional para atender, a princípio. E o que aconteceu e talvez tenha acontecido não só aqui, é aquela perguntinha assim: “Tu não te 261 animas a dar Filosofia?”, “Já que tu trabalhas com a Sociologia, tu não te animas a dar Filosofia?”, ou, “Já que tu trabalha Língua Portuguesa...”, sabe? Então a gente percebia a preocupação do administrativo, que claro, né? Tem que ter essa preocupação do aluno ser atendido durante todo o turno, enfim... e o pedagógico sempre tentando puxar para o outro lado: “Não, mas não é um especialista! Tem que ser um especialista!” e etc. Então, foi meio complicado. Não foi uma coisa fácil (Carla – Superv.). Esse relato mostra que pela ausência de profissionais habilitados, convidamse professores de outras áreas para dar aula de Filosofia pela proximidade (ínfima que seja) da sua formação inicial com a nova disciplina a ser oferecida. Mesmo com o pedagógico tendo o cuidado de manter um especialista lecionando a disciplina, a ausência de recursos humanos faz com que haja o desvio de função docente. Esse problema influencia negativamente na consolidação do espaço que a Filosofia está procurando conquistar. No decorrer das entrevistas, conversei com o professor César sobre esse assunto e ele também acredita que a Filosofia não conquistou o seu espaço ainda, pois antigamente, quando não era obrigatória, havia mais horas/aula em dois dos anos, porém, com a obrigatoriedade nos três anos, se perdeu essa maior carga horária, o que ocasionou prejuízo do trabalho na sala de aula. Aliam-se a isso, também, os feriados, os conselhos de classe e a troca de horário devido à falta de outro docente no dia, entre outros fatores. O docente diz: Eu acho que no momento em que foi reduzida as horas de aula da Filosofia, ela foi desvalorizada. Ficou só uma coisa que é um decreto, é uma obrigatoriedade (Prof. César – Fil.). A professora Cândida – Mat. acredita que a Filosofia está se sustentando no Ensino Médio somente por causa da legislação, pois a maior parte dos alunos não tem interesse pela Filosofia, porque eles não têm o hábito de refletir sobre as suas próprias vidas. Outro dado é que boa parte dos professores – talvez por não terem tido essa disciplina na época em que estudavam na Educação Básica – também não percebem a contribuição que a Filosofia pode trazer para as suas próprias matérias, ajudando no desenvolvimento da reflexão e do raciocínio dos alunos. Por fim, a professora Cecília – Quím. também compartilha dessa opinião, acreditando que a Filosofia ainda não conquistou seu espaço. A docente fala que há uma visão preconcebida sobre a disciplina, tanto por parte dos professores, como dos alunos. Segundo ela: 262 É uma visão não só de professores, infelizmente muitos professores não têm essa visão de que Filosofia é importante para o currículo, como os alunos. Até os alunos tem aquele preconceito: “Pô, o tempo que a gente tem aula de Filosofia a gente estava tendo mais uma aula de Matemática!”. [J.C.D. – Ah, já comentaram contigo?] É geral! Eles têm que, entre aspas, tem que ir embora um dia mais cedo; aquilo que a gente chama de matar aula. Eles não matam aula de Matemática, eles matam aula de Filosofia. Então inclusive no aluno também têm, não é só o preconceito da parte do professor. [...] O professor de Filosofia compra verdadeiras brigas, porque eles estão certos, a disciplina deles é tão importante quanto a minha. Não existe uma disciplina mais importante do que a outra no currículo. Como eu já te falei, eu acho que o aluno deveria ficar muito mais tempo na sala de aula. Ao invés de quatro horas por dia, ele deveria ficar no mínimo umas oito horas por dia envolvido com o processo escolar. De repente Filosofia não entrava junto, no mesmo horário, com Química, Física, Biologia, Matemática, mas ela ficava naquela parte de formação, junto com as Artes, junto com o Desporto, porque aí o cara estava deixando a mente dele sã, o corpo são, desenvolvendo as suas potencialidades num outro horário, numa coisa mais. [J.C.D. – Num turno integral?] Ah, um turno integral! O ideal da educação no Brasil eu acho que seria o turno integral. Aí ia ter tempo para todo mundo e ninguém ia reclamar de falta de tempo, de falta de carga horária para todo mundo. O ideal seria isso! (Profa. Cecília – Quím.). No relato da professora Cecília, é possível perceber o desinteresse dos professores e dos alunos com relação à Filosofia, a ponto de que se for preciso “matar aula”, os estudantes escolhem essa disciplina para faltar. No decorrer de sua resposta, a docente apresenta como alternativa para a melhora do currículo de Filosofia a aplicação do turno integral, no qual os alunos estudariam Filosofia em outro turno, junto com disciplinas de caráter menos conteudista e mais humanístico, contribuindo para a formação do aluno. De modo contrário a esses argumentos, existem os professores que acreditam que a Filosofia conquistou o seu espaço. Penso que seja importante a leitura sobre o que eles têm a dizer: Com certeza, ganhou sim! Eu percebo, em todo esse tempo que estou trabalhando com a disciplina, que o aluno aprecia mais. Porque antes: “Ah, tem aula de Filosofia...”; não! Agora não. E eles gostam! E quando tem algum... que não teve aula naquela semana: “Pô... professora, a senhora não veio!?” [...] “A senhora não veio!? A gente gosta das tuas aulas! A gente gosta de discutir!”. Que daqui [livro didático] tu tiras um monte, tu discute muitas coisas (Profa. Carmen – Fil.). _____________________________________________________________ No meio docente eu não vou ter muita... eu não tenho contato com determinados professores, mas em relação aos alunos, eles comentam bastante em aula, sobre as aulas de Filosofia. E eles conseguem relacionar esse conhecimento que eles estão tendo da Filosofia, no caso da minha disciplina que é Literatura, eles conseguem fazer essa relação. Então eu acho que ela está ganhando espaço! Em relação a visão dos alunos, ela está ganhando espaço (Profa. Cleuza – Lit.). _____________________________________________________________ 263 Eu acho que no início, assim, eu achei só que ela tinha sido acrescentada, só ficou visto assim: “Ah, vai ter Filosofia!”. Mas agora eu acho que até os próprios professores estão trabalhando de uma forma que está levando a mudar esse conceito. Está trabalhando mais com o aluno a levar o aluno a refletir, a formação do aluno para ele ingressar numa sociedade. [J.C.D. – Tu achas que ela está ganhando o espaço dela?] Eu acho que ela está ganhando mais espaço agora (Profa. Carolina – Geo.). A professora Carmen considera que a Filosofia ganhou seu espaço e afirma isso com base no interesse dos alunos, que sentem falta quando não tem aula de Filosofia na semana. Embora o relato dos estudantes do primeiro ano Tonai C., Sadie C. e Emma C. diga o contrário, a docente fala que eles gostam de discutir nas aulas. Não pude constatar esse interesse, pois quando observei as aulas só foram realizados trabalhos em grupo, sem debate algum sobre a temática desenvolvida. A professora Cleuza acredita que a Filosofia está ganhando espaço e de modo diferente do que foi dito pelas professoras Cândida – Mat. e Cecília – Quím., ela percebe que os alunos gostam da disciplina e ainda estabelecem relações entre os conteúdos que estão sendo estudados na Literatura e os da Filosofia. A professora Carolina também considera que a Filosofia está conquistando seu espaço, visto que já percebe que não se vê mais a presença dela como uma obrigação, pois está se consolidando como algo importante para a formação social dos estudantes. Diante dessas falas percebo que em certos pontos a Filosofia está conseguindo se consolidar no Ensino Médio, visto que os alunos conseguem construir relações entre os conteúdos que estão sendo estudados nas variadas disciplinas. Não é possível negar que mais de uma docente comentou que boa parte dos alunos desvaloriza a matéria. Posto isso, é importante que os professores de Filosofia tenham ciência dessa questão, para pensarem metodologias de trabalho que despertem um maior interesse dos alunos pela disciplina, a fim de que os mesmos consigam perceber mais claramente a importância da Filosofia para as suas vidas. Com relação à Escola Periférica, também é possível constatar que a maior parte dos profissionais considera que a Filosofia ainda não conquistou seu espaço. Dos sete entrevistados, cinco afirmam que ela ainda precisa se consolidar no currículo. Inicio a abordagem com a fala da supervisora Paola, a qual comenta um dos motivos dessa falta de conquista de espaço da disciplina: 264 [...] acho que foi mais por obrigação. Eu não vejo sendo dada a importância que deveria. [J.C.D. – Tu achas que ela ainda não ganhou o espaço dela?] Eu acho que não. Principalmente, como eu te disse, que não tem profissionais da área trabalhando. Eu acho que só por aí a gente já vê, porque o Estado obrigou a colocar, mas ele não obrigou a ter um professor. Mesmo porque não têm professores, eles não abrem o espaço para o professor (Paola – Superv.). O argumento da Paola reforça o que já foi dito ao longo desta Tese e chama a atenção para o fato de que é preciso ter docentes habilitados na disciplina de Filosofia para que a mesma consiga ganhar mais respeito e firmar sua presença no currículo do Ensino Médio. A ausência de profissionais habilitados enfraquece a disciplina, ao mesmo tempo em que dá margem para que as turmas fiquem sem docente ao longo do ano letivo. A professora Patrícia, que leciona a disciplina, também acredita que a Filosofia ainda não ganhou seu espaço no currículo. A docente comentou que: Eu acredito que a princípio, como tudo, ela vem por causa da obrigatoriedade. Infelizmente! Mas por um outro lado, se não houvesse alguém que impusesse alguma coisa, acho que o espaço também não seria criado. Acho que no momento que ela surgiu, nós agora temos que brigar por um espaço maior. A gente tem que garantir a disciplina no currículo. E a partir daí, a gente tem que começar a ampliar para que ela tenha também um espaço, um tempo maior, como as outras disciplinas, para poder ter uma discussão. Que eu acho que isso é importante! [J.C.D. – No teu ver, por enquanto, ela não chegou a ganhar o espaço dela ainda?] É, ainda não! Mas eu acho que é uma conquista, que vai ao longo do tempo (Profa. Patrícia – Fil.). Patrícia acredita que inicialmente a Filosofia ingressou por causa da lei e que agora é preciso lutar pela sua ampliação. Embora a disciplina ainda não tenha conquistado o seu espaço, a docente pensa que com o tempo essa conquista vai se efetivar. O relato da docente traz à tona novamente a necessidade de ampliação da carga horária como uma meta a ser alcançada para o fortalecimento curricular da disciplina. Com relação às docentes das outras disciplinas, destaco a fala de duas professoras: É, não conheço muito isso não! Até porque eu mesmo... eu, quanto aluna de Ensino Médio, eu não tive. Eu tive a Psicologia. Mas Sociologia, que foram matérias que entraram a pouco... e eu fiquei sabendo mesmo quando eu vim dar aula aqui na escola. Mas eu conheço muito pouco a respeito desse assunto. Mas eu acho assim óh... [...] que depende muito da comunidade. Eu acho que a comunidade mesmo, os pais, alunos, enfim... eles têm uma atuação na escola. Então acho que cabe também a eles 265 analisar os currículos da escola, ver se realmente é importante, as disciplinas que são importantes. Lutar por elas. E eu acho que até os próprios professores, porque tem o pessoal formado, que está se formando em Filosofia, eu acho que até cabe também ao professor buscar esse direito, porque parece, a princípio ainda, que a Filosofia não é muito, o pessoal não... [J.C.D. – não ganhou muito o espaço dela ainda...] não ganhou o espaço! Até porque tem uma aula por semana, cada ano. Então me parece ainda que não. Eram sempre as mesmas: Matemática, Português, são aquelas que têm a carga horária maior. Mas a Filosofia ainda parece que está um pouco tímida nesse sentido de conseguir um espaço maior (Profa. Priscila – Quím.). _____________________________________________________________ Se ela for considerada importante, a escola vai consolidar isso. Eu acredito que aqui na nossa escola esteja começando a haver o reconhecimento, a importância, da Filosofia. Porque como ela não era obrigatória, passava batido. Os alunos, mesmo, nem discutiam isso. Hoje eles começam a discutir a partir de uma prática, a partir já de alguns anos que está acontecendo no currículo, mas eu acho que é possível fazer com que ela seja reconhecida de acordo com a prática que a escola tem. [J.C.D. – De início, tu achas que de repente ela foi mais, digamos assim, aceita por causa da legislação?] Foi! No início foi! Porque no início, inclusive, houve aquela discussão: Quem vai perder 01 hora/aula? Quem vai dar 01 hora/aula das suas para a Filosofia, ou para a Sociologia também? Então, no início foi essa a discussão. Foi achar um local para encaixar a Filosofia. Mas agora, para ela permanecer é aquilo que a própria disciplina também vai construir junto com as outras dentro da área, junto com a escola. A permanência vai ser outra história (Profa. Paula – Hist.). Ambas as docentes, em suas falas, percebem que a Filosofia ainda está conquistando o seu espaço. A professora Priscila considera que a disciplina não ganhou espaço, trazendo o argumento de que o período semanal de uma hora/aula por semana mostra essa carência. Segundo a docente, para que a Filosofia consiga se fortalecer no Ensino Médio, será preciso mobilizar a comunidade a fim de que a mesma contribua para esse reconhecimento e valorização. Ela acredita assim haverá uma maior pressão para sua consolidação no Ensino Médio. A professora Paula destaca que percebe estar havendo um maior reconhecimento da Filosofia dentro do currículo, mas que a permanência da mesma vai depender do trabalho que for realizado com a disciplina dentro da escola. Caberá aos docentes de Filosofia desenvolver um trabalho significativo para o currículo escolar, visto que se esse acontecer, haverá o desejo por parte da comunidade para que essa disciplina se mantenha no currículo e ganhe, inclusive, mais espaço para desenvolver o seu trabalho. De modo diferente, dois professores da Escola Periférica disseram que a Filosofia já conquistou seu espaço. Em suas falas, comentaram que: 266 A partir do momento em que ela foi obrigatória, é porque ela já ganhou espaço. Se não, não seria nem obrigatória. Agora, no meu modo de pensar, é o que? Que a questão do conhecimento fragmentado, que a gente vem até hoje, e o prejuízo que se deu através desse conhecimento fragmentado, e também materialista, foi percebido e essa percepção fez com que a Filosofia trouxesse o que? Um pouco mais de humanidade às pessoas. E que elas começassem a se pensar, a se construir. Então seria a construção do indivíduo pensante. Para que? Para que ele não seja aquela coisa dura, aquela coisa realmente que dá para ser usada como mão de obra, que serve ao sistema, mas também que consiga racionalizar (Prof. Paulo – Fil.). _____________________________________________________________ Com certeza ela ganhou um espaço! A Filosofia ocupou um espaço que era uma lacuna no ensino, porque o aluno não tinha conhecimento da Filosofia, conhecimento de sociedade, conhecimento de como pensam os filósofos, no sentido de viver em grupo, viver para o outro, pensando no outro, no colega ao lado, extraclasse. E a Filosofia dá essa visão. Ela dá uma visão de mundo, fora a escola, fora as disciplinas (Prof. Pedro – Port. e Lit.). Paulo acredita que a própria obrigatoriedade posta pela lei já faz com que ela tenha conquistado esse espaço. Em seu ver a presença da Filosofia vem a contribuir com a humanização do aluno, na medida em que ele não seja um objeto do sistema, mas que consiga racionalizar e problematizar a sua realidade, construindo-se como um sujeito pensante. Vejo o argumento do professor Paulo com consistência em nível curricular nacional, pois desde 2008 a Filosofia conseguiu garantir sua presença no currículo. Porém, creio que nos contextos escolares, essa conquista ainda precisa ser problematizada, pois para muitas pessoas (conforme é possível observar nesta Tese) a Filosofia só está no currículo por causa da lei. Se essa permanecer sendo a causa de sua presença na escola e os profissionais da Filosofia se conformarem com isso, a disciplina tenderá a cair em descrédito, pois não estará se mantendo pela importância dela em si mesma, mas somente por causa de um amparo legal, sem o qual poderia deixar de existir no currículo da maioria das escolas do país, ou estaria em apenas alguns dos anos do Ensino Médio. O professor Pedro defende o posicionamento de que certamente ela ganhou espaço no currículo escolar, na medida em que cobre uma lacuna que precisava ser preenchida na escola. Essa abordagem filosófica complementa o trabalho das demais disciplinas e torna a presença da Filosofia importante para o Ensino Médio. Tomando por base esses dados, constato que ao todo, dos 14 entrevistados, apenas cinco percebem que a Filosofia conquistou seu espaço no currículo escolar. Isso significa que a maior parte dos profissionais – cerca de 64% – acredita que essa disciplina ainda precisa se fortalecer. Mesmo que a Filosofia seja considerada 267 importante para a maioria dos entrevistados, ao analisar as respostas percebo que o seu espaço ainda não está garantido, principalmente por três fatores: ausência de profissionais habilitados, reduzida carga horária semanal de aula em cada um dos anos e trabalho docente que se desenvolve fora do âmbito do leque filosófico. Se essas três instâncias conseguirem ser modificadas, possivelmente a disciplina de Filosofia se fortalecerá e ganhará um nível de reconhecimento no qual não será preciso uma lei para manter sua presença dentro do currículo. Ainda no campo dessa problematização, perguntei aos entrevistados o que eles achavam que aconteceria, caso a lei 11.684/08 fosse revogada. De modo semelhante à análise anterior, dos 14 entrevistados que responderam a essa pergunta, nove acreditam que a disciplina de Filosofia não se manteria nos três anos do Ensino Médio. Esse dado reforça a necessidade que a Filosofia tem de conquistar seu espaço na escola, visto que 64% dos profissionais demonstram crer que a Filosofia terá sua presença no currículo prejudicada na ausência da lei. Para compreender melhor essa problemática, apresento os argumentos utilizados pelos sujeitos da Escola Central. Nessa, dos sete entrevistados, apenas um acredita que a disciplina poderia se manter nos três anos do Ensino Médio. Começo a análise destacando a fala da supervisora: Eu acho que nesse momento ela não se manteria! Eu acho que a gente sofreria uma pressão muito grande da parte administrativa da escola, da própria coordenadoria, porque a gente não tem docentes que queiram... não sei se habilitados, porque a Pedagogia habilita, entre aspas... [J.C.D. – Acredito que habilita para o Magistério, né? Para o ensino do nível Normal.] Mas para o Ensino Médio, para a Filosofia, eu teria que ter alguém formado em Filosofia. E é um problema! A gente não tem esses docentes na rede. Então a gente percebe que também para a rede, foi complicado. E tem muita gente, acredito que até hoje, trabalhando com a Filosofia sem formação. E talvez tenha gente muito boa trabalhando; que as pessoas estudam, vão atrás. Mas não é esse o ideal! A gente sabe que não é. [J.C.D. – Tu achas que de repente ela ficaria em dois anos? Ou em um ano?] Eu acho que ela ficaria em dois anos. Ia talvez ter uma briga para ela ficar em dois anos, porque certamente alguns ainda iriam pressionar para ficar em um ano só. Porque ainda há aquela visão de quais seriam os componentes curriculares mais fundamentais, digamos assim, para a formação do aluno (Carla – Superv.). O argumento da supervisora Carla toca novamente na questão do reduzido número de profissionais habilitados para lecionar Filosofia vinculados à rede estadual de ensino. Como o número de professores é pequeno, com a suposta revogação da lei possivelmente haveria uma redução da presença da Filosofia no currículo escolar, tendendo ainda a ficar apenas em um dos anos do Ensino Médio, 268 de modo que não seria mais vista como um componente curricular fundamental para a formação dos alunos nessa escola. Quanto às demais docentes que também acreditam que a Filosofia sofreria com a perda de espaço, apresento o posicionamento de algumas delas: Eu acho que ela cai em alguns anos. [J.C.D. – As outras disciplinas iriam querer pegar...] É! As outras disciplinas que teriam maior “importância”, digamos, na visão da escola. [J.C.D. – Tu achas que de repente ela ficaria no primeiro? Em um dos anos só? Ou de repente em dois?] Em um dos anos. Que nem antigamente. Eu lembro que, na minha época, tive um ano só de Filosofia e não tinha lei de obrigatoriedade, não era obrigado, né? [J.C.D. – Tu achas que voltaria a ser como era...] Acho que voltaria a ser como era antes, porém acho que teria a carga de duas aulas. Em um dos anos, com 02 horas/aula (Profa. Cleuza – Lit.). _____________________________________________________________ Eu acho que nos três anos, acho que não vai acontecer. Talvez tenha ou no primeiro, ou no segundo, ou no terceiro ano. Mas eu acho que nos três anos não vai acontecer. Um dos anos seria escolhido para ter uma aula de Filosofia semanal. Eu acho que isso que ia acontecer. [J.C.D. – E aí a carga-horária se distribuiria nas outras...] Isso, entre as outras. É! Eu acho (Profa. Cândida – Mat.). _____________________________________________________________ Se for revogada, cai fora a Filosofia! [J.C.D. – Tu achas que até dos três anos, ou de repente fica em um?] De tudo! Não fica em lugar algum. As disciplinas de Filosofia, Sociologia e agora de Música, estão sendo – como diz a expressão por aí – goela a baixo. É imposta. Por quê? Porque é obrigado. Tanto que quando começa o ano todo mundo chega e diz assim: “E aquela aula de Filosofia lá, aquela aula de não sei que, porque tem que ter duas daquela ali?”, “Não! Aquelas ali são obrigatórias.”, “Pô, que palhaçada!”. É mais ou menos... né? E não é só professor que diz isso, é aluno também. [...] Eu acho assim, óh: nem pensar em revogar essa lei! Eu acho que deveria endurecer mais ainda a lei. Eu acho que o próximo passo deveria ser aumentar um pouco mais a carga horária de Filosofia, ou então implantar ela também no ensino fundamental, que é de 1º ao 9º ano. Eu acho que deveria. Mas aí volto a te dizer: não tenho competência para te dizer em que momento poderia ser começado, mas eu acho que fazer a pessoa pensar, desenvolver o hábito da pessoa raciocinar, incentivar isso o mais rápido possível. Acho que assim que ele fosse alfabetizado já podia começar. Acho, mas não tenho competência. É só no achismo (Profa. Cecília – Quím.). As professoras Cleuza e Cândida acreditam que se a lei for revogada, a disciplina de Filosofia passará a ser desenvolvida somente em um dos anos. Isso se daria pelo fato de que as demais disciplinas pegariam as horas dos outros dois anos para ampliarem as suas cargas horárias. Vejo essa situação como altamente contraditória, pois mesmo com a maioria considerando a disciplina de Filosofia como sendo importante, no momento em que ela perder o amparo da lei, diminuirá seu campo de atuação e o argumento que a considera importante “cairá por terra”. 269 Quanto à professora Cecília, ela acredita que se acontecer essa revogação, a Filosofia sairá do currículo escolar. Nesse sentido, ela deixa bem claro que não se deve revogar a lei. O que é preciso fazer é pensar novas legislações que garantam a ampliação da carga horária semanal de aula, ou a implantação da Filosofia no Ensino Fundamental, buscando desenvolver o hábito de pensar e raciocinar nos estudantes o mais cedo possível. A fala da Cecília deixa novamente a Filosofia em estado de alerta, em função da sua dependência à lei, ao mesmo tempo em que propõe alternativas importantes para contribuir com a efetivação da disciplina no currículo escolar, como a implantação de leis que exijam a ampliação da carga horária e também a extensão da Filosofia para o Ensino Fundamental. O professor César, que acredita que ela poderia se manter, argumenta que tudo dependeria da mobilização dos professores em prol da permanência da disciplina. Em sua fala, ele diz que: Se houver essa revogação da lei, ela poderá se manter dependendo do grupo de professores. Conforme houver a exigência do grupo e lutar por isso e até conquistar mais espaço de repente para aumentar o número de horas/aula. Porque se houver necessidade de enxugar alguma coisa ou de tirar [...], se tiver necessidade, aí sai a Filosofia. Porque a escola trabalha muito a questão de organizar o conteúdo programático e o currículo, essas coisas, né? Então não dá muita importância no sentido de permanecer ou não. Na minha visão! [J.C.D. – De repente ela sairia de algum dos anos?] É, se for necessidade de sair para instrumentar ou justificar alguma coisa, creio eu que aqui não teria muita dificuldade de sair, não. [J.C.D. – De repente ficaria em um ano só, ou dois?] Até de repente estaria nos três anos. Se fosse necessário mesmo enxugar, aí de repente conforme tivesse que estruturar o curso e ela tivesse que sair, acredito eu que não fariam muitas questões de ficar, não. Mas volto a dizer: se os professores lutassem, se reunissem, dissessem que não e debatessem, aí de repente permaneceria, sim! (Prof. César – Fil.). César acredita que a Filosofia poderia até sair de alguns dos anos do currículo escolar, caso houvesse necessidade da retirada, mas salienta que se os professores lutassem, se unissem e decidissem que ela deveria permanecer nos três anos, seria possível mantê-la. O argumento destacado pelo professor vai ao encontro do processo histórico de inserção da Filosofia no currículo do Ensino Médio, em que a classe se uniu, lutou e conseguiu implantar a lei que tornou obrigatória a disciplina. Entendo que a luta não deve terminar e seria importante que os professores de Filosofia do município conseguissem ter encontros, no mínimo, mensais, para debater e discutir temas que envolvem as necessidades de qualificação da sua disciplina, se possível com a colaboração das Universidades. 270 Na Escola Periférica, o resultado foi diferente. Dos sete entrevistados, quatro acreditam que ela se mantém nos três anos, mesmo com a revogação da lei de 2008. Isso significa que mais da metade dos professores possui essa percepção. Inicio a apresentação das respostas, a partir desses sujeitos, destacando primeiramente a fala da supervisora: Aqui na escola, sim! Já tem uma certa tradição, né? Até comentei contigo 55 de um outro professor que nós tínhamos que fazia toda aquela questão de ir para o pátio, para baixo da árvore, na Avenida [rua central do bairro] ter as aulas com eles, ter esse lado mais... Então, os alunos gostam! E com o Politécnico eles se tornaram mais críticos também, eles conseguem manter um diálogo mais... elevar o nível mais assim. Acho que isso não volta mais. Acho que ela vai continuar (Paola – Superv.). Paola entende que a Filosofia ganhou seu espaço e que quando as aulas são dinâmicas, os alunos gostam e desejam participar da mesma. Ela ressalta que com o ensino politécnico, a tendência foi desenvolver uma maior criticidade nos alunos, o que facilitou o diálogo com a disciplina. Analisando esse argumento, percebo que na Escola Periférica a aceitação e o espaço dado à Filosofia tende a ser maior, pois a própria supervisora que tem contato com os docentes de todas as disciplinas acredita que a Filosofia consegue se manter, mesmo sem o auxílio da lei. Esse é um ponto positivo com relação à conquista de espaço no currículo escolar. Seguindo nessa perspectiva, destaco ainda a fala de dois docentes: Acredito que possa se manter! Acredito que sim! [J.C.D. – Por quê?] Pela própria valorização dessa disciplina, da importância. E se nós conseguirmos fazer um trabalho coletivo na área das Ciências Humanas, se nós conseguirmos isso, nós vamos garantir que ela seja um componente fundamental para a articulação da área, para que seja trabalhado os nossos objetivos. Porque nós temos um planejamento da disciplina e da área, aqui na escola. Então se esse componente compõem a área e nós conseguirmos argumentar e com a nossa prática fundamentar que realmente ela é importante, eu acredito que nós consigamos manter. E claro, com o trabalho com os alunos também. Temos que ter esse feedback aí! Porque só os professores querer, também não adianta (Profa. Paula – Hist.). _____________________________________________________________ Interessante, eu fiz uma consulta antes de vir para a entrevista sobre esse assunto, com meus colegas. Os meus colegas foram unânimes: que a Filosofia deve se manter! Mesmo sendo revogada a lei e a obrigatoriedade dela, ela deve se manter no currículo. Porque, como eu disse, a importância que ela tem. A importância do aluno como cidadão, pós a formação dele no ensino básico. E até mesmo prepara ele para a entrada no Ensino Superior e depois, praticamente, para o mercado de trabalho. Um cidadão mais bem formado, mais bem informado (Prof. Pedro – Port. e Lit.). 55 Referindo-se ao trabalho desenvolvido pelo professor Gabriel (DUTRA, 2010). 271 A professora Paula entende que mesmo com a revogação, a Filosofia tende a se manter nos três anos do Ensino Médio devido à sua importância e contribuição para a área das Ciências Humanas. Ela destaca que, em paralelo, é necessário desenvolver um bom trabalho com os alunos, para que os mesmos compreendam essa importância e sintam a necessidade de ter essa disciplina no currículo. Analisando o argumento da Paula, vejo como muito positiva a aceitação da Filosofia pela área e o reconhecimento que a mesma ganha em contribuir para o alcance dos objetivos que são comuns. Penso que essa aceitação auxilia na conquista do espaço e motiva os docentes da disciplina a buscarem desenvolver um trabalho cada vez melhor. O professor Pedro, em seu argumento, traz a informação que colheu em conversa com outros docentes, na qual diz que se houver a revogação, a escola manterá a Filosofia no currículo, devido a sua importância para a formação dos estudantes. O argumento do professor Pedro, sustentado por outros colegas, confirma o posicionamento de aceitação da escola para a presença da Filosofia no currículo, tendendo a mantê-la em todo o Ensino Médio, caso a lei não obrigue mais. Com base nesses dados, é possível traçar um paralelo e verificar que mesmo que na Escola Periférica a maioria dos profissionais acredite que ela permaneça nos três anos, na análise anterior viu-se que a maioria também acredita que ela precisa buscar sua consolidação no currículo. Esse fato confirma que seu espaço está sendo efetivamente conquistado nessa instituição, e que com mais alguns aperfeiçoamentos56, a disciplina poderá se consolidar com mais expressão no currículo escolar. Sem esquecer os docentes que acreditam que ela não se mantém em todos os anos, destaco a fala de dois professores: Sinceramente eu acho que não! Acho que não teria. Porque, haveria o que? Haveria a questão de uns... se fosse só a questão da Filosofia, vamos falar só da Filosofia, teria gente que iria puxar para a Psicologia, achando mais importante. Ia depender do tipo de escola e o tipo de público que cada um fosse atender. Então uns procurariam Sociologia, outros Psicologia, de repente até Ensino Religioso, ou dependendo até aumentar a carga de outras disciplinas, não para a Filosofia em si. [...] [J.C.D. – E tu achas que de repente ela ficaria em alguns dos anos? Ou tu achas que ela poderia sair do Ensino Médio?] Não, a saída acredito que não! Porque a partir do momento em que algumas iriam ser seletivas, ou iriam conduzir o 56 Docentes habilitados lecionando a disciplina, ampliação da carga horária semanal de aula em cada um dos anos e trabalho docente aproximado do leque filosófico. 272 seu propósito próprio para a formação do seu público alvo, então iria existir a disciplina. Ela não iria morrer. Então, aquela que não oferecesse em nenhum ano, ela ficaria fora do contexto. Então, ela iria se manter! Um ano, ou dois, mas sempre iria ter. Ou fosse no primeiro, ou fosse no segundo, ou no terceiro. Por quê? Porque ou sai de todas, ou vai ficar em algumas, em algum momento, para se manter. Mas exclusão total, não! Não teria como. Isso não acontece (Prof. Paulo – Fil.). _____________________________________________________________ É o caso da própria comunidade, dos próprios professores lutarem por isso. A questão do ter o reconhecimento dos alunos, dos pais dos alunos. Entender ela como uma disciplina importante para a formação do aluno. Eu acho que se realmente... tá, foi revogado, eles vão fazer a análise, se ninguém lutar por isso, eu acho, na minha opinião, que ela vai acabar sendo extinguida, vai acabar sendo. Mas eu acho que tem que ter, no caso, uma parceria entre professores e entre a comunidade, alunos, pais, para ela assim. Por que eu acho que pode ser que aconteça. Se tirar, liberar... eu acho que de repente ela pode sair e aumentar a carga horária de outra disciplina que já tem uma carga horária bem grande, né? (Profa. Priscila – Quím.). O professor Paulo acredita que a tendência das escolas seria retirar a Filosofia de alguns dos anos, sem excluí-la totalmente do currículo. Sua presença é importante, fato que faria com que as escolas a mantivessem, porém devido à quantidade de disciplinas do Ensino Médio, seria possível que essa diminuição de aulas ocorresse para que as demais disciplinas pudessem ampliar os seus períodos semanais de aula. A professora Priscila acredita que possivelmente a Filosofia sairia do currículo para aumentar as horas de outras disciplinas que já possuem uma carga horária maior. Por outro lado, ela destaca algo semelhante ao que foi dito pelo professor César – Fil., argumentando que se os professores e a comunidade escolar lutassem pela disciplina e conseguissem comprovar que ela é importante, existiria a possibilidade de que ela permanecesse, visto que sua presença não seria o “simples acréscimo de mais uma disciplina”, mas a necessidade da demanda pelo desenvolvimento do pensamento filosófico dos alunos. Diante do que foi exposto, é importante ressaltar que caso exista revogação da lei, é preciso que os professores de Filosofia consigam desenvolver um trabalho que seja significativo para o currículo do Ensino Médio e para a vida dos alunos, bem como se mobilizar junto à comunidade escolar para exigir que a disciplina permaneça presente em todos os anos desse nível de ensino. O processo de luta e união do grupo contribuirá para que a disciplina fortaleça a sua conquista do “espaço presencial” no Ensino Médio. 273 Dando continuidade à pesquisa, busquei saber dos entrevistados se teriam alguma sugestão que contribuísse para a melhoria do ensino de Filosofia. Tive uma grata surpresa com as propostas que foram surgindo a partir das suas falas. Nesse sentido, começo trazendo a contribuição dos alunos da Escola Central. No primeiro ano, as alunas sugerem que: Dinâmicas! [J.C.D. – Em que sentido, assim?] Fazer uma brincadeira, alguma coisa assim, sabe? Para ensinar de outro modo, não só ficar passando aquela coisa enjoativa no quadro: “Ah, tem que fazer isso, isso e isso. Copia, lê e pronto!”. Eu acho que seria mais interessante fazer dinâmicas assim, como em todas as outras matérias. [J.C.D. – Seria tipo uma atividade de grupo e um debate entre todos, alguma coisa mais...] É, sim! Alguma coisa mais interessante, eu acho (Sadie C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que mais projetos, tipo maquetes, pesquisas grandes na internet, mais aprofundadas. Eu acho que só passar no quadro não é uma coisa muito interessante, porque fica todo mundo dormindo praticamente. [J.C.D. – Algo que mexesse mais com... ] É! Que dê mais interesse, que chame mais a atenção (Emma C. – 1º ano). _____________________________________________________________ Coisas mais práticas assim. A gente está só na teoria pura, por enquanto a gente não fez nada prático. Eu li assim, em algumas coisas, que antigamente, no tempo de Aristóteles – o Aristóteles dava aula, né? [J.C.D. – Isso!] – ele fazia umas aulas práticas com os alunos dele. Levava eles num lugar assim e falava disso e daquilo, fazia eles perguntar coisas filosóficas sobre o mundo, tipo aquilo que eu te falei: “Por que o céu é azul?”, isso e aquilo. Então, se tivesse mais aulas práticas, mostrando o que é a Filosofia mesmo, eu acho que seria bem útil (Tonai C. – 1º ano). Esses alunos responderam anteriormente que não consideram a disciplina de Filosofia importante. Em suas sugestões, apresentaram para que a disciplina possa se tornar mais atrativa. Sadie destaca que se houver mais dinâmicas, a tendência seria a de despertar o interesse dos estudantes, pois os mesmos desejariam participar das aulas. A aluna Emma sugere trabalhos de pesquisa mais aprofundados, projetos e atividades que superem o simples “copia do quadro e transcreve para o caderno”. O aluno Tonai, na mesma linha sugestiva das colegas, acredita que se as aulas fossem mais práticas, fora da sala de aula e com a aplicação do pensamento filosófico no contexto dos alunos, possivelmente seriam melhores. Os estudantes sentem falta de algo que chame mais a atenção e que dê sentido para o conteúdo que está sendo estudado, pois do jeito como se apresentam as aulas, os alunos acabam “dormindo” e se desinteressando pelas mesmas. 274 No segundo ano, o único aluno que sugeriu algo foi Tadeu, visto que as colegas Francine e Lara disseram que não tinham nada a sugerir, pois o professor conduz bem a aula. Situando o pensamento do aluno, esse apresentou a seguinte sugestão: A única sugestão que eu daria é, no caso, ter mais carga horária no ano letivo. Mas de metodologia eu acho que é super eficaz, porque a gente gosta, o adolescente gosta de conversar, de debater e o professor estando ali em sincronia com a gente, às vezes ele é até um pouco cômico em aula, mas a gente gosta disso, é muito importante (Tadeu C. – 2º ano). Tadeu também considera que o professor desenvolve bem as suas aulas, destacando como sugestão apenas a necessidade de ampliação da carga horária, já que um período de aula semanal passa muito rápido. Essa resposta contribui com as discussões que já foram feitas até aqui a respeito da necessidade de ampliação do tempo semanal de aula da disciplina. No decorrer do diálogo, quando perguntei se ele gostaria de falar algo que eu não tivesse mencionado, Tadeu comentou sobre a avaliação. Considerei interessante sua fala e por isso trago também como uma sugestão. Eu acho que aqui, por exemplo, na nossa escola, as avaliações de Filosofia são meio assim... como é que eu posso te explicar? Eu acredito que podia ser mais... as matérias serem um pouco mais explicadas, assim. Não é querendo dizer que não é explicada... deixa eu ver como é que posso colocar isso? – acho que também influencia no fato de não ter muito tempo de aula – porque eu acho que podia ter mais matérias, que podia ter mais tópicos e vários materiais para a gente consultar e fazer uma prova, assim, legal. Porque geralmente a gente faz mais trabalhos, acho que para a Filosofia, prova também é interessante. Eu já tive em escola que tive provas de Filosofia, que tinham os polígrafos e eu gostava bastante (Tadeu C. – 2º ano). J.C.D. – E no caso nesses trabalhos, pelo que eu percebi em observações, umas duas ou três páginas assim e já faz a avaliação. Isso! E já faz um trabalho. E geralmente o trabalho é fazer uma redação sobre o que a gente fez. Eu também gosto de redação, é importante, também influencia no Português, enfim, mas podia ter mais questões, tipo assim: perguntas e respostas, sobre os negócios. [...] porque eu acho que é sempre o trabalho de redação. Eu acho que podia ter outros trabalhos que podiam ser feitos. [J.C.D. – Sim, poderia ter esse e outros tipos de trabalhos...] É! Um teste, de repente, alguma coisa assim (Tadeu C. – 2º ano). O aluno sugere que o docente não faça sempre o mesmo tipo de trabalho avaliado, podendo fazer provas ou testes para que os estudantes não ficassem sempre na mesma rotina avaliativa. Penso que essa seja uma consideração 275 importante no sentido de contribuir para que os professores de Filosofia variem suas ferramentas a fim de alcançar objetivos específicos com cada avaliação realizada. Uma ideia interessante é conversar com os alunos sobre o que eles pensam a respeito das avaliações que são feitas. Desse diálogo, podem surgir novas ideias de acordo com as possibilidades do professor e o interesse dos alunos. No terceiro ano, o aluno José C. – 3º ano comentou que acredita que o professor poderia buscar mais assuntos do cotidiano dos alunos, para conseguir chamar a atenção deles na aula. No decorrer da entrevista, o colega Pablo C. – 3º ano também se manifestou e a partir daí construímos um breve diálogo sobre esse assunto: Eu tentaria prender mais a atenção dos alunos com assuntos que ele [José] falou: do cotidiano, no caso. Eu acho que assuntos da nossa realidade costumam nos prender (Pablo C. – 3º ano). E eu acho também que prova, prova... só prova acho que não. Podia fazer um trabalho para apresentar para os outros, que aí todo mundo ia tentar fazer... (José C. – 3º ano). Defender a tua ideia (Pablo C. – 3º ano). É, defender a tua ideia, de pensar. Tu [aluno] escolhe um assunto, por exemplo, bota no quadro e aí tu escolhe um assunto que te chama a atenção. Aí tu vai te esforçar ao máximo para fazer os alunos prestarem a atenção, aqueles que não prestam. [J.C.D. – Seria um trabalho de grupo, de repente?] Isso, é! Uma dinâmica, meio que uma dinâmica, assim (José C. – 3º ano). J.C.D. – Ali, no caso, comparando com a aula que vocês têm agora, vocês acham que o professor, de repente, ele parte do livro e depois... É, eu acho que ele se baseia muito no livro, entendeu? Ele não trás assuntos novos, que nem do nosso cotidiano, no caso, para explicar para a gente. Ah.. porque que a gente usa Filosofia no nosso dia a dia... [Pablo – Mas ele dá exemplos!] É! [...] Eu acho que muito no livro, eu acho que não é legal (José C. – 3º ano). J.C.D. – De repente começaria por fora, para depois... É! Para depois chegar: “Ah... isso que tem no cotidiano, também tem no livro e tal e tal” (José C. – 3º ano). Os estudantes comentaram que se ele trouxer mais assuntos da realidade dos estudantes, envolvendo os saberes abertos, a turma prestará mais atenção na aula. Embora o professor César busque estabelecer essa dinâmica de trabalho, Pablo e José acreditam que se ele começasse primeiro pelo cotidiano para depois mostrar a relação que há com a Filosofia, o interesse seria maior. 276 Com relação à avaliação, eles também consideram que sempre o mesmo tipo de trabalho fica cansativo. A sugestão deles é que o professor permitisse que os alunos escolhessem algum tema de interesse de cada grupo, e dentro desse tema o grupo teria que se esforçar para desenvolver um estudo. Após isso, teriam que apresentar para os colegas o que foi construído e defender o posicionamento diante da classe. Analisando a proposta dos alunos, considero como muito válida a ideia e com um potencial filosófico muito grande, no sentido de que chamaria a atenção dos alunos para o debate e o professor faria a mediação, auxiliando os grupos com a abordagem da própria Filosofia. Os conteúdos filosóficos que fossem estudados fariam sentido para os alunos, pois esses estariam utilizando-os para construírem os seus posicionamentos. As alunas Aline C. – 3º ano e Camila C. – 3º ano também argumentam no mesmo sentido de seus colegas. Embora não tenham aprofundado o assunto, elas comentaram que: Eu acho que abordar mais assuntos, assim tipo... sei lá... fazer algumas atividades diferentes, fazer com que... sei lá... (Aline C. – 3º ano). Não só prova (Camila C. – 3º ano). É! Não só avaliações assim. Acho que fazer mais atividades diferentes. [J.C.D. – Trabalhos de grupo?] [Camila – É!] É! Alguma coisa assim! (Aline C. – 3º ano). A fala das alunas reforça o posicionamento dos colegas e mostra que a turma acaba se cansando de trabalhos avaliados sempre do mesmo jeito. O interessante nessa resposta é que elas argumentaram de modo semelhante ao que foi dito pelos colegas José – 3º ano e Pablo – 3º ano, e foram entrevistadas em momentos diferentes ao deles, sem terem sequer trocado alguma ideia sobre esse assunto. Essa resposta ratifica a sugestão para que haja diversificações de atividades no modo de avaliar os estudantes. Ainda na escola da região central, duas professoras apresentaram sugestões para contribuir com o desenvolvimento da disciplina. A professora de Matemática comentou que: Eu acho que talvez precisaria ter uma preparação melhor até dos professores com oficinas, ou alguma coisa assim, uma preparação do pessoal que sai da Universidade, talvez uma forma melhor de abordar 277 esses alunos, de técnicas de... [J.C.D. – Para os alunos que estão se formando em Filosofia?] É! Ou até para os próprios professores, até o próprio Governo do Estado, por exemplo, poderia fazer. Assim como eu adoraria que tivesse muito mais oficinas de Matemática para mim, poderia ter oficinas de Matemática em todas as áreas. Inclusive na de Filosofia, mostrando formas mais adequadas de chamar a atenção, porque hoje em dia não adianta, né? A tecnologia de informática, de mídias, todas essas mídias estão na vida do aluno quando ele está fora do colégio. A gente tem que integrar. Então talvez se o professor fosse mais dinâmico com relação a isso, talvez chamasse mais a atenção deles e fosse mais valorizada. E aí ia ajudar em todas as outras áreas, porque se ele fosse levado a refletir, ia ajudar no resto. Ele ia pegar o hábito de parar (Profa. Cândida – Mat.). A professora Cândida, por perceber que os alunos têm um preconceito com a disciplina de Filosofia, achando-a uma “chatice”, sugere que o Governo Estadual ofereça oficinas para os professores, a fim de que eles possam aprender novas técnicas educativas e consigam promover aulas que chamem mais a atenção dos estudantes. Considero que essa proposta da docente possa se estender também à Universidade, para que a mesma também contribua na promoção de cursos de extensão, oferecendo oficinas que possam dar novas ideias e auxiliar o professor de Filosofia na construção de novas dinâmicas de aula. A outra professora é a de Química, que sugere algo que já está proposto pelo Ensino Médio politécnico estadual: o trabalho em forma interdisciplinar. Em suas palavras, ela diz que: [...] eu acho assim: se o sistema educacional fosse mais objetivo e não tão centralizado, eu acho que de repente essas disciplinas, no caso de Filosofia, ela poderia ser acrescentada junto com as outras, ela poderia estar sendo vista junto com as outras disciplinas. Para ser implantado hoje isso, tem que ser da vontade do professor, de trabalhar com uma outra área. Não que o sistema educacional obrigue a trabalhar. Mas eu acho que deveria, de repente, não sei se porque está muito pouco tempo dessa lei [11.684/08], temos muitos poucos anos ainda, ela é de 2008, então é muito jovem ainda. Eu acho que a gente precisaria no mínimo de uma década, quase duas décadas, para a gente acabar com esse estigma de que Filosofia não é tão importante. Ela é muito recente ainda. Mas eu acho que ela deveria ser voltada mais, assim, ser trabalhada mais interdisciplinar a disciplina de Filosofia, assim como a minha disciplina de Química também deveria ser voltada mais para a parte filosófica também (Profa. Cecília – Quím.). A professora Cecília comenta que se o sistema educacional fosse mais aberto e não definisse nacionalmente quais os conteúdos devem ser trabalhados em todos os anos, de modo igualitário, para todo o país, a Filosofia poderia estabelecer uma relação de diálogo com as demais disciplinas. Percebo que com a construção do Ensino Médio politécnico, esse espaço consegue ganhar mais visibilidade. De 278 qualquer modo, concordo com a professora quando ela diz que não é o sistema que deve obrigar o professor a trabalhar interdisciplinarmente, mas o próprio docente tem que desejar realizar esse trabalho. Com a atuação interdisciplinar sendo desenvolvida entre todas as disciplinas, não só com as da área das Ciências Humanas, os conteúdos estudados pelos alunos contemplariam um âmbito de estudo teórico muito maior, pois variadas ciências contribuiriam com as discussões. Ao longo da entrevista, a professora Cecília relatou uma experiência de trabalho interdisciplinar que desenvolveu juntamente com a professora de Biologia e de Geografia. Ela comenta que os contatos foram surgindo ao longo da pesquisa e que em certo momento foi importante contar com o auxílio da disciplina de Filosofia, porém como naquele ano a Filosofia não estava presente em todo o Ensino Médio, não foi possível fazer o trabalho em conjunto, pois aquela turma não estava tendo Filosofia naquele período letivo. Dessa forma, a professora reforça que é importante a presença da disciplina no currículo escolar, argumentando da seguinte forma: Por isso que eu acho a importância dela em todos os anos e mais a carga horária maior. A partir do momento em que tu começas a fazer um trabalho interdisciplinar, todas as disciplinas são ocupadas (Profa. Cecília – Quím.). Em seu argumento surge novamente a importância da presença da Filosofia em todos os anos e a ampliação da sua carga horária, pois se o trabalho for desenvolvido de modo interdisciplinar, isso exigirá demanda de tempo e de estudo para os sujeitos envolvidos. Se a carga horária semanal continuar sendo de um período, não haverá tempo suficiente para desenvolver um trabalho com profundidade e boa qualidade; correr-se-á o risco de acontecer aquilo que foi relatado pela aluna Cristiane P. – 3º ano, quando, no capítulo anterior, disse que estudaram os filósofos de modo muito rápido, sem ter uma discussão mais qualificada sobre os assuntos. Isso faz com que o trabalho escolar se torne conteudista, sendo realizado apenas para se obter nota na avaliação da disciplina. Na Escola Periférica, alguns dos entrevistados apresentaram sugestões também. Inicio os destaques, trazendo primeiramente a fala dos alunos do primeiro ano: Dar assuntos que a gente se interesse mais, que a gente comece a prestar a atenção: “Óh... aquilo lá está ficando legal, aquele tema, aquele assunto mesmo!”, entendeu? Coisa que faça a gente pensar, que faça a gente debater, que faça a gente discordar um do outro, que faça a gente dar a 279 opinião mesmo. Porque às vezes ele fica falando, falando e falando, e ele pergunta se a gente concorda e a gente está quase dormindo: “Hum, hum... concordo!”. E que debata mais mesmo! (Carolina P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Eu acho que eram para ter trabalhos mais em grupo, para todo mundo pensar e discutir sobre a Filosofia. Eu acho que todo mundo deveria se reunir para pensar melhor, refletir sobre Filosofia (Roberto P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Acho que só o aumento da carga horária. Que mudasse um pouco e tivesse um pouco mais de aula, para que a gente conversasse mais com o professor e não pensasse sozinho (Rogério P. – 1º ano). _____________________________________________________________ Só aumentar a carga horária mesmo e ter mais trabalho para a sala toda, no caso, para ser refletido e todos demonstrar o seu pensamento. [J.C.D. – Algo como se fosse uma discussão, um debate entre a turma?] Isso, aberto. Ao invés de levar trabalho para casa, porque daí acaba sendo só a nossa opinião. E Filosofia acaba abordando a opinião de vários, né? (Ricardo P. – 1º ano). Carolina comenta que sente falta de debates na sala de aula sobre temas do interesse dos alunos. Em sua fala, percebo que nas aulas predomina uma relação monológica do professor com os estudantes, de modo que quando há a interação, com questionamentos, os alunos participam sem prestar muita atenção no assunto. Nas respostas dos alunos, vejo que a fala de Ricardo contempla o pensamento dos outros dois colegas, reforçando a necessidade de ampliação da carga horária e o desenvolvimento de trabalhos em grupos para que seja possível acontecer um debate entre a turma. Considero interessante o trecho final da fala de Ricardo, na qual expressa o posicionamento “senso comum” que se tem sobre a Filosofia, em que se acredita que ela se realiza no debate de opiniões. É preciso criticizar essa forma de pensar, tornando filosófica essa argumentação. A partir da fala dos estudantes do primeiro ano, percebo que os alunos sentem necessidade de que o professor encontre temas que provoquem o debate entre a turma. Pelas aulas que observei, vejo que ele busca desenvolver essa dinâmica, mas talvez precise aprimorar um pouco mais, com assuntos mais atraentes e lutando pela ampliação da carga horária. Com esses dados, é possível perceber o potencial filosófico que existe nos assuntos que envolvem os saberes abertos dos estudantes, sendo essa uma ferramenta para levar os alunos às reflexões mais voltadas para o cunho filosófico. Os alunos do segundo ano também apresentam sugestões que visam a contribuir com a melhoria das aulas de Filosofia. Suas respostas foram: 280 Bom, primeiramente acho que o professor formado em Filosofia. Segundo, não ter só apenas algumas aulas, mas ter mais aulas de Filosofia e deixar bem explicado: o entendimento de Filosofia; quais são as importâncias da Filosofia na nossa vida; e, também a diferença de Filosofia para a Sociologia. [J.C.D. – Ah, vocês acham muito parecido?] É, eu acho meio parecido, né? Tanto a Sociologia voltado para a sociedade e a Filosofia para o pensamento das pessoas. Eu acho que é um pouco igual (Olívia P. – 2ºano). _____________________________________________________________ Para mim só o professor: que seja formado. [J.C.D. – Ter um professor formado na disciplina?] É! Já mudaria bastante (Estefani P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Eu acredito que a disciplina poderia... por exemplo, os livros: poderiam vir com alguma orientação de como aplicar dentro da sala de aula, porque hoje é centrado muito em fazer trabalho fora e muita questão. E poderia ser mais de discussão. Então, aulas de maneira diferente, onde o professor fosse o orientador e os alunos fossem, no caso, quem trouxesse muito material, trouxesse seus questionamentos e que fossem debatidos entre todos. [J.C.D. – Acaba que nas aulas não tem muito debate?] Não! Fica ainda centrado no professor na frente explicando e o aluno ouvindo. Então, poderia ser diferente: todos em uma grande discussão, todos trazendo e todos perguntando. Já que acredito que Filosofia vem muito de questionamento, então poderia ser em cima de questionamentos, tanto do professor, quanto dos alunos (Sérgio P. – 2º ano). _____________________________________________________________ Procurar diminuir os trabalhos para casa. No caso, a maioria dos trabalhos também são de questões discursivas e diretas, não faz tu pensar. E deixar um pouco de estudar a ideia dos filósofos e procurar mais tu saber da tua própria ideia, no caso, ter uma opinião formada ou formar uma opinião sobre determinado assunto. [...] Eu gostaria de sugerir que talvez um dia fosse possibilitado aumentar as aulas, para duas, no caso, porque eu não acho ela uma matéria menos importante que Português, ou Matemática. Cada uma tem a sua importância. [J.C.D. – E tu achas que ela deveria também estar presente nos três anos?] Com certeza! (Zac P. – 2º ano). A aluna Olívia apresenta duas sugestões para o aprimoramento da disciplina. A primeira diz respeito à necessidade de ter professor habilitado lecionando Filosofia e a segunda destaca a importância da ampliação da carga horária, para que seja possível ao professor ter tempo para esclarecer melhor o que é a Filosofia e trabalhar os seus conteúdos. A estudante Estefani apenas reforça a necessidade de que o docente da disciplina deve ser alguém formado em Filosofia. O aluno Sérgio salienta a necessidade do debate na sala de aula. Ele sente falta de um espaço para discussão, troca de opiniões e problematização de dúvidas, visto que nas aulas prevalece o predomínio da docente conduzindo a exposição dos conteúdos, não havendo interação dialógica com os alunos. O estudante Zac sugere três ideias: a primeira é a de que haja a diminuição na quantidade de trabalhos para 281 serem feitos em casa, pois os mesmos não possibilitam a reflexão, sendo respondidos de modo “mecânico”, sem provocar o pensamento sobre o assunto em questão. A segunda ideia é a de explorar mais o pensamento dos próprios alunos, a fim de que eles possam formar uma opinião pessoal consistente sobre determinados assuntos. Para ele, não se deve estudar somente o pensamento dos filósofos. Por fim, a terceira ideia é a de que seja possível ampliar a carga horária de aula, para que o trabalho com a disciplina possa ser mais bem desenvolvido, visto que a Filosofia não é menos importante do que os demais componentes curriculares. Vejo que as sugestões apontadas pelos alunos contribuem para consolidar os argumentos que já estão sendo constatados nesta Tese, no sentido de identificar a relevância da disciplina de Filosofia no Ensino Médio. As sugestões de haver docentes habilitados lecionando e ampliação da carga horária apontam caminhos para a consolidação da disciplina no currículo, enquanto que a ideia dos debates e da construção de opinião pessoal auxilia na metodologia a ser utilizada pelo professor, para que ele possa iniciar suas aulas com essa dinâmica, rumando para o efetivo trabalho dentro do âmbito do leque filosófico. Os alunos do terceiro ano também se manifestaram sobre esse assunto. Apresento, primeiramente, a fala de Cristiano e Lucas: Aulas sei lá... não no ar livre, aulas ao ar livre. Mas tipo, não ao ar livre. Tem aulas de outras disciplinas que fazem a gente entender, tipo sobre Biologia. Teve um trabalho lá sobre tipo sanguíneo, daí ela levou umas amostras, daí a gente foi. Todo mundo se interessou. Se tivesse como fazer isso em Filosofia, seria muito bacana. Ajudaria muito a gente! [J.C.D. – Traria algo da realidade, assim...] É! [J.C.D. - ...que tu possa ver assim...] Hum, hum! Interagir (Cristiano P. – 3º ano). _____________________________________________________________ [...] se uma aula é muito monótona assim... se ela é muito ah... só escreve, aí dá uma explicada e passa um trabalho; escreve, dá uma explicada e passa um trabalho. Isso fica monótono. Então, os alunos não vão se interessar. Se for uma coisa assim, diferente, certamente, não digo todos, mas a maioria vai se interessar. Pois é uma coisa diferente, sabe? Então tu vai fazer. Então... bem como ele [Cristiano] deu a ideia, ao ar livre, trazer coisas novas, também material novo para a gente para fazer, acho que ia ajudar bastante (Lucas P. – 3º ano). O estudante Cristiano ressalta a intenção de que as aulas de Filosofia sejam mais interativas e que não fiquem presas dentro da sala de aula. Traçando um paralelo, ele cita o trabalho desenvolvido pela professora de Biologia, que despertou o interesse da turma pelo conteúdo que estava sendo estudado. A fala do colega Lucas complementa o que Cristiano disse, salientando que as aulas em que os 282 alunos apenas copiam, escutam a explicação e fazem trabalhos se tornam monótonas e desinteressantes. Percebo como muito válida as sugestões dos estudantes, no sentido de que seja possível pensar outras dinâmicas de trabalho que possam ir além do espaço físico da sala de aula, a fim de que os alunos se incentivem com o novo tipo de trabalho a ser feito. Como exemplo, cito o trabalho desenvolvido pelo professor Gabriel (DUTRA, 2010), o qual, na época em que foi entrevistado, comentou que em suas aulas fazia passeios fora da escola e estabelecia relações desses com a Filosofia. Caberá a cada docente pensar as conexões que poderá fazer nas aulas que irá desenvolver. As alunas Cristiane e Isabela desenvolveram um diálogo mais aprofundado comigo sobre sugestões para a melhoria da disciplina. Preferi organizar esse momento em separado da fala de seus colegas, para que seja possível deter uma atenção específica aos longos trechos que apresentarei. Nesse sentido, destaco o posicionamento inicial da Cristiane, com participação da Isabela: Eu só acho que podia ser feito algum tipo de projeto, onde a gente estudasse ahn... sei lá... durante um mês inteiro, a gente estudasse sobre um filósofo; um em específico. Que a gente visse pontos importantes dele, naquela época e o que isso reflete hoje. Em consequência disso, aumentando a carga horária também [...] para ter tempo de fazer isso (Cristiane P. – 3º ano). J.C.D. – E o projeto, tu acredita que se faria no horário de aula da disciplina, ou num horário separado? Eu acredito que deveriam ter disciplinas que deveriam ser obrigatórias num determinado período. Eu acho que a gente deveria ter outras disciplinas, não que sejam exatamente obrigatórias, mas que a gente pudesse escolher entre algumas áreas e fazer, por exemplo, a parte daqui [referindo-se ao laboratório onde fizemos a entrevista]. Fazer projetos e coisas assim. Acho que ajudaria bastante (Cristiane P. – 3º ano). J.C.D. – Aí esse projeto, de repente, entraria de tarde? É! Assim, com os alunos... por exemplo, usando um laboratório como esse aqui, que está atirado, mas um laboratório de Filosofia. Imagina, com os filósofos, coisas coladas na parede... (Cristiane P. – 3º ano). E um tempo maior dá de aprender muito mais sobre aquele filósofo! (Isabela P. – 3º ano). Sim! Só para a gente entender. Porque a gente passa muito... são muitos filósofos e a maioria deles deixou alguma coisa importante para a gente. E a gente passa muito batido, passa muito rápido por eles... (Cristiane P. – 3º ano). 283 Cristiane sugere que as aulas de Filosofia dediquem um tempo maior para o estudo mais aprofundado sobre um filósofo. Paralelamente a isso, seria necessário ampliar a carga horária de aula, para que desse tempo de desenvolver um trabalho de qualidade, por meio de projetos nos quais estudantes estariam envolvidos durante todo o mês no estudo do filósofo, buscando conhecer o seu pensamento, o seu contexto histórico e suas influências para a nossa atualidade. Analisando o que foi exposto pelas alunas, considero essas sugestões muito válidas, e elas apresentam relação com a fala de Cristiano e de Lucas, no sentido de que haveria uma dinâmica maior para as aulas, visto que os alunos seriam sujeitos da construção do conhecimento sobre a Filosofia. Dando continuidade à conversa, Isabela também manifestou seu posicionamento. Segundo ela: Para melhorar mesmo é aumentando um pouco a carga horária (Isabela P. – 3º ano). Tentando atrair mais o interesse dos alunos pela disciplina (Cristiane P. – 3º ano). Trabalhos assim, manuais, né... (Isabela P. – 3º ano). Sim, porque a maioria dos trabalhos... Como eu falei, tu tens que ler, né... tu tens que entender, analisar. Acho que deveria ser desenvolvido algum tipo de didática para que isso... sabe, a gente não precisasse ler tanto, mas que no início assim a gente fizesse mais projetos, mais coisas que chamassem mais a atenção para depois entrar na parte teórica de ler, ler e ler (Cristiane P. – 3º ano). Isabela ressalta novamente a necessidade de ampliação da carga horária e a organização de trabalhos manuais que tornem as aulas mais dinâmicas. Ao longo da entrevista, Cristiane se posicionou novamente, explicando que o estudo teórico da Filosofia poderia acontecer após o trabalho inicial de sensibilização dos estudantes, com atividades que chamassem mais a atenção e despertassem o interesse dos alunos. Essa fala se assemelha ao que foi dito por José C. – 3º ano e Pablo C. – 3º ano, da Escola Central, quando sugeriram que as aulas iniciassem por assuntos de interesse dos alunos, para depois ingressar no campo filosófico. Dei continuidade à entrevista e, ao final, quando questionei se elas gostariam de falar algum assunto não abordado, ou sugerir algo, Cristiane tomou a palavra e contribuiu novamente, explicando mais a fundo sua sugestão: 284 Sim! Eu acho que alguns trabalhos práticos, assim. Alguma coisa... não tenho ideia do que seria. Mas alguma coisa que realmente atraísse mais as pessoas para elas entenderem qual é a importância da Filosofia e como ela serve para a nossa vida em vários aspectos, tanto para a vida pessoal, como para a profissional, para a didática, enfim (Cristiane P. – 3º ano). J.C.D. – Tu achas que de repente fazer alguns trabalhos que fossem na rua e aplicar, algo assim? Sim. Por exemplo: fazer uma entrevista, uma pesquisa. Não uma coisa fácil que tu pegue na internet, mas um trabalho, um projeto elaborado, que de repente tu tenha que fazer durante todo o ano e trimestralmente. Para ser avaliado, tu tem que apresentar tipo um esboço do final do teu trabalho. Tipo um TCC, só que do Ensino Médio e durante um ano (Cristiane P. – 3º ano). J.C.D. – A avaliação ao longo do ano? Sim! Tipo, tu ir em tal lugar e pesquisar, ah.. sei lá... por exemplo: ir na FURG e falar com os alunos de Filosofia. E de repente ir numa escola de criança pequena e perguntar – como a didática é diferente, é claro – o que eles acham que é importante? Que que eles pensam? E anexar tudo nesse trabalho, para no final fazer uma grande apresentação (Cristiane P. – 3º ano). J.C.D. – A escola organiza, de repente, um evento e apresenta o trabalho? Sim, É! Acho que ia ser muito mais produtivo e acho que a gente ia se envolver mais. Mesmo se fosse com um único assunto, por exemplo, sei lá... Aristóteles, ou coisa assim, cada grupo. Acho que um pelo menos eles iam saber mesmo. Não é que nem tu passar por vários e não saber nenhum no final. Entendeu? (Cristiane P. – 3º ano). J.C.D. – Acaba que tu vê vários, mas... [Cristiane P. – 3º ano – ...tu não vê!] se te perguntam tu não entende direito, não sabe falar direito? É! (Cristiane P. – 3º ano). J.C.D. – Certo! E tu Isabela, gostarias de falar sobre alguma questão que não mencionei aqui e que de repente tu tinhas pensado [...] Ou se querias sugerir alguma coisa referente ao currículo de Filosofia que a gente não falou aqui? Eu pensei dos trabalhos assim mesmo, porque o pessoal gosta muito! Por exemplo, Biologia, a professora fez uns trabalhos manuais e todo mundo gostou, rendeu. [J.C.D. – Participaram...] É, participaram! Todo mundo, né? (Isabela P. – 3º ano). É! De repente mudar um pouco essa coisa de teoria, de teoria, de ter que ler, e ler, e ler. Não que isso não seja fundamental: é! Mas ter alguns outros aspectos mais atrativos para a educação. Diferente do que é hoje. A educação está muito assim... a gente tem que ir lá, e tirar nota e ir embora. Deu. A gente vai para uma faculdade e depois a gente se vira. E não é assim! As pessoas têm que entender o que elas estão fazendo hoje para depois amanhã elas darem continuidade. E não terminar o Ensino Médio, ou às vezes nem terminar, e trabalhar em empregos assalariados, ou coisa assim. O importante é a educação em geral, não só a Filosofia, para que a gente possa melhorar de vida (Cristiane P. – 3º ano). 285 Abordando novamente a intenção de que possam ser desenvolvidos trabalhos mais dinâmicos e práticos, Cristiane comenta que seria muito significativo que os alunos conseguissem perceber a importância da Filosofia para as suas vidas. Nesse sentido, os trabalhos que ela sugere – e que apresentam consonância com a proposta do Ensino Médio politécnico – é desenvolver atividades de pesquisa que façam sentido e não apenas uma busca simples na internet, que não gera um conhecimento maior. Essa pesquisa envolveria a turma ao longo de todo o ano, tendo como ápice avaliativo, ao final do ano, a apresentação de um “Trabalho de Conclusão de Curso” sobre o assunto pesquisado. O estudo proposto pela aluna se assemelha a um trabalho de pesquisa universitário, envolvendo tanto pesquisa de campo como bibliográfica. Esse tipo de atividade permitiria que os alunos conhecessem melhor o pensamento dos filósofos estudados, pois do jeito como acontece atualmente, estudam-se muitos, mas pouco se sabe sobre cada um. A aluna Isabela concorda com a sugestão da Cristiane e cita como exemplo o trabalho desenvolvido pela professora de Biologia, que foi citado pelo colega Cristiano P. – 3º ano. Ao final do trecho destacado, Cristiane assume a fala novamente e reforça que embora a teoria seja fundamental, é preciso ir além dessa para que os estudantes percebam a importância daquilo que está sendo estudado. Ao analisar a conversa que tive com as alunas, tive uma grande satisfação ao perceber o grau de maturidade com o qual as estudantes se manifestaram na sugestão apresentada. Percebo que existem alunos que buscam um comprometimento com o ensino de qualidade e que, se forem ouvidos, poderão auxiliar muito o professor no desenvolvimento de suas aulas, não só na Filosofia, como também nas demais disciplinas. A ideia de desenvolver o trabalho na sala de aula por meio de projetos, seja ele ao longo de um mês, de um trimestre ou do ano letivo, é muito salutar para o desenvolvimento do conhecimento, na medida em que oferece um espaço temporal mais amplo para a assimilação e problematização das novas informações que estarão sendo aprendidas pelo estudante. A proposta das alunas vai ao encontro do modo de trabalho embasado no viés do leque filosófico e pode perfeitamente contribuir para o despertar do interesse dos jovens pelo estudo na disciplina de Filosofia, vendo essa não só como mais uma disciplina, mas como um campo do saber que contribui para a formação autônoma de cada indivíduo. 286 Com relação aos professores que atuam na Escola Periférica, destaco inicialmente a sugestão da professora que leciona a disciplina de Filosofia: Eu acho assim: já que há a obrigatoriedade da disciplina no currículo, porque que há tão poucas faculdades de Filosofia? A mais próxima daqui é Pelotas. Eu não sei dentro do Estado quantos cursos teriam? E como é que fica essa distribuição de profissionais dentro das escolas? Quem estaria atuando? Que no caso aqui eu me sinto até meio fora da ética, de estar dando aula de uma disciplina que não é minha. Claro, tem coisas que se eu não sei, não vou continuar ali porque vou me esbarrar em alguma coisa que não vou conseguir tirar a dúvida, ou eu vou pular essa parte, mas não vou tentar dar uma explicação de uma coisa que eu não sei. Então, eu acho que assim, a gente também tem que ponderar, porque se houver alguém hoje que chega aqui: “Olha, sou formado e vou dar aula!”. Tranquilo, né? Eu acho que a gente tem que ter noção daquilo que se faz, porque a gente está trabalhando com uma disciplina que não é minha. Então a gente tem que saber até os limites que a gente tem para poder trabalhar também. Então eu acho que é importante ter mais faculdades, mais profissionais para trabalhar, até para garantir a própria disciplina, né? (Profa. Patrícia – Fil.). A professora Patrícia sugere a criação de mais cursos de Licenciatura em Filosofia. Seu argumento toma como base a obrigatoriedade da disciplina, a qual exige uma demanda muito maior de professores para atuar nas escolas sem desvio de função; fato esse confirmado pela sensação de sentir-se “fora da ética” ao lecionar uma disciplina para a qual não é habilitada. A fala da professora confirma o levantamento que realizei no capítulo anterior quando comparei a quantidade de candidatos inscritos para o concurso para o magistério estadual na região da 5ª e da 18ª CRE. O número de inscritos na região que possui dois cursos superiores de Filosofia é incomparavelmente superior à região que não possui curso algum. Esse dado mostra a real necessidade de que mais cursos de Filosofia sejam implantados para oferecer mais espaços de formação para profissionais que desejam trabalhar nessa área e não têm condições de deslocar-se para outras cidades a fim de fazer esse curso. Com relação aos posicionamentos dos demais professores, cito a resposta de mais dois docentes que sugerem alternativas para superar o problema da reduzida carga horária semanal da disciplina de Filosofia: É um pouco complicado, porque diminuir carga horária de alguma disciplina gera conflito. O que deveria ser estendido, assim, ó... aumentar a carga horária que é dada aos alunos, no caso sábado, ter um horário fixo sábados. Aumentar a carga horária! [J.C.D. – Sem prejudicar as outras disciplinas...] Sem prejudicar as outras disciplinas! (Prof. Pedro – Port. e Lit.). _____________________________________________________________ 287 Quanto ao currículo eu te disse que não tenho muito conhecimento. Mas eu acho que a sugestão é isso que eu te disse: é a gente sentar, pensar, para ver se essa carga realmente não é pequena. Modificar. [...] Então a sugestão é assim: sentar, conversar, ver: o que realmente é necessário na Matemática? O que é necessário na Química? O que a gente pode tirar? E ajeitar. Porque eu acho que tem que ter lugar para todos. Não é só a Matemática que é importante, não é só o Português que é importante. Eu acho que a Filosofia, para mim, é muito importante. É como eu te disse: só veio a acrescentar na minha vida. Então eu acho que a gente podia sentar, conversar. Não te digo, assim, que as aulas vão ser todas iguais, porque eu acho que não vai acontecer. Não nesse momento! Mas poderia ter uma carga maior. Acredito que sim. A sugestão é sentar, conversar e analisar a situação... [J.C.D. – A divisão de carga horária...] É, a divisão de carga horária! E não deixar desaparecer. Eu acho que é uma disciplina bem importante. Não deveria desaparecer (Profa. Pâmela – Mat.). O professor Pedro vê a possibilidade de aumento da carga horária da Filosofia, sem prejuízo das demais disciplinas, na ampliação das horas de aula dos alunos para os sábados. Dessa forma, os estudantes teriam aulas de segunda-feira a sábado e esse dia acrescentado serviria para auxiliar no aumento do período semanal da Filosofia. Essa proposta do professor é interessante e apresenta-se como uma possível alternativa. Caberia um debate entre a escola e a comunidade para verificar a possibilidade de ampliação dessa carga horária, a fim de atender a demanda das disciplinas que são prejudicadas com uma carga horária baixa dentro do currículo escolar. A professora Pâmela, que também considera muito pequeno o período de uma aula semanal para a disciplina de Filosofia, sugere que os professores das diversas disciplinas conversem entre si e verifiquem o que é possível fazer para reduzir a carga horária de algumas disciplinas em prol da ampliação de outras. Sua fala demonstrou um gesto de grande humildade ao considerar todas as disciplinas importantes, e não somente a Matemática ou a Língua Portuguesa. Essa sugestão do diálogo mostra-se como um caminho plausível para contribuir com a consolidação da disciplina de Filosofia no currículo do Ensino Médio, visto que 01 hora/aula é pouco tempo para o desenvolvimento de um trabalho qualificado e que atenda as sugestões que foram apresentadas pelos alunos, tanto da Escola Central, como da Periférica. Reforçando a possibilidade de ampliação do período semanal de aula, a supervisora Paola cita o exemplo de como as disciplinas da área das Ciências da Natureza se organizaram na distribuição das suas cargas horárias, afirmando que 288 isso seria possível também com a disciplina de Filosofia, dentro da área das Ciências Humanas: [...] por exemplo, na área das Ciências da Natureza mesmo, a gente fez assim: um ano, das três disciplinas que tem que é Química, Biologia e Física, então: um ano tem duas aulas de Física e nos outros dois tem três. No segundo ano a Química fica com um a menos. E no terceiro a Biologia fica com um a menos. Também dá, de repente... a gente poderia pensar nessa questão. Daí se o grupo decidir assim, né? (Paola – Superv.). Segundo Paola, como o Ensino Médio dessa escola está dividido por áreas, cada área fica responsável por organizar a distribuição da carga horária. Nesse sentido, se nas Ciências Humanas as disciplinas chegarem ao consenso de permitir a ampliação das horas/aula da Filosofia, a supervisão não terá problemas em acolher a mudança. Vejo esse como mais um argumento favorável à possível modificação da carga horária, tendo como base o diálogo e o consenso democrático entre os docentes. Para finalizar as sugestões, a professora Paula – Hist. sugere o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar entre a área, para que os conteúdos sejam mais significativos para os alunos. Por fim, o professor Paulo – Fil. sugere a construção de uma sala temática, onde os estudantes poderão ter suas aulas, tendo acesso a vídeos, revistas, livros e outros materiais voltados para o campo filosófico. Chegando à última categoria de análise, perguntei aos entrevistados se eles gostariam de falar sobre algo que não abordei. A maioria não quis comentar, pois consideraram que a entrevista contemplou o necessário para o momento. Alguns apresentaram sugestões e eu as apresentei na análise anterior. Por fim, de todas as falas, a que considero pertinente apresentar não diz respeito somente à disciplina de Filosofia, mas contribui para que a Universidade possa pensar em si mesma sobre as pesquisas que desenvolve na sociedade. Nesse sentido, destaco a fala da supervisora Carla: O que eu digo sempre que vem alguém que está trabalhando em alguma pesquisa, em algum projeto da Universidade: eu penso que a Universidade tem esse discurso de aproximação com a Educação Básica, com as escolas, mas que fica muito no discurso. E que a gente, cada vez mais, percebe que os contatos... nós somos muito usados pela Universidade. Então, por exemplo: sempre que a Universidade me oferece um projeto, me oferece alguma coisa para os professores, por exemplo, poderia ser para os professores da área das Humanas, sempre tem uma intenção do benefício do docente da Universidade. E que é hoje muito claramente percebida pelos professores da escola e que já de antemão, vão participar com ranço: 289 “porque eu estou trabalhando para ele, que ganha muito mais do que eu”. Então é tudo assim: “é para o pós-doutorado do fulano”; “é uma pesquisa porque o fulano vai escrever um livro nas minhas costas”; esse é o discurso que os professores falam e que a gente realmente percebe ainda hoje dentro da Universidade. E isso é uma coisa que sempre que tenho a oportunidade de falar com alguém que vai dar um retorno lá, eu coloco. A gente sabe que os pós-doutorados, os doutorados, enfim, que são baseados em pesquisas e que essas pesquisas têm que ser feitas na Educação Básica, etc. Mas a gente também precisa que a Universidade chegue até nós para nos oferecer alguma coisa, sem nada em troca. Pelo menos inicialmente. Para que o professor perceba: “Olha, a Universidade está preocupada com o ensino da Filosofia, sim!”. Ponto! Então: “eu tenho a pesquisa lá do Jorge, que verificou, o Jorge levantou isso, chegou a tais conclusões. Bom, e agora? Agora eu vou dar o retorno!”. E isso a gente sente que tem essa carência, principalmente essa carência, de nos oferecer. [...] Que a Universidade, assim, quando nos visita é para nos solicitar algo que vai trazer um benefício a médio, ou curto/médio prazo, para a própria Universidade ou para aquele professor, enfim. A gente não percebe essa disponibilidade do retorno. Agora mesmo a gente tem – quero abrir um parênteses – o Projeto Cirandar que está trabalhando com os professores da disciplina de Seminário Integrado que alguns professores aqui da escola que se negaram a participar, colocam isso: “que o Cirandar está sendo bom por um lado, mas eu tenho que ler e escrever, porque depois os meus relatórios vão servir de recheio para um livro que...”. Não sei! [J.C.D. – Estão organizando?] É! Então sempre tem esse ranço do professor entendesse? E eu acho que tu deverias voltar, depois, se tu puderes, voltar com uma proposta, de repente, para a escola, ou para as escolas, para os professores de Filosofia, para os alunos, enfim. Acho que iria ser bem vindo! (Carla – Superv.). Trago para a discussão esse relato e desabafo da supervisora, para que eu, representante da academia por meio desta Tese, possa refletir sobre o meu papel de pesquisador visando a um retorno social do meu trabalho que possa contribuir para a qualificação do ensino da Filosofia no currículo do Ensino Médio. O que Carla faz é um “chamamento de atenção”, para que a Educação Básica deixe de ser apenas um campo a ser “usado” pela Universidade e passe a efetivamente a apresentar alguma resposta que contribua para a melhoria da escola, sem esperar algo em troca. Primeiramente, considero importante deixar registrado o meu agradecimento à supervisora, a qual, mesmo tendo esse pensamento, se colocou à disposição para contribuir com a pesquisa, participando dentro daquilo que estava sendo esperado. Percebo sua análise crítica direcionada não somente a mim, mas a todas as Universidades que desenvolvem pesquisas de campo na Educação Básica. Em se tratando do campo da Filosofia, vejo essa fala como uma provocação para que a Universidade possa oferecer mais cursos de extensão, de pós-graduação e de aperfeiçoamento que possibilitem aos docentes da rede pública aprimorar os conhecimentos que já têm consigo, qualificando ainda mais o seu trabalho. Acredito 290 que em certa medida os professores Universitários já estão desenvolvendo trabalhos nesse sentido, como por exemplo a criação do encontro da ANPOF Ensino Médio, realizada pela primeira vez em Curitiba/PR no ano de 2012, e do Ciclo de Cinema do Departamento de Filosofia da UFPel, organizado pelo Prof. Dr. Luís Rubira, o qual é aberto à comunidade e com entrada franca. De todo modo, em Rio Grande/RS, esses trabalhos não encontram divulgação e os professores da rede estadual acabam não sendo alcançados por esses eventos. Pensando mais precisamente no retorno que posso dar com a pesquisa que desenvolvi, digo que a mesma servirá, primeiramente, para identificar de modo claro em que medida a disciplina de Filosofia é relevante para o currículo do Ensino Médio, além da sua obrigatoriedade legal, tomando como base os referenciais teóricos e a voz de alguns dos sujeitos (alunos, professores e supervisoras) que fazem parte da construção curricular da própria Filosofia. Considero essa constatação de suma importância, na medida em que busco encontrar a relevância da Filosofia no currículo do Ensino Médio de tal modo que se em algum momento a Lei 11.684/08 for revogada, a disciplina conseguirá se manter por si só, com o apoio da comunidade escolar. Para tanto, esta pesquisa já contribui alertando, entre outros pontos, sobre as respectivas necessidades: ampliação da carga horária semanal de aula nos três anos; presença de professores habilitados em Filosofia para lecionar; e, aulas mais dinâmicas, relacionadas ao contexto dos estudantes e ao leque filosófico. Essas constatações já são uma resposta para a escola e contribuem, em certa medida, para a qualificação do trabalho docente com essa disciplina na sala de aula. Certamente essas descobertas não finalizam o compromisso social que esta Tese busca consolidar, mas é um início importante para o aperfeiçoamento curricular da Filosofia. Devido ao pouco contato que os docentes de Filosofia têm com as formações continuadas, criei no site do Facebook a Fanpage intitulada Filosofia no Ensino Médio brasileiro57. Como percebo uma grande adesão da população em geral a essa rede social, vejo nessa ferramenta uma forma de contribuir para a construção de aprendizados que dizem respeito à Filosofia no Ensino Médio. Dessa forma, tanto eu como os demais membros que fazem parte da fanpage podem anunciar na respectiva página informações referentes a essa temática, incluindo a 57 Endereço, na internet, da fanpage: https://www.facebook.com/filosofianoensinomediobrasileiro 291 divulgação de eventos, artigos acadêmicos, e-books, vídeos com relatos de experiência e documentos, entre outros materiais que possam contribuir com a atualização e qualificação das pessoas que se interessam pelo tema. Esse é mais um retorno social que a Tese está proporcionando, visto que foi a partir desta pesquisa que me veio a ideia de criar esse espaço na rede social. Posto isso, creio que a Tese vem a contribuir com a problematização sobre a presença da Filosofia no Ensino Médio, visando a aprimorá-la cada vez mais. Acredito que o trabalho aqui desenvolvido poderá somar-se as demais produções acadêmicas que estão sendo feitas ao longo do território nacional e incentivar o desenvolvimento de estratégias que fortaleçam a Filosofia dentro do currículo escolar. Com isso, encerro o presente capítulo e me encaminho para as considerações finais deste trabalho. 292 CONSIDERAÇÕES FINAIS: EM QUE MEDIDA A DISCIPLINA FILOSOFIA É RELEVANTE PARA O CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO? Enfim, encontro-me com o momento final desta Tese. Após todo o processo de estruturação metodológica da investigação e embasamento teórico sobre o tema e pesquisa de campo, é chegada a hora de saber em que medida disciplina de Filosofia é relevante para o currículo do Ensino Médio brasileiro. Diante de todos os dados que foram expostos ao longo deste trabalho, organizei um quadro com oito pontos norteadores – dentro de três grandes tópicos de análise – os quais me auxiliarão na organização e análise final deste estudo. O quadro a seguir apresenta o registro percentual das respostas dos entrevistados, contemplando tanto as médias totais, bem como os dados de cada uma das escolas investigadas. Com o auxílio desse registro, encontro a resposta para o objetivo geral desta pesquisa. Quadro 10 – Pontos norteadores para a análise dos dados --- 58 [A. 1.] --Considera a Escola Central disciplina de Filosofia importante. Escola Periférica Média 88% (16 de 18) 82% 10% (1 de 10) 08% (1 de 13) 09% 70% (7 de 10) 46% (6 de 13) 56% 47% (8 de 17) 20% (4 de 20) 32% 73% (11 de 15) 58 A turma considera a Filosofia [A. 2.] importante. (na visão dos alunos) Ficaria [A. 3.] Filosofia em aula, fosse caso a optativa. Considera que a carga horária aula semanal de (alunos) horária [B.] Carga [A.] Importância da Filosofia --- [B. 1.] semanal de 01 hora/aula é suficiente para a disciplina de Filosofia. Os números entre parênteses referem-se à quantidade de entrevistados que escolheram aquela resposta e a quantidade total de entrevistados, respectivamente. 293 Acredita [B. 2.] que é possível acrescentar mais 01 hora/aula semanal para a disciplina de 17% (1 de 6) 83% (5 de 6) 50% 80% (12 de 15) 95% (18 de 19) 88% 43% (3 de 7) 29% (2 de 7) 36% 14% (1 de 7) 57% (4 de 7) 36% Filosofia. [C. 1.] currículo do Ensino Médio [C.] Conquista de espaço no Acredita que a disciplina de Filosofia deve estar no currículo. Considera [C. 2.] que a Filosofia conquistou o seu espaço no currículo do Ensino Médio. Acredita que a Filosofia se [C. 3.] mantém nos três anos do Ensino Médio, caso a lei 11.684/08 seja revogada. Inicio a análise pelo tópico referente à importância da Filosofia [A.]. No primeiro ponto [A. 1.] constato que 82% dos entrevistados consideram a disciplina de Filosofia importante. Percebo essa informação como muito positiva, pois grande parte das pessoas que têm contato com ela, de alguma forma valoriza a sua presença. O alto percentual se repete em cada uma das escolas, o que demonstra que a disciplina é altamente valorizada em ambas as instituições. Desse primeiro dado, destaco alguns dos argumentos que foram utilizados em favor da importância da Filosofia. Os entrevistados consideram essa disciplina importante por proporcionar a reflexão, a introspecção, o debate, a troca de opiniões, o pensamento crítico, o raciocínio e o agir moral, entre outros. Percebo que essas visões de Filosofia contemplam parte do que ela representa, mas torna a sua definição muito superficial, levando a acreditar que o desenvolvimento dessas atividades é suficiente para se realizar um trabalho filosófico. É importante ter em mente que esse “tipo de prática pedagógica, não raras vezes, faz com que a Filosofia perca sua especificidade, transformando-se em uma mera „troca de opiniões‟ entre docentes e discentes, as quais não ultrapassam o nível do senso comum” (DUTRA, GALLO, DEL PINO, 2012, p. 96), além de atribuir para essa disciplina um caráter doutrinário e moralizante sobre o modo correto de agir do ser humano. Buscando aprimorar essa visão sobre a Filosofia, penso que é importante os docentes tomarem como base profissional alguma perspectiva teórica que contribua 294 para o desenvolvimento de sua prática profissional. A escolha do embasamento tornará sua prática filosófica mais clara, permitindo que os colegas e os alunos percebam quais objetivos se têm ao lecionar Filosofia, fazendo com que os mesmos entendam que essa disciplina vai além da reflexão ou da moralização e se aproxima de questões mais profundas, próprias do Filosofar. A própria escolha da perspectiva teórica contribuirá para que os docentes de Filosofia elaborem os seus planos de ensino, os quais fortalecerão a escolha dos conteúdos que farão parte do currículo da disciplina em prol do exercício da atividade filosófica, mesmo que os conteúdos apresentem-se de modo nômade. Esse tipo de postura tornará explícito o modo de trabalho da respectiva instituição sobre o ensino dessa disciplina. Dando continuidade à análise, parto para a avaliação que os alunos fizeram sobre a turma, a respeito de considerarem a disciplina de Filosofia importante ou desnecessária [A. 2.]. O resultado foi o oposto da porcentagem anterior, visto que apenas 09% dos alunos acreditam que a turma acha a disciplina de Filosofia importante. Esse dado chama a atenção para que cada docente de Filosofia da educação básica possa também verificar com os seus próprios alunos – a identificação dos estudantes pode ser de modo anônimo – o que eles pensam das suas aulas, a fim de desenvolver novas metodologias de trabalho, caso a maioria da turma se mostre desinteressada. O que percebi ao longo das entrevistas, é que os estudantes relataram que durante as aulas os colegas conversavam entre si sobre assuntos variados; querem sair da sala; a aula fica cansativa e monótona quando o professor trabalha com conteúdos filosóficos de modo descontextualizado ou quando passa somente exercícios ou atividades avaliadas para serem entregues a disciplina não tem sentido para a atualidade, somente para o futuro, entre outras justificativas. Entendo que essas respostas podem se estender para as diversas instituições de ensino, de modo que mais alunos podem achar as aulas de Filosofia desnecessárias, seja por esses ou por outros motivos. Por isso, vejo no diálogo entre professor e alunos uma das possibilidades para que o docente possa avaliar a sua prática pedagógica e verificar que alternativas pode construir junto aos estudantes, a fim de qualificar o seu trabalho. Tenho essa percepção por entender que os estudantes têm vontade de que as aulas de Filosofia sejam melhores e, inclusive, sugerem algumas alternativas que poderão contribuir para a construção de aulas mais motivadoras e atraentes. Algumas das 295 sugestões foram: professor com formação em Filosofia; aulas mais dinâmicas e com debates; pesquisas aprofundadas, podendo ser desenvolvidas por meio de projetos (pelo período de um mês, trimestre ou ano) com defesa de TCC ao final do ano letivo; aumento de carga horária, para que se tenha mais tempo para desenvolver as atividades nas aulas; e, utilização de mais de um único tipo de avaliação, como testes, provas, seminários etc.. Como sugestão metodológica para as aulas, foi aconselhado iniciar o assunto a partir do contexto dos estudantes, para depois relacionar com os conteúdos filosóficos e aulas interativas com atividades manuais e práticas, bem como aulas ao ar livre. Todas essas sugestões partiram dos estudantes como possibilidades de tornar as aulas de Filosofia melhores, a fim de que faça sentido para eles. A escuta do posicionamento dos alunos é um fator essencial, visto que a mesma alerta, por exemplo, para o fato de os alunos não gostarem das aulas nas quais eles tenham que fazer atividades avaliadas todas as semanas, conforme foi observado na turma de primeiro ano da Escola Central e de terceiro ano da Escola Periférica. Esse tipo de atividade, além de se distanciar do âmbito do leque filosófico, faz com que os alunos desgostem da disciplina por considerá-la cansativa e sem sentido. Percebo que se a dinâmica de aula for alterada, possivelmente o percentual apresentado no item [A. 2.] se modifique e o interesse da turma passe a ser bem maior. Para encerrar o primeiro grande tópico analítico, analiso o terceiro ponto. Nesse, constato que 56% dos alunos participariam das aulas de Filosofia, mesmo que essa fosse optativa [A. 3.]. Considero esse dado muito importante ao analisá-lo pela peculiaridade de cada uma das escolas, onde há uma ampla divergência nas respostas. Na Escola Central, 70% participariam e na Escola Periférica, 46% iriam às aulas. Nas respostas dos alunos que não participariam, percebe-se que os mesmos prefeririam não participar para ter mais tempo para se dedicar a outras disciplinas; por ser parecida com História, não haveria necessidade de cursá-la e por não ter interesse, entre outros motivos. Em contrapartida, na Escola Central todos os alunos do professor César participariam das aulas independentemente da obrigatoriedade, fator esse que merece destaque pelo fato desse docente ser o único dos entrevistados que possui habilitação em Filosofia. Os alunos comentaram que participariam porque gostam da dinâmica das aulas, dos debates propostos e de expressar os seus posicionamentos. Alguns desses comentaram que em geral participariam, mas dependendo do assunto talvez não ficassem na sala. 296 Esses dados me levam a crer que existe uma maior tendência de que docentes habilitados na área desenvolvam atividades que despertem mais o interesse dos alunos em participar das aulas, visto que buscam desenvolver sua disciplina na linha de trabalho que visa o debate na sala de aula, que atrai o interesse dos estudantes, conforme foi relatado em uma das sugestões acima. Um detalhe que percebo e que precisa ser aprimorado é a aproximação dos debates com o leque filosófico, a fim de que os mesmos consigam superar o posicionamento de senso comum que cada interlocutor expõe na sala de aula. Para isso, vejo que seria preciso a ampliação da carga horária, conforme também relatou o próprio professor César. Diante desse primeiro grande tópico de análise, compreendo que a Filosofia está se constituindo como uma disciplina relevante. Digo isso por perceber que a maioria dos sujeitos entrevistados considera essa disciplina importante, na medida em que contribui para o desenvolvimento reflexivo dos alunos. O que pode ser aprimorado para qualificar mais a disciplina e ampliar o interesse dos estudantes com a presença de docentes licenciados em Filosofia conduzindo a disciplina e o desenvolvimento de atividades pedagógicas variadas nas aulas, para que as mesmas se tornem mais dinâmicas e façam sentido para a vida dos estudantes tanto hoje, como no decorrer da vida. Entendo que o aperfeiçoamento do currículo nesses dois pontos tende a fortalecer os aspectos que fragilizam e enfraquecem a importância da presença da Filosofia no Ensino Médio brasileiro. Dando continuidade à análise, o problema do tempo semanal de aula também se apresenta como uma questão essencial no fortalecimento curricular da disciplina de Filosofia. Nesse sentido, a segunda grande categoria de análise referese à carga horária semanal de aula [B.]. De todos os entrevistados, apenas 32% consideram que o tempo de 01 hora/aula semanal é suficiente para a disciplina de Filosofia [B.1.]. Isso mostra que a ampla maioria considera que é preciso ter mais tempo de aula semanal para se desenvolver a disciplina com uma melhor qualidade. Essa informação reforça a necessidade urgente de alteração curricular das escolas, no que diz respeito à ampliação da carga horária. Foi possível constatar isso na fala de muitos docentes que disseram que com um período semanal de aula, não é possível se trabalhar com qualidade, sendo praticamente uma “visita” que o professor faz a cada semana. Nesse sentido, percebo que é preciso existir “voz” na participação dos docentes de Filosofia no momento da elaboração e distribuição das 297 cargas horárias das disciplinas. Foi possível constatar que nenhum dos professores de Filosofia foi consultado quanto a isso, mas foram ouvidos apenas no momento de escolher os dias semanais em que ocorreriam as aulas. A maior parte da classe docente entrevistada reconhece que o tempo de aula é insuficiente. Dessa forma, esse espaço precisa ser conquistado, a fim de que a Filosofia consiga se efetivar solidamente no currículo escolar. O outro tópico destacado apresenta uma continuidade na análise anterior e refere-se à possibilidade do acréscimo de 01 hora/aula semanal para a disciplina de Filosofia [B. 2.]. Nos dados totais, constato que 50% dos profissionais entrevistados acreditam que é possível aumentar o período semanal. O dado que destoou foi no comparativo entre as escolas, pois na região central apenas 17% acreditam que é possível esse aumento, enquanto que na Escola Periférica, 83% vislumbram a possibilidade do aumento da carga horária para a Filosofia. Percebo que na Escola Central existe resistência à possibilidade de ampliação da carga horária, mesmo que a reposta da maior parte dos profissionais considere que o tempo semanal de 01 hora/aula seja insuficiente. Por outro lado, na Escola Periférica existe uma maior abertura para o debate, de modo que a maior parte dos docentes e a supervisora entendem que se houver diálogo e consenso, essa ampliação da carga horária poderá ocorrer. Nessa instituição, os professores sugeriram o diálogo como forma de reavaliação da distribuição das horas/aula, visando a sanar o problema da reduzida carga horária enfrentado pela Filosofia. Uma das docentes sugeriu, inclusive, a democratização da carga horária, a fim de que não só a Filosofia, mas todas as disciplinas que se encontram em situação semelhante, tenham ampliados os seus tempos semanais de aula. Algumas das outras sugestões apresentadas foram: implantação do turno integral; aumento da carga horária de aula dos alunos, contemplando também o sábado como período letivo; desenvolvimento de trabalho interdisciplinar; e, diminuição da carga horária da disciplina de Seminário Integrado. Diante desses dados referentes ao segundo grande tópico [B.], percebo que a disciplina de Filosofia novamente está sendo considerada relevante, visto que a maior parte dos entrevistados acredita que o período semanal de aula é insuficiente e que seria preciso ampliar a carga horária semanal da disciplina. O que percebo que necessita ser alterado, para que haja a efetiva valorização da disciplina, é que nas escolas em que o posicionamento dos sujeitos seja semelhante aos da Escola 298 Central – no que diz respeito à ampliação da carga horária –, exista o espaço para o diálogo entre a comunidade escolar, a fim de que os docentes de Filosofia possam expressar o seu posicionamento, ao mesmo tempo em que os professores das disciplinas de maior carga horária analisem os seus contextos escolares e percebam a dificuldade encontrada pelo docente de Filosofia diante do pouco tempo que tem para o desenvolvimento de seu trabalho semanal, considerando ainda as questões referentes à duplicação da quantidade de turmas e de alunos que o professor deve que assumir devido ao pouco tempo semanal de aula que tem disponível. É importante construir um ambiente de trabalho que ofereça condições suficientes para que a disciplina de Filosofia possa se desenvolver com qualidade. Se houver essa abertura de espaço para o diálogo, possivelmente os docentes saberão os posicionamentos uns dos outros a respeito da importância da disciplina de Filosofia, podendo chegar a um consenso que não cause prejuízos qualitativos para nenhuma outra disciplina do currículo escolar. Por fim, realizo a análise do terceiro grande grupo, a saber: conquista de espaço no currículo do Ensino Médio [C.]. Nesse âmbito constatei que 88% dos entrevistados consideram que a disciplina de Filosofia realmente deve estar presente no currículo do Ensino Médio [C. 1.]. Essa informação novamente leva ao indício de que a Filosofia tem relevância para o currículo escolar, visto que a ampla maioria considera sua presença necessária na escola. Dentre os argumentos apresentados pelos entrevistados, destaco dois: o primeiro deles defende o posicionamento de que a Filosofia deve estar presente nos três anos do Ensino Médio, para que seja possível dar continuidade ao estudo dos conteúdos filosóficos, pois se for retirada de alguns dos anos, seu trabalho perderá a qualidade. O segundo argumento refere-se à possibilidade de inclusão da disciplina de Filosofia no Ensino Fundamental, a fim de que os alunos possam começar a refletir filosoficamente desde crianças, acostumando-se com o modo de desenvolvimento reflexivo que é próprio da Filosofia, a partir da perspectiva filosófica de seu professor. De todo modo, mesmo com a ampla maioria dos entrevistados reconheça a importância e acredite que a disciplina de Filosofia deva estar presente no Ensino Médio, um percentual pequeno de profissionais pensa que ela realmente conquistou seu espaço no currículo escolar [C. 2.]. De todos os entrevistados, apenas 36% 299 acreditam que a disciplina está consolidada no currículo do Ensino Médio. Entre os argumentos utilizados estão: 1 - a reduzida carga horária semanal de aula, a qual, por ser pequena, já faz com que os alunos não deem atenção para a disciplina, considerando-a menos importante. Além do mais, essa situação afeta diretamente na desvalorização da disciplina, não oferecendo tempo de aula suficiente para que o docente possa desenvolver a atividade filosófica com a tranquilidade necessária para tal exercício. Como alternativa para esse problema, resgato o posicionamento59 da professora Pâmela – Mat.,que sugere que os docentes da instituição se reúnam e cada um analise a sua disciplina para saber quais conteúdos realmente são importantes e quais poderiam não ser abordados em prol da diminuição da carga horária das disciplinas que tem mais aulas semanais para o aumento das horas/aulas da disciplina de Filosofia, estendendo também às demais disciplinas que estão em situação semelhante. A fala dessa professora tem muita pertinência e resgata um problema que o professor doutor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) e do Centro Universitário Metodista (IPA-RS), Attico Chassot, alerta desde o ano de 199460, a respeito do ensino de Química na educação básica: Na minha tese de doutorado, parte da qual se fez livro, mostrei que a maioria dos conteúdos de química que ensinamos antes da universidade não serve para nada. Concordemos que essa é uma dolorosa conclusão para quem consumiu parte de sua vida ensinando essa disciplina. Nesse livro defendo que temos de selecionar uns poucos conteúdos e construir com os mesmos saberes. Permito-me exemplificar com algo da área das ciências da natureza: podemos organizar uma atividade para um extenso período apenas com discussões acerca da combustão e da fotossíntese (CHASSOT, 2013, p. 10). Mais adiante no texto, o professor Chassot cita um exemplo de como nem todos os conteúdos são realmente necessários em todos os contextos educacionais, para estarem presente no currículo da escola: Já perguntei, em mais de uma oportunidade, em auditório onde os presentes eram eminentes pesquisadores da área da química (e faço o mesmo aqui e agora, para qualquer leitor desse livro): quem já precisou um dia saber o que são isótonos, salvo para responder a alguma pergunta dessas que tesam conhecimentos inúteis em vestibular? Não sem certo 59 60 O posicionamento encontra-se presente na seção “6.1.” desta Tese. Ano em que publicou a sua Tese. 300 mal-estar, constatou-se que ninguém jamais precisou saber (e todos sabiam!) o que são isótonos. Mas as alunas e os alunos de escolas do Ensino Fundamental do interior desse Brasil sabem... Esse é um dos muitos exemplos de conhecimentos desnecessários que poderíamos amealhar com facilidade (Idem, p. 11). Entendo que esse trecho citado pode se estender, perfeitamente, para as demais disciplinas. Caberia a cada docente identificar o que é importante estudar com seus alunos e a partir daí, reestruturar a sua disciplina, de modo que embora fique com uma carga horária menor – mas, certamente, maior que 01 hora/aula –, dê espaço para que a Filosofia possa ser ampliada e consiga desenvolver o seu trabalho com melhor qualidade; 2 - A ausência de professor licenciado em Filosofia, fato que desvaloriza a disciplina, pois qualquer docente a assume para cumprir uma necessidade pessoal, ou de “mão de obra” da escola. Esse desvio de função enfraquece a disciplina, fazendo com que corra o risco de se repetir em outras instituições de ensino, como o caso da professora Patrícia que deixou de lecionar a disciplina, deixando a mesma sem docente para assumi-la, entre outras situações; 3 - A ausência de cursos de formação continuada para os docentes, pois essa ausência não contribui com a atualização dos professores, ainda mais considerando que a maioria é formada em outra área e precisaria muito de orientações voltadas para o campo filosófico. Porém, é importante salientar que os docentes com outras formações devem fazer licenciatura em Filosofia, caso desejem continuar lecionando a disciplina, para que não se corra o risco de que a formação continuada venha, equivocadamente, fazer o papel de formação inicial para esses docentes, conforme alertou Brasil (2010). 4 - Por fim, o trabalho docente realizado fora do leque filosófico influencia negativamente na conquista de espaço, na medida em que faz com que os alunos achem a aula de Filosofia tediosa, caso seja feito somente a leitura de textos de modo descontextualizado, ou atividades avaliadas em todas as aulas. Destaco ainda o fato de os estudantes pensarem que o simples debate opinativo já é algo filosófico, o que significa que não é preciso ter aula de Filosofia para se pensar filosoficamente. Todos esses destaques apontam para carências que estão presentes no currículo da disciplina de Filosofia no Ensino Médio. Essas carências necessitam ser sanadas para que a disciplina consiga uma maior valorização curricular. A 301 identificação desses problemas contribui para que seja possível visualizar onde se encontram as fragilidades que precisam ser tratadas. Se esses problemas forem resolvidos, possivelmente a Filosofia dará um “grande salto” para efetivamente conquistar seu espaço sem precisar de amparo legal para estar presente na escola. Digo isso por perceber que as instituições, na visão dos docentes de Filosofia, já apresentam boas condições de trabalho para a disciplina e isso é um ponto muito favorável para o seu fortalecimento. O ambiente de qualidade para a consolidação da disciplina no currículo está sendo construído, portanto cabe melhorar os problemas que ainda existem, para que seu espaço esteja cada vez mais garantido no Ensino Médio. Tomando o último ponto elencado para a análise, foi possível constatar que, novamente, 36% dos entrevistados acreditam que a Filosofia se mantém nos três anos do Ensino Médio, caso a lei 11.684/08 seja revogada [C. 3.]. Essa informação reforça a porcentagem apresentada na análise anterior, mostrando que a disciplina possivelmente ainda estará presente em todos os anos do Ensino Médio em função da lei. Cabe abrir um parêntese para destacar que a baixa porcentagem reflete muito a realidade da Escola Central, visto que na Periférica, mais da metade dos entrevistados acredita que ela continuará se mantendo, mesmo com a revogação da lei. Desses dados, o elemento que considero importante nos argumentos que foram apresentados é que caso a lei seja revogada, a presença da Filosofia nas escolas, dependerá da mobilização dos professores de Filosofia, juntamente com a comunidade escolar, para mostrar que a disciplina realmente é necessária para o currículo do Ensino Médio e que deve se manter em todos os anos. Se esse trabalho de luta ocorrer, possivelmente a disciplina se mantenha. De qualquer modo, é importante que a lei assegure a presença da Filosofia até que essa consiga conquistar os espaços que ainda estão abertos dentro do currículo escolar. Analisando essa última grande categoria, entendo que o baixo percentual de professores que contemplaram as respostas dos itens [C. 2] e [C. 3] não diz respeito à relevância da disciplina para o currículo, mas aponta para as dificuldades que são encontradas pela escola para que a disciplina possa ser implementada com a qualidade necessária dentro do Ensino Médio. Em suma, com base no presente estudo de caso e analisando todo o quadro 10, em conjunto com as referências estudadas ao longo do estado da questão, concluo que a disciplina de Filosofia é 302 relevante para o currículo do Ensino Médio, na medida em que preenche uma lacuna que existia na escola no que diz respeito à formação (pessoal, social, política etc.) dos estudantes, permitindo que os mesmos tenham conhecimento a respeito dos saberes filosóficos que fazem parte do desenvolvimento histórico da humanidade, desenvolvimento esse que continua sendo construído e que acompanhará sempre o ser humano, enquanto esse existir. Nesse sentido, entendo que o contato com a Filosofia oferece o espaço para que os alunos se envolvam com as atividades relacionadas ao leque filosófico e possam se iniciar na prática da Filosofia desde a adolescência, o que será muito salutar para o desenvolvimento de suas autonomias. Além disso, constatou-se que a maior parte dos entrevistados considera importante que ela esteja presente dentro do currículo desse nível de ensino. Dessa forma, percebo que é necessária e relevante a presença da Filosofia no currículo do Ensino Médio brasileiro. De todo modo, a constatação da efetiva relevância da Filosofia não significa ignorar que certos pontos ainda precisam ser melhorados. Esse aprimoramento implica a aproximação cada vez maior do leque filosófico, evitando que a visão “senso comum de Filosofia” – que é antifilosófica – continue a se perpetuar no pensamento das pessoas. Vislumbrando esse aperfeiçoamento curricular da disciplina, apresento mais oito constatações que percebo que necessitam ser explanadas, além daquelas que já foram expostas ao longo dessas considerações finais: A) A presença do Ensino Médio politécnico: embora o Ensino Médio da rede estadual do Estado do Rio Grande do Sul esteja sendo implementado como politécnico, percebo que não houve mudanças substanciais que afetassem diretamente o currículo da disciplina de Filosofia, dado que esse novo modelo curricular ainda é muito recente e está no seu segundo ano de implantação. Nesse sentido, foi possível constatar que a disciplina de Filosofia apresenta pouca relação dialógica com as demais disciplinas e pouca participação nos projetos do Seminário Integrado, visto que a maior parte dos docentes que a lecionam não compreendeu ainda de que modo poderá se dar a sua participação. Dessa forma, entendo que os dados aqui apresentados servem de base para que se possa traçar uma análise em âmbito nacional, visto que o currículo da disciplina de Filosofia continua sendo o mesmo que era após a implantação da lei de 2008 e antes do Ensino Médio ser politécnico. 303 B) Não utilização da biblioteca pelos estudantes: pelas respostas dos alunos constatei que eles não utilizam a biblioteca para a consulta de materiais referentes à Filosofia. Suas fontes de informação centram-se no livro didático e na internet. Penso que seria importante uma mudança de postura, de modo que os alunos pudessem desenvolver o hábito de fazer pesquisas também na biblioteca. Pude observar que na Escola Central existem bons livros que podem contribuir com a formação dos estudantes, constatação essa que não acontece na Escola Periférica. Caberia aos docentes das escolas solicitar à direção novos livros dessa temática, conhecer todos os livros que estão disponíveis no acervo e desenvolver atividades de pesquisa, incentivando os estudantes a consultar esses materiais. Embora a internet seja uma riquíssima fonte de informações, há livros que não são encontrados em sites e que existem apenas na biblioteca, com acesso gratuito para que os alunos possam pesquisar. C) Livro didático como manual norteador da disciplina: a utilização do livro didático contribui para o desenvolvimento do trabalho filosófico, mas é importante que as aulas não tenham somente ele como fonte de consulta. O livro didático deve ser uma ferramenta que auxilia teoricamente o docente e os alunos na abordagem dos conteúdos, juntamente com outros materiais de estudo como revistas, artigos acadêmicos, jornais, textos filosóficos e vídeos, entre outros. Se as aulas estiverem centradas somente no livro, corre-se o risco de esse material guiar o andamento da aula, sem levar em consideração o contexto dos estudantes. No desvendar desse contexto, caberá ao professor o papel de desenvolver essa investigação e de verificar quais assuntos da atualidade podem fazer sentido para os alunos, promovendo o início de uma problematização filosófica, a qual contará com o auxílio do livro didático e de outros meios que levem a turma em direção ao âmbito de discussão do leque filosófico. D) Leitura de textos filosóficos: Considero essa atividade uma das mais importantes no trabalho docente, na medida em que permite a aproximação e o contato dos alunos com a linguagem filosófica que foi e está sendo construída pelos próprios filósofos ao longo da história. Mesmo sabendo que o desenvolvimento desse trabalho é complexo e delicado, cabe ao docente familiarizar-se, primeiramente, com os textos dos filósofos para, posteriormente, estabelecer a relação entre os assuntos que estão sendo debatidos em aula com o texto específico de algum dos autores. O trabalho poderá ser feito com obras inteiras, ou 304 capítulos de livros, ou pequenos fragmentos de textos. Caberá ao docente avaliar o nível de interesse da turma e a possibilidade de desenvolver esse trabalho. Como sugestão para o início dessa atividade, indico duas referências – as quais estão disponíveis gratuitamente na internet – que podem auxiliar na inserção do trabalho com textos filosóficos: a primeira refere-se à obra Antologia de textos filosóficos (MARÇAL, 2009). Essa obra é composta de vinte e dois textos ou excertos de textos de filósofos clássicos e um texto de filósofo brasileiro, escolhidos por sua relevância para os estudantes do nível médio. Os textos selecionados são precedidos por introduções redigidas por professores universitários especialistas nos filósofos escolhidos. Essas introduções apresentam três componentes. O primeiro componente traz conteúdos de cunho biográfico, histórico e bibliográfico dos filósofos. O segundo trata das possibilidades de interpretação e problematização dos textos, em função das exigências e expectativas do ensino de Filosofia no nível médio. O terceiro apresenta indicações de leituras das principais obras dos filósofos, traduzidas para a língua portuguesa, bem como os principais comentadores e eventuais sites qualificados. A Antologia também disponibiliza aos leitores um índice remissivo com os principais conceitos, filósofos, termos e correntes filosóficas (MARÇAL, 2009, p. 9). Através desse material o docente poderá escolher qual dos textos deseja trabalhar e iniciar o processo de inserção dos alunos na leitura desses escritos. Penso que a partir dessa obra os alunos poderão se familiarizar com a Filosofia, entendendo como funciona o processo de construção argumentativa e teórica das variadas filosofias, de acordo com a característica de cada filósofo. Esse processo possibilitará que o aluno tome gosto pelo estudo da Filosofia, de modo a fazer sentido para sua vida, ao relacionar esse estudo com a sua realidade. A segunda referência é a da coleção Traduzindo: textos filosóficos na sala de aula (KUHN, 2012; MELEBRANCHE, 2011; BERKELEY, 2012). Essa coleção é composta por três livros, os quais são, em sua maioria, resultados do trabalho desenvolvido nas Oficinas de Tradução, uma iniciativa da coordenação da graduação em filosofia da UFPR, integrada ao PIBID e motivada pela publicação da Antologia de Textos Filosóficos pela Secretaria de Educação do Essado do Paraná, em 2010. Participam das Oficinas estudantes de graduação e de pósgraduação, além de professores do Ensino Médio e do ensino superior. Os textos trabalhados nas Oficinas são criteriosamente selecionados em vista de sua viabilidade como material didático ou de apoio às aulas de filosofia no Ensino Médio. Assim, nenhuma restrição se faz quanto ao período da publicação original do texto ou à orientação filosófica com a qual eventualmente ele se alinha. A principal exigência é, por assim dizer, que haja detrás de cada texto escolhido uma aula de filosofia (KUHN, 2012; MELEBRANCHE, 2011; BERKELEY, 2012, contra capa). 305 Essas três obras, traduzidas em uma linguagem que busca ser acessível aos alunos do Ensino Médio, trazem textos filosóficos que poderão ser lidos, estudados e debatidos na sala de aula, sendo mais uma forma de aproximação do contato dos estudantes com as obras filosóficas. Os professores de Filosofia podem consultar esses materiais e ver quais desses poderão fazer parte de suas aulas na atividade de leitura dos textos escritos pelos filósofos da tradição. E) A presença de conteúdos de Filosofia no ENEM: é possível perceber claramente a influência que o ENEM tem sobre o Ensino Médio, em especial na regulação curricular, apontando quais conteúdos devem ser trabalhados na escola para que seus alunos saiam bem no exame e para que a escola fique com uma boa pontuação em nível nacional. Outro aspecto não menos importante é a sua utilização como processo seletivo para ingresso no ensino superior. Em certa medida, existe uma grande valorização das disciplinas que dispõem de conteúdos que serão cobrados nessa prova, porém esse tipo de avaliação carrega consigo uma forte tendência conteudista, na qual os alunos têm que compreender os conteúdos por si mesmos, sem necessariamente ter algum significado suas vidas. O problema relativo ao modo de ensino conteudista ou enciclopédico não é novo, dado que no século XIX já era possível constatar alguma crítica a esse modo de ensino. No período histórico relatado, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche faz um alerta importante. Em Schopenhauer como Educador, ele denunciou o ensino de Filosofia na escola média alemã de sua época, e também o ensino dessa disciplina nos primeiros anos dos cursos universitários, como o exercício de um desprezo pela Filosofia. Segundo Nietzsche, o Estado alemão havia investido na Filosofia décadas atrás, por exemplo, na época de Hegel, quando precisava de suporte para sua consolidação. Mas, no final do século XIX, já consolidado, ensinava-se uma Filosofia completamente afastada da vida dos jovens estudantes. O ensino criticado por Nietzsche era um ensino "enciclopédico": os jovens aprendiam uma série de sistemas filosóficos, seus princípios doutrinários e as críticas a esses sistemas. E depois tinham que fazer uma prova em que demonstrassem o aprendizado. Segundo o filósofo, o resultado era que os estudantes decoravam os sistemas e suas refutações às vésperas do exame, faziam a prova e esqueciam tudo em seguida. Esse era o desprezo pela Filosofia: algo que se decora para passar num exame e esquecer em seguida (GALLO, 2011b, s/p). Embora as questões do ENEM tenham um cunho interpretativo, auxiliando os alunos com fragmentos de textos antes de realizar a pergunta em si, penso que a disciplina de Filosofia deve ter um maior espaço de mobilidade curricular, permitindo 306 que ao longo dos anos letivos os docentes possam construir suas aulas a partir de situações que envolvem os seus cotidianos e que instigam o filosofar. O ENEM, por ter questões objetivas, limita o processo reflexivo-filosófico e retira o sentido da Filosofia, tornando o conteúdo apenas algo que será utilizado para pontuação na prova. Nesse sentido, mesmo com a Filosofia estando presente nesse exame, é importante que os docentes de Filosofia construam o currículo de sua disciplina desvencilhado dessa prova, a fim de que seu estudo não se torne antifilosófico e nem fique limitado àquilo que será exigido na avaliação. F) Oferta de mais cursos de Licenciatura em Filosofia: essa é uma necessidade que acompanha a obrigatoriedade da lei. Como a demanda por profissionais habilitados é grande, cabe às Universidades ou às Faculdades criarem cursos de Licenciatura em Filosofia para formar profissionais, ou, inclusive, permitir que profissionais de outras áreas possam fazer o curso e também se habilitar para a respectiva disciplina. É importante deixar claro a visão de que o ato de licenciar-se em Filosofia não garante um trabalho de qualidade, mas de qualquer modo, o curso de Filosofia em si oferece melhores condições de estudo do que os cursos voltados às outras áreas de formação. G) Projetos de extensão voltados à formação dos docentes de Filosofia: diante a grande quantidade de profissionais que lecionam Filosofia, seja com ou sem habilitação, e com um baixo salário61 – o que possivelmente impede esse profissional de participar de eventos em outras cidades –, percebo como sendo papel do Governo Estadual e das Universidades ofertarem projetos de extensão relacionados à Filosofia. Esses projetos, que poderão ser oferecidos em vários municípios, serão espaços de encontro entre os docentes, os quais poderão compartilhar experiências e debater com profissionais da academia a respeito dos assuntos que são referentes à sua própria disciplina. Dentre as atividades de extensão, poderiam ser realizados Congressos, Seminários, Colóquios, Oficinas, Cursos de Aperfeiçoamento, Minicursos e Ciclos de Estudo, entre outras atividades. No âmbito do compromisso universitário, a atividade extensionista se relaciona à pesquisa, tornando-se relevante para a produção do conhecimento, porque essa produção deve ter como referência objetiva os 61 De acordo com o “anexo 6” do edital de concurso público número 01/2013 para o cargo de professor do magistério estadual do Rio Grande do Sul, o vencimento básico inicial do professor que possui graduação é de R$ 903,76 para 20 horas semanais, e o que possui pós-graduação (seja ela especialização, mestrado ou doutorado) o vencimento inicial é de R$ 977,04 (FDRH/RS, 2013c). 307 problemas reais e concretos que tenham a ver com a vida da sociedade envolvente. A relevância temática dos objetos de pesquisa é dada pela significação social dos mesmos. É o que garante que a pesquisa não seja desinteressada ou neutra... Por sinal, a prática da extensão deve funcionar como cordão umbilical entre a Sociedade e a Universidade, impedindo que a pesquisa prevaleça sobre as outras funções, como função isolada e altaneira na sua proeminência (SEVERINO, 2013, p. 33). Nesse sentido, a presente pesquisa contribui alertando para a necessidade de oferta de cursos de extensão que atendam a demanda referente à docência da Filosofia no Ensino Médio. A ausência da extensão desvaloriza o trabalho filosófico nas escolas, pois desmotiva os docentes a buscar um aperfeiçoamento maior, visto que os mesmos não encontram promoções de atividades desse nível para se inscrever. Além do mais, os docentes que não possuem habilitação terminam por desenvolver a Filosofia com base na sua intuição pessoal e com isso ficam sem saber o rumo que deverão dar para as suas aulas, tomando o livro didático como um manual-guia para o desenvolvimento da disciplina ao longo do ano letivo, postura essa que afasta fortemente a disciplina do âmbito do leque filosófico. H) Construção da sala temática de Filosofia: essa é uma das demandas que permeou a resposta das três instâncias de entrevistados, contemplando a fala da supervisora da Escola Central, de uma aluna e de um professor da Escola Periférica. Entendo que a criação dessa sala gera um custo financeiro elevado, visto que será preciso criar uma nova estrutura física para comportar os materiais que serão recebidos, bem como os alunos que participarão da mesma. Por outro lado, percebo que esse projeto já está no “plano das ideias” de parte da comunidade escolar, o que significa que foi dado início para se pensar na possibilidade de construção desse projeto. Acredito que se essa sala temática for concretizada, haverá mais espaço para o docente realizar suas aulas, ou utilizá-la como um ambiente paralelo. No novo ambiente estará disponibilizada toda a estrutura que a escola terá a respeito da Filosofia, oferecendo um local acolhedor e didático, de modo que as pessoas que adentrarem no ambiente poderão se sentir mais próximas à Filosofia, despertando o desejo de conhecê-la cada vez mais. Contemplando todas essas constatações, percebo que a Filosofia está no caminho de se consolidar efetivamente no currículo escolar do Ensino Médio, tendo, inclusive, possibilidade de se estender para o Ensino Fundamental. Esse processo de consolidação exige uma busca contínua pela conquista de espaços que ainda precisam ser ocupados, para que a Filosofia seja devidamente respeitada por toda a 308 comunidade escolar. Nesse sentido, imagino que estou diante de um “quebra cabeça” curricular da disciplina de Filosofia. Explico: na atividade lúdica original do “quebra cabeça”, o jogador tem diante de si uma paisagem fragmentada em inúmeras peças que estão misturadas e que precisam ser unidas em seu respectivo espaço para que em conjunto formem a imagem completa da paisagem. De modo semelhante – e pensando novamente em forma de analogia – me permito pensar que no ano de 2008 o Governo Federal aprovou a lei 11.684/08, a qual lançou esse “quebra cabeça” para que as escolas tivessem que montar. De lá para cá, dentro de suas possibilidades, as instituições de ensino foram organizando seus currículos para inserir a disciplina de Filosofia no Ensino Médio. As peças do quebra cabeça foram se encaixando aos poucos. Algumas escolas colocaram três peças de uma vez, inserindo a Filosofia diretamente nos três anos, outras colocaram uma peça por ano, incluindo vagarosamente em cada ano letivo a disciplina de Filosofia. Mas como um jogo verdadeiro que contém um maior grau de dificuldade, o quebra cabeça não se contenta somente com a montagem de três peças. É preciso saber onde se colocam as demais. Diante disso as instituições foram encaixando as demais peças: encontraram o espaço de 01 hora/aula em cada um dos anos; colocaram professores sem habilitação para lecionar e adquiriram livros da área filosófica, entre outras providências. No decorrer dessa atividade, a escola encaixou algumas peças erradas, sendo preciso retirar as que estão equivocadas e que não fazem parte da respectiva imagem62 para substituir pelas corretas. Nesse processo, vai se constituindo o currículo escolar da disciplina de Filosofia. Obviamente, o quebra cabeça curricular é mais complexo que o jogo material. No currículo, a “paisagem” não tem uma estrutura universal, visto que poderá ter algumas variações de acordo com cada contexto do território brasileiro. Porém, existem certas peças que são comuns à paisagem de todos os “quebra cabeças” curriculares de Filosofia e, nesse sentido, necessitam ser encaixadas para que a disciplina consiga fortalecer sua presença dentro da educação escolar. Pensando nisso, elaborei, na figura a seguir, a imagem do “quebra cabeça” curricular que permitirá compreender um pouco mais a disciplina de Filosofia no Ensino Médio. 62 Exemplo de peças colocadas de modo errado: docentes sem habilitação lecionando Filosofia; ensino conteudista; metodologia de aula baseada no debate de opiniões; carga horária semanal de 01 hora/aula etc. 309 Nesse modelo, será possível constatar que algumas peças já estão encaixadas, demonstrando que parte do currículo está construída. É possível ver, também, que algumas peças estão fora desse quebra cabeça, à procura de seu devido lugar. Entre essas estão o aumento da carga horária semanal de aula, as aulas voltadas para o leque filosófico e a realização de atividades avaliativas variadas, entre outras. Na medida em que essas peças encontram o seu espaço no currículo, a disciplina de Filosofia consegue se consolidar melhor e preencher a lacuna que estava faltando na escola na sua ausência. Fig. 3 – O “quebra cabeça” curricular para o aperfeiçoamento da disciplina de Filosofia no Ensino Médio 63 A montagem desse quebra cabeça deve ser feita de modo dialogado, inserindo as “peças” aos poucos e retirando as que foram colocadas de modo equivocado. É um processo lento e que necessita ser conquistado para que o aprimoramento da disciplina de Filosofia possa ocorrer. Nota-se que esse compromisso não é só da escola, mas o Governo Estadual, e as Universidades 310 também têm papel importante na construção desse quebra cabeça. Como esta Tese não contempla todas as possibilidades curriculares da Filosofia em nível nacional, visto que cada Estado e cada Município do país têm as suas peculiaridades, existem as peças que são “reticências” e que representam outras necessidades que precisam ser supridas e que não foram abordadas neste escrito. É importante destacar que algumas das peças que aqui não foram encaixadas, em outras realidades escolares já podem ter sido completadas, não precisando ser inseridas64. Posto isso, encaminho-me para o encerramento desta Tese, na expectativa de que este trabalho possa contribuir com as problematizações a respeito da presença da Filosofia no currículo do Ensino Médio brasileiro. Constatei que ao mesmo tempo em que a disciplina está presente nos três anos do Ensino Médio por causa da lei, a conquista efetiva de seu espaço no currículo ainda está em processo de construção. Acredito que se as conquistas que precisam ser alcançadas forem atingidas com êxito, possivelmente a Filosofia terá a sua presença assegurada de modo autônomo, sem a necessidade do amparo legal, o qual ainda é necessário no presente momento. Quando essa conquista de espaço ocorrer, a disciplina de Filosofia poderá se desenvolver com tranquilidade e liberdade no currículo escolar, cumprindo com o seu papel de relevância e oferecendo um espaço para que a reflexão filosófica, a criação de conceitos ou outra atividade voltada para o leque filosófico possa se estender aos demais seres humanos que, na condição de alunos, terão o seu primeiro contato com a Filosofia sem necessariamente desejarem ser filósofos por profissão. 63 O site que contém a imagem original do quebra cabeça é: http://www.blogadao.com/imagens/2010/11/quebra-cabeca-jogo-online.jpg 64 Trago como exemplo o município de Pelotas-RS que possui duas Universidades que oferecem cursos de Licenciatura em Filosofia. No caso, a peça de número 9. já foi encaixada em seu espaço correto no quebra cabeça, não necessitando mais encontrar o seu espaço no jogo. 311 REFERÊNCIAS ALVES, Dalton José. 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Escola da região periférica ( ) 323 APÊNDICE B UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORANDO: JORGE DA CUNHA DUTRA Roteiro de entrevista: discentes Dados Pessoais Nome: __________________________________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Escola: __________________________________ Região/Bairro: ____________ Série: _____________ Idade: _____________ Entrevista: 1. O que entendes por Filosofia? 2. O que vocês aprendem em Filosofia? 3. Consideras essa disciplina importante para tua vida? Por quê? 4. Achas que ela deveria estar presente no currículo da escola? Por quê? 5. Se a disciplina de Filosofia fosse optativa (se não fosses obrigado a cursá-la), ficarias em sala de aula? Por quê? 6. Acreditas que o tempo semanal de aula é suficiente para o/a professor/a desenvolver o seu trabalho com a disciplina? Por quê? 7. No teu ver, o que a turma acha da disciplina de Filosofia? Considera importante? Desnecessária? 8. Que sugestões tu darias para melhorar o ensino dessa disciplina, caso consideres que precisa ser melhorado? 9. Gostarias de abordar alguma questão que não mencionei aqui e que consideras importante ou sugerir algo referente ao currículo de Filosofia? 324 APÊNDICE C UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORANDO: JORGE DA CUNHA DUTRA Roteiro de entrevista: docentes de outras áreas Dados Pessoais Nome: __________________________________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Escola: __________________________________ Região/Bairro: ____________ Formação: __________________________________________________________ Possui Pós-Grad.? ( ) SIM ( ) NÃO. Nível e área?________________________ Área do Conhecimento em que atua / Disciplina: _________________________ ___________________________________________________________________ Lecionas em quais séries do Ensino Médio? ( ) 1° ano ( ) 2° ano ( ) 3° ano Em quantas turmas lecionas? 1° - ________; 2° - _________; 3° - ____________ Carga horária semanal: 1° - ________; 2° - _________; 3° - ____________ Entrevista: 1. O que pensas sobre a obrigatoriedade do ensino de Filosofia nos três anos do Ensino Médio? 2. Acreditas que a disciplina de Filosofia tem alguma importância? Qual? 3. Consideras que a carga horária semanal da disciplina de Filosofia aqui da escola é suficiente para que o docente possa desenvolver um trabalho adequado com a disciplina? Por quê? 4. Consideras que a Filosofia realmente ganhou espaço e reconhecimento no currículo escolar, ou foi apenas implementada por obrigação legal? Por quê? 5. Acreditas que a Filosofia tem condições de se manter enquanto disciplina nos três anos do Ensino Médio, caso a lei 11.684/08 seja revogada? Por quê? 6. Gostarias de abordar alguma questão que não mencionei aqui e que consideras importante ou sugerir algo referente ao currículo de Filosofia? 325 APÊNDICE D UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORANDO: JORGE DA CUNHA DUTRA Roteiro de entrevista: docentes de Filosofia Dados Pessoais Nome: __________________________________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Escola: __________________________________ Região/Bairro: ____________ Formação: _________________________________________________________ Possui Pós-Grad.? ( ) SIM ( ) NÃO. Nível e área?_________________________ Lecionas em quais séries do Ensino Médio? ( ) 1° ano ( ) 2° ano ( ) 3° ano Em quantas turmas lecionas? 1° - ________; 2° - _________; 3° - ____________ Carga horária semanal: 1° - ________; 2° - _________; 3° - ____________ Lecionas outras disciplinas? __________ Quais: ___________________________ ___________________________________________________________________ Entrevista: 1.a. (se docente de outra formação) Por que lecionas Filosofia? 1.b. O que pensas sobre a obrigatoriedade do ensino de Filosofia nos três anos do Ensino Médio? 2. Qual é o papel do professor de Filosofia, na tua visão? 3. A implementação do Ensino Médio Politécnico interfere na organização curricular da disciplina? Onde a Filosofia entra nos projetos integrados? 4. Consideras que a carga horária semanal da disciplina de Filosofia, aqui da escola, é suficiente para que possas desenvolver um trabalho adequado com a necessidade da disciplina? Por quê? 5. Como ocorre a distribuição da carga horária da Filosofia entre os anos? O docente da disciplina tem voz na distribuição? 6. Que metodologia de ensino tu utilizas nas tuas aulas? 7. Como ocorre a avaliação dos alunos na disciplina? 326 8. Como analisas a visão dos teus colegas de outras áreas a respeito da Filosofia? 9. Como selecionas os conteúdos que serão trabalhados em aula? 10. Que livros ou materiais tu utilizas como referência teórica, caso utilizes algum? 11. Consideras que a Filosofia realmente ganhou espaço e reconhecimento no currículo escolar, ou foi apenas implementada por obrigação legal? 12. Trabalhas a partir de alguma perspectiva teórica da Filosofia? Se sim, qual? 13. A escola oferece recursos para se trabalhar com a Filosofia (biblioteca com qualidade, sala específica para a área do conhecimento, etc.)? 14. Trabalhas com textos escritos por filósofos da tradição? 15. Fizesse formação continuada na área da Filosofia? Como foi? 16. A 18ª CRE passou algumas orientações para trabalhar com a Filosofia? Se sim, quais? 17. Acreditas que a Filosofia tem condições de se manter enquanto disciplina nos três anos do Ensino Médio, caso a lei 11.684/08 seja revogada? Por quê? 18. Gostarias de abordar alguma questão que não mencionei aqui e que consideras importante ou sugerir algo referente ao currículo de Filosofia? 327 APÊNDICE E UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORANDO: JORGE DA CUNHA DUTRA Roteiro de entrevista: supervisora educacional Dados Pessoais Nome: __________________________________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Escola: __________________________________ Região/Bairro: ____________ Formação: _________________________________________________________ Possui Pós-Grad.? ( ) SIM ( ) NÃO. Nível e área?_________________________ Atuas há quanto tempo na supervisão? __________________________________ Entrevista: 1. O que pensas sobre a obrigatoriedade do ensino de Filosofia nos três anos do Ensino Médio? 2. Como se deu a implantação da disciplina de Filosofia na escola, a partir da lei de 2008? 3. Acreditas que a disciplina de Filosofia tem alguma importância? Qual? 4. Consideras que a carga horária semanal da disciplina de Filosofia, aqui da escola, é suficiente para que o/as professor/a de Filosofia possa desenvolver um trabalho adequado com a necessidade da disciplina? Por quê? 5. Como avalias o ensino de Filosofia da escola (a partir do contato que tens com o docente da disciplina, com os docentes das outras áreas e com os alunos)? 6. A escola estimula a participação dos docentes em atividades de formação continuada? De que modo? Teve alguma voltada para o ensino de Filosofia? 7. Consideras que a Filosofia realmente ganhou espaço e reconhecimento no currículo escolar, ou foi apenas implementada por obrigação legal? Por quê? 8. A escola oferece recursos para se trabalhar com a Filosofia (biblioteca com qualidade, sala específica para a área do conhecimento, etc.)? 9. A 18ª CRE passou algumas orientações para a escola para se trabalhar com a Filosofia? Se sim, quais? 10. Acreditas que a Filosofia tem condições de se manter enquanto disciplina nos três anos do Ensino Médio, caso a lei 11.684/08 seja revogada? Por quê? 11. Gostarias de abordar alguma questão que não mencionei aqui ou sugerir algo referente ao currículo de Filosofia? 328 APÊNDICE F UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORANDO: JORGE DA CUNHA DUTRA Termo de autorização para divulgação da entrevista Por meio deste, autorizo a divulgação, para qualquer fim acadêmico e/ou educativo, das gravações, transcrições e conteúdos da entrevista concedida por mim ao doutorando Jorge da Cunha Dutra, ciente de que a minha identidade será preservada. Rio Grande, _____ de _____________________ de 2013. ____________________________________ Assinatura do Entrevistado Nome completo do entrevistado: ______________________________________ ___________________________________ Drando. Jorge da Cunha Dutra Assinatura do Entrevistador 329 Anexo 330 ANEXO Trabalho entregue pelos alunos do 1º ano da Escola Central