LITERATURA INFANTO-JUVENIL E SEU USO LÚDICO TERAPÊUTICO COM CRIANÇAS COM CÃNCER Hélio Monteiro Junior1, Lucinalva Macedo2 FACULDADE FRASSINETTI DO RECIFE - FAFIRE 1Especialista em Literatura Infanto-Juvenil - FAFIRE, Bibliotecário do Serviço de Oncologia Pediátrica CEHOPE/IMIP 2Doutoranda em Educação - UFPE, Mestre em Educação Contato: Rua Cons. Furtado, 89 Afogados Recife/PE 50820-480 Fone: 81-3428-9561, 87159561, [email protected] INTRODUÇÃO O câncer infantil é uma doença grave, mas potencialmente curável se diagnosticado precocemente e tratado corretamente com o uso, isolado ou combinado, dependendo do caso, da cirurgia, quimioterapia, radioterapia, transplante de medula óssea ou, ainda, através da imunoterapia (estímulo do sistema imunológico) (NUCCI, 2002; SANTOS, 2002); ou seja, não é uma sentença de morte se identificado cedo, tornando maiores as chances de cura. Além das dificuldades que a própria doença traz, as condições de hospitalização podem afetar a totalidade da criança de forma que o seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual fique comprometido (CHIATTONE apud SIQUEIRA; EMMEL, 2001). A hospitalização, como pode ser observado, compromete o desenvolvimento normal da criança com câncer, devido à quebra de sua rotina anterior e o processo de adaptação a nova realidade (rotina hospitalar: exames, horários, visitas, etc.), gerando alterações físicas e mentais. Dependendo da idade da criança, da forma dos pais enfrentarem a internação e da acolhida da equipe, as crianças podem apresentar reações que vão desde choro, birra, recusa a permanecer no hospital, sentimento de abandono e culpa, até distúrbios de comportamento, de sono, regressão esfincteriana, estados depressivos, medo e ansiedade. (AJURIAGUERRA, LICAMELE; GOLDBERG, PANELLI; KUDO, ROSSIT; KOVACS apud SIQUEIRA; EMMEL, 2001). Dentro de um hospital, a criança precisa de tempo para se ambientar, entender o que está acontecendo e o que está por vir. Percebe-se que muitas dessas crianças misturam realidade e fantasia e é aí que se identifica a importância da humanização do profissional de saúde, tornando-se um educador e utilizando recursos lúdicos para os esclarecimentos dos procedimentos médicos. Como mediadora desse grupo, surge uma das mais antigas práticas terapêuticas, a leitura. “Ler é um engajamento existencial que deve ser despertado no indivíduo desde muito cedo, no início de sua trajetória humana. Por isso, tem de acontecer pelo viés do lúdico, do prazer, da brincadeira gostosa, na qual se vai jogando com todos os fantasmas do inconsciente.” (CAVALCANTI, 2003, p.18). Podemos então afirmar que a leitura faz bem e, o principal, não tem contra-indicações. Nestas perspectivas, compreendemos a Literatura Infanto-Juvenil como uma possibilidade de formação, na qual o conhecimento é sistematizado com crianças em tratamento oncológico, em espaço hospitalar, ou seja, não formal, com uma proposta pedagógica voltada para atividades que possibilite a esse público, assimilar valores, comportamentos, sociabilidade entre outros aspectos. Dessa forma, analisamos a contribuição lúdico-terapêutica da Literatura Infanto-Juvenil junto a crianças com câncer, através da atuação de profissionais de saúde no papel de promotores do entretenimento e da informação educacional, procurando minimizar os problemas causados pelo tratamento. Além da história, da brincadeira, o educador leva para a criança e para sua família uma mensagem de aconchego e solidariedade, oferecendo fantasia e emoção em troca do primeiro sorriso e do olhar curioso, ou seja, entreter e levar informação educacional, e não viver a dor do outro. Deixamos claro que as principais vantagens da leitura encontram-se no prazer da narratividade, na possibilidade do texto fruir a catarse de conflitos, emoções e até da agressividade. Um bom livro de histórias pode levar as crianças frágeis e indefesas com câncer a expressarem uma força suficiente para matar bruxas, ludibriar gigantes, derrotar dragões e até mesmo conquistar um príncipe ou uma princesa; ou seja, a leitura de histórias ajuda a reconhecer possibilidades e ainda possibilitar a esses, descobrir e vivenciar sua própria situação de vida. Assim, sugerimos que o uso da literatura infanto-juvenil no tratamento de crianças com câncer representa uma fonte amenizadora dos distúrbios apresentados anteriormente e que podem nutrir a capacidade de aprendizado emocional e intelectual dessas crianças através do simples ato do brincar terapêutico. Essas idéias são contempladas por Busatto (2003, p.17) quando informa que os povos orientais acreditavam que os contos orais indicavam condutas, resgatavam valores e até curavam doenças. “Eles acreditavam no poder curativo do conto, e, em muitas situações, o remédio indicado era ouvir um conto e meditar sobre ele.” Nesses parâmetros, a literatura infanto-juvenil apresenta-se como um elemento rico e variado para vivenciar as questões relacionadas com o adoecimento e internação na infância. Partindo desse pressuposto, a implantação desse tipo de literatura, no ambiente hospitalar é importante para que a criança se aproprie de sua doença e não torne este momento um paralisador de sua vida e, principalmente, do seu processo de aprendizagem, e que possa entender o que está acontecendo com ela da melhor maneira possível. Segundo Coelho (2002, p. 46), “há uma variedade enorme de tipos de literatura, em que as duas intenções (divertir e ensinar) estão sempre presentes, embora em doses diferentes.” Essa idéia é confirmada por Gouveia (2003, p. 42) quando afirma que “contar histórias, além de entreter, é educar e, no caso das crianças internadas em um hospital, é esclarecer, explicar, reanimar.” Visualizamos que o recurso lúdico-terapêutico em hospitais, utilizada pelo educador, propicia momentos agradáveis de prazer e alegria no contato com um mundo mágico, ajudando as crianças hospitalizadas com câncer a realizarem uma ponte entre esse contexto mágico e a realidade que enfrentam. Para a criança, o professor é um referencial significativo, na medida em que apresenta bases comparativas sociais e intelectuais. Ele continua sendo o principal mediador entre quem aprende e o que deve ser aprendido, planejando experiências de aprendizagem expressivas para os alunos (NUCCI, 2002, p. 54). Nesse caso particular, os educadores que atuam na oncologia, conscientes de que a informação/leitura pode contribuir no processo educacional devem ter um perfil motivador, mas sem imposição; como afirma Cunha (1994, p.57) “nenhuma criança deve ser obrigada a participar de nada; se ela quiser ficar parada, é um direito que ela tem.” No entanto, é papel do educador estimular a interatividade da criança com o meio ao qual ela está inserida, proporcionando, apesar do direito que assiste de não participar da atividade, momentos mais alegres e de harmonia. Em qualquer relação pedagógica, o educando necessita da ajuda do educador, porém isso não significa que este profissional deva anular a sua criatividade e a sua responsabilidade na construção de sua linguagem escrita e na leitura desta linguagem. (FREIRE, 1999, p. 19). Nessas perspectivas, desenvolver uma prática que ofereça a leitura como um elemento indispensável para ajudar no momento de vida e no ajustamento biopsicosocial do grupo em questão possibilitará ao educador oferecer condições preparatórias para o desenvolvimento do prazer de ler e do ensinar a enfrentar momentos difíceis de vida, utilizando a literatura infanto-juvenil como recurso lúdico terapêutico. Devemos salientar que a escolha dos livros é um capítulo à parte para o educador nesse processo; “crianças enfermas requerem todo o bom senso na escolha: histórias divertidas, curtas...” (COELHO, 1986, P.20). A alusão ao problema que as aflige deve ser abordado ludicamente, fazendo-a perceber da gravidade do seu problema sem trazer mais traumas. A escolha da história é a chave mágica e tem uma importante função no processo narrativo, apesar desse processo narrativo não seguir predeterminações, pois dependerá de como a criança se encontra. Além dessas dicas, vale ressaltar a mais importante delas: gostar de histórias, de muitas histórias e agregar essas como motivação para acolher aquele que precisa de alimento para o espírito, de um momento em que é permitido sonhar. Assim, como afirmou Fernando Pessoa apud Colasanti (2004, p.213), “existem diversas formas de sonhar, a melhor de começar a sonhar é através dos livros”. E o livro, no caso, o infantil, suscita na criança, e por que não no adulto, o imaginário. É ouvindo histórias que se pode sentir emoções importantes e viver profundamente, com toda a amplitude. O que achamos mais importante é frisar: Cada um fazendo sua parte, o médico tratando aquele corpinho frágil e os educadores ajudando para que esse tratamento, longo e doloroso, seja mais suave e lúdico. MATERIAL E MÉTODOS O projeto de pesquisa foi do tipo descritivo, com abordagem qualitativa, tendo como área de estudo o Serviço de Oncologia Pediátrica do CEHOPE / IMIP, caracterizado como um serviço ambulatorial e de internamento, respectivamente, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), que assiste a crianças e adolescentes com diagnóstico de neoplasias malignas. A equipe multidisciplinar é composta por médicos, enfermeiras, auxiliares de enfermagem, psicólogas, assistentes sociais, terapeuta ocupacional, e bibliotecário, compondo um quadro de aproximadamente 50 profissionais de Nível Superior. Foram Realizadas atividades em grupo, utilizando histórias infantis e material didático sobre o câncer e seu tratamento, as mesmas tinham início e término no mesmo dia, evitando causar ansiedade nas crianças e aplicação de questionários junto as crianças em tratamento e profissionais de saúde, totalizando 83 pesquisados. Essas técnicas foram apoiadas na escuta sensível dos depoimentos; observação direta, com o intuito de detectar o interesse das crianças pela leitura e atividades lúdicas, e, por conseguinte, conhecer até que ponto a Literatura Infanto-Juvenil contribui para as crianças hospitalizadas com câncer, devolvendo-lhe o prazer de viver e, por conseguinte, minimizando, portanto, seu sofrimento. RESULTADOS Contar histórias é lindo, é uma delícia, e contá-las a crianças e adolescentes internados com câncer é mais do que isso é compreensão, amor, alegria, entusiasmo, preparo para a vida e para a morte. Conforme os capítulos anteriores, o trato pedagógico com esse público requer conhecimentos nos âmbitos pedagógicos, psicológicos e, principalmente, na afetividade/sensibilidade. A busca desses âmbitos na área da saúde torna-se imprescindível o processo interdisciplinar, no qual cada profissional envolvido nas atividades lúdico terapêuticas troca experiências e aptidões para, assim, ter um desempenho mais eloqüente com a proposta de um atendimento global1. Através das atividades observamos que as crianças em tratamento de câncer têm consciência do momento vivido, que alguns procedimentos são temerosos no início, porém com a rotina e através do lúdico vivenciam momentos menos sofridos, mostrando ainda que através do uso da Literatura Infanto-Juvenil, nos seus vários estilos, pode-se identificar o nível emocional, social e cultural de cada paciente. Em relação aos profissionais, a Literatura Infanto-Juvenil mostrou ser um recurso aceito e muito utilizado em suas intervenções. Observamos ainda que as ilustrações contribuem para efetuar o diálogo e facilitar esse processo por trazer desenhos com características próximas à realidade dos pacientes. Destacamos que a leitura realizada através de atividades lúdico-terapêuticas possibilita aos pacientes maior uso de seus recursos afetivo-emocionais e, com isso, possivelmente a hospitalização passará a ser percebida mais positivamente e menos traumática, principalmente no que diz respeito aos procedimentos terapêuticos. Assim, afirmamos que as histórias lidas às crianças amenizaram sua situação e proporcionaram alívio temporário das dores e dos medos advindos da doença e do ambiente hospitalar. A possibilidade do sonhar, do imaginar e do lúdico forneceu um suporte emocional às crianças com câncer. CONCLUSÃO Podemos dizer que o empenho dos educadores do CEHOPE/IMIP é acima de tudo de amizade e de respeito ao próximo, fortalecendo a auto-estima das crianças. Como diz Adams 1 Expressão utilizada atualmente e principalmente em nosso serviço para descrever a importância da união de vários profissionais no tratamento e combate ao câncer infantil. (1999, p. 99):“Um dos fatores mais importantes para a boa saúde é a auto-estima: gostar de você mesmo de uma forma carinhosa e sentir-se feliz em ser quem é. Se você não aprendeu isso com seus pais ou com a sociedade, então escute e aceite as palavras amorosas de seus amigos.” Vivenciar essas emoções é reconhecer que as crianças são sempre maiores do que suas doenças, a ludicidade, as histórias, a brincadeira, o riso que a acompanha são grandes remédios dentro de um hospital. Estudos mostram que o riso alivia a dor, diminui a tensão e estimula o sistema imunológico. Tente lembrar-se de histórias divertidas vividas em comum e conte-as da forma mais engraçada que puder. (ADAMS, 1999, p. 120). Sabemos que, em muitas ocasiões, o paciente estará em momentos depressivos, que falará com agressividade, que pedirá coisas impossíveis e terá muitas outras atitudes que nos magoarão, porém reconhecemos que não devemos nos sentir na obrigação de encontrar soluções para os problemas do paciente, mas deixá-lo simplesmente expressar seus sentimentos e aceitar e reconhecer o que a criança está sentindo e um bom recurso para esse momento é o livro infantil. Os resultados, até agora, alcançados são unânimes em confirmar que a literatura infanto-juvenil interfere no cotidiano das crianças portadoras de câncer, possibilitando a estes a conscientização do momento vivido, da transitoriedade desta fase e principalmente que possibilita um canal para registro das necessidades, dos anseios e até mesmo do ritual para momentos finais, mantendo a dignidade desta criança. Observamos que a narrativa dos textos literários infantis estimula a criatividade e a ludicidade, provoca, questiona e envolve crianças e educadores com o livro, que se baseia tanto no verbal quanto no visual e recupera, na linguagem, a tradição da oralidade. Através da biblioterapia, o narrador troca experiências constantemente com o leitor, envolvendo-o na narrativa e concedendo-lhe interferências e possibilidade de ampliação da mensagem do texto. Para os pacientes com câncer que costumam reprimir emoções, não se permitindo a livre manifestação da vida, é imprescindível que o educador saiba ouvir o silêncio destes que não podem opinar e decidir sobre o que querem, pelo fato de trazerem consigo uma enfermidade que requer cuidado médico intenso e, principalmente, por se sentirem excluídos pela sociedade. Notamos que essa situação envolve mais os adolescentes, que se comunicam de forma desajeitada e que desejam apenas a naturalidade de seus acompanhantes, como diz Adams (1999, p.134). Destacamos a importância do prazer da leitura e de seu poder curativo e principalmente do potencial de cada profissional de saúde como educador, tornando o hospital/clínica, espaços não formais de educação, em ambientes propícios a aliança lúdicoterapêutica entre a Literatura Infanto-Juvenil e o tratamento de neoplasias malignas, sendo de grande importância que as partes envolvidas no processo de cura, leiam muitas histórias. REFERÊNCIAS ADAMS, Patch. O amor é contagioso. 9. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 1999 BUSATTO, Cleo. O contar e encantar: Pequenos segredos da narrativa oral. Petrópolis: Vozes, 2003. CAVALCANTI, Joana. No mundo da leitura: A leitura do mundo. In: ______. O jornal como proposta pedagógica. São Paulo: Paulus, 2003. p. 17-21. COELHO, Betty. Contar histórias: Uma arte sem idades. São Paulo: Ática, 1986. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, Análise, Didática. 7. ed. Ver. Atual. São Paulo: Moderna, 2002. COLASANTI, Marina. Em busca do mapa da mina, ou pensando em formação de leitores. In: ______. Fragatas para terras distantes. Rio de Janeiro: Record, 2004. CUNHA, Nylse Helena Silva Cunha. Brinquedoteca: Um mergulho no brincar. 2.ed. São Paulo: Maltese, 1994. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 38. ed. São Paulo: Cortez, 1999. GOUVEIA, Maria Helena. Viva e deixe viver: Histórias de quem conta histórias. São Paulo: Globo, 2003 NUCCI, Nely A. Guernelli. Criança com leucemia na escola. Campinas: Livro Pleno, 2002. SANTOS, Maria Edlair Mota. A Criança e o Câncer: Desafios de uma prática em psicooncologia. Recife: A.G. Botelho, 2002. SIQUEIRA, F. de M. B.; EMMEL, M. L. G. A influência da aplicação da atividade lúdica no desenvolvimento de crianças pré-escolares hospitalizadas por longo tempo. [São Paulo], 2001.