entre aspas um contexto, nas marcas, desafios

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ENTRE ASPAS, O CONTEXTO; NAS MARCAS, DESAFIOS: CONSTRUINDO
UMA PEDAGOGIA DA SOLIDARIEDADE.
OSOWSKI, Cecília Irene 1 e PACHECO, Rogéria Silveira 2 . (UNISINOS).
QUEM SOMOS E ONDE ESTAMOS: CAMINHOS A PERCORRER
Encontros de duas professoras - uma da área de Educação e outra da
área da Comunicação - têm levado ao desenvolvimento de uma trajetória de
pesquisa repleta de trocas, descobertas, construções e desconstruções de
saberes, em torno do significado da categoria 3 de amor-justiça no âmbito da
Pedagogia Inaciana.
O objetivo deste trabalho é apresentar alguns resultados parciais
alcançados em nossa investigação 4. Dá continuidade a estudos realizados
desde 1995, sobre Pedagogia Inaciana, visando a problematizar o modo
pedagógico de proceder inacianamente nas perspectivas do currículo, da
formação de professores, da cultura e da ética, inserindo-se na Linha de
Pesquisa Práticas educativas, saberes e formação do educador, do
Programa de Pós-graduação em Educação, da UNISINOS. Se, por um lado,
a Pedagogia Inaciana busca reatualizar princípios que Inácio de Loyola
vivenciou e propôs como filosofia de vida, no século XVI 5, por outro, o
cristianismo tem sofrido duros questionamentos, desde o século XIX, em
especial com Freud, Marx e Nietszche. Ao mesmo tempo, as políticas
sócio-econômicas neoliberais e neoconservadoras, vigentes atualmente,
avançam, aumentando a exclusão e invadindo todos os espaços da vida
social.
Torna-se
mais
forte
uma
formação
pedagógica
política
e
1
Professora-Pesquisadora Pós-graduação em Educação/UNISINOS. Doutora em Educação.
Coordenação da Pesquisa: A categoria do amor-justiça e a Pedagogia Inaciana (1999-2000)
2
Professora Centro Ciências da Comunicação/UNISINOS. Mestre em Educação.
Pesquisadora no Projeto: A categoria do amor-justiça e a Pedagogia Inaciana (1999-2000).
3
Utilizamos o conceito de categoria como construção epistemológico-existencial, resultado
de um processo de tramas de relações sócio-políticas que constituem e são constituídas por
formações discursivas.
4
A categoria do amor-justiça e a Pedagogia Inaciana (1999c). Órgão financiador:
UNISINOS.
5
Ver: Ética e o modo de proceder inaciano: implicações pedagógicas (Osowski, 1999a).
1
humanizante, social e cristã para aqueles que assim se assumem, e que se
oponha ao crescente aviltamento sofrido pelo ser humano. Precisamos
construir uma ética da solidariedade universal e uma ética de compromisso e
responsabilidade sobre nossas ações.
Nesta perspectiva, a Pedagogia Inaciana, principalmente na segunda
metade do século XX, tem assumido criticamente princípios e propostas
educativas que valorizem a experiência-reflexão-ação, problematizando o
sentido de uma identidade sócio-cultural comprometida com uma forma de
viver cristã e inaciana. Entretanto, o relativismo cultural que marca o
contexto vivido, e impregna a ética atualmente, lança mais sombras do que
luzes para o sentido da vida e para modos de viver ancorados na dignidade
humana. Considerando que no espaço pedagógico, muitas vezes, o
“contexto
é
dinâmico,
contraditório
e
formado
por
uma
rede
de
informações, conhecimentos e relações sociais que se dão em diferentes
níveis e materialidades, concretizado por diferentes interlocutores, muitas
vezes com discursos e metas diferenciadas entre si” (Osowski, 1995:11-12),
optamos por problematizar, mais uma vez, o significado e o próprio sentido
de contexto, numa perspectiva educacional e inaciana.
Neste trabalho, tomamos como referência de estudo a Carta dos
Superiores Provinciais da Companhia de Jesus (1996), que se apresenta
como proposta de vida sócio-pessoal e proposta de trabalho coletivo,
referenciando o princípio inaciano de amar e servir. Por um lado, a Carta é
a manifestação de um compromisso a ser assumido por um grupo, por outro,
é exigência de ações que implicarão, necessariamente, na tomada de
posições. Com isto, o exercício de liberdade, coração de um modo de viver
inaciano, coloca-se como propulsor de reflexões-ações, contribuindo, desta
forma, para problematizar a categoria investigada de amor-justiça.
Tendo por referência a análise de discurso, sob a ótica da linha
francesa, examinamos o significado e o sentido da Carta, enquanto
formação discursiva, impregnada de relações sociais e relações semânticas:
linguagem fazendo-se ação, ação como manifestação de linguagens.
2
Situando a própria Carta frente à formação discursiva de contexto, aqui
discutida, analisamos gênero, emissores, elementos discursivos de conteúdo
e receptores como marcas discursivas, possibilitando leituras polissêmicas
desta Carta. Ao examiná-la na perspectiva da gramaticalidade, tornou-se
possível identificar um contexto sócio-político-teológico que a permeava,
exigindo compromissos e a construção de respostas que, para nós,
centram-se na pergunta: qual o sentido de uma educação inaciana, 450 anos
após haver sido sonhada por Inácio de Loyola? No recorte feito para este
momento, organizamos nossas reflexões em torno das seguintes questões:
a. A Carta dos Superiores Provinciais da Companhia de Jesus e contexto:
marcas de uma formação discursiva;
b. A
gramaticalidade
de
compromis-so de respostas
um
contexto
sócio-político-teológico:
A Carta dos Superiores Provinciais da Companhia de Jesus e contexto:
marcas de uma formação discursiva
Para atender ao objetivo de discutir o significado da categoria de
amor-justiça para uma pedagogia da solidariedade e suas implicações para a
Pedagogia Inaciana, um dos recortes empíricos centrou-se na Carta dos
Superiores Provinciais da Companhia de Jesus da América-Latina e o
neoliberalismo na América Latina (1996).
Essa carta se subdivide em cinco partes: a apresentação da carta; a
sociedade da qual fazemos parte; a concepção do ser humano; a sociedade
que almejamos e tarefas. Neste trabalho, fizemos um recorte dos resultados
já trabalhados, e buscando elementos que nos permitam discutir a formação
discursiva de contexto, numa perspectiva inaciana, centramos nossas
reflexões em torno da sociedade: tanto aquela da qual fazemos parte, quanto
aquela que almejamos. Pela sua importância, no marco histórico-teórico da
Pedagogia Inaciana, também a questão do gênero – carta – será objeto de
3
algumas breves considerações, haja visto o lugar que ocupa na obra de
Inácio de Loyola.
A metodologia investigativa situa-se na análise de discurso, em sua
vertente francesa, presente na proposta de autores como Pêcheux,
Maingueneau e Orlandi, dentre outros. Levando em conta o restante do
corpo da carta, recortamos fragmentos de seu texto e fizemos a análise do
valor semântico das aspas, dos substantivos próprios e de uma modalidade
de
enunciado,
considerando
sempre,
a
formação
discursiva
sócio-pedagógica de contexto. Tal formação discursiva apresenta-se na
origem do pensamento inaciano, tanto na estrutura dos Exercícios
Espirituais de Inácio de Loyola (séc. XVI), quanto no conteúdo de sua
proposta de espiritualidade-pedagógica, ou no modo de proceder, dimensões
estas já previamente examinadas por nós (Osowski, 1999b; 2000a), dentre
vários outros autores. Dado a exigüidade de tempo e espaço, embora
reconhecendo seu valor para o entendimento do que aqui problematizamos,
não retomaremos essas perspectivas de estudo.
Considerando
que
não
podemos
compreender
algo,
sem
contextualizar, e lembrando que apesar de sucintamente, já nos termos
apresentado, constatamos que é hora de dizer um pouco sobre a nossa opção
metodológica.
A Análise do Discurso nasceu sob a crença de uma possibilidade
de intervenção política que, por fundamentar-se numa arma científica
(a linguagem), permitiria um modo de leitura cuja objetividade
parecia insuspeitável (Gadet, 1993:8). Por isso, inicialmente, era
denominada análise do discurso pois enfocava sobretudo o discurso
político.
A análise de discurso articula três regiões do conhecimento
científico, conforme Orlandi (1988:19):
o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e suas
transformações; a lingüística, como teoria dos mecanismos
sintáticos e dos processos de enunciação; a teoria do discurso,
como teoria da determinação histórica dos processos semânticos.
4
A trajetória da análise de discurso percorre três épocas: desde “um
corpus fechado de seqüências discursivas, selecionadas num espaço
discursivo supostamente dominado por condições de produção estáveis e
homogêneas”, até chegar a “um projeto a ser levado a efeito, que decorre da
disposição constante de interrogar-negar-desconstruir as noções postas em
jogo na Análise de Discurso” (Teixeira, 1997:62). É na transição entre um e
outro referencial que se situa o conceito de formação discursiva, que ao ser
perpassada
pelos
questionamentos
foucaultianos,
permitiu
que
se
trabalhasse com deslocamentos sócio-históricos-linguísticos, des/agregando
relações discursivas e identidades sócio-culturais, pois segundo Orlandi
(1988:58), a formação discursiva é “o lugar da constituição do sentido e da
identificação do sujeito”.
Consideramos a análise de discurso como metodologia adequada
para investigar implicações pedagógicas do conceito de contexto, na
perspectiva inaciana, porque nos instiga a analisar os efeitos de
sentido entre os locutores, ou seja, tudo o que se “. . . diz não resulta
só da intenção de um indivíduo em informar o outro, mas da relação
de sentidos estabelecida por eles num contexto social e histórico”
(Orlandi,
1986:63).
No
presente
trabalho,
destacamos
alguns
elementos presentes à Carta dos Superiores Provinciais da Companhia
de Jesus, para examinar que relações discursivas são produzidas pelos
sujeitos enunciadores da Carta, em condições determinadas, sem no entanto
esquecer que também quem analisa deve explicitar o seu processo de
produção de conhecimento, daí porque desde o início deste texto tentamos
dizer quem somos e de quais lugares falamos. Entretanto, sabemos que
mesmo assim, nós próprias somos efeitos de sentido daquilo que pensamos
saber, mas que se apresenta nos nossos não-saberes, marcado pelos
não-ditos e pelos esquecimentos. De qualquer forma, estes viezes
discursivos estão sendo construídos e socializados ao longo da pesquisa e,
por isso mesmo, não serão tratados neste momento (Osowski, 1999a;
1999b). Assim, o conhecimento vai sendo produzido em pequenos
5
intervalos entre as partes de um todo, ou seja, nas fendas disciplinares - nos
seus ‘entremeios’ - considerando o confronto, a contradição. E isso ocorre
na constituição da materialidade discursiva, que acontece quando se
estabelece a união entre o histórico e o lingüístico, pois nesse momento há a
desconstrução, ou seja, o reconhecimento da existência de vários tipos de
“real”. Como afirma Pêcheux (1997: 29 e 43):
há real, isto é, pontos de impossível, determinando aquilo que não
pode ser ‘assim’. O real é impossível ... que seja de outro modo. Não
descobrimos, pois, o real: a gente se depara com ele, dá de encontro
com ele, o encontra. Logo: um real constitutivamente estranho à
univocidade lógica, é um saber que não se transmite, não se aprende,
não se ensina, e que, no entanto, existe produzindo efeitos.
O “real” está aí produzindo efeitos de sentido, contudo o agente não o
aprende nem o ensina, apenas o encontra. Depois disso, parte-se para uma
re/significação.
Por essa razão, não é possível estudar o discurso a partir das relações
lingüísticas do sistema da língua, nem, tampouco, a partir do enunciado
tomado isoladamente. O que interessa, de fato, são as relações entre
enunciado e realidade, entre o enunciado e o locutor, e estas vão além dos
estudos lingüísticos, convencionalmente considerados. Apresenta-se como
necessário examinar o processo discursivo no qual se inserem os elementos
que nos permitirão aprofundar o significado de amor-justiça, no contexto da
Pedagogia Inaciana. Daí porque se coloca como necessário problematizar o
conceito de contexto, porque é com ele e nele que examinamos o quanto a
materialidade
discursiva,
enquanto
relações
sócio-linguísticas
presentifica-se e, com isso, podemos dar cor e sabor à polissemia do
amor-justiça. Logo, precisamos examinar a língua como espaço material
dos confrontos sociais, atribuindo aos discursos efeitos de sentido.
A gramaticalidade de
compromisso de respostas
um
contexto
sócio-político-teológico:
Considerando que a análise de discurso tem como finalidade principal
a compreensão do funcionamento e a produção de sentidos de um texto,
visto como objeto lingüístico-histórico, somos exigidos a buscar elementos
6
compreensivos não só de como o texto produz sentidos, mas, além disso,
expor os processos de significação que constroem o texto (oral ou escrito).
A análise de discurso, que visa a explicitar o funcionamento
discursivo, isto é, a produção de sentidos na relação entre o dito e o
compreendido, age por dois caminhos: o primeiro, lingüístico, e o segundo,
o
discursivo.
Inicialmente,
a
língua,
enquanto
sistema
fonológico,
morfológico e sintático, é condição material de produção de um discurso
num
determinado
momento
histórico.
Depois,
atua
uma
semântica
discursiva que, percebendo as relações ideológicas ligadas a uma formação
social, quer perceber as relações entre o dito e o não-dito. E é esse trabalho
que nos possibilita chegar à formação discursiva dominante no texto e às
outras que aí se entrecruzam. Isso está presente em Pêcheux, quando diz:
“Todo enunciado, toda seqüência de enunciados é, pois, lingüísticamente
descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos
de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação. É nesse espaço que
pretende trabalhar a análise de discurso” (Pêcheux, 1997:53).
O texto é um todo rico em múltiplas significações. Daí, então,
chamá-lo de heterogêneo, o que é importante para a análise do texto.
Considerando as diferenças quanto à sua natureza material (imagem,
grafia, som, etc.), à natureza das linguagens (oral, escrita, científica,
literária,
descritiva,
heterogeneidade
etc.)
pode
ser
e
às
posições
trabalhada
em
de
sujeito,
termos
de
toda
essa
formações
discursivas, considerando-se a articulação entre dois planos: o do
interdiscurso com o do intradiscurso. Conforme Lagazzi (1988: 55 e
56):
Só podemos falar de discurso em termos de articulação do plano do
interdiscurso com o do intradiscurso. O funcionamento discursivo se
coloca na relação enunciado/formulação, na relação da dimensão
vertical estratificada onde se elabora o saber de uma F.D.(Formação
Discursiva), à dimensão horizontal onde os elementos desse saber se
linearizam, tornando-se objetos de enunciação.
A partir daí, é possível chegarmos à noção de “condições de
produção”, definida por Pêcheux (1975) como sendo “ao mesmo tempo o
7
efeito das relações de lugar no interior das quais se encontra inscrito o
sujeito, e a “situação” no sentido concreto e empírico do termo, quer dizer, o
ambiente material e institucional, os papéis mais ou menos conscientemente
colocados em jogo etc.(...)”. Na análise de discurso, o texto, que possibilita
acessar o discurso, é onde há a representação física da linguagem: som,
letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. Além disso o texto é lugar de
significação. Nessa perspectiva, Orlandi (1996) nos diz que o texto é uma
unidade de análise afetada pelas condições de produção.
Considerando que não há um discurso fechado, mas um processo
discursivo, no qual é possível fazer recortes para posterior análise, o que nos
propomos apresentar, neste momento, é a delimitação de um corpus, que é
a separação de seqüências discursivas, constituindo, assim, um recorte
dos dados, determinado pelas condições de produção. A organização,
isto é, a separação do material de análise “deve ser considerada em
relação aos objetivos e à temática (da pesquisa) e não em relação ao
material lingüístico empírico (textos), em si, em sua extensão” (Orlandi,
1998:10).
Para examinar como a formação discursiva contexto foi sendo
construída na Carta, propusemo-nos investigar as marcas lingüísticas de
gênero, palavras entre aspas e
substantivos próprios, enquanto pistas
investigativas para a análise. Nossa intenção foi ir ao encontro do processo
discursivo, permitindo explicitar não só a compreensão dos sentidos do
texto, mas também os processos de significação que fazem parte da sua
construção.
Gênero: enviando para receber
Buscar uma definição de “gênero” não é fácil. Inicialmente,
pressupõe-se que um conjunto de práticas (procedimentos) caracterizam
tipologias textuais, mas o que se observa, na verdade, é que os gêneros,
habitualmente, mesclam-se, encaixam-se uns nos outro. Por isso, podemos
afirmar que num texto há o cruzamento de vários gêneros.
8
Por um lado, é difícil encontrar um enunciado desvinculado de um
conjunto de coerções comuns que o determinem, tampouco, a análise de
discurso deixa de pensar sobre o gênero quando trabalha um corpus. Por
outro lado, a análise de discurso não se preocupa com formações discursivas
que estariam revestidas de um único gênero, pois os gêneros sofrem
modificações conforme os lugares e as épocas. Conforme Maingueneau
(1997:36), “o gênero funciona como o terceiro elemento que garante a cada
um a legitimidade do lugar que ocupa no processo enunciativo, o
reconhecimento do conjunto das condições de exercício implicitamente
relacionados a um gênero”.
A partir disso, compreende-se que seja difícil de determinar uma lista
de gêneros. Cabe, então, ao analista definir, de acordo com seus interesses,
os recortes genéricos que lhe parecem pertinentes.
Nas análises que apresentaremos a seguir, tomaremos um recorte da
Carta dos Superiores Provinciais da Companhia de Jesus. Neste fragmento
de texto, observaremos, além de outros, alguns elementos que auxiliam na
construção do sentido, como os papéis sociais que os interlocutores
desempenham, a intenção do locutor, o conhecimento de mundo, as
circunstâncias históricas e sociais em que se dá a comunicação. Ou seja,
olhando esse conjunto de fatores que formam a situação na qual foi
produzido o texto, identificaremos, melhor, o contexto discursivo.
Como toda Carta, ela situa o tempo em que foi redigida – 14 de
novembro de 1996, o local – Cidade do México, para quem se dirige –
Companheiros (jesuítas) e quem assina –
nominata de Superiores
Provinciais da América Latina.
Destacamos, alguns elementos indispensáveis para sua compreensão
que ela insere, apresenta e/ou questiona, segundo o objetivo com que foi
escrita: atendendo ao apelo da 34ª Congressão Geral para aprofundar a
nossa missão do serviço da fé e da promoção da justiça ((força
motivadora).
9
Identificamos
o
(emissor)
Nós
Superiores
Provinciais
da
Companhia de Jesus da América Latina e do Caribe), que tem como
(objetivo)  querer  Partilhar algumas reflexões sobre o sistema
econômico conhecido como neoliberalismo e seus efeitos em nossos países
(os da América Latina e do Caribe). Este Nós tem um (destinatário) 
vocês (companheiros jesuítas) e todos os que estão preocupados e
comprometidos com a sorte do nosso povo, e, em particular, dos mais
pobres (os muitos outros). Como (justificativa desse objetivo) dizem: Não
queremos nem podemos aceitar pacificamente que as medidas econômicas
implementadas nos últimos anos em praticamente todos os países da
América Latina e do Caribe sejam o único modo possível de orientar a
economia, nem que o empobrecimento de milhões de latino-americanos seja
o custo inevitável de um futuro desenvolvimento. Com isto, ilustramos o
contexto discursivo do texto (corpus) analisado. Agora, analisaremos outros
elementos (marcas) que fazem parte desse processo comunicativo e que
também participam da construção de seu sentido.
Palavras entre aspas: suspendendo para marcar
Tomando um referencial gramatical, as aspas, como marca na escrita,
são usadas no início e no final de citações; para destacar palavras
estrangeiras, neologismos, gírias; para indicar mudança de interlocutor nos
diálogos. É importante lembrar que não há nenhuma agramaticalidade caso
não ocorra o emprego das aspas em palavras que se enquadram nas
situações citadas, apenas isso demonstrará que elas participam plenamente
do espaço discursivo. No entanto, as aspas também apresentam um valor
semântico, pois elas estabelecem uma relação com o implícito.
As aspas constituem uma marca que deve ser decifrada por um
destinatário. No momento em que um sujeito coloca uma palavra entre
aspas, ele projeta, ao mesmo tempo, uma imagem de leitor e oferece a este
uma imagem de si mesmo, do lugar que assume. É assim que ao grafar
“neoliberais”, já situa o leitor de maneira a que este possa posicionar-se
10
criticamente frente a contextos marcados pelas políticas neoliberais, ao
mesmo tempo que já demonstra um distanciamento crítico que considera
necessário manifestar, como emissor, de tais políticas e das características
sócio-políticas que o neoliberalismo enseja. Ou seja, pode-se dizer que
colocar uma palavra entre aspas, como por exemplo, “neoliberais” é
proteger-se antecipadamente de uma avaliação crítica do leitor, que passará
a observar um certo distanciamento em relação a determinada palavra.
Conforme Maingueneau (1997: 90), colocar entre aspas não significa dizer
explicitamente que certos termos são mantidos à distância e, realizando este
ato, simular que é legítimo fazê-lo. Para se interpretar as aspas, deve-se
levar em conta o contexto e a partir daí reconstruir a significação da qual ela
resultou. Tomaremos, então, recortes da Carta que está sendo analisada, que
se configurarão como cenas enunciativas, a partir das quais reconstruiremos
imagens impostas pelos limites da formação discursiva.
No momento em que os locutores falam da sociedade da qual fazemos
parte, empregam aspas em três termos: “neoliberais”, “obstáculos” e “livre”.
Logo depois, quando apresentam as tarefas que devem ser realizadas em
diversos campos e níveis, usam aspas em mais um termo: “vítimas”. Os
fragmentos são os seguintes:
Difunde-se em nosso continente a aplicação de medidas conhecidas
como “neoliberais”. Suas principais características são:
-
Para
estimular
os
investimentos
“obstáculos” que as leis que protegem
privados,
eliminam-se
os trabalhadores
os
poderiam
representar para esses investimentos.
- A atividade política põe-se a serviço desse tipo de economia
chamada “livre”. Por um lado, suprimem-se todos os obstáculos que
dificultam o exercício do livre mercado. Por outro, introduzem-se controles
políticos e sociais, por exemplo, para a livre contratação de mão-de-obra,
para garantir a hegemonia desse mesmo mercado.
11
Esse maior conhecimento e as medidas que adotemos deveriam
nos levar a:
- Acompanhar a caminhada das “vítimas” desse sistema e processo,
mediante comunidades de solidariedade, nas quais se possam proteger os
direitos dos excluídos e empreender com eles, em diálogo com os setores
que controlam as decisões, a construção de sociedades que, sem excluir
ninguém, integrem de fato, em sua vida e atividades, o maior número
possível de pessoas.
As palavras colocadas entre aspas, neste contexto discursivo, foram
analisadas por nós de uma maneira articulada, pois, no momento em que os
locutores falam dos aspectos sociais, econômicos e políticos, empregam
com destaque as palavras “neoliberais”, “obstáculos”, “livre”, “vítimas”
para enfatizá-las, pois elas fazem parte da formação discursiva em que esse
discurso se inscreve. E levando em conta o conjunto de movimento de
sentidos nessa enunciação, as aspas evidenciam o distanciamento que os
locutores, explicitamente, estabelecem em relação às idéias e aos valores
que possam ser depreendidos a partir do campo de significação onde elas
estão inseridas.
As medidas “neoliberais”, que eliminam os “obstáculos” que as leis
que protegem os trabalhadores poderiam representar para os investimentos,
frente
a
uma
economia
chamada
“livre”,
fazem-nos
olhar
esses
procedimentos como um caminho de mão dupla, pois esses termos em
itálico que parecem refletir uma imagem um tanto quanto positiva,
conotando liberdade, estão também travestidos com sentidos perversos uma
vez que eles conduzem as pessoas “vítimas” desse sistema a caminhos
repletos de dificuldades, tendo em vista a falta de opção a que esses
excluídos são submetidos.
Substantivos próprios: nominando discursos
Uma das classes de palavras fundamentais da língua, são os
substantivos próprios. Eles nomeiam os seres e as coisas que nos rodeiam,
12
como também nossos sentimentos e idéias. Além disso, os substantivos
atendem à necessidade dos seres humanos de ordenar, classificar, distinguir,
hierarquizar, etc. Como estão ligados diretamente à cultura de um povo, há
substantivos que às vezes não encontram correspondência em outras
línguas, como por exemplo, a palavra saudade, na nossa língua.
Quanto à sua estrutura e formação, os substantivos são classificados:
simples ou composto; primitivos ou derivados. E quanto ao seu significado
e abrangência, os substantivos classificam-se em: concretos ou abstratos;
comuns ou próprios e coletivos.
Para nós interessa-nos identificar os substantivos próprios que, ao
lado dos comuns, designando todo e qualquer indivíduo de uma espécie de
seres, designam um indivíduo, um ser particular de uma determinada
espécie. Como grafia diferencial, são escritos com a letra inicial maiúscula e
nos permitirão examinar formações discursivas subjacentes ao próprio
conteúdo
da
Carta.
Visando
agilizar
nosso
processo
de
análise,
identificamos aqueles grafados com maiúsculas e já o agrupamos, tendo por
referência os discursos sócio-teológico e sócio-político. No primeiro
agrupamos os substantivos próprios: Deus, Reino, Jesus no Evangelho,
Jesus Cristo, Nossa Senhora de Guadalupe, Padroeira da América Latina,
Superiores Provinciais da Companhia de Jesus da América Latina e do
Caribe, 34ª Congregação Geral. No segundo, agrupamos: América Latina,
Caribe e Estado.
Para caracterizar um discurso precisamos levar em conta a tendência
que sobressai em relação à sua qualidade polissêmica, às marcas formais
nele presentes e às suas propriedades, que constituirão os traços fortes do
funcionamento discursivo. A nominação que acima fizemos entre discurso
sócio-teológico e sócio-político reconhece tais peculiaridades e aponta para
a necessidade de um aprofundamento destes discursos no âmbito de nossa
pesquisa, o que nos remete a análise de outros textos, já devidamente
selecionados, incorporando outros significados e sentidos à categoria do
amor-justiça.
13
Queremos examinar, com mais vagar, o sentido destes discursos no
âmbito da pesquisa realizada, visando a aprofundar, posteriormente, nossos
estudos e suas implicações pedagógicas. Acreditamos que os locutores da
Carta usaram o recurso de ênfase, através da letra maiúscula, identificando
esses substantivos próprios, para salientar que esses seguimentos necessitam
interligarem-se para estabelecer elos de solidariedade, de compromisso
mútuo numa sociedade dirigida sob as regras do neoliberalismo. A
proposição feita na Carta, de tarefas no âmbito da educação, indica,
também, o compromisso atribuído tanto ao pedagógico, quanto ao espiritual,
o que nos leva a questionar com quais currículos ensinamos e como a
formação de nossos professores, em especial aquela feita em serviço ou no
âmbito
das
instituições
educativas
que
se
propõem
a
ser
crítico-humanizadoras, exige maiores atenções e cuidados. Mais do que
isso, é preciso repensar os discursos pedagógicos que permeiam o fazer
docência/discência em nossas instituições educativas, de maneira que
aprendamos a “discutir com os professores e com nossos alunos sobre os
diversos modelos de ensino, as diferenças e as semelhanças entre os saberes
e o que eles representam socialmente, como também estabelecer uma
relação entre as experiências passadas e presentes para perceber de que
forma isso tudo pode contribuir para a ressignificação dos sujeitos do
processo de ensino (o aluno e o professor), bem como da escola” (Pacheco,
1998).
Significa,
também,
questionar
a
polissemia
que
perpassa
os
currículos, problematizando relações discursivas no trabalho docente e
escolar, ao mesmo tempo fortalecendo formas para que o docente “tome em
suas mãos a direção deste processo de atualização pedagógica, expondo-se
ao diálogo e ao conflito” (Osowski, 2000b:65). O desafio que se coloca é
que os serviços que assessoram pedagogicamente os docentes em efetivo
exercício de sala de aula, precisam aprender a criar espaços e formas para
que o docente, conforme Osowski (2000b:65), possa “problematizar sua
práxis pedagógica, a partir dele próprio, no confronto com teorias e outras
14
práticas,
questionando,
a
partir
dos
seus
efeitos
de
sentido,
os
entrecruzamentos das relações sociais”. Mesmo sabendo que enfrentará
silêncios, resistências, negações e mal-estar, coloca-se a necessidade de
aprender/ensinar uma pedagogia da solidariedade, feita no cotidiano da sala
de aula, nas entrelinhas do fazer discente, e nos mais diferentes espaços
escolares, inclusive nos cantos e recantos da sala de aula, entre janelas e
portas que se abrem para a comunidade que pede, espera e participa da
escola e da universidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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JESUS NA AMÉRICA LATINA. São Paulo: Loyola, 1996.
GADET, Françoise & HAK, Tony (org.). Por uma análise automática
do discurso: uma introdução a obra de Michel Pêcheux. Campinas,
SP: Editora da UNICAMP, 1993.
LAGAZZI, Suzi. O desafio de dizer não. Campinas/SP: Pontes, 1988.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso.
Campinas/SP: Pontes, 1997.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A Leitura e os Leitores. Campinas, SP: Pontes,
1998.
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ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos de
trabalho simbólico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
ORLANDI, Eni Puccinelli. O que é lingüística.
1986.
São Paulo: Brasiliense,
OSOWSKI, Cecília Irene. A categoria do amor-justiça e a Pedagogia
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OSOWSKI, Cecília Irene. A Pedagogia Inaciana como proposta curricular.
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inéditos-viáveis humanizantes. Revista de Educação AEC, Brasília: AEC,
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15
OSOWSKI, Cecília Irene. Buscar e encontrar Deus em todas as coisas: amar
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OSOWSKI, Cecília Irene. Ética e o modo de proceder inaciano: implicações
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OSOWSKI, Cecília Irene. O “dizer” poético como sensibilização para a
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PACHECO, Rogéria Silveira. Silenciamentos no discurso pedagógico:
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PÊCHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas,
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TEIXEIRA, Marlene. O “sujeito” é o “outro”? Letras de Hoje, Porto
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16
ENTRE ASPAS, O CONTEXTO; NAS MARCAS, DESAFIOS: CONSTRUINDO
UMA PEDAGOGIA DA SOLIDARIEDADE.
OSOWSKI, Cecília Irene 6 e PACHECO, Rogéria Silveira 7 . (UNISINOS).
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar alguns resultados parciais
alcançados na pesquisa A categoria do amor-justiça e a Pedagogia
Inaciana. Dá continuidade a estudos realizados desde 1995, sobre
Pedagogia Inaciana, visando a problematizar o modo pedagógico de
proceder inacianamente nas perspectivas do currículo, da formação de
professores, da cultura e da ética, inserindo-se na Linha de Pesquisa
Práticas educativas, saberes e formação do educador, do Programa de
Pós-graduação em Educação, da UNISINOS. Se, por um lado, a Pedagogia
Inaciana busca reatualizar princípios que Inácio de Loyola vivenciou e
propôs como filosofia de vida, no século XVI, por outro, o cristianismo tem
sofrido duros questionamentos, desde o século XIX, em especial com Freud,
Marx e Nietszche. Ao mesmo tempo, as políticas sócio-econômicas
neoliberais e neoconservadoras, vigentes atualmente, avançam, aumentando
a exclusão e invadindo todos os espaços da vida social. Torna-se mais forte
uma formação pedagógica política e humanizante, social e cristã para
aqueles que assim se assumem e que se oponha ao crescente aviltamento
sofrido pelo ser humano. Precisamos construir currículos onde eduquemos
para uma ética da solidariedade universal e para uma ética de compromisso
e responsabilidade sobre nossas ações. Nesta perspectiva, a Pedagogia
Inaciana, principalmente na segunda metade do século XX, tem assumido
criticamente princípios e propostas educativas que valorizam a
experiência-reflexão-ação, problematizando o sentido de uma identidade
sócio-cultural comprometida com uma forma de viver cristã e inaciana.
Entretanto, o relativismo cultural que marca o contexto vivido, e impregna a
ética atualmente, lança mais sombras do que luzes para o sentido da vida e
para modos de viver ancorados na dignidade humana, o que nos levou a
investigar a formação discursiva contexto. Neste trabalho, tomamos como
referência de estudo a Carta dos Superiores Provinciais da Companhia de
Jesus da América Latina, de 1996, que se apresenta como proposta de vida
sócio-pessoal e proposta de trabalho coletivo, referenciando o princípio
inaciano de amar e servir, contribuindo, desta forma, para problematizar a
categoria investigada de amor-justiça. Tendo por referência a análise de
6
Professora-Pesquisadora Pós-graduação em Educação/UNISINOS. Doutora em Educação.
Coordenação da Pesquisa: A categoria do amor-justiça e a Pedagogia Inaciana (1999-2000)
7
Professora Centro Ciências da Comunicação/UNISINOS. Mestre em Educação.
Pesquisadora no Projeto: A categoria do amor-justiça e a Pedagogia Inaciana (1999-2000).
17
discurso, sob a ótica da linha francesa, examinamos o significado e o
sentido da formação discursiva que se apresenta nesta Carta, impregnada de
relações sócio-semânticas: linguagem fazendo-se ação, ação como
manifestação de linguagens. Situando a própria Carta frente à formação
discursiva contexto, aqui discutida, analisamos gênero, emissores,
elementos discursivos de conteúdo e receptores. Considerando as marcas
discursivas referenciadas, analisamos na Carta a gramaticalidade de um
contexto sócio-político-teológico, exigindo o compromisso da construção de
respostas que, para nós, centram-se na pergunta: qual o sentido de uma
educação inaciana, 450 anos após haver sido sonhada por Inácio de Loyola?
PALAVRAS CHAVES: Currículo – Práticas educativas – Pedagogia
Inaciana
18
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