ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Gésun Fernando Prestes REFUGIADOS AMBIENTAIS À LUZ DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL: caso dos haitianos imigrantes no Brasil Belo Horizonte 2013 Gésun Fernando Prestes Refugiados ambientais à luz do direito ambiental internacional: caso dos haitianos imigrantes no Brasil Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara como requisito para obtenção de título de Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Orientador: Sebastien Kwonghi Bizawu Belo Horizonte 2013 PRESTES, Gésun Fernando. P936r Refugiados ambientais à luz do Direito ambiental internacional: caso dos haitianos imigrantes no Brasil / Gésun Fernando Prestes. – 2013. 101 f. Orientador: Sebastien Kwonghi Bizawu Dissertação (mestrado) - Escola Superior Dom Helder Câmara ESDHC. Bibliotecário responsável: Anderson Roberto de Rezende CRB 6/3094 Referências: f. 97 - 101. 1. Direitos humanos 2. Desastres ambientais 3. Refugiados 4. Refugiados ambientais 5. hatianos. I.Título ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Gésun Fernando Prestes REFUGIADOS AMBIENTAIS À LUZ DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL: caso dos haitianos imigrantes no Brasil Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara como requisito para obtenção de título de Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável Aprovado em: 25/06/2013. __________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Sebastien Kiwonghi Bizawu _________________________________________________________ Professor Membro: Prof. Dr. Emilién Vilas Boas _________________________________________________________ Professor Membro: Prof. Dr. Bruno Wanderley Junior Nota:___ Belo Horizonte 2013 Dedico o presente trabalho aos meus pais e amigos, que sempre me apoiaram. Agradeço os incentivos, a compreensão e carinho, os quais foram primordiais para a conclusão do meu objetivo. AGRADECIMENTOS Agradeço ao Professor Sebastien Kiwonghi, cuja sabedoria e inteligência abrilhantaram este trabalho, pela orientação e carinho, sem os quais a conclusão deste trabalho seria quase impossível. Agradeço ao meu tio Paulo pela oportunidade e motivação, pertinentes para realização deste sonho. Agradeço aos funcionários e amigos da Escola Superior Dom Helder Câmara, que sempre torceram por mim. Por fim, os meus sinceros agradecimentos a todos os professores e colegas do Mestrado da Escola Superior Dom Helder Câmara, que me auxiliaram no crescimento profissional e pessoal. Nenhum cidadão pode estar, hoje, alheio à temática dos direitos humanos e do meio ambiente, mormente os que vivem em países, como o Brasil, detentores dos mais altos índices de disparidades sociais do mundo (...). (CANÇADO TRINDADE, 1993, p. 24) RESUMO O presente trabalho pretende refletir sobre a proteção dos refugiados ambientais e sua natureza jurídica, partindo dos instrumentos internacionais estabelecidos, tais como, a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), e Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967), protegendo indivíduos perseguidos por motivos étnicos, religiosos, raça, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Contudo, a Convenção de 1951 não está mais se adequando a realidade, uma vez que tais motivos tem perdido força, para a existência de uma nova problemática, provocada pelos eventos climáticos. A crise ambiental externada pelas ações antrópicas, como o aquecimento global tem contribuído para o aumento do fluxo migratório de pessoas atingidas por catástrofes ambientais, acarretando no pedido de refúgio em território estrangeiro. Nesse cenário encontram-se os refugiados ambientais, como os haitianos refugiados no Brasil, sem amparo de instrumentos legais por não serem contemplados pela Convenção dos Refugiados de 1951. Palavras-chave: Refugiados ambientais, refugiados, desastres ambientais, direitos humanos, haitianos. ABSTRACT This work intends to think over about the environmental refugees and their legal nature, based on international instruments established, such as United Nations Convention about Refugees’ Status of 1951, Declaration of Human Rights (1948), and Protocol relating to the Status of Refugees (1967), protecting chased individuals ethnic, religious, race, nationality, social group or political opinion reason. However, the 1951 Convention is not longer suiting reality, once such reasons have been weakened to the existence of a new problem, caused by climate events. The environmental crisis externalized by human actions, such as global warming has contributed to the increased migration of affected people by environmental disasters, resulting some refugees in a foreign territory. In this scene, there are environmental refugees, as refugees Haitians people living in Brazil, without legal support because they are not contemplated by Refuggees’ Convention 1951. Keywords: Environmental refugees. Refugees. Global warming. Human Rights. Haitians. SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS .......................... 16 1.1 Os fundamentos do direito na sociedade ....................................................................... 16 1.2 Direitos humanos na interelação com o direito internacional e os refugiados .......... 19 1.3 Diferenças e semelhanças entre o Direito internacional humanitário e o Direito internacional dos Refugiados................................................................................................. 24 1.4 Proteção dos Direitos do homem e dos Refugiados. ..................................................... 26 1.5 Direito ao Asilo ................................................................................................................ 30 1.6 Termo Refugiado ............................................................................................................. 32 1.7 Alto Comissariado das Nações Unidas Para Refugiados – ACNUR ........................... 35 1.8 Apátridas e Refugiados ................................................................................................... 38 1.9 Valores que deram garantias aos Refugiados ............................................................... 42 2. REFUGIADOS NA PERSPECTIVA DO DIREITO NACIONAL BRASILEIRO ..... 45 2.1 Tutela Jurídica dos Direitos dos Refugiados no Estado Brasileiro, Constituição da Republica de 1988 e Lei 9.474, 22 de julho de 1997 ............................................................. 47 2.2 Proteção dos direitos dos Refugiados na Constituição da República do Brasil de 1988. ......................................................................................................................................... 48 2.3 Legislação sobre proteção dos refugiados no Brasil. ..................................................... 50 2.4 Procedimento para concessão de Refúgio no Brasil ...................................................... 53 3. MUDANÇAS CLIMÁTICAS – ações causadoras de catástrofes ambientais...............55 3.1 Aquecimento global. ......................................................................................................... 55 3.2 Consequências do aquecimento global - Imigração decorrente de Catástrofes ambientais ............................................................................................................................... 60 3.3 Crise da água – e os refugiados ambientais.................................................................... 65 4 REFUGIADOS AMBIENTAIS E O CASO DOS HAITIANOS IMIGRANTES NO BRASIL....................................................................................................................................69 4.1 Refugiados ambientais ..................................................................................................... 69 4.2 Crise ambiental como causa de emigração .................................................................... 72 4.3 Reflexões e observações sobre a construção sociológica do Termo refugiados Ambientais............................................................................................................................... 76 4.4 Amparo Legal para proteção dos Refugiados Ambientais ........................................... 79 4.5 Situação jurídica dos haitianos no território brasileiro - Concessão de visto Humanitário versus Status de Refugiado ............................................................................ 83 4.6 Esforços necessários para contemplar um amparo jurídico preventivo. .................... 88 4.7 Possíveis soluções para os refugiados ambientais ......................................................... 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................94 REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS .................................................................................97 11 ÌNDICE DE SIGLAS ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados / UNHCR ACRR – Alto Comissariado para Refugiados Russos ANUAR – Administração das Nações Unidas para o Auxílio e o Restabelecimento AVIM – Associação de Voluntários para a Integração do Migrante CICV –Comitê Internacional da Cruz Vermelha CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNI – Conselho Nacional de Imigração CNUMAD – Convenção das Nações Unidas para o Meio Ambiente / ECO 92 / RIO 92 CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados CONVENÇÃO DE 1951 – Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e apátridas, em Genebra 1951 COP – Conferência das Partes DI – Direito Internacional DIDH – Direito Internacional dos Direitos Humanos DIH – Direito Internacional Humanitário DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos EJF – Fundação para Justiça Ambiental Britânica GEE – Gases do Efeito Estufa IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas OAB – Ordem dos Advogados do Brasil OIR – Organização Internacional para Refugiados ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PROTOCOLO DE 67 – Protocolo de 1967 relativo ao estatuto dos refugiados RNE – Registro Nacional de Estrangeiro 12 INTRODUÇÃO Nosso planeta Terra sempre sofreu com as mudanças climáticas que, de forma abrupta, transformaram o ambiente em que vivemos, modificando-o através dos ciclos naturais com surgimento de novos territórios e extinção de outros, variações de temperatura constantes, períodos de eras geológicas que interferem, diretamente, nas espécies tanto humana como animais. Entrementes, o último século (XX) e o início deste (XXI) chamam a atenção pela interferência humana nesse processo, pois as ações antrópicas como derrubada de florestas, desvio de curso de rios, mudanças do espaço físico (construção civil), extração mineral, queima de combustíveis fósseis, poluição de resíduos sólidos são causas que vem contribuindo para um aumento significativo do aquecimento global, resultando em desastres ambientais mais frequentes do que em outras épocas. Analisar-se-á na presente pesquisa essa realidade, observando as variações da temperatura global, suas consequências e problemas causados pelas alterações climáticas, em especial pela análise da perda de habitat humano provocado por transformações significativas no ambiente em que vive o próprio ser humano que, em muitas vezes, é forçado a se deslocar de um território para outro. Observa-se que os resultados dessas ações afetam tanto o meio ambiente quanto as condições humanas de sobrevivência, cujas consequências são passíveis de provocar um transtorno humanitário causado pela migração forçada. Por esse motivo, trar-se-á no bojo desta discussão no primeiro capítulo, uma abordagem principiológica dos direitos humanos. A intenção do estudo dos princípios que norteiam os direitos humanos se faz necessário para adentrar na esfera de proteção dos indivíduos que buscam refúgio em outros territórios, e que, geralmente, encontram-se em situação de vulnerabilidade, ficando, desprotegidos, marginalizados, sem proteção das garantias fundamentais. Para Alexy (2011, p. 107), os princípios são razões que concretizam as regras, logo, “a compreensão de que os princípios são razões para regras e as regras são razões para decisões concretas (normas individuais) tem, à primeira vista, algo plausível”. É fundamental que perceba-se o caráter objetivo da construção dos princípios e direitos fundamentais na história contemporânea com início na Revolução Francesa de 1789, que nos faz remontar a um contexto internacional de mudanças significativas, que 13 testemunham a criação, interpretação e aplicação desses direitos, acentuando as relações de segurança e de responsabilidade do ser humano com seu semelhante. Tais elementos importam na densificação do sentido emergencial da geração de valores atinentes a aplicação de instrumentos universais que possam manifestar uma noção coletiva de direitos humanos. Foi assim que o Direito Internacional, evocado na sua ratio essendi de proteção e solução pacífica dos conflitos entre as Nações, criou a Organização das Nações Unidas, com objetivo de prover um sistema jurídico que passasse a regular os direitos de forma universal, o que ocorreu com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1948. A internacionalização deste sistema de normas gerais fez nascer uma provocação à sociedade para se manifestar sobre mecanismos específicos que pudessem atender os indivíduos conforme a temática jurídica produzida por fatores ligados a perturbação social, como conflitos armados, perseguições por motivos políticos, étnicos, culturais, e demais violações de Direitos. Uma ordem hierarquizada de princípios foi promulgada com esse objetivo indicando critérios substanciais para aplicação de normas que viessem a suprir as demandas existentes, e ao mesmo tempo, conservando a noção coletiva dos direitos humanos, amparando sua estrutura nos conceitos de dignidade, liberdade e fraternidade. É nesta linha de raciocínio que se pretende analisar, no decorrer desta obra, a situação de limbo jurídico dos refugiados decorrentes de eventos ambientais, causados por fenômenos catastróficos naturais ou por interferência antrópica e da mesma forma os impactos causados por eles no ambiente em que se refugiam. Procura-se, como objetivo, demonstrar a comunidade internacional que um novo problema provocado pela crise ambiental está se formando e a partir do já existente, um futuro de migração à procura de novos territórios, poderá ser inevitável. Para tanto, é primordial abordar o instituto dos refugiados de forma ampla para identificarmos os pontos vulneráveis revestidos dentro do contexto de proteção dos direitos desses indivíduos, tanto no âmbito dos direito humanos, quanto na aplicabilidade deste, perante casos concretos, como a atual situação vivenciada pelos haitianos, que buscam refúgio no Brasil, desde o terremoto que assolou o Haiti em 2010. Porém, antes de adentrarmos nesse mérito observar-se-á alguns valores intrínsecos que deverão ser aplicados ao exercício da relação entre os refugiados e a comunidade 14 internacional, identificados pelos requisitos essenciais de tratamento relativo à noção de refugiados. Em tempo, trabalhar-se-á os valores que são considerados importantes para proteção direta dos refugiados, como dignidade da pessoa humana, solidariedade e tolerância e como devem ser trabalhados pelo Direito Internacional visando uma essencial sustentação para esses indivíduos e possível aplicação, ao refugiado ambiental. Posteriormente, passar-se-á a analisar o direito dos refugiados no sistema jurídico brasileiro, tratando de forma pontual e dinâmica o alcance aplicado e interpretado pela Constituição Federal da República Brasileira de 1988, e de lei Federal própria para a matéria, visando demonstrar como essa tutela jurídica pode ser recepcionada pelo refugiado ambiental. Enquanto o Direito Internacional opera de forma mais ampla no domínio da proteção geral dos direitos humanos, cumpre aos Estados a solução pacífica das demandas oriundas das controvérsias sobre essas questões, manifestando-se com interesse de sanar a vulnerabilidade de manifestações baseadas na observância da defesa dos direitos humanos. Neste caso em apreço, deve-se fazer um vínculo com as questões ambientais, como a interferência do aquecimento global no ambiente humano observado pelo prisma do refugiado ambiental e identificar alguns aspectos conflitantes dos direitos humanos que estão sendo gerados pelos eventos ambientais de natureza catastrófica global. Como tais direitos poderiam contribuir para assumir uma postura diferenciada na prevenção e aplicação da proteção necessária? Essas pessoas que migram do local onde vivem, motivadas por eventos ambientais, enfrentam dificuldades para se refugiarem em outros Estados, enclaves burocráticos quanto à concessão de visto, problemas de ordem econômica, falta de informação, de garantias essenciais, levam a esses indivíduos uma significativa ausência de amparo legal. Por esse motivo, vislumbra-se esclarecer que a interferência humana no meio ambiente causadora do aquecimento global pode ser fator que contribui a proliferação de refugiados. Indaga-se do outro lado que se os deslocados não tiverem as características do refugiado previsto na Convenção de 1951, como poderiam ser enquadrados no Direito Internacional? Vigente a este questionamento, importa-se demonstrar que o não enquadramento técnico na categoria de refugiado do artigo 1º, § 1º, da Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado, faz com que o refugiado ambiental não desfrute dos dispositivos protetivos do Direito Internacional, com perspectiva ampliada. Não podemos deixar de lembrar, que o aquecimento global vem apresentando números alarmantes e incontroláveis vale destacar que com o aumento da temperatura terrestre, 15 maiores serão as incidências de eventos climáticos como: a falta de água, ou até mesmo de extinção de alguns territórios. Dessa forma, a quem caberá a função de se manifestar sobre essas questões que afetam a população deslocada? Deflagra-se, no Brasil, um caso específico, fruto de nosso estudo, que é o dos haitianos refugiados no território nacional, em virtude de evento ambiental, a saber o terremoto que assolou o Haiti em 2010, os quais têm enfrentado diversos problemas de cunho regulatório para permanência no Brasil e outros de cunho social e ambiental. Frise-se que tal realidade está cada vez mais frequente, dado o grande número de imigrantes provenientes daquele país buscando moradia em território nacional, objetiva-se analisar a atuação do Estado brasileiro quanto a presença dos haitianos em seu solo, bem como a implementação de medidas administrativas e jurídicas para a sua permanência. Por fim, ressaltar-se-á algumas soluções plausíveis e esforços pertinentes a matéria, para aferição de uma proteção satisfatória aos refugiados ambientais no âmbito do Direito Internacional, priorizando os princípios basilares dos direitos humanos. 16 1.DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS A inter-relação entre a democracia e os direitos humanos teve grande relevância no último século (XX) e alcança plena vigência no atual século (XXI), em que pese à representação popular nas fontes de direito público Internacional. Com o pensamento contemporâneo marcado pela participação popular, as decisões coletivas são legitimadas pela relevância da intervenção da maioria, contudo, sua concepção não pode ser considerada como uma meta, elas devem ser fortalecidas por instituições que primam pela segurança jurídica, pautadas na proteção dos direitos humanos e comprometidas por um comportamento aceitável perante a comunidade internacional. Esta sistematização, certamente, será compreensível se considerarmos a preservação dos direitos humanos, sem que haja relativização da sua essência e concentrada no respeito ao Estado democrático de direito. Embora as atenções do Direito Internacional possam sofrer influências políticas com índoles diversas, compreendemos que para capacitação das condições de efetividade desses direitos fundamentais há a necessidade de se adequar cada caso à realidade que permeia a sociedade, para que no fim, haja uma conduta satisfatória do Estado de Direito. 1.1 Os fundamentos do direito na sociedade Moderna Em linhas gerais a percepção de Estado Constitucional que foi concebido em meados do século WVIII, permeia-se a alguns acontecimentos importantes para a sociedade, notadamente politizados por exercícios democráticos, e legitimados por limitações de determinados ideais como condições para controlar o povo, através de intervenção no meio econômico e nas próprias relações sociais definidas pelo Estado democrático de direito. A Constituição de um Estado tem a premissa de gerenciar as normas gerais e abstratas capazes de atrair no seu bojo a correlação entre o Estado e a democracia, e os direitos fundamentais cumprem seus requisitos quando integrados nesse sistema, para sobrepujar um Estado ideal. No Estado Democrático de Direito é possível vislumbrar a supremacia das leis e o exercício da soberania outorgados por uma Constituição, nestes termos, o artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 assevera que “toda 17 sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada não possui Constituição”, contudo, a função desse instrumento político não deve sobrepujar a liberdade dos cidadãos, consoante ao paradigma de Estado de Direito. Esse novo Estado de Direito é remanescente do Estado Liberal e do Estado Social, contudo, devemos reciclar cada um desses paradigmas para obtermos o Estado democrático, perpassando do contexto totalmente privado no Estado Liberal, para o contexto social público do Estado Social para, então, chegarmos ao status Estatal. O Estado Liberal norteou-se por conceitos proclamados pelo nascimento de uma nova era de direitos, instituídos pelo Iluminismo da Revolução Francesa e seus princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Esse novo paradigma produziu um sentimento de “homens livres”, porém, uma liberdade que era destinada mais à burguesia, aos donos de terras, preservando o direito à propriedade privada, já os escravos não as desfrutavam. O termo liberdade ganhava um entendimento moderno, ninguém era obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei (MALUF, 2011), claro que com teor muito mais ideológico do que real. Mas, com a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra em 1770, surge uma nova realidade, a do cidadão operário que passa a sofrer com a mecanização das indústrias, perdendo seu emprego, ou mesmo tendo que trabalhar em situações desumanas. Essa realidade faz surgir uma desconfiança do Estado Liberal, pois deixa uma lacuna quanto aos direitos sociais, o que acaba por evoluir aos poucos para chegar ao Estado Social e ao Social-democrático, ou Estado Social das Constituições programáticas, termo cunhado por Paulo Bonavides (2004) Com o advento do Estado Social, os direitos fundamentais são vislumbrados em uma categoria diferenciada, discutidos sob o véu da persecução da liberdade e igualdade, dois princípios que andam juntos, mas necessitam de uma identidade distinta. Uma nova sociedade fraterna surge, para fornecer aos cidadãos, direitos que nunca antes puderam desfrutar, contudo, essa ordem é quebrada com as duas grandes guerras mundial, só vindo a ser estabelecida novamente após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948. O direito passa a ter um papel importante sendo caracterizado como instrumento de controle social, segundo Norberto Bobbio citado por Baracho Junior, (2008), e como modificador e criador para Tércio Sampaio Ferraz Junior. 18 José Alfredo Baracho Junior (2008), em sua obra “Proteção do Meio Ambiente na Constituição da República”, cita Bobbio, o qual cientifica que o direito serve como desencorajador de certas atitudes e encoraja outras, mas neste estado de interpretação deve-se tomar cuidado com a proteção dos direitos dos demais indivíduos participantes da sociedade. Segundo Alexy (2011), o direito se perfaz pelas normas fundamentais, encontrando na liberdade e na dignidade humana o material necessário para concretizar os valores que a sociedade vê como essenciais. Elas, também, servem como controle para combater as violações de direitos, no entanto, a liberdade atua de forma negativa como um subprincípio da dignidade humana. Alexy ( 2011) trabalha com o direito como liberdade negativa na convicção de se ter um Estado global de democracia positiva, pois do contrário, os indivíduos agiriam apenas conforme o que fosse instituído a eles, através de condutas obrigatórias ou proibitórias. Mas tão certo quanto o fato de que a liberdade negativa não compõe sozinha o estado global de liberdade é o fato de que sem ela um estado global nunca poderia ostentar o predicado axiologicamente positivo “de liberdade”. Um estado no qual não há liberdade negativa, ou seja, no qual qualquer ação imaginável ou é obrigatória ou é proibida, é, até por razões conceituais, algo problemático em si mesmo. ( ALEXY, 2011, p. 379-380) Defende ainda Alexy (2011, p. 391), que os “Direitos fundamentais têm, certamente, também, o objetivo de garantir um estado global de liberdade, do qual todos se beneficiem”, criando-se, assim, uma relação entre todos os indivíduos, tornando-os responsáveis. Já Sarlet (2011), faz uma distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos, para ele os direitos humanos têm uma relação de reconhecimento jurídico internacional aplicado ao indivíduo como ser dotado de direitos, e independem de norma Constitucional local para serem praticados, lado outro, os direitos fundamentais são, determinados por uma norma Constitucional Estatal. Segundo o autor, “a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional”. Com o reconhecimento do direito de igualdade e liberdade, os direitos fundamentais se efetivam em concordância com as garantias e princípios de um Estado democrático, determinado por meio da representação de cada indivíduo no espaço social, outorgado pela comunidade política através da participação popular, indispensável para o exercício desses direitos. No âmbito de um Estado social de Direito – e o consagrado pela nossa evolução constitucional não foge à regra – os direitos fundamentais sociais constituem exigência inarredável do exercício efetivo das liberdades e garantia da igualdade de chances (oportunidades), inerentes à noção de uma democracia e um Estado de 19 Direito de conteúdo não meramente formal, mas, sim, guiado pelo valor da justiça material. (SARLET, 2009. P. 62) Com essa idéia o Estado vivenciou uma nova ordem de profunda transformação, objetivando sua atuação em constantes mudanças de situações jurídicas, que na medida do possível e do necessário criam e conservam valores sociais que desenham a estrutura organizacional. Responsável pela construção dos Estados, tanto o Direito Internacional como as Constituições Estatais, têm a função de interligar o público e o privado com pluralidade de esforços, envolvendo toda sociedade, desta maneira para que se possa tratar de questões de cunho social como a qualidade de vida é necessário abranger as normas positivas, morais, éticas e pragmáticas. Podemos concluir que se cria assim, nesse apreço, uma responsabilidade que nos proporciona adequar nossa realidade a determinados casos concretos e estimular uma normatização capaz de promover uma situação mais favorável de proteção aos direitos de forma universal. Tais lições, oportunizam uma vinculação entre as noções de Estado de Direito, Constituição e direitos fundamentais, legitimando outros aspectos como o princípio da dignidade humana e promovendo a dimensão do Estado Democrático de Direito emanado pelos valores consagrados de liberdade e igualdade. Tal definição, produzida por Sarlet, nos propicia a interpretar os direitos positivados no Estado Constitucional e compreender a história da sua concepção. 1.2 Direitos humanos na inter-relação com o direito internacional e os refugiados. Como veremos mais adiante neste trabalho, o termo refugiado surgiu após a segunda guerra mundial, apresentando-se em um ambiente de total descaso com as garantias de sobrevivência dos seres humanos. A proteção dos direitos humanos começa a ser discutida, em consequência da ausência de direitos fundamentais, que o ambiente pós-guerra proporcionava. Mas os direitos fundamentais, ainda que pouco presentes naquele cenário, possuíam uma compreensão advinda do passado, uma construção histórica que buscava proteger a dignidade do ser humano. 20 Afinal, o que são os direitos humanos e como se deu o processo de internacionalização na formação da sociedade? Jubilut, citando Locke, afirma que os direitos humanos são garantias individuais, proteção de direitos essenciais em detrimento dos demais direitos, devendo ser respeitado perante os demais indivíduos e o Estado. (LOCKE, 1999, p. 84 apud JUBILUT, 2007, p. 5152) A função destes direitos seriam a de proteger os seres humanos perante o Estado, pois é no ambiente criado por esse, que os direitos são objeto de apreciação, de exercício e privação. Nesse ambiente surge a cidadania, e as condições necessárias para ser cidadão, são de possuir direitos a serem exercidos no Estado, logo, a cidadania é um atributo que antecede o Estado, mas somente neste é institucionalizada. Assim, o Estado por ser criação dos indivíduos, deve resguardar os direitos dos cidadãos, e servir como instrumento para as atividades dos indivíduos. Desta forma, a cidadania é pressuposto de proteção dos direitos humanos, pois a temática filosófica de sua existência permite que o indivíduo alcance seu ideal, munido de direitos, do contrário, não será possível exercê-la em uma sociedade que institucionaliza as relações humanas, através de acordos ou “contrato social”, no entendimento de Rousseau. Em síntese, evocamos John Locke em sua lição sobre essas relações do cidadão no Estado, com a seguinte locução: A única maneira pela qual alguém se despoja de sua liberdade natural e se coloca dentro das limitações da sociedade civil é através de acordo com outros homens para se associarem e se unirem em uma comunidade para uma vida confortável, segura e pacífica uns com os outros desfrutando com segurança de suas propriedades e melhor protegidos contra aqueles que não são daquela comunidade . (LOCKE p. 139, apud JUBILUT, 2007, p 53) Os direitos humanos, até o século XVIII, possuíam reconhecimento ligado à ideia de direitos naturais que emanavam da simples existência como pessoa. Esses direitos passavam pelo crivo da Religião que ajudava a reconhecê-los. A formação desses direitos deu-se entre o século XV e o século XVI. Verificou-se nesse período a necessidade de se proteger a dignidade e a vida, invocando os direitos naturais criados pelos gregos e romanos, os quais serviriam para suplantar a chegada dos direitos fundamentais no período do Iluminismo. 21 E foi no século XVIII, após momentos de inconformismos com as ações dos lideres estatais, que os indivíduos começaram a se rebelar contra a estrutura do Estado, vindo a gerar um ambiente de conflitos, que serviram para dar força ao surgimento de revoluções, como a Americana (1776) e a Francesa (1789). A sociedade ocidental europeia e a americana passam por modificações políticas e sociais que acabam por culminar em mudanças internas nos Estados, principalmente no que compete a assegurar direitos à dignidade, liberdade e fraternidade dos indivíduos. Nesse cenário, surgem documentos importantes que postulam a evolução dos direitos, como o Bill of Rights na Inglaterra em 1689, fruto da Revolução Gloriosa, a Declaração de Direitos da Virgínia em 1776 que inspirou a Constituição Americana em 1787 e, consequente independência Americana, e por último e talvez a mais importante das revoluções daquele século para a positivação dos direitos humanos, a Revolução Francesa de 1789, tendo como principal resultado a produção da Declaração dos Direitos do Homem. Com esses importantes documentos, os direitos humanos passam a ser positivados podendo ser reivindicados pelos cidadãos, todavia, tal situação não perdura por muito tempo sendo interrompida pelas duas grandes guerras mundiais. Descobriu-se, após as guerras, a necessidade do seu reconhecimento internacional, razão pela qual em 1945 a Organização das Nações Unidas – ONU reuniu-se para discutir questões que envolviam os conflitos entre as Nações, na intenção de promover a paz e a defesa dos direitos humanos. A criação das Nações Unidas, com suas agências especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional, que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais, com preocupações que incluem a manutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados, a adoção da cooperação internacional no plano econômico, social e cultural, a criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direitos humanos. ( PIOVESAN, 2007, p. 126) Para concretizar essa internacionalização da proteção aos direitos humanos, em 1948 é elaborada a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), uma evolução neste campo que tornaria por produzir compromissos acessíveis a todos os estados, um grande avanço na defesa dos direitos fundamentais. Importante salientar que a DUDH, ajudou a internacionalizar os direitos dos indivíduos em situação de refugiados, transformando-os em sujeitos de direito internacional. 22 Nessa égide, surge a necessidade de se criar mecanismos próprios para proteção desses indivíduos, formalizando um ambiente jurídico que fosse permeado pelos direitos humanos e aplicado a determinados casos concretos. Cria-se nesse cenário, o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados, duas importantes vertentes que vêm para atender as demandas de caráter específico. Jubilut(2007 ), em sua obra o Direito Internacional dos Refugiados, trata de diferenciar essas duas vertentes, em seus casos específicos, concluindo que: O Direito Internacional Humanitário, para os casos de conflito bélico, que tem sua origem antes mesmo da fase de generalização da positivação nacional dos direitos humanos, como já mencionado; e o Direito Internacional dos Refugiados, para pessoas que são perseguidas dentro de seus países de origem e que, portanto, são obrigadas a se deslocar para outro local. (JUBILUT, 2007, p. 57) Para Antônio Augusto Cançado Trindade(1993 ) e Guido Fernando Silva Soares (19??), o direito Internacional criou um sistema formado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados, com intuito de proteção da pessoa humana. Lado outro, para Liliana Lyra Jubilut (2007), o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem status geral, lato sensu, e os demais direitos, Humanitário e dos Refugiados seriam stricto sensu. O que a autora quer demonstrar é que, no exemplo do Direito Internacional dos Refugiados, este abrange questões próprias, como as que combatem as perseguições por motivo de raça, religião, nacionalidade, etnia, opinião política, já o Direito Internacional dos Direitos Humanos aborda questões que promulgam a defesa da vida do indivíduo, condições de sobrevivência, e de dignidade. Desta maneira, o aspecto de internacionalização dos direitos humanos fez surgir uma ordem de combate às práticas de perseguições, torturas e demais ações que sujeitavam os indivíduos a condições degradantes. Essa ordem interferia diretamente no direito dos refugiados, que se sentiam abrangidos nessa proteção, no entanto, havia, ainda, a necessidade de se aperfeiçoar para servir em casos concretos. Nessa perspectiva, a autora Luciana Diniz Durães Pereira (2009) lança mão da seguinte afirmação: 23 O DIDH (direito internacional dos direitos humanos), em perspectiva ampla, tem competência para zelar e estabelecer condições mínimas e adequadas para salvaguardar o ser humano de todos os tipos de violações possíveis dos seus direitos, sejam estes civis, políticos, sociais, econômicos ou culturais. Tem como fim essencial, portanto, a proteção dos indivíduos contra quaisquer ações contrárias a suas garantias e direitos, sejam estas realizadas pelos Estados e seus agentes. (PEREIRA ,2009, p. 35) Tal citação vem corroborar com a proteção do Direito Internacional dos Refugiados, vindo a nortear as situações específicas, oferecendo segurança jurídica a elas. Nessa esteira a doutrinadora Flávia Piovesan (2007) perpetua a ideia do Direito Internacional dos Direitos Humanos possuir um papel de fonte dos demais direitos, com a função de definição dos princípios gerais a serem atendidos. Ao discorrer sobre esse tema, a autora ainda formula dois pontos de discussão: no primeiro, diz respeito ao indivíduo em situação de requerer o asilo, devendo ser respeitado os direitos à segurança e não-discriminação; e o segundo, o indivíduo já está sendo perseguido, devendo fazer jus ao direito de locomoção, podendo buscar o refúgio em local que lhe forneça segurança. O objetivo pretendido com esses pontos é forçar os Estados a respeitar esses direitos, buscando fornecer uma proteção satisfatória para que essas pessoas consigam viver como cidadãos. Tais argumentos podem ser vistos, também, na obra de Jubilut (2007), no seguinte parágrafo: Dependendo da realidade histórica, a justificativa para a defesa de direitos essenciais do ser humano variou e varia até hoje. Apesar disso nota-se que sempre se entendeu que certo núcleo de direitos deveria ser resguardado como fundamental à sobrevivência humana, ou seja, mesmo não havendo consenso quanto ao seu fundamento não se questionava a existência dos direitos humanos. (JUBILUT,2007, p.61) No entanto, os argumentos que defendem um fundamento internacional dos direitos humanos sem nenhuma relativização, ou seja, sem que observe as diferenças culturais de cada nação, podem ser objeto de críticas, pois não observariam a realidade de cada Estado. Sobre esse prisma, duas correntes expressam seus entendimentos acerca dessa matéria: a primeira aceita que os direitos humanos devem ser aferidos como aqueles essenciais a todos e reconhecidos universalmente, e a segunda trata dos direitos humanos com aspecto da dignidade. 24 Ambas as correntes têm como principal fundamento a proteção do ser humano, criando uma ideologia que torna irrelevante as práticas culturais que possam desqualificar as condições de liberdade e integridade. 1.3 Diferenças e semelhanças entre o Direito internacional humanitário e o Direito internacional dos Refugiados. O Direito Internacional não se limita apenas a promover debates, reuniões, convenções, assembleias, ele tem a função de tutelar direitos que deverão ser aplicados aos Estados que sancionam tais regras, orientações ou determinações. É o que ocorre quando surgem determinados eventos no ambiente internacional que merecem amparo de uma norma que esteja acima da competência de cada Estado. Estas normas ou acordos deverão ser aceitos pelos Estados para que sejam observadas, e o objetivo é proporcionar uma harmonização e humanização da comunidade internacional. Dito isto, o direito internacional verificando que há injustiças em determinados Estados contra as pessoas que lá vivem, nacionais ou estrangeiros, constatando ofensas a direitos fundamentais, cria mecanismos través de seus organismos políticos para propor soluções e propiciar relações harmoniosas entre os povos. Foi assim que o direito internacional criou documentos jurídicos que possibilitem identificar e sanar eventuais práticas arbitrárias que afetam o plano internacional, como é o caso dos dois ramos dos direitos humanos, o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados. Inicialmente, passamos a trabalhar com o Direito Internacional Humanitário, através de um breve escopo teórico. Data-se da segunda metade do século XIX, o surgimento desta vertente do Direito Internacional, após um conflito armado na região norte da Itália na cidade de Solferino, entre os franceses, italianos e austríacos. Em virtude de tais acontecimentos, o empresário suíço Henry Dunant toma conhecimento de tal conflito, cujas mortes chegavam em torno de 40.000 pessoas, decide, ao voltar para Genebra criar um órgão de assistência que pudesse ajudar as vítimas da batalha de Solferino em 1859. 25 Esse órgão foi fundado em 1863 com o nome de Comitê Internacional de Ajuda aos Feridos, e acabaria por virar mais tarde, em 1880, no Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Pretendia-se realizar serviço comunitário de prestação de socorro, em situações que envolvessem conflitos armados, e após curto período, o comitê já era reconhecido internacionalmente através da Convenção de Genebra de 1864, que a institui como sendo fonte do Direito Internacional Humanitário. Fábio Konder Comparato, assim se refere à Convenção de Genebra de 1864: É, o conjunto das leis e costumes da guerra, visando minorar o sofrimento de soldados doentes e feridos, bem como de populações civis atingidas por um conflito bélico. É a primeira introdução dos direitos humanos na esfera internacional. O direito da guerra e da paz, cuja sistematização foi feita originalmente por Hugo Grócio em sua obra seminal no início do século XVII (Ius Belli ac Pacis), passou, desde então, a bipartir-se em direito preventivo da guerra (ius ad bellum) e direito da situação ou estado de guerra (ius in bello), destinado a regular as ações das potências combatentes. (COMPARATO,2013, online) Logo, o Direito Internacional Humanitário tem o objetivo de amparar de forma solidária as pessoas vitimadas pela guerra, por meio de um auxílio médico aos que se encontram enfermos. Apesar de o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados terem diretrizes diferentes, em muitos aspectos se assemelham, pois têm um liame entre eles, que é a de proteger as vítimas de conflitos armados, entrando nessa categoria os refugiados. Essa ligação pode ser mais bem compreendida após a criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em 1951, pois passou a atuar conjuntamente com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em ações humanitárias que precisavam da intervenção de ambas, como ocorreu na guerra da Bósnia de 1992 a 1995, marcada pela expulsão e massacre de não-sérvios do território da Bósnia. Em linhas gerais, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é amplamente beneficiado com o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados, pois ambos possuem o propósito de proteger e salvar os que necessitam de amparo em decorrência de conflitos e injustiças que afetam as garantias fundamentais dos indivíduos. A materialização dessas ações está pactuada no artigo 3º da Convenção de Genebra de 1949, segundo Cançado Trindade (1996, p. 33, apud PEREIRA, 2009, p. 33). Neste citado 26 artigo, o autor afirma que há a expressa confirmação da ligação entre as vertentes do Direito Humanitário e dos Refugiados. Quanto ao Direito Internacional dos Refugiados, primeiramente é preciso identificarmos que sua intenção é a de proteger as pessoas perseguidas por motivos políticos, raça, religião, o que diferencia do Humanitário stricto sensu, mas não deixa de produzir a mesma eficácia quanto a essência dos direitos humanos. Em síntese, verifica-se, portanto, que as condições a que se destinam tais direitos, tanto dos refugiados como humanitário diferem quanto a suas obrigações, o primeiro tem a função de zelar pelo indivíduo que procura refúgio, assegurando que este não sofra nenhuma violação de direitos em total observância aos preceitos jurídicos a ele salvaguardado, através dos elementos fundamentados e garantidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, contemplando assim, a equiparação entre eles no âmbito internacional. Para professora Flávia Piovesan (2001) citada por PEREIRA, (2009), são quatro os preceitos jurídicos que contemplam essa proteção: O primeiro deles seria anterior ao refúgio ou asilo em si, quando aquele que é perseguido deve, ou pelo menos deveria, ter seus direitos à segurança e à nãodiscriminação respeitados em seus país de origem ou residência habitual. Em segundo lugar, já que está sendo perseguido, o indivíduo tem o direito de liberdade de locomoção, de ir e vir, para poder sair da situação de perseguição e ir buscar refúgio em outro local que lhe ofereça segurança, fugindo, assim, de uma eventual prisão injusta, ameaça à vida ou à sua integridade física. Nesse sentido, após ser acolhido no país de sua nova morada, mediante concessão de asilo ou reconhecimento dos status de refugiado, o Estado de acolhida terá o dever de zelar por sua proteção, respeitando os direitos fundamentais do refugiado ou asilado. Por fim, e em um quarto momento dessa perspectiva idealista, a necessidade do respeito aos direitos humanos no país de origem, após a cessação das causas que fundamentaram a perseguição. (PIOVESAN, 2001, p. 37 apud PEREIRA, 2009, p. 35 – 36). Portanto, os direitos dos refugiados e os direitos humanitários são formas distintas, mas que se fundamentam no Direito Internacional dos Direitos Humanos, fato é que existem com o objetivo de garantir direitos fundamentais e de dignidade aos indivíduos. 1.4 Proteção dos Direitos do homem e dos Refugiados. 27 Em 1948, especificamente no dia 10 de dezembro, a Assembleia Geral da ONU se reunia para promulgar aquele que seria o instrumento distinto de proteção dos direitos dos seres humanos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) de 1948, traz para a comunidade internacional uma concepção de dignidade humana que, até então, não detinha valor, associada aos movimentos políticos, sociais e econômicos. As violações de direitos são postas em pauta e a DUDH de 1948, condiciona a comunidade mundial a se comprometer com um novo ambiente sujeito de mudanças. Seus objetivos são de combater a guerra, a intolerância étnica, cultural, econômica e religiosa, principalmente nos países que recebem, migrantes, limitando a soberania dos países totalitaristas, combater a falta de amparo legal destinados aos refugiados promovendo-os a titulares de direitos humanos. É nesse ponto que os refugiados encontram-se fragilizados, a criação de mecanismos como um Direito Internacional dos Refugiados é colocado em discussão, com intenção de evitar que um refugiado seja entregue ao país de origem, onde possa sofrer com sanções pelo fato de não fazer parte de determinada raça, cor ou credo. Uma construção internacionalizada tem início com a DUDH de 1948, e como toda construção ideológica não é realizada de uma só vez, mas precisa-se de tempo para que ganhe centralidade, assim acontece com os direitos dos refugiados. Como bem leciona Norberto Bobbio (1988) citado por Piovesan (2008), os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas, assim aconteceu com os direitos dos refugiados, eles começam a ser produzidos perante a história, com vínculo aos acontecimentos passados que levaram a compor uma racionalidade contra as atividades desumanas sofridas. A Declaração dos Direitos do Homem (ONU,1948) começa a expressar em sua concepção a possibilidade de se solver as injustiças, atribuindo importância à dignidade humana, através de um debate cultural. Sem entender as culturas dos povos não poderá a DUDH, de 1948, ter sua função alcançada. Para mudar é necessário entender o que precisa de ser trabalhado, nesse sentido, Piovesan, 2008: Cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Não há moral universal, já que a história do mundo é a história de uma pluralidade de culturas. Há uma pluralidade de culturas no mundo e estas culturas produzem seus próprios valores. (PIOVESAN,2008,p.10) 28 Para Boaventura de Souza Santos (1997) mencionado por Piovesan (2008), os direitos humanos têm caráter multicultural. É preciso entender a legitimidade local para potencializar a competência global. Discorre ainda o autor, no seguinte sentido: Na medida em que todas culturas possuem concepções distintas de dignidade humana, mas são incompletas, haveria que se aumentar a consciência dessas incompletudes culturais mútuas, como pressuposto para um diálogo intercultural. A construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos decorreria deste diálogo intercultural. (SANTOS,1997. p. 114, apud PIOVESAN, 2008. p. 11) Sem embargos, toma-se como base a este diálogo, a dignidade da pessoa humana, um diálogo aberto entre as culturas chamado por Amartya Sen (2006. p . 12, apud PIOVESAN, 2008. p. 13) de “dialogue among civilizations”.1 O que a DUDH fez, portanto, foi universalizar os direitos, mas ao mesmo tempo promover garantias que pudessem ser observadas em determinadas condições geradas pelo homem. Nesse ponto, Piovesan (2008) faz a seguinte reflexão sobre a universalidade e indivisibilidade desses direitos: Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser, essencialmente, moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. (PIOVESAN, 2008, p. 5) E mais importante, ela contemplou o direito internacional com princípios que fizeram surgir os demais ramos de proteção de direitos, como o direito dos refugiados, moldando o sistema para atuar na proteção dos indivíduos. Passa-se, então, a identificar tais princípios para sabermos as limitações e opções que os indivíduos em situação de refugiados podem usufruir no direito internacional. Nota-se, em primeiro momento, o princípio da proteção internacional da pessoa humana, consentâneo do artigo 14 da DUDH (1948), cuja função é destinar às pessoas perseguidas ampla proteção dos seus direitos e liberdades fundamentais. Em segundo lugar, o Princípio da cooperação e da solidariedade internacional, transformada em provimento jurisdicional internacional pela Convenção dos Refugiados de 1951, identificando o caráter de solidariedade, como elemento precípuo para o acolhimento dos refugiados pelos Estados. 1 Tradução: Diálogo entre culturas, religiões e civilizações hoje é necessário, particularmente desde todas as guerras, especialmente as guerras mundiais. 29 A Convenção dos Refugiados de 1951, imbuída nos conceitos perpetrados pela Declaração de 1948, fez emergir ainda outros princípios, como o princípio da não devolução ou non-refoulement, o qual prevê o direito ao indivíduo de não ser deportado sem motivos, ao país em que está sofrendo perseguição e nem ser negada a proteção deste se comprovado que o Estado de origem agiu com ilegalidades. Outro princípio reputado pela Convenção de 1951, e adotado pelos Estados signatários, é o principio da boa-fé, posteriormente positivado no artigo 26 da Convenção de Viena, sobre Tratados em 1969, prevendo a boa-fé no que tange ao tratamento dado aos refugiados, conforme disposto nos tratados internacionais. Tal princípio obriga aos Estados a cumprirem o que fora pactuado nos tratados, em prol do equilíbrio internacional diplomático entre as nações. Na mesma esteira vem o princípio da supremacia do direito do refúgio, ratificando que os Estados que recebem os refugiados não podem sofrer sanções diplomáticas pelo Estado de origem desse indivíduo. O asilo, neste caso, não pode ser considerado como um ato de ofensa. A DUDH de 1948 em seu artigo 6º, inspirou o princípio da unidade familiar, que postula o direito dos indivíduos de constituir família, e muito embora mesmo não sendo recepcionado pela Convenção de 1951, tem sua adoção por meio de recomendação autuada na ata final da Conferência da ONU que criou a Convenção acima referida. O princípio supra citado amplia os direitos dos refugiados a toda família, ou seja, para os cônjuges e filhos, assim, decorrendo algum fato que possa separar uma família, os demais integrantes continuarão com status de refugiados. No direito brasileiro essa medida é determinada pela Lei brasileira 9.474/97, que estudar-se-á mais pormenorizadamente adiante, em seu artigo 2º: Art. 2º - Os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se encontrem em território nacional. (BRASIL, 1997) E por último, o princípio da não-discriminação, tão importante quanto os demais, mas com um significado digno de suprema atenção, ele foi recepcionado pela Convenção de 1951 em seu artigo 3º, este princípio faz alusão a não discriminação por motivo de raça, religião, Estado a que pertence o indivíduo que se encontra em situação de refugiado, sendo assim, proibi-se que um determinado Estado apenas considere a condição de refúgio a um indivíduo, e não a outro, pelos motivos acima elencados. 30 1.5 Direito ao Asilo A compreensão de determinado tema, remonta-nos a interpretar a realidade, através dos aspectos históricos que determinaram sua existência. Este método trata de uma hermenêutica prática, amparada nos resultados que determinam as normas que contingenciam a realidade., Sendo assim, passamos a configurar os aspectos históricos que precederam a existência do termo “refugiados” surgido no ambiente internacional. Remonta-se que, já na antiguidade clássica, havia um vocábulo que se esmerava em traduzir o que determinadas pessoas sentiam ao serem perseguidas, por motivos sociais e políticos, tendo que se deslocar de seus domicílios. Nessa situação, o termo encontrado para defini-los era asilados. A etimologia da palavra “asilo” provém do grego asylon, o “a” significa não, e a palavra no seu inteiro teor tem a compreensão de retirar, tirar, extrair, logo, segundo Pereira (2009), essa palavra era utilizada para identificar as pessoas que necessitavam de um abrigo. Esse novo abrigo, que era a alternativa encontrada para sanar as perseguições servia de refúgio onde as pessoas poderiam desfrutar de uma segurança, mesmo que de forma provisória. No Egito, por volta de 3.100 a.C, o reino era governado pelo faraó, simbolizado pelo Deus Rá, que detinha todo poder provindo da unificação dos reinos do Alto e Baixo Egito, cujo território abrangia o Mar Mediterrâneo, deserto da Líbia, deserto da Arábia e rio Nilo (GASPARETTO JUNIOR ,2013). Neste período, muitas pessoas que pertenciam a outros povos buscavam no Egito proteção, asilo, em virtude de alguma perseguição ou por prática de algum crime no país de origem, pois os egípcios pregavam a ordem e harmonia social (PEREIRA, 2009. p. 41), crença do Maat. Da mesma forma, na Grécia antiga, o direito de asilo era utilizado para amparar pessoas perseguidas e ameaçadas, sendo escolhidos locais como templos religiosos, bosques sagrados, estátuas de divindades e as casas dos governantes ou políticos importantes. (ANDRADE, 2001. p. 101-102, apud PEREIRA, 2009, p 42) Por outro lado, havia tanto na Grécia como no Egito a aplicação de pena de exílio para pessoas que realizavam alguma infração punível pelo Estado, obrigando essas pessoas a procurarem asilo em outros países. “Para alguns pesquisadores, a opção de pena do exílio foi dada a Sócrates, contudo ele preferiu a morte, ao beber cicuta, do que ter que viver asilado em 31 outro local que não sua terra natal.” (STOESSINGER, 1956. p 03, apud PEREIRA, 2009. p 42). Em Roma, o asilo ganha contornos jurídicos, de sistematização dada pelo direito romano no ano de 27 a. C, período em que os romanos dominaram a Grécia, expandindo seu território. O asilo era destinado às pessoas que eram perseguidas injustamente, mas não beneficiava pessoas que cometessem algum tipo de crime no país de origem ( MAEKELT, 1982. P. 140, apud PEREIRA, 2009, p. 44). No direito romano, o asilo deixava de ter uma visão apenas religiosa, e esse era o grande embate com esse instituto, já que a intenção tanto na Grécia como no Egito era proteção de um indivíduo em um lugar que fosse considerado sagrado e lá a pessoa era intocada. Isso para os romanos não era aceito. Na Idade Média, a estrutura política do Ocidente ganha novo contexto, com a queda do Império Romano em 476 d. C, e desta época até o ano de 1453, a história do Ocidente foi redesenhada pelo período feudal, onde os donos de terras ditavam o poder e a Igreja Católica detinha uma grande influencia no Estado (PEREIRA, 2009. p. 46). Neste período segundo Pereira (2009) o Ocidente passa por uma reformulação deixando de ter interferências de natureza transcendental para dar lugar a um direito prático, consuetudinário, tendo como fundamentação o poder da Igreja e do feudalismo. Com o poder que a Igreja possuía nesse período, ela mesma passou a regulamentar o direito de asilo, determinando que os locais religiosos, protegidos por Deus, serviriam de asilo para pessoas perseguidas e ameaçadas. Nestes locais elas ficariam sob a proteção de Deus (V. ANDRADE, 2001. p. 105 – 106, apud PEREIRA, 2009, p. 47). Outro período da história inicia-se no final do século XV, o surgimento de ideais antropológicos com o renascimento e protestantismo que culminaram na compreensão de uma nova era, a da Idade Moderna, época em que o Ocidente recebe influência de Martinho Lutero (1483 – 1546) da Alemanha e João Calvino (1509 – 1564) da França, através do protestantismo, que passa a desempenhar um papel crítico dos dogmas utilizados pela Igreja Católica. Os protestantes começam a ser perseguidos pela Igreja e precisando de asilo, encontram em alguns reinos europeus, sobre esse contexto, discorre Andrade (2001. P. 108 apud PEREIRA, 2009. P. 48), ipsis litteris: A Reforma ensejou o surgimento de asilados de praticamente todos os países europeus, tendo sido Genebra, provavelmente, o maior centro de protestantes franceses, ingleses e italianos perseguidos após a fuga de Calvo, da França, em 32 1541. A filosofia política universalista caminhava, então, com ideia de liberdade de opção religiosa, a qual se impregnava do princípio da tolerância . (ANDRADE (2001. p. 108 apud PEREIRA, 2009. p. 48) Diante desse fenômeno o asilo recebe uma projeção ainda maior, sendo determinante a aplicação de uma postura mais jurídica e relevante para servir de alento à sociedade, com essa nova noção o jurista Hugo Grotius (1583 – 1645), cria um estudo jurídico sobre guerra e paz Pereira (2009, p. 49) cita que “para Grotius, o auxílio humanitário representava uma boa ação dos Estados Nacionais, à época recém-instituídos” Grotius estabeleceria que somente pessoas perseguidas por questões religiosas e políticas deveriam fazer jus ao asilo, no mesmo entendimento que era aplicado pelo império romano, sendo assim, se um indivíduo praticasse algum crime no país de origem, não era merecedor de asilo. Passado um grande período, entrando no século XVIII, o conceito de asilo encontra seu ápice jurídico, amparado pelo Iluminismo da Revolução Francesa de 1789, cominado com os ideais liberais, ele passa a ser normatizado na Constituição Francesa de 24 de junho de 1793, em seu artigo 120, dando asilo aos estrangeiros exilados por motivo de liberdade de sua pátria.(RODRIGUES, 2013, online) 1.6 Termo refugiado As primeiras aparições de condição de refugiados, pode-se dizer, advieram do ambiente hostil causado pela primeira grande guerra mundial, segundo Bueno (2012), mais precisamente com a Revolução Bolchevique de 1917, que obrigou algumas pessoas evadirem do território Russo por motivo de perseguição. Esse foi um período que o cenário europeu passava por grandes dificuldades, tanto econômicas, sociais e política. Novos Estados surgiam, não havia um consenso político de poder, questões pertinentes a imigração não eram claras, por isso, poucas nações aceitavam imigrantes. No entanto, devido à guerra, o índice de refugiados estava crescendo cada vez mais, tornava-se necessário trabalhar este tema juridicamente, por meio de uma conscientização internacional, o que seria feito mais adiante com a interferência da Organização das Nações Unidas. 33 Outro momento significante citado por Bueno (2012) ocorreu no ano de 1921, quando o Conselho da Liga das Nações, organização internacional criada para assegurar a paz, criou um Alto comissariado para Refugiados Russos (ACRR), com a intenção de prestar assistência jurídica e reassentar os refugiados russos. Em 1922 o Alto Comissariado Russo cria um passaporte para que as pessoas pudessem ser identificadas, sabendo-se o país de origem dela, possibilitando seu retorno. Para Pereira e Unneberg (2013), a figura do refugiado ganha contorno internacional com a Segunda Guerra mundial, em virtude das inúmeras atrocidades dos regimes nazista, fascista e demais regimes totalitários na Europa. Nesse período, um grande número de pessoas buscavam asilo político em outros países, com a intenção de fugir das perseguições, como no caso mais conhecido que foi dos Judeus, perseguidos na Alemanha de Adolf Hitler. A Europa encontrava-se devastada por essa guerra, considerada a mais sangrenta e avassaladora de todos os tempos, as condições humanas eram as mais inapropriadas, não havia comida, vestuário e muito menos moradia que pudesse atender a população, as vítimas chegavam a soma esdrúxula de “55 milhões de mortos, 35 milhões de feridos, 20 milhões de órfãos, 40 milhões de deslocados e 190 milhões de refugiados”. (RODRIGUES,2013) No estado em que se encontrava a Europa, pós segunda guerra, seria difícil reconstruir tudo sem que houvesse um sentimento de união entre os países. O grande número de pessoas desalojadas causava um transtorno ainda maior, e o sentimento que ganhava força era de unirse para construir uma nova Europa. É criado em 1943, antes do fim da guerra, um órgão que pudesse servir de amparo aos refugiados, ele se chamava “Administração das Nações Unidas para o Auxilio e o Restabelecimento (ANUAR)” tendo como função a de forçar uma discussão em torno dos refugiados, e lutar pela proteção dessas vítimas que se encontravam sem assistência alguma. Pressionada, a comunidade internacional, em 1945 cria a Organização das Nações Unidas (ONU), tendo como objetivo manutenção da paz e segurança internacional, proteger os direitos humanos, respeito à dignidade das pessoas, promover a paz e lutar por um mundo mais justo, conforme pode ser observado no preâmbulo da Carta das Nações Unidas: Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que, por duas vezes no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras 34 fontes de direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla (ONU,1945) O respeito aos indivíduos é tema frequente de discussão na recém criada ONU, em julho de 1947. A Assembleia Geral das Nações Unidas se reúne para criar a Organização Internacional para os Refugiados (OIR), com a intenção de prestar esse amparo de assistência social, que era premente (RODRIGUES,2013) A pretensão de proteção dos direitos humanos ganha contornos cada vez mais significantes, e torna-se necessária uma atuação mais precisa para combater as atrocidades acometidas na segunda guerra. Por esse motivo, a Organização das Nações Unidas em assembleia Geral aprova no dia 10 de dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu texto não há previsão específica sobre o refúgio, mas trata do asilo. Art. 14: 1. Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas. (ONU, 1948) Já em 1951, na Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas, convocada pela Assembleia Geral de 1950 da ONU, é consolidado o termo refugiado, pela Convenção de 1951, conforme já citado neste trabalho. Contudo, essa Convenção só era aplicada para casos anteriores ao ano de 1951, e ocorridos na Europa, sendo assim, a Assembleia Geral das Nações Unidas reuniu-se, novamente, em 1966 com intuito de submeter tal estatuto a comunidade internacional, vindo a ocorrer em 31 de janeiro de 1967 através da assinatura de um protocolo, vindo a ser ratificado no dia 31 de janeiro de 1967 e entrado em vigor no dia 04 de outubro de 1967. A Convenção e o Protocolo são os principais instrumentos internacionais estabelecidos para a proteção dos refugiados e seu conteúdo é altamente reconhecido internacionalmente. A Assembleia Geral tem frequentemente chamado os Estados a ratificar esses instrumentos e incorporá-los à sua legislação interna. A ratificação também tem sido recomendada por várias organizações, tal como o Conselho da União Europeia, a União Africana e a Organização dos Estados Americanos (ONU,1966) Atualmente, o número de Estados signatários está em 147, conforme divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados -ACNUR: Em novembro de 2007, o número total de Estados signatários da Convenção era de 144 – o mesmo número de signatários do Protocolo de 1967. O número de Estados signatários de ambos os documentos é de 141. O número de Estados signatários de um ou outro documento é de 147. Entre os Estados signatários apenas da Convenção 35 de 1951 estão Madagascar, Mônaco e São Cristóvão e Névis; e entre os Estados signatários apenas do Protocolo de 1967 estão Cabo verde, Estados Unidos da América e Venezuela. (ACNUR,2013) 1.7 Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados é um órgão criado pelas Nações Unidas para defender os interesses dos refugiados, protegendo-os e buscando soluções para os problemas que os envolve. Criado em 1950, o ACNUR tem autonomia para programar seus próprios mecanismos jurídicos, mas sem deixar de observar os preceitos da Assembleia Geral das Nações Unidas, e tendo como diretriz levar a discussão sobre os direitos dos refugiados a nível internacional, buscando uma efetivação para proteção desses indivíduos, promovendo soluções que possam sanar maiores preocupações. O ACNUR além de ter representação na ONU, possui representação em todos os continentes, através de escritórios, alocados em determinada região estratégica. Com o advento do ACNUR, todas as questões envolvendo refugiados não mais são resolvidas apenas pelos países envolvidos, podendo ter interferência deste órgão através de uma colaboração participativa, aliando aspectos humanitários e sociais. Lastreado nessa perspectiva social, o ACNUR, tem uma atuação importante no acolhimento dos refugiados pelos Estados, pois, além de assessorar o governo local, contribui com recursos financeiros para as entidades que acolhem diretamente os refugiados, como por exemplo, no Brasil as Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e Rio de Janeiro. O objetivo desses recursos é para pagar aluguéis e alimentação, no entanto, a própria entidade do ACNUR reconhece que estes recursos não são suficientes para determinados Estados, como no Brasil, “pois por ter um número de refugiados baixo. Em comparação a outros países, a maior parte desses recursos acaba sendo direcionada para operações maiores que envolvem um grande número de pessoas”( INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS) No que tange à competência para atuar do ACNUR, esta pode ser estendida para tutelar indivíduos que se encontram em situação de deslocados internos e apátridas, não somente aos refugiados.(JUBILUT,2007) 36 Nessa síntese, mencionamos o aludido por Jubilut (2007) ao discorrer sobre os objetivos do ACNUR, retirado do parágrafo 14 do General Information Paper, documento publicado pelo ACNUR em 1982: Ao buscar o primeiro objetivo ele (Acnur) procura promover a adoção de padrões internacionais de tratamento dos refugiados e a efetiva implementação destes padrões em áreas como emprego, educação, moradia, liberdade de circulação, e garantias contra o retorno forçado para um Estado no qual o refugiado possa ter razões para temer uma perseguição. Ao buscar o segundo objetivo, o ACNUR procura facilitar a repatriação voluntária dos refugiados, ou, quando esta não é uma solução possível, procura auxiliar os governos dos países de asilo para que os mesmos possibilitem a auto-subsistência dos refugiados o mais rapidamente possível. (JUBILUT, 2007, p.153) Outro trabalho importante que o ACNUR desenvolve é referente à situação do refugiado perante a sociedade, como sua adaptação a uma nova realidade. Para esse parâmetro, o ACNUR atua em três pontos: o da integração local, da repatriação voluntária e do reassentamento. No primeiro, a intenção é a de proporcionar ao refugiado uma adaptação no novo Estado em que residirá de forma segura e humana, oportunizando o acesso aos meios sociais. A integração local é um processo complexo e gradual que compreende dimensões jurídicas, econômicas, sociais e culturais distintas, mas relacionadas entre si, e que impõe demandas consideráveis tanto do indivíduo quanto da sociedade que o recebe. Em muitos casos, este processo termina com a naturalização do refugiado no país de asilo.(ACNUR,2013, online) Com a repatriação voluntária, o indivíduo poderá retornar ao país de origem após o término dos motivos que levaram a deflagrar seu refúgio. Tal processo deve ser observado de preferência a garantir uma volta segura e sem privações de direitos. Entende-se por repatriação voluntária, aquela em que o indivíduo toma iniciativa de retornar a sua nação de origem. Esta atitude não poderá ser tolhida nem obrigada pelo Estado que acolhe o refugiado, em observância do princípio non-refoulement. Cabe transcrevermos em apreço ao aludido acima o que é preceituado pela ACNUR quanto à repatriação voluntária, nos termos ditados por Jubilut (2007) Cumpre ressaltar que a repatriação prevista e incentivada pelo sistema de proteção universal é a voluntária, ou seja, resguardam-se os direitos dos refugiados de permanecer no Estado de acolhida e de não serem devolvidos ao seu Estado de origem contra a sua vontade. (JUBILUT, 2007, p.155) 37 Um aspecto importante que o indivíduo que se encontra em situação de refúgio deve observar é que com a repatriação, os direitos inerentes à condição de refugiados cessam, ficando a mercê de novas perseguições, no entanto,o ACNUR faz a sua parte atuando no sentido de compelir os Estados para que não submetam esse indivíduo a situações de risco e sem proteção dos direitos fundamentais, mas essa garantia não é plena. A intenção do ACNUR é a de eliminar os motivos que fizeram surgir o refúgio para que o repatriado não sofra nenhuma restrição de direitos, procurando a melhor solução para que não tenha que solicitar asilo, novamente. Desse modo, o ACNUR elaborou dois programas para atuar nesse cenário, um diz respeito à execução de suas regulamentações de forma contínua, o outro refere-se a programas emergenciais em casos de conflito entre Estados ou conflitos internos. Essas ações são trabalhadas através de organizações não-governamentais. Essas organizações não-governamentais são importantes para o processo de reintegração do indivíduo ao Estado de origem, realizando em conjunto com a ACNUR, programas e encontros afim de discutir e assegurar os direitos dos refugiados. O último ponto é o reassentamento que consiste na realocação do indivíduo, impossibilitado de ficar no Estado que lhe concedeu o refúgio, este acaba por ser reassentado em outro Estado. O ACNUR atua nesse processo interferindo no que couber nos aspectos políticos e financeiros. No caso em apreço, Jubilut pondera sobre esse procedimento, referindo-se a essa prática de reassentamento como uma medida que deve ser reconhecida por todos os Estados que se comprometeram a assegurar proteção aos refugiados, signatários da Convenção para Refugiados de 1951. Ainda quanto a esse procedimento, o ACNUR indica aos Estados o que deve ser proporcionado para o reassentado, nos seguintes termos: O país de reassentamento proporciona aos refugiados proteção jurídica e física, incluindo acesso a direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais sob as mesmas bases dos seus cidadãos nacionais. Estes países também devem permitir que os refugiados se tornem cidadãos naturalizados. (ACNUR,2013) 38 1.8 Apátridas e Refugiados Após insipiente e irracional conflito bélico entre as nações do Ocidente europeu, póssegunda guerra mundial, período evidenciado por um aspecto público de subserviência ditado pelos poderes totalitários de alguns Estados, acabou por resultar em uma eloquente manifestação sobre os direitos dos seres humanos. Tal atributo de expressão social, cuja manifestação partiria para coação institucional dos Estados daria por iniciar uma conduta que mudaria os valores sociais, sendo assim, a soberania só poderia ser alcançada se defendida por princípios que levassem em consideração a dignidade da pessoa humana. Hannah Arendt (1989) ao tratar sobre o regime totalitarista impregnado na Europa no início do século XX, define-o como sendo uma ficção inventada pelos líderes da época, e esse mundo fictício imanente de convicções filosóficas desmedidas, onde só é possível enxergar uma verdade irreal, uma sociedade secreta, acaba por erigir um movimento revolucionário. Parte ainda, Arendt (1989, p.301), a teorizar aquele cenário como sendo uma “atmosfera de desintegração”, proporcionada pelas duas guerras mundiais revelando um apelo a solidariedade e humanitarismo, nessa ordem traduz a autora: Os últimos restos de solidariedade entre as nacionalidades não emancipadas do “cinturão de populações mistas” evaporaram-se com o desaparecimento de uma despótica burocracia central, que também havia servido para centralizar e desviar uns dos outros os ódios difusos e as reivindicações nacionais em conflito . (ARENDT, 2011. p.301) Deste resultado, surgiu uma classe de pessoas que não possuíam nenhum grupo social, eram considerados como marginalizados da sociedade, chamados por Hannah Arendt (1989, p. 301) como “apátridas”, de número tão expressivo que poderiam formar uma nação, nação das minorias, desnudos de direitos. Esses apátridas eram desnacionalizados, isentos de identificação, perambulando como mendigos, sem fronteiras, em uma constante falta de valores morais. Foi nessa realidade que as afirmações acerca dos direitos humanos estavam descrentes. Não havia uma postura que pudesse trazer algum alento. As perseguições dos indivíduos silenciavam qualquer apelo de democracia. Hannah Arendt (1989, p. 302), bem esclarece o lampejo subjetivo de revolta assinalando que: “A própria expressão direitos humanos tornou-se para todos os interessados 39 – vítimas, opressores e espectadores – uma prova de idealismo fútil ou de tonta e leviana hipocrisia”. Os apátridas eram criados por uma politização, uma ausência de direitos como bem traduziu Giorgio Agamben (2010) em seu livro Homo Sacer. Nesta obra, o autor nos brinda com uma confirmação, de que o homem sem direitos é um ser de “vida nua”, podendo ser morto sem que fosse considerado crime, uma conscientização de como a natureza humana poderia ser neutralizada, com privação total de liberdade. Agamben (2010) acrescenta que o refugiado se encontra em uma situação de rompimento entre o nascimento e nacionalidade, deslocado e inquietante não podendo ser identificado. Essa característica pode ser observada na obra de Agamben (2010. P. 128), “O poder Soberano e a Vida nua”, no seguinte trecho: Exibindo à luz o resíduo entre nascimento e nação, o refugiado faz surgir por um átimo na cena política aquela vida nua que constitui seu secreto pressuposto. Neste sentido, ele é verdadeiramente, como sugere Hannah Arendt, “o homem dos direitos”, a sua primeira e única aparição real fora da máscara do cidadão que constantemente o cobre. Mas, justamente por isto, a sua figura é tão difícil de definir politicamente. (AGAMBEN,2010. p. 128) A interferência política na vida humana é como Agamben (2010) conceitua esse estado de soberania nacional que julga os cidadão por motivos de raça, como por exemplo a eugenética do Reich, amparada pelo paradigma de proteção da raça boa, alemã, em detrimento das demais. Essa compreensão apresenta-se na necessidade de separar o cidadão dotado de direitos, do homem sacro, aquele que sofre de ausência de direitos, vivendo à margem da sociedade. Para Agamben (2010, p.130), o refugiado era uma criação do Estado, e estava intrinsecamente ligado ao homem que era considerado cidadão, mas o que apenas os separavam era um conceito e não a falta de direitos, e assim apontava O refugiado deve ser considerado por aquilo que é, ou seja, nada menos que um conceito-limite que põe em crise radical as categorias fundamentais do Estadonação, do nexo nascimento-nação àquele homem-cidadão, e permite assim desobstruir o campo para uma renovação categorial atualmente inadiável, em vista de uma política em que a vida nua não seja mais separada e excepcionada no ordenamento estatal, nem mesmo através da figura dos direitos humanos (AGAMBEN,2010, p.130) Uma vida sem valor é “vida indigna de ser vivida”, frase que Agamben (2010) sumarizou para retratar a politização que o conceito de cidadão ganhou dos Estados soberanos 40 totalitaristas. Assim, a condição de vida pública tornava-se um valor que correspondesse a uma classe, uma raça, os alijados dessas características não poderiam ser considerados como dignos de viverem naquele Estado. Portanto, sem direitos políticos esses apátridas não poderiam usufruir das aspirações sociais, eram expulsos de seu país, e assim tornavam-se refugiados, eram os “sem Estado”, termo cunhado por Hannah Arendt (1989 ) para tratar das minorias, população que se rebelava contra os Estados soberanos. Os povos sem estado, aqueles que não possuíam proteção de seus governos, considerados como apátridas, o número de pessoas nessa situação crescia cada vez e se tornava um problema. Foi nesse contexto que surge a pretensão de controlar as imigrações através de repatriação, como bem cita Arendt O não-reconhecimento que uma pessoa pudesse ser “sem Estado” levava as autoridades, quaisquer que fossem, à tentativa de repatriá-la, isto é, de deportá-la para o seu país origem, mesmo que este se recusasse a reconhecer o repatriado em perspectiva como cidadão ou, pelo contrário, desejasse o seu retorno apenas para puni-lo. (ARENDT, 2011, p. 313): Uma tentativa de contornar essa situação foi tomada pelos estados, através da abolição do direito de asilo, assim, sem esse direito os Estados poderiam intervir no país vizinho para proteger os seus cidadãos que lá viviam. Outro marco importante foi a conscientização dos Estados de que os refugiados eram uma realidade que deveria ser enfrentada. A Europa entra em crise diplomática pois a repatriação muitas vezes não era aceita por alguns países. A crise de nacionalidade transformava os apátridas em grupos minoritários com expressões típicas de determinadas nações que pudessem até conter uma identidade uniforme, logo, gerava-se uma dúvida quanto a cidadania desses povos. Mesmo que tivessem renunciado à sua cidadania, deixando de lado qualquer conexão ou lealdade em relação ao país de origem, e sem se identificarem com uma nacionalidade legalmente oriunda do governo reconhecido, retinham um forte apego à sua nacionalidade de fato. Já não era apenas o Leste europeu que possuía grupos nacionais minoritários, sem raízes no território do Estado e sem qualquer lealdade a esse Estado. Agora, sob a forma de refugiados e apátridas, esses grupos se haviam infiltrado também nos países da Europa Ocidental. (ARENDT, 2011. p. 316) 41 No entanto, os Estados europeus começam a fechar suas portas para prática de repatriação ou deportação, promovendo até mesmo desnaturalização em massa, transformando a vida dos refugiados em uma situação mais indigna. Os apátridas não tinham direito a residência e a trabalhar, assim, viviam à margem da Lei, podendo ser presos por motivo qualquer, totalmente privados de cidadania. Surge então, uma nova ordem revolucionária oriunda da própria natureza dos conflitos da época pós-segunda guerra mundial, os direitos humanos ganham importância no ambiente internacional, e têm seu ápice com a Declaração dos Direitos do Homem em 1948, sendo esta um marco para proclamação dos direitos humanos e um passo importante para a humanidade. Neste período, marcado por injustiças sociais, o conflito entre as nações com intuito de conquistar território chega a seu fim, agora os Estados precisam se organizarem e formularem nova política para o auto desenvolvimento. Abaixo anexamos um gráfico do final de 2011, onde podemos observar o número de refugiados e de apátridas, e respectivo número por Continente. 42 Fonte: ACNUR (online)2 Considerando os dados acima, é possível constatar que mesmo hoje ainda há um número elevado de refugiados e apátridas, e este resultado negativo se atribui não só aos conflitos armados que ainda persistem no oriente médio, ou em alguns países do continente africano, mas também aos eventos ambientais como veremos mais detalhadamente no capítulo II. 1.9 Valores que deram garantias aos Refugiados O acolhimento de pessoas perseguidas em seus Estados de origem, fez surgir uma discussão quanto aos direitos que esses indivíduos poderiam usufruir no refúgio em outro Estado. Nesta seara, procurou-se proteger direitos que poderiam ser postulados em qualquer Estado, ou seja, que tivessem afirmação universal e servissem de fundamentação filosófica para a construção de uma ordem justa. Com essa intenção, os principais direitos vinculados ao refúgio foram o direito a “dignidade humana, a solidariedade e a tolerância” (JUBILUT, 2007. p 66), acreditava-se que esses três direitos internacionalizados eram capazes de dar segurança aos cidadãos refugiados. Essa visão filosófica dos direitos humanos pode ser observada por Jubilut: Os principais fundamentos do refúgio passaram a ser a dignidade humana – a qual deve ser preservada por todos, inclusive os Estados, em função de sua relevância e do princípio da cooperação internacional, resultante da consciência de se estar vivendo em um mundo inter-relacionado; a solidariedade – base da maioria das ações na esfera internacional, principalmente no que tange à cooperação entre os Estados; e a tolerância – conceito presente nas mais variadas filosofias, inclusive nas religiosas, e que permite o convívio entre os diversos grupos sociais no mundo. (JUBILUT,2007. p 66): 2 Refugiados, solicitantes de refúgio, deslocados internos, apátridas e outras pessoas dentro da competência do ACNUR. Final de 2011. África 13.054.069; Ásia 14.525.986; Europa 3.020.792; América Latina e Caribe 4.315.819; Estados Unidos e Canadá 483.219; Oceania 40.243. Refugiados 10.404.806; Solicitantes de refúgio 895.284; Refugiados retornados 531.907; Deslocados internos 15.473.378; Deslocados internos retornados 3.245.804; Apátridas 3.477.101; Outros 1.411.848. Total 35.440.128 pessoas. 43 Depreende-se disso que o que se pretende é a criação de princípios que possam servir de alento aos direitos humanos, não só ao refugiado, mas de tal forma sirva de corolário a igualdade jurídica para proteção de todos os cidadãos. A começar com a dignidade humana, um direito que existe insculpida na essência do ser humano. Um indivíduo que tem suas razões e convicções se retirado tais valores a força, ele perde sua dignidade, sua essência e sua relevância para os demais indivíduos. Portanto, a dignidade humana é composta por um conjunto de valores, não apenas a condições mínimas de sobrevivência, mas com a função de assegurar ao indivíduo um status quo que lhe dê oportunidade de viver da forma que achar correto, com suas convicções e seus valores. Neste mérito, a dignidade passou a ser o principal direito adquirido pelos refugiados, sem este os demais ficariam prejudicados, pois ele abrange as mínimas garantias para uma qualidade de vida. Fábio Konder Comparato citado por Jubilut (2007), faz alusão a este princípio, retratando a sua importância para os tempos atuais, criando uma associação com a pretensão do indivíduo de ter direito a uma vida feliz, sem diferenças culturais ou biológicas. Outro valor importante é o da solidariedade, presente em nossa sociedade desde os tempos mais remotos, os reis criavam ações que pudessem beneficiar seus súditos, e assim serem considerados como solidários, mas esse não era a real intenção, havia sempre interesses por trás. Foi então no século XIX que o direito de solidariedade se firmou e teve um impacto mais significativo nos Estados, pois foi nesse período que se formulou uma transformação social, e o combate as desigualdades sociais. Isto nos direciona a pensar a solidariedade como uma proposta que admite um vínculo social sem o qual o indivíduo não poderá desfrutar de condições mínimas de sobrevivência em sociedade, e essa estrutura atingiria principalmente as pessoas que estivessem em condições menos favorecidas. No ambiente internacional a solidariedade tem significativa importância quando os Estados tentam combater as desigualdades sociais com medidas paliativas que visam repelir as desigualdades sociais, como ocorre certamente com as situações dos refugiados. Comparato (p. 62, apud JUBILUT, 2007. p. 68) mais uma vez nos brinda com uma interlocução que define as diretrizes que a solidariedade deve se pautar, ao teor que segue: 44 A solidariedade prende-se à ideia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. É a transposição, no plano da sociedade política, da obligatio in solidum do direito privado romano. O fundamento ético deste princípio encontra-se na ideia de justiça distributiva entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais, com a socialização dos riscos normais da existência humana. (COMPARATO p. 62, apud JUBILUT, 2007. p. 68) Partindo desse fundamento, a solidariedade deve ser proposta como condição sine qua non para que os refugiados tenham proteção, pois ela se torna uma responsabilidade a todas as nações. No âmbito dessas discussões surge outro valor que tem a função de demonstrar a sociedade que os indivíduos têm opiniões, e opções diferentes de encarar a vida, é a tolerância. A tolerância é uma virtude que se aplica a quem tem diante de uma situação concreta a discricionariedade de tolerar a maneira de ser de outra pessoa, de pensar e agir. É necessário entendermos que a tolerância é essencial para que os direitos humanos e os direitos dos refugiados sejam observados. Para Alberto do Amaral Junior (2001. 74-77, apud JUBILUT, 2007, p. 70) ela se fundamenta na forma com que é encarada politicamente, podendo trazer benefícios em situações de discordância, também deve ser observada pelo princípio da razoabilidade com interferência no excesso de poder e auferida como princípio moral, reconhecendo a dignidade dos demais indivíduos como direito supremo. Outro fator importante deste valor é a possibilidade que ele proporciona de elidir as diferenças, nas palavras de Michael Walzer (1999, p XII, apud JUBILUT, 2007. p. 70), “a tolerância torna a diferença possível, a diferença torna a tolerância necessária”, um princípio que pactua com o significado de aceitar a polarização dos indivíduos no ambiente multicultural. Em consonância a essa percepção multicultural, que inspira as diferenças entre as pessoas, por motivo de crença, religião, etnia, entre outras, Jubilut (2007), faz menção a essencialidade da tolerância nos seguintes termos: Em sendo parte do cotidiano da sociedade internacional, devido ao caráter multicultural desta, e sendo indispensável para a convivência pacífica entre as diferenças, a tolerância se configura em um princípio importante da proteção dos direitos humanos, e, consequentemente, do Direito Internacional dos Refugiados. (JUBILUT,2007. p. 71) 45 Por todo exposto, podemos concluir que tanto a dignidade, como a solidariedade e a tolerância, são princípios inerentes ao fundamento filosófico da proteção aos direitos humanos e dos refugiados, pois sem eles a sociedade e os indivíduos ficam a mercê de sofrerem uma violência ainda maior, um genocídio cultural. 2 REFUGIADOS NA PERSPECTIVA DO DIREITO NACIONAL BRASILEIRO A contemplação da proteção dos direitos humanos sempre foi recepcionada pelo Brasil, desde a promulgação da primeira Constituição do império em 1824, os direitos liberdade, segurança individual, inviolabilidade de direitos foram legitimados por esta nação. Como não podia deixar de ser, o Brasil foi signatário da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), processando em seu território a acolhida aos direitos fundamentais com aproximação ao Estado Democrático de Direito que vivenciamos hodiernamente. Da mesma forma ocorreu com a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e com o Protocolo de 67, ambos ratificados no Brasil pelos Decretos-legislativos 50.215, de 1961 e 70.946 de 1972 respectivamente, assegurando assim o direito aos refugiados que aqui buscassem asilo. Nesse envolvimento, o Brasil acolheu em 1977 um escritório regional do ACNUR, em virtude dos conflitos gerados pelas ditaduras militares que se desvencilhavam em toda América Latina. Ocorreu que nesse período o Brasil também encontrava-se em regime de ditadura militar, por esse motivo não recebia refugiados de países vizinhos, apenas aceitava o trânsito deles no território brasileiro, mas desde que a intenção fosse de reassentá-los em outros Estados. Segundo Jubilut (2007. p. 172), nesse período “cerca de 20 mil argentinos, bolivianos, chilenos e uruguaios foram reassentados na Austrália, Canadá, Europa e Nova Zelândia”. Porém, devido aos preceitos do ACNUR serem contrários a algumas atitudes políticas dos governos ditatoriais, este escritório não possuía aceitação do governo local, mas não deixou de cumprir seus objetivos, apoiando-se a instituições religiosas e organismos ligados a proteção dos direitos humanos. 46 Hoje tanto a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), como as arquidioceses de São Paulo e Rio de Janeiro acolhem refugiados. De 1975 a 1986, estima-se que 150 refugiados vietnamitas, 50 famílias de Baha’i e alguns cubanos foram recebidos por essas instituições religiosas, e pela AVIM – Associação de Voluntários para a Integração do Migrante, que situava-se em São Paulo, já no Rio de Janeiro esse trabalho era desenvolvido pela Cáritas um órgão da Igreja que tem atuação mundial (JUBILUT, 2007, p. 173). Os vietnamitas, que se encontravam sob o pálio dessas instituições, recebiam todo o amparo jurídico e social para que pudessem se integrar na sociedade, com acesso a moradia e crédito para começar um negócio. Em 1984 iniciou-se com mais vigor um período de repatriação de refugiados no Brasil e na América Latina de modo geral, a esses refugiados era concedida documentação expedida pelo ACNUR para poderem residir como cidadãos comuns no território brasileiro. A Associação de Voluntários para a Integração do Migrante, deixa de existir em 1988, e em 1989 o escritório do ACNUR ganha novo endereço, localizado em Brasília, atualmente atua em conjunto com o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão ligado ao Ministério da Justiça, instituído pela Lei brasileira 9.474 de 1997. Nesse mesmo período, em 1991 após a produção da eficácia dos direitos fundamentais pela Constituição da República de 1988, resultado do estado democrático de direitos, é instituída a Portaria Interministerial nº 394, de 1991, com a função de organizar os procedimentos para analise e concessão do direito ao refúgio. Em face do arguido, Jubilut (2007) expõe de forma sucinta como é realizado esse procedimento: Em linhas gerais o procedimento para a concessão de refúgio ocorria da seguinte maneira: o ACNUR realizava uma entrevista com os solicitantes de refúgio e com base nela elaborava um parecer recomendando ou não a concessão de refúgio naquele caso. Esse parecer era encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores, que se pronunciava a seu respeito e fazia sua remessa ao Ministério da Justiça, que proferia a decisão final. Tal decisão era publicada no Diário Oficial da União e era enviado um ofício do ACNUR para as Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do qual a Polícia Federal emitia documentação para o refugiado .( (JUBILUT,2007, p. 175) No ano seguinte, em 1992, o Brasil debruça-se sobre um novo prisma para defender os interesses dos refugiados, recepcionando o ditames incitados pela Declaração de Cartagema de 1984, onde é instaurada uma concepção mais ampla de proteção aos direitos dos refugiados, tal definição vem a ser formalizada pela Lei 9.474 de 1997. 47 Nesse ponto, o Brasil passa a ser considerado como exemplo, em que pese o tratamento despendido aos refugiados, ampliando seus direitos e minimizando irregularidades, essa postura faz do Brasil uma referência, conforme Jubilut (2007. p 176), “atualmente o Brasil é o segundo maior receptor de refugiados da América Latina, estando atrás somente do México, e um dos únicos que é um país de reassentamento”. Em 1998, sendo reconhecido internacionalmente o trabalho interno do Brasil, em prol das garantias dos direitos dos refugiados, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, desativa seu escritório no território brasileiro, confiando assim, na estrutura criada pelo Brasil para equacionar e sanar todos os problemas ligados aos refugiados. Mais adiante, no período entre 1999 e 2004, outro avanço ocorre no Estado brasileiro, no que tange a proteção jurídica dos direitos dos refugiados, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, no que tange ao auxílio nos processos de reconhecimento, prestando auxílio técnico aos refugiados. Também, nesse período o ACNUR, que possuía apenas escritório em Buenos Aires, na Argentina, com a função de prestar serviço para toda América Latina, resolve ativar novamente o escritório situado no Brasil, ampliando sua atuação junto ao CONARE onde participava das reuniões como membro efetivo, mas sem direito de voto (JUBILUT, 2007). 2.1 Tutela jurídica dos direitos dos refugiados no Estado Brasileiro, Constituição da Republica de 1988 e Lei 9.474, 22 de julho de 1997. Para que possamos analisar a ideologia paradigmática em que se funda o Estado brasileiro, no que compete a proteção dos direitos humanos, necessitamos de um estudo profícuo da construção desses direitos e interpretação destes na seara jurídica, observando os ditames principiológicos e estruturais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A concepção dos direitos humanos perpassa por vários caminhos, desde sua criação, interpretação e aplicação, encontrando em algum Estado maior ou menor importância dadas as seus ideários. É possível classificar interesses, que ora são mais protegidos que outros, ou dimensões de direitos que recebem influência política, econômica, social e cultural, resultando em uma geração pré-determinável, mas da mesma forma, tais influências podem contribuir para busca 48 de situações com temáticas assentadas em valores morais compatíveis com os que se almejam em uma sociedade democrática. Nesse sentido, Ronald Dworkin (2013) afirmava que a democracia só era legítima se concebida por instituições políticas que a sustentasse, e pudessem reafirmá-la perante a sociedade, fazendo alusão as Constituições dos Estados. Sob essas considerações, passamos para o estudo da compreensão e interpretação das normas constitucionais, antes de percorrer os diplomas legais pertinentes, pois para construir uma normatização sobre determinado tema, se faz necessário interpretar o que a norma constitucional dispõe em sua morfologia, através de seus limites e competências atribuídas ao legislador perante a complexidade de conteúdo que lhe são vinculados. Estes conteúdos interferem na compreensão e definição do sentido pratico, e sua analise deve ser robusta ao sentido que lhe é dado pelo legislador, mas no tocante a esta celeuma a interpretação das normas não olvida em receber intervenção do jurista, doutrinador e magistrado, cujas interpretações corroboram com o provimento jurisdicional pleiteado. Sob essa égide, os métodos de interpretação podem atribuir a determinada norma uma compreensão distinta do que realmente se quis, essa é a realidade da maioria dos ordenamentos jurídicos da atualidade, ocasionada pelo Estado democrático de direito que delimita todas as normas de forma programática. Exclui-se dessa realidade a Constituição Americana cujo conteúdo jurídico se delineia por princípios de liberdade e garantias individuais, tornando-se sincrética e axiológica, o que pode ser comparada neste ponto a brasileira. Mas no que compete a interpretação das normas da Constituição Americana, ela difere e muito dos demais ordenamentos jurídicos estatais, pois se norteia na compreensão da norma em determinado caso concreto, o que ocorre na Judicial review, valorizando as ações de iniciativas privadas. 2.2 Proteção dos direitos dos refugiados na Constituição da República do Brasil de 1988. Com percuciente sensibilidade, o Estado brasileiro sempre se demonstrou receptivo as disposições da comunidade internacional sobre a proteção dos direitos humanos, da mesma forma com os direitos dos refugiados, tratando dessa problemática com abordagem universal e humanitária. 49 Pode-se destacar a fundamentação da construção desses direitos no cenário mundial, e como tais questões influenciaram o ordenamento jurídico dos Estados, remodulando as técnicas hermenêuticas dos estatutos legais. No Brasil, a Constituição da República de 1988, recepcionou com rigor, sabedoria e imparcialidade os direitos e garantias fundamentais dos seres humanos, visando uma transformação social que assegurasse a liberdade, a dignidade e a justiça. Nossa carta magna acolheu os princípios internacionais dos direitos humanos pactuados em tratados, potencializando-os, não apenas no conhecer, mas no existir, no sentido que se deu a estes princípios na internalidade do ambiente jurídico brasileiro. Os valores inerentes a completude da reintegração social dos direitos humanos trazem um sentido de coletividade, deixando o abstrato para o real, articulando nas comunidades nacionais a formulação de um processo racional, de imposição de limites e definições de garantias, cabendo a Constituição do país a função de articular esses valores. Nessa ótica, a Constituição da República brasileira de 1988, transformou em definitivo o provimento jurisdicional dos princípios internacionais de proteção aos direitos humanos e direitos dos refugiados, como podemos observar em seu título I, dos direitos fundamentais, que trata dos fundamentos do Estado Democrático de Direitos em que vivemos. Jubilut (2007. p. 180) assim define essa pedagogia dos princípios, in verbis: Por princípios entende-se as linhas gerais que devem ser adotadas pelo governo brasileiro no exercício de suas atividades. Trata-se de regras jurídicas, apontam os objetivos a serem alcançados por essas, tendo assim papel de destaque nos ordenamentos jurídicos. (JUBILUT 2007, p. 180) A proteção da dignidade da pessoa humana, a cidadania, a defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao racismo a cooperação entre os povos e a concessão de asilo político, são alguns dos princípios que a Constituição brasileira evoca, quando se trata do Brasil em suas relações internacionais. Esses fundamentos legais são perpetuados em nosso ordenamento jurídico de forma homogênea, mas na prática recebem definições precisas em uma série ordenada de disposições, como ocorre com o direito ao asilo político, garantia que serve de configuração para a sistematização dos direitos dos refugiados no ordenamento brasileiro. Dadas essas afirmações, Jubilut (2007) expressa nesse arcabouço teórico, sua interpretação quanto a esses princípios, mais precisamente sobre o asilo político e sobre os direitos humanos, entendendo que ambos fundamentam os direitos dos refugiados 50 Com base nesses princípios, pode-se afirmar que os alicerces da concessão do refúgio, vertente dos direitos humanos e espécie do direito de asilo, são expressamente assegurados pela Constituição Federal de 1988, sendo ainda elevados à categoria de princípios de nossa ordem jurídica. Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 estabelece, ainda que indiretamente, os fundamentos legais para aplicação do instituto do refúgio pelo ordenamento jurídico brasileiro. (JUBILUT,2007,p.181) Esse processo de complexificação dos direitos dos refugiados também pode ser alicerçado pelo artigo 5º da Constituição da República de 1988. Nele podemos observar a intenção do constituinte em estender aos estrangeiros os direitos e garantias de liberdade, segurança, igualdade, inviolabilidade do direito à vida, entre outros. O Brasil passa a ser um Estado que reconhece os direitos humanos na sua essência e aplica-os aos refugiados que aqui se encontram, com o mesmo zelo e discricionariedade para todos que necessitam desse amparo, brasileiros e estrangeiros. Por esse motivo, os tratados internacionais que criam compromissos para defesa dos direitos humanos geralmente são ratificados no Brasil, como ocorreu com a Convenção de 1951. Outro ponto importante que deve-se frisar é que conforme previsão constitucional cabe ao presidente da República celebrar os tratados internacionais, consentâneo do art. 84, VIII da Constituição da República de 1988, que terão força de lei ou status constitucional uma vez aprovados pelo Congresso Nacional. Na prática, uma vez celebrado, o tratado deve ser apresentado ao Congresso Nacional para votação nas duas casas legislativas, após finaliza-se com a promulgação do Presidente. Quanto ao poder normativo que este terá, assim nos esclarece Jubilut A (...) questão da hierarquia foi aparentemente solucionada por decisões do Supremo Tribunal Federal que equiparam os tratados em geral às leis ordinárias e pela Emenda Constitucional 45 de dezembro de 2004, que determina que os tratados de direitos humanos que forem aprovados, tanto pelo Senado quanto pela Câmara Federal, com um quórum igual ou superior a 3/5, terão status constitucional. (JUBILUT, 2007, p. 187) 2.3 Legislação sobre proteção dos refugiados no Brasil O Estado brasileiro achou, por bem, confeccionar uma lei própria para tratar dos direitos dos refugiados, e assim o fez em 22 de julho de 1997, com a promulgação da Lei 9.474/97, determinando as diretrizes para implementação do Estatuto dos refugiados. 51 A Convenção de 1951 em seu artigo 5º traz o entendimento de que se houverem garantias mais vantajosas elas deverão ser observadas sem prejuízo de discordância da Convenção. Diante disso, o Brasil editou a Lei 9.474/97 que estabelece critérios para aferição de condição de refugiado, elaborando uma estrutura para tramitação procedimental para obtenção do status de refugiado, e ainda criar o órgão que tem a competência para tratar desses assuntos, o CONARE. A Lei 9.474/1997 é extremamente bem estruturada do ponto de vista formal: ela traz em seu Título I os aspectos caracterizadores dos refugiados; o Título II trata do ingresso no território nacional e do pedido de refúgio; o Título III institui e estabelece as competências do CONARE (que, como já mencionado, vem a ser o órgão responsável pelo reconhecimento do status de refugiado); o Título IV traz as regras do Processo de Refúgio; o Título V trata das possibilidades de expulsão e extradição; o Título VI se ocupa da cessação e da perda da condição de refugiado; o Título VII relaciona as soluções duráveis; e o Título VIII cuida das disposições finais (JUBILUT, 2007. p. 190). Em seu artigo primeiro a Lei 9.474/97 trata do conceito de refugiado, reconhecendo que terá o status de refugiado o indivíduo que: (...) devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; não tendo nacionalidade, e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior ou que devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país .(BRASIL, 1997) Tal artigo não foge da definição clássica do conceito previsto na Convenção de 1951, contudo, a lei não estabelece nenhum limite temporal para concessão como ocorre com a Convenção quando ela definiu que ela se aplicaria as causas que fossem anteriores a 1951, vinda a ser internacionalizada apenas com o Protocolo de 1967. A referida lei toma uma postura diferenciada em seu inciso III do artigo 1º, densificando o objetivo do universalismo totalitário dos direitos humanos, no ápice dos processos de reconhecimento de refugiados, mensurando que a simples violação desses direitos pode servir para caracterizar o refúgio, e por outro lado, se a causa do refúgio advém de problemas com tráfico de drogas ou terrorismo, a norma prevê a expulsão. Salientamos que, em outros territórios, a legislação sobre refugiados não vem de forma autônoma como no Brasil, geralmente ela é subserviente a outras normas de caráter mais 52 genérico como as de imigração ou asilo, o Brasil tomou uma postura diferenciada privilegiando o reconhecimento dos refugiados. Por esse motivo, a lei brasileira se adéqua melhor as situações de interesses dos refugiados, como ocorre com seu artigo 7º, caput, o qual permite que o refugiado possa requerer o refúgio a qualquer autoridade imigratória em qualquer tempo. (JUBILUT,2007) Outra importante determinação da lei brasileira, vislumbra-se no aspecto legal da entrada do refugiado no país, levando em consideração que na maioria das vezes o indivíduo é desprovido de documentação, como passaporte, o que ocasionaria a deportação imediata segundo o Estatuto do Estrangeiro, Lei nacional nº 6.815/1980, mas em contento com o artigo 8º, da lei ora estudada, tal fato deve ser protelado até o término do procedimento de solicitação de refúgio. Quanto ao reconhecimento do status de refugiado, tal procedimento é tramitado no CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados, órgão competente em primeira instância, e em caso não seja concedido o CONARE pode encaminhar o processo para o Conselho Nacional de Imigração, recomendando, se necessário, a concessão de visto humanitário. A proteção dos direitos humanos é incólume na Lei 9.474/97, como pontuado por Jubilut no seguinte parágrafo: A lei nacional, em seu Título V, veda a extradição do refugiado e do solicitante de refúgio enquanto o processo para a concessão do refúgio estiver em curso. Estipula, ainda, que só excepcionalmente, ou seja, nos casos de segurança nacional ou ameaça à ordem pública, é que será efetuada a expulsão do refugiado do território nacional, e nesse caso ela não se dará para Estado no qual a vida, a liberdade ou a integridade física do refugiado corra perigo.(JUBILUT, 2007,p.194) Nos artigos 38 e 39 da lei 9.474 (BRASIL, 1997), são definidas as situações de perda e cessação do status de refugiado, segundo a lei a cessação se dá quando os motivos que levaram o refúgio não existem mais e a perda, quando o refugiado comete algum ato contrário à segurança nacional. Da decisão que reconhece ou não o status de refugiado é passível de recurso de Apelação no prazo de 15 dias, contados da notificação da decisão ao requerente, conforme previsão do artigo 40 da lei 9.474 (BRASIL, 1997). Cessando a condição de refugiado o indivíduo pode permanecer no território brasileiro desde que observados os ditames legais estabelecidos pelo Estatuto dos Imigrantes, nos termos do artigo 39 da lei 9.474 (BRASIL, 1997). 53 Quanto a repatriação, integração local, reassentamento, a lei nacional não inova, vigorando assim as diretrizes internacionais. Já no último título, ela demonstra aquiescência aos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, devendo sempre influenciar no método de interpretação das normas previstas na lei. Entrementes a Lei 9.474/97, não trata em seu teor da possibilidade de alteração da norma internacional, em especial da Convenção de 1951, sendo assim, se essa convenção perder sua legitimidade, proveniente de uma nova Convenção, tais normas não seriam recepcionadas, haveria necessidade de se promulgar nova lei no território nacional, uma vez que conforme previsão constitucional art. 5º, os refugiados têm os mesmos direitos que os estrangeiros no Brasil. Outra previsão constitucional diz respeito ao direito de recurso, consoante ao artigo 5º inciso LV da Constituição da República de 1988, na lei não há dispositivo que regule esse direito, pois a intenção do legislador não é fazer do recurso, para o judiciário, uma regra, mesmo ele fazendo jus a esse direito. Por fim, pode se concluir que este diploma legal ampliou os direitos dos refugiados, trazendo maior segurança ainda aos indivíduos que aqui busquem refúgio, servindo de exemplo para os demais Estados. Nesse sentido Jubilut exarou seu posicionamento: Pode-se dizer que o Brasil passou, com o advento desse diploma legal, a ter um sistema lógico, justo e atual de concessão de refúgio, razão pela qual tem sido apontado como paradigma para a uniformização da prática do refúgio na América do Sul, apesar de sempre haver espaço para melhoras e aperfeiçoamento.(JUBILUT,2007,p.195-196) 2.4 Procedimento para concessão de Refúgio no Brasil Ao entrar no território brasileiro, o solicitante do direito ao refúgio deve se dirigir a uma autoridade imigratória, geralmente um policial federal, momento em que é lavrado um Termo de Declaração, na qual o requerente vai discorrer sobre os motivos que deram causa ao pedido de refúgio, qualificação pessoal, e demais dados pertinentes. Após este procedimento de pedido de reconhecimento de status de refugiado, o solicitante é encaminhado ao Centro de acolhida ao Refugiado, local dirigido pelas Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e Rio de Janeiro, onde o indivíduo permanece até o trâmite 54 final do processo, nesse período a Justiça Federal emite um documento que autoriza a permanência provisória do solicitante de refúgio até a decisão final. Em seguida, o solicitante é submetido a uma entrevista, realizada por um representante do CONARE, a qual é remetida a apreciação de um grupo formado por representantes do CONARE, do Ministério das Relações Exteriores, do ACNUR e da sociedade civil, esta última representada pelo Instituto de Migrações e Direitos Humanos, após, esse grupo emite um parecer que é encaminhado ao plenário do CONARE, onde será apreciado.(JUBILUT,2007) Sendo aceito o pedido de refúgio, a polícia Federal emite documentação de autorização, documento com o nome de Registro Nacional de Estrangeiro – RNE, caso não seja deferido o pedido, o solicitante terá apenas o prazo de 15 dias para permanecer no território brasileiro.(JUBILUT,2007) Sobre esse processo, Jubilut (2007) faz elogios aduzindo que o Brasil instrui de forma dinâmica e bem regulamentada, com pouca possibilidade de fraudes, e principalmente com rapidez, assegurando todas as proteções necessárias ao pretendente do refúgio. 55 3 MUDANÇAS CLIMÁTICAS - AÇÕES CAUSADORAS DE CATÁSTROFES AMBIENTAIS. A interferência dos eventos climáticos no fluxo migratório da população humana tem sido cada vez mais frequente no cenário mundial. Tais fatores podem ser atribuídos às mudanças significativas no meio ambiente provocadas pelas ações antrópicas, como o aquecimento global, cujo fenômeno vem desencadeando uma nova discussão perante a sociedade no âmbito internacional, tanto nas questões de direitos humanos, como de direito ambiental. Outro fator relevante que deve ser observado é a consequência dessa instabilidade global ambiental em detrimento das condições humanas de sobrevivência, como podemos identificar com a situação dos refugiados por motivos climáticos. 3.1 Aquecimento global O meio ambiente sofreu e vem sofrendo cada vez mais com o processo de desenvolvimento globalizado, este processo atinge em suas características globais a pretensão do crescimento econômico sem importar como e onde esse crescimento pode nos levar. É fundamental mensurarmos que esse processo de alavanca da economia é propulsor de um progresso ofensivo ao meio ambiente, causador de poluição e degradação de ambientes naturais, reduzindo a biodiversidade de vida e de plantas no planeta, entre outros fatores que são considerados propícios a consequências naturais desastrosas e de mudanças climáticas. Na expectativa de impor limites para esse desenvolvimento econômico desenfreado, a comunidade internacional manifestou preocupação com os índices alarmantes de agressão ao meio ambiente, organizando encontros políticos no intuito de discutir essas questões na expectativa de conscientizar os países desenvolvidos e em desenvolvimento, principais agentes agressores ao meio ambiente, da importância de diminuírem os impactos causados ao planeta. Especialistas defendem que a mudança do clima é o resultado de um processo de acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, que está em curso desde a revolução industrial, fato que deve ser atribuído a população mundial, cujas responsabilidades por esse fenômeno são mais significativas em alguns países que outros, segundo os volumes de suas emissões. 56 A solução encontrada para provocar uma discussão global foi a criação de uma Conferência social internacional articulada pela Organização das Nações Unidas, cuja principal intenção era forçar os Estados a pactuarem um tratado que provocasse a diminuição da emissão de gases do efeito estufa. Em 1992, no Rio de Janeiro, foi realizada a Convenção das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD, chamada de ECO 92 ou RIO 92, também conhecida como “Cúpula da Terra”, nesta oportunidade além de tratar de assuntos relevantes sobre o meio ambiente e o desenvolvimento os países envolvidos assinaram um acordo prevendo ações concretas para mitigar a interferência humana no ambiente natural do planeta. Nesta Conferência ECO 92, é tomado um passo importante com a assinatura da Agenda 21, comprometendo os signatários a estabilizar em níveis mais seguros os índices de concentração de emissão de gases poluentes. Agenda 21 – 9.6. A preocupação com as mudanças do clima e a variabilidade climática, a poluição do ar e a destruição do ozônio criou novas demandas de informação científica, econômica e social, para reduzir as incertezas remanescentes nessas áreas. É necessário melhor compreensão e capacidade de previsão das diversas propriedades da atmosfera e dos ecossistemas afetados, bem como de suas conseqüências para a saúde e suas interações com os fatores sócioeconômicos.(AGENDA 21, 1992,online) A Conferência ECO 92 teve papel importante no combate ao aquecimento global, pois tratou de impactar a comunidade internacional sobre os índices maléficos que a emissão de CO² (Dióxido de Carbono) estão influenciando no efeito estufa. O aquecimento global e as mudanças climáticas já haviam sido objeto de discussão na Convenção-Quadro sobre Mudanças do Clima, resultado de um acordo unilateral elaborado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1990, o qual foi assinado apenas na ECO 92, tornando-se vigente somente em 1994. Dentre as medidas previstas na Convenção ECO 92 esta a de estabilizar os níveis de concentração na atmosfera dos gases do efeito estufa (GEE), considerando que nos últimos três séculos o nível que era de 260 ppmsv (partes por milhão de volume) passou para 380 ppmv, representando 2,6 trilhões de toneladas desses gases na atmosfera. (THOMÉ, 2011) Esta Convenção criou o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, na qual os países desenvolvidos e os em desenvolvimento deveriam se guiar, com ações distintas, mas com o mesmo objetivo de redução da emissão de gases do efeito estufa, arcando com os custos dessas ações. 57 Tal princípio afere que todos os países detêm sua respectiva responsabilidade quanto às mudanças climáticas, contudo, como os países desenvolvidos e em desenvolvimento são mais impactantes para o aumento das mudanças climáticas, devem ter uma atuação diferenciada. Para que essas ações fossem pactuadas entre a comunidade internacional a Convenção elaborou a Conferência das Partes (COP), órgão supremo da Convenção, composta por todos os países que a ratificaram (THOMÉ,2011), sua função é de atuação prática, tornando eficazes as decisões implementadas na Convenção. No entanto, somente com indicadores de emissão desses gases, poderia se ter uma noção do que cada país vinha interferindo no aumento do aquecimento global, daí a persecução de uma medida mitigatória. Neste contexto, no ano 1995 em Berlim, com a primeira Conferência das Partes COP1, os países em número de 160, chancelam a importância de se estabelecer estudos e pesquisas sobre a emissão dos gases do efeito estufa (GEE) por seus pares, a fim de prever as medidas paliativas necessárias, no ano seguinte em Genebra, na Suíça, acontece a COP2, com poucas modificações concretas, apenas reconhecendo a importância de se limitar a emissão dos GEE. Já em Kyoto no Japão, em 1997, acontece a mais significativa Conferência, a COP3 que cria um protocolo capaz de mensurar e adequar uma proposta de diminuição e estabilização das emissões dos gases do efeito estufa pelos países participantes. O protocolo de Kyoto, como é chamado, abrange de maneira eficaz a pretensão que, até então, estava apenas pactuada em princípios desde a Convenção-Quadro sobre mudança do clima de 1992, o protocolo prevê a diminuição dos GEE, apresentando os índices necessários para se alcançar tal objetivo. No primeiro momento, não houve aceitação de todos os países, principalmente os desenvolvidos, principais poluidores, em 2002 houve a ratificação da União Europeia, Japão, Polônia e Canadá, mas esses países eram responsáveis por emissão apenas de 43,7% dos GEE, e para o protocolo entrar em vigor era necessário participação de no mínimo 55 % de emissões, o que veio a acontecer apenas em 2005 com a ratificação da Rússia, completando esse índice. Os Estados Unidos, um dos maiores emissores, não ratificaram por questões econômicas. O objetivo principal era fazer com que os países assumissem um compromisso de diminuição das emissões dos GEE num percentual estipulado para cada país pactuante no período de 2008 até 2012. Os países desenvolvidos e em desenvolvimentos eram os mais afetados por essas medidas mitigadoras, os demais poderiam aderir espontaneamente. 58 Neste intervalo de tempo houve um aumento médio de 0,6°C na temperatura da superfície do globo, enquanto que os níveis de CO2 aumentaram em volume de 265 partes por milhão de volume – ppmv. Com o fim deste período, sem resultados satisfatórios a ONU marca outro encontro para discutir o fim do protocolo Kyoto. Acontece, então, a COP 18 em Doha no Catar (2012), é optado nesta Conferência pela manutenção do protocolo de Kyoto até 2020, contudo, agora o protocolo não contará com Canadá, Rússia e Japão, e com os EUA que não assinaram nem em 2008. Atualmente, os principais emissores de GEE são: china, EUA, Rússia, Índia, Brasil, Japão, Alemanha, Canadá, Reino Unido e Coréia do Sul. Nos EUA o setor de geração de eletricidade é responsável por 41% do total das emissões de carbono, provocado em grande parte pelas usinas de carvão que são responsáveis por 50% da energia do país.(CORREIO BRAZILIENSE,2012, online) Uma proposta foi elaborada pelo governo americano com intuito de fomentar a tecnologia para sequestro de CO² nessas usinas, mantendo uma emissão equilibrada em 454 quilos no período de 30 anos, da mesma forma aprovaram uma norma regulamentadora possibilitando que o setor trabalhe com o limite de 454 quilos de carbono por megawatt-hora .(CORREIO BRAZILIENSE,2012, online) , já que, atualmente, as usinas de carvão produzem o dobro desses dados. Já no setor energético brasileiro o Ministério do Meio Ambiente divulgou uma estimativa das emissões de gás carbônico (CO2) dos setores de energia e indústria. De 1994 a 2007, as emissões de CO2 na indústria cresceram 77%, enquanto no setor energético aumentou 49%. O principal problema identificado do levantamento foi uma tendência de sujar a matriz energética brasileira, uma das mais limpas do mundo. (O GLOBO, 2013, online) Nos últimos 13 anos houve um aumento significativo no número de termoelétricas, usinas de geração de energia altamente poluentes. Enquanto as termoelétricas emitiram 10,8 milhões de toneladas de CO2 em 1994, em 2007 essas emissões passaram para 24,1 milhões de toneladas de gás carbônico. (O GLOBO, 2013, online) O Brasil, como País signatário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Convenção do Clima), tem ainda como uma de suas principais obrigações a elaboração e atualização periódica do Inventário Nacional de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal (Inventário). 59 Como determina a Convenção do Clima, o Inventário deve incluir apenas as emissões e remoções de gases de efeito estufa causadas pelas atividades humanas (antrópicas). Foram considerados, no inventário, os seguintes gases de efeito estufa: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6). Também foram estimadas as emissões dos chamados gases de efeito estufa indireto, como os óxidos de nitrogênio (NOx), o monóxido de carbono (CO) e outros compostos orgânicos voláteis não metânicos (NMVOCs). As emissões desses gases foram estimadas segundo as fontes de emissão, chamadas setores: Energia, Processos Industriais, Uso de Solventes e Outros Produtos, Agropecuária, Mudança no Uso da Terra e Florestas, e Tratamento de Resíduos. O último inventário data de 1994. No Anexo I do protocolo de Kyoto, está previsto a política de mitigação e diminuição de emissão de gases do efeito estufa - GEE, para as partes signatárias compostas pelos países desenvolvidos cumprirem. Dentre elas, podemos citar o aumento da eficiência energética, proteção e o aumento de sumidouros e reservatórios de gases de efeito estufa, manejo florestal, florestamento e reflorestamento, promoção de formas sustentáveis de agricultura, pesquisa, uso de formas novas e renováveis de energia, tecnologia de sequestro de CO², redução gradual ou eliminação de imperfeições de mercado, de incentivos fiscais, de isenções tributárias e tarifárias e de subsídios para todos os setores emissores de GEE, medidas para limitar e ou, reduzir as emissões de GEE no setor de transportes, limitação e ou redução de emissões de metano por meio de sua recuperação e utilização no tratamento de resíduos, entre outros. Uma maior eficiência no setor energético, evitando desperdícios e compatibilizando forças para um uso equilibrado da matriz energética composta pelos combustíveis fósseis e carvão mineral, é outra medida que tangencia às pretensões do protocolo de Kyoto. Há uma insistência ainda no protocolo da preservação das florestas, devida a sua atuação como sumidouros ou reservatórios de GEE, realizado no processo da fotossíntese, absorvendo o Dióxido de Carbono (CO²) da atmosfera e expelindo Oxigênio (O²). Também faz menção à pouca diversidade de energia renovável, mostrando como a comunidade internacional ainda é refém dos combustíveis fósseis como petróleo e o carvão mineral que compõe 80% da energia total usada no planeta. O protocolo, ainda sugere o uso de instrumentos públicos, como a extrafiscalidade em prol de beneficiar determinados setores, com medidas de isenções ou compensações tributárias para quem preservar ou mitigar os impactos ambientais. 60 3.2 Consequências do aquecimento global - Imigração decorrente de Catástrofes ambientais. As imigrações decorrentes de eventos naturais não são particularidades apenas dos tempos hodiernos, as catástrofes naturais acontecem há muito tempo, como as enchentes, secas, e outros eventos que forçam os indivíduos a se deslocarem do local onde vivem. No processo de evolução do Direito Internacional dos Refugiados, José H. Fischel de Andrade aponta o que seriam os primeiros registros históricos da presença de “refugiados ambientais” em passagens da bíblia sagrada, na qual se encontram narradas fugas forçadas por calamidades devastadoras ou privações causadas pelo meio ambiente. A convivência do homem com situações de risco, a ocorrência de desastres e com os impactos da alteração climática não são, portanto, problemas inéditos.(RAMOS, 2011,p.48) Antigamente, essas catástrofes eram atribuídas a causas provenientes da intervenção divina na terra, hoje a realidade nos condiciona a atentarmos na interferência humana como causa desse ambiente hostil, resultados do aquecimento global, poluição atmosférica, poluição dos rios, desmatamento, entre outros. Hoje, esses tipos de eventos estão mais condicionados a ocorrerem, em consequência da vulnerabilidade, aos riscos ambientais resultantes da interferência humana, principalmente do desenvolvimento econômico. As mudanças sociais e econômicas que a sociedade vivencia hoje são fruto de transformações globais. Para o alemão Ulrich Beck (2002), esse desenvolvimento criou uma sociedade do risco, iniciada pela globalização dos anos 80 e com a eclosão do capitalismo, segundo ele, os riscos assumem uma complexidade em função da globalização, gerando um processo irreversível, ininterrupto e multidimensional, sem fronteiras nas dimensões econômicas, de informações, da ecologia, da técnica e dos conflitos transculturais e da sociedade civil. (BECK, 2002. p. 5 apud RAMOS, 2011. p. 49) Na sociedade atual, os riscos podem ser deflagrados de forma mais intensa, haja vista as dimensões sócio, econômica e demográficas que resultam da globalização. Nesses preceitos a ação humana vem contribuindo na transformação do meio ambiente, devido a interferência na natureza em prol do desenvolvimento. 61 Sob esses aspectos o homem na contemporaneidade começou a refletir mais sobre as catástrofes ambientais creditando à sua interferência a causa negativa desses fenômenos. Tal problemática insurge-se levando em consideração a velocidade que o desenvolvimento está atingindo, a tal ponto que esses avanços não estão sendo equilibrados com sustentabilidade o que leva a agravar ainda mais os riscos para as futuras gerações. Ainda há algumas pessoas que acreditam que os recursos naturais existem para servir o ser humano, para que este alcance seus fins econômicos e não como um ser integrante de um todo, meio natural do qual deve proteger para sobreviver. A vulnerabilidade do meio ambiente frente à intervenção da espécie humana é cada vez mais uma fonte de riscos e perigos para o próprio homem que a produz e reproduz de longa data, acentuando-se o alcance e diversidade dos riscos na mesma velocidade com que evolui o desenvolvimento e a exploração do meio ambiente sob a justificativa de bem-estar e do conforto, enfim, do desenvolvimento. (WEYERMÜLLER, 2010. p 44) Os efeitos dessa contingência debilitável da relação do homem com a natureza se defronta com a definição dos “novos” direitos, como difunde Cançado Trindade (1993, p 140 -141), como “o direito a um meio-ambiente sadio e o direito ao desenvolvimento”, segundo o qual, esses novos direitos estão em processo de transformação, de serem justificáveis de tal maneira que haja uma ligação entre eles, a qual não pode ser negligenciada. Porém, a implicação desses riscos já é atual e defrontam uma realidade inevitável e merecedora de uma acentuada atenção, pois o quadro atual desta crise entre o meio ambiente e o desenvolvimento está refletindo em uma condição de regresso, o exemplo disso é o que se gasta com a recuperação dos ambientes atingidos por catástrofes naturais. Recentemente foi publicado um estudo sobre o custo dessas catástrofes por uma seguradora Suíça, Swiss Re, tornando público que em 2012 o gasto foi de 186 bilhões de dólares, sendo nos EUA o local onde mais ocorrem eventos dessa natureza, 9 a cada 10 incidentes mais caros são em território americano(DOM TOTAL, 2012,online). Evidenciadas essas implicações, volta-se a teoria de Ulrich Beck (2002) da sociedade do risco, cuja a situação de dano causado por determinada comunidade deve ser ampliada para o conhecimento global, a fim de que esse problema não fique encoberto, visto que os efeitos desses danos acabam sempre voltando para a comunidade local, assim afirma o autor que “na sociedade de risco, essa limitação espacial e social perfeitamente determinável dá lugar a uma dimensão globalizada que afeta a todos indistintamente, até aqueles que os produzem na forma de um “efeito bumerangue”.( WEYERMÜLLER, 2010. p 48) 62 Quando os danos que poderão ocorrer são resultado de nossas decisões, estaremos falando de riscos; quando danos podem ocorrer sem que seja possível nosso controle, estaremos no âmbito dos perigos, os quais cada vez mais são influenciados pela ação humana, implicando na necessidade de buscar o controle sobre os perigos, ou seja, transformá-los em riscos (decisão).(WEYERMÜLLER, 2010. p 50) Sem embargos, pode-se afirmar que os efeitos globais desses riscos são perceptíveis não só no arcabouço ecológico, mas também no econômico, social e cultural, o que acaba por implicar em uma interferência negativa no desenvolvimento da humanidade. Natascha Trennepohl credita essa crescente ordem de agressão a natureza ao capitalismo moderno, assim se manifestando: A presença de riscos não é uma característica inovadora da sociedade atual, uma vez que tais situações já existem há muito tempo. O grande diferencial está no potencial global de abrangência: os danos não se limitam ao espaço geográfico em que a atividade perigosa foi produzida. Ademais, antigamente, estes eram decorrentes de uma falta de estrutura, seja ela tecnológica, higiênica, etc; agora, são frutos da super estrutura industrial, são produtos da modernidade.(TRENNEPOHL, 2008. p 22, apud RAMOS, 2011. p. 49) Compreendendo esses efeitos negativos, Ulrich Beck (2010), declara que as imigrações decorrentes de catástrofes ambientais são provenientes das mudanças climáticas, em face dos riscos apresentados pelo processo de globalização, e apesar de haver políticas mitigadoras, a comunidade internacional não obtém êxito em minimizar as desigualdades sociais provocadas por esse processo, o que acaba por interferir no cenário de imigração onde os indivíduos em situações mais precárias são os mais afetados. Em não havendo um equilíbrio social entre os Estados, existindo países com posturas de intenso desenvolvimento a qualquer preço, ignorando os problemas que isso pode acarretar, a imigração para esses países de indivíduos advindos de locais precários pode ser mais um indício da falta de responsabilidade tanto ambiental como social e que acaba por criar um círculo de ações de risco. A sociedade internacional necessita ampliar suas políticas frente a essa realidade, estruturando os preceitos de interligação de cunho social e ambiental entre os Estados, reduzindo a vulnerabilidade em que se encontram as populações pobres e estabilizando as ricas. A análise da vulnerabilidade é o elemento-chave que conecta mudança climática, desastres, degradação ambiental e migrações forçadas daí decorrentes e que permite visualizar, com a devida abrangência, as múltiplas dimensões das mudanças ambientais e a necessidade da cooperação global, especialmente quando Estados e regiões afetados demonstram evidente incapacidade de responder a tais mudanças 63 por meio de medidas preventivas e também posteriormente à ocorrência dos eventos.(RAMOS, 2011. p 56) Com essa preocupação de promover medidas preventivas as Nações Unidas criaram o IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, a fim de produzir prognósticos científicos para aferição das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera. O objetivo do IPCC é alertar a comunidade internacional sobre os riscos e as consequências que o aquecimento global e a respectivas mudanças climáticas são capazes de provocar a terra. Em 2007, o IPCC divulgou seu quarto e último relatório, dando conta dos riscos que o planeta vem sofrer com as mudanças do clima. É possível visualizar nesse relatório dados precisos dos impactos humanos no aumento do aquecimento da terra. Desde o primeiro relatório em 1990 até o último, constatou-se um grande e significativo aumento dos gases do efeito estufa na atmosfera, tais previsões impactariam na perda dos sistemas biológicos terrestres, derretimento das geleiras, aumento de chuvas e tempestades tropicais, frio intenso e desertificação prolongada, conforme citado abaixo: Aumento do nível dos oceanos: com o aumento da temperatura no mundo, está em curso o derretimento das calotas polares. Ao aumentar o nível da águas dos oceanos, podem ocorrer, futuramente, a submersão de muitas cidades litorâneas; Crescimento e surgimento de desertos: o aumento da temperatura provoca a morte de várias espécies animais e vegetais, desequilibrando vários ecossistemas. Somado ao desmatamento que vem ocorrendo, principalmente em florestas de países tropicais (Brasil, países africanos), a tendência é aumentar cada vez mais as regiões desérticas do planeta Terra; Aumento de furacões, tufões e ciclones: o aumento da temperatura faz com que ocorra maior evaporação das águas dos oceanos, potencializando estes tipos de catástrofes climáticas; Ondas de calor: regiões de temperaturas amenas tem sofrido com as ondas de calor. No verão europeu, por exemplo, tem se verificado uma intensa onda de calor, provocando até mesmo mortes de idosos e crianças; Ondas de calor: regiões de temperaturas amenas tem sofrido com as ondas de calor. No verão europeu, por exemplo, tem se verificado uma intensa onda de calor, provocando até mesmo mortes de idosos e crianças; Atualmente os principais emissores de GEE são: china, EUA, Rússia, Índia, Brasil, Japão, Alemanha, Canadá, Reino Unido e Coréia do Sul 3.(Relatório ACNUR) Com relação ao aumento do nível dos oceanos, poderemos observar mudanças migratórias e até mesmo imigratórias da população que vive nos locais com extensa área litorânea, segundo Relatório do IPCC, a elevação do nível dos oceanos atingirá a muitos milhões de pessoas, tornado-se um desafio especialmente difícil para países em desenvolvimento devido às suas limitações em termos de capacidade de adaptação às novas realidades que 3 Aquecimento Global. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/geografia/aquecimento_global.htm. Acesso em: 03 abr. 2013 64 prejudicarão, especialmente, as comunidades que dependem sobremaneira de recursos dependentes do clima como alimentos e água.( WEYERMÜLLER, 2010. p 99-100) Ulrich Beck (2010, p. 100), em um tom mais pessimista acredita que a humanidade sofrerá com “êxodo de ecorrefugiados e asilados climáticos”, principalmente para regiões mais ricas, e o países mais pobres, poderão sofrer com guerras por água e alimento. Uma pretensa preocupação com esses eventos já havia sido objeto de discussão no Quarto Relatório do IPCC, em especial na página 53, com o seguinte teor: “O aumento da seca, da atividade intensa dos ciclones e aumento do nível do mar tem como um dos seus principais impactos sociais o potencial de movimentos migratórios” (Intergovernmental Panel on Climate Change, 2013, p.53) Eventos como tsunamis de 2004 na Indonésia e 2011 no Japão, furacão Katrina e Sandy nos EUA, terremoto do Haiti em 2010, nos levam a uma correlação destes com as mudanças climáticas, e com o crescimento do número de refugiados ambientais. Só no Haiti foram 1,5 milhão4 de desalojados. O terremoto que atingiu o Haiti em 2010, o maior em 200 anos no país e o pior desastre urbano da atualidade, que resultou em mais de 300 mil vítimas fatais e aproximadamente um milhão e meio de pessoas desabrigadas, comprova tal hipótese. O custo da catástrofe foi avaliado pelo Banco Mundial em 7.9 bilhões de dólares e a reconstrução vem sendo financiada por organizações, fundos e doadores internacionais.(ALTERNET, 2011) O Brasil é um dos países que acolhe esses refugiados ambientais Haitianos, dentre os quais, mais de 4 mil já conseguiram visto para permanecer em território nacional, estima-se que 3 mil ainda estão ilegais. As dificuldades que eles encontram no território brasileiro são muitas, principalmente quanto ao descaso do nosso governo brasileiro, tais angústias foram reveladas em entrevista proferida ao Instituto Humanistas Unisinos, pelo padre Jesuíta Tadeu Berausse membro do projeto Pró-Haiti, conforme trecho abaixo: O Governo Federal tem concedido os vistos aos migrantes, possibilitando a vinda de aproximadamente 120 haitianos por mês, no entanto, continua, "os governos estaduais estão bastante omissos, quase não existe nenhum posicionamento. Não há um trabalho sistemático que envolva as esferas Federal, Estadual e Municipal”. Ele relata que alguns dos haitianos migrantes que falam o português partilham suas preocupações e angústias com a atual situação do país. "Demonstram certo pessimismo com a reconstrução do Haiti. Falam muito de seus familiares. Sempre estão preocupados em mandar remessas para ajudá-los. Outros são mais reservados 4 Dois anos do terremoto do Haiti. Disponível em: http://topicos.estadao.com.br/terremoto-no-haiti. Acesso em 03 de abr. 2013. 65 em falar sobre a realidade do seu país. As conversas geralmente giram em torno do trabalho ou da busca pelo mesmo (BERAUSSE, 2013 ,online). Na medida em que o número de refugiados ambientais vem crescendo em todo mundo, será necessário envidar mais esforços por parte dos Estados para resolverem estas situações. Essa realidade pode ser vista nos dados emitidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) dando conta de que em 2050 poderemos ter um número de 250 milhões de refugiados por motivo de catástrofes ambientais. (UOL, 2013,online) A ONG (Organização Não Governamental) britânica Fundação para Justiça Ambiental (EJF), alerta sobre os riscos da mudança climática: “Cerca de 325 milhões de pessoas são afetadas todos os anos por fenômenos climáticos, segundo a ONG britânica, que vai mais longe e avisa que perto de 10% da população do planeta, entre 500 milhões e 600 milhões de pessoas, está em situação de "risco extremo".(UOL, 2013,online) Consoante essa perspectiva, colocamo-nos a integrar as exigências de proteção ao meio ambiente e combate ao aquecimento global a uma política internacional que deve ser gerenciada através de estudos, estatísticas na busca de prevenções e soluções integradas, para assim, compreendendo a causa, combatê-las. 3.3 Crise da água – e os refugiados ambientais Atualmente, o aquecimento global tem sido uma das questões mais discutidas no contexto internacional por todas as esferas econômicas, políticas e sociais, a preocupação com o aumento na temperatura do planeta fica ainda mais latente após eventos ambientais catastróficos cada vez mais frequentes. Derretimentos das geleiras, e, por consequência, o aumento do nível dos oceanos, tempestades tropicais, enchentes, secas, extinção de espécies, são alguns desses eventos provenientes da mudança no clima. Outro evento causado pelo aquecimento global, que talvez mereça mais apreço pela comunidade internacional por sua significância, é a restrição do acesso a água, sobretudo porque nos estágios iniciais atinge a população mais carente. Segundo a ONU (2010), estima-se que 1 bilhão de pessoas não possuem acesso suficiente a água com abastecimento de no mínimo 20 litros diário por pessoa, esse número reflete uma realidade que tende a se ficar cada vez mais agravada a cada ano que passa. 66 Desses 1 bilhão, 884 milhões não tem acesso a água potável de qualidade, ou seja, tem contato com água contaminada imprópria para o consumo, aumentando risco de doenças fatais. (FUNDACIÓN AVINA,2011,online) A ONU estima que, até 2025, cerca de dois terços da população mundial estarão carentes de recursos hídricos, sendo que cerca de 1,8 bilhão enfrentarão severa escassez de água. Na metade do século, quando já seremos 9 bilhões de habitantes do mundo, 7 bilhões enfrentarão a falta do recurso em 60 países.( O ESTADO, 2013, online) A Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), emitiu um dado importante sobre a contaminação da água no território Sírio, em virtude do conflito armado que completou dois anos em março de 2013 naquele Estado, apenas 35% da água está sendo tratada, cerca de 4 milhões de pessoas estão consumindo água contaminada, sendo a metade crianças, o que vem elevando o número de doenças. No mundo, esses fatores ligados ao consumo impróprio da água e inadequado serviço de saneamento básico levaram ao óbito 1,8 milhões de crianças.( SCHONS, 2011) Não precisamos enfatizar que a água é um elemento de suma importância para vida, ela é necessária para agricultura, para a indústria e para o objetivo principal que é o consumo. O acesso a água saudável representa uma boa qualidade de vida, nesse sentido é necessário olhar para as comunidades pobres que não possuem acesso de qualidade a esse bem primordial, e os riscos que esse problema poderá levar a sociedade internacional, verificando-se a possibilidade de migração desses locais de escassez de água. Essas pessoas que por esse motivo migram para outros países em busca de água podem ser consideradas como refugiados ambientais, pois se trata de um fenômeno causado pelo aquecimento global. Outro problema que deve ser combatido é o consumo de água em excesso por parte da população, nos EUA por exemplo o número de litros por pessoa é de 575, na Austrália é de 495, Itália 385, Japão 375, México 365, Brasil 185, China 85, Angola, Camboja, Etiópia, Haiti e Ruanda é de 15 litros por pessoa.(GUIA DO ESTUDANTE, 2013, online) No Brasil, detém 13% da água do planeta, sendo que 70% da água do nosso território está distribuída na região da Amazônia e apenas 10% nos demais Estados. Nos EUA, praticamente não há escassez um quinto da água utilizada provém do aquífero Ogalalla, mas devido a exploração excessiva corre risco de esgotar, visto que está em uma área que não recebe infiltração da água da chuva. (GUIA DO ESTUDANTE, 2013) 67 Em alguns países da África a crise da água já está instalada, e esse problema atinge principalmente a população mais carente, apenas 25% da água doce é aproveitada, não há infraestrutura adequada, a falta de saneamento básico acaba por poluir as pequenas reservas de água doce. (GUIA DO ESTUDANTE, 2013, online) Ainda na África, em especial Dadaab no Quênia, fica o maior campo de refugiados do mundo, esses refugiados são provenientes da Somália, da Etiópia e do próprio Quênia, onde acontecem conflitos armados há duas décadas, atualmente está abrigando quase 500 mil refugiados segundo ACNUR (UNHCR,2013,online), vivendo em total falta de recursos básicos de sobrevivência, sem alimentação adequada, e sem água, devido uma seca que castiga a região considerada a maior dos últimos 60 anos. Em países vizinhos africanos como Burkina Faso, Níger e Mauritânia a escassez também já está presente, o acesso a água é de 15 a 17 litros por pessoa, tal quantia é propensa ao acometimento de doenças como a cólera, quanto a essa realidade o ACNUR tenta angariar fundos para ajudar na distribuição de água potável, no entanto, as arrecadações estão na quantia da metade do que seria necessário Hoje, 257 mil refugiados do Mali passam por dificuldades terríveis e privações”, afirmou Guterres durante sua visita a Damba, onde vivem cerca de 1.200 refugiados malineses. “As fronteiras que eles cruzaram são de países pobres, como Níger, Mauritânia e Burkina Faso, que já possuem problemas de segurança alimentar. No entanto, estes refugiados têm sido recebidos com generosidade pelas populações locais, que dividem com eles o pouco que possuem e até agora não receberam a devida atenção da comunidade internacional. As agências humanitárias estão lutando para garantir que as necessidades básicas – água, saneamento, alimentação e saúde - sejam atendidas”, disse Guterres. Ao longo deste um ano e meio de conflito o ACNUR vem tentando lidar com a falta de recursos para as operações. Apesar da recente doação de US$10 milhões dos Estados Unidos e contribuições de outros doadores, foram arrecadados apenas US$ 49.9 milhões dos US$153 milhões necessários para assistir os refugiados e deslocados internos do Mali (ACNUR,2013,online) No dia 22 de março de 2013, a ONU celebrou o dia mundial da água com uma reunião em Nova York, nos EUA, nesta oportunidade o Secretário Geral da ONU Ban Ki-moon, alertou que até 2030 a demanda por água superará a de oferta em 40% o que causará racionalização mundial, devido crescimento demográfico e o mal uso. O chefe da ONU fez um apelo por mais cooperação entre os países dizendo que a água é um recurso natural comum, além de ser a chave para um desenvolvimento sustentável. Ele afirmou que todos devem usá-la de forma mais inteligente e sem desperdício (UOL,2013, online) 68 No mesmo dia, o Presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga alertou sobre a interferência das mudanças climáticas no ambiente de escassez da água, mensurando que o resultado dessas mudanças são secas prolongadas e enchentes mais intensas. Além das mudanças climáticas, outros fatores estão interferindo densamente na qualidade dos mananciais de água doce, como a falta de saneamento básico, uso de inseticidas na agricultura, poluição doméstica e esgoto doméstico, são alguns dos mais impactantes. 69 4 REFUGIADOS AMBIENTAIS E O CASO DOS HAITIANOS IMIGRANTES NO BRASIL Notadamente, tem-se conhecimento que os desastres naturais provocam imensos prejuízos de ordem econômica e social, inclusive vitimando pessoas todo ano ao redor do planeta terra. Ocorre que, além dessas, outras consequências resultam desses desastres, como a formação migratória forçada em busca de um novo habitat pelas pessoas atingidas. A decisão de migrar tem início com um evento climático, mas também é motivada pela condição de vulnerabilidade social. Uma definição e reconhecimento do termo “refugiado ambiental” pelo Direito Internacional, responsabilizando os Estados com a função de dar maior segurança jurídica e humanitária a estes indivíduos, e melhores condições de sobrevivência, se faz necessário e urge por planejamento político. 4.1 Refugiados ambientais Contempla-se na categoria de refugiado ambiental os indivíduos que são obrigados a emigrarem do local onde vivem, para outros países em virtude da interferência de eventos ambientais catastróficos, ou causadores de profundas mudanças naquele ambiente. As primeiras aparições deste termo se deu na década de 1970, pelo analista de ambiente Laster Brown: “The term was first popularised by Lester Brown of the World watch Institute in the 1970s, but perhaps the most quoted contributions on the subject are those of El-Hinnawi (1985) and Jodi Jacobson (1988)” (BLACK, 2001. p. 1)5. Tanto Laster Brown quanto Jodi Jacobson conceituaram refugiados ambientais como sendo a “pessoa ou grupo de pessoas que, em virtude de mudanças e catástrofes ambientais, naturais ou provocadas pelo homem, permanentes ou temporárias, tiveram que, forçadamente, abandonar seu local de origem ou residência habitual para encontrar refúgio e abrigo em outra região do globo”( PEREIRA, 2009, p. 117) Naquela época, estimava-se que havia 10 milhões de refugiados por “environmental factors of unusual scope”( BLACK, 2001, p 1), hoje esse número chega a 50 milhões, conforme dados da Organização das Nações Unidas.(VEJA, 2013, online) 5 Tradução: O termo foi popularizado pela primeira vez Lester Brown, do Instituto World Watch em 1970, mas talvez as contribuições mais citadas sobre o assunto são as de El-Hinnawi (1985) e Jodi Jacobson (1988). 70 A partir da década de 1970, houve a associação entre as atividades antrópicas como as emissões de gases do efeito estufa, desmatamentos e demais agressões ao meio ambiente, com as mudanças climáticas responsáveis pelo derretimento de geleiras, inundações, secas, aumento do nível dos oceanos, e demais impactos ambientais. Em 1985 o professor egípcio Essam El-Hinnawi, em sua obra Environmental Refugees populariza a expressão Refugiados ambientais conceituando como: Pessoas que fogem ou deixam sua terra natal em função de ameaças de vida e segurança provocadas pelo meio ambiente, dentre essas ameaças quaisquer mudanças físicas, químicas e biológicas nos ecossistemas ou diretamente nos recursos naturais que o transformam tornando o meio ambiente impróprio para manter ou reproduzir a vida humana (BARROS, 2011. p 61). No mesmo ano Jodi Jacobson e Lester Brown criam três categorias de refugiados ambientais: I – deslocados temporários, em virtude de degradação temporária do meio ambiente e, portanto, reversível. Nesta hipótese, existe a possibilidade de retorno a médio prazo, dos refugiados ambientais para seus respectivos locais de origem; II – deslocados permanentes, em virtude de mudanças climáticas perenes; III – deslocados temporários ou permanentes, de acordo com uma progressiva degradação dos recursos ambientais do Estado de origem ou de moradia habitual dos refugiados ambientais. ( PEREIRA, 2009, p.117) Já em 1988, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), deu ênfase a um conceito próprio: pessoas obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde tradicionalmente viviam, devido ao visível declínio do ambiente, perturbando a sua existência e ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entrasse em perigo. ( PEREIRA, 2009, p.117) Na mesma linha, em 1995, Norman Myers e J. Kent, definem refugiados ambientais em coautoria na obra “Environmental Exodus”: na Emergent Crisis in the Global Arena como ‘persons who no longer gain a secure livelihood in their traditional homelands because of what are primarily environmental factors of unusual scope’6 (BLACK, 2001. p. 1) William B. Wood, um geógrafo dos Estados Unidos, em seu artigo Ecomigration: Linkages between Environmental Changes and Migration, cria uma nova expressão contrária 6 Tradução: pessoas que já não ganham um sustento seguro em suas terras tradicionais por causa principalmente de fatores ambientais de âmbito incomum. 71 a de refugiados ambientais, mas consoante a seu entendimento, segundo ele, as pessoas que migram por motivo de ordem ambiental são consideradas como “ecomigrantes”. O autor defende essa palavra argumentando que no Direito Internacional (DI) não há proteção jurídica para legitimar o termo refugiados ambientais, através da definição da busca de refúgio por motivos de questões ambientais, visto que no DI a proteção de refugiado tem outra definição, para o autor, o expressão eco tem um significado mais profícuo ao buscar uma identificação tanto na ecologia quanto na economia, dois termos relativos a compreensão de refugiados ambientais pela inter-relação que possuem com as questões econômicas. Desta forma, no entendimento do autor acima os fatores ambientais e econômicos andam na mesma direção, de tal forma que ambos provocam as migrações, ou seja, somente um fator ambiental não seria capaz de provocá-las. Para Luciana Diniz Durães Pereira essa expressão ampliaria a proteção dos indivíduos atingidos por eventos ambientais, segundo ela Se considerarmos a definição de “ecomigrantes” proposta por Wood, a proteção dos indivíduos dotados com esse novo status de migrante poderia, de forma abrangente, incluir tanto os migrantes econômicos, os deslocados internos “ambientais” (pelo motivo expressamente previsto de deslocamento interno em virtude “de catástrofes naturais ou provocadas pelo ser humano”), como também os atualmente intitulados “refugiados ambientais”, ou seja, os indivíduos ou agrupamentos humanos que compõem ondas migratórias internacionais em decorrência de eventos provocados pela natureza. (PEREIRA L., 2009, p117) Contudo, esses conceitos não refletem uma realidade jurídica, pois o que temos em nosso universo jurídico são apenas proteções ao refugiado político e social de caráter humanitário, como podemos observar na Convenção de 1951 – Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos refugiados e apátridas, em Genebra em 1951, convocada para discutir e regularizar os direitos dos refugiados, cuja entrada em vigor se deu em 1954. A referida Convenção de 1951 criou um ordenamento sobre as condições e tratamento despendido as pessoas que se encontram em situação de necessária retirada de determinado território, em especial em seu artigo 1º, parágrafo 1º, alínea c, exprime que se encontra em situação de refugiado qualquer pessoa que: perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. (CIDADE VIRTUAL, 2013) 72 Sendo assim, a temática dos refugiados ambientais deve ser objeto de analise no Direito Internacional por meio de uma introspecção, e, depois, auferir uma pretensa ampliação do termo para adequar a realidade em que estamos vivenciando. Com eventos ambientais cada vez mais frequentes a proteção aos indivíduos que são atingidos por essas tragédias poderá se tornar mais desastrosa se não forem discutidas políticas de prevenção, principalmente, para que possíveis eventos ambientais causem menor índice de vítimas ou de emigrantes. 4.2 Crise ambiental como causa de emigração Os fatores ambientais deflagraram uma nova ordem de problemática internacional, eventos naturais de proporções catastróficas são creditados a interferência da ação humana no meio ambiente, como as causas do aquecimento global e suas consequências, mas esse problema não se resume apenas a questões ambientais, pois, uma vez existentes, necessitam de políticas de direito internacional para dar suporte tanto jurídico como social. Com os refugiados ambientais a certa digressão quanto as ideias de proteção a esses indivíduos, primeiro se faz um discurso da necessidade de amparo legal por se tratar de uma categoria diferenciada dos refugiados que possuem Estatuto próprio, e, por conseguinte, abrese um hiato no processo de reconhecimento desse indivíduo ampliando-se a atenção para o direito humanitário. A Organização das Nações Unidas (ONU), com o passar dos anos, vem discutindo essa celeuma, identificando as causas e tentando desmistificar os aspectos paradigmáticos envolvendo o homem e o meio ambiente. Exemplo disso são as conferências realizadas pela ONU com intuito de discutir os problemas ambientais, começamos com a Conferência de Estocolmo na Suécia em 1972, que teve papel importante no cenário internacional abrindo a visão para o mundo da interferência do homem no planeta. A Conferência de Estocolmo contou com representantes de 113 países, 250 Organizações não governamentais (ONGs) e dos organismos da ONU. A Conferência produziu a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, uma declaração de princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam governar as decisões concernentes a questões ambientais. Outro resultado formal foi um Plano de Ação que convocava todos os países, os organismos das Nações Unidas, bem como todas as organizações internacionais a cooperarem na busca de soluções para uma série de problemas ambientais(BARROS,2011,p.62) 73 Em Estocolmo, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) tendo objetivo de postular a proteção ao meio ambiente num contexto internacional, também nessa conferência foram elaborados 26 princípios que visam a preservação do meio ambiente. Na conferência de Toronto, no Canadá, em 1988, a ONU cria o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), este painel tem a função de apresentar a comunidade internacional estudos científicos sobre as mudanças climáticas e suas consequências ao planeta, o que ocorreu em Genebra em 1990, com a divulgação do primeiro relatório sobre as mudanças climáticas. No Brasil, ocorre uma das conferências mais importantes, a ECO 92, na Cidade do Rio de Janeiro em 1992, nesta oportunidade foram desenvolvidos programas de ação para um desenvolvimento sustentável como a Agenda 21, Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, com intuito de conscientizar a comunidade internacional dos riscos das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera. Em 1995, na Alemanha, cidade de Berlim, dá-se início a um novo ciclo de debates por meio das Conferências das Partes (COP), essas COPs dão origem ao protocolo de Kyoto no Japão em 1997, “um instrumento legal que sugere a redução de emissões de gases do efeito estufa nos países signatários”(BARROS,2011, p.63) De 2000 a 2008, ocorrem sucessivas COPs onde são trabalhadas negociações para forçar os Estados a reduzirem as emissões de gases do efeito estufa em um pretenso resultado de diminuição do aquecimento global. Na Conferência das Partes de 2008 em Poznan na Polônia dá-se início a preocupação com as pessoas atingidas pelos eventos ambientais, além dos demais assuntos pertinentes ao aquecimento global, abre-se uma discussão sobre os “refugiados do clima”. O dilema dos refugiados é frequentemente relacionado a problemas sociais, políticos e econômicos. Agora a sociedade nos traz um problema causado pela relação “homem e natureza”, cuja origem é o aquecimento global, que expulsa os seres humanos de seu mundo.(BARROS, 2011,p.66) Dados recentes consideram que, até 2100, o nível do mar poderá subir um metro, devido a um propenso aquecimento da terra em 2,4 °C, o que levaria ao desalojamento de milhares de pessoas que moram em cidades litorâneas, outro fator negativo é a escassez de água o que pode tornar impossível a existência humana em determinadas regiões. 74 Miguel Daladier Barros (2011) aponta dados de que há 5.000 novos refugiados ambientais por dia segundo Relatório Mundial sobre Desastres, o que leva a afetar, consideravelmente, a estrutura econômica global, fazendo menção que sem uma política internacional eficaz essa realidade poderá ser cada vez maior. Contudo, tais previsões podem servir de alento para uma mudança paradigmática, que viria suprir uma necessidade de se aprofundar o conhecimento e tomar medidas preventivas e corretivas adequadas em tempo hábil, e não para justificar o aparente estado de inércia no tocante ao reconhecimento formal da situação dos “refugiados ambientais”, que permanece indefinida, inclusive do ponto de vista jurídico, até o momento presente.(RAMOS, 2011,p.63) Fato que contribui para uma nova concepção jurídica em atenção a essa categoria de refugiados se dá pelos motivos que esses indivíduos permanecem no asilo. No caso dos refugiados que buscam proteção política, por exemplo, cessados os motivos há o retorno deste ao país de origem, mas com os refugiados ambientais a realidade é outra, pois o local onde viviam no país de origem geralmente sofre profundas mudanças o que torna a volta impossível, portanto, a intenção é de se instalarem definitivamente no país de asilo. Estima-se que em breve, milhões de pessoas terão de abandonar os lugares onde vivem por causa do aquecimento do planeta, metade em decorrência de catástrofes naturais, e o restante pela desertificação e aumento do nível do mar. Maurizio Gubbiotti, coordenador internacional da associação ecológica italiana Legambiente afirmou que “Os refugiados ambientais são a real emergência do futuro. E há uma devastadora emergência social por trás da crise ambiental e climática que hoje enfrentamos”(BARROS,2011,p.68-69) Essa crise já pode ser observada em algumas regiões mais vulneráveis do planeta, tanto por questões climáticas quanto sociais, é o exemplo de alguns países africanos, da Ásia e algumas ilhas como Tuvalu e as ilhas Maldivas no Pacífico, a pobreza e a geografia desses locais são fatores determinantes para inferência de possíveis catástrofes, como a que ocorreu em 2008 na Birmânia em Mianmar sul da Ásia, assolada por um ciclone tropical que resultou em 140 mil mortos e 800 mil refugiados ambientais.(TERRA,2013,online) Nas ilhas Maldivas, ao sul da Ásia, formada por um complexo de pequenas ilhas ou atóis, já está sofrendo com o aumento do nível do mar, estima-se que este fator já tem contribuído para o deslocamento de 300 mil pessoas, o mesmo ocorre na Guiana Francesa ao norte da América do Sul com previsão de cerca de 600 mil refugiados ambientais para os próximos anos. .(TERRA,2013,online) 75 Segundo o professor Doutor Vinício C. Martinez, fazendo menção ao que já previa Kofi Annam ex-presidente da ONU, há necessidade de implantação de um sistema de alerta para os territórios que se sofrem risco de invasão das águas marítimas como “Cuba, República Dominicana, Fiji, Haiti, Ilhas Salomão, Santa Lúcia, Vanuatu, Ilhas de Nauru, Seychelles, Sri Lanka e Indonésia”. (BARROS,2012,p.70) A maioria desses territórios possuem pequenas ilhas que pertencem a estes Estados, mas com o aumento do nível do mar, tais ilhas vêm desaparecendo ou correm risco de desaparecer. O professor Vinício C. Martinez lembra ainda que essas ilhas-nações formam um grupo imbuído nas questões de vulnerabilidade desses territórios perante o aquecimento global, cujas intenções são de conscientização deste problema que os afeta umbilicalmente. Uma cooperação Global será necessária para conscientização quanto a inter-relação entre o aquecimento global e as migrações das pessoas atingidas pelos desastres e degradações ambientais, medidas paliativas de prevenção serão primordiais para auxiliar ou até sanar esses problemas. Assim, a ocorrência de fatos como enchentes e desabamentos podem, mesmo que indiretamente, estar atrelados à ação ou omissão do Estado. Vale dizer: quando o poder público, sabendo das consequências do desmatamento não toma medidas, por exemplo, como aumentar a fiscalização e a fim de coibir os causadores do dano, o Estado comete um ato omissivo. Por outro lado, na ocorrência de fatos como abalos sísmicos, claro está que, não tem relação alguma com ação ou omissão humana; logo não se pode responsabilizar o Estado por esses danos. Ainda segundo o autor, quando direitos fundamentais são violados, em consequência de uma atitude ou por falta desta, surge da responsabilidade extracontratual entre o Estado e o particular, a relação causal. A responsabilidade deve ser interpretada à luz do direito contemporâneo e considerando o modelo de Estado Socioambiental, que caracteriza a responsabilidade do Estado no sentido de reparar os danos sofridos às pessoas.( BUENO,2012,p.25) Existe um processo de vulnerabilidade que está se dissipando em alguns Estados e os demais poderão sofrer com essas consequências em um futuro próximo, a emigração deverá ser considerada como um problema a ser combatido através de estratégias que atentem a realidade dessas regiões. Cumpre salientar que o número de refugiados ambientais é maior em regiões mais pobres e o deslocamento desses indivíduos acaba acontecendo para países vizinhos que na maioria das vezes não dispõem de melhores condições. 76 4.3 Reflexões e observações sobre a construção sociológica do termo refugiados ambientais As questões pertinentes à imigração também são relevantes a uma nova discussão internacional, pois deslindam conflitos de interesses que antes eram vislumbrados mais sobre a perspectiva política e econômica, agora o refugiado ambiental com a intenção de permanecer no país de refúgio, encontra limitações nos seus direitos de cidadão. Outra circunstância importante a este debate diz respeito aos conflitos de Nacionalidade e Etnicidade, dois importantes direitos de expressão cultural que permeiam as características de determinados grupos e que merecem ser estudados como estratégia da relação humana em busca de um determinado fim. Pode-se notar que circundam sobre essas questões os valores sociais e culturais, ligando os indivíduos de uma realidade a outra sem um compartilhamento histórico, logo, o problema versa a respeito da falta de controle do sujeito, do estrangeiro que acaba se tornando um estranho ao senso comum. A fim de tratar acerca da etnicidade fronteiriça, temos estudos que potencializam esta demanda sob o prisma de uma imigração antropológica ao analisar a construção de categorias sociais em seus significados a partir de circunstâncias históricas específicas e de relações de poder. As mobilizações mais antigas eram premeditadas, geralmente, por motivos relacionados por conflitos nacionais, como disputas por território e poder, hoje a realidade é outra e o processo de imigração merece mais destaque em que pese a produção antropológica universal de direitos. Tais termos podem ser entrelaçados no complexo de observações produzidas no ambiente entre fronteiras e assim, estudados através de uma abordagem biográfica e étnica. Se observarmos pela análise da organização das Fronteiras dos Estados, conclui-se que elas, entre outras funções, servem para separar os Povos, logo, a consciência étnica tende a ser preservada de forma distinta e independente, o que acaba dificultando as diferentes culturas. Portanto, a análise do indivíduo ou grupo de imigrantes dentro deste ambiente proporcionado pelas características da situação que se encontram os refugiados ambientais, deve ser amparada pela busca de estratégias e planos de organização social, consoante aos anseios da comunidade internacional em prol à proteção da identidade étnica destes 77 indivíduos, cujo valor antropológico torna-se relativizado pelo significado apenas de refugiado em sentido estrito. Há necessidade de uma intervenção neste sentido, proporcionando ao refugiado ambiental um conhecimento das questões políticas, sociais, culturais, econômicas e étnicas do local onde pretende solicitar asilo, é claro que diferenças étnicas serão encontradas, mas se o grupo ou indivíduo tiver uma pré-compreensão dessas questões poderão ter uma noção de como trabalhar com as diferenças culturais, medidas estas que deveriam ser tomadas por uma política pública dos Governos. Depreende-se dessa interpretação a função humanitária da comunidade mundial na medida em que invoca no senso prático das migrações as particularidades históricas da percepção sociológica envolvida por trás das relações interétnicas, se fazendo necessário asseverar que o estrangeiro não pode mais ser visto como produto obscuro de identificação étnica. Como exemplo, pode-se mencionar os habitantes de Tuvalu, uma ilha do Oceano Pacífico que pode ser acometida pela extinção, uma vez que seu território está apenas a 10 centímetros do nível do mar e segundo o IPCC com o aumento do nível dos oceanos, está fadada a inexistir em um prazo de 100 anos, e a reflexão que fica no ar versa sobre onde e como os habitantes que lá vivem vão enfrentar esse deslocamento, e se serão considerados como refugiados. Através dessa situação, esses habitantes refugiados perderiam a referência do Estado/Nação em que vivem e seus direitos étnicos e sociais garantidos naquela jurisdição, tal mobilidade provocada por fenômeno ambiental e comissiva pelo Homem afetaria a estrutura cultural e étnica desse povo. Como então, seria possível trabalhar para diminuir as diversidades culturais desses, com outros povos, se esses apátridas teriam seus direitos protegidos em outro Estado? Essa afirmação em tom de interrogação ganha contornos mais dinâmicos quando aprofundada no significado de cidadania e o que isso representa para um indivíduo que a perde por motivo tão peculiar. Outro sentimento diz respeito à dignidade da pessoa humana, como adequa-la a uma nova norma sendo que ela é acima de qualquer norma o fundamento primordial dos direitos humanos. Sobre essa condição Camila Rodrigues Braz Silva (2013,online) discorre que: “O que fazer com todos esses cidadãos de um Estado que pode deixar de existir? Serão eles para 78 sempre refugiados, ou algum outro Estado terá que acolhê-los? Eles podem se tornar cidadãos em um novo Estado e manter sua própria cidadania [...]”. Em síntese, torna-se premente desenvolver-se uma nova concepção para os direitos dos refugiados ambientais, adequando-os à realidade no plano da consideração dos aspectos não só formais, mas culturais e sociais. A depender do DI, neste caso representado pela Convenção de 1951 sobre refugiados, pode-se colacionar o que vem sendo praticado na tentativa de conciliar a proteção do imigrante cujo território não foi possível recebê-lo por motivos seja de caráter jurídico e físico, seja por questões mais específicas, com a pretensão de melhor adequação ao novo território, através do direito ao reassentamento. O reassentamento consiste na possibilidade do refugiado de procurar abrigo em outro Estado, uma vez que o Estado em que inicialmente tenha recebido-o não promoveu os recursos necessários de proteção, de auxílio e demais requisitos em prol da permanência deste naquele território. Nesse sentido, poderia-se pensar em uma recepção deste direito ao refugiado ambiental que dentro das peculiaridades inerentes a este, encontrando dificuldade no tocante ao reconhecimento de direitos sociais e culturais, poderia ser beneficiado com o reassentamento de forma voluntária em outro Estado que o acolhesse respeitando seus costumes étnicos. Acerca do reassentamento Jubilut assim se manifesta: Com essa prática, o ACNUR tem por fim aumentar as perspectivas de refúgio e de proteção para os refugiados, considerando as peculiaridades culturais de cada indivíduo, que podem dificultar, ou até mesmo impedir uma adaptação no país de acolhida. Tanto que “a seção de Reassentamento do ACNUR, localizada em Genebra, prioriza, no momento a consolidação e o apoio aos programas lançados nos países escolhidos pela organização para serem os novos centros de reassentamento: Argentina, Brasil, Chile, Benin, Burkina Fasso, Irlanda, Islândia e Espanha.( JUBILUT ,2007. p. 200) Diante desta escolha do Brasil para se tornar um país receptor de refugiados reassentados, em 1999 firmou-se um acordo entre este e o ACNUR, chamado de Acordo Marco para o Reassentamento de Refugiados, tendo como diretriz legal a Lei brasileira número 9.474/1997, definindo-se assim as ações e meios para reassentar refugiados no território brasileiro. Após firmar esse acordo, o governo Federal brasileiro procurou estabelecer um compromisso interno com algumas cidades. Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP) foram as 79 primeiras cidades a receberem refugiados, e após o acordo, Porto Alegre (RS), Santa Maria Madalena (RJ) e Mogi das Cruzes (SP), também passariam a recebê-los ou reassentá-los. Atualmente, apenas Mogi das Cruzes (SP) se retirou do Convênio. 4.4 Amparo Legal para proteção dos Refugiados Ambientais A ONU já esboçou uma tentativa de se criar normas específicas para proteção dos refugiados ambientais, em 2008 na Conferência de Poznan na Polônia, na oportunidade foi aferida a definição de refugiados ambientais no relatório “Alterações Climáticas e Cenário de Migrações”. Neste relatório a ONU provoca a comunidade internacional a discutir e regulamentar a situação dos indivíduos que migram para outros países com fim de procurar refúgio devido alterações climáticas sofridas no país de origem. No entanto, até o momento nada foi legitimado para proteger esses indivíduos resultando a eles apenas a atuação dos direitos humanos em prol do princípio da dignidade humana como norma universal. Muito se dedica essa situação ao fato do Direito Internacional dos Refugiados já possuírem um enunciado próprio que não aborda a temática ambiental, limitando o tratamento destes apenas como refugiados nos termos da Convenção de 1951: “qualquer pessoa que temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”. Ocorre que o elemento perseguição componente determinante que dá amparo ao termo refugiado não se aplica ao refugiado ambiental, sendo assim, se torna plausível a existência de uma regulamentação própria no Direito Internacional para estes últimos. Salientamos que para a salvaguarda dos direitos dos refugiados o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR, vem desempenhando suas funções de forma contundente, juntamente com organizações não governamentais dando proteção e segurança. No entanto, com o número crescente de refugiados, agora por motivos que não se enquadram na conceituação da Convenção de 51, vislumbramos uma ausência de políticas para auxiliar estes indivíduos e os Estados que se tornam responsáveis por eles. 80 Conforme dados da ONU, até o ano de 2010, o mundo terá cerca de 50 milhões de refugiados ambientais e, em 2050, o número será de 200 milhões de pessoas. Entre eles estão habitantes de ilhas que desaparecerão, populações de áreas atingidas por tempestades e furacões, terras que se tornarão improdutivas obrigando o êxodo de seus moradores. Hoje o maior problema é a situação das pessoas que vêm sendo expulsas de seus territórios pela elevação dos mares. Ambientalistas afirmam que existem sérias possibilidades de muitas ilhas desaparecerem. Exemplos disso são as ilhas do Pacífico, Tuvalu, e as Ilhas Maldivas, localizada no Oceano Índico, consideradas geograficamente como nação com a costa mais próxima ao nível do mar. A ONU estima que se as alterações climáticas ocasionadas pelo aquecimento global continuarem em ritmo acelerado como estão, poderão culminar no desaparecimento desses arquipélagos e consequentemente gerarão número ainda maior de desabrigados, ou seja, aumentará ainda mais o número de refugiados ambientais.( JUS,2013,online) Para o Direito Internacional os refugiados ambientais são taxados apenas como migrantes, segundo o ACNUR “migrantes seriam aqueles que decidem deslocar-se, principalmente por razões econômicas, para melhorar as perspectivas para si mesmos e para suas famílias. Já os refugiados são aqueles que são impelidos a deslocar-se para salvar suas vidas ou preservar sua liberdade, não possuindo proteção de seu próprio Estado ou mesmo ameaçados de perseguição pelo ele” (ACNUR,2013,online) Desta assertiva compreende-se a intenção do Direito Internacional em proteger os estrangeiros imigrantes, mas podemos verificar que não há garantias específicas que possam identificar e sanar os problemas atribuíveis a categoria dos refugiados ambientais. Se não houver a presença de um organismo internacional para representar os direitos desses indivíduos, como o ACNUR, corremos o risco de ver renitentes ausências de causalidade entre as obrigações de proteção aos direitos humanos, a dignidade da pessoa humana e ao direito a cidadania, determinando uma gravidade no reconhecimento da segurança jurídica dessas pessoas desabrigadas. Compreendendo-se que os motivos dos deslocamentos começam a ter características diferentes dos provenientes de perseguição política, ou por conflitos armados, erigindo a outras consequências, as demandas devem se pautar por questões jurídicas que atendam a problemática dessa realidade para fortalecer a comunidade internacional. Frente a esta constatação Luciana Diniz Durães Pereira faz a seguinte afirmação: À complexidade da crise mundial dos refugiados, migrantes e deslocados internos, a sociedade internacional deve, baseada nos princípios da solidariedade, da cooperação internacional e da humanidade, adotar um planejamento abrangente em seus esforços para coordenar atividades e promover uma maior cooperação entre países e organizações pertinentes nessa área, levando em consideração o mandato do ACNUR.( PEREIRA,2009. p. 129) 81 A termo de exemplo citamos o fluxo migratório dos Haitianos no Brasil, como não são considerados refugiados e sim migrantes pelo ACNUR, ao chegarem em território brasileiro encontram diversos enclaves para tentativa de regularização da permanência no Brasil. No dia 09/04/2013 o Estado do Acre pertencente ao Brasil, decretou estado de emergência por motivo de descontrole dos imigrantes haitianos, visando demonstrar ao governo federal brasileiro o crescente fluxo de imigrantes haitianos que atravessam a fronteira de Bolívia e Peru para o Brasil. Em entrevista a página de notícias eletrônica do site terra, o governador do Acre Tião Viana (PT), deu a seguinte afirmação: "Temos uma nova rota internacional de imigração que pode se configurar inclusive como tráfico de pessoas e precisamos de uma solução para isso, pois fechar as fronteiras é uma questão muito delicada e complexa, que precisa ser vista com muita cautela"(TERRA, 2013,online) Os números de imigração já estão em percentual preocupante, segundo dados publicados pelo governo do Acre, cerca de 1,7 mil haitianos adentraram no Estado nos últimos 15 dias e desde a catástrofe ambiental promovida pelo terremoto que assolou o Haiti em 2010, cerca de 5 mil haitianos já se refugiaram no território brasileiro, mais de R$ 2,5 milhões foram gastos pelo Estado do Acre e R$ 650 mil pelo governo federal, num total de R$ 3 milhões em ajuda humanitária. (TERRA, 2013,online) Esse problema já faz parte de uma realidade socioambiental provocada pelos refugiados ambientais, cujo fluxo imigratório começa a demandar uma atenção especial, inclusive uma regulação própria para envidar esforços de cooperação internacional, haja vista o caráter humanitário de proteção a esse tipo de imigrantes. Os motivos do propósito da intervenção do Direito Internacional devem visar a pretensão de solucionar as questões de proteção jurídica e de direitos humanos desses refugiados, uma vez que eles geralmente, realizam uma epopeia até chegarem ao seu destino, como ocorre aos que chegam no Brasil, primeiramente eles aportam na “República Dominicana, de lá, partem para o Panamá e, após conexão, para Quito, no Equador. Depois seguem por uma dura jornada terrestre até Cuzco, no Peru. De Cuzco para Puerto Maldonado e de Puerto Maldonado para Inapari, já na fronteira com o Brasil”.7 Uma vez na fronteira brasileira, os haitianos entram pelo município de Brasiléia, no Estado do Acre, onde vivem em estado de miséria. Geralmente residem em acampamentos 7 Refugiados do Haiti lutam por comida e trabalho no norte do Brasil. Disponível em: http://portuguese.ruvr.ru/2013_04_19/Refugiados-do-Hailti-lutam-por-comida-e-trabalho-no-norte-do-Brasil. Acesso em 20 de abr de 2013. 82 improvisados em condições sub-humanas de sobrevivência, dispondo apenas de colchões sobre placas de papelão, lutando constantemente por comida e visto humanitário, com sonho de conseguirem trabalhar nas usinas hidrelétricas da região ou de trabalharem nos Estados mais ao sul. Necessário, portanto, se faz um diálogo entre as fontes nacionais e internacionais para dirimirem as responsabilidades e definirem a proteção mais eficaz para esta situação. Sendo o Direito Internacional dos Refugiados um dos ramos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, poderia este ser ampliado para dar suporte a estas situações que visam a proteção da vida e da segurança de qualquer pessoa. Não há dúvidas de que a questão ambiental é, hoje, um dos sustentáculos de afirmação dos direitos humanos. Por exemplo, o direito ao meio ambiente sadio foi inserido no sistema interamericano de direitos humanos por meio do art. 11, §§ 1º e 2º, do Protocolo de São Salvador, que entrou em vigor internacional em 1999. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. XXV, assim proclama: “1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora do seu controle”.(SILVEIRA, 2012, p.248) Frise-se que o Direito Internacional tem o dever de criar mecanismos de proteção a todos seres humanos, consentâneo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 e conforme estatuído na Declaração e Programa de Ação de Viena, proclamada na Convenção Mundial sobre direitos humanos em 1993, compreende-se daí a função do DI em tentar sanar todas as causas que desnudam em consequências desfavoráveis a proteção dos direitos humanos. Princípios como o da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, já mencionados nos capítulos anteriores, devem prover os anseios dos refugiados ambientais, em um conjunto de normas que possam aferir a medida protetiva necessária, afim de sanar qualquer violação destes direitos humanos. Luciana Diniz Durães Pereira (2009) acredita que seria necessária a elaboração de um novo documento migratório que pudesse atender as exigências das novas demandas, ela ainda faz a seguinte reflexão quanto a este tema: Esta saída para a proteção dos “refugiados ambientais” seria, em análise histórica comparativa, próxima à criação do Passaporte Nansen, em 1922, quando uma situação que não tinha solução jurídica passou a tê-la mediante a adoção, reconhecida por cinquenta e dois países, à época, de uma criativa inovação jurídica de natureza protetiva, qual seja, a de um documento específico de identificação para os refugiados.(PEREIRA, 2009. p. 132-133) 83 Em suma, podemos concluir que se não houver uma tutela específica, corremos o risco de uma regressão quanto à proteção dos direitos desses indivíduos, uma vez que o tratamento direcionado ao refugiado de forma genérica cria uma dependência de instrumentos que não atendem à realidade atual, no tocante aos refugiados ambientais. 4.5 Situação jurídica dos haitianos no território brasileiro - Concessão de visto Humanitário versus Status de Refugiado. O professor Francisco Rezek faz o seguinte apontamento resumido sobre a variedade dos vistos obtidos por imigrantes no território nacional. Segundo ele, existe aquele estrangeiro que deseja se instalar com ânimo de permanência definitiva, existe ainda o forasteiro, aquele que pretende apenas usufruir um visto temporário, para fins de estudo, turismo, esporte, negócios, etc., e o que por motivos diplomáticos, concedido a representantes de soberanias estrangeiras, dispõe de visto permanente com limitação de prazo para sua permanência(REZEK, 2010) A título de ingresso de estrangeiro no Brasil, Rezek (2010) salienta que se faz necessário primeiramente observar os direitos e garantias individuais pactuada pelos direitos humanos no âmbito internacional, proporcionando as pessoas que se encontrem em situação de trânsito nos aeroportos nacionais um tratamento isonômico, garantindo a integridade física e gozo de direitos civis, ainda que temporários. Vem-se discutindo, recentemente, sobre as concessões de visto humanitário aos imigrantes haitianos em vez do status de refugiado no território brasileiro, tais discussões, permeiam na esteira das características de produção de direitos e deveres que cada instituto explicita, e quais condições seriam as mais benéficas. Essa espécie de visto humanitário, que na verdade se trata de visto permanente, foi criado para os haitianos pela Resolução Normativa nº 97, de 12 de janeiro de 2012 pelo Conselho Nacional de Imigração - CNI, concedendo um prazo de cinco anos de permanência no território brasileiro. A Resolução afere aos haitianos razões humanitárias por se tratar de uma condição de reconhecimento internacional pela grave situação de destruição e despojamento de milhares 84 de pessoas de suas residências em decorrência do terremoto que assolou aquele território em 12 de janeiro de 2010. Observa-se que tal proteção humanitária decorre do direito humanitário consolidado como um marco de internacionalização dos direitos humanos, que nasceu da pretensão de proteger as pessoas que encontravam-se em ambientes de conflitos armados ou em guerras, tendo como principal função instituir conjunto de normas para proteger essas pessoas, bem como em tempo de paz se houver catástrofes naturais, Outro papel importante do Direito Humanitário diz respeito a sua interação com a Organização Internacional do Trabalho, ambos com intuito de promover a internacionalização dos direitos humanos, proporcionando meios para que os migrantes por motivos já explicitados acima consigam se manter em outro território em condições dignas de sobrevivência e com possibilidade de trabalharem para seu sustento. Nesse sentido, o Brasil concedeu aos haitianos o visto permanente ao teor da lei que define a situação jurídica do estrangeiro, lei 6.815 de 19 de agosto de 1980, e da Resolução Normativa nº 97/2012 do CNI, tendo como uma das condicionantes dessa espécie de visto a exigência de atividade laboral. O objetivo com esse visto considerado humanitário é de regularizar a situação dos haitianos no Brasil, além de assegurar uma condição de trabalho e bem-estar, tendo em vista que no começo dessa epopeia realizada pelos haitianos, acabavam chegando ao território brasileiro e encontrando dificuldade em conseguir um visto para permanência no Brasil. Uma vez que o número de haitianos que entravam no Brasil em situação irregular era grande, o visto humanitário (visto permanente) possibilitou que os haitianos pudessem obter as mesmas garantias individuais asseguradas pela Constituição da República de 1988. Nesta esteira de apontamentos, o professor Sebastien Kiwongui Bizawu, traz a seguinte síntese: Apesar de a Constituição Federal assegurar os mesmos direitos e garantias individuais aos brasileiros e aos estrangeiros, cabe ao Estado soberano regularizar a entrada de estrangeiros (as) em seu território nacional pela concessão de visto, ou seja, autorizar a permanência no país do (a) estrangeiro (a) por um determinado tempo. É uma cortesia e não um direito adquirido do individuo, candidato a ingresso em determinado Estado, concedida pelas autoridades competentes nas embaixadas ou nos consulados ou pela Polícia de fronteiras no território nacional. Competência essa que é conferida à Polícia Federal no Brasil para permitir a entrada do natural do país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, podendo permitir a entrada nos Municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade. (cf. art. 21, Lei 6.815/80)(BIZAWU, 2013,online) 85 Com essa medida, foi possível construir uma realidade que atendesse aos interesses do Brasil, e, da mesma forma, regularizar a situação dos haitianos que permaneciam em um limbo jurídico. Contudo, a mesma prerrogativa que sanaria o problema também criou outro, uma vez que a Resolução Normativa do CNI nº 97/2012, define que o visto humanitário só será concedido ao número máximo de 1.200 (mil e duzentos) por ano, e, conforme já citamos neste trabalho, apenas nos últimos 15 dias cerca de 1.700 (mil e setecentos) haitianos deram entrada na fronteira do Acre, e um total de 5.000 (cinco mil) já estão no território brasileiro. Esta situação alcança níveis elevados de preocupação, tanto para os aspectos econômicos, políticos como sociais, bem como ambiental uma vez que o quadro que se apresenta no momento acaba incentivando a propagação da criminalidade provocada por criminosos que utilizam o estado crítico dessas pessoas para se infiltrarem, e adentrar no território brasileiro. Segundo o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, uma intervenção federal se faz necessária. Em entrevista para a revista eletrônica Rede Brasil Atual, Nilson Mourão defende a necessidade de uma assistência aos imigrantes, e alerta sobre os perigos advindos da presença de traficantes: A grande maioria são pessoas pobres, humildes, que buscam dias melhores aqui no Brasil. São vítimas, tanto da catástrofe como vítimas dos coiotes. É claro que no meio deles existem coiotes e traficantes infiltrados. Há todo um problema de tráfico de drogas, de contrabando, tráfico de armas que sempre acompanham movimentos migratórios que são feitos dessa forma.(REDE BRASIL ATUAL,2013, online) Depreende-se dessa situação uma indagação pertinente no que diz respeito a concessão de visto humanitário em vez de reconhecimento de status de refugiados para esses imigrantes haitianos. Sendo assim, passa-se a identificar as principais diferenças de ambos os institutos para compreender qual o melhor a ser aplicado ao estrangeiro com fluxo maior de migração provocada por catástrofes ambientais. Primeiramente, o visto humanitário ou visto permanente no Brasil advém do estatuto do estrangeiro, cuja lei 6.815/80, já citada anteriormente, ao teor do artigo 18, dispõe sobre as condições de concessão e exigências que devem ser cumpridas, como a de prazo máximo de 5 (cinco) anos de permanência no Brasil e exercício de atividade certa em local fixo. Já o status de refugiado, atribui ao beneficiado com este instituto uma série de direitos provenientes do Estatuto do Refugiado - Lei nº 9.474/97, além do amparo legal dos diplomas internacionais da Convenção sobre os Refugiados de 1951 e Protocolo de 1967. 86 Para obter o status de refugiado basta o indivíduo solicitar a qualquer autoridade migratória que ele encontre na fronteira, e até o trâmite final do processo de pedido de refúgio, o solicitante não poderá ser deportado - princípio do non-refoulement, e o ingresso mesmo ilegal não constitui empecilho para solicitação de refúgio. A principal diferença entre os dois institutos é no tocante aos benefícios que cada um proporciona, o refugiado dispõe de uma série de direitos e garantias, direito a hospedagem, segurança, ajuda financeira provenientes de atuação da ACNUR e do governo brasileiro, já o visto humanitário apenas dá a concessão ao estrangeiro de trabalhar, em contento a sua sobrevivência no território nacional(TERRA (2),2013). Contudo, findo o motivo pelo qual levou o refugiado a procurar asilo em outro território, este deverá retornar ao país de origem, e com o visto humanitário o estrangeiro tem direito a permanecer em território nacional no prazo de cinco anos, o que geralmente resulta em uma permanência maior do que a do refugiado. Para Juana Kweitel, da Conectas, os haitianos poderiam ser considerados refugiados. Ela explica que, apesar da Convenção das Nações Unidas de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, definir que refugiado é toda pessoa que está sendo perseguida em seu país por motivos políticos, de raça, religião, o Brasil, ao transformar a convenção em Lei, amplia a interpretação do termo. Na lei brasileira, Lei 9.474/1997, é também considerada refugiada a pessoa que, devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (TERRA (2),2013,online). O Ministério Público Federal no Estado do Acre ajuizou em janeiro de 2012 uma Ação Civil Pública para que a União reconhecesse os haitianos como refugiados, nesta ação o Ministério Público Federal do Estado do Acre expõe seu pedido com apreço aos seguintes fundamentos: (...) os direitos humanos, conforme descrito na Carta Internacional de Direitos Humanos3 e acolhidos pelos Estados democráticos como parte de seus sistemas internos, são universais, sobrepondo-se ao direito convencional e servem, inclusive, como limite à soberania dos países, conforme reconhecido atualmente pela doutrina internacional. O procurador assinala que o instituto do refúgio não está isolado no Direito Internacional e deve ser compreendido como instrumento de garantia do exercício pleno dos direitos humanos. O MPF argumenta que mesmo a legislação brasileira se atualizou e ampliou a possibilidade de concessão de refúgio ao incluir na Lei 9474/97 a condição de refugiado a todo aquele que “devido a grave e generalizada violação dos direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade e buscar refúgio em outro país” (...) O MPF cita os casos de tragédias ambientais ou naturais, principalmente se tais eventos são potencializados pelo caos social e político da região, como é o caso específico do Haiti, que viveu esse caos durante décadas antes do grande terremoto de 2010, levando seus cidadãos exatamente à situação de vítimas 87 de graves violações dos direitos humanos (http://terramagazine.terra.com.br) (PAULA, 2012, online) À época a ação teve liminar deferida em primeira instância, mas acabou sendo cassada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o relator Desembargador Olindo Menezes proferiu sua decisão com o seguinte convencimento: são de conhecimento público as dificuldades pelas quais passam muitas cidades fronteiriças, em face, inclusive, do isolamento em que se encontram, da dificuldade de controle de seus limites, do tráfico de drogas e entorpecentes, além da precariedade dos serviços públicos que são oferecidos à população. Permitir o livre ingresso de estrangeiros, na condição de refugiados, sem um controle migratório, sem a menor infraestrutura a amparar esses cidadãos estrangeiros, só contribuiria para o agravamento da situação dos cidadãos nacionais que lá habitam e dos próprios imigrantes. (PAULA, 2012, online ) Novo recurso foi impulsionado contra essa decisão, contudo, não houve provimento, permanecendo a decisão a quo proferida pelo Desembargador Olindo Menezes. Com esta atitude do judiciário, não havia outra maneira senão uma intervenção do governo federal para tentar solucionar este problema, foi então que o Conselho Nacional de Imigração publicou a Resolução 97, de janeiro de 2012, criando o visto humanitário a estes estrangeiros. Atualmente, os números de solicitação para refúgio ou visto humanitário no Brasil são expressivos, e demonstram uma nova preocupação. Para se ter uma ideia nos últimos três anos o número de refugiados no país triplicou, sendo que só nos dois últimos os pedidos de refúgio passaram de 566 para 2.008, aumento de 254%.(MATTOS, 2013,online) Credita-se a essa crescente procura por refúgio no Estado brasileiro, à atual situação em que o Brasil se encontra no ambiente internacional, fatores de natureza econômica resultantes de investimentos em outros países, questões culturais de receptividade e demais intervenções políticas internacionais vem chamando a atenção da comunidade internacional. Para o presidente do Conare, Paulo Abrão, “temos hoje um conjunto de programas de integração social, convênios firmados com organizações da sociedade civil e também políticas sociais do governo como vagas em universidades”, e na pauta de medidas para melhorar ainda mais o panorama da política de aperfeiçoamento de integração do refugiado, há um projeto que pretende elaborar um perfil sociodemográfico das pessoas refugiadas no Brasil, que será 88 ministrado pelo Conare em conjunto com o Ipea (Instituto de pesquisa econômica aplicada), e o ACNUR. 4.6 Esforços necessários para contemplar um amparo jurídico preventivo Algumas medidas devem ser estabelecidas para prevenir o controle de fluxo, entrada, saída e permanência desses refugiados, tanto na esfera internacional, no que compete ao direito de migração, como na esfera nacional, no que compete aos requisitos de livre circulação, e condições de permanência, como exigência de atividade laboral e moradia adequada. Primeiramente, chamamos a atenção sob o prisma da globalização como interferência no fenômeno migratório e seu exercício favorável a proliferação da expatriação.”Urge enfatizar esse novo aspecto dos direitos humanos: o direito de ser cidadão do mundo. “A migração alarga o conceito de pátria para além das fronteiras geográficas e políticas, fazendo do mundo a pátria de todos”(MILESI;UCHOA,2001, online) Algumas características como a livre circulação criada por alguns blocos econômicos, a pertinência das questões políticas fundadas na proliferação das nações democráticas, a aproximação cultural, entre outras, são algumas das peculiaridades que provocam as migrações de pessoas que buscam melhores condições de vida. É de cunho alvitre salientar que esse processo de migração sofre maior interferência causada por fatores econômicos, mesmo os provenientes de eventos ambientais, a condição financeira das pessoas mais pobres atrelada ao mercado competitivo, a falta de recursos básicos, a segurança e demais parâmetros sociais, são os maiores impulsionadores dessa realidade. A sobrevivência no mundo globalizado, com ênfase no econômico e financeiro, se torna difícil e complexa. Cresce a competição cujo único critério é o lucro e a prosperidade financeira, em vez de solidariedade e luta pelos espaços de direitos sociais (MILESI,UCHOA,2001,online). Cabe transcrever que a globalização atinge um ponto crucial na transformação da comunidade internacional, influenciando a maneira como os Estados preconizam as restrições desse fluxo migratório, podendo em alguns casos flexibilizar e em outros impor obstáculos. 89 Esse período, deu inicio com o fim da guerra fria, nos anos 90, abrindo a comunidade internacional aos movimentos de consumo e industrialização sem fronteiras. Nesse contexto, as migrações começaram a se tornar um problema para os países desenvolvidos, pois se tornaram um celeiro de indivíduos que buscavam trabalho e melhores condições de vida. O número de trabalhadores migrantes no final do século XX já era considerado expressivo, hoje, não há país que não tenha um contingente significativo de trabalhadores migrantes. Por esses motivos, os Estados criaram normas que dispusessem sobre a entrada e permanência desses indivíduos, com determinado prazo e definíveis exigências, como no caso do ordenamento brasileiro que concede visto permanente, desde que com atividade certa e fixado em determinada região. Este dispositivo não resolve o problema, apenas tapa o sol com peneira, pois não cria nenhuma restrição quanto a sua concessão, o que seria diferente se o refugiado tivesse uma condição própria, definida já no país de origem. Problemas como trabalho escravo, ou em situação similar, estão surgindo com a vinda descontrolada dos haitianos no Brasil, cerca de 1.700 permanecem ilegalmente, enfrentando dificuldade em regularizar a situação trabalhista, como emissão de carteira de trabalho. Muitos saem a procura de um trabalho mesmo sem cumprir com as exigências legais trabalhistas, ficando a mercê de aproveitadores que oferecem emprego com determinadas garantias, mas não cumprem com o pactuado. Em entrevista para o portal eletrônico Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, o juiz do trabalho da comarca de Epitaciolândia / AC, Wadler Ferreira, deu a seguinte versão: O trabalho parecido com o de escravo tem como principais características a abordagem do trabalhador pelo empregador ou seu intermediário, o "gato", fazendo propostas que não são reais. Quando o trabalhador aceita a proposta começam os problemas, pois o patrão promete gratuidade, mas depois cobra do trabalhador o pagamento das despesas com transporte, hospedagem e muitas vezes a alimentação(CARDOSO; GOMES,2013,online) . Outro fator que impulsiona essa migração, segundo a ONU são os desalojados internos dentro dos seus próprios países, estes sofrem com as condições sub-humanas, miséria, e demais carências de recursos básicos, logo, esses problemas devem ser discutidos em uma complexidade que todos os países possam intervir, caso contrário o que poderá acontecer é apenas uma transferência desse problema para outros países.(SOUZA,2004,online) 90 Reconhecemos que a questão dos refugiados e dos deslocados internos traz em seu bojo problemas sociais, econômicos, políticos e, portanto, de grande complexidade para os governos e a sociedade, o que nos faz crer que os embates sobre a questão irão durar ainda por muito tempo. Contudo, também é fato a urgência em se agir preventivamente em relação à problemática, para que não se incorra em catástrofes de outras naturezas que demandarão um custo ainda maior, o pior, com medidas remediativas.(.(SOUZA,2004,online) Sendo assim, a necessidade de se criar mecanismos próprios é iminente e resultaria em uma sujeição das relações diplomáticas em prol do comprometimento com a interação internacional objetivando contemplar os interesses dos migrantes com os Estados, nesse cenário que o refugiado ambiental deve ser embutido, uma missão que deverá se pautar na ordem técnica e social, vislumbrando um menor impacto na estrutura dos Estados. 4.7 Possíveis soluções para os refugiados ambientais. Algumas alternativas como direito humanitário e direito dos refugiados poderão ser utilizadas como soluções para a problemática dos refugiados ambientais, porém, não estabelecem um compromisso formal. Ambos os institutos têm o mesmo objetivo, ou a mesma pretensão que é a proteção de garantias aos indivíduos de outros países que encontram-se em situação de risco, ou por perseguições políticas, conflitos armados, violência aos direitos humanos, decorrendo assim, de causas similares mas com natureza jurídica diferentes, como já estudado anteriormente. No entanto, outro sujeito de Direito Internacional vem se destacando no plano mundial, o indivíduo que se torna refugiado por motivos de significativa transformação do local habitado resultante de eventos ambientais catastróficos, ou de interferência humana no meio ambiente, habitualmente chamado de refugiado ambiental. Para esse indivíduo ainda não há nenhuma proteção jurídica do Direito Internacional a fim de buscar soluções para minimizar ou sanar os problemas sofridos por eles, nem os problemas que podem ser causados por eles, em vista do preocupante aumento do fluxo migratório. Uma vez identificado a diferenciação entre esse indivíduo – refugiado ambiental, com o refugiado da Convenção de 1951, e com o imigrante - que tem a intenção de permanecer em território estrangeiro com objetivo determinado, cabe agora regularizar a situação desses para 91 que possam ser sujeitos determinados de direitos e ao mesmo tempo responsabilizados por seus atos perante a comunidade internacional. O refugiado ambiental demonstrou ao Direito Internacional que tem um perfil diferente, mas que se assemelha aos demais institutos quanto a proteção dos direitos humanos, cuja preocupação se deve aos Estados comprometidos pela segurança intergovernamental dos direitos consolidados na Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Com esse intuito a comunidade internacional criou em 1945 a Organização das Nações Unidas (ONU), principal instituição internacional atuante na prevenção, promoção e defesa dos direitos humanos, focada no seu primórdio na atuação em conflitos armados entre as Nações, mas que agora deve versar suas atenções para outra guerra, do homem com a natureza. É perceptível a necessidade dessa relação entre a ONU, com essas questões ambientais e suas consequências sociais, como ocorre com os refugiados ambientais, estes sem um arcabouço jurídico tutelado correm o risco de se perpetuarem de forma ilegal afetando tanto os Estados que recebem quanto os de origem, visto que esses últimos se não forem imprimidos a sanarem os problemas que levaram o refúgio, com intuito de recebê-los de volta, poderão impulsionar uma desordem internacional. O papel das Nações Unidas foi desenhado sob a égide de representação e atuação das Nações, portanto, deve envolver-se não somente nas questões humanitárias, sociais, culturais e econômicas, mas também na seara ambiental, que também estão afetando seus cidadãos. A defesa dos direitos humanos, a proteção dos indivíduos que se encontram em estado social crítico com problemas econômicos, a intervenção humanitária em casos de conflitos, são algumas das medidas protetivas que estão dispostas no artigo 1ª da Carta das Nações Unidas de 1945, mas como todo diploma legal com mais de 60 anos de existência necessita de uma implementação para adequar-se a realidade. A Carta das Nações Unidas de 1945 consolida, assim, o movimento de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito Internacional.(PIOVESAN, 2007,p.131) Essa adequação não requer uma modificação deliberativa dos diplomas legais antigos, mas uma reformulação atual sem necessidade de mudar o padrão de adoção 92 intergovernamental existente, apenas prescinde uma nova ordem de transformação internacional. As Convenções internacionais, por exemplo, são medidas seguras de atuação do Direito Internacional para provocar uma nova ordem jurídica, e, neste caso, em apreço, poderiam satisfazer as premissas que merecem a vigência de outros tratamentos. O mínimo e essencial necessário já foi criado pelo Direito Internacional, desvencilhase nesta fase uma atuação mais precisa e direcionada aos acontecimentos atuais e os que poderão vir a acontecer, justificando-se na ideia do princípio da prevenção constituído em uma pertinência de consentimento universal, pois, se não houver uma adoção de todas as Nações a pretensão desse novo parâmetro pode ser em vão. Aos refugiados ambientais da mesma forma que está implícito aos refugiados, devem ser aplicados os valores da dignidade e solidariedade, pois ambos são fontes de proteção dos direitos humanos e assumem um tratamento humanitário, e mais a tolerância que mesmo em uma particularidade diferente encontra subsídio quando experimentada para salvaguardar os direitos culturais, étnicos, religiosos, etc. Em face do exposto, assevera-se a importância de uma imediata atuação do Direito Internacional, das Nações Unidas em prol da segurança e da ordem dos Estados, passando a adotar disposições jurídicas adequada ao refugiado ambiental. Como por exemplo, a criação de um Estatuto próprio, aprimorando o conceito de refugiado ambiental, instituindo os direitos e deveres do beneficiado. Este Estatuto deverá prover a segurança ao refugiado, também, quanto a seus direitos de cidadania adquiridos no país de origem, sendo esses mantidos até o retorno a ele, no mesmo sentido, com as expressões culturais, étnicas e costumes, pudessem ser garantidos a sua liberdade de expressão sem, contudo, ofender a cultura local. Igualmente importante para essa categoria de refugiados é a sua identificação como refugiado ambiental em seu documento internacional – passaporte, o que garantiria o acesso mais dinâmico nas fronteiras dos países que pudessem recebê-los. Para a definição de refugiado ambiental, tanto o país de orige m como o país receptor deveriam vistar o documento, amparando seu aporte aos ditames jurídicos produzidos pelo Estatuto, logo, os requisitos para fazer jus a essa categoria devem ser pré-definidos, observando critérios específicos como tipo, grau e intensidade do evento ambiental causador da migração. Como ao direito do refugiado, amparado pela Convenção de 1951, também ao refugiado ambiental, deveria ser assegurado o princípio de non-refoulement, que garantiria ao 93 refugiado ambiental o direito de não ser deportado, dando a esse a possibilidade de ficar no país receptor até o final do prazo previsto em Estatuto. Esse princípio, elaborado de forma precisa para adequar ao refugiado ambiental, evitaria, por exemplo, o que ocorreu nos EUA, que não consideraram os haitianos como refugiados, impedindo-os de entrar naquele território, com o argumento de que não se enquadravam nas características de refugiado da Convenção de 1951. Quanto as questões administrativas, como órgão responsável para representar os direitos dessa categoria, protegendo e solucionando conflitos poderia ser reputado ao próprio Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR, no âmbito internacional e aos mesmo tempo, aos órgãos nacionais próprios dessas atividades, como o Comitê Nacional para Refugiados – CONARE, no Brasil, para dirimir o processo de solicitação do refúgio. A repatriação voluntária, recepção do direito de estrangeiro previsto nas Constituições Nacionais, também deveria figurar como garantia aos refugiados ambientais. Com efeito, os Estados deveriam estabelecer compromissos visando a recepção dos princípios do Direito Internacional, com intuito de minimizar as consequências negativas dos deslocamentos e, na mesma medida, proporcionar segurança e assistência nessas situações. Enfim, o refugiado ambiental “existe” e deve ser responsabilidade de todos nós, sem distinção. 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS A concepção dos direitos naturais, sempre foi motivo de discussão e fundamentação axiológica da conduta humana perante seu próximo, a existência de valores como dignidade humana, liberdade, cidadania, resultaram de conquistas árduas no decorrer da história da humanidade. Em virtude de uma democratização universal ter sido construída pelo Direito Internacional, hoje, podemos dizer que esses direitos são concebidos com maior facilidade, porém, adentramos em um campo novo de discussões, a interferência dos eventos climáticos ambientais provocados pela conduta humana e suas consequências para a própria população. Neste contexto, surge os refugiados ambientais, pessoas que necessitam de se deslocar do habitat onde vivem em decorrência de eventos climáticos de grande impacto ambiental, e acabam enfrentando, com essa migração forçada, problemas de esfera social, econômica e principalmente afronta aos direitos humanos. Percebe-se que os mecanismos jurídicos de proteção de direitos humanos existentes precisam ser ampliados aos refugiados ambientais, pois esta condição de refugiados não detém a mesma proteção de direitos inerentes aos refugiados protegidos pelo Estatuto dos Refugiados no Direito Internacional pela Convenção de 1951 sobre refugiados. No estudo do Estatuto dos Refugiados, instituído pela Convenção dos Refugiados de 1951, em Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas, podemos observar que não há nenhuma menção a proteção dos indivíduos que se refugiam por motivos ambientais, deixando-os amparados por outras esferas do Direito Internacional, como Direito Humanitário. Há de se ressaltar que a esfera humanitária abrange princípios de proteção internacional, direito de não-discriminação, defesa da dignidade humana, solidariedade, tolerância, podendo, os mesmos serem ampliados ao Estatuto dos Refugiados, que de forma mais específica protegem os indivíduos perseguidos por motivos políticos, raça, religião, etnia, compreendendo-se, desse modo, que ambos podem ser trabalhados em prol dos refugiados ambientais, pois a necessidade de migração para outro território e possível permanência nele, ensejam a defesa, a proteção e garantias dos direitos fundamentais e o seu reconhecimento internacional amparado por instrumentos legais internacionais. 95 A atuação desses princípios e valores sugere uma igualdade de direitos aos refugiados, que mesmo encontrando-se em outro Estado possam usufruir de uma proteção mínima. No Estado brasileiro, a proteção dos direitos fundamentais vem expressa na Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º e incisos, com recepção dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos e criação de uma ampla valorização das garantias sociais, neste sentido Flávia Piovesan enfatiza que a Constituição do Brasil faz menção aos direitos fundamentais como um conjunto de valores supremos. Com esses elementos o Estado brasileiro projetou uma definição axiológica de formação de princípios que regem o ordenamento jurídico nacional. Percebe-se tal influência na promulgação da lei ordinária federal nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que implementa o Estatuto dos Refugiados de 1951, adequando-o ao ordenamento jurídico brasileiro. Observa-se que tanto a Lei nacional acima citada, como o Estatuto dos Refugiados, criado pela Convenção de 1951, detém uma dimensão ampla para proteção dos refugiados, cuja normatização poderia ser utilizada para o refugiado ambiental, contudo, esta adequação deve partir primeiramente do Direito Internacional considerando a causalidade provocada pelos eventos ambientais, por esse motivo analisou-se a situação desses refugiados que não se enquadram no requisito de “perseguição”, mas se defrontam nas mesmas condições emergenciais, fazendo jus a mesma proteção. Visualiza-se que os movimentos migratórios dos refugiados ambientais, são em grande parte provocados pelo aquecimento global e sua interferência no clima, os dados apresentados corroboram com essa teoria e demonstram as consequências alarmantes que poderão resultar dessa realidade. O meio ambiente esta cada vez mais suscetível a mudanças climáticas, secas prolongadas, enchentes, tornados e outros eventos provocados pelo desequilíbrio ambiental acabam influenciando a sobrevivência das populações humanas mais vulneráveis economicamente ou em decorrência do local de risco onde vivem. As consequências do aquecimento global resultam de um processo de desenvolvimento insustentável, gerado por uma sociedade de risco, que assume uma postura de industrialização econômica, impulsionada pela globalização e pela mudanças geradas pela “modernidade líquida”8. 8 Termo cunhado por Zygmunt Bauman em seu Livro Vida Líquida. continuidade das 96 Os Estados devem intervir nessa realidade com o propósito de promover uma maior proteção jurídica de fortalecimento das instituições que primam pelo prevalecimento das condições humanas em detrimento das econômicas, como no caso dos refugiados ambientais, criando mecanismos de proteção, assistência e amparo legal a esses indivíduos, através da elaboração ou adaptação dos institutos já existentes. Com efeito, o Direito Internacional, postulado aqui pela Organização das Nações Unidas (ONU), deve intervir nesse ambiente com fim de contribuir para a construção de uma ordem que identifique e formule questões práticas para atender essa realidade e ao mesmo tempo proporcionar uma preservação dos valores já existentes. Sem embargos, a concessão de uma situação jurídica protetiva aos refugiados ambientais que possibilite um mínimo essencial de prioridades, se fará valer na medida em que outras situações se concretizam conjuntamente, como a conscientização e preservação do meio ambiente e a conservação dos direitos humanos. Vislumbra-se que há necessidade de codificar os direitos dos refugiados ambientais a nível internacional e a consolidação de prévios instrumentos legais, internacionalmente discutidos e debatidos, estabelecendo dentre os princípios do direito internacional padrões básicos para assegurar um tratamento digno e humanitário aos refugiados ambientais. Dai, a pertinência da criação de um instituto para proteção dos refugiados ambientais para nortear os Estados em situações concretas, como a que ocorreu no Brasil com a imigração dos haitianos provenientes de Porto Príncipe/Haiti. Levando-se em consideração a falta de informações, estrutura e demais problemas de caráter regulatório de permanência que estas pessoas enfrentaram, demonstrando-se assim, latente a criação deste instituto ou aperfeiçoamento do já existente. 97 REFERÊNCIAS AGENCIA DA ONU PARA REFUGIADOS (ACNUR) . Lei 9474/97 e coletânea de instrumento de proteção internacional de refugiados e apátridas. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/ BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados>. Acesso em : 05 de abr. de 2013 AGÊNCIA DA ONU PARA REFUGIADOS (ACNUR). Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatisticas/. Acesso em 25 fev. 2013. 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